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ID: 57365043
07-01-2015
Tiragem: 34191
Pág: 8
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,54 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 1
“Não há mais doentes nas urgências,
equipas é que estão no fio da navalha”
Associação de Administradores Hospitalares denuncia falta de médicos e de autonomia das administrações
para contratarem atempadamente. Ministério diz que procura por parte dos doentes foi superior
Saúde
Romana Borja-Santos
As longas horas de espera registadas
nas últimas semanas nas urgências
de hospitais de vários pontos do país
têm para a Associação Portuguesa de
Administradores Hospitalares (APAH)
uma explicação que não passa pelo
aumento da procura. “Não há mais
doentes nas urgências do que noutros
anos na mesma altura, as equipas é
que já estão no fio da navalha e não
é possível haver mais elasticidade”,
resume a presidente da APAH, Marta
Temido. Numa ronda que o PÚBLICO fez por vários hospitais do SNS,
o número de casos atendidos nas
últimas semanas nas urgências esteve em linha com a mesma altura de
2013 e, em alguns casos, até baixou.
Marta Temido garante que “não
é possível encontrar um único responsável ou culpado” e prefere antes
apontar para uma “responsabilidade
partilhada entre a gestão, o Ministério da Saúde, os médicos e até mesmo os doentes”. A administradora
hospitalar defende que o país acaba
por responder melhor a situações
imprevistas — como aconteceu com
o surto de Legionella — do que a situações esperadas, como as doenças
respiratórias no Inverno. “Mas não
posso deixar de reforçar que a maior
fonte do problema está na falta de
recursos humanos e no facto de os
hospitais não terem autonomia para
contratar com agilidade”, acrescenta, defendendo que nestes casos os
conselhos de administração devem
ponderar medidas “pouco populares”, como interromper férias.
Problemas semelhantes aos referidos pelo secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos mas
que, numa nota, critica “muitas administrações” por terem “avançado
na contenção de custos, reduzindo
numericamente a composição das
equipas médicas (e de outros profissionais) a mínimos perigosos para a
qualidade e sustentabilidade da prestação de cuidados”. Jorge Roque da
Cunha aponta também que muitas
empresas de recrutamento concorrem para horários sem terem clínicos para os preencher, ao mesmo
tempo que critica o encerramento
de “inúmeros serviços de atendimento a situações agudas nos Cuidados
de Saúde Primários, serviços esses
ENRIC VIVES-RUBIO
passíveis de ‘descongestionarem’ as
urgências hospitalares”.
A verdade é que algumas das instituições como o hospital AmadoraSintra, que no Natal registou esperas
superiores a 20 horas, até receberam
menos doentes. De acordo com os
dados enviados ao PÚBLICO, o hospital recebeu em 2014, em média, 371
doentes por dia, quando em 2013 tinham sido 378. Olhando especificamente para Dezembro, a média até
desceu de 382 doentes em 2013 para
341 no ano passado. Em 2008, por
exemplo, eram 426. Na altura das festas, o maior pico aconteceu a 26 de
Dezembro, com 417 doentes — mas o
pior tempo médio de espera foi mesmo a 24 de Dezembro. O problema
esteve na escala de médicos, com
alguns profissionais doentes. A unidade acabou por receber autorização
para contratações extraordinárias.
Problema debatido na AR
Os problemas nas urgências vão ser
levados amanhã à Assembleia da República, depois de o grupo parlamentar do PS ter apresentado um agendamento potestativo, diz a Lusa. Em
causa estão casos como uma morte
no Hospital de São José e outra no
Hospital de Santa Maria da Feira, que
obrigaram à abertura de inquéritos
para apurar uma eventual relação entre os óbitos e a espera nas urgências.
O Ministério da Saúde, por seu lado, numa resposta escrita, garante
que “há uma afluência excessiva e
de doentes idosos”, apesar de reconhecer que “há carência de médicos
para lidar com o pico do frio/gripe
em certas unidades, situação que se
agravou com a marcação de férias” e
falta de camas. “Para lidar com a situação, que pode ainda registar maiores afluências, o ministério permitiu
(e continuará a fazê-lo), onde necessário, a contratação de médicos como prestadores de serviços, mesmo
que isso signifique exceder o valor/
hora padronizado; alargou, também
onde necessário, os horários dos cuidados primários e fá-lo-á de novo, se
necessário”, acrescenta a tutela.
Também no Centro Hospitalar de
Lisboa Central (do qual faz parte o
Hospital de São José) a afluência média às urgências em Dezembro foi de
400 a 450 doentes, com um pico de
510 atendimentos. “No mesmo período do ano passado, essa afluência foi superior, uma vez que, nesse
Em várias unidades hospitalares do país há falta de camas
Centros de saúde em vez de urgências
S
emanas antes da anormal
espera nas urgências,
um estudo realizado
pela consultora IASIST
já colocava o dedo na ferida:
entre 60% a 75% dos doentes
internados nos hospitais do SNS
chegam às unidades através das
urgências, quando as doenças já
estão bastante descompensadas
— o que é atribuído à dificuldade
de acesso aos cuidados de
saúde primários.
Ao mesmo tempo, os dados
nacionais apontam para
que mais de 40% dos casos
atendidos sejam de “falsas
urgências”, isto é, doentes que
poderiam ter sido seguidos, por
exemplo, nos cuidados de saúde
primários. O relatório Roteiro
de Intervenção em Cuidados de
Emergência e Urgência indica
que “o recurso às urgências
hospitalares em Portugal
continua a ser excessivo, mesmo
comparando com outros países
europeus: considerando que
a estimativa para a população
portuguesa em 2012 era de
10.487.289 habitantes, temos
696 admissões na urgência por
mil habitantes, em 2012. Em
Inglaterra, nesse mesmo ano,
foram atendidos 18,3 milhões
de doentes nos serviços de
urgência, o que significa 345
admissões por 1000 habitantes”.
mês, o CHLC assegurava a Urgência
Metropolitana de Lisboa, o que se
traduz num acréscimo médio diário
de cerca de 50 doentes. No entanto,
verifica-se este ano um aumento do
número de doentes acamados e de
situações clínicas mais graves”, salientou a unidade ao PÚBLICO.
Já o Centro Hospitalar Lisboa Norte (hospitais de Santa Maria e Pulido
Valente) forneceu os dados apenas
para os primeiros dias do ano, com o
pico a ser atingido a 5 de Janeiro, com
668 utentes. O dia com menos gente foi mesmo 1 de Janeiro, com 435
utentes — valores em linha com 2013.
Na Zona Centro, houve uma média
de 284 doentes por dia nesta época
no Centro Hospitalar do Baixo Vouga
(hospitais de Aveiro, Águeda e Estarreja). No ano anterior, tinham sido
252, mas, como foi activado um plano de contingência, o tempo de espera caiu. No Norte, segundo explicou
ao PÚBLICO o director do serviço de
urgência do Centro Hospitalar de S.
João, João Sá, a afluência na época festiva foi maior do que em 2013, ainda
que ligeiramente. Em média, passam
pela urgência do S. João 450 doentes
por dia, mas o médico explica que
um acréscimo representa uma pressão a que os recursos já nem sempre
conseguem responder. “Há cada vez
menos capacidade de adaptação dos
recursos humanos à afluência de doentes”, lamenta João Sá, reforçando
a importância de as urgências contarem apenas com profissionais em
exclusivo e rejeitando que a solução
passe pela “incerteza” dos tarefeiros.
Noutras unidades do país, tem havido problema como a falta de camas.
Do lado da Administração Central
do Sistema de Saúde (ACSS) ainda
não há dados centralizados. No entanto, a ACSS tem destacado “o facto
de as contratações de médicos, enfermeiros e outros profissionais terem
vindo a aumentar, contrastando com
a redução das prestações de serviço”.
De acordo com as contas feitas ao PÚBLICO, com o aumento do horário de
trabalho de 35 para 40 horas semanais, foi possível conseguir que 1015
médicos trabalhassem mais seis horas
nas urgências — o que corresponde a
um total nacional de mais 6890 horas
por semana. Mas a ACSS reconhece
que há impactos que advêm da possibilidade de os médicos poderem
pedir dispensa, a partir dos 55 anos,
deste tipo de trabalho.
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