VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz
Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.
Analise da ruptura da submissão feminina no cinema da década de
cinquenta, incorporadas nas personagens de Marilyn Monroe1
SANTOS, Tássio2
FERREIRA, Maria de Fátima3
Resumo: O papel midiático nas décadas de 50 e 60 não era meramente o de entreter
uma burguesia conformista pertencente ao mundo social pós-guerra. A revolução
eletrônica contemplou a mídia com um forte poder de formação cultural e subjetivo,
como a influência que exercia nos padrões cotidianos das populações urbanas e a
produção intensa de questionamentos sobre a feminilidade em função do doméstico.
Portanto, o presente trabalho propõe resgatar a importância dos meios de
comunicação preocupados em transmitir o comportamento dos jovens nãoconformistas de diversas idades. Essa pesquisa é uma análise da ruptura da submissão
feminina no cinema americano, a partir do novo foco que a mulher ganha nas
representações cinematográficas. Será analisado a postura, comportamento e
aparência das personagens representadas pela atriz Marilyn Monroe, seu pioneirismo
em comunicar a sensualidade feminina na mídia e sua inserção no mundo que antes
era considerado dos homens. Foi possível perceber que o protagonismo de Marilyn
Monroe, além de inspirar a sociedade em outros campos, reforçou a discussão sobre o
“ser mulher” na época.
Palavra-chave: Mídia; cinema; feminismo; Marilyn Monroe
Introdução
Dentre a vasta produção do cinema hollywoodiano na década de 1950,
assistimos películas que transmitiram filmes protagonizados por consagradas estrelas.
Entre elas estava Marilyn Monroe, uma atriz que começava a trilhar sua carreira na
área cinematográfica. Seu expressivo lado feminino e sua valorização corporal a
1
Trabalho apresentado no GT2 (Políticas e Análise do Cinema e do Audiovisual) do VI Congresso de
Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro,
outubro de 2013.
2
Tássio Santos é estudante do curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, do Centro de
Humanidades, Artes e Letras – CAHL, em Cachoeira /BA, da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia – UFRB. E-mail: [email protected]
3
Professora Adjunto II do Curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, do Centro de
Humanidades, Artes e Letras – CAHL, em Cachoeira /BA, da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia – UFRB. E-mail: [email protected]
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legitimaram como um símbolo sexual e de consumo da época. Mesmo depois de
completar 51 anos de sua morte, a atriz continua sendo lembrada nas peças
publicitárias, tomada como inspiração na criação de cosméticos e tendo seu ideal de
beleza reproduzido por todo o mundo. Mas quem realmente foi essa mulher que é tão
referenciada pela mídia? Qual sua posição enquanto mulher na época em que viveu?
Que tipo de mulher suas personagens representava?
Inicialmente é preciso compreender todas as transformações sociais que
começava a eclodir no mundo ocidental após a segunda guerra mundial e
contextualizar o modelo de sociedade vigente para então entendermos o papel
pioneiro que Marilyn Monroe exerceu nos cinemas. Para tanto, ao longo deste
trabalho, recorrerei a alguns sociólogos que se propuseram a estudar esse cenário de
transformações sociais profundas.
Dentre as já conhecidas consequências da segunda guerra mundial (19391945) – entre elas a hegemonia econômica dos EUA – e a estrutura política
internacional que deu início a guerra fria, observa-se um período de “paz” e
prosperidade no qual acionou o descontentamento de novos grupos e atores sociais
que mostraram revolucionárias tendências e novas formas de ler o mundo. A narrativa
sociológica que usamos para compreender hoje esse período começa com a transição
da sociedade de produção para a sociedade do consumo, nos países desenvolvidos e
identificados como capitalistas; a revolução eletrônica; e o novo papel que a mídia
exercia na construção da cultura e da subjetividade.
Ao contextualizar a época, é imprescindível não revelar a questão de gênero
no comportamento da sociedade e o modelo disciplinar que as famílias brancas de
classe média – no qual a posse de bens, como carro e eletrodomésticos, colocava-se
como elemento primordial para o bem estar individualista – onde era nitidamente
determinado a posição que a mulher iria ocupar, e até então, sem nenhum
questionamento de novos arranjos familiares que abririam para o campo da liberdade
na escolha. Esse modelo de família nuclear “era uma das instituições fundamentais
que banalizavam a propriedade privada e um estilo de vida altamente consumista, no
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qual, cada família mantinha seus status e seu senso de privacidade através do uso e
acumulação de um máximo de bens materiais” (ADELMAN, 2009, p.55)
As indagações a essa ordem social que aprisionava a mulher à domesticidade
foi o embrião para a “segunda onda feminista” 4.
“Porém nos meios de comunicação, que cada vez mais
influenciavam os padrões cotidianas das populações urbanas,
os anos posteriores à conquista do sufrágio feminino se
caracterizaram pela intensa produção discursiva de uma
feminilidade definida em função do doméstico – o que por sua
vez era como já que viu aqui, um dos grandes suportes do
status quo e de um conformismo social vinculado à
reprodução de papéis sociais rígidos e bastante policiados (...)
No entanto, estes mesmos meios de comunicação (...) vinham,
por outro lado, criando e espalhando novas imagens, por mais
contraditórias e ambivalentes que fossem, sobre a sexualidade
feminina e a inserção das mulheres no mundo que antes era
reservado aos homens.” (ADELMAN, 2009, p.35).
A mulher era rendida aos trabalhos domésticos, abdicadas de sua sensualidade
e tinham seus destinos como mães provedoras da educação dos filhos sendo traçados
desde longa data5 – essa imagem é muito bem transmitida nos meios de comunicação
4
O que foi chamado de segunda onda do movimento feminista começou a dar seus primeiros passos no
final da década de 60 nas primeiras conscientizações das mulheres e principalmente suas observações
políticas estruturais dentro do movimento dos direitos civis dos negros, o que facilitou no
estabelecimento de comparações entre suas posições em uma segunda classe.
5
As mulheres nessa época eram vistas como opressoras porque tinham um papel importante na
manutenção dessa ordem social estável financeira. Eram elas responsável para transmitir a educação
normativa da época. Porém, os jovens se votam contra essas mulheres e por isso mesmo excluíram as
mulheres dos primeiros movimentos sociais, já que eles não acreditavam em uma preparação para a
vida externa.
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de massa, sobretudo no cinema em filmes produzidos na época, como Juventude
Transviada (1955).
Mas, ao passo que as mulheres engatinhavam para desprender de seu
personagem nessa sociedade pós-guerra, os meios de comunicação também
desempenharam importante influência no padrão cotidiano das populações urbanas. O
cinema foi o primeiro grande comunicador de massas do século XX e retratou
também em suas produções imagens de uma nova maneira de “ser mulher”, além de
ajudar a criar um espaço de aspiração feminina que extrapolasse o papel de esposa e
vocação materna (ADELMAN, 2009).
“A mulher é vista nos filmes da década de 50 da
mesma maneira que nas décadas anteriores, ou seja, uma
mulher que renuncia aos seus próprios desejos em favor do
desejo masculino. E os filmes a caracterizam como um objeto
de desejo domesticável. Sempre precisando de um homem que
a deixe “segura” contra suas próprias fraquezas femininas e
que, além do mais, seja vulnerável economicamente. Ela ainda
é representada nos filmes como um ser que não pode ser dono
de seu prazer e de sua vida, é totalmente dependente do
homem para satisfazer-se, sendo inserida nos filmes como
fetiche, algo belo e inacessível, causando assim um imenso
prazer visual ao homem, que se coloca como um voyeur diante
de tais imagens.” (CARDOSO & FREITA JUNIOR, 2009,
p.11)
A trajetória de Marilyn Monroe se desprende um pouco dessas características
e leva essa essência para suas personagens. A valorização de sua aparência ganha
força nos filmes e seu corpo passa a ser objeto de deleite masculino. “Os corpos
curvelíneos são valorizados e falam tanto quanto os rostos e os lânguidos gestos,
celebrizados pelo cinema noir” (Ullmann, 2004, p. 95). Como veremos a diante, as
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personagens da atriz sempre via em um homem rico um estado de segurança e
conforto, mas durante todo seu percurso houve ações feministas que a destacaram e
por muitas vezes fora criticada. Dessa forma, faz-se então imprescindível pesquisar
em que posição estavam encaixadas as personagens da atriz, com o propósito de
conceituar sociologicamente a submissão feminina ao gênero masculino, analisando a
ruptura do engessamento da a qual estava submetida a vida das mulheres.
Este trabalho tem como objetivo estudar as personagens da atriz a partir das
teorias do cinema e de gênero, identificando as ações feministas de Marilyn Monroe e
compreendendo a importância de seu pioneirismo em comunicar o lado sensual da
mulher no cinema, a “mulher liberta” (BEBIANO & SILVA, p.6), analisando não só
sua postura nos filmes, mas também outros indicadores, tais como comportamento e
aparência, que influenciaram não só o campo social, mas também o artístico.
Para a construção do presente trabalho foram analisados dois filmes: Os Homens
Preferem As Loiras (1953) e O Pecado Mora ao Lado (1955), pois serviram de
exemplo representativo da posição feminina retratada no cinema hollywoodiano.
Entre aparições e protagonismo, a filmografia de Marilyn Monroe abrange mais de 50
trabalhos, portanto, em um momento posterior pode-se incorporar outros filmes. A
escolha dos dois filmes foi dada porque além de envolver o comportamento da
mulher, reflete traços de uma sociedade preconceituosa que posicionava o homem no
pico da hierarquia social sob “um viés masculinista que permeia todo o pensamento
social ocidental” (Adelman, 2009, p.85). Ainda sobre a importância dos filmes, eles
são altamente expressivos em seus devidos gêneros – comédia, musical e romance - e
os que mais carregam o sucesso da protagonista6. Eles alcançaram um sucesso maior
do que as outras produções estreladas pela atriz, sendo premiada pela sua performance
em Os Homens Preferem As Loiras (1953) pelo Globo de Ouro e eternizando cenas
como a do vestido esvoaçante em O Pecado Mora ao Lado (1955).
6
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Apesar da segunda onda do movimento feminista culminar nos anos 60, a
importância de trazer filmes da década anterior é relevante para compreender o início
do que seria o rompimento da dominação masculina sob as mulheres. Segundo Turner
(1993), nos anos 50 o desejo sexual masculino se intensifica e há um aumento no
consumo de artigos sexuais. É nesta década, mais precisamente em 1953, que é
lançada a Playboy que trazia Marilyn Monroe como a primeira pessoa a posar nua
para a revista. Essa e outras ações a elegeram como um símbolo sexual desejado por
todos os homens da época. Seu estilo de viver e vestir ainda são referenciados
atualmente nas peças publicitárias, coleções de cosméticos e tido como inspirações no
campo da moda.
Musa inspiradora
Na maioria das produções da época, a mulher ainda era vista encaixada nas
normas que regiam a sociedade, uma mulher que renunciava seus próprios desejos em
favor do desejo do homem. Além disso, o prazer da mulher não passava das barreiras
do domesticável; vários filmes encenavam a felicidade da mulher preocupada com a
educação dos filhos, cuidando da casa, preparando o café da manhã para a família e
claro, dando a última ajeitada na gravata do marido antes da jornada no trabalho. A
personalidade das mulheres estava resumida a dois pontos: carência – sempre
necessitando de um homem forte para reparar suas fragilidades – e vulnerabilidade
financeira – dependência da figura do homem provedor. Era conveniente para os
homens deixarem a mulher nessa condição. Simone de Beauvoir argumenta sobre o
livro Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, afirmando que os homens tinham nas mãos
“todos os poderes concretos, eles trabalhavam também para manter as mulheres em
estado de dependência” (Beauvoir, 1949, p. 189).
Os homens acabaram criando mitos dessa cultura ocidental, o mito da Mulher
está entre eles e traz o conceito do Eterno Feminino. Esse mito nada mais é do que um
fruto das relações de poder e como diz Beauvoir “poucos mitos foram mais vantajosos
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do que esse para a casta dominante: justifica todos os privilégios e autoriza mesmo
abusar deles” (p. 314).
Dos dois elementos que compõe esse mito, o primeiro refere-se à noção da
Mulher como enigma e sua glorificação no discurso poético romântico masculino. As
mulheres são verdadeiras musas inspiradoras da cultura e fazem com que os homens
as descrevam nas poesias, retratem nas pinturas e inspirem nas melodias. A primeira
vista, esse elemento as enaltece, porém, é uma reparação disfarçada do papel já
tratado aqui que a normatização as submete. Além do mais, o fato de estarem na
posição de inspiração, as mulheres não são contempladas com o papel de produtoras
de cultura. Esse elemento pode ser descrito como a cena de uma mulher posando para
um pintor, exercendo um papel passivo no processo, enquanto o artista a toma como
inspiração manifestando seu respeito ou deferência7. O segundo elemento dessa
construção de Mulher pelos homens, é a sua sexualidade que se propaga pelo
silenciamento cultural do desejo feminino. As mulheres não tinham direito de ter
prazer sexual porque eram objetos de desejo do homem. Ao serem mitificadas, elas se
tornam quase santas e as mulheres reais passam a não existir nessa teoria.
Adelman salienta que embora Beauvior não acredite no poder do mito e a
homogeneização que a realidade das mulheres exerce na sociedade, ela não deixa de
apontar a atenção que as “mulheres reais” devem ter para não deixar o mito – e todas
suas relações de poder embutidas – influenciem no seu comportamento.
Marilyn Monroe
“Se eu tivesse seguido todas as regras, nunca teria chegado a lugar nenhum”.
Este é um dos muitos pensamentos críticos de Marilyn Monroe ao longo de sua
carreira que gravitou em torno do sucesso prodigioso. Nascida em Los Angeles em
Junho de 1926, Norma Jean Mortenson foi filha de Gladys Pearl Baker e pai
desconhecido. Mais tarde foi batizada de Norma Jean Baker. A sua mãe teve que
7
Com essa manifestação de distanciamento, os homens não queriam reconhecer as mulheres como
seres iguais a eles, de carne e osso, humanos que sentem desejos carnais e que aspira liberdade.
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largar o emprego em uma editora de filmes para ser internada em uma instituição de
doentes mentais. A partir daí, Norma viveu em um orfanato e foi acolhida por uma
família onde passou cinco anos, a família Goddard, que a abrigou, mas teve que se
mudar para o leste dos EUA e não teve condições financeiras que leva-la. Foi onde
então, aos 16 anos, que Norma viu no casamento uma oportunidade de sair do
orfanato e casou-se com Jimmy Dougherty, de 21 anos, com quem namorava há seis
meses.
Devido à entrada de seu marido na marinha, Norma começa a trabalhar em
uma fábrica onde é descoberta por um fotógrafo e a convida para posar como modelo.
Nesse momento americano, as mulheres ganham força no mercado de trabalho por
não ter um marido presente para propor seu sustento. Sobre a inserção das mulheres
no mercado de trabalho, “é aqui que veremos mulheres trabalhando longas jornadas
diárias (...)” (MELLO, 2012, p. 64). A partir daí, Norma passa a estampar várias
capas de revista como modelo profissional e começa a cursar teatro. Em 1946 ela
assina um contrato com o estúdio Twentieth Century Fox, tinge o cabelo de loiro e
assume o nome artístico de Marilyn Monroe.
Marilyn Monroe nunca foi chamada de feminista, pois o termo ainda não
estava em uso difundido em sua vida, além de que o movimento só aparece anos
depois de sua morte. Entretanto, suas ações são consideradas de cunho feminista, uma
vez que começava a se rebelar contra as convenções sociais, a exemplo das causas de
seu primeiro divórcio com o marinheiro Jimmy Dougherty, e oito anos mais tarde
com o jogador de basebol Joe DiMaggio, ambos não apoiavam seu trabalho e sua
imagem sensual exposta na mídia. Se ela tivesse vivido mais alguns anos, até meados
dos anos 1960, o movimento feminista poderia ter oferecido o conceito de sexismo
como uma maneira de compreender a opressão e a ideia de fraternidade e apoio.
Ao considerá-la um ícone importante na história, vale ressaltar sua carreira
entre as duas ondas do movimento feminista, a primeira dada com a conquista do voto
feminino nos EUA em 1919 e a segunda a partir dos movimentos sociais dos anos 60.
Ela é referência no campo artístico por passar através das telas do cinema uma mulher
assumindo uma suposta independência em todos os aspectos da vida social.
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Assistimos suas personagens ganhando as ruas, distante daquela mulher presa à
domesticidade que vimos até agora. Entre seus prazeres não estavam em cuidar do lar
e da família e sim uma satisfação – por vezes sexuais – próprias.
Nos filmes analisados, Marilyn Monroe trazia uma imagem diferente da
mulher de sua época. A década de 50 foi considerada um momento difícil para as
mulheres8 por ser extremamente conservadora e regida por regras, mas os papéis da
atriz nos filmes iam em direção contrária aos bons costumes do ser mãe, dona de casa
e “mulher para casar”. Ela teria sido uma faísca para as mulheres com pleno domínio
sobre os homens, o que seria mais tarde chamado de femme fatale. Suas personagens
sempre estavam inseridas no mundo que pertencia ao masculino e traziam uma nova
mulher sedutora, elegante e desinteressada na padronização da feminilidade. Segundo
Lipovetsky (2000, p.170), elas representavam “o erotismo feminino sem o satanismo
da carne e com uma vitalidade divertida”.
Por transcender a normatividade imposta pela sociedade, a atriz teve que
ultrapassar alguns obstáculos e diversas vezes questionou o sistema patriarcal
hollywoodiano que a tratava como prostituta. Ela sempre viu sua sensualidade como
uma forma de conquistar independência e poder sobre os homens, além de apresentarse como uma mulher de negócios criando e administrando a própria produtora, com
metade do seu quadro formado por mulheres. Entre os filmes lançados, “O Príncipe
encantado” e “Nunca fui santa” permitiram mostrar sua versatilidade e rendeu boas
críticas na mídia.
Análise fílmica
Há nos dois filmes um ponto em comum: uma personagem preocupada em
estar ao lado de um homem provedor capaz de suprir suas necessidades, por vezes
sexuais, e que tenha a liberdade de escolher a partir de sua concepção de homem
ideal. Os filmes retratam rigorosamente a ruptura do padrão normativo que regia o
feminino na época, transmitindo a imagem de uma mulher interessada no desejo
carnal, material e emocional, desconstruindo um ideal de mãe, esposa e família que
8
E para os negros e homossexuais também.
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era tido como referência até então. Ao mesclar características de mulheres de vida
pública e doméstica, as personagens de Marilyn Monroe monta uma imagem de uma
nova possibilidade do “ser mulher”, até então não veiculado no cinema.
Os Homens Preferem as Loiras
Talvez em seu filme mais bem cotado pelos críticos de cinema, a comédia
musical Os Homens Preferem as Loiras (1953), Howard Hawks aborda diretamente a
presença sexual em suas personagens, algo que para década de 50 era silenciado pela
sociedade. Lorelei, interpretada pela atriz Marilyn Monroe, e sua amiga Dorothy,
representam um papel de mulher sexualmente atraente, ideal para todos os homens
que aparecem ao redor nas cenas. Lorelei não tem medo de misturar desejos fúteis
com sentimentais. Apesar de parecer uma mulher de desprovida de inteligência,
algumas de suas atitudes mostram uma postura feminista pondo em questão o poder
do erotismo em manipular situações.
À pedido de seu noivo milionário, a dançarina Lorelei e sua amiga
Dorothy embarcam em um cruzeiro rumo a Paris. Sua viagem é integralmente
custeada por ele, mas com os contratempos veremos que as duas garotas terão que
trabalhar para permanecer no país. Porém, o pai do noivo, o qual não aprova a relação
do filho, contrata um detetive para segui-las e conseguir provas de infidelidade de sua
futura nora. A série de confusões que dá início em alto mar mostra uma comédia
preocupada em transmitir a repressão que as mulheres passavam por usufruir de seu
corpo para conseguir presentes caros, atenção dos homens e uma vida confortável
proporcionada por eles.
As dançarinas abusam de sua sensualidade para fins próprios, sem receios da
sociedade ainda conservadora, explícita no papel do futuro sogro de Lorelei, por
exemplo. A personagem de Marilyn Monroe deixa de lado o segundo elemento do
mito da mulher aqui já tratado, o silenciamento do desejo feminino, para seduzir um
milionário em troca de presentes caros. Apesar de toda inocência transmitida por ela,
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vale ressaltar que o comportamento que ela admite ao longo do filme, nenhuma outra
mulher da época tinha coragem de adotar. Nas circunstâncias que ela se encontrava de casamento marcado -, ousar se relacionar com outro homem em troca de joias era
motivos suficiente para sofrer represálias e injurias da sociedade.
No trabalho publicado por Lucie Arbuthnot e Gail Seneca (1990), os autores
se propuseram a analisar o filme porque "as mulheres não só resistem a objetivação
do sexo masculino, mas que também apreciam profundamente suas conexões com o
outro. A amizade entre duas mulheres fortes, Monroe e Russell, convida o espectador
fêmea para se juntar a eles, por meio de identificação, na avaliação de outras mulheres
e de nós mesmos." (pág. 113). Para analisar as personagens no filme, primeiro os
autores forneceram algumas referências a outras representações de Hollywood de
mulheres fortes, como Marlene Dietrich, Greta Garbo e Katherine Hepburn. Ao olhar
fixamente filmes dessas estrelas do cinema, eles apontam que o público projeta seus
desejos para os personagens. E talvez ai resida a participação de Marilyn Monroe no
movimento feminista ao inspirar multidões não só no comportamento, mas também
na postura, nos medos e anseios, na maneira de se vestir, de arrumar os cabelos e até
se maquiar.
O filme não se resume apenas a contar a história de duas dançarinas atraentes
em uma viagem de navio transatlântico, durante o qual eles buscam maridos e captar a
atenção de todos os homens a bordo. "Os temas são a resistência das mulheres à
objetivação por homens, e das mulheres de conexão com o outro." (pág. 116). Os
autores afirmam que a essência do filme é tão constantemente interrompida pelos
problemas subjacentes do feminismo, que a história principal fica em segundo plano.
O pecado mora ao lado
Antes mesmo de falar do filme, é preciso traçar um breve currículo do diretor.
Billy Wilder nasceu na Polônia e cresceu na subversão, estendendo seus 50 anos de
carreira em mais de 60 filmes e 21 estatuetas do Oscar. Como bom judeu exilado de
um mundo de horrores nazistas, seu propósito ao chegar aos Estados era quebrar
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paradigmas criticando a Guerra Fria. Billy Wilder dirigiu dois filmes protagonizados
por Marilyn Monroe, um deles, o que segue a análise neste momento, chegou ao
Brasil como o título de O Pecado Mora Ao Lado (1955) e ficou conhecido no mundo
inteiro pela cena do vestido esvoaçante e o consagrou como umas das melhores
comédias de todos os tempos.
A comédia começa com um momento lúdico interessante. O narrador descreve
uma comunidade indígena americana enaltecendo o trabalho masculino, atribuindo a
responsabilidade por promover o mantimento de necessidades básicas, como caçar
alimentos e proteger sua família dos outros animais. No verão mulheres e filhos dessa
aldeia viajam para regiões menos quentes, um privilégio apenas para as mulheres
casadas. Na cena da partida, todos eram atraídos por uma mulher muito sensual,
supostamente solteira e independente, e seduzia-os com sua beleza. A história do
filme vai se passar 500 anos mais tarde e retratando a mesma ordem social, ou seja, já
implícita uma crítica ao papel da mulher e ao desejo sexual pertencente aos homens.
Após mandar sua mulher para o interior durante o forte verão nova-iorquino,
Richard Sherman conhece uma modelo loira sem nome, interpretada por Marilyn
Monroe, que é sua nova vizinha do andar de cima. Apesar de acometido de uma
recente paranoia sobre a possibilidade de se tornar infiel - está lendo no momento um
livro chamado A coceira do sétimo ano (The 7 Year Itch), que fala das grandes
probabilidades do homem se tornar infiel após sete anos de casamento, exatamente o
tempo que ele tem de casado - Richard Sherman se apresenta como um produto de
uma sociedade machista que aceita esse acordo entre o casal da traição masculina.
Nesta época, Marilyn Monroe já começava a se enquadrar no conceito de pinup, onde transpira toda sua sensualidade sedutora, assume uma posição de suposta
independência em todos os campos vida social, contudo há ainda a legitimação do
espaço masculino no centro da trama9. As pin-ups são segundo Lipovetsky (2000,
p.170) “o erotismo feminino sem o satanismo da carne e com uma vitalidade
9
As poucas mulheres que aparecem no filme ocupam cargos baixos parente
aos homens, a exemplo da secretária do empresário e da garçonete do comerciante.
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divertida.” As personagens feitas sob medida por Marilyn têm como ponto
fundamental o ar de ingenuidade que transmitia:
“[...] Marilyn Monroe, que filmara The Seven Year
Itch (em Portugal, O Pecado Mora ao Lado) em 1955 –
integravam já temas e abordagens que correspondiam à
materialização da nova figura da “mulher liberta”, dotada de
uma vida amorosa activa e variada, experimentada sem
aparente má consciência, pontuada por uma iniciativa que já
não era um privilégio exclusivamente masculino.” (BEBIANO
& SILVA 2004, p6)
A personagem mantinha um relacionamento apenas amigável de sua parte,
mas com uma atração incontrolável e hilariante de Richard pela loira, ele é perseguido
por pesadelos e delírios de sedução e infidelidade, tanto dele quanto de sua mulher,
que lhe aparece em sonhos o traindo com seu vizinho e amigo ou o matando a tiros
por ciúmes da vizinha loira. Seu desejo por outras mulheres vem sendo demonstrado
ao longo do filme, mas é com a loira que ele estabelece uma relação adúltera. Em
dado momento, Richard é surpreendido por outro personagem que ao ver os dois
juntos se desculpa por atrapalhar a situação. Ao ver as sedutoras pernas da loira ele o
incentiva a seguir em frente. O lugar social de provedor do lar que o homem era
destinado a ocupar, dando a ele o direito de tomar decisões importantes, é o lugar que
Richard ocupa; um emprego responsável pelo sustento da família branca de classe
média lhe possibilita ter um relacionamento extraconjugal.
Marilyn Monroe não deixou de expressar no papel seu desejo sexual reprimido
pelas mulheres da época. A famosa e provocante cena do vestido esvoaçante soube
como provocar o público sem ser apelativo, o que para época já era um avanço muito
grande ter as pernas de uma atriz em uma cena sensual. A loira também se mostrou
disposta a usufruir de um prazer que antes estava restrito aos homens. Talvez esse
seja, entre os analisados, o filme que Marilyn Monroe mais expresse seu perfil
inocente presente em todos seus outros papéis. Mas mesmo passando a imagem de
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uma mulher frágil e ao mesmo tempo segura, ela põe seus desejos em primeiro plano
e apesar de ter o sonho de encontrar um amor, em nenhum momento a personagem
expressa a vontade de construir família ou ingressar nas normas traçadas para as
mulheres da época. Pelo contrário, preza muito pelo seu trabalho como modelo e foca
em sua carreira profissional.
Referências
ADELMAN, Miriam. A Voz e a Escuta: encontros desencontros entre a teoria
feminista e a Sociologia Contemporânea. São Paulo: Editora Blucher, 2009.
ARBUTHNOT, Lucie, SENECA, Gail. Pre-Text and Text in Gentlemen
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A ruptura da submissão feminina no cinema da década de