Ao longo de quase trinta anos no exercício da profi ssão de
conselheiro especialista em outplacement, acompanhando executivos
em transição de carreira após a perda de emprego e assistindo à
evolução do mercado de trabalho, pude constatar, entre outros, os
seguintes fenômenos:
1) Reorganização dos processos de produção de bens e prestação de
serviços nas empresas motivada pela globalização da economia.
2) Aumento e banalização de demissões de profissionais
considerados inadequados ou desnecessários.
3) Redução do número de empregos formais e aparecimento de
novas formas de trabalho.
4) Mudanças nas relações de trabalho. (As empresas deixaram de ser
uma família para ser uma organização de profissionais que prestam
serviços.)
5) Diminuição do tempo de permanência numa empresa. (Emprego
até a aposentadoria, na mesma organização, deixou de existir.)
6) Transferência da responsabilidade de cuidar da carreira do
empregador para o profissional prestador de serviço.
7) Novas exigências dos empregadores quanto ao perfil, à atitude, ao
desempenho, à atualização e à disposição do profissional para atuar
como provedor de solução.
8) Despreparo dos profissionais para atuarem de acordo com as
novas regras do mercado de trabalho.
9) Dificuldade e demora na recolocação, obrigando muitos
profissionais a procurar trabalho por conta própria. Diante dessas
transformações, os profissionais que desejam permanecer no
mercado de trabalho precisam, metaforicamente, utilizar um “sistema
operacional” mais adequado a esse novo ambiente em que estamos
vivendo.
O mesmo conselho vale para os jovens profi ssionais que desejam
ingressar e progredir nesse mercado. Na realidade, o que os profi
ssionais necessitam fazer é trocar o velho e bom DOS do emprego
tradicional pela mais nova versão Windows1 (ou concorrente) da
prestação de serviços; trocar a mentalidade de empregado pela de
prestador de serviços. Esse upgrade, para muitos, é uma revolução
na forma de pensar e agir nas questões de trabalho.
Profissionais que operam com o novo software mental compreendem
a necessidade de utilizar todos os componentes do processo
mercadológico.
No entanto, para que isso ocorra, é preciso ter ou desenvolver um
tipo particular de inteligência – a inteligência mercadológica.
Inteligência mercadológica (I.M.) é a habilidade de perceber
oportunidades, desenvolvê-las e vender bens e serviços. Profissionais
com inteligência mercadológica, quaisquer que sejam a forma e o
lugar em que atuem, utilizam o “Windows” de prestação de serviços.
Gostaria de esclarecer que tratarei da inteligência mercadológica do
ponto de vista do profissional, prestador de serviços por conta
própria.
Esclareço, ainda, que esses conceitos também podem e devem ser
utilizados por profissionais que permanecem tendo relação de
emprego com alguma empresa. Este livro nasceu da prática, e não de
elucubrações teóricas. Tudo o que descrevo aqui se originou do
contato e da observação de pessoas como você. De gente que entrou
em meu escritório buscando apoio e aconselhamento para sua
recolocação no mercado de trabalho.
Intencionalmente, recheei o livro de histórias e casos para ilustrar os
conceitos e conselhos. Então, permita-me começar contando uma
história. Uma vez cuidei do caso de uma pessoa que havia sido
dispensada de uma grande empresa. O trabalho que ela executava
ainda era necessário para a companhia, mas não justificava o
emprego em tempo integral. Essa pessoa me contou que a empresa
lhe ofereceu apoio para a terceirização da atividade e um contrato
por um ano, liberando-a para utilizar o tempo livre na busca de novos
clientes. “E aí, você aceitou?”, perguntei, já animado com a
possibilidade. “Eu não!”, ela respondeu. Quando questionei o motivo
de ter recusado a oferta, obtive a seguinte resposta: “Porque um
homem sem emprego não é homem!” São para pessoas que
acreditam que não há vida sem emprego que escrevi este livro – não
apenas para médicos, engenheiros, advogados, consultores,
administradores. Este livro foi feito para graduados, pós-graduados e
também para gente simples que presta serviços. Suas orientações e
casos verídicos têm o propósito de combater a miopia de profi
ssionais como o do exemplo citado.
A maioria dos brasileiros está acostumada a ter patrão, chefe e
emprego. Por isso, não tem o que nossos antepassados tinham:
capacidade de descobrir necessidades, desenvolver soluções, oferecêlas, vendê-las, receber por elas e criar uma clientela ou freguesia
para garantir uma relação contínua de troca, que no fundo é a
geradora de trabalho e renda.
Na verdade, o profissional do caso mencionado demonstrou medo de
partir para o trabalho por conta própria (que caracterizo como uma
viagem interplanetária, na qual você tem de tirar os pés do chão, em
contraposição à viagem na Terra, seguindo sobre os trilhos, com
percurso predeterminado) e ainda mostrou não possuir aquilo que
descrevemos ao longo de todo o livro: inteligência mercadológica.
O que falta aos profissionais é esse tipo particular de inteligência que
permite tirar proveito da riqueza que os cerca, que está nas
oportunidades geradas pelas necessidades das pessoas.
Num mundo com poucos empregos e muitas oportunidades de
prestação de serviços, todos precisam funcionar como uma espécie
de empresa individual – micro ou pequena da atividade de serviços. A
existência dessas empresas só se justificará se tiver trabalho e,
portanto, se houver clientes.
Com inteligência mercadológica, o profissional conseguirá
compreender as necessidades do mercado, criar soluções, adaptá-las
ou modificá-las, visando atender às pessoas e desenvolver uma
clientela. Como as pessoas têm necessidades, precisam de soluções.
Raciocinando de forma mercadológica, conseguimos identificar à
nossa volta uma gama de oportunidades implícita naqueles com
quem dialogamos, a quem observamos, de quem ouvimos pedidos e
reclamações e apreendemos expectativas.
O conceito de inteligência mercadológica proposto neste livro é mais
uma das aplicações da inteligência geral, do mesmo modo que a
inteligência emocional. Não se trata de uma inteligência diferente,
mas de uma inteligência aplicada, que pode ser desenvolvida à
medida que as pessoas começarem a entender que sem clientes elas
não subsistirão e que sem fornecedor nenhum cliente terá a solução
de suas necessidades.
Vendo as coisas sob essa ótica positiva, ficamos mais à vontade para
praticar essa dinâmica que proporciona as trocas. Na realidade, o
principal objetivo da inteligência mercadológica é a promoção da
troca de serviços com quem precisa deles.
Os profissionais diferenciam-se pelo grau de inteligência
mercadológica que possuem. Alguns não a possuem, outros a têm em
grau elementar e alguns em nível elevado. Os últimos são
empreendedores que conseguem perceber as oportunidades de
serviços antes dos demais e têm iniciativa para
oferecer soluções.
Neste livro tratarei da relação do prestador de serviços com o
consumidor. Contudo, esclareço desde já que consumidor ou cliente
tanto pode ser uma única pessoa quanto uma organização social ou
uma empresa.
Em geral, aquele que tem alto grau de inteligência mercadológica
acaba aglutinando outras pessoas que não a têm – ou, pelo menos,
não no mesmo nível –, gerando trabalhos ou subcontratos mais
ligados à execução. A liderança dos projetos e dos serviços fica com o
primeiro, que tem espírito empreendedor, que descobre ou gera
oportunidades, que cria seu espaço e sua marca no mercado e que
estabelece vínculos com os compradores de seus serviços. Estes
acabam tornando-se proprietários de empresas de prestação
de serviços ou produtoras de algum bem.
A inteligência mercadológica está fortemente associada ao ato de
vender. Frisarei muito aqui que “vender é um ato nobre”; é ajudar o
próximo a resolver o problema dele com aquilo que você faz.
Pensando dessa maneira, você estabelece um tipo de relação cola borativa com seus clientes, que proporciona satisfação da
necessidade, benefício, alívio e bem-estar, gerando como
consequência o pagamento merecido. Ao receber um serviço de
valor, as pessoas pagam por ele de bom grado. Não veem o
prestador de serviços como um sujeito aproveitador, como alguém
que não respeita seu espaço, mas como um benfeitor, alguém
que faz um bem. É claro que para ser visto desse modo é preciso
encarar a relação de troca no longo prazo, vendendo quando há
demanda real do cliente, o que nem sempre coincide com a
necessidade do profissional de trabalhar e ganhar.
Para conseguir vender nossos serviços, precisamos fi car atentos à
forma como as pessoas preferem ser tratadas, que no fundo se
parece com aquela que nós mesmos preferimos. Neste livro, dei
muito destaque ao que parece ser uma obviedade, mas que, se
colocada em prática, pode ser muito útil: o mercado é constituído de
gente, de “gente como a gente”. Ou seja, o comportamento dos
clientes é semelhante ao nosso quando estamos no lugar deles.
Desenvolver a inteligência mercadológica é possível e vale a pena,
pois ela traz benefícios reais: diferencia um profissional do outro,
garante longevidade no exercício da profissão ou no gerenciamento
da empresa de prestação de serviços e produz um efeito multiplicador
pelos depoimentos e pelas referências de quem foi bem atendido.
Ultimamente, fala-se muito no fim do emprego. São mensagens
ameaçadoras que, na realidade, alertam para percebermos as
mudanças no mundo do trabalho. Acredito que o emprego nunca vá
acabar – ele está em transformação.
Nessa transformação, teremos, aos poucos, a redução dos empregos
formais, com os quais estamos acostumados, e uma expansão das
oportunidades de prestação de serviços e da criação de negócios
próprios de todos os tamanhos e formatos.
Minha crença de que não faltará trabalho é decorrente da constatação
de que o trabalho é gerado pelas necessidades humanas. Portanto,
enquanto houver gente no mundo – e cada vez há mais –, teremos
necessidades para serem atendidas. As pessoas continuam e
continuarão sempre precisando comer, vestir-se, aprender, viajar,
entreter-se, prevenir doenças, cuidar da saúde, e tantas outras
coisas.
O ser humano é gerador de todas as demandas de serviços, tanto
como pessoa física quanto agindo em nome de empresas. A
existência de necessidades é que garante as oportunidades de
prestação de serviços. Então, sou otimista quanto ao futuro do
trabalho, não do emprego. Nesse novo cenário, para ter ocupação e
remuneração sempre, o profissional precisa entender a relação
mercadológica que existe entre fornecedores e clientes.
Profissionais com inteligência mercadológica têm uma forma diferente
de pensar e agir, o que lhes confere vasta vantagem competitiva.
Com ela, descobrem mais e melhores oportunidades e permanecem
mais tempo no mercado. Se quiserem, poderão trabalhar a vida toda.
Não é a aposentadoria ou a idade avançada que irá fazê-los parar.
Em síntese, para os mais maduros, inteligência mercadológica é fator
de sobrevivência e longevidade na carreira. Para os mais jovens, é
um fator que facilita o ingresso no mercado de trabalho, tanto como
empregado quanto como prestador de serviços por conta própria.
Gostaria de citar uma frase que tem muito a ver com a filosofia que
pretendo passar neste livro. Ela foi proferida pelo economista irlandês
Charles Handy a seu filho, no dia da formatura:
“Procure clientes, não empregos”.
Este é um conselho que vale para toda pessoa que quer trabalhar.
Procure clientes! Procure pessoas com necessidade daquilo em que
você tem conhecimento e habilidades em sua profissão porque assim
terá trabalho e remuneração. No início poderá parecer difícil. Mas
pratique essa forma de inteligência e aos poucos você irá se tornar
experiente. Com o tempo, nem perceberá que está agindo
mercadologicamente, com outro software mental.
Para finalizar, quero expressar algo que constato e no qual acredito:
Há muita vida fora das grandes empresas. Há muito trabalho fora do
emprego. Há muitas oportunidades para jovens e maduros que
adotam esse jeito diferente de olhar, pensar e agir.
Agora, permita-me apresentar-lhe a estrutura do livro, que foi
elaborada em nove capítulos.
No capítulo 1, conceituamos a inteligência mercadológica, partindo
dos estudos sobre inteligência geral, e apresentamos o ciclo das
atividades mercadológicas, que compreende: pesquisar e identifi car
necessidades, desenvolver
serviços e soluções para essas necessidades, divulgar e fazer
propaganda, vender, avaliar resultados e reiniciar o ciclo, retornando
à pesquisa de necessidades.
No capítulo 2, discutimos vários aspectos que interferem na forma
como profissionais encaram a propaganda e a venda de serviços e a
dificuldade em lidar com questões que envolvam estabelecimento de
preço e cobrança dos serviços.
No capítulo 3, apresentamos o ciclo mercadológico do mercado de
trabalho e suas diversas fases. Cada um dos seis capítulos seguintes
descreve e fornece múltiplos exemplos sobre as fases do ciclo
mercadológico apresentadas no capítulo 3.
No capítulo 4, tratamos da fase da pesquisa de necessidades e da
identificação de oportunidades.
No capítulo 5, descrevemos e analisamos a fase de desenvolvimento
de soluções e serviços. Este capítulo mostra que, uma vez
identificadas as necessidades, os profissionais devem fazer uso de
seu conhecimento específico para elaborar soluções que ajudem o
próximo a resolver seu problema.
O capítulo 6 trata da fase de divulgação e propaganda. Não adianta
ser um bom profissional e fazer o serviço bem feito se não tiver
cliente. Os prestadores de serviços têm de divulgar seus serviços por
diversos meios, para incentivar as pessoas a comprá-los.
O capítulo 7 trata de uma etapa que representa especial dificuldade
para os profissionais, principalmente para os executivos, que é a
venda do próprio serviço, a cobrança e o recebimento deste. Neste
capítulo exploramos o conceito de que todo serviço que tem utilidade
tem valor. Se tem valor, deve ser vendido por um preço justo e
precisa ser cobrado.
O capítulo 8 trata da prestação do serviço propriamente dita.
No capítulo 9, último do livro, mostro que não adianta o profissional
fazer uma única venda e o cliente não retornar mais. Comento que a
venda de serviços é uma ação de relacionamento contínuo, que
implica verificar a satisfação de quem comprou o serviço. Completado
o ciclo, aplicando-se a inteligência mercadológica, volta-se à primeira
etapa em busca de novas oportunidades ou necessidades.
Com este livro repleto de casos e exemplos, espero contribuir para o
questionamento e a análise de crenças e comportamentos arraigados
na cultura que impedem os profissionais de se libertar das amarras
do emprego tradicional, da miopia em enxergar a nova realidade do
mercado de trabalho e dos preconceitos em relação à mercadologia
em causa própria e, em particular, ao ato de vender.
Boa leitura!
Antes de continuar a leitura, recomendo que você faça o Teste de
Inteligência Mercadológica, que se encontra no Apêndice, ao final
deste livro, na página 175.
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