O ATO EDUCACIONAL E A AÇÃO EDUCATIVA À LUZ DA TEORIA DA COMPLEXIDADE DE EDGAR MORIN PRESOTTO∗, Tiago André – PUCPR [email protected] Resumo O presente artigo pretende abordar alguns pontos importantes para a nossa educação atual. No decurso da história várias práticas pedagógicas e teorias educacionais fragmentaram a própria educação e o processo ensino-aprendizagem. Neste texto será trabalhado um paradigma que teve e ainda tem grande influência na nossa educação, qual seja, o “paradigma da disjunção”. Palavra esta bastante usada por Morin em seu discurso, quando quer tratar do ensino na perspectiva cartesiana que busca separar e reduzir as coisas vendo unicamente as partes e não o todo. Para suprir essas falhas na educação será apresentado algo que poderá ajudar em muito a nossa educação. Baseado no pensamento do filósofo francês Edgar Morin, serão destacadas as contribuições do “pensamento complexo” na educação e sua relevância no esforço de se formar uma “cabeça bem-feita” nos educandos e nos cidadãos da atualidade. Palavras-chave: Educação; Pensamento Complexo; Edgar Morin. Que todos os homens sejam filósofos. Mas, para isso, é necessário que se dediquem ao trabalho de pensar metodologicamente como condição para a reflexão crítica. Temos certeza de que tantos os professores como alunos são capazes disso. LUCKESI Eu não escrevo de uma torre que me subtrai à vida, mas no meio de um turbilhão que implica e me conduz à vida. EDGAR MORIN O amor alimenta meu trabalho, que alimenta meus amores. EDGAR MORIN ∗ Graduando em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 3799 Introdução Pretende-se, neste artigo, tecer algumas considerações sobre um tema de importante relevância, a saber: a educação. Para isso, lançarei mão das contribuições reflexivas de um dos grandes pensadores de nossa atualidade, o filósofo francês Edgar Morin. Ao direcionar tal reflexão para a educação a partir das idéias de Morin, pretendo destacar a formação da “cabeça bem-feita” e de como se dá o “pensamento complexo”, capaz de unir as partes do todo. Ao longo de toda a história, podemos ver que várias práticas pedagógicas e teorias fragmentaram a educação e a aprendizagem. Quero destacar aqui o paradigma tecnicista que ensinou a separar as coisas, separar o todo das partes. Algo absurdo quando se pensa a partir de um pensamento complexo, que tenta sempre unir o todo das partes. A proposta de Morin é de um pensamento que uma – por isso a palavra complexidade, já que complexus significa “o que é tecido junto”. O pensamento complexo é o pensamento que se esforça para unir, não na confusão, mas operando diferenciações. Antes de refletir sobre a produção do conhecimento e da educação no contexto atual, é preciso pensar na educação durante todo o período da modernidade. A educação foi afetada pela visão cartesiana, o que traz complicações para a educação até hoje. Várias foram as tendências pedagógicas ao longo do século XX, como, por exemplo, a educação libertadora, e o tecnicismo. A Visão Cartesiana No Discurso do Método de Descartes, onde podemos ver os seus quatro princípios, sendo o segundo e o terceiro importantes para discutirmos. O segundo princípio é o que pretende “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para melhor resolvê-las” (DESCARTES, 1996, p. 23). O terceiro, por sua vez, diz que se deve “conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos compostos” (DESCARTES, 1996, p. 23). Analisando estes dois princípios podemos ver claramente no segundo o princípio de separação e, no terceiro, o princípio de redução. Morin mostra que o princípio de redução comporta duas ramificações. 3800 A primeira é a da redução do conhecimento do todo ao conhecimento adicional de seus elementos (...). A segunda ramificação do princípio de redução tende a limitar o conhecimento ao que é mensurável, quantificável, formulável, segundo o axioma de Galileu: os fenômenos só devem ser descritos com a ajuda de quantidades mensuráveis (MORIN, 2001a, p. 87-88). Nesta relação entre o todo e as partes, Morin faz uma grande crítica ao paradigma mecanicista, principalmente às idéias de Descartes. Pascal nos diz que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo, assim como o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes. Por isso, em várias frentes do conhecimento ganha corpo uma “concepção sistêmica” onde o todo não é redutível às partes. O comportamento de um organismo vivo como um todo integrado não pode ser entendido somente a partir do estudo de suas partes. Como os teóricos sistêmicos enunciariam várias décadas mais tarde, o todo é mais do que a soma de suas partes (CAPRA, 1996, p. 38). Com isso, a visão de “pensamento sistêmico” passou a ter a compreensão de um todo maior que as partes. Para Morin, dentro desta visão do todo como sendo maior que as partes, o global é mais que o contexto, pois o global é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo “inter-retroativo” ou “organizacional”. O todo tem qualidades que só podem ser encontradas nele mesmo, já que ao isolar as partes algumas propriedades deixam de estar contidas no todo. Em todos os seres existe a presença do todo no interior das partes. Vale dizer, o todo é sempre diferente da mera soma das partes. Morin salienta que é necessário um pensamento que compreenda que o conhecimento das partes depende do todo e vice e versa. É preciso também um pensamento que reconheça e examine primeiro as coisas em vez de isolar, e que reconheça e trate as realidades. Segundo a proposta de Morin, “é preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingui e une” (MORIN, 2001a, p. 89). E deixa claro também que “é preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto” (MORIN, 2001a, p. 89). Podemos perceber que separando as partes do seu todo acaba-se perdendo, pois o todo é mais que a soma das partes, isto é, “no nível do todo organizado há emergências e qualidades que não existem no nível das partes quando são isoladas” (PENA-VEGA; NASCIMENTO, 1999, p. 28). E Morin, também assevera que, 3801 Não apenas o todo é mais que a soma das partes. Eu diria mesmo que o todo é menos que a soma das partes, porque tudo que é organizado tem obrigações, e tudo que é obrigação inibe ou proíbe possibilidades que não podem ser exprimidas (PENA-VEGA; NASCIMENTO, 1999, p. 28). O Pensar Complexo Primeiramente, antes de falar da teoria da complexidade e sobre o pensar complexo, acredito que devo deixar claro o que seria a complexidade para Edgar Morin. Quando ouvimos o termo complexidade hoje, ele nos remete a algo de difícil interpretação e compreensão. O conceito, para o filósofo, não é um conceito teórico já definido. E salienta que à tentação de “chegar à complexidade por uma definição prévia; precisamos seguir caminhos tão diversos que podemos nos perguntar se existem complexidades e não uma complexidade” (MORIN, 1998, p. 177). Para Morin a complexidade “corresponde à multiplicidade, ao entrelaçamento e à contínua interação da infinidade de sistemas e fenômenos que compõem o mundo natural” (MORIN; MOIGNE, 2000, p. 87): Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes (MORIN; MOIGNE, 2000, p. 14). Desta forma podemos ver que o papel da complexidade é mesmo o de tecer em conjunto, abraçar junto, não desprendendo o todo de suas partes. Assim, podemos perceber que o pensamento complexo tenta religar o que o pensamento disciplinar e compartimentado separou e parcelarizou. O pensamento complexo, religa não apenas os domínios separados do conhecimento, como também – dialogicamente – conceitos antagônicos como ordem e desordem, certeza e incerteza, a lógica e a transgressão da lógica. É um pensamento da solidariedade entre tudo o que constitui nossa realidade; que tenta dar conta do que significa originariamente o termo complexus: “o que tece em conjunto”, e responde ao apelo do verbo latino complexere: “abraçar”. O pensamento complexo é um pensamento que pratica o abraço (CASTRO; CARVALHO; ALMEIDA (org.), 2006, p. 7). O pensamento complexo é o pensamento que se esforça para unir, não na confusão, mas operando diferenciações. Eis a razão por que o pensamento capaz de unir e diferenciar é uma aventura muito difícil. Contudo, se não o fizermos, teremos a inteligência cega, isto é, uma inteligência incapaz de contextualizar. “Enquanto o pensamento científico-disciplinar e suas 3802 concepções unicamente quantitativas trivializam a realidade, o pensamento complexo redescobre o surpreendente e o desconhecido” (CASTRO; CARVALHO; ALMEIDA (Org.), 2006, p. 8). O pensamento complexo, em vez de ocultar, redescobre o mistério das coisas, dos seres e do mundo. Ele esforça-se para conseguir aproximar o mais possível do indizível e do indecifrável. Então, se o pensamento complexo nos é tão útil para o nosso bem pensar e para termos uma “cabeça bem-feita”, por que estamos então desarmados e longe de entendemos a complexidade? No entender de Morin, é “porque nossa educação nos ensinou a separar e isolar as coisas. Separamos os objetos de seus contextos, separamos a realidade em disciplinas compartimentadas” (CASTRO; CARVALHO; ALMEIDA (Org.), 2006, p. 11). Como tudo ao nosso redor é feito e construído de laços e interações, o nosso conhecimento se torna incapaz de perceber o todo, o tecido junto. Morin diz ainda que, “nosso sistema de educação nos ensinou a saber as coisas deterministas, que obedecem a uma lógica mecânica; coisas das quais podemos falar com muita clareza e que permitem, evidentemente, a previsão e a predição” (CASTRO; CARVALHO; ALMEIDA (Org.), 2006, p. 11). Quando nós percebemos algo em nosso campo de visão, temos então uma visão complexa, pois com um simples olhar podemos ver o conjunto, podemos selecionar e isolar uma coisa entre outras ou também passar de alguma coisa para outra, indo assim da parte ao todo, e do todo à parte. Se ao invés disso aplicarmos espontaneamente a percepção complexa, será muito mais difícil alcançar o conhecimento complexo, pois “conhecer é sempre poder rejuntar uma informação ao seu contexto e ao conjunto ao qual pertence” (CASTRO; CARVALHO; ALMEIDA (Org.), 2006, p. 12). Na atualidade, como se pode constatar, temos um conhecimento muito sofisticado, mas isolado, e dessa forma somos conduzidos ao erro e à ilusão. Por isso, é importante usarmos um pensamento que dê conta de que o conhecimento torna-se cada vez mais pertinente quando é possível encaixá-lo em um contexto mais global, onde poderemos ver assim o todo. Eis quão importante é juntarmos as partes ao todo e o todo às partes. Mas por que juntar o todo? Porque a sociedade é um conjunto de partes, que produz qualidades e propriedades como a linguagem, a cultura, as regras, as leis. Ela mesma retroage sobre os indivíduos e lhes permite ser perfeitamente humanos. Pois, sem a linguagem e a cultura, seríamos macacos de nível inferior. (...) um todo organizado produz qualidades e propriedades que não existem nas partes tomadas isoladamente. Sabemos, por exemplo, que uma bactéria é constituída unicamente de elementos químicos que encontramos na natureza. A vida é construída de moléculas, mas a organização vivente tem qualidades que não podemos encontrar nas moléculas tomadas isoladamente. A qualidade é de poder se mover, conhecer e se regenerar (CASTRO; CARVALHO; ALMEIDA (Org.), 2006, p. 13). 3803 Portanto, notamos a importância de um pensamento que possa conceber o sistema e a organização, uma vez que tudo o que conhecemos é constituído da organização de diferentes elementos. Morin observa que o problema crucial do nosso tempo é o de um pensamento capaz de enfrentar o desafio da complexidade do real, capaz de perceber “as ligações, interações e implicações mútuas, os fenômenos multidimensionais, as realidades que são, simultaneamente, solidárias e conflituosas” (MORIN, 2002, p. 72). A complexidade se mostra como uma outra possibilidade de ver a realidade, agora de forma que possamos nos aprofundar na compreensão da realidade. Diante disso devemos pensar em mudanças tanto no aspecto da vida humana como na economia, na cultura, na política, no âmbito de nossas idéias e, principalmente, na nossa educação; a fim de que possamos formar pessoas capazes de compor um pensamento complexo e que tenham uma cabeça bem-feita, ou seja, capazes de ver o todo e as partes, e capazes de enfrentar as incertezas de nosso mundo. A formação de uma cabeça bem-feita: um desafio para a educação Nas próximas linhas, será descrito como se dá a formação de uma “cabeça bem-feita”, relacionando com o pensamento complexo; e, ainda, como isso poderá nos auxiliar na nossa educação e na educação do futuro. Como diz a famosa frase de Montaigne, retomada pelo próprio Morin, “mais vale uma cabeça bem-feita do que uma cabeça cheia” (MORIN, 2001a, p. 21). Morin demonstra que o significado de uma cabeça bem cheia é o de formar “uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido” (MORIN, 2001a, p. 21). Já o significado de uma “cabeça bem-feita” é o que em vez de acumular o saber, ela seja capaz ao mesmo tempo de “uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas” (MORIN, 2001a, p. 21) e de “princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido” (MORIN, 2001a, p. 21). Primeiramente, para se chegar à finalidade, que é a formação de uma “cabeça bem feita”, devemos “religar” nossos saberes. “A arte de organizar seu próprio pensamento, de religar e, ao mesmo tempo, diferenciar” (MORIN, 2001c, p. 21), deve ser considerado como ponto fundamental e essencial, já que se encontra ausente do ensino. Há que se favorecer “a aptidão 3804 natural do espírito humano a contextualizar e a globalizar, isto é, a relacionar cada informação e cada conhecimento a seu contexto e conjunto” (MORIN, 2001c, p. 21). Essa proposta visa fortificar a aptidão a interrogar e a ligar o saber à dúvida. Morin inicia sua obra, “A cabeça bem-feita”, apontando que “a missão desse ensino é transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre” (MORIN, 2001a, p. 11). O autor quer deixar claro, logo no início de seu livro, qual o significado de educação e ensino que ele tem. A educação é a “utilização de meios que permitem assegurar a formação e o desenvolvimento de um ser humano” (MORIN, 2001a, p. 10). Já o ensino é a “arte ou ação de transmitir os conhecimentos a um aluno, de modo que ele os compreenda e assimile” (MORIN, 2001a, p. 11). Para entendermos melhor a proposta de Morin sobre educação, se faz necessário inserirmos em seu pensamento o que foi tratado no item anterior, “o pensar complexo”. É necessário também ter em mente algumas idéias sobre a educação atual, sobre a qual Morin faz algumas críticas. Morin critica aquele ensino que se baseia no “paradigma da disjunção”, palavra bastante usada em seu discurso quando quer tratar do ensino que busca separar e reduzir as coisas, vendo unicamente as partes e não o todo. Sobre esse assunto já tivemos oportunidade de nos manifestar anteriormente quando tratamos da “visão cartesiana”. Morin demonstra que há uma grande inadequação na educação hoje. E está cada vez mais ampla e profunda, separando e fragmentando os saberes entre uma disciplina e outra. Quando, na verdade, ao olharmos atentamente o quotidiano constatam-se problemas e realidades cada vez mais globais, multidimensionais, polidisciplinares, planetários. Se for essa nossa visão, tornam-se invisíveis “os conjuntos complexos; as interações e retroações entre parte e todo; as entidades multidimensionais; os problemas gerais” (MORIN, 2001a, p. 13). Segundo Morin, a “hiperespecialização”, isto é, a especialização que se fecha em si mesma e considera uma única parte como importante, impede de ver o global. As disciplinas estão assim hoje; cada uma fechada em si mesma, o que torna impossível apreender “o que é tecido junto”. É preciso um diálogo e um pensar junto entre as disciplinas para que possam construir, nas pessoas, não uma inteligência incapaz de perceber o contexto, o todo, o global, mas pelo contrário, um conhecimento pertinente, “capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está escrita” (MORIN, 2001a, p. 15). 3805 Um ponto chave destacado por Morin, que nos levou ao problema essencial da organização do saber, foi a grande separação entre a cultura das humanidades e a cultura científica, que teve início no século XIX e que vem se agravando ainda hoje. A cultura das humanidades ou humanística é uma cultura genérica, que “pela via da filosofia, do ensaio, do romance, alimenta a inteligência geral, enfrenta as grandes interrogações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal dos conhecimentos” (MORIN, 2001a, p. 17). A cultura científica, por seu turno, é bem diferente, ela “separa as áreas do conhecimento; acarreta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não uma reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro da própria ciência” (MORIN, 2001a, p. 17). Aí se encontra um grande desafio de união entre as duas culturas, pois enquanto “a cultura das humanidades tende a se tornar um moinho despossuído do grão das conquistas científicas sobre o mundo e sobre a vida, que deveria alimentar suas grandes interrogações” (MORIN, 2001a, p. 17-18), a cultura científica, “privada da reflexão sobre os problemas gerais e globais, torna-se incapaz de pensar sobre si mesma e de pensar os problemas sociais e humanos que coloca” (MORIN, 2001a, p. 18). Diante de tal problemática, segundo Morin, o que poderá nos ajudar é a “reforma do pensamento”, visto que: permitiria o pleno emprego da inteligência para responder a esses desafios e permitiria a ligação de duas culturas dissociadas. Trata-se de uma reforma não programática, mas paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o conhecimento (MORIN, 2001a, p. 20). A grande proposta é que a reforma do ensino leve à reforma do pensamento e que a reforma do pensamento leve à reforma do ensino. Este ensino teria, como obrigação, o desenvolvimento das aptidões gerais da mente, as quais permitiriam um melhor desenvolvimento das competências particulares e especializadas. Quanto maior for o desenvolvimento da inteligência geral, maior será a sua capacidade de tratar os problemas. “A educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da inteligência” (MORIN, 2001a, p. 22). Morin quer que, desde cedo, os estudantes sejam encorajados, instigados, e orientados a “aptidão interrogativa” capaz de inquirir sobre problemas fundamentais da nossa condição humana e de nossa época. “É evidente que isso não pode ser inserido em um programa, só pode ser impulsionado por um fervor educativo” (MORIN, 2001a, p. 22). Morin almeja o 3806 desenvolvimento do “espírito problematizador”, tarefa essa da filosofia que é, “acima de tudo, uma força de interrogação e de reflexão, dirigida para os grandes problemas do conhecimento e da condição humana” (MORIN, 2001a, p. 23). Para se chegar ao espírito problematizador e a uma inteligência geral, Morin acredita serem os exercícios ligados à dúvida o seu grande fermento. Devemos desenvolver assim uma inteligência geral, desenvolvendo aptidões gerais da nossa mente, a qual permite um melhor desenvolvimento das competências particulares ou especificas. Para Morin, um dos objetivos da educação é o de favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar (MORIN, 2001b, p. 39). Para Morin, a cabeça bem-feita, é uma cabeça apta para organizar os conhecimentos e, com isso, evitar sua acumulação estéril. Formar essa cabeça bem-feita não é tarefa momentânea, mas sim um processo contínuo ao longo de diversos níveis de ensino, em que as duas culturas, a científica e a das humanidades, poderiam ser mobilizadas. Uma educação para uma cabeça bem-feita, que acabe com a disjunção entre as duas culturas, daria capacidade para se responder aos formidáveis desafios da globalidade e da complexidade na vida quotidiana, social, política, nacional e mundial. É imperiosamente necessário, portanto, restaurar a finalidade da cabeça bem-feita, nas condições e com os imperativos próprios de nossa época (MORIN, 2001a, p. 33). Morin insiste na grande importância que as diferentes disciplinas têm no universo educacional. Destaca a contribuição da História para o conhecimento da condição humana, elucidando seus inícios e tudo o que aconteceu ao longo de anos; a importância dos romances e dos filmes, os quais põem à mostra as relações do ser humano com o outro, com a sociedade, com o mundo. Afirma Morin que o papel do grande romance – como de um grande filme – é o de “revelar a universalidade da condição humana, ao mergulhar na singularidade de destinos individuais localizados no tempo e no espaço” (MORIN, 2001a, p. 44). O filósofo revela, também, que a literatura nos transporta à dimensão poética da existência humana; e as artes à dimensão estética da existência, ensinando-nos a ver o mundo esteticamente. Um outro problema detectado por Morin, em nossa educação, é a formação de uma cabeça bem-feita que possa “enfrentar as incertezas”. Entre outros escritos seus, Morin dedicou um capítulo do livro A cabeça bem-feita e outro do livro Os sete saberes necessários à educação 3807 do futuro para discutir e mostrar que vivemos no mundo da incerteza e de como devemos encarála. Parte da idéia de que nossa atividade cognitiva, nossa pesquisa de conhecimento, no fundo, é uma procura de certezas seja em filosofia seja em ciência. Está-se sempre em busca de fundamentos. Ele mostra que, durante muito tempo, na filosofia esse fundamento foi Deus; inclusive nas ciências, onde Newton ainda se referia a Deus. Vivemos hoje o problema da “crise de fundamentos”. Segundo Morin, “não há nenhum fundamento único, último, seguro do conhecimento” (PENA-VEGA; NASCIMENTO, 1999, p. 22). Na verdade, “há sempre um princípio de incerteza em todo conhecimento, em todo fundo de verdade” (PENA-VEGA; NASCIMENTO, 1999, p. 9). Por muito tempo o domínio das ciências, embora questionado pela filosofia, serviu como espelho da realidade e do mundo. A base era o princípio de Ordem. Hoje, com o conceito de Desordem, que introduz o incerto como positividade, não temos mais um princípio determinista que nos permite conhecer as conseqüências de tal ou qual fenômeno. Morin fala que a solução do problema não está em simplesmente substituir a certeza pela incerteza. O conhecimento “navega em um mar de incertezas, por entre arquipélagos de certeza” (PENA-VEGA; NASCIMENTO, 1999, p. 30). Quem deve detectar isso é a “dialógica certezaincerteza, separação-inseparabilidade”. Ele nos diz que é preciso juntar os princípios de separação e de não-separação. Esta é a chave para a reforma do pensamento. “Já que vivemos em uma época de mudança em que os valores são ambivalentes, em que tudo é ligado” (MORIN, 2001b, p. 84), o filósofo nos mostra que é preciso aprender a enfrentar as incertezas. É por esse motivo que a educação do futuro deve se voltar para as incertezas ligadas ao conhecimento; e, assim, haja a reforma do pensamento e possamos estar plenamente conscientes de que nossa própria vida é uma aventura. “Todo destino humano implica uma incerteza irredutível, até na absoluta certeza, que é a da morte, pois ignoramos a data” (MORIN, 2001a, p. 63). Cada um de nós deve estar consciente da aventura que vive e participar plenamente dela. 3808 Considerações Finais Há que se reconhecer, na esteira de muitos outros pensadores do nosso tempo, que o pensamento de Edgar Morin trouxe enormes contribuições à educação e vem despertando um lastro de oportuna mudança no universo educacional. Morin nos ajuda a perceber e nos incita a assumir um projeto de educação para o futuro cuja prioridade seja o de ensinar a “ética da compreensão planetária”. A proposta de Morin é que mediante a educação possamos vir a ter uma “Cabeça Bem-Feita”. Pois, como diz a famosa frase de Montaigne, retomada pelo próprio Morin, “mais vale uma cabeça bem-feita do que uma cabeça cheia” (MORIN, 2001a, p. 21). Nós, hoje, somos desafiados como educadores a re-problematizar aquilo que se apresenta como solução ou que se diz ser a solução. Devemos reformar o nosso pensamento mediante um pensamento complexo capaz de ligar, contextualizar e globalizar. Neste sentido, a proposta de Edgar Morin nos serve como uma base sólida e firme em vista de uma proposta educacional concernente aos tempos e às circunstâncias atuais. Em suma, Morin sustenta que a reforma do pensamento só pode ser realizada por meio de uma reforma da educação. E as pequenas classes da escola primária são o lugar certo para se começar esta reforma. “Não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições” (MORIN, 2001a, p. 99). Portanto, há que se reformar as instituições; e, juntamente com elas, reformar os espíritos de maneira espiral e transformar o círculo vicioso em um círculo virtuoso. REFERÊNCIAS CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix,1996. CASTRO, Gustavo de; CARVALHO, Edgard de Assis; ALMEIDA, Maria da Conceição de (Org.). Ensaios de Complexidade. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2006. DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 1996. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Tradução Eloá Jacobina. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001a. 3809 _____. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001c. _____. Ciência com consciência. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. _____. Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2002. _____. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 4. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001b. _____; MOIGNE, J. L. L. A inteligência da complexidade. São Paulo: Peirópolis, 2000. PENA-VEGA, Alfredo; NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do (Org.). O Pensar Complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de janeiro: Garamond, 1999.