ATIVISMO JUDICIAL: OBJEÇÕES À INTERVENÇÃO DO
JUDICIÁRIO NA FORMULAÇÃO E EXECUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS AMBIENTAIS
Rodrigo Fernandes das Neves*1
INTRODUÇÃO
O debate que se pretende apresentar neste artigo está ligado à própria
estratégia nacional de participação democrática na proteção do meio ambiente por meio de
políticas públicas que objetivem criar as condições econômicas, sociais, estruturais e
tecnológicas para, no médio prazo, se alcançar uma situação em que se possa, sem prejuízo da
própria existência humana nas florestas, fazer um uso econômico e ambientalmente
sustentáveis dos recursos naturais. Esse objetivo é algo que todos - sociedade e Estado devemos querer e trabalhar para conquistar.
Todavia, tal projeto, de gestão ambiental por meio de um sistema
participativo, oferece, além de seu valor intrínseco de proteção de nossa Casa, um ganho
estrutural tão importante quanto este: o incentivo a uma maior participação da sociedade nos
temas de caráter público por meio, por exemplo, dos Conselhos Estaduais temáticos. Tratase de uma das principais sementes da republicização do espaço público ou, em outras
palavras, da efetiva consolidação da democracia participativa. É a efetivação do que
Canotilho chama de “Estado democrático ambiental”, o qual corre sério risco de regressão
com a interferência excessiva do Poder Judiciário nas deliberações eminentemente políticas,
ou seja, a exacerbação do ativismo judicial.
1
Procurador-chefe da Procuradoria Especializada do Meio Ambiente do Estado do Acre. Graduado em Direito
pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina
– UFSC, Especialista em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco – FACIPE e especializando
em Direito Ambiental pela UNIDERP.
1
Nesse sentido, considerando que, em tal contexto, há pelo menos dois
objetos de importância máxima em discussão, meio ambiente e democracia, debates jurídicos
sobre políticas públicas ambientais devem procurar uma solução que coordene a defesa de
ambos, caso contrário não se poderia alcançar a idéia de estado democrático, seja ambiental
ou não. É inaceitável um caminho no qual se tenda a que um anule o outro, pois a
interpretação da Constituição deve sempre considerar o conjunto de seus princípios, e não
apenas um isoladamente. Há um sistema maior a ser analisado e, se a solução proposta não
contempla todos os princípios envolvidos, é porque não se refletiu suficientemente.
No entanto, em todo o país, diversas ações civis públicas têm desafiado este
princípio, em um processo que merece maior atenção e estudo para que, no afã de se buscar
proteger o meio ambiente (ou a saúde), não se venha a causar prejuízos institucionais mais
perigosos no longo prazo do que os benefícios no curto prazo. Em verdade, quando o Poder
Judiciário avança exageradamente na esfera de deliberação política, a exemplo de quando
extrapola em decisões que pretendem alterar fundamentalmente a formulação e a execução de
políticas públicas debatidas e deliberadas democraticamente, o mesmo deixa de ser um
instrumento de cumprimento das normas para se tornar a própria norma e o próprio executor
da norma, ou seja, o Judiciário passa a assumir não somente seu próprio papel, mas também o
do Poder Legislativo e o do Poder Executivo.
Em tais circunstâncias, acaso se aceite que procedimentos judiciais
desconsiderem os processos democráticos para alcançar um objeto que se entende como
“progressista” (proteção ambiental), como se poderá, no futuro, ofertar defesa, dentro do
sistema, contra o mesmo tipo de atitude, iniciado por outras pessoas que, novamente
desprezando a democracia, queiram impor às sociedades decisões “reacionárias”?
Esse questionamento demonstra a necessidade de uma defesa urgente e
veemente do Estado Democrático, ou a sociedade estará sujeita, em um futuro próximo, à
submissão à vontade de técnicos e à eliminação do termo “democrático” na condução das
questões públicas no país. Este é, aliás, o grande risco na judicialização da política, conforme
será visto ainda mais adiante.
Buscando aprofundar conceitualmente o tema, serão feitas a seguir,
portanto, breves considerações sobre o Sistema Nacional de Meio Ambiente, que representa
um grande avanço no fortalecimento da democracia Participativa, e de que forma se pode
danificar profundamente essa estrutura em razão de decisões judiciais ilegítimas. Na
sequência, faz-se menções teóricas sobre o Estado e sua relação com a proteção do meio
2
ambiente, tendo como objetivo a apresentação de um panorama macro, ou seja, o pano de
fundo ante o qual os Poderes do Estado atuam em um caso concreto.
Apresenta-se, logo após, argumentos em defesa da democracia participativa
e a demonstração da importância do resgate da capacidade de ação política da população,
como uma forma de reação à situação de fragmentação social. A seguir, será discorrido sobre
a situação atual do que se convencionou chamar de “judicialização da política”, apontando
sinteticamente suas causas e consequências, de forma que se possa refletir sobre como esse
processo mina e desintegra iniciativas de expansão da política e da democracia.
Ao final, pretende-se demonstrar que o Poder Judiciário pode interferir em
questões do Poder Executivo quando necessário à garantia do funcionamento do sistema
constitucional, mas jamais para determinar ou limitar conteúdo de políticas públicas, sob pena
de tendermos a instalar um Estado Tecnocrático que, como bem afirmado por Bobbio, é a
antítese da própria democracia.
Por tais considerações, objetiva-se estabelecer marcos referenciais que
permitam decidir de forma consciente e aprofundado sobre papéis institucionais dos Poderes
e, com altivez, indicar as condições necessárias à ação autônoma da sociedade.
1 SISNAMA E GESTÃO PARTICIPATIVA DO MEIO AMBIENTE
Relativamente à pretensão de o Poder Judiciário de determinar ao Poder
Executivo a execução de políticas públicas que visem compatibilizar uso/exploração e
conservação do meio ambiente, cumpre destacar que, no que tange à temática ambiental, o
Brasil adotou um modelo de gestão descentralizado, integrado e participativo, o que se
consubstanciou pela Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual instituiu a Política
Nacional de Meio Ambiente e o Sistema Nacional de Meio Ambiente.
A Política Nacional de Meio Ambiente trouxe grande repercussão na
história da Administração Pública brasileira, no sentido de repensar as ações governamentais
que obedeciam a impulsos momentâneos ou a tendências de um determinado governo, em
detrimento da construção de planos, programas e projetos devidamente articulados,
constituindo-se, por essa razão, vanguarda na história da nossa evolução política. Conforme
salienta Milaré2,
2
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004.
3
seus objetivos nitidamente sociais e a solidariedade com o planeta Terra que,
mesmo implicitamente se acham inscritos em seu texto, fazem dela um instrumento
legal de grandíssimo valor para o país e, de alguma forma, para outras nações sulamericanas com as quais o Brasil tem extensas fronteiras.
O objetivo geral dessa Política, conforme se depreende do art. 2º da Lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, consiste na preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.
Aliás, a própria Constituição Federal, em seu art. 225, prevê que a responsabilidade pela
proteção ambiental e do Estado e da Sociedade o que, em uma análise sistêmica da Carta
Maior, e fazendo uso de seu princípio democrático, resta claro que a gestão do meio
ambiente deve ocorrer em parceria entre o Estado e a Sociedade por meio de processos
democráticos.
Para implementar as diretrizes e os objetivos da Política Nacional de Meio
Ambiente, foi desenhado o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, composto pelo
conjunto de órgãos e instituições dos diversos níveis do Poder Público incumbidos da
proteção e melhoria da qualidade ambiental (art. 6º, Lei nº 6.938/81) com a seguinte estrutura:
- Órgão superior: Conselho de Governo;
- Órgão consultivo e deliberativo: Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA;
- Órgão central: Ministério do Meio Ambiente;
- Órgão executor: IBAMA/ICMBIO;
- Órgãos seccionais: Órgãos ou entidades estaduais;
- Órgãos locais: Órgãos ou entidades municipais.
O SISNAMA foi concebido para atuar como um conjunto articulado e
integrado de órgãos e entidades, nos três níveis de governo, com atribuições, regras e práticas
específicas que se complementam. Trata-se de um modelo de gestão baseado no princípio do
compartilhamento e da descentralização das responsabilidades pela proteção ambiental entre
os entes federados e com os diversos setores da sociedade, estruturado como uma rede capaz
de abarcar toda a complexidade da questão ambiental, por meio de ações compartilhadas. O
SISNAMA é, assim, um instituto jurídico que existe e funciona na medida em que os órgãos
ou entidades que o integram existem e funcionam. De acordo com ensinamento de Milaré,
é fundamental que a informação, alma do SISNAMA, tenha fluxo nos dois
sentidos: de alto a baixo, da cúpula às bases, e vice-versa. A cúpula permite
4
uma visão ampla, ao passo que as bases propiciam uma visão mais
concreta e realista dos problemas ambientais. Assim, da Federação aos
Estados, do Estado aos Municípios, dos Municípios ao Estado e à
Federação, o circuito completo do Sistema garante organicidade e
objetividade à Política Nacional de Meio Ambiente3 [grifo nosso].
A cada um dos integrantes desse sistema foi dada uma atribuição específica.
Dentre eles, destaca-se o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA4 em razão de
sua competência ter relação direta com a temática versada nos autos, qual seja, construção de
políticas públicas ambientais e que, segundo Milaré, se constitui como o Órgão maior do
Sistema. O referido conselho possui funções consultivas e deliberativas. Sua finalidade, de
acordo com o art. 6º, II, da Lei nº 6.938/81 é assessorar, estudar e propor ao Conselho de
Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos
naturais e deliberar sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida.
Para exercer essas competências preestabelecidas pela Política Nacional de
Meio Ambiente, o Decreto Federal nº 99.274, de 6 de junho de 1990, definiu a composição
desse colegiado de forma a garantir a representatividade de cinco setores, a saber: órgãos
federais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade civil. A partir de então, a
questão ambiental passou a ser responsabilidade compartilhada entre União, Estados,
Distrito Federal, Municípios e entre esses e os demais setores da sociedade. As políticas
públicas, que antes eram construídas no interior dos gabinetes, passaram a ser construídas no
seio da sociedade, por meio de discussões de propostas no âmbito dos conselhos
participativos e pluralistas. Como bem descreve Paulo Afonso Leme Machado:
Os colegiados visam na pureza de sua conceituação a inventariar as opiniões
de setores que têm interesse na matéria a ser tratada. Colhem-se idéias e
informações, confrontando-se as mesmas em busca da formação de uma
posição comum ou, pelo menos, uma posição majoritária. O Prof. Morris
Shaefer salienta a vantagem de uma larga participação no organismo
colegiado dizendo que “as pessoas se sentem mais incorporadas à decisão
finalmente adotada, mesmo se a escolha realizada pela instância
responsável não é aquela da preferência da maioria dos participantes”.
3
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2004.
4
Disponível em: http://www.mma.gov.br/conama/
5
Considera-se igualmente que a tomada de decisão participativa é um
antídoto contra a apatia dos agentes da organização [grifo nosso] 5.
A construção de políticas públicas deve cumprir, assim, o espírito proposto
pela Constituição da República e pelas leis federais e estaduais, por meio de uma ampla
participação nos Conselhos, como estrutura de comunicação entre sociedade e Estado de
forma a permitir a discussão ampla e participativa das questões socioambientais.
As discussões ocorridas no âmbito do Conselho Estadual de Meio Ambiente
devem subsidiar o Poder Executivo na elaboração e implementação dos programas de
governo, de forma que esse concilie as demandas sociais com a viabilidade técnica,
consolidando práticas sustentáveis que correspondam às expectativas da coletividade. Isso só
é possível em razão do engajamento efetivo, do empoderamento das instituições ali
representadas e da flexibilização de interesses em prol de um bem comum, qual seja, a
conservação e preservação do meio ambiente, buscando-se, assim, aliar desenvolvimento
econômico e social com a proteção ambiental.
Toda essa dinâmica funcional da Política Nacional de Meio Ambiente e do
Sistema Nacional de Meio Ambiente existente na atualidade constitui fruto de um processo
contínuo de avaliação e de aprimoramento da gestão ambiental participativa e dos seus
instrumentos ao longo de quatro décadas. Trata-se, dessa forma, de uma política de
fortalecimento dos mecanismos de exercício da democracia que consiste na conciliação das
necessidades setoriais com as globais, fazendo com que diversos interesses, que em princípio
pareceriam dissonantes, cheguem a consensos gerados a partir do diálogo proporcionado por
esse espaço de discussão.
Assim, a pretensão de se buscar soluções para questões tão complexas
quanto políticas públicas amplas de gestão ambiental, junto ao Judiciário, parece conflitante
com toda a história da gestão ambiental no Brasil e, principalmente, com o sistema legal em
vigor, inclusive constitucional, como já mencionado anteriormente.
Assim, em razão da existência de uma estrutura própria para análise,
discussão, construção e deliberação sobre temáticas ambientais e considerando a efetiva
atuação dessa estrutura, ou seja, se há um canal aberto para construção da solução por meio de
um meio constitucional e legalmente previsto, constata-se que a evidente incorreção da
pretensão de se impor políticas públicas ambientais por meio de decisões judiciais, quando o
Sistema Nacional estiver regularmente funcionando.
5
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
6
2 OBJEÇÕES AO ATIVISMO JUDICIAL EXACERBADO
2.1 O Estado Contemporâneo e a Proteção ao Meio Ambiente
É certo que o Estado contemporâneo passa por uma séria crise de
legitimidade, inclusive o próprio Poder Judiciário, determinada pelos fluxos globais de poder
e pela constante fragmentação da identidade nacional em novas identidades coletivas.
Conforme mencionado por Délton Winter de Carvalho, “esse enfraquecimento estatal é
acompanhado pelo aumento das demandas prestacionais provenientes do fenômeno de
proliferação dos direitos”6.
Em outros termos, o fato de que o Estado liberal permitiu que as
demandas livres aumentassem em número e urgência criou uma defasagem entre o
mecanismo da imissão e o mecanismo da emissão, ou seja, o sistema democrático
viabiliza uma demanda fácil de serviços públicos, enquanto torna a resposta difícil7.
Em verdade, projetos individualistas e identidades de resistência, que pouco
se comunicam em razão de seu caráter comunal, estão difundidos nas sociedades, o que é
resultante da dissolução das identidades anteriormente legitimadoras da sociedade industrial 8,
ou seja,
ao postular questões de ecologia e de direitos humanos, os novos
movimentos sociais aspiram ao universal. Salientam o que é comum à
humanidade. Em outro nível, porém, esses movimentos concentram-se na
“política da diferença", que ganha tanto destaque nos escritos
posmodernistas. Frisam identidades pluralistas e múltiplas, aquilo que nos
divide por gênero, sexualidade, etnicidade, localidade. Em contraste com a
universalidade e generalidade da economia e do meio ambiente global, eles
chamam atenção para as particularidades de grupo, lugar, comunidade e
história9 [grifo nosso].
Não parece haver dúvidas, portanto, que a construção de uma nova
sociedade "requer a assimilação das reivindicações dos movimentos sociais por parte do
6
Carvalho, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro. Rio de Janeiro: Forense Universitária. p. 17.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.36.
8
KUMAR, Krishan. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p.419.
9
KUMAR, op. cit., p. 196.
7
7
sistema político e das instituições do Estado" de forma a se buscar uma nova unidade, ou seja,
o Estado deve abrir espaço para a manifestação das identidades fragmentadas e dos
movimentos sociais reativos, já que os movimentos sociais,
vêm minando a fantasia neoliberal de implantação de uma economia global
independente da sociedade por meio de uma arquitetura de informática. O
grande esquema exclusivista (explícito ou implícito) de concentração de
informações, produção e mercados em um segmento elitizado da população,
livrando-se dos demais das mais diversas maneiras, mais ou menos
humanistas de acordo com as disposições de cada sociedade, vem
desencadeando, na expressão cunhada por Touraine, uma "grand refus".
Ressalve-se,
porém,
que
a
transformação
dessa
rejeição
na
reconstrução de novas formas de controle social sobre novas formas de
capitalismo, globalizado e informacionalizado, requer a assimilação das
reivindicações dos movimentos sociais por parte do sistema político e
das instituições do Estado10 [grifo nosso].
Em tal contexto, uma vez que o fundamento de legitimação do Estado é a
própria política, o papel do Estado contemporâneo na proteção do meio ambiente passa,
necessariamente, por um maior debate direto com a sociedade na formulação de políticas
públicas na área ambiental, pela expansão das competências dos Conselhos de Meio
Ambiente, e uma estratégia mais inclusiva possível de participação popular, de forma a
agregar os interesses fragmentados em um corpo mais ou menos homogêneo e com visão de
longo prazo, único meio de se resolver um problema tão complexo e difuso como o do meio
ambiente. Qualquer estratégia que se substitua a processo político, inclusive a via judicial,
representa um risco de supressão do grande pilar de sustentação do Estado Democrático de
Direito, sobre o qual se fundamenta nossa Constituição Federal.
Aliás, logo em seu primeiro artigo, a Constituição estabelece o referido
caráter de “Estado Democrático de Direito” de nossa República, dispondo em seu parágrafo
único que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição”. Vejamos:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
10
Idem, p.136.
8
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição
[grifos nossos].
Uma vez considerado que o Poder Executivo, o Poder Judiciário e o
Ministério Público fazem parte, os três, do que entendemos como “Estado”, parece evidente
que os princípios democráticos constitucionalmente estabelecidos devem ser observados por
todos. Nesse contexto, o princípio da legitimidade do Poder como emanação volitiva do povo,
por representantes ou diretamente, ganha ainda mais importância ainda quando se refere ao
Judiciário, pois é o único que não passa por escrutínios eleitorais. Ainda que se possa
considerar a possibilidade, em casos excepcionalíssimos, de intervenção do Poder Judiciário
em caráter contra-majoritário, deve-se considerar que a exceção não pode se tornar a regra,
como vem ocorrendo.
Em todo caso, uma vez que o Judiciário também é o “Estado” – EstadoJurisdição - quando a participação política exige intervenção da sociedade, como se acredita
ser caso da gestão ambiental, é ela – a sociedade – quem deve diretamente atuar, e não um
substituto, como muitas vezes pretende o Ministério Público e ratifica o Judiciário. Em
resumo, a vontade de algumas instituições e pessoas não pode substituir os processos políticos
que, quanto fruto de um debate democrático, é sempre mais legítimo e efetivo, conforme se
verá a seguir.
2.2 A Importância da Participação Política e da Democracia para uma Sociedade mais
Justa e Solidária
O único caminho possível para se alcançar as modificações necessárias e
fundamentais de nossos tempos, alerta Zygmunt Bauman, é o resgate da verdadeira Política
(com P maiúsculo, como diz o autor), uma busca intensa pelo reavivamento da Ágora, aquele
lugar em que as questões públicas se encontram e interagem com as questões privadas11.
11
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p.49.
9
Deve-se, portanto, exercitar a capacidade adormecida de organização em torno de interesses
de longo prazo, o que passa pelo resgate da cidadania, termo tão desgastado quanto
necessário12, e não pela tutela paternalista do Judiciário, principalmente nas questões de
cunho social.
No tema ora em análise, verifica-se a semente de uma espécie de
messianismo judicial que tende, no longo prazo, desestruturar a institucionalização dos novos
espaços de participação política consubstanciados nos Conselhos, bem como a atrasar avanços
que se avizinham e também a enfraquecer a Assembléia do Povo, ao se tomar espaços típicos
do Legislativo. Em verdade, deve-se trabalhar coletivamente para que o espaço público seja
repovoado de questões públicas, evitando-se decisões individuais e ilegítimas. Para esse
objetivo, resta a responsabilidade de se criar firmes e permanentes pontes de ligação entre os
indivíduos e a sociedade, baseadas na solidariedade, e não um atalho individualista, sem
significado para a coletividade.
Por tal razão, tendo em vista a responsabilidade que restou de resgate da
Política, a sociedade tem lutado muito pela institucionalização de novos espaços onde as
idéias se formem como “valores compartilhados” para construção de uma “sociedade justa”, e
que não seja habitado somente por especialistas, mas também e principalmente por cidadãos
comuns. A liberdade individual de fato e a democracia como sistema sólido só podem
ocorrer, assim, como resultado de um trabalho coletivo13, o que, na realidade, é a
representação prática dos próprios fundamentos da República contidos no art. 1º da
Constituição Federal. É dessa forma, aliás, que se rompe
com o modelo de desenvolvimento paternalista e centralizador de atribuir ao
Estado a responsabilidade total em resolver os problemas dos indivíduos,
para reconhecer a idéia de que um Estado que devolve à comunidade o
poder de decidir sobre seu futuro, facilitando a cidadania, fortalece-se a si
mesmo14.
Assim, por meio do estabelecimento de um sentido geral de sociedade como
fruto do trabalho coletivo é que se começa a delinear a importância da participação política e
sua relação com a Democracia. Esta última, é importante mencionar desde logo, no conceito
12
Idem, p. 45.
Idem, p.15.
14
Molina Saucedo. Apre(he)ndiendo la participación popular: análisis y reflexiones sobre el modelo boliviano de
descentralización. La Paz, Offset Boliviana EDOBOL, 223 p. Apud Santín, Janaína Rigo. O tratamento histórico
do poder local no Brasil e a gestão democrática municipal. Disponível em: http://www.unisinos.br/publicacoes
_cientificas/images/stories/Publicacoes/estudos_juridicosvol40n2/72a78_art04_santin%5Brev_ok%5D.pdf.
Acesso em: 10 Jul 2009.
13
10
procedimental de Bobbio, é um conjunto de regras que prevêem como e quem está
autorizado a tomar decisões coletivas, ressaltando-se que todo grupo social é obrigado, para
manter a vida coletiva, a tomar decisões que vincule seus membros15.
Ora, se, como Bobbio afirma, pode-se começar uma análise da democracia
pelas perguntas de como e quem está tomando as decisões coletivas (ou quem está
autorizado), não fica difícil de transpor para o tema presente: quem e como pretende tomar
as decisões de interesse da comunidade quando a decisão da política pública ocorre em
uma ação judicial? A sociedade, por meio de seus representantes eleitos, do Executivo e
Legislativo, e por meio dos Conselhos constituídos ou técnicos jurídicos, por meio de um
processo hermético? Isso bem informa sobre a natureza democrática de uma decisão que
extrapole os limites do controle constitucional contra-majoritário para se substituir ao próprio
processo democrático. Nesse contexto, é importante relembrar, como o faz Campilongo, que
o movimento da democracia é ascendente: do povo em direção à autoridade.
A tecnocracia pressupõe o inverso: dos técnicos à maioria. A democracia
implica participação e discussão horizontal e inclusiva. A decisão técnica é
vertical e exclusiva, tomada pelos que monopolizam “o discurso
competente” dos saberes científicos16.
Bobbio afirma, inclusive, que a tecnocracia e a democracia são
17
antitéticas , o que deve se fazer pensar sobre os papéis institucionais dos Poderes do
Estado. Isso porque deixar a decisão aos técnicos, em uma discussão vertical e exclusiva,
representaria um risco à democracia, a qual, ao contrário, deve ser horizontal e inclusiva,
como visto acima. O dilema fica sedimentado, assim, entre o estabelecimento da
democracia majoritária ou de uma tecnocracia elitista18, já que as decisões judiciais
minimizam o sistema majoritário como arena ideal para deliberações de natureza pública.
Nesse contexto, não se pode deixar de ter em conta que, a partir da
Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se um Estado baseado justamente nos dois pilares
em discussão neste artigo: democracia participativa e princípios ecológicos. No conceito
citado por Délton Winter de Carvalho, com base nos pensamentos de Canotilho,
o Estado ecológico ou ambiental [...] deve apontar para novas formas de
participação política, em uma verdadeira “democracia sustentada” [...]. Uma
“democracia sustentada” consiste em uma alteração das estruturas
15
Bauman, op. cit, p.18.
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.47.
17
BOBBIO, Norberto. Op. cit., p.34.
18
Idem, p.47.
16
11
políticas para fomentar o aumento na participação popular acerca das
tomadas de decisão que envolvem o meio ambiente e a instituição de
uma solidariedade intergeracional” [grifo nosso]19.
Entretanto, o que se vê, muitas vezes, em diversas Ações Civis Públicas que
buscam determinar conteúdo de políticas públicas contraria toda essa concepção.
Considerando que o Brasil vive em um “estado democrático ambiental”; considerando a
legitimidade dos Conselhos de Meio Ambiente para deliberar sobre políticas públicas de
gestão ambiental; considerando a intervenção entre os Poderes representada por ações
judiciais que impõe vontades individuais; considerando o afastamento, em tais casos, do
debate com o Poder Legislativo e o Poder Executivo, representantes legítimos da vontade do
Povo; não há dúvidas que o Poder Judiciário tem se afastado do que se pode considerar uma
“democracia sustentada”, pois isso claramente contraria princípios democráticos, já que “o
Estado democrático ambiental consolida-se como uma dimensão do próprio Estado
democrático de Direito”20.
Neste ponto, é importante mencionar de forma mais completa o
entendimento do português José Joaquim Gomes Canotilho sobre o tema, sob interpretação de
Délton Winter, que sintetiza o contexto da seguinte forma:
a política do ambiente tem um suporte social generalizado e é dinamizada
por iniciativas dos cidadãos, possibilitando a formação de um compromisso
ambiental da sociedade civil no “Estado democrático do ambiente”; este
último (Estado democrático do ambiente) impõe uma dimensão
participativa que valoriza e, mesmo, estabelece o “dever” a participação
dos cidadãos nos procedimentos administrativos ambientais; [...] Assim,
o Estado democrático ambiental tem por escopo a formação de um
“Estado de justiça ambiental”, proibindo-se a iniquidade e qualquer
espécie de discriminação ambiental, tidas através de decisões, seleções,
práticas administrativas ou ações materiais que digam respeito à tutela
ambiental ou à transformação do território e que onerem de forma injusta
determinados grupos, comunidades, minorias, indivíduos, em vista de
sua raça, situação econômica ou localização geográfica” [grifo nosso]21.
19
Carvalho, op. cit., p. 19.
Idem, p. 21.
21
Canotilho, José Joaquim Gomes. Apud Délton, op. cit., p. 21.
20
12
2.3 Limites da intervenção judicial e os riscos da judicialização da política
Foi mencionado, na introdução, o risco de se utilizar o Poder Judiciário para
sufocar e diminuir o controle democrático sobre as atividades do Estado, pois a tese abre
caminho, inclusive, para decisões reacionárias. Esta é, de fato, uma questão a ser enfrentada,
sob pena de se ocultar problemas que estão embutidos nesta Ação.
Muitas vezes o Poder Judiciário decide que eventuais prioridades de
políticas públicas devem ser por ele decididas com base no que entende como “princípios
constitucionais”, e não pela ação da Administração Pública baseada em processos
participativos. Essa “flexibilidade exagerada”, que tem se tornado comum no primeiro grau de
Judiciário acaba por agigantar a importância conferida ao Juiz, fazendo com que ele venha
“elevar-se acima da lei parar tornar-se diretamente o porta-voz do direito”. Entretanto, “em
nome de que pode o juiz pretender ser instituidor?”, pergunta-se Spengler22. Trata-se de uma
verdadeira invasão da política e da sociedade pelo direito judicializado, tendo por
consequência o entorpecimento da “capacidade democrática da sociedade, o que aumenta o
desprestígio da política e das alternativas democráticas de produção e aplicação do direito”23.
Aliás, conforme bem explicita o constitucionalista Luis Roberto Barroso, a
doutrina constitucional contemporânea tem debatido explicitamente duas idéias em relação ao
tema: a de capacidades institucionais e a de efeitos sistêmicos. Relativamente à questão de
Capacidade institucional, discute-se sobre qual Poder está mais habilitado a produzir a
melhor decisão em determinada matéria. Afirma o autor que “temas envolvendo aspectos
técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro mais
qualificado, por falta de informação ou conhecimento específico”, ou seja, em questões que
envolvem não uma questão pontual e concreta de lesão à ordem jurídica, mas toda uma
política pública, deve-se “prestigiar as manifestações do Legislativo ou do Executivo,
cedendo o passo para juízos discricionários dotados de razoabilidade”24.
Barroso também cita o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e
indesejados. Conforme já dito neste artigo, a idéia de se impor uma política pública
pretensamente boa ao meio ambiente pode causar conseqüências imprevisíveis no longo
prazo, que podem se consubstanciar em algo muito pior. Como exemplo é a possível e já
22
Spengler, Fabiana Marion. A crise da jurisdição e os novos contornos da função jurisdicional: (in)eficiência
face à conflituosidade social. In Reis, Jorge Renato dos; Leal, Rogério Gesta (orgs). Direitos Sociais & Políticas
Públicas: Desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. P. 2.273.
23
Spengler, op. cit, pp. 2270 e 2271.
24
Barroso, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível em: http://
www.oab.org.br/ oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em 5 AGO 2009. P. 16.
13
mencionada deslegitimação, na questão ambiental, dos novos espaços de participação política
por meio de Conselhos do SISNAMA. Essas graves conseqüências não podem ser previstas
por um magistrado que não tem formação para tal e não detém as informações necessárias
para deliberação. Em tais casos se recomenda, portanto, uma posição de cautela e deferência
por parte do Judiciário. Em síntese, sustenta Luis Roberto Barroso,
O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para
realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça. Ele nem sempre dispõe
das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o
impacto de determinadas decisões, proferidas em processos individuais,
sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um
serviço público. Tampouco é passível de responsabilização política por
escolhas desastradas25.
No entanto, os Poder Judiciário tem insistido em “legislar” e determinar a
“execução” de Políticas Públicas, a qual pretende construir sozinho. Em tais casos, perguntase Ingeborg Maus, “não será a justiça em sua atual conformação, além de substituta do
imperador, o próprio monarca substituído?”26, em uma interessante analogia quanto à
semelhança das decisões herméticas do judiciário e casos de exercício autoritário do Poder,
que termina por se consubstanciar como uma antítese da democracia.
“Mas como se pode explicar esse fato? Por que a luta política agora se volta
sob o plano da ação judiciária?”, questiona Spengler, para logo em seguida afirmar: “O certo é
que essa onipresença da jurisdição se traduz numa certa patologia social e numa crise também
política”27. Esta é, acredita-se, a síntese do que significa a judicialização das políticas
públicas: uma patologia, uma doença do sistema, que é potencializada por um ativismo
judicial não sensível a aspectos democráticos e às instituições políticas. É dessa forma que se
pretende tornar a exceção em regra e, assim, “a justiça torna-se objeto de uma súbita inversão
de tendências: de secundária, ela se torna de repente prioritária”. Isso faz com que a jurisdição
se transforme “no modo comum de gestão de setores inteiros”28.
Quanto ao tema, Rogério Gesta Leal, desembargador do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, faz lembrar as preocupações de Habermas “com a necessidade da
sociedade se dar conta de que as questões políticas e que implicam tomadas de decisões sob
25
Barroso. Idem. Ibidem.
Maus, Ingenborg. O judiciário como superego da sociedade. O papel da atividade jurisdicional na “sociedade
orfã”. Novos Estudos CEBRAP. Nº 58, nov/2000, p. 187. Apud, Spengler, op. cit., p. 2272.
27
Spengler, op. cit., p. 2273.
28
Spengler, op. cit., p. 2275.
26
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assuntos de interesse comunitário não podem se reduzir a temas técnicos e burocráticos"29. E
sintetiza o Desembargador, com base na ética habermasiana do discurso:
Discursos de auto-entendimento exigem a convivência reflexiva, corajosa e
disposta a aprender com as próprias tradições culturais, formadoras de
identidade. Em nosso contexto, é especialmente importante saber que, nos
processos de autopersuasão, não pode haver não-participantes; em princípio,
as tomadas de posição em termos de sim/não não podem ser delegadas a
terceiros. Todos os membros têm que poder tomar parte do discurso, mesmo
que os modos sejam diferentes30.
Quando uma Política Pública, por completo, é judicializada, exclui-se,
consequentemente, a possibilidade desse ato discursivo aberto, onde grupos de interesse e
conhecimento heterogêneo possam livremente debater e deliberar. Essa deslegitimação do
direito e da política, ainda de acordo com o Desembargador Rogério Gesta Leal,
vai gerando, dentre outros, dois problemas extremamente graves,
notadamente num Estado sobrecarregado com tarefas quantitativamente
maiores: a perda do efeito impositivo da lei parlamentar e a crise de
identidade, eficácia e legitimidade da democracia representativa, e a
fragilização da separação dos poderes haja vista a hipertrofia de alguns em
face de outros.
Por tudo quanto exposto, fica evidente o grau exacerbado de ativismo
judicial, que ultrapassou demasiadamente os limites de controle da legalidade e
constitucionalidade para, atuando politicamente, acabar substituindo-se inteiramente os
processos políticos e deliberações democráticas por meio de uma decisão judicial.
Ressalte-se que muitas vezes não se trata de controle pelo Poder Judiciário
de qualquer abuso e arbitrariedade da Administração Pública, mas o uso do da via judicial
para ingressar na própria essência da função típica do Pode Executivo. Em verdade, a gestão
administrativa exigida pela Constituição da República impõe aos responsáveis pela
Administração Estadual (Chefe do Poder Executivo Estadual e seus Secretários – art. 84, II,
CF) o exame das carências do sistema público para que se encaminhe projetos de lei e plano
plurianuais que indiquem as políticas públicas a serem executadas e seus respectivos custos e
origem de receita. Essas políticas públicas são amplamente discutidas pela sociedade, tanto no
29
Direitos Sociais & Políticas Públicas: Desafios contemporâneos. ORG. Jorge Renato dos Reis e Rogério Gesta
Leal. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2.439.
30
Leal, op. cit. p. 2442.
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momento da aprovação de uma plataforma política por meio do voto ou quanto na
participação nos Conselhos Estaduais e por seus representantes na Assembléia Legislativa do
Estado.
Assim, a determinação de políticas públicas por meio de ações judiciais
demonstra-se frontalmente contrária a um princípio basilar da Federação Brasileira, que é o da
soberania popular, fazendo com que o interesse ou entendimento de técnicos venham a se
sobrepor ao processo democrático que, por meio do voto, elegeu um determinado programa
de governo e construiu uma determinada política pública, violando-se, assim, o art. 2º da
Constituição Federal.
Por tudo quanto exposto, demonstra-se que é papel das Procuradorias dos
Estados trabalhar em defesa dos processos democráticos, da participação popular e da
consolidação dos Conselhos Estaduais, de forma a se garantir maior amplitude e legitimidade
na formulação de políticas públicas, buscando-se combater o excessivo e ilegítimo ativismo
judicial na construção e execução de políticas públicas ambientais.
3 CONCLUSÕES ARTICULADAS
I) o sistema jurídico brasileiro, desde sua Carta Maior, estabelece que o âmbito adequado para
deliberação sobre políticas públicas em temas ambientais são os Órgãos vinculados ao
Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, os quais agem apoiados em normas
legitimamente deliberadas pelos representantes legislativos, o que denota a impossibilidade de
produção judicial original sobre o tema;
II) deve-se reconhecer as limitações do Poder Judiciário na formulação de políticas públicas,
ante o risco de politização da justiça e de deslegitimação das instituições democráticas. Há
evidentes objeções e limites à crescente intervenção judiciária nas questões de direitos sociais,
uma vez que se considere a falta de capacidade institucional do Judiciário de lidar com temas
de grande complexidade, bem como em razão do déficit das decisões judiciais em relação aos
conseqüentes efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejados;
III) as Procuradorias dos Estados devem combater o crescente ativismo judicial na formulação
e execução de políticas públicas, sob pena de permitir a submissão da democracia – o poder
do povo - à tecnocracia – o poder dos técnicos-juízes. Caso contrário, serão colocados em
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risco os processos democráticos consolidados nos Conselhos Representativos, em especial da
área ambiental, bem como causará prejuízo aos novos espaços de participação popular
arduamente conquistados pela sociedade, em um claro risco de retrocesso do Estado de
Direito Ambiental.
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EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA 1a