O MEDO E SUAS VIAS DE CONSUMO MARTINS, Herbert Toledo1 PALMA, Janaina da Silva2 RESUMO: Os medos podem ser variados, porém todos nós indivíduos sociais, possuímos medo, sejam eles pequenininhos ou daqueles paralisantes. O fato é que ele, o medo, consegue influenciar o mundo social e dentre tantas outras afirmações que poderíamos fazer, argumentamos que ele consegue impelir os indivíduos a consumirem. Nesta perspectiva, o objetivo mais geral do artigo é discutir as possibilidades de vias de consumo em função do sentimento de medo e, mais especificamente, do consumo provocado pela violência, no que tange à realidade da sociedade moderna e ocidental. A análise está baseada em uma pesquisa de vitimização, onde foram aplicados 615 questionários por amostragem probabilística domiciliar definida com um erro amostral de 4% com um intervalo de confiança de 95%. Neste survey, o público-alvo foram os moradores da área urbana com 16 anos de idade ou mais. Os dados nos apresentam que movidos pelo medo os indivíduos deixam de circular por determinados lugares, mudam as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos poucos, vão se tornando consumidores da “indústria do medo”. Os mais abastados privatizam a segurança se fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas elétricas, carros blindados; enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e se fecham em suas casas; tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o indivíduo se sente exposto. PALAVRA-CHAVE: Medo, Sociabilidade, Consumo, Violência. 1 Professor Doutor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social – GPECS. 2 Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) 1. INTRODUÇÃO "Eu tenho medo e medo está por fora O medo anda por dentro do teu coração Eu tenho medo de que chegue a hora Em que eu precise entrar no avião Eu tenho medo de abrir a porta Que dá pro sertão da minha solidão Apertar o botão: cidade morta Placa torta indicando a contramão Faca de ponta e meu punhal que corta E o fantasma escondido no porão Medo, medo. medo, medo, medo, medo” (Pequeno Mapa do tempo, Belchior) No cotidiano da vida social os nossos medos podem ser variados, porém todos nós indivíduos sociais, sentimos medo; o medo é um sentimento inerente à vida em sociedade e pode em muitos casos ser objetivo ou subjetivo. Contudo, o fato em destaque neste trabalho é que ele, o medo, está sempre presente e consegue influenciar o mundo social, as nossas sociabilidades, enfim, ele influencia mesmo que indiretamente na organização social e cotidiana das pessoas, inclusive nas suas formas de consumo. Neste sentido, o presente artigo pretende analisar as possibilidades e as vias de consumo que o sentimento de medo provoca nos indivíduos, sobretudo, aquelas oriundas do medo da violência presente na realidade da sociedade moderna e ocidental. Nesta perspectiva, observa-se nos dias atuais um aumento significativo do mercado de produtos e serviços no campo da segurança com o objetivo de “proteger” as pessoas. Dessa forma, temos não apenas uma questão relevante ao campo econômico com a expressiva geração de lucro que esse mercado oferece, mas, sobretudo, a percepção de que quanto mais cresce o consumo de “bens de segurança”, mais a questão de responsabilidade política do Estado-nação, enquanto ente responsável pela segurança pública é posta em questão. Neste sentido, argumentamos no decorrer do texto que é dever do estado-nação garantir a segurança dos indivíduos; e que tais indivíduos por não se sentirem seguros, nos últimos tempos têm buscado cada vez mais outras vias de segurança no ambiente do comércio de produtos de segurança privada; e, dessa forma, entendemos que o Estado não está cumprindo com uma das suas funções precípuas conforme disposto no Art. 144 da Constituição de 1988, que dispõe que “a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Ademais, concordando com Caldeira (2000), entendemos que umas das grandes consequências que podem advir dessa reorganização proposta pela prática do consumo de produtos e serviços de segurança privada é que ela demarca uma nova via de segregação social; onde quem poder pagar para ter acesso a esses meios assume um lugar de maior conforte frente à insegurança constatada na sociedade moderna, enquanto aqueles que não possuem o mesmo poder de consumo se sentem mais expostos, e tentam usar de outros meios para burlar esse sentimento, como veremos mais detalhadamente ao decorrer do texto. Nesta perspectiva, nosso objeto de pesquisa articula as ideias apresentadas por aquilo que vem ser o campo da sociologia do consumo, com os conceitos que configuram os estudos da antropologia das emoções, em particular o sentimento de medo. Para tanto, o presente artigo está dividido da seguinte forma, no primeiro tópico, intitulado “O medo e a modernidade” vamos apresentar a discussão do sentimento de medo dentro daquilo que caracteriza a sua relevância antropológica; a partir desse entendimento falaremos sobre “A indústria do medo e seu consumo”; seguido pela analise dos dados referentes a pesquisa realizada na cidade de Feira de Santana – Ba, e da conclusão. 2. O MEDO E A MODERNIDADE Para pensar o medo e principalmente, para trazer em consideração a relevância de sua função social, vamos comentar o pensamento de Giddens, observando que o sentimento de medo é fruto da constituição e da percepção do risco; tendo sempre em vista que o próprio Giddens apresenta que esta percepção do risco é um produto da sociedade ocidental moderna, e que é esse mesmo meio social que faz a manutenção desse sentimento. Assim podemos afirmar que a sociedade moderna é, portanto, uma sociedade de riscos. Vejamos: As culturas tradicionais não tinham um conceito de risco porque não precisavam disso. Risco não é mesmo que infortúnio ou perigo. Risco se refere a infortúnios ativamente avaliados em relação à possibilidades futuras. A palavra só passa a ser amplamente utilizada em sociedades orientais para o futuro – que vêem o futuro precisamente como um território a ser conquistado ou colonizado. O conceito de risco pressupõe uma sociedade que tenta ativamente romper com seu passado – de fato, a característica primordial da civilização industrial moderna (GIDDENS, 2000, p. 33). Ainda segundo Giddens (2000), “o seguro é a base a partir da qual as pessoas estão dispostas a assumir riscos”. E são esses riscos com os seus aparatos necessários à proteção dos indivíduos que tem impulsionado o mercado da segurança privada, na medida em que se consume com a finalidade de burlar os riscos e assim evitar a exposição ao sentimento de medo. Ainda segundo Giddens (2000): O risco é a dinâmica mobilizadora de uma sociedade propensa à mudança, que deseja determinar seu próprio futuro em vez de confiá-lo à religião, à tradição ou aos caprichos da natureza. O capitalismo moderno difere de todas as formas anteriores de sistema econômico em suas atitudes em relação ao futuro. Os tipos de empreendimentos de mercado anteriores eram irregulares ou parciais. As atividades dos mercadores e negociantes, por exemplo, nunca tiveram um efeito muito profundo na estrutura básica das civilizações tradicionais (GIDDENS, 200. p34). Com isso, pensando então nesse risco, enquanto dispositivo do sentimento de medo, ressaltamos que na sociedade moderna, existem dois tipos de risco, o risco externo que diz respeito ao que é experimentado como vindo de fora, da rigidez das tradições ou da natureza; e o risco fabricado, aquele que é criado pelo impacto do nosso crescente conhecimento, sobretudo, das situações em cujo confronto tem pouca experiência histórica, por exemplo, os riscos ambientais. No entanto, o risco fabricado não se liga apenas à natureza. Penetra em outras esferas da vida também. Ele diz respeito a tudo aquilo que é imprevisto, que pode ocorrer independentemente do cálculo do indivíduo. A maneira mais eficiente de enfrentar o crescimento do risco fabricado é limitar a sua possibilidade mediante a adoção do chamado “princípio do acautelamento”, ou seja, tomar medidas de precaução, de tentar evitar o risco. A Baierl observa que: A violência urbana tem ampliado o que denominamos medo social. Medo este construído socialmente e que afeta a coletividade. Trata-se do medo utilizado como instrumento de coerção por determinados grupos que submetem pessoas aos interesses deles. O medo social vem alterando profundamente o território e o tecido urbano e, consequentemente, a vida cotidiana da população. Todos se sentem afetados, ameaçados e correndo perigo. Ameaças reais, vindas de sujeitos reais, são contrapostas a ameaças potenciais típicas do imaginário singular coletivo, produzindo pelos indicies perversos do crescimento da violência nas cidades. Isso se agrava pela forma como esses indicies são veiculados e tratados pela mídia, pela fala corriqueira do crime e, principalmente, pela ineficiência e impunidade no papel da policia e do Estado frente à questão social. Os sentimentos generalizados são de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desespero. (BAIERL, 2004. p20). Nesta perspectiva, entre os riscos fabricados pela modernidade localizamos o risco de ser vítima da violência e da criminalidade urbana. O risco de ser vítima provoca insegurança e medo nas pessoas. Neste sentido, pode-se afirmar que o sentimento de insegurança e medo são frutos da constituição da sociedade moderna. Se a sociedade moderna é uma sociedade de riscos, ela também é uma sociedade de inseguranças e medos provocados pelos seus próprios riscos, e os mesmos refletem na manutenção de uma configuração do mercado de capital, como veremos a seguir, gerando um grande fluxo econômico. 3. A INDÚSTRIA DO MEDO E SEU CONSUMO É fato que na atualidade das sociedades modernas existe uma expansão de um público consumidor que impõe a necessidade da ampliação do mercado de bens e serviços de segurança privada não só no que diz respeito ao Brasil, mas também os fenômenos se ratificam em projeções mundiais. Entendemos que, A violência e os atos violentos ocupam o espaço deixado pela fragmentação de valores sociais mais pessoalizados, em uma sociedade de mudanças profundas nas esferas comportamentais e caminhando para um individualismo selvagem como modo de vida, já que as devidas regras sociais do novo momento da sociabilidade brasileira não se encontram de todo caras, nem sequer esboçadas. Os valores que criam a identidade do individuo, dessa forma, pulverizados e questionados no seu potencial de pertença, parecem que criam a identidade do individuo, dessa forma, pulverizados e questionados no seu potencial de pertença, parecem colocar-se no social de forma frágil e transitória, ampliando a solidão dos sujeitos e amplificando o imaginário social do outro como concorrente, como inimigo ou estranho, contribuindo para os contornos sociais de onde se visibilizam as interações entre indivíduos para esse novo caráter da violência expressa de diferentes maneiras pela mídia e que parece conformar o imaginário dos cidadãos, o que parece gerar nos jovens e adultos, usados pela cultura do medo como um sustentáculo e ampliação da indústria que a mantém (KOURY, 2014. p101). Neste sentido, a indústria do medo é aqui entendida como a responsável pela produção de produtos e serviços de segurança privada, assim como daqueles setores da economia que vendem serviços vinculados à segurança, e que seguem a lógica mercadológica cujo objetivo precípuo é o lucro. Tendo ciência disso, seguimos articulando a produção da “indústria do medo” com as disposições daquilo que nos é apresentado como sendo uma cultura do consumo, que em linhas gerais podemos definir a partir de três concepções ou dimensões, a saber: A primeira concepção de que a cultura de consumo tem como premissa a expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu origem a uma vasta acumulação de cultura material na forma de bens e locais de compra e consumo. Isso resultou na proeminência cada vez maior do lazer e das atividades de consumo nas sociedades ocidentais contemporâneas, fenômenos que embora sejam bem-vindos por alguns, na medida em que teriam resultado em maior igualitarismo e liberdade individual, são considerados por outros como alimentadores da capacidade de manipulação ideológica e controle “sedutor” da população, prevenindo qualquer alternativa “melhor” de organização das relações sociais. Em segundo lugar, há concepção mais estritamente sociológica de que a relação entre a satisfação proporcionada pelos bens e seu acesso socialmente da exibição e da conservação das diferenças em condições de inflação. Nesse caso, focaliza-se o fato de que as pessoas usam as mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais. Em terceiro lugar, há a questão dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos (FEATHERSTONE, 1995, p. 31 Grifos nossos). Com isso, partindo daquilo que acima foi definido enquanto uma cultura do consumo; articulamos aqui essa cultura com o consumo de bens e serviços ofertados no campo da segurança pública que tem a pretensão de promover segurança aos indivíduos e, que por sua vez, também deve cumprir as mesmas dimensões ou concepções acima destacadas, isto é: a expansão da produção capitalista de mercadorias; o uso das mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais; os prazeres emocionais do consumo. Dessa forma, portanto, o que temos estabelecido aqui é que as mercadorias e os serviços de segurança privada estão sendo consumidos com a intencionalidade de trazer uma segurança para o seu consumidor final, pois estes se sentem expostos a algum risco, seja este risco algo interno ou externo, como já foi aqui apresentado. Nesse contexto de modernidade e pensando agora na função do individuo dentro desse contexto, buscando transfigurar a imagem do consumidor passivo, Retondar (2008) apresenta o vem a ser a discursão de uma hipertrofia do individualismo, onde o consumo é peça fundamental dessa configuração. Poderíamos assim afirmar que o ato de consumo se caracteriza como uma forma contemporânea de “ação social” que se desdobra – tal qual nos termos desenvolvidos pelo próprio Weber –, em um tipo específico de relação social, definida a partir de um conjunto de significados que a envolvem e que se encontram partilhados por um grupo definido de consumidores (RETONDAR, 2008. p9). Com isso o que se apresenta é que essa subjetividade de um individuo consumidor vai sendo definida no interior desse processo de consumo, não sendo assim uma subjetividade puramente “psicológica”, mas, sendo assim produzida e reproduzida no interior de processos sociais. Com tudo, Retondar (2007), afirma: Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento e a expansão da sociedade de consumo para um nível global recoloca (e amplia), nesta dimensão, este valor caro à modernidade, ou seja o individuo enquanto efetivo sujeito do processo social, se transformando, neste caso, em uma espécie de “mega-agente civilizatório” da própria modernidade (RETONDAR, 2007, p86). Dialogando com aquilo que tange à segurança pública, a insegurança é deste modo o que faz alavancar o consumo de alguns bens, mas para seguir as regras do consumo das necessidades do mercado capitalista, essa indústria está sempre inovando e promovendo no seu consumidor a necessidade de aumentar o leque de bens consumidos. No entanto, para entender melhor o contexto em que isso se confecciona, observamos que: Para assegurar a paz, tão precária no período feudal, e atender as demandas coletivas de segurança, o estado moderno, foi criado para exercer o que se chamou “monopólio da violência legitima”. Isso quer dizer que, através do seu maior poder de fogo, o Estado passou a arbitrar os conflitos e a exigir o cumprimento de suas decisões judiciais. A ordem e a vingança privada deixaram de vigorar. Quando apenas algumas instituições estatais, como a policia e as forças armadas, podem fazer uso da violência legalmente para proteger o cidadão, o Estado adquire a capacidade de impor uma decisão judicial. Atrás desse poder está a ameaça do uso da força para fazê-la cumprir. (ZALUAR, 1996. p43.) Entendemos assim que o fenômeno do crescimento desse mercado consumidor e consequentemente dessa oferta de produtos e serviços que reforçam o setor da segurança privada vem justamente nessa mão de contestar o monopólio legitimo da violência e da força física pelo Estado, sendo que como é apresentado acima por Zaluar, esse monopólio é um dos demarcadores do estado moderno, que em suas (re)organizações, passa a individualizar o acesso a essa segurança, pois está mais seguro aquele que pode pagar mais por ela. Lembrando daquilo que nos alerta o Sapori: A legitimidade de um governo nos tempos atuais depende, em boa medida, de sua capacidade de manter ordem no seio de populações residentes em territórios juridicamente submetidos à sua autoridade. Proliferação de insegurança no cotidiano das relações sociais e, consequentemente, do sentimento de insegurança e medo entre os indivíduos afeta diretamente o grau de confiabilidade das autoridades governamentais, constituindo-se, inclusive, em aspecto decisivo de disputas eleitorais (SAPORI, 2007, p17). É neste contexto de um enfraquecimento daquilo que se dispõe a ser uma função do Estado, é que essa indústria vem explorando novos medos e novas expectativas de seguridade, criando assim uma funcionalidade mercadológica para a sua oferta. Observamos esse fato diante daquilo que é indicado pela Caldeira: A privatização da segurança desafia o monopólio do uso legítimo da força pelo Estado, que tem sido considerado uma característica definidora do Estado-nação moderno (...). Nas últimas décadas, a segurança tornou-se um serviço que pode ser comparado e vendido no mercado, alimentando uma indústria altamente lucrativa. Em meados dos anos 90, o número de vigilantes empregados em segurança privada ultrapassou o de policiais em quase três vezes nos Estados Unidos e em cerca de duas vezes mais na GrãBretanha e no Canadá (...). Cidadãos desses e de muitos outros países dependem cada vez mais da segurança privada, não só para a proteção em face do crime mas também para identificação, triagem, controle e isolamento de pessoas indesejadas, exatamente aquelas que se encaixam nos estereótipos criados pela fala do crime (CALDEIRA, 2000. p10). Com tudo isso, e voltando aqui a dialogar com Baierl, entendemos que “Tomar o medo social como objeto implica desvendar o conteúdo valorativo e cultural que vai sendo tecido a partir das relações ambíguas entre o âmbito privado e o publico (Baierl, 2004. p24)”. E quando estamos pensamos nas disposições de consumo que esse medo social pode vim a disparar, entendemos que as inovações que estão preparadas, dentro da indústria que visa diminuir o medo das pessoas, com a promoção de bens que tragam segurança para os indivíduos, têm como desafio inovar e manter o seu consumidor sempre munido de novas ferramentas para suprir as suas necessidades. Sendo assim concordamos que nesse tempo de “modernidade líquida” como é apresentada por Bauman (2001), uma característica que fica evidente é a privatização das tarefas e deveres do Estado. 4. Analise de dados Entendendo que a privatização da segurança está dentre os fatores que contribuem para a construção do imaginário do medo e para a materialização da violência, destacando assim a falta de confiança no serviço público de segurança. A análise aqui realizada é fruto da pesquisa de vitimização realizada na cidade de Feira de Santana – Ba, pelo Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social – GPECS/UFRB, que possui fomento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB. Durante a parte quantitativa dessa pesquisa foram aplicados 615 questionários definidos por amostragem probabilística domiciliar seguindo os dados fornecidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, definida com um erro amostral de 4% com um intervalo de confiança de 95%. Segundo Caldeira (2000), a privatização da segurança é um novo tipo de discriminação e, de segregação. O medo nas cidades e as mudanças que ele vem ajudando a gerar nos espaços urbanos representam um ataque à noção de que o espaço público é aberto à circulação de todos os cidadãos a despeito de suas diferenças sociais. Observe o gráfico: Gráfico 1: Gostaria de saber se, nos últimos 12 meses tomou medidas de segurança para sua residência: 31% SIM Não 69% Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012. A segurança privada vem cada vez mais assumindo o lugar e as funcionalidades dos aparatos públicos de seguridade, no gráfico acima 31% dos entrevistados na cidade de Feira de Santana – Ba, responderam SIM, quando questionados se nos últimos doze meses tomaram alguma medida de segurança para a sua residência, um dado que em linhas gerais é aprofundado quando a pergunta se aprofunda, e pedimos que os mesmos entrevistados listem em ordem quais foram essas medidas de segurança tomada. Observe o que acontece, Gráfico 2:Primeira medida de segurança Grades nas janelas ou portas 9% Não tomou medidas de segurança 10% 38% 8% Troca de fechaduras, tranacas extras nas portas e janelas, além das fechaduras principais Interfone Cães de guarda Alarme 2% 5% Câmeras de vídeo 4% Vigia nas rua 6% 16% 2% Aumentou a altura do muro ou grade Cerca elétrica sobre o muro Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012. O que vemos aqui é que a cidade passa a ser uma “cidade de grades”, ora aquele que é indicado por 38% como a primeira medida de segurança tomada em suas moradias é justamente a instalação de “grades nas portas e janelas”, tendo em vista que essa é uma medida que não afeta apenas diretamente aquele que tomou a medida para da sua residência, mas no entanto muda efetivamente toda a configuração da paisagem da cidade, afetando assim um contexto de maior proporção, provocando naquelas que passam por essas ruas a leitura de que existe uma veemente insegurança local, que vem a ser burlada por estas mesmas grades associadas a outros meios, como veremos. Gráfico 3: Segunda medida de segurança Grades nas janelas ou portas Não tomou medidas de segurança 9% 11% 2% Troca de fechaduras, tranacas extras nas portas e janelas, além das fechaduras principais Interfone 20% Cães de guarda 27% Alarme 2% Câmeras de vídeo 2% 2% 23% 2% Vigia nas rua Aumentou a altura do muro ou grade Cerca elétrica sobre o muro Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012. Aquela que ficou eleita como a segunda medida de segurança mais utilizada entre nossos entrevistados é justamente com 27% das indicações, o “Aumentou a altura do muro ou grade” o que comunga com aquilo que é apresentado enquanto mudança de cenário urbano, identificada na questão anterior e principalmente com aquilo que nos é apresentado pela Caldeira (2000). Pensar que as cidades estão se tornando cidades de muros e de grades, é também repensar é eficácia do estado no cumprimento do seu papel de ofertar segurança para esses sujeitos, onde os mesmos tentam se assegurar por através de outras vias, estas se diferenciam dentre as classes econômicas, mesmo assim não deixam de existir em função do poder aquisitivo, sejam de menor custo, como apenas a implantação das grades e o crescimento dos muros ou mais complexas que demandam um maior despendimento econômico. Vejamos: Gráfico 4: Terceira medida de segurança 9% 27% Interfone 28% Câmeras de vídeo Vigia nas rua Aumentou a altura do muro ou grade Cerca elétrica sobre o muro 18% 18% Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012. O que observamos no gráfico que remete a terceira medida de segurança observamos que com 27% à medida que aparece com a mais tomada é a instalação de “Câmera de vídeo”, seguido com 27% do uso de “Cerca elétrica nos muros” e seguindo os dois com 18% “Vigia na rua” e novamente “Aumentou a altura do muro ou grade”. Entendendo assim o aumento da oferta de equipamentos eletrônicos de segurança e monitoramento alavancando muito a sua utilização como apoio aos efetivos de segurança e, em alguns casos, até substituído a presença do vigilante. Neste gráfico fica bastante referente um maior investimento em custos reais com a segurança privada, as utilizações desses equipamentos e serviços de segurança veem movimentando uma fatia significativa da nossa economia. Ainda mais se levarmos em consideração aquilo que é apresentado pelo IV ESSEG (2014) – Estudo do Setor da Segurança Privada, realizado pela FENAVIST – Federação Nacional das Empresas de Segurança e de Valores, onde “O estudo demonstra que houve um crescimento significativo do setor da segurança privada no Brasil na última década em 68%, em número de empresas para 2013. Estima-se que essas empresas movimentaram no Brasil cerca de R$ 43 bilhões/ano, empregando formalmente cerca de 706,5 mil trabalhadores” (IV ESSEG, 2014. p6.). O mesmo relatório apresenta que: Em 2013 o crescimento do faturamento da ordem de R$ 7 a 8 bilhões (+20,8% sobre 2012), foi totalmente absorvido, em todas as Regiões do Brasil, pelo crescimento da Massa Salarial (R$ 3,8 bilhões), dos Impostos Federais e Municipais (R$ 900 milhões), dos Impostos e Contribuições Trabalhistas (R$ 1,57 bilhões), dos Benefícios e Indenizações Trabalhistas (R$ 1,2 bilhão) e Despesas Operacionais (R$ 600 milhões). Como resultado final, podemos afirmar que o mercado de segurança não apontou crescimento real em 2013, (em R$), o que é confirmado pela quase estabilidade no número total de vigilantes ativos, em comparação com 2012. (IV ESSEG, 2014. p18.). 5. CONCLUSÃO Partindo de tudo que foi apresentado no texto, entendemos que movidos pelo medo os indivíduos mudam as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos poucos, vão se tornando consumidores do que poderíamos chamar de uma “indústria do medo”, fazendo assim uma alusão ao mercado de segurança privada. Os mais abastados privatizam a segurança se fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas elétricas, carros blindados; enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e se fecham em suas casas; tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o indivíduo se sente exposto. O surgimento e a emancipação do comercio no campo da segurança privada, alimentado pelo sentimento de medo é um fenômeno complexo o que faz desse trabalho é o inicio de um longo estudo que irá ser aprofundado. Indico a importância do tema, pensando que a realidade dos seus medos é o reflexo das suas expectativas futuras. Os individuos se sentem vulneráveis, vivem a iminência do risco que permeia a sociedade moderna, como nos mostra o Giddens. E com isso a cada dia estão se (re)organizando, promovendo um isolamento, um certo distanciamento preventivo, afim de estar sempre se antecipando há possíveis violências, e com a ajuda desses dispositivos oferecido pela segurança privada, estão cada vez mais promovendo uma nova forma de segregação social, a partir do distanciamento do outro, enxergando neste um potencial violento. BIBLIOGRAFIA BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro. 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