O MEDO E SUAS VIAS DE CONSUMO
MARTINS, Herbert Toledo1
PALMA, Janaina da Silva2
RESUMO:
Os medos podem ser variados, porém todos nós indivíduos sociais, possuímos
medo, sejam eles pequenininhos ou daqueles paralisantes. O fato é que ele, o medo,
consegue influenciar o mundo social e dentre tantas outras afirmações que poderíamos
fazer, argumentamos que ele consegue impelir os indivíduos a consumirem. Nesta
perspectiva, o objetivo mais geral do artigo é discutir as possibilidades de vias de
consumo em função do sentimento de medo e, mais especificamente, do consumo
provocado pela violência, no que tange à realidade da sociedade moderna e ocidental. A
análise está baseada em uma pesquisa de vitimização, onde foram aplicados 615
questionários por amostragem probabilística domiciliar definida com um erro amostral
de 4% com um intervalo de confiança de 95%. Neste survey, o público-alvo foram os
moradores da área urbana com 16 anos de idade ou mais. Os dados nos apresentam que
movidos pelo medo os indivíduos deixam de circular por determinados lugares, mudam
as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos poucos, vão se tornando
consumidores da “indústria do medo”. Os mais abastados privatizam a segurança se
fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas elétricas, carros blindados;
enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e se fecham em suas casas;
tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o indivíduo se sente exposto.
PALAVRA-CHAVE: Medo, Sociabilidade, Consumo, Violência.
1
Professor Doutor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Coordenador do
Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social – GPECS.
2
Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB)
1. INTRODUÇÃO
"Eu tenho medo e medo está por fora
O medo anda por dentro do teu coração
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião
Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão
Medo, medo. medo, medo, medo, medo”
(Pequeno Mapa do tempo, Belchior)
No cotidiano da vida social os nossos medos podem ser variados, porém todos
nós indivíduos sociais, sentimos medo; o medo é um sentimento inerente à vida em
sociedade e pode em muitos casos ser objetivo ou subjetivo. Contudo, o fato em
destaque neste trabalho é que ele, o medo, está sempre presente e consegue influenciar o
mundo social, as nossas sociabilidades, enfim, ele influencia mesmo que indiretamente
na organização social e cotidiana das pessoas, inclusive nas suas formas de consumo.
Neste sentido, o presente artigo pretende analisar as possibilidades e as vias de consumo
que o sentimento de medo provoca nos indivíduos, sobretudo, aquelas oriundas do
medo da violência presente na realidade da sociedade moderna e ocidental.
Nesta perspectiva, observa-se nos dias atuais um aumento significativo do
mercado de produtos e serviços no campo da segurança com o objetivo de “proteger” as
pessoas. Dessa forma, temos não apenas uma questão relevante ao campo econômico
com a expressiva geração de lucro que esse mercado oferece, mas, sobretudo, a
percepção de que quanto mais cresce o consumo de “bens de segurança”, mais a questão
de responsabilidade política do Estado-nação, enquanto ente responsável pela segurança
pública é posta em questão. Neste sentido, argumentamos no decorrer do texto que é
dever do estado-nação garantir a segurança dos indivíduos; e que tais indivíduos por não
se sentirem seguros, nos últimos tempos têm buscado cada vez mais outras vias de
segurança no ambiente do comércio de produtos de segurança privada; e, dessa forma,
entendemos que o Estado não está cumprindo com uma das suas funções precípuas
conforme disposto no Art. 144 da Constituição de 1988, que dispõe que “a segurança
pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Ademais, concordando com Caldeira (2000), entendemos que umas das grandes
consequências que podem advir dessa reorganização proposta pela prática do consumo
de produtos e serviços de segurança privada é que ela demarca uma nova via de
segregação social; onde quem poder pagar para ter acesso a esses meios assume um
lugar de maior conforte frente à insegurança constatada na sociedade moderna,
enquanto aqueles que não possuem o mesmo poder de consumo se sentem mais
expostos, e tentam usar de outros meios para burlar esse sentimento, como veremos
mais detalhadamente ao decorrer do texto.
Nesta perspectiva, nosso objeto de pesquisa articula as ideias apresentadas por
aquilo que vem ser o campo da sociologia do consumo, com os conceitos que
configuram os estudos da antropologia das emoções, em particular o sentimento de
medo. Para tanto, o presente artigo está dividido da seguinte forma, no primeiro tópico,
intitulado “O medo e a modernidade” vamos apresentar a discussão do sentimento de
medo dentro daquilo que caracteriza a sua relevância antropológica; a partir desse
entendimento falaremos sobre “A indústria do medo e seu consumo”; seguido pela
analise dos dados referentes a pesquisa realizada na cidade de Feira de Santana – Ba, e
da conclusão.
2. O MEDO E A MODERNIDADE
Para pensar o medo e principalmente, para trazer em consideração a relevância
de sua função social, vamos comentar o pensamento de Giddens, observando que o
sentimento de medo é fruto da constituição e da percepção do risco; tendo sempre em
vista que o próprio Giddens apresenta que esta percepção do risco é um produto da
sociedade ocidental moderna, e que é esse mesmo meio social que faz a manutenção
desse sentimento. Assim podemos afirmar que a sociedade moderna é, portanto, uma
sociedade de riscos. Vejamos:
As culturas tradicionais não tinham um conceito de risco porque não
precisavam disso. Risco não é mesmo que infortúnio ou perigo. Risco se
refere a infortúnios ativamente avaliados em relação à possibilidades futuras.
A palavra só passa a ser amplamente utilizada em sociedades orientais para o
futuro – que vêem o futuro precisamente como um território a ser
conquistado ou colonizado. O conceito de risco pressupõe uma sociedade que
tenta ativamente romper com seu passado – de fato, a característica
primordial da civilização industrial moderna (GIDDENS, 2000, p. 33).
Ainda segundo Giddens (2000), “o seguro é a base a partir da qual as pessoas
estão dispostas a assumir riscos”. E são esses riscos com os seus aparatos necessários à
proteção dos indivíduos que tem impulsionado o mercado da segurança privada, na
medida em que se consume com a finalidade de burlar os riscos e assim evitar a
exposição ao sentimento de medo. Ainda segundo Giddens (2000):
O risco é a dinâmica mobilizadora de uma sociedade propensa à mudança,
que deseja determinar seu próprio futuro em vez de confiá-lo à religião, à
tradição ou aos caprichos da natureza. O capitalismo moderno difere de todas
as formas anteriores de sistema econômico em suas atitudes em relação ao
futuro. Os tipos de empreendimentos de mercado anteriores eram irregulares
ou parciais. As atividades dos mercadores e negociantes, por exemplo, nunca
tiveram um efeito muito profundo na estrutura básica das civilizações
tradicionais (GIDDENS, 200. p34).
Com isso, pensando então nesse risco, enquanto dispositivo do sentimento de
medo, ressaltamos que na sociedade moderna, existem dois tipos de risco, o risco
externo que diz respeito ao que é experimentado como vindo de fora, da rigidez das
tradições ou da natureza; e o risco fabricado, aquele que é criado pelo impacto do nosso
crescente conhecimento, sobretudo, das situações em cujo confronto tem pouca
experiência histórica, por exemplo, os riscos ambientais. No entanto, o risco fabricado
não se liga apenas à natureza. Penetra em outras esferas da vida também. Ele diz
respeito a tudo aquilo que é imprevisto, que pode ocorrer independentemente do cálculo
do indivíduo. A maneira mais eficiente de enfrentar o crescimento do risco fabricado é
limitar a sua possibilidade mediante a adoção do chamado “princípio do
acautelamento”, ou seja, tomar medidas de precaução, de tentar evitar o risco. A Baierl
observa que:
A violência urbana tem ampliado o que denominamos medo social. Medo
este construído socialmente e que afeta a coletividade. Trata-se do medo
utilizado como instrumento de coerção por determinados grupos que
submetem pessoas aos interesses deles. O medo social vem alterando
profundamente o território e o tecido urbano e, consequentemente, a vida
cotidiana da população. Todos se sentem afetados, ameaçados e correndo
perigo. Ameaças reais, vindas de sujeitos reais, são contrapostas a ameaças
potenciais típicas do imaginário singular coletivo, produzindo pelos indicies
perversos do crescimento da violência nas cidades. Isso se agrava pela forma
como esses indicies são veiculados e tratados pela mídia, pela fala corriqueira
do crime e, principalmente, pela ineficiência e impunidade no papel da
policia e do Estado frente à questão social. Os sentimentos generalizados são
de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desespero. (BAIERL, 2004.
p20).
Nesta perspectiva, entre os riscos fabricados pela modernidade localizamos o
risco de ser vítima da violência e da criminalidade urbana. O risco de ser vítima provoca
insegurança e medo nas pessoas. Neste sentido, pode-se afirmar que o sentimento de
insegurança e medo são frutos da constituição da sociedade moderna. Se a sociedade
moderna é uma sociedade de riscos, ela também é uma sociedade de inseguranças e
medos provocados pelos seus próprios riscos, e os mesmos refletem na manutenção de
uma configuração do mercado de capital, como veremos a seguir, gerando um grande
fluxo econômico.
3. A INDÚSTRIA DO MEDO E SEU CONSUMO
É fato que na atualidade das sociedades modernas existe uma expansão de um
público consumidor que impõe a necessidade da ampliação do mercado de bens e
serviços de segurança privada não só no que diz respeito ao Brasil, mas também os
fenômenos se ratificam em projeções mundiais. Entendemos que,
A violência e os atos violentos ocupam o espaço deixado pela fragmentação
de valores sociais mais pessoalizados, em uma sociedade de mudanças
profundas nas esferas comportamentais e caminhando para um
individualismo selvagem como modo de vida, já que as devidas regras sociais
do novo momento da sociabilidade brasileira não se encontram de todo caras,
nem sequer esboçadas. Os valores que criam a identidade do individuo, dessa
forma, pulverizados e questionados no seu potencial de pertença, parecem
que criam a identidade do individuo, dessa forma, pulverizados e
questionados no seu potencial de pertença, parecem colocar-se no social de
forma frágil e transitória, ampliando a solidão dos sujeitos e amplificando o
imaginário social do outro como concorrente, como inimigo ou estranho,
contribuindo para os contornos sociais de onde se visibilizam as interações
entre indivíduos para esse novo caráter da violência expressa de diferentes
maneiras pela mídia e que parece conformar o imaginário dos cidadãos, o que
parece gerar nos jovens e adultos, usados pela cultura do medo como um
sustentáculo e ampliação da indústria que a mantém (KOURY, 2014. p101).
Neste sentido, a indústria do medo é aqui entendida como a responsável pela
produção de produtos e serviços de segurança privada, assim como daqueles setores da
economia que vendem serviços vinculados à segurança, e que seguem a lógica
mercadológica cujo objetivo precípuo é o lucro.
Tendo ciência disso, seguimos articulando a produção da “indústria do medo”
com as disposições daquilo que nos é apresentado como sendo uma cultura do consumo,
que em linhas gerais podemos definir a partir de três concepções ou dimensões, a saber:
A primeira concepção de que a cultura de consumo tem como premissa a
expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu origem a uma
vasta acumulação de cultura material na forma de bens e locais de compra e
consumo. Isso resultou na proeminência cada vez maior do lazer e das
atividades de consumo nas sociedades ocidentais contemporâneas,
fenômenos que embora sejam bem-vindos por alguns, na medida em que
teriam resultado em maior igualitarismo e liberdade individual, são
considerados por outros como alimentadores da capacidade de manipulação
ideológica e controle “sedutor” da população, prevenindo qualquer
alternativa “melhor” de organização das relações sociais. Em segundo lugar,
há concepção mais estritamente sociológica de que a relação entre a
satisfação proporcionada pelos bens e seu acesso socialmente da exibição e
da conservação das diferenças em condições de inflação. Nesse caso,
focaliza-se o fato de que as pessoas usam as mercadorias de forma a criar
vínculos ou estabelecer distinções sociais. Em terceiro lugar, há a questão
dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no
imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que
produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos
(FEATHERSTONE, 1995, p. 31 Grifos nossos).
Com isso, partindo daquilo que acima foi definido enquanto uma cultura do
consumo; articulamos aqui essa cultura com o consumo de bens e serviços ofertados no
campo da segurança pública que tem a pretensão de promover segurança aos indivíduos
e, que por sua vez, também deve cumprir as mesmas dimensões ou concepções acima
destacadas, isto é: a expansão da produção capitalista de mercadorias; o uso das
mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais; os prazeres
emocionais do consumo.
Dessa forma, portanto, o que temos estabelecido aqui é que as mercadorias e os
serviços de segurança privada estão sendo consumidos com a intencionalidade de trazer
uma segurança para o seu consumidor final, pois estes se sentem expostos a algum
risco, seja este risco algo interno ou externo, como já foi aqui apresentado. Nesse
contexto de modernidade e pensando agora na função do individuo dentro desse
contexto, buscando transfigurar a imagem do consumidor passivo, Retondar (2008)
apresenta o vem a ser a discursão de uma hipertrofia do individualismo, onde o
consumo é peça fundamental dessa configuração.
Poderíamos assim afirmar que o ato de consumo se caracteriza como uma
forma contemporânea de “ação social” que se desdobra – tal qual nos termos
desenvolvidos pelo próprio Weber –, em um tipo específico de relação social,
definida a partir de um conjunto de significados que a envolvem e que se
encontram partilhados por um grupo definido de consumidores
(RETONDAR, 2008. p9).
Com isso o que se apresenta é que essa subjetividade de um individuo
consumidor vai sendo definida no interior desse processo de consumo, não sendo assim
uma subjetividade puramente “psicológica”, mas, sendo assim produzida e reproduzida
no interior de processos sociais. Com tudo, Retondar (2007), afirma:
Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento e a expansão da sociedade de
consumo para um nível global recoloca (e amplia), nesta dimensão, este valor
caro à modernidade, ou seja o individuo enquanto efetivo sujeito do processo
social, se transformando, neste caso, em uma espécie de “mega-agente
civilizatório” da própria modernidade (RETONDAR, 2007, p86).
Dialogando com aquilo que tange à segurança pública, a insegurança é deste
modo o que faz alavancar o consumo de alguns bens, mas para seguir as regras do
consumo das necessidades do mercado capitalista, essa indústria está sempre inovando e
promovendo no seu consumidor a necessidade de aumentar o leque de bens
consumidos. No entanto, para entender melhor o contexto em que isso se confecciona,
observamos que:
Para assegurar a paz, tão precária no período feudal, e atender as demandas
coletivas de segurança, o estado moderno, foi criado para exercer o que se
chamou “monopólio da violência legitima”. Isso quer dizer que, através do
seu maior poder de fogo, o Estado passou a arbitrar os conflitos e a exigir o
cumprimento de suas decisões judiciais. A ordem e a vingança privada
deixaram de vigorar. Quando apenas algumas instituições estatais, como a
policia e as forças armadas, podem fazer uso da violência legalmente para
proteger o cidadão, o Estado adquire a capacidade de impor uma decisão
judicial. Atrás desse poder está a ameaça do uso da força para fazê-la
cumprir. (ZALUAR, 1996. p43.)
Entendemos assim que o fenômeno do crescimento desse mercado consumidor e
consequentemente dessa oferta de produtos e serviços que reforçam o setor da
segurança privada vem justamente nessa mão de contestar o monopólio legitimo da
violência e da força física pelo Estado, sendo que como é apresentado acima por Zaluar,
esse monopólio é um dos demarcadores do estado moderno, que em suas
(re)organizações, passa a individualizar o acesso a essa segurança, pois está mais seguro
aquele que pode pagar mais por ela. Lembrando daquilo que nos alerta o Sapori:
A legitimidade de um governo nos tempos atuais depende, em boa medida,
de sua capacidade de manter ordem no seio de populações residentes em
territórios juridicamente submetidos à sua autoridade. Proliferação de
insegurança no cotidiano das relações sociais e, consequentemente, do
sentimento de insegurança e medo entre os indivíduos afeta diretamente o
grau de confiabilidade das autoridades governamentais, constituindo-se,
inclusive, em aspecto decisivo de disputas eleitorais (SAPORI, 2007, p17).
É neste contexto de um enfraquecimento daquilo que se dispõe a ser uma função
do Estado, é que essa indústria vem explorando novos medos e novas expectativas de
seguridade, criando assim uma funcionalidade mercadológica para a sua oferta.
Observamos esse fato diante daquilo que é indicado pela Caldeira:
A privatização da segurança desafia o monopólio do uso legítimo da força
pelo Estado, que tem sido considerado uma característica definidora do
Estado-nação moderno (...). Nas últimas décadas, a segurança tornou-se um
serviço que pode ser comparado e vendido no mercado, alimentando uma
indústria altamente lucrativa. Em meados dos anos 90, o número de
vigilantes empregados em segurança privada ultrapassou o de policiais em
quase três vezes nos Estados Unidos e em cerca de duas vezes mais na GrãBretanha e no Canadá (...). Cidadãos desses e de muitos outros países
dependem cada vez mais da segurança privada, não só para a proteção em
face do crime mas também para identificação, triagem, controle e isolamento
de pessoas indesejadas, exatamente aquelas que se encaixam nos estereótipos
criados pela fala do crime (CALDEIRA, 2000. p10).
Com tudo isso, e voltando aqui a dialogar com Baierl, entendemos que “Tomar
o medo social como objeto implica desvendar o conteúdo valorativo e cultural que vai
sendo tecido a partir das relações ambíguas entre o âmbito privado e o publico (Baierl,
2004. p24)”. E quando estamos pensamos nas disposições de consumo que esse medo
social pode vim a disparar, entendemos que as inovações que estão preparadas, dentro
da indústria que visa diminuir o medo das pessoas, com a promoção de bens que tragam
segurança para os indivíduos, têm como desafio inovar e manter o seu consumidor
sempre munido de novas ferramentas para suprir as suas necessidades. Sendo assim
concordamos que nesse tempo de “modernidade líquida” como é apresentada por
Bauman (2001), uma característica que fica evidente é a privatização das tarefas e
deveres do Estado.
4. Analise de dados
Entendendo que a privatização da segurança está dentre os fatores que
contribuem para a construção do imaginário do medo e para a materialização da
violência, destacando assim a falta de confiança no serviço público de segurança. A
análise aqui realizada é fruto da pesquisa de vitimização realizada na cidade de Feira de
Santana – Ba, pelo Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social –
GPECS/UFRB, que possui fomento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da
Bahia – FAPESB. Durante a parte quantitativa dessa pesquisa foram aplicados 615
questionários definidos por amostragem probabilística domiciliar seguindo os dados
fornecidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, definida com um
erro amostral de 4% com um intervalo de confiança de 95%.
Segundo Caldeira (2000), a privatização da segurança é um novo tipo de
discriminação e, de segregação. O medo nas cidades e as mudanças que ele vem
ajudando a gerar nos espaços urbanos representam um ataque à noção de que o espaço
público é aberto à circulação de todos os cidadãos a despeito de suas diferenças sociais.
Observe o gráfico:
Gráfico 1: Gostaria de saber se, nos últimos 12 meses
tomou medidas de segurança para sua residência:
31%
SIM
Não
69%
Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.
A segurança privada vem cada vez mais assumindo o lugar e as funcionalidades
dos aparatos públicos de seguridade, no gráfico acima 31% dos entrevistados na cidade
de Feira de Santana – Ba, responderam SIM, quando questionados se nos últimos doze
meses tomaram alguma medida de segurança para a sua residência, um dado que em
linhas gerais é aprofundado quando a pergunta se aprofunda, e pedimos que os mesmos
entrevistados listem em ordem quais foram essas medidas de segurança tomada.
Observe o que acontece,
Gráfico 2:Primeira medida de segurança
Grades nas janelas ou portas
9%
Não tomou medidas de segurança
10%
38%
8%
Troca de fechaduras, tranacas extras nas
portas e janelas, além das fechaduras
principais
Interfone
Cães de guarda
Alarme
2%
5%
Câmeras de vídeo
4%
Vigia nas rua
6%
16%
2%
Aumentou a altura do muro ou grade
Cerca elétrica sobre o muro
Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.
O que vemos aqui é que a cidade passa a ser uma “cidade de grades”, ora aquele
que é indicado por 38% como a primeira medida de segurança tomada em suas
moradias é justamente a instalação de “grades nas portas e janelas”, tendo em vista que
essa é uma medida que não afeta apenas diretamente aquele que tomou a medida para
da sua residência, mas no entanto muda efetivamente toda a configuração da paisagem
da cidade, afetando assim um contexto de maior proporção, provocando naquelas que
passam por essas ruas a leitura de que existe uma veemente insegurança local, que vem
a ser burlada por estas mesmas grades associadas a outros meios, como veremos.
Gráfico 3: Segunda medida de segurança
Grades nas janelas ou portas
Não tomou medidas de segurança
9%
11%
2%
Troca de fechaduras, tranacas extras
nas portas e janelas, além das
fechaduras principais
Interfone
20%
Cães de guarda
27%
Alarme
2%
Câmeras de vídeo
2%
2%
23%
2%
Vigia nas rua
Aumentou a altura do muro ou grade
Cerca elétrica sobre o muro
Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.
Aquela que ficou eleita como a segunda medida de segurança mais utilizada
entre nossos entrevistados é justamente com 27% das indicações, o “Aumentou a altura
do muro ou grade” o que comunga com aquilo que é apresentado enquanto mudança de
cenário urbano, identificada na questão anterior e principalmente com aquilo que nos é
apresentado pela Caldeira (2000). Pensar que as cidades estão se tornando cidades de
muros e de grades, é também repensar é eficácia do estado no cumprimento do seu
papel de ofertar segurança para esses sujeitos, onde os mesmos tentam se assegurar por
através de outras vias, estas se diferenciam dentre as classes econômicas, mesmo assim
não deixam de existir em função do poder aquisitivo, sejam de menor custo, como
apenas a implantação das grades e o crescimento dos muros ou mais complexas que
demandam um maior despendimento econômico. Vejamos:
Gráfico 4: Terceira medida de segurança
9%
27%
Interfone
28%
Câmeras de vídeo
Vigia nas rua
Aumentou a altura do muro ou grade
Cerca elétrica sobre o muro
18%
18%
Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.
O que observamos no gráfico que remete a terceira medida de segurança
observamos que com 27% à medida que aparece com a mais tomada é a instalação de
“Câmera de vídeo”, seguido com 27% do uso de “Cerca elétrica nos muros” e seguindo
os dois com 18% “Vigia na rua” e novamente “Aumentou a altura do muro ou grade”.
Entendendo assim o aumento da oferta de equipamentos eletrônicos de segurança e
monitoramento alavancando muito a sua utilização como apoio aos efetivos de
segurança e, em alguns casos, até substituído a presença do vigilante. Neste gráfico fica
bastante referente um maior investimento em custos reais com a segurança privada, as
utilizações desses equipamentos e serviços de segurança veem movimentando uma fatia
significativa da nossa economia.
Ainda mais se levarmos em consideração aquilo que é apresentado pelo IV
ESSEG (2014) – Estudo do Setor da Segurança Privada, realizado pela FENAVIST –
Federação Nacional das Empresas de Segurança e de Valores, onde “O estudo
demonstra que houve um crescimento significativo do setor da segurança privada no
Brasil na última década em 68%, em número de empresas para 2013. Estima-se que
essas empresas movimentaram no Brasil cerca de R$ 43 bilhões/ano, empregando
formalmente cerca de 706,5 mil trabalhadores” (IV ESSEG, 2014. p6.). O mesmo
relatório apresenta que:
Em 2013 o crescimento do faturamento da ordem de R$ 7 a 8 bilhões
(+20,8% sobre 2012), foi totalmente absorvido, em todas as Regiões do
Brasil, pelo crescimento da Massa Salarial (R$ 3,8 bilhões), dos Impostos
Federais e Municipais (R$ 900 milhões), dos Impostos e Contribuições
Trabalhistas (R$ 1,57 bilhões), dos Benefícios e Indenizações Trabalhistas
(R$ 1,2 bilhão) e Despesas Operacionais (R$ 600 milhões). Como resultado
final, podemos afirmar que o mercado de segurança não apontou crescimento
real em 2013, (em R$), o que é confirmado pela quase estabilidade no
número total de vigilantes ativos, em comparação com 2012. (IV ESSEG,
2014. p18.).
5. CONCLUSÃO
Partindo de tudo que foi apresentado no texto, entendemos que movidos pelo
medo os indivíduos mudam as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos
poucos, vão se tornando consumidores do que poderíamos chamar de uma “indústria do
medo”, fazendo assim uma alusão ao mercado de segurança privada. Os mais abastados
privatizam a segurança se fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas
elétricas, carros blindados; enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e
se fecham em suas casas; tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o
indivíduo se sente exposto.
O surgimento e a emancipação do comercio no campo da segurança privada,
alimentado pelo sentimento de medo é um fenômeno complexo o que faz desse trabalho
é o inicio de um longo estudo que irá ser aprofundado. Indico a importância do tema,
pensando que a realidade dos seus medos é o reflexo das suas expectativas futuras. Os
individuos se sentem vulneráveis, vivem a iminência do risco que permeia a sociedade
moderna, como nos mostra o Giddens. E com isso a cada dia estão se (re)organizando,
promovendo um isolamento, um certo distanciamento preventivo, afim de estar sempre
se antecipando há possíveis violências, e com a ajuda desses dispositivos oferecido pela
segurança privada, estão cada vez mais promovendo uma nova forma de segregação
social, a partir do distanciamento do outro, enxergando neste um potencial violento.
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