Compreendendo o Consumidor Através do Interacionismo Interpretativo
Autoria: João Felipe Rammelt Sauerbronn, Eduardo André Teixeira Ayrosa
Resumo: O interacionismo interpretativo é uma proposta metodológica voltada para os
problemas vividos pelos indivíduos no mundo das experiências e seus contextos sociais. A
partir da perspectiva da interação simbólica de Blumer, aliada à fenomenologia hermenêutica
de Heidegger, o interacionismo interpretativo propõe a observação das interações entre
indivíduos em momentos críticos (epifanias) e a busca da compreensão da construção dos
significados individuais a partir da interpretação destas interações. Tal perspectiva pode ser
interessante para a pesquisa acadêmica em marketing, especialmente para os estudos que
procuram levar em consideração o ponto de vista do consumidor e a sua formação de
significados e valores de consumo. O presente artigo se dedica a apresentar a perspectiva do
Interacionismo Interpretativo, conforme desenvolvida por Denzin (1989) e procura
demonstrar como esta metodologia pode ser utilizada na pesquisa acadêmica em marketing.
1. Introdução
O desafio de se compreender o consumidor e as experiências de consumo tem
despertado em muitos pesquisadores da área de marketing o desejo de partir para novas
configurações de pesquisa. Vários pesquisadores têm reiteradamente mencionado a
predominância do positivismo hipotético-dedutivo na área de marketing (HIRSCHMAN,
1986; VIEIRA, 2000 e 2003), predominância esta justificada pela tentativa de construção de
uma ciência do marketing (HUNT, 1991). O dilema do estudioso da área de marketing reside
na relativa limitação do seu repertório de soluções metodológicas, fruto dos esforços de
construção de uma carreira acadêmica num ambiente predominantemente positivista. Aceitar
que existe algo que jamais será colocado em uma escala e faz sentido para a pesquisa em
marketing não faz parte do credo de muitos acadêmicos da área de marketing.
Para a resolução de alguns problemas de marketing, a visão positivista e os métodos
quantitativos parecem bastante adequados. Problemas relacionados a variações em
quantidades de vendas frente a deslocamentos de preços, por exemplo, podem ser entendidos
muito precisamente a partir desta visada, como apontam Ayrosa e Sauerbronn (2004).
Entretanto, a visão dominante carece de uma revisão, já que se mostra pouco funcional em
muitos casos. Uma vez que a produção acadêmica adota majoritariamente a perspectiva
positivista, os modelos construídos dentro desta orientação axiológica serão consolidados
dentro dos preceitos alinhados ao positivismo. As limitações intrínsecas destes modelos
excluem fatores aos quais as representações da realidade propostas não foram programadas
para captar.Como conseqüência, estes fatores deixam de existir e a disciplina continuamente
deixa de lado vários aspectos que podem ser importantes para a compreensão adequada dos
problemas relacionados às trocas entre compradores e vendedores e sobre o que há por trás
destas trocas (ZINKHAM e HIRSCHEIM, 1992; CHUNG e ALAGATARATNAM, 2001).
As abordagens interpretativistas (e qualitativas) ganharam grande suporte a partir da
orientação pós-moderna (BROWN, 1994), uma vez que esta condição fez com que alguns
temas passassem a ser interessantes à pesquisa acadêmica em marketing. Desta forma, muitos
trabalhos com temas novos e estranhos ao paradigma dominante passaram a ser conduzidos
sem o grande temor de não serem aceitos na academia (HOLBROOK e HIRSCHMAN,
1982). A partir da observação alternativa dos problemas de marketing pôde surgir espaço para
diversas formas de se entender e realizar pesquisa em comportamento do consumidor. A
utilização de pontos de vista alternativos permitiu que diversas relações que não poderiam ser
percebidas (ou aceitas) no passado fossem pesquisadas e trouxessem novas possibilidades
para a compreensão do marketing. Conseqüentemente, novos problemas de pesquisa em
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marketing surgiram e isto tornou possível a consolidação da visão interpretativista dos
problemas de consumo.
O objetivo deste artigo é apresentar uma metodologia que pode ser interessante para a
observação do consumidor e suas experiências de consumo e para o desenvolvimento de
novas teorias sobre consumo. Dentro deste contexto, exploramos o Interacionismo
Interpretativo como proposta metodológica interessante para a observação de problemas de
consumo. Como veremos adiante, as características intrínsecas do método podem colocar esta
proposta metodológica como uma forma de superar eventuais obstáculos para a pesquisa em
marketing, mais notadamente aquela preocupada com os problemas que podem surgir das
ações de marketing.
2. Estabelecendo o Espaço Interpretativo na Pesquisa Acadêmica de Marketing
Dentro do campo da pesquisa qualitativa, é reconhecido que não há uma única maneira
de se representar experiências de consumo (GOULDING, 2003) e os debates estabelecidos no
campo do marketing confirmam esta característica plural. A pesquisa acadêmica em
marketing lançou mão da utilização de métodos qualitativos há tempos e perspectivas
alternativas às pesquisas tradicionais têm surgido com força cada vez maior nas academias
internacional e brasileira, mesmo que com alguma timidez se comparado com outros campos
das ciências sociais, inclusive administrativas. Mesmo que a aventura por caminhos
alternativos dentro da pesquisa acadêmica em marketing já não seja mais tão perigosa e não
demande mais tanta “auto-proteção” do pesquisador, dedicamos esta seção à breve
apresentação dos pressupostos da pesquisa de caráter interpretativo. Estes pressupostos
incluem crenças sobre a natureza da realidade, dos seres sociais e sobre o que constitui
conhecimento, como vemos a seguir.
No tocante à natureza da realidade (ou verdade), em contraste à visão positivista que
propõe a realidade objetiva e tangível, a perspectiva interpretativa assume a realidade como
essencialmente mental e percebida. Desta forma, múltiplas pesquisas tendem a não convergir
para uma única realidade porque há múltiplas realidades e estas realidades são dinâmicas
(HUDSON e OZANNE, 1988). A realidade é construída por sistemas que são dependentes de
outros sistemas para gerarem significados e sentidos (LINCOLN e GUBA, 2000; mais
especificamente na disciplina do marketing: MOORMAN, 1987). A realidade é socialmente
construída, múltipla e contextual. Desta visão da natureza da realidade resulta a própria visão
de ser social que não apresenta um comportamento determinado (reativo) ou formado
unicamente a partir do processamento racional de informações que forma crenças, atitudes e
intenções (causalidade). Os interpretativistas assumem que os indivíduos criam sentidos e
interagem ativamente a partir de suas interações com o mundo de forma a moldar seu
ambiente (HUDSON e OZANNE, 1988).
O objetivo maior de uma pesquisa de caráter hipotético-dedutivo é apresentar uma
explicação que gere subsídios para a predição, a partir de leis universais para o
comportamento dos indivíduos e, no caso do marketing, previsão de comportamentos de
consumo. Esta perspectiva epistemológica prioriza perguntas de pesquisa baseadas em
“porquê”. Para o interpretativista o objetivo principal é compreender o comportamento, não
prevê-lo. Faz mais sentido para o interpretativista perguntar “como”, e não “porquê”. Esta
compreensão é radicalmente diferente da visão positivista: compreender é um processo e não
um produto final, nunca tem fim (ARNOULD e FISCHER, 1994). Não existe a interpretação,
existe uma interpretação: a interpretação é pré-requisito, mas não é suficiente. Esta
perspectiva está relacionada por alguns pesquisadores ao que Weber chama de verstehen
(SCHWANDT, 2000), uma compreensão completa do mundo do outro a partir dos termos do
pesquisador. Dentro da abordagem interpretativa, em adição ao conhecimento dos
significados culturais compartilhados, é necessário perceber os significados
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pessoais/individuais. Desta forma, compreender o consumidor significa entender também a
interação entre os significados sociais e culturais compartilhados por ele e seus significados
pessoais (THOMPSON, 1997). Como os processos social e cultural são dinâmicos, os
significados de consumo são continuamente criados e recriados durante o ato da vida. Ao
mesmo tempo em que possibilita alguma compreensão do universo do outro, o verstehen,
contudo, guarda limitações na compreensão de manifestações de culturas estranhas ao
pesquisador, pois os termos da interpretação serão sempre relativos ao universo cultural do
pesquisador.
A perspectiva interpretativa adota uma abordagem mais histórica e particularista à
pesquisa e se preocupa em estudar um fenômeno específico em um tempo e em um lugar
específicos. Ao invés de procurar leis determinísticas, a pesquisa interpretativa busca
determinar motivos, significados, razões e outras experiências subjetivas que são ligadas a
tempo e contextos (MCCRACEKN, 1981). Assim, não há preocupação com generalizações
ou leis abstratas e gerais que possam ser aplicadas a um número infinitamente grande de
fenômenos de consumo, consumidores, condições e tempos (HUDSON e OZANNE, 1988).
Para os interpretativistas o mundo é tão complexo e dinâmico que é impossível distinguir
causa e efeito. A instância interpretativa pressupõe molde simultâneo e mútuo entre as
entidades (HOLBROOK e GRAYSON 1986). Segundo esta perspectiva, presumir que um
fenômeno seria causado por outro seria, portanto, cientificamente inocente.
As distinções ontológicas, axiológicas e epistemológicas da perspectiva interpretativa
têm implicação na forma de encarar a pesquisa: o pesquisador e os consumidores investigados
interagem e surge uma pesquisa cooperativa (GOULDING, 2000). Se a realidade social é
baseada nas percepções individuais e grupais, então, para entendermos suas percepções, os
indivíduos/consumidores devem estar envolvidos na criação de um processo de pesquisa. O
consumidor estudado se torna um participante na pesquisa, guiando o processo assim como
proporcionando informações. Para os interpretativistas, o cientista é membro da realidade
social, não havendo nenhuma posição privilegiada (HUDSON e OZANNE, 1988). Desta
forma, surgem desenhos de pesquisa que requerem adaptação da parte do pesquisador durante
todo o processo de pesquisa. Uma característica marcante da abordagem interpretativa é o
desenho de pesquisa em evolução contínua (continually evolving research design). Os
interpretativistas procuram descrever várias realidades percebidas que não podem ser
conhecidas a priori porque eles são específicos de um tempo e de um contexto. A pesquisa é
um processo emergente e, assim como as realidades percebidas mudam, o desenho da
pesquisa se adapta.
Diversas pesquisas que compartilham da perspectiva interpretativa já foram
desenvolvidas dentro do campo da pesquisa de consumo, mesmo que ainda não de forma
preponderante dentro da área tanto em nosso academia, como na academia internacional
(HIRSCHMAN, 1986; VIEIRA, 2000 e 2003). A busca pela compreensão do consumidor e
das experiências vividas em situações de consumo acaba levando os pesquisadores de
consumo a novas fronteiras da pesquisa social e, assim, as limitações metodológicas da
disciplina do marketing são forçosamente superadas.
Como uma abordagem qualitativa distinta na pesquisa social, o interacionismo
interpretativo procura trazer de forma acessível ao leitor o mundo da experiência vivida pelo
indivíduo. Conforme propõe Denzin (1989), o foco deste método interpretativo se coloca
sobre as experiências de vida que radicalmente afetam ou dão forma aos significados que os
indivíduos dão a si mesmos e aos seus projetos de vida, intimamente ligados ao consumo
(BAUDRILLARD, 1991).
3. A Proposta do Interacionismo Interpretativo
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O interacionismo interpretativo é uma proposta metodológica voltada para os
problemas vividos pelos indivíduos no mundo das experiências e seus contextos sociais. A
sua denominação exibe seus antecedentes: o argumento do interacionismo interpretativo parte
do interacionismo simbólico de Blummer e procura conciliar esta proposta à perspectiva
interpretativa da fenomenologia associada à hermenêutica de Heidegger, criando, assim,
estudos que fazem sentido para o mundo pós-moderno da experiência humana (DENZIN,
1989). Seu desenvolvimento parte do pressuposto que as ações humanas se dão em direção ao
outro, com o outro e a partir do outro, em processos mútuos que resultam nas experiências
interacionais mediadas por símbolos e pela linguagem. A partir das interações entre
indivíduos passam a surgir relações entre os objetos e seus significados e estes significados
sobrepostos passam a compor um repertório de sentidos para os objetos de acordo com os
contextos das interações.
Existem muitas abordagens interpretativas relevantes para a pesquisa social e, por
conseqüência, para a pesquisa de marketing. O Interacionismo Interpretativo pode ser mais
uma opção para o pesquisador da área na medida em que opera sobre determinadas condições
que podem ser interessantes para alguns problemas de pesquisa da disciplina. As
características deste método são muito bem desenhadas por Denzin e cabe a esta seção
apresentar as origens e particularidades desta proposta metodológica.
3.1 A Perspectiva Metodológica do Interacionismo Simbólico
Para que possamos entender a proposta de Denzin para o Interacionismo Interpretativo
e cumprir a proposta deste trabalho é necessário que analisemos seus antecedentes. Como
podemos perceber, até mesmo pela forma com a qual Denzin deu nome a sua proposta, as
interações entre indivíduos são a base de sua proposta metodológica e o interacionismo
simbólico serve como principal elemento constitutivo do interacionismo interpretativo. Nesta
seção desenvolveremos a perspectiva do interacionismo simbólico, conforme proposto por
Blumer (1998), e destacaremos as contribuições mais sólidas à proposta do interacionsimo
interpretativo.
Seguindo o trabalho de outros teóricos da Escola de Chicago, Blumer foi o
responsável pela posição metodológica adotada pelo interacionismo simbólico e se tornou
figura central para o desenvolvimento de ações empíricas baseadas nesta perspectiva. O
princípio básico do interacionismo simbólico propõe que qualquer esquema social humano
orientado empiricamente deva respeitar o fato de que, em primeira e última instâncias, a
sociedade humana é constituída de pessoas engajadas em ações. O interacionismo simbólico
dá conta da natureza da sociedade humana e da vida humana em grupo e dentro desta
perspectiva, os grupos humanos são formados por seres humanos engajados em ações. Estas
ações consistem em múltiplas atividades que os indivíduos realizam em suas vidas enquanto
se encontram uns com os outros e lidam com a sucessão de situações a que são confrontados.
Assim, os grupos humanos ou sociedades existem em ação e devem ser observados em termos
de suas ações. A vida em grupo pressupõe necessariamente as interações entre membros do
grupo ou, posto de outra forma, uma sociedade consiste de indivíduos interagindo.
A conformação da proposta metodológica do interacionismo simbólico surge do
desconforto de Blumer frente ao modo com o qual as ciências sociais e a psicologia social
tratavam as interações humanas. Para ele, as interações sociais desempenhadas pelos
indivíduos detinham importância fundamental para a compreensão dos fenômenos sociais e
deveriam ser contempladas pelas ciências sociais. Assim, Blumer considerou três premissas
básicas para sua proposta: 1) os seres humanos agem sobre os objetos com base nos
significados que aqueles objetos têm para eles; 2) os significados dos objetos originam-se na
interação social que o indivíduo tem com outro; e 3) os indivíduos lidam com os significados
e os modificam através de um processo interpretativo utilizado pela pessoa ao lidar com as
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coisas que encontra. Parece claro como este processo de ressignificação acontece no mundo
do consumidor, afinal, um produto como o automóvel pode assumir diversos significados para
os consumidores, desde o simples meio de transporte até a explicitação de uma opção de vida.
De certo o universo de consumo é um universo eminentemente simbólico que guarda
importância fundamental para os significados de vida dos indivíduos (BELK, 1985;
BAUDRILLARD, 1991).
As ciências sociais e a psicologia social tendem a tratar o comportamento humano
como o produto de vários fatores que têm papéis sobre o indivíduo: a preocupação está
centrada no comportamento e nos fatores relacionados a estes comportamentos. As
explicações estão centradas em estímulos, atitudes, motivações (conscientes ou
inconscientes), percepção, cognição, no caso da psicologia, ou em classes sociais, status,
papéis, e prescrições culturais dadas por normas e valores, para as ciências sociais. Em ambos
os casos, os significados das coisas para os seres humanos que estão agindo deixam de ser
levados em consideração em detrimento dos fatores utilizados para compreensão dos
comportamentos. O significado dos objetos desaparece ao ser fundido aos fatores iniciais ou
causais de um comportamento, ou se torna um mero canal transmissor que pode ser ignorado
em favor destes fatores iniciais.
A perspectiva de Blummer surgiu como uma alternativa às perspectivas correntes
àquele tempo tanto no campo das ciências sociais, quanto no campo da psicologia social.
Estas perspectivas teórico-metodológicas consideravam o significado dos objetos como dado,
colocando-o de lado como pouco importante ou considerando-o como uma ligação neutra
entre os fatores responsáveis pelo comportamento humano e este comportamento enquanto
produto de tais fatores. De forma alternativa, a perspectiva do interacionismo simbólico
considera os significados que os objetos adquirem a partir dos indivíduos como ponto central.
Ignorar o significado dos objetos sobre os quais as pessoas agem é visto como falsificar o
comportamento estudado (BLUMER, 1998, p. 3). Assim, o pesquisador não deve negligenciar
o papel do significado na construção do comportamento.
O interacionismo simbólico contraria ainda a perspectiva do realismo filosófico que
sustenta o significado como intrínseco aos objetos, como uma parte natural destes. Dentro da
perspectiva realista, o significado emana apenas do objeto e não há processo algum envolvido
em sua formação, sendo assim, tudo que é necessário é reconhecer o significado que há neste
objeto.
De forma distinta ao realismo, a psicologia propõe que o significado é adicionado
fisicamente ao objeto pelo indivíduo e é tratado como uma expressão dos elementos
constituintes da psique, da mente ou da organização psicológica do indivíduo, tais como:
sensações, sentimentos, idéias, memórias, motivos e atitudes. Desta forma, o significado é
uma expressão dos elementos psicológicos que são colocados em ação quando da percepção
do objeto: a explicação do significado se dá a partir do isolamento de elementos psicológicos
que produzem os significados.
Os interacionistas não consideram o significado intrínseco ao objeto nem como
originado de uma fusão de elementos psicológicos pessoais. Dentro da perspectiva
interacionista, os significados emergem do processo de interação entre pessoas. Assim, o
significado de um objeto se constrói a partir das ações de outros indivíduos sobre um
indivíduo que considera o objeto: as ações dos demais definem a coisa para o indivíduo
(BLUMER, 1998). Isto que dizer que os significados dos objetos são produtos sociais
formados a partir das atividades executadas pelas pessoas em suas interações com outros
indivíduos.
Enquanto o significado das coisas é formado no contexto das interações sociais e
deriva da pessoa envolvida nesta interação. O uso do significado pela pessoa envolve um
processo interpretativo dividido em duas etapas: a indicação do indivíduo a si mesmo das
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coisas sobre as quais ele age; e a interpretação. A primeira etapa envolve um processo social
internalizado onde o ator interage consigo mesmo. Durante a interpretação o ator seleciona,
checa, reagrupa e transforma os seus significados a luz da situação em que está inserido e da
direção de sua ação. Este é um processo formativo no qual os significados são usados e
revisados como instrumentos de formação e direcionamento das ações.
O interacionismo interpretativo procura conciliar a proposta do interacionismo
simbólico com os trabalhos interpretativos e fenomenológicos de Heidegger e a tradição
associada à hermenêutica e, assim, propor estudos que façam sentido dentro do período pósmoderno (DENZIN, 1989). Na seção seguinte realizamos a conciliação destes conceitos e
encerramos a constituição do conceito do interacionismo interpretativo a partir da análise da
fenomenologia de Heidegger.
3.2 Os Constituintes Fenomenológicos do Interacionismo Interpretativo
A fenomenologia surgiu no final do século XIX, como uma tentativa de desvelamento
do inexplicável, do subjetivo e do irracional, tendo o filósofo Husserl como fundador. Para
Husserl, ontologicamente, o mundo é experiencial e o subjetivo é a fonte de todas as
objetividades (BURRELL e MORGAN, 1982). Assim, o fenomenologista não deve se
preocupar com as realidades factuais, mas sim com a questão central do significado, da
essência do fenômeno. Desta forma, julgamentos e pressupostos são colocados de lado,
permitindo que o pesquisador possa descrever e clarificar a estrutura essencial do mundo
“real” através da meditação sobre a essência da experiência (CARVALHO e VERGARA,
2002; GOULDING, 1999). A fenomenologia Husserliana é baseada no questionamento do
senso-comum e das atitudes pré-concebidas, em busca das essências dos fenômenos.
Dois movimentos são a base da fenomenologia: redução e construção. A redução
fenomenológica (epoché), como propõe Thiry-Cherques (2004), consiste em explicitar o
objeto tal como manifesto (noema) de uma determinada forma (noese). Assim, a realidade é
colocada entre parênteses, as crenças, preconceitos ou suposições sobre o objeto são
suspensos. A epoché provê os meios de se entrar no reino da subjetividade fenomenológica
(BURRELL e MORGAN, 1982). O pensamento visa o objeto e possibilita desvendar o
sentido que o leva ao significado do objeto para o indivíduo.
A construção é um retorno à fundação das realidades colocadas inicialmente em
suspenso, quando surge sentido para a consciência. O interacionismo interpretativo adota a
posição de Heidegger e não parte de considerações sobre um eu abstraído do mundo externo e
da comunidade humana, mas sim a partir da experiência cotidiana: a vida cotidiana é a vida
do indivíduo. A fenomenologia suspende, assim, o exame dos determinantes subjacentes às
crenças das pessoas, para procurar descrever as implicações, as intenções e os efeitos daquilo
que os indivíduos dizem, fazem e acreditam que seja verdadeiro (GOULDING, 1999).
Como forma de instrumentalização do método fenomenológico, Heidegger propôs a
abordagem interpretativa, ou hermenêutica, e o círculo hermenêutico para (re)criação do
conhecimento: (1) compreensão; (2) interpretação / ação; e (3) nova compreensão. A
interação entre sujeitos, então, é compreendida a partir da linguagem e a redução do sentido
cotidiano das palavras faz com que os significados implícitos sejam revelados. Os elementos
essenciais da linguagem são a expressão e a significação, mas a expressão por si só pode ser
insuficiente como qualificação: o significado é associado aos fonemas da palavra
(ANDRADE e TANAKA, 2001). Por conseguinte, é através da linguagem que a vida
cotidiana ganha significado para o indivíduo: a linguagem marca as coordenadas da vida do
indivíduo na sociedade e enche esta vida de objetos dotados de significação (BERGER e
LUCKMAN, 2004). Conforme propõem Berger e Luckman (2004), o indivíduo apreende a
realidade da vida diária como uma realidade ordenada, com fenômenos previamente dispostos
em padrões independentes da apreensão que o indivíduo tem deles e que se impõem a sua
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apreensão. A realidade da vida cotidiana aparece já objetivada, independente da participação
do indivíduo. É neste ponto que a linguagem ganha importância, pois é utilizada na vida
cotidiana como fonte dos significados dos objetos e determinante da ordem em que os objetos
adquirem sentidos.
Na seção seguinte trataremos da operacionalização da proposta do interacionismo
interpretativo, intimamente ligada ao programa fenomenológico e suas características.
4. Operacionalização do Método
Transformar a proposta metodológica em instrumento de pesquisa envolve alguns
desafios para o pesquisador. O primeiro deles envolve a preparação do pesquisador e sua
familiaridade com a proposta metodológica. Todos os pesquisadores têm suas convicções
sobre o mundo e sobre as relações de pesquisa e não necessariamente devem abandoná-las.
Na verdade a pesquisa interpretativa exige um pesquisador treinado e capaz de se relacionar
com o mundo à sua volta de forma particularmente crítica: os conceitos e questões básicos
que o investigador traz ao estudo são parte da pesquisa. Estes conceitos e questões
determinam a forma com a qual teremos uma compreensão antecipada sobre o objetoproblema. Todo questionamento é guiado antecipadamente pelo o que é observado. A
pesquisa interpretativa começa e termina com a biografia e o self do pesquisador (DENZIN,
1989) e depende de suas habilidades de participação, entrevista e escuta. A preparação do
pesquisador é necessária para o processo interpretativo, mas não é suficiente para a
construção de uma pesquisa de caráter interpretativo uma vez que cada perspectiva
metodológica possui características próprias.
A operacionalização metodológica do interacionismo interpretativo compreende seis
etapas, que são interdependentes. O primeiro passo é a formulação do problema de pesquisa
e é determinante para a adequação e o sucesso do processo de pesquisa. Ao formular o
problema de pesquisa o pesquisador tem de considerar as características do problema, da
forma que lhe é revelado e suas convicções científicas. O interacionismo interpretativo tem
uma proposta direta de atuação: examinar como (e não porque) experiências problemáticas
são organizadas, percebidas e construídas pelos indivíduos em interação e como são
construídos os significados associados a estas experiências. O pesquisador procurará descobrir
como a ação problemática (ou evento) em questão age sobre a organização e a construção de
significados para as pessoas estudadas (DENZIN, 1989).
A utilização da proposta do interacionismo interpretativo pode ser interessante para os
estudos de consumo desde o começo, não por ser “nova” (inédita) no campo, mas por ser uma
nova forma de ver os problemas de consumo. Quando alteramos a nossa perspectiva de
entendimento do mundo do consumo, e mais especificamente o consumidor, surgem
problemas diferentes que exigem visadas diferentes. Assim, ao nos depararmos com novas
perpectivas de pesquisa, poderemos contar com um suporte metodológico para estudar como
os consumidores se apropriam dos significados sociais das mercadorias e simultaneamente os
constroem. Tal proposta pode levar a uma expansão da compreensão sobre o consumidor e
resultar em novas teorias do consumidor, mais adequadas inclusive à realidade (relacional)
brasileira. Adotemos como exemplo: Como a mulher brasileira constrói a imagem de produtos
esportivos?
Depois de formulado o problema de pesquisa, o pesquisador deve analisar criticamente
a forma com a qual este problema tem sido apresentado, estudado e analisado em outras
pesquisas existentes e como as teorias relativas a este problema foram construídas. Esta
desconstrução servirá para que o pesquisador desvende os vieses e os pré-conceitos
envolvidos e consiga localizar o seu estudo em contraste a este corpo de trabalho existente.
A pesquisa interpretativa utiliza o círculo hermenêutico ao colocar o pesquisador e o
sujeito da pesquisa no centro do processo. Um círculo interpretativo (ou duplo-hermenêutico)
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é implicado, já que o sujeito que apresenta uma história pessoal está no centro da vida que é
contada e o pesquisador, que lê e interpreta esta história, está no centro de sua interpretação.
Duas estruturas interpretativas, deste modo, interagem uma com a outra. Cada círculo
sobrepõe o nível que o pesquisador é capaz de vivenciar a seu modo a experiência do sujeito e
suas histórias particulares. Estes círculos nunca estarão completamente superpostos, uma vez
que as experiências do sujeito nunca serão as mesmas que a do pesquisador: a expectativa se
dá em torno da compreensão. A desconstrução lida com o que foi feito com o fenômeno no
passado, mas é necessário que o pesquisador trate do fenômeno na situação presente para que
seu estudo tenha sentido. Desta forma, o pesquisador precisa localizar e situar o que está
sendo estudado dentro do mundo natural e capturar o fenômeno em questão.
A captura envolve a coleta de casos múltiplos e histórias pessoais que incorporem o
fenômeno em questão e a localização das crises e epifanias nas vidas das pessoas estudadas.
Assim, devem ser obtidas dos sujeitos em questão múltiplas histórias pessoais e auto histórias
que envolvam o tópico investigado. Alguns momentos experienciados pelos indivíduos são
únicos, marcam suas histórias de vida e atuam na configuração de seus arranjos de
compreensão do mundo, suas racionalidades e emoções. Estes momentos colocam o individuo
frente a seu mundo, reconstruindo-o e dando-lhe novos formatos a partir das novas interações
presenciadas e suas relações com os resultados das interações anteriores. Tais momentos são
as epifanias. A seguir, transcrevemos um relato longo que demonstra este momento de
tomada de consciência. Nele, a entrevistada fala sobre a sua relação com o remo, o barco, os
prazeres da prática, e as responsabilidades associadas a essa prática.
“O barco na Lagoa foi legal também porque você treina primeiro num tanque, você
corre, você se prepara para aquele momento e aí quando você entra num barco, é a
primeira vez que você entra num barco sozinha... ...apesar de ser um barco horroroso,
você olha e fala: ‘pô, responsabilidade!’ Esse barco está na minha mão, estou
começando mesmo, agora é pra valer entendeu? Na verdade, eu sempre tive vontade de
fazer remo, eu gosto de estar ao ar livre, do ambiente ao ar livre, eu não consigo
entender como eu fiz tanto tempo de musculação, eu estou até procurando um esporte
pra fazer hoje em dia e uma das coisas que eu pensei é que tem que ser ao ar livre. É
algo que me faz bem. Eu olhava pro remo, e falava: – ‘cara, isso deve ser muito
gostoso’. Você estar lá no barquinho, no meio da Lagoa Rodrigo de Freitas de manhã
cedo, aquele sol fraquinho ainda, isso é uma baita forma de você começar bem o seu
dia. Era bom estar na Lagoa, mas levantar da cama era triste. E depois do treino era
ótimo, parecia que você tinha malhado horrores, que você estava linda, maravilhosa,
vinte quilos mais magra, que você podia comer tudo o que você tinha direito pra ir pra
aula. E até os perigos do esporte é algo que marca muito também. Eu lembro que um
dia a gente pegou uma tempestade no meio da Lagoa, a gente estava no meio da Lagoa,
quando o céu ficou cinza, o tempo virou, começou a chover muito. Entrava água dentro
do barco e estávamos as três no meio da Lagoa. A gente olhava uma pra cara da outra
apavoradas: - ‘vamos levar o barco de volta!’. Porque a prioridade no remo é o barco,
se você cair, você pega o remo bota em cima do barco e pode ir nadando, levando o
barco de volta pra não perder o barco. Eu achei que ia virar, aquele negócio ia virar: ‘cara eu vou fazer de tudo pra não virar entendeu? Se virar eu não vou conseguir voltar
pra dentro do barco!’. Então a gente: - ‘vamos levar o barco, vamos levar!’ Olhando e
dando instrução errada uma para outra. Depois a gente parou pra conversar com o
treinador sobre aquilo ali e ele já estava vindo de longe atrás da gente já que a gente
demorou pra chegar porque a gente estava longe pra caramba.” (mulher, 28 anos).
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O termo epifania denomina as festas cristãs do Dia de Reis, quando a santidade de
Deus é celebrada e a vida é abençoada. Denzin (1989) pega emprestado de James Joyce o
significado que este último construiu para as epifanias, ao descrever momentos de interação
que deixam marcas positivas ou negativas nas vidas das pessoas. Freqüentemente estes
momentos marcantes são experienciados como problemas pessoais que se tornam assuntos
públicos posteriormente. Com a constituição de uma sociedade baseada no consumo e não
mais na produção, como propõem Douglas e Isherwood (2004) e Baudrillard (1991), as
experiências individuais ou coletivas que ocorrem em situações de consumo passaram a ter
importância central na vida dos indivíduos. Ora, parece claro que poderíamos buscar
compreender o consumo, os consumidores e as estruturas daí formadas a partir da
interpretação das epifanias de consumo. Assim, durante a captura o pesquisador deve
conduzir suas entrevistas de forma a extrair dos indivíduos entrevistados estas epifanias.
O pesquisador tem de ser capaz de construir uma descrição densa das experiências
coletadas junto aos indivíduos. Conforme proposto por Denzin (1989), a partir do conceito de
Geertz (1989), a descrição densa procura resgatar os significados e experiências que
ocorreram em situações no campo e capturar as interpretações que as pessoas dão aos eventos
que foram registrados. Seu objetivo é reportar as interpretações da forma com que elas foram
apresentadas durante a interação e assim, estabelecer as bases para uma interpretação densa.
Muito mais do que descrever uma situação acessada, os elementos participantes e os
interesses envolvidos nos fenômenos, a descrição densa procura deixar explícito todas as
estruturas superpostas, referências e implicações, através das quais o pesquisador pode
compreender o fenômeno de forma mais completa.
No caso do exemplo apresentado, observamos algumas questões marcantes para a
entrevistada, no tocante à sua inserção em um ambiente novo e, geralmente, restrito ao
consumidor masculino. Os efeitos sobre o corpo, que serão observados por todos em seguida,
durante a aula. Observamos a maneira com a qual ela expõem a sua satisfação com o
resultado do exercício e com as experiências vividas neste novo ambiente, o desafio imposto
pela tempestade e a sua superação, o medo e suas responsabilidades para com suas
companheiras (superar a adversidade), seu treinador (mostrar sua capacidade) e seu clube
(devolver o barco inteiro). Esta descrição permite uma série de interpretações sobre esta
experiência de consumo e sobre o universo esportivo e social da mulher.
A interpretação densa procura descobrir os meios que formam e estruturam as
experiências dos sujeitos e leva o leitor ao coração da experiência que está sendo interpretada.
Assim, o pesquisador deve assumir que todo o significado é simbólico e operar tanto na
superfície quanto nas profundezas, em nível micro e macro: a tarefa é produzir descrições
ricamente detalhadas que dêem conta das experiências vivenciadas pelos indivíduos.
Uma vez construídas estas descrições detalhadas das experiências vividas, o fenômeno é
tratado como texto (ou como documento) e é confrontado em seus próprios termos, distante
dos termos em que é interpretado na literatura existente. Neste momento, o fenômeno é
retirado do mundo no qual está inserido e dissecado, de forma que seus elementos e estruturas
essenciais sejam reveladas, definidas e analisadas. Como um fotógrafo que, não ter certeza
sobre qual a melhor regulagem de sua câmera para a obtenção de uma foto, estabiliza o
aparelho e saca diversas fotos do mesmo objeto ou cenário. Cada foto, contudo, é tirada com
uma configuração diferente da máquina, o que resultará em diversas leituras diferentes
daquele objeto ou cenário. Ao comparar os resultados obtidos, o fotógrafo encontra a foto que
melhor reproduza o cenário real, e pode até combinar várias fotos para obter os contrastes
reais da imagem. Esta figura serve para definir o bracketing, ou epoché, como define Husserl,
o momento em que o pesquisador coloca o fenômeno sob séria inspeção.
O bracketing permite que o pesquisador liste os elementos constituintes de um
fenômeno e proponha uma (re)construção do fenômeno. O pesquisador classifica, ordena e
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rearranja o fenômeno de forma coerente. Durante a construção os elementos enquadrados do
fenômeno são listados e ordenados da maneira em que ocorrem dentro do processo
experiencial. O pesquisador indica como cada elemento afeta e se relaciona a cada outro
elemento no processo estudado e propõe uma forma de construção do fenômeno em sua
totalidade. O objetivo desta etapa é recriar a experiência vivida em termos de seus elementos
constituintes analíticos.
Ao interpretar as estruturas do fenômeno, o pesquisador lhe dá significado dentro do
mundo social. A contextualização traz o fenômeno para os ambientes social e pessoal das
pessoas estudadas. A contextualização objetiva mostrar como o mundo da experiência vivida
altera e forma o fenômeno estudado, uma vez que as estruturas das experiências serão
alteradas e formatadas na medida em que forem vividas, descritas e atribuídas de significados
por seus participantes.
6. Considerações Finais
Utilizando a perspectiva da interação simbólica de Blumer, aliada à fenomenologia
hermenêutica de Heidegger, o interacionismo interpretativo propõe a observação das
interações entre indivíduos e a busca da compreensão da construção dos significados
individuais a partir da interpretação destas interações. O foco no indivíduo em ação, suas
interações e experiências vividas possibilita ao pesquisador uma aproximação do ponto de
vista do indivíduo pesquisado. Por mais que seja difícil a apropriação completa do universo
simbólico do indivíduo por parte do pesquisador, o interacionismo interpretativo aponta um
caminho de aproximação ao mundo do indivíduo e de suas construções de significados.
Como propõem Zinkham e Hirscheim (1992), não é difícil perceber a inserção do
consumo em um mundo social e as possibilidades que podem surgir do uso de propostas
metodológicas alternativas como o interacionismo interpretativo. Uma vez que os atores do
mundo do consumo interagem a todo o momento, os significados de produtos passam a ter
conformações diferentes a cada instante, de acordo com o que ocorre em volta dos indivíduos.
Ao nos aproximarmos dos consumidores podemos buscar condições para entender como estas
configurações de siginificados de consumo se originam e se modificam e são reconfiguradas
durante as experiências de consumo vividas pelo indivíduo.
O interacionismo interpretativo oferece o exame de como experiências problemáticas
são organizadas percebidas e construídas pelos indivíduos em interação. Desde a formulação
do problema de pesquisa, a proposta de Denzin (1989) já oferece uma oportunidade para a
pesquisa acadêmica em marketing. O método pode auxiliar na compreensão da construção de
significados de consumo associados a experiências de consumo vividas por consumidores e
desta compreensão poderemos entender melhor como os consumidores constroem valores de
consumo. Assim, baseado principalmente no processo hermenêutico de Heidegger, Denzin
(1989) propõe seis etapas para operacionalização do método.
A cada etapa é reforçado o caráter interpretativo desta proposta e a necessidade de o
pesquisador se prepara para a condução correta de cada passo. O pesquisador treinado precisa
ser capaz de se relacionar como mundo à sua volta de forma crítica e ter em mente que ele
próprio é parte da pesquisa. Ao investigar momentos críticos para o consumidor (epifanias)
novas compreensões podem surgir para eventos de consumo. Contudo, somente ao perceber
sua compreensão antecipada sobre os objetos o pesquisador será capaz de ter consciência
sobre seus preconceitos e poderá desvendar o significado mais essencial deste objeto. Esta
desconstrução tornará possível que o pesquisador realize observações úteis para as múltiplas
visadas sobre o material coletado e dará sentido à (re)construção do objeto dentro de um
contexto.
A partir de uma conformação de mundo mais complexa e, por conseqüência, de
relações de consumo muito mais complexas, o acadêmico de marketing se encontra em
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posição incômoda: ao mesmo tempo em que encontra soluções para alguns problemas de
consumo descobre outros tantos em que não consegue penetrar. O limitado repertório
metodológico se reflete em sua produção e no descompasso entre o desenvolvimento da
disciplina e os problemas aos quais se depara (HUDSON e OZANNE, 1988; BROWNLIE et
al. 1999 , no Brasil CASOTTI, 1998). Ao incorporar novas propostas metodológicas em seu
repertório, a pesquisa acadêmica em marketing pode alcançar novos horizontes, tornando-se
capaz de gerar um corpo teórico próprio. Isto posto em perspectiva do desenvolvimento de
teorias de consumo nacionais próprias ganha ainda mais relevância. Assim, este trabalho
buscou apresentar uma perspectiva metodológica, baseada no paradigma interpretativo, que
pode ser incorporada ao acervo da pesquisa acadêmica em marketing e pode auxiliar o
pesquisador a compreender melhor o mundo do consumo e desenvolver novas teorias.
Figura 01: Etapas do Processo Interpretativo
Formulação do Problema de Pesquisa
Desconstrução
Captura
Bracketing
(Re)Construção
Contextualização
Fonte: Adaptado de DENZIN, 1989.
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1 Compreendendo o Consumidor Através do Interacionismo