UNISUL Grupo de Pesquisa Mestrado em Educação Divulgação JC de 12 de Março de 2007. A origem do movimento pela Universidade Nova, artigo de João Augusto de Lima Rocha. “É preciso entrar em campo, tal como agia Anísio Teixeira, que pensava para fazer, e submetia à mais rigorosa crítica tudo aquilo que construía, com vistas a que sua aplicação prática resultasse mais consistente e conseqüente”. João Augusto de Lima Rocha é professor associado da UFBA e membro do Conselho Curador da Fundação Anísio Teixeira. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”: Sem o intuito de alimentar infrutífera polêmica, porquanto, neste momento, é outro o nosso foco, não poderia deixar passar as imprecisas e, em alguns casos, maliciosas afirmações, a começar pelo jocoso “fast delivery” do título, do artigo de autoria do prof. Roberto Leher, apresentado no “Jornal da Ciência”, de 28/02/2007, no qual, sem o necessário conhecimento de causa, ele tenta desqualificar o movimento Universidade Nova, que hoje vem se expandindo, muito rapidamente, por todo o país. Trago aqui o testemunho de quem presenciou o nascimento e participa dessa tentativa de alterar, para melhor, a cada vez mais sofrível vida universitária que hoje todos padecemos. Antes de tudo, o movimento Universidade Nova, tanto não deseja excluir, quem quer que seja, de avaliá-lo criticamente, quanto não tem qualquer pretensão ao monopólio da verdade. O seu maior pecado, no julgamento de quem lhe faz oposição, parece ser o de ter crescido bastante, e rapidamente, estando hoje a influenciar um grande número de nossas instituições públicas de ensino superior. Tal como abordei num despretensioso artigo, publicado no Jornal da Ciência, em 27 de novembro de 2006, o Universidade Nova, ao contrário do que sugere o prof. Leher, nada tem a ver com a proposta de reforma universitária do Governo. A vantagem de sua concepção está exatamente em não necessitar de qualquer reforma geral, para que venha a ser aplicado. O princípio da autonomia universitária é o único suporte do qual deve se valer, para a materialização de suas propostas, seja isoladamente, num único curso de graduação, seja em algumas, mas não em outras, instituições de ensino superior, públicas ou privadas, da maneira como cada qual quiser. Nada mais é necessário, para sua institucionalização, pois, do que a aprovação do conselho competente da instituição que desejar aplicá-lo à sua realidade. Talvez o segredo da rápida difusão do Universidade Nova esteja em que contribui para recuperar um conceito tão essencialmente caro, embora tão deformado entre nós, que é o de autonomia universitária. O prof. Leher começa o seu artigo usando de uma tão anti-científica quanto manjada artimanha, segundo a qual convém desconfiar-se de todos os que têm preferência pelo uso de duas determinadas palavras. E é sintomático que a razão de seus pruridos esteja nas palavras novo e nova. Segundo sua curiosa tese, um movimento surgido hoje, estaria necessariamente ligado ideologicamente a outro, mesmo que aparecido em passado remoto, somente pelo fato de ter usado a palavra nova (ou novo) em sua denominação! Não resisto ao uso ironia, para dizer que, para cair nos honestos e depurados gostos intelectuais dos educadores justos, tal como se julga o prof. Leher, movimentos considerados decentes teriam de trocar seus antigos títulos para, por exemplo: Escola Antiquada, Universidade Arcaica, Bossa Velha, Cinema Antigo etc. Justiça se faça, os trabalhos do prof. Leher que conheço, desde sua tese de doutorado, são importantes fontes alimentadoras da necessária militância contra um dos mais importantes núcleos de fomento do neoliberalismo (ou coisa ainda pior), a saber, o Banco Mundial. De fato, é um órgão que, desde a sua fundação, em 1º de julho de 1944, em Bretton Woods, com a missão inicial de financiar a reconstrução dos países devastados pela Segunda Grande Guerra, vem se colocando, cada vez mais, a serviço dos interesses do imperialismo norte-americano, incluindo o suporte ao terrorismo de estado da atualidade, haja vista o financiamento que dá ao estado títere paquistanês. A despeito disso, achamos que convém ao prof. Leher dar-se conta de que, não basta arrotar espírito revolucionário, em teoria, se a prática se limitar à descoberta da influência e das artimanhas do Banco Mundial. Se a simples expectativa de que tudo o que viermos a fazer, na vida nacional, é de que seja apropriado pelo Banco Mundial, isto poderá nos paralisar em nossos movimentos na direção da prática necessária. Assim, contraditoriamente, estaríamos a serviço dele, e não o combatendo. Correríamos o risco de nos enredar em algo parecido com a ficção magistral de Machado de Assis, n’O Alienista, em que o internacionalmente reconhecido cientista Simão Bacamarte, ao expandir uma tese original, baseada na mais perfeita e universal teoria da alienação, termina por internar toda a população de Itaguaí, inclusive ele próprio, no asilo da Casa Verde! Sem deixar de considerar a seriedade de quem luta contra o imperialismo unipolar dos nossos dias, o Banco Mundial não pode ser tratado como a Casa Verde da atualidade, da qual ninguém conseguirá se livrar. É bom lembrar que, a despeito da honestidade e do profundo conhecimento científico, a confusão levou Simão Bacamarte a brandir os mais lídimos princípios científicos, não visando à libertação, mas ao cerceamento de todos os movimentos, ao promover a internação generalizada no asilo da Casa Verde. Em defesa da sanidade mental, portanto, terminou por utilizar-se das práticas mais insanas. Francamente, na Universidade de hoje, não mais há lugar para Simão Bacamarte, prof. Leher! Tudo o que argumentei acima, não se constitui em mero diletantismo, mas decorre do sentimento de alguém que faz parte de um movimento que vem de sofrer uma injusta tentativa de desqualificação, por parte de um colega que considero qualificado. O ataque lançado por ele ao Movimento Universidade Nova, tendo por base, principalmente, um documento conjunto de reitores presentes a um evento, em Salvador, é de tal forma injusto, que me obriga a discorrer, mesmo que só de passagem, sobre a origem do movimento, que continua aberto à participação de todos, nada tendo a ver, portanto, com as nefastas teses do Banco Mundial para a educação no mundo. Dizer que o Banco Mundial está metido nisso, é algo que só tem paralelo com as fantasias de Simão Bacamarte, sem negar, no entanto, que há sempre o risco de qualquer idéia, ou objeto exposto a tratamento público, ser apropriado por alguém ou alguma instituição. É o mesmo risco de sermos assaltados ou seqüestrados, até dentro de nossa própria casa, contra o qual procuramos fazer tudo ao nosso alcance, para evitar. Lançado em meados de 2006, na Bahia, o Universidade Nova surge, simplesmente, a partir de uma proposta de campanha do prof. Naomar de Almeida Filho à reeleição para o cargo de reitor da UFBA. Reeleito, com ampla maioria, em oposição a dois grupos, um dos quais possui afinidades andinas com o prof. Leher, o prof. Naomar, naturalmente, como faria qualquer dirigente responsável, buscou colocar em prática a proposta que recebeu o apoio da maioria da comunidade da UFBA! Tanto que o movimento começou com o nome de Ufba Nova. Mais tarde, é que, ao ser levado ao conhecimento da Andifes, que o considerou digno de ser amplamente difundido, o movimento passou a ter a denominação de Universidade Nova. Nenhum preconceito, pelo visto, até agora, contra a palavra nova. De fato, a inspiração do nosso movimento encontra-se na obra do ilustre educador Anísio Teixeira, um dos criadores do movimento Escola Nova, lançado através do célebre Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932, do qual é signatário, junto com Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Paschoal Lemme, Cecília Meireles, dentre outros destacados educadores e intelectuais brasileiros. Naquele documento já existem importantes sugestões de renovação da Universidade, mas é a concepção de Universidade moderna, elaborada posteriormente por Anísio, e somente ela, que serviu de base para a gestação do movimento Universidade Nova. Em síntese, a idéia-chave de Anísio Teixeira é a seguinte: a Universidade moderna não pode ser um lugar destinado, exclusivamente, à formação de mão de obra, segundo a estreita expectativa do mercado empregador. E o que precisa ser feito para que ela cumpra a sua função, na sociedade, de reorganizar continuamente a cultura? É preciso que tenha, na articulação entre ensino e pesquisa, o motor capaz de permitir intensa interação com a sociedade, na qual, sem paternalismo, se imiscua em ações de toda a ordem, buscando aproximar aqueles que tenham experiência daqueles que não a possuem, no sentido de se juntarem, amplamente, na tarefa contínua de elaborar e reelaborar a cultura, entendida como tudo o que o homem faz em sociedade. Anísio Teixeira teve oportunidade de desdobrar essa idéia-mãe, na prática, em duas históricas oportunidades, ambas banidas pela intolerância política de ditaduras: a primeira, em 1935, com a Universidade do Distrito Federal, e a segunda, em 1961, com Darcy Ribeiro, com a Universidade de Brasília. Em ambos os casos, buscou aplicar ao ensino de graduação algo bastante semelhante ao que a Universidade Nova hoje está propondo. Os tempos mudaram, a vida hoje é outra, de modo que Anísio não poderá ser responsabilizado pelo sucesso, ou insucesso, do que hoje se propõe, mas é inegável que a inspiração encontra-se em sua rica obra. Com respeito a detalhes relativos à prática possível, segundo o que até agora se acha mais ou menos consolidado nas discussões sobre a Universidade Nova, surge a proposta de introdução de terminações intermediárias, dentro dos cursos de graduação. O Bacharelado Institucional (BI) seria somente uma delas. Acreditamos que, para quem conhece, tal como o prof. Leher, o quanto é grande a evasão nos rígidos cursos da Universidade atual, nada há, além de malícia bem calculada, na afirmação de que a idéia de que um aluno possa ter liberdade para concluir uma etapa inicial de sua graduação, para após se submeter – em estado mais maduro –, a um teste que o habilite a cursar uma outra etapa, na direção da profissão em que deseje completar a sua formação, se baseia na lógica do Banco Mundial. Quanto ao critério de entrada na nova Universidade, nada ainda está definido. Se o melhor é o exame vestibular, nos moldes atuais, se é o exame do Enem ou qualquer outro, estamos abertos às propostas dos especialistas, tais como o professor Leher e tantos outros que, em nossas faculdades de educação, estudam o assunto. Queremos refletir mais profundamente sobre isto e, independentemente do apoio, ou não, às idéias da Universidade Nova, estaremos sempre abertos a discutir com todos o melhor caminho a seguir. Para finalizar, convém registrar que as discussões sobre a Universidade Nova vêm permitindo, particularmente na UFBA, a participação – num nível de compromisso e de profundidade surpreendentes –, de um grande número de membros da comunidade universitária, sendo geral a expectativa de que, rapidamente, toda a discussão seja canalizada para a prática. Acreditamos estar atingindo um estágio em que não mais cabe ao educador a mera atribuição de comentarista de educação. É preciso entrar em campo, tal como agia Anísio Teixeira, que pensava para fazer, e submetia à mais rigorosa crítica tudo aquilo que construía, com vistas a que sua aplicação prática resultasse mais consistente e conseqüente. Felizmente, dentro do Universidade Nova, tem sido muito bem sucedida a adoção desta inestimável postura atemporal do mestre Anísio Teixeira. www.jornaldaciencia.org.br