n.º 51 • julho • agosto • setembro • outubro • novembro • dezembro / 2013
BOLETIM
DA
AFAP
ASSOCIAÇÃO DA
FORÇA AÉREA PORTUGUESA
2
AFAP
índice
Os novos Associados ...................................... 3
Editorial ............................................................ 6
Actividades da afap . ...................................... 7
Ases da Aviação de Combate .......................... 9
TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso
O cantinho do Cardosão ................................ 12
Major Pil(r) Adelino Cardoso
Espírito de Cavalheiros .................................. 18
Coronel Pil Av (r) João Ivo da Silva
Infraestruturas da Força Aérea em África ...... 22
Major ENGAED (r) Luis Ferreira Barbosa
O Combatente é: ............................................ 29
Os mísseis “Strela” na Guerra do Ultramar . .. 30
Ten Cor Pilav (r) José Manuel Pinto Ferreira
Coronel PilAv(r) Miguel Pessoa
A operação dos Boeing 707
na Força Aérea Portuguesa . .......................... 44
Coronel Pil Av (r) João Ivo da Silva
Aqueles que partindo
permanecem na nossa memória . .................. 47
BOLETIM DA AFAP N.º 51 • JULHO • AGOSTO • SETEMBRO • OUTUBRO • NOVEMBRO • DEZEMBRO / 2013
TIRAGEM 1500 EXEMPLARES
PROPRIEDADE Associação da Força Aérea Portuguesa • Av. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3º Dto. • 1050-010 LISBOA
Tel.: 21 357 40 02 - 21 470 69 78 Fax: 21 355 04 08
[email protected][email protected]
PRÉ-IMPRESSÃO/IMPRESSÃO/ACABAMENTO Alves&Albuquerque, RAL - SINTRA
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
AFAP
3
OS NOSSOS NOVOS ASSOCIADOS
GALERIA DOS ANTIGOS E NOVOS ASSOCIADOS
QUE SÃO BEM-VINDOS À VOSSA CASA
Sócio nº 45 F
Maj. Gen. Alberto
Fernandes
Sócio nº 77 F
Dr. Francisco
Lancastre Freitas
Sócio nº 81 F
Dr. Adalberto Neiva
de Oliveira
Sócio nº 243
Dr. Henrique Paulo
das Neves Soudo
Sócio nº 438
Cmdt. José Manuel
Inês Gonçalves
Sócio nº 567
TCor. José Freire
de Sousa
Sócio nº 607
TCor. José Manuel
Guerreiro de Matos
Sócio nº 635
Carlos Alberto Costa
Pires
Sócio nº 761
TCor. Manuel da Silva
Faria
Sócio nº 813
Cor. José Gil de
Matos
Sócio nº 824
Cmdt. Florentino Lino
da Silva
Sócio nº 883
Maj. Gen. Augusto de
Jesus Melo Correia
Sócio nº 890
Cap. José Mestre
Barreiros
Sócio nº 913
Tem. Gen. José
Augusto Oliveira Simões
Sócio nº 1025
Maj. Raul Pedroso
Guerra
Sócio nº 1070
TCor. José João
Borges dos Santos
Sócio nº 1081
Maj. Gen. Adriano
de Aldeia Portela
Sócio nº 1127
Ten. Gen. Guilherme
Pinto da Costa
Santos
Sócio nº 1131
Cor. José António
Solá da Cruz
Sócio nº 1167
Maj. Gen. José
Cavaco Henriques
Sócio nº 1240
Cap. Oswaldo Alves
Duarte Bago D`uva
Sócia nº 1315
Maria Teresa Esteves
de Aguiar
Sócio nº 1360
Cap. Domingos
Gomes Borlido
Sócio nº 1414
Cap. Manuel de
Almeida Martins
Sócio nº 1426
Maj. António Baptista
Valente
4
AFAP
Sócio nº 1444
Dr. Bento Manuel
Grossinho Dias
Sócio nº 1459
SAju. Ivo Simões de
Magalhães
Sócio nº 1544
Maj. Gen. José Maria
Escarduça Dias
Sócio nº 1569
Cor. Ilidio Pereira
Rodrigues
Sócio nº 1570
Cmdt. António
Carvalheira
Sócio nº 2205
Eng. Mário Marques
Ferreira Aleixo
Sócio nº 2242
Cor. Alvaro Prata
Mendes
Sócio nº 2243
António Taveiro
Rendeiro
Sócio nº 2302
TCor. António Luis
dos Santos
Sócio nº 2314
Cor. Anibal António
Gonçalves
Sócio nº 2330
João Alberto Batista
Neves
Sócio nº 2337
José Ventura da Silva
Barros
Sócio nº 2350
Jaime Mendes Simão
Sócio nº 2352
Cap. Alvaro de Melo
Gamboa
Sócio nº 2370
Luis Manuel Oliveira
Manaia
Sócio nº 2371
Cor. Pedro Pereira
Pontes
Sócia nº 2375
TCor. Maria Alice Dias
Pereira
Sócio nº 2376
Cap. Horácio Pereira
da Costa Marques
Sócio nº 2402
Jorge Manuel Lapas
do Carmo
Sócio nº 2403
Cor. João Pereira
Araújo
Sócio nº 2410
Artur Alves da Silva
Sócio nº 2420
Maj. Augusto Manuel
de Sousa Brites
Sócio nº 2430
TCor. José Azinheiro
Figueira
Sócio nº 2439
Cor. José Manuel de
Almeida Pereira
Sócio nº 2440
SAju. Manuel António
Amendoeira
AFAP
Sócio nº 2443
Cor. Carlos Marcelino
Nunes Leitão
Sócio nº 2520
António Lopes
Clemente
Sócio nº 2528
Luis Filipe de
Campos Borges
Sócio nº 2529
SSar. Carlos Américo
dos Santos Ferreira
Sócio nº 2530
Maj. Gen. Luis
Manuel Pais de
Oliveira
Sócio nº 2531
Cor. Francisco Jorge
da Costa Oliveira
Sócio nº 2532
Cor. Fernando
Manuel Sousa
Barbosa
Sócio nº 2534
Maj. Gen. Carlos
Alberto Neves Brás
Sócio nº 2537
TCor. António Pereira
Tomás
Sócio nº 2538
René António
Cordeiro
5
Para que seja possível a inclusão da sua fotografia
no próximo Boletim, desde já agradece-se
aos prezados associados que ainda não enviaram
uma, do tipo passe, PARA A secretaria da afap,
que o façam com a brevidade possível
6
AFAP
editorial
Caríssimo Associado
A Direcção da AFAP, eleita para o biénio 2012-2013, está a breves dias de terminar o
mandato que lhe foi outorgado pelo voto dos seus associados, reunidos em Assembleia
Geral, há quase dois anos.
A missão de que esta Direcção foi incumbida, foi cumprida e os objectivos a ela associados, quase todos foram alcançados, apesar do contexto de crise financeira e de valores
éticos do país, que vem induzindo perniciosos reflexos na vida de todos nós e, necessariamente, na de instituições, como a AFAP.
Assegurar um ambiente com o requinte que é devido a quem serve, ou serviu, a Causa
do Ar, era um dos objectivos que esta Direcção se propôs alcançar e que, de algum modo,
foi conseguido com as obras de conservação que foram possíveis levar a cabo nas instalações do “clube” AFAP, na Av. Gago Coutinho, em Lisboa, com as limitadas verbas, que
estavam disponíveis.
Todavia, o preocupante objectivo de assegurar a sustentabilidade financeira da AFAP,
através do aumento do número de associados, apesar de várias diligências, ficou muito
aquém das expectativas desta Direcção, que se viu forçada a fazer uma depuração de sócios com quotas em atraso, desde vários anos.
A tal crise financeira e de valores pátrios e éticos que se abate sobre Portugal, pode
justificar, em parte, a falta de adesão de associados à AFAP, mas a razão principal assenta
no divórcio que se vem verificando por parte de quem serve Portugal na Força Aérea Portuguesa (Oficiais, Sargentos, Praças e Civis) que ainda não se aperceberam da invulgar riqueza
patrimonial, cultural e associativa que está na AFAP, criada há já trinta anos, para os servir.
Atendendo a que alguns elementos desta Direcção não podem continuar por razões
pessoais ou estatutárias, cumpre-me agradecer-lhes o modo abnegado e com excelsa dedicação com que colaboraram comigo na concretização dos objectivos e das acções relacionadas com a actividade da AFAP.
Cordiais saudações aeronáuticas para os Senhores Associados, a quem formulo, em
nome de toda a Direcção cessante, os sinceros votos das maiores venturas para o Novo Ano
que se aproxima.
O Presidente da Direção
José Armando Vizela Cardoso
Ten-General PilAv
AFAP
7
ATIVIDADES DA AFAP
No segundo semestre de
2013 a AFAP levou a cabo as
seguintes actividades:
– 05JUL2013, onde foi conferencista o Senhor Professor Dr Jorge Rangel, que abordou o tema “Posicionamento de Portugal
no Mundo”;
Assembleia Geral Extraordinária
No dia 24JUL2013, na sede da AFAP, teve
lugar a Assembleia Geral Extraordinária,
onde os associados presentes aprovaram
por unanimidade, as seguintes propostas
apresentadas pela Direcção:
–C
larificação do que está escrito nos Estatutos, sobre sócio colectivo e fixação
do valor da quota anual, em 360,00€,
a cobrar aos sócios-colectivos que,
entretanto entrem para associados da
AFAP;
– Adesão da AFAP à PASC (Plataforma Activa da Sociedade Civil) que já reúne 36
associações (como a SEDES, etc);
– Análise do pedido de apoio da FPA (Federação Portuguesa de Aeronáutica) à
AFAP, com a cedência de espaço para ela
poder desenvolver a sua actividade. (Neste ponto os sócios aprovaram a orientação dada à Direcção para avaliar bem as
condições de cedência de uma sala, onde
a FPA (que se tornou o primeiro Sócio
Colectivo da AFAP) possa desenvolver o
seu trabalho, e para preparar um contrato
de comodato. Logo que concluídas estas
tarefas, este assunto voltará a uma Assembleia Geral Extraordinária, para aprovação final.
Almoços-Conferências
Nas instalações do seu “Clube”(Av. Gago
Coutinho 129 -Lx), a AFAP em coordenação
com a Associação de Comandos “Mama
Sumé”, organizou os seguintes almoçosconferência:
– 27SET2013, onde o Senhor Coronel de Infantaria “Comando” e ilustre Professor de
História, José Henrique, abordou com a
sua peculiar eloquência, o tema “A independência de Portugal; Percurso Histórico
da sua Luta”;
– 25NOV2013, onde o Senhor Dr. Pactrick
Monteiro de Barros, expôs sobre a “Situação Energética a nível global; Sua influência na economia, particularmente em
Portugal.
A Direcção da AFAP reitera aos ilustres
conferencistas o seu profundo reconhecimento pela excelsa colaboração que, duma
maneira desinteressada, nos vieram prestar,
assegurando a concretização dos objectivos
culturais da nossa associação.
30ªAniversário da AFAP
No dia 19OUT2013, com a presença do
Chefe do Estado-Maior da Força Aérea e outras ilustres individualidades, na sua maioria
Sócios da AFAP, teve lugar nas instalações
do Clube AFAP a sessão solene e o tradicio-
8
AFAP
nal almoço/convívio que marcaram as comemorações dos 30 anos de existência desta
nossa Associação.
Na sessão solene, o Presidente da Direcção, Ten-General PilAv(r) Vizela Cardoso proferiu um discurso onde agradeceu a presença do CEMFA e dos sócios
nestas celebrações e focou as suas preocupações em relação à sustentabilidade
da AFAP, com base na quotização, pela
pouca adesão de novos associados a
que não é estranha a falta de espírito de solidariedade e de associativismo das novas
gerações, que ainda servem nas fileiras.
Exposição de Arte
De 25NOV2013 até fins de JAN2014, estarão expostos no Clube AFAP, alguns dos
trabalhos de artes plásticas de autoria do
Senhor Armando Magno.
Apresentação de Obra Literária
A 27NOV2013 a Senhora Dr.ª Alexandra
Marques fez a apresentação na AFAP, do
seu trabalho literário dedicado aos últimos
dias da descolonização de Angola, com o
título “Segredos da Descolonização de Angola”.
Cor. Médico Cabral Rego
Foi submetido a uma delicada intervenção
cirúrgica o Sr. Cor. Médico Cabral Rego, que
tem colaborado com elevado espírito de abnegação no apoio médico aos associados da
AFAP.
O Senhor Professor Dr. Luiz Maria Pedrosa dos Santos Graça, proferiu a tradicional
palestra, falando com propriedade e eloquência sobre “Portugal iluminista e as políticas pombalinas”.
Esta sessão solene encerrou com a distribuição de diplomas aos associados que completaram 10 e 25 anos de Sócios da AFAP.
A AFAP formula votos da sua rápida recuperação.
Donativos
A AFAP recebeu donativos em dinheiro
das Empresas ANA, Aeroportos de Portugal,
S.A. e DELTA CAFÉS, bem como de alguns
dos nossos Associados, que com generosidade deram o seu contributo.
A todos a AFAP agradece reconhecida.
AFAP
9
ASES DA AVIAÇÃO DE COMBATE
O FOKKER Dr.I
Na Primavera de 1917, três Esquadras
da Marinha Britânica equipadas com o novo
avião Sopwith Triplane (com três asas) começam a desenvolver operações aéreas na
frente Oeste e, entre Maio e Junho desse
ano os pilotos desta Unidade Aérea inglesa,
abatem 88 aviões alemães.
Impressionados com a excelente “manobrabilidade” do Sopwith Triplane britânico,
os alemães deram início a uma serie de
projectos, com o objectivo de conseguirem o seu próprio avião de três asas, que
lhes pudesse trazer uma recuperação na
vantagem no combate aéreo, que estava
a pender para o lado aliado. Foram então
construídos vários protótipos de aviões
deste tipo “triplano” pelas fábricas Pfalz,
Albatros e Fokker. Reinhold Platz, Chefe de projectos da Fokker, desenhou um
avião curto, de secção estreita e com três
asas sobrepostas e em “cantilever”, para
melhor se poder explorar os benefícios da
sustentação e da resistência.
Sopwith Triplane
10
AFAP
ciais ao combate aéreo, que o piloto de caça
tem de ter sempre presente:
>A
capacidade e agilidade em manobrar
em qualquer dos três eixos de movimento
do avião, o que lhe possibilita fazer voltas
mais apertadas e mudanças bruscas de
atitude e de direcção;
Avião Albatros
Avião francês a ser perseguido pelos Albatros alemães
>A
capacidade para ganhar rapidamente altitude e conseguir uma vantagem em energia potencial que, a qualquer momento, ele
pode trocar por velocidade.
Fokker Dr. I Triplane
O novo avião da Fokker, foi designado de
Dr. (abreviatura de Dierdecker que, em alemão, quer dizer “triplano”) I e era propulsionado por um motor “Oberursel”, de cilindros
rotativos e com 110 hp de potência.
O triplano Fokker Dr é provavelmente o mais famoso avião de
caça da primeira guerra mundial apesar de estar longe do melhor. Complicado na pilotagem, em parte devido ao seu motor
rotativo, o avião era apesar de tudo, muito manobrável. O seu
par de metrelhadoras, disparando através das pás do hélice,
davam-lhe uma grande vantagem.
Werner Voss e Baron von Richthofen, ainda em 1917, receberam os primeiros aviões
Fokker Dr.I e encontraram nesta nova máquina voadora uma elevada capacidade de
manobra, em qualquer dos três eixos de movimento da aeronave (em especial, no eixo
vertical), e com uma razão de subida que era
o dobro do veloz e ágil “caça” Albatros. Deste modo, os alemães haviam encontrado um
novo avião dotado de características essen-
Tanto Werner Voss como von Richthofen,
acabaram por perder a vida nestes seus “triplanos”; mas só depois de os terem usado
com extrema eficácia, o que lhes proporcionou
tornarem-se nos maiores Ases de Combate
Aéreo da Alemanha, à data das suas mortes.
Ataque do Albatros
Rittmeister
(Capitão de Cavalaria)
Manfred Freiherr von Richthofen
Para não fugir a tradição, o jovem Manfred
Richthofen, filho mais velho duma nobre família prussiana, na idade própria, alistou-se
como cadete na arma de Cavalaria. Não demorou muito tempo a ser transferido para o
Serviço Aéreo, onde começou por ser obser-
AFAP
vador nos aviões em missões de
reconhecimento e de correcção
do tiro de artilharia.
11
Em Junho de 1917 é formado o
Grupo, JG1, que integrava quatro
Esquadras de Voo, e o Comando
desta nova Unidade Aérea é atribuído a Von Richthofen.
Quis o destino que o Barão
Manfred Richthofen se viesse a
Porque a pintura básica das
cruzar com Oswald Boelke (já
aeronaves deste Grupo era o
abordado em artigo anterior) e,
vermelho, depressa ele ficou
após esse encontro que o deixou
von Richthofen
conhecido como o “Circo Voamuito impressionado pela persodor”. Porque o “Albatros” de von Richthofen
nalidade deste “As”, von Richthofen decidiu
era totalmente vermelho, começaram então a
ser voluntário para fazer o curso de pilotadesigná-lo por “Barão Vermelho”.
gem.
Logo que conseguiu as suas “asas” de piloto, von Richthofen foi convidado para servir
na Esquadra de Voo “2”, então Liderada, precisamente, por Oswald Boelke. Em Setembro de 1916, num primeiro voo como “asa” do
avião de Boelke, von Richthofen conseguiu
a sua primeira vitória num combate aéreo.
Assim começou a lendária carreira de von
Richthofen, marcada pela sua coragem, determinação e sagacidade táctica reforçada
pelas suas qualificações que ia conseguindo
como piloto de caça.
Em Novembro de 1916 já havia alcançado a
sua 11a vitoria, ao abater o “As” britânico, Major Lanoe Walker. Quando conseguiu a sua
16a vitória, von Richthofen foi distinguido com
a mais elevada condecoração da Prússia: medalha “Para o Mérito”!
Em Janeiro de 1917, von Richthofen recebeu o Comando da Esquadra de Voo N°ll e,
durante a batalha de Áreas, no “sangrento
Abril de 1917”, esta Unidade Aérea conseguiu 89 vitórias, das quais 21 delas se ficaram
a dever à sua destreza e capacidades de piloto de caça. Com esta proeza, neste período,
Von Richthofen consegue a sua 52a vitória, o
que o coloca bem a frente do famoso Oswald
Boelke, o “As” que ele tanto admirava, que só
tinha 40 aviões inimigos abatidos.
Em Outubro de 1917, os aviões Albatros
foram substituídos pelos novos Fokker Dr.I
e von Richthofen teve, efectivamente, uma
adaptação muito fácil às características deste
avião, sabendo-as explorar com a sensibilidade que só um excelente piloto de caça pode
fazer. O número de aviões aliados por ele abatidos, sobe vertiginosamente para 80!
A manobra de “immelman” com saída em
“tonneaux” barrilado e em volta apertada a
descer, dava a von Richthofen a possibilidade
de forma rápida e eficaz, o alinhamento com a
cauda do avião inimigo e o consequente abate.
No dia 21 Abril de 1918, durante um envolvimento com aviões aliados Sopwith Camel, da
RFC 209, von Richthofen foi abatido, quando
o combate já se desenrolava a baixa altitude.
O abate do Barão Vermelho é reclamado
por uma bateria antiaérea inglesa e pelo piloto canadiano Roy Brown, voando um dos
Sopwith Camel, de fabrico britânico.
Embora tenha sido Roy Brown a ficar com os
“louros”, a questão sobre quem na verdade abateu este “lendário” As da aviação de caça, nunca
terá possibilidade de vir a ser esclarecida!
TGenPilAv(r) José Armando Vizela Cardoso
12
AFAP
O CANTINHO DO CARDOSÃO
MESTRES DE ACROBACIAS
Julgo que é aceite sem grandes algazarras intelectuais que as pessoas habilidosas
bem-sucedidas na execução de determinadas tarefas, gostam do que fazem e orgulham-se disso. Pelo contrário, as que não
têm aptidão para executar tarefas de forma a resultar qualquer coisa que se possa
aproveitar, sempre encararão essas tarefas
como abomináveis contrariedades.
Imagino os leitores intrigados e curiosos
quanto à finalidade desta atamancada explanação pseudo-científica. Não se aflijam e
relaxem: a finalidade é divulgar a razão porque a acrobacia aérea foi arte para que nunca fui incentivado e nunca me motivou. Por
isto, suspeito que, no curso de pilotagem, a
minha classificação na modalidade terá sido,
se não do nível de grande nabo, pelo menos
de razoavelmente nabo!
Foi assim:
Estou convicto que o prazer, ou repúdio,
que as pessoas desenvolvem interiormente
pela execução de certas tarefas, é consequência, não só de coisas melindrosas e ardilosas como os enredos das descendências
hereditárias e os emaranhados genéticos,
mas também da competência dos mestres
na fase da aprendizagem responsável pela
aquisição de conhecimentos que se instalam
algures nos meandros misteriosos da massa
encefálica e que são indispensáveis para a
execução perfeita das tarefas aprendidas.
Dado que o comportamento dos Humanos não se encontra nas páginas amarelas
das ciências exactas, a configuração gráfica
colectiva do acima expresso num quadro de
ordenadas e abcissas, resultaria num intrincado labirinto que abrangeria dados desde
“génios” a “grandes nabos”.
Deslizemos em marcha atrás até ao Verão de 1954. Por essa altura, na Base Aérea
Nº 1, Granja do Marquês, Sintra, o Curso de
Pilotos P-1/54 explodia de actividade aérea,
com os buliçosos alunos-pilotos ‑ hipotéticos
futuros pilotos ‑ a voar nos North-American
AT-6, T-6G Texan e em alguns SNJ-4, cujo
estabilizador vertical deixava adivinhar a anterior existência da âncora da Aviação Naval.
Eu era um desses hipotéticos pilotos.
Como é óbvio, os alunos estavam distribuídos aos molhinhos pelos vários pilotosinstrutores.
Os pilotos-instrutores eram, então, uns seres investidos em deuses de classe B que
se esforçavam em formatar os seus alunos
com bases de dados similares às suas,
AFAP
programando-os como clones. Obviamente
que a concretização de programas de inspiração darwiniana da sobrevivência da espécie, apesar de meritória e narcisista, veio a
revelar-se, em relação ao futuro dos alunos,
excelente para uns e péssimo para outros.
O piloto-instrutor destinado a formatar-me
no aperfeiçoamento da atrevida arte ornitológica de voar, não na forma simplista, tosca
e desastrada do Ícaro, mas sim manobrando
um barulhento artefacto mais pesado que o
ar e mais ou menos complexo, era um jovem piloto miliciano, excelente no trato e
que seria, supostamente, o magnífico instrutor a quem eu prestaria preito por toda a
vida. Enfatizo o supostamente, porque, na
realidade, a sua participação na minha formação de piloto foi praticamente nula. Mal
tínhamos iniciado a instrução básica no atroador T-6, estampou-se com um motociclo de
alta potência, do que resultou espatifar uns
ossos, coisa de reparação demorada, pois
que, para além do tempo necessário à colagem das partes danificadas do esqueleto,
seguiram-se as indispensáveis judiarias dos
fisioterapeutas para desemperrar as articulações viciadas na inércia de repouso.
Ainda antes da vitalidade locomotora ser
reposta, já andava embrenhado na obtenção
da licença civil de piloto comercial, o que passou a absorver-lhe bastante tempo, deixando
os seus alunos desamparados. Com os olhos
postos na TAP, não demorou muito tempo até
o seu nome constar na fabulosa e cobiçada
pauta de vencimentos. Congratulo-me por
poder afirmar que fez uma prestigiada carreira profissional na transportadora nacional.
Neste cenário, eu era um aluno-piloto órfão de instrutor, que voava por caridade dos
muitos e sortidos instrutores de momento
disponíveis, hoje um e amanhã outro e depois ainda mais outro e por aí fora. Nestas
13
condições, os instrutores protelavam o voo
de largado, chutando o voo de confirmação
para o próximo voo, descarregando noutro
instrutor a tremenda responsabilidade de me
mandar voar só. Quero dizer: marcava passo no voo antes de largado, para meu desespero e agitação emocional!
Um dia, a tômbola dos instrutores disponíveis premiou-me com um jovem alferes
piloto-aviador que ainda militava na lista
dos não consagrados. Nesse dia, a pista em
serviço era a que mais tarde deixou de ser
usada, de terra batida, que, da estrada do Algueirão apontava à esquina do hangar Norte
(hoje Museu do Ar), enviesada com a grande
pista asfaltada. O voo estava a correr bem,
ou, pelo menos, não estava a correr mal. Ao
manobrar para o terceiro tocar-e-andar, as
condicionantes do tráfego forçaram a que
a aproximação final fosse exageradamente
longa. Já bastante perto da cabeceira da pista, tive a sensação que ia bater com as rodas
antes da pista e apliquei uma pequena e breve aceleração ao motor, empurrando o avião
um pouco para a frente. A aterragem foi boa
e, para minha surpresa, o instrutor mandou
abortar a eminente descolagem e rolar para
o parque de estacionamento. Saiu do avião
e mandou-me fazer umas voltas de pista.
Eu nem queria acreditar: ia voar sozinho,
ia ser largado!!!
O voo inaugural correu normalmente e, depois das habituais sevícias inerentes à praxe
das largadas, o instrutor cumprimentou-me
e esclareceu:
- Dissipei quaisquer dúvidas quanto à sua
aptidão para voar só, quando, na aproximação final e após bastante tempo com o motor a potência reduzida, deu a “aceleradela”
para “desengorjar” o motor, prova evidente
que sabe conduzir um avião.
14
AFAP
Nunca lhe disse que, na realidade, não tinha sido bem assim…
Embora tivesse ganho asas para voar sozinho, certo é que mantinha a situação de
órfão de instrutor de voo de contacto, continuando a depender da boa vontade da generalidade dos instrutores, ainda que alguns
resmungassem por lhes lixar o descanso
no intervalo dos voos. Assim, saltitando de
instrutor para instrutor, chegou a altura da
instrução de acrobacia, sem que a minha orfandade se alterasse.
Na sala de briefing (uma horrível e desconfortável barraca metálica pintada às riscas
amarelas e pretas) ouvia com atenção as
narrativas dos meus companheiros sobre as
suas acrobacias e cada vez me sentia mais
marginalizado da instrução. Quando cumpria
mais uma sessão de voo de contacto em voosolo, que consistia em voltas e mais voltas
a pranchamentos com ângulos diferentes e
sempre com especial atenção para manter
o nariz na linha do horizonte, era, invariavelmente, acometido pela fúria de fazer um looping, manobra que se afigurava como a mais
simples e segura. Pese embora os instrutores
muito avisarem para não nos anteciparmos
ao programa da instrução, um belo dia resolvi
passar a fora-da-lei e fazer um looping. Isto
não foi uma atitude espontânea, já a tinha pla-
neado anteriormente. Cuidadosamente verifiquei que não havia outros aviões por perto
e aí vou eu, com o avião a picar e a ganhar
velocidade mais depressa que eu pensava.
Quando estava à beira da velocidade para interromper a picada e começar a subir, relampejou-me a ideia que estava a voar um novíssimo T-6G, que, devido aos equipamentos do
voo por instrumentos, eram ligeiramente mais
pesados que os veteranos AT-6. Com esperteza de aluno, acrescentei algumas milhas à
velocidade e iniciei o looping puxando o comando com muita força, para garantir que o
avião, durante a subida, não iria perder a velocidade e, consequentemente, cair de cauda
por falta de sustentação. Ia a meio da subida
quando, subitamente, o avião dá um violento
safanão, como que atingido por um relâmpago ou outra coisa diabólica. Meio sufocado
pelo susto, tentei acalmar e perceber o que
tinha acontecido, sem sucesso. Dei por mim
a voar serenamente em sentido contrário ao
da picada. O altímetro também me dizia que
estava a voar um pouco acima da altitude a
que tinha iniciado a picada. Esquisito… devo
então ter admitido que fui atacado por uma
nave extra terrestre…
Desconfiado, fui confirmando que o avião
respondia bem aos comandos, não vislumbrei qualquer estrago nas asas e como tudo
estava em boa ordem, passeei-me por ali,
um pouco ao acaso, a fazer horas para aterrar. Terminado o voo, narrei a minha aven-
AFAP
tura a um instrutor no qual depositava muita
confiança, que começou por achar imensa
piada ao meu grande susto, a seguir descompôs-me por andar a fazer tontices para
que ainda não estava preparado e, finalmente, fiquei a saber que o extravagante e assustador safanão foi a manifestação violenta
de uma perda a alta velocidade, gracinha
aerodinâmica que sucede quando se excede o limite aerodinâmico do avião. Resumindo e concluindo: a manobra muito apertada
provocou a perda de alta velocidade, que,
por sua vez, fez o avião executar de forma
autónoma a figura acrobática designada por
Manobra de Immelman.
Depois disto, fiquei a desconfiar dos aviões que faziam acrobacia por vontade própria. Conseguia assim resistir (mais ou menos…) à tentação de experimentar outras
acrobacias sem aprendizagem prévia.
Pese embora esta e outras turbulentas
aventuras, o certo é que continuei órfão de
instrutor de voo que me ensinasse, com método e efectividade, as manobras que forçosamente tinha de aprender.
Enchi-me de coragem e derramei as lágrimas do meu desconsolo no interior do pavilhão auricular do Director do Curso. Deu-me
razão e comprovando a verdade do ditado
popular optimista de que não há fome que
não dê em fartura, rapidamente fui perfilhado, não por um, mas por dois instrutores,
que assumiram a penosa tarefa de fazerem
de mim um acrobata exímio…ou perto disso!
Ambos sargentos, eram militares prestigiados e reconhecidos como bons instrutores de voo. A diferença notável encontravase na constituição física. Um era esguio e
magro, ossudo, macilento e bem fornecido
de mazelas que, diziam, eram sequelas do
pouco cuidado que dedicava a si próprio.
15
Era um homem frágil e doente. O outro, pelo
contrário, era mais baixo, robusto e atlético,
com boas cores que reforçavam a aparência
saudável e vigorosa.
Poderá dizer-se que a partir de então a
minha instrução de voo entrou na normalidade, excepto no facto de ter instrutores em
duplicado, que iam intercalando a minha instrução com a dos seus anteriores alunos. Às
vezes não era fácil conciliar as disponibilidades destes instrutores com os voos-solo, os
de instrumentos, de formação e nocturno.
Quis o destino que os voos com os novos
docentes se tenham iniciado com o instrutor
vigoroso. Surpreendi-me com o seu estilo de
voo tipo panela de pressão, continuamente
comprimido pela força “G”. Sempre a apertar. Um autêntico torniquete! Dizia que sempre que o avião muda de atitude, temos de
sentir a cadeira no rabo. Nos “looping’s” era
a apertar a pontos de, por mais de uma vez,
sofrer uma fugaz perda de visão (ver negro,
na gíria dos pilotos). O avião tremelicava e
eu tremelicava ainda mais. Terminava os
voos exausto e esbugalhado e esfrangalhado, em grande contraste com a frescura
física do instrutor! Consegui copiar e aplicar
a forma rude de manobrar o aeroplano e a
instrução começou a correr melhor, mais ao
gosto do “mestre torcionário”.
Depois das vigorosas sessões de voo, foi a
vez de avançar o instrutor débil. Em voo, assim que comecei a manobrar o avião, fui imediatamente advertido que estava a ser brusco
e bruto e avisado que estava a conduzir um
avião e não um carro de combate, e que todo
e qualquer voo é uma sequência suave e harmoniosa de mudanças de atitude.
Era uma filosofia de voo bem diferente da
ouvida anteriormente, o que me pôs em alerta amarelo.
16
AFAP
Quando chegou a altura de fazer o “looping”
esmerei-me para reproduzir na perfeição o
que até então me tinha sido ensinado. Em voo
picado, quando atingimos a velocidade estipulada para a execução da manobra, puxei o
comando com valentia, vigor e firmeza, ao que
o avião correspondeu com galhardia, interrompendo a descida e elevou o nariz, a amarinhar
bem depressa pelo espaço acima, a caminho
do topo do arco da figura. E continuaríamos
a subir e ficaríamos de cabeça para baixo e
sempre a sentir a cadeira a pressionar o rabo,
se o instrutor lá atrás não deitasse a mão ao
comando e aliviasse a carga de G’s. Gritava
acusando-me de qualquer coisa no género de
ser um troglodita que o queria matar por compressão!!! Fiquei absolutamente desconcertado. Tinha-me esmerado tanto para executar
com perfeição e rigor aquela figura acrobática
e afinal o instrutor estava a gritar nas minhas
costas, lá da cabina da ré, que aquela excelsa
manobra era uma atrocidade à arte das evoluções acrobáticas.
Aumentei a suspeita de que alguma coisa
não encaixava bem. Coloquei-me em alerta
laranja!!!
Depois de serenar o espírito e compor
o físico, afirmou que o “looping” era uma
manobra suave e harmoniosa. Exemplificou. Na picada,
quando foi atingida a velocidade devida, começou a puxar o
comando suavemente e o nariz foi subindo, foi subindo, foi
subindo sem pressa. Quando
chegámos ao topo do arco da
figura fiquei de cabeça para
baixo suspenso nos cintos e
o avião à beira de entrar em
perda. Era uma maneira diferente de fazer a mesma coisa!
Fizemos umas tantas figuras
no estilo macio e doce, até
achar que eu já estava mais civilizado. Nos
“toneaux” demorava tanto tempo a enrolar
os 360º em volta do eixo longitudinal que,
para a minha imatura proficiência, era um
milagre o avião não se despenhar por ali
abaixo, apontado ao chão. Com o prosseguimento dos voos, acabei por me habituar
e apercebi-me da elegância do estilo suave, muito embora exigisse mais perfeição
e habilidade que o estilo violento. Decididamente, fui seduzido pelo estilo suave.
Após alguns voos, o mestre dizia, suavemente, que as cambalhotas já não estão
a sair mal, mas ainda faz uns chouriços!!
Dois ou três voos depois lá estava eu outra vez a contas com o instrutor a extravasar
vigor que, perante a suavidade do meu novo
estilo de pilotagem, perguntava-me se transportava ovos na mala do avião, ou se tinha
bicos-de-papagaio inflamados e coisas assim que deslustravam a vitalidade dos meus
vinte e poucos anos.
Então entendi claramente o que estava a
encaixar mal: os estilos diferentes dos dois
instrutores opunham-se e anulavam-se. Projectavam em mim uma aprendizagem com
transferência negativa de conhecimentos,
que se anulavam e impediam o almejado
AFAP
progresso. Quando tentava justificar-me alegando que o outro instrutor tinha ensinado
assim, ambos ficavam repentinamente surdos e mudos e não me davam atenção. Era
como dizem os açorianos da Ilha Terceira: se
queres falar comigo está calado!
Azar meu, e não havia remédio à vista! Entrei em alerta vermelho!!
Sentia-me bastante mal naquela situação
de vou voar com o vigoroso, é apertar até
ver negro ou então o voo é com o suave, é
quase a cair em perda. Por isto, decidi que a
situação não tinha jeito algum e, a abarrotar
de presunção e água benta, entendi que o
melhor seria inverter a situação e em vez de
ser eu a acomodar-me aos estilos dos instrutores, serem eles a aceitarem e avaliarem o
meu próprio estilo de voo, especialmente no
respeitante à acrobacia, que era o que mais
me desgastava o miolo e o ego. Nos voossolo treinava afincadamente a execução de
manobras acrobáticas no estilo do mestre
suave, que tinha adoptado por considerar
que era a forma mais cómoda, elegante e
harmoniosa.
equipadas com aviões que não faziam acrobacia: Junkers Ju-52/3m; Lockheed PV-2
Harpoon; Douglas C-47 Dakota; Nord Aviation N-2501 e 2502 Noratlas; CASA C-212
Aviocar. A única excepção terão sido os
Curtiss Helldiver, que faziam umas figuras
acrobáticas tortuosas, semelhantes às desconcertantes trajectórias das montanhasrussas.
Avião Curtiss Helldiver
Ironicamente, bastantes anos depois, eu e
outro piloto tentámos fazer um looping num
trimotor Junkers Ju-52/3m, o máquinismo
mais inconcebível para habilidades acrobáticas!
Não foi uma solução inteligente da minha
parte, porque os instrutores, quer o vigoroso
quer o suave, consideraram que essa coisa
do meu estilo era uma requintada parvoíce.
Ambos depreciaram a minha aptidão acrobática. Também não gostaram da minha rebelião independentista!
Assim, como consequência de ter sido
perfilhado por dois instrutores teimosos e de
estilos opostos, tramei-me, porque ambos
devem ter-me qualificado de acrobata de categoria medíocre, classe nabo.
O futuro não me proporcionou a eventualidade de aperfeiçoar a arte das cambalhotas,
pois que sempre fui colocado em esquadras
17
Junkers Ju-52/3m
E foi assim…
Major Pil (r) Adelino Cardoso
18
AFAP
ESPÍRITO DE CAVALHEIROS
Por tradição, a aviação militar tem um espírito cavalheiresco.
Muitos são os episódios que, desde a primeira Guerra Mundial têm confirmado este espírito.
Vamos reportar um facto que, para além
de representar um sentido verdadeiramente
humanista, veio posteriormente a frutificar
numa longa amizade entre dois homens que
se confrontaram na guerra e se uniram como
irmãos na vida.
São estes, o Tenente Charlie Brown da
Força Aérea Americana, e o Tenente Franz
Stigler da Luftwafe.
A meio caminho do alvo, encontraram uma
cortina de fogo antiaéreo extremamente forte, que abateu pelo menos três aviões do
esquadrão.
O avião do comandante da formação ficou
severamente danificado.
O avião de Charlie Brown, que ia a asa
direita do comandante, também foi seriamente atingido na fuselagem, no motor Nº
2, que teve que ser embandeirado (parado
com as pás dos hélices na perpendicular
para reduzir a resistência ao avanço da aeronave) e no motor Nº 4 que perdeu bastante potência, o que lhe reduziu substancialmente a velocidade, ficando para trás da
formação.
Charlie Brown ainda observou a queda do
chefe da formação com o avião em chamas.
Muito limitado na manobra como uma ave
ferida, o avião foi-se arrastando em direcção
à fronteira para lugar seguro.
No dia 20 de Dezembro de 1943, o Tenente Charlie Brown fazia a sua primeira missão, como Comandante de B-17 do Grupo
de Bombardeamento nº 379, sobre os céus
da Alemanha, tendo como objectivo o complexo de Bremen.
Subitamente, apareceram oito aviões Alemães que o metralharam causando-lhe profundos danos na fuselagem. Mesmo assim,
os seus metralhadores ainda abateram um
dos aviões, havendo dúvidas no abate de
um segundo avião.
Passado algum tempo, apareceram mais
sete aviões que o atacaram pela retaguarda que lhe infligiram profundos danos adicionais na cauda, destruindo-lhe o sistema
de oxigénio para os tripulantes que, devido
à altitude a que voavam, provavelmente entraram em hipoxia (carência de oxigénio no
sangue).
A Tripulação do B-17 (Charlie Brown é o segundo a
contar da esquerda na primeira fila)
A bordo, um tripulante estava morto, e outros três bastante feridos, incluindo Charlie
Brown com um estilhaço num ombro.
AFAP
Devido aos danos sofridos e ao estado de
hipoxia dos pilotos, o avião entrou em voo
invertido, perdendo bastante altitude, tendo
sido recuperado da posição anormal já muito
baixo por cima de um bosque. Os alemães,
pensando talvez que o avião se tinha despenhado, abandonaram o ataque, permitindo
a Charlie Brown recuperar alguma altitude,
tendo ordenado ao co-piloto e ao mecânico
que fossem à retaguarda para avaliarem os
estragos, ficando só no Cockpit.
Nesse momento, olhando para fora, viu
à sua direita um caça alemão em formação
com o seu avião. Era pilotado pelo experiente Tenente Franz Stigler, um veterano
da Guerra, abatido várias vezes, tendo sido
19
preso numa delas em África, conseguindo
evadir-se.
O Tenente Franz Stigler tinha feito uma
aproximação pela retaguarda para abater o
B-17, mas não sentindo reacção do metralhador de cauda e vendo as metralhadoras
apontadas para baixo, aproximou-se mais e
constatou que o mesmo estava caído e coberto de sangue.
Não teve coragem de abater o avião naquelas condições.
Colocou-se então a asa do B-17, que mais parecia um passador coberto de buracos de balas,
e viu só um piloto, Charlie Brown no Cockpit.
20
AFAP
Republic P-47 Thunderbolt
Fez-lhe sinal e ordenou via comunicação
rádio para o acompanhar e aterrar na Alemanha ou ser abatido, mas Charlie Brown não
reagiu e continuou o seu voo em direcção à
fronteira.
B-17 à chegada
Um verdadeiro acto de cavalheirismo!
Por opção da tripulação estava fora de
questão saltarem em paraquedas.
Quando atingiu a costa, o B-17 foi escoltado por dois P-47 que o encaminharam para
uma pista segura.
Franz Stigler, bastante impressionado com
o estado de destruição da B-17, tentou que
Charlie Brown se dirigisse para a Suécia,
que ficava a trinta minutos de voo, mas sem
êxito.
Franz Stigler ainda fez mais algumas
missões de combate no avião ME-262 a
jacto na célebre Esquadra JV-44 dos ACE,
sendo um dos primeiros caçadores a jacto
do mundo.
O B-17 continuou a sua rota em direcção
à Inglaterra.
Em 1953 emigrou para o Canadá onde se
tornou um empresário de sucesso.
Stigler acompanhou o avião até ao limite
da sua autonomia de combustível. Depois,
saudando o avião inimigo, regressou à Base.
Charlie Brown continuou a carreira militar, reformando-se em 1972 com o posto de
Coronel.
Charlie Brown após aterragem em Inglaterra
Franz Stigler
AFAP
Charlie Brown
Durante anos, esta história ficou desconhecida.
O piloto alemão nunca a reportou para evitar uma sanção disciplinar.
O piloto americano fez o relatório do facto,
mas as autoridades americanas decidiram
mantê-lo em segredo.
Em 1989, após ter divulgado o episódio
numa reunião de antigos pilotos, Charlie
Brown decidiu tentar encontrar o piloto que
lhe tinha poupado a vida.
Finalmente, através do general alemão
Adolf Galland, que tinha sido comandante
de pilotos de caça alemães e chefe/amigo de
Stigler, conseguiu que fosse publicada uma
21
Franz Stigler
carta no boletim da associação dos Pilotos
de Caça Alemães, na qual relatava a ocorrência e pedia o contacto de Stigler.
Passado pouco tempo, recebeu uma carta
do Canadá com a morada de Franz Stigler.
Foi estabelecido o contacto e, após um
encontro emotivo em 1990, tornaram-se os
melhores amigos até ao fim das suas vidas,
considerando-se como irmãos.
Franz Stigler faleceu em 22 Março de
2008. Charlie Brown faleceu em 24 Novembro de 2008.
Coronel Pil Av (r) J. Ivo da Silva
22
AFAP
INFRAESTRUTURAS DA FORÇA AÉREA EM ÁFRICA
INTRODUÇÃO
A construção das infraestruturas da Força
Aérea em África iniciou-se em 1960, cerca
de um ano antes do começo da guerra em
Angola, tendo-se prolongado praticamente
até ao final de 1974. A actividade de construção desenvolvida foi muito intensa e da
mesma resultou um número assinalável de
aeródromos, que ainda hoje estão ao serviço nos países lusófonos onde se situaram os
três teatros de operações da guerra do Ultramar, continuando a contribuir para o progresso económico desses países.
A Força Aérea foi criada em 1952, fruto
da fusão da Aeronáutica Militar do Exército
e da Aviação Naval da Armada. A Direcção
do Serviço de Infraestruturas da Força Aérea, que viria a ser responsável pela construção dos aeródromos militares em África,
foi criada em 1957, tendo transitado para
essa Direcção uma série de oficiais da Arma
de Engenharia do Exército, que tinham tido
a seu cargo as obras das bases aéreas em
Portugal continental e nos Açores nos anos
anteriores à década de 50. Na altura as
obras referidas eram da responsabilidade da
Comissão Executiva de Obras Militares Extraordinárias (CEOME).
A Força Aérea esteve desde o seu início
voltada para África. Na Ordem à Aeronáutica
nº1, datada de 30/11/52, é transcrita a Lei
nº2055 que cria a Força Aérea e que estabelece as bases da sua organização. Pode-se
ler nessa Ordem à Aeronáutica, que estava
prevista «a criação de Regiões Aéreas nos
territórios de além-mar», que é a menção
textual que se faz ás futuras Regiões Aéreas
em África.
O inicio da projecção da Força Aérea para
África dá-se em 1958, com uma missão a
Angola chefiada pelo Sr. General Venâncio
Deslandes, mais tarde Comandante-Chefe
e Governador-Geral de Angola. Esta missão
tinha como objectivo seleccionar os locais
onde a Força Aérea iria instalar as suas unidades em Angola. A missão revelou-se de
importância capital, dado que em consequência da mesma, se mudou radicalmente
a ideia com que se tinha partido relativa ao
dispositivo a adoptar. O dispositivo inicial que
se veio a estabelecer foi o da localização das
unidades na parte norte da província, onde
seria mais provável que se viessem a desenrolar acções de guerrilha.
A projecção do Serviço de Infraestruturas para África inicia-se com a criação de
Direcções de Obras em Angola, em 1960,
e em Moçambique, em 1961. Ainda em
1961 ascendem ambas as Direcções de
Obras a Delegações da Direcção do Serviço, sendo chefiadas respectivamente
pelos Tenente Coroneis Carloto de Castro
e Kol de Carvalho. O primeiro foi mais tarde Secretário das Obras Públicas de Angola e o segundo Director do Serviço de
Infraestruturas.
A acção do Serviço de Infraestruturas
foi particularmente activa em Angola. Foi
de tal modo, que quando eclodiu a guerra,
em Março de 1961, no norte da província,
já a Força Aérea estava pronta a operar a
partir da Base Aérea nº9, em Luanda, e do
Aeródromo Base nº3, no Negage, no distrito do Uíge , um dos focos mais activos no
principio da guerra. Esta última unidade foi
construída de raiz pela Força Aérea. Houve
muitas unidades em que o uso das pistas
era compartilhado pela Força Aérea e pela
Aeronáutica Civil e houve mesmo aeródromos em cuja construção se empenharam
em conjunto as duas Organizações, daí
se ter criado a certa altura em Angola um
«Grupo de Trabalho Misto», com pessoal e
máquinas de ambas.
AFAP
ORGANIZAÇÃO DA FORÇA AÉREA
EM ÁFRICA
23
– Base Aérea nº9, em Luanda.
– Aeródromo Base nº3, no Negage.
A organização da Força Aérea em África
no decurso da guerra do Ultramar era a seguinte:
– Aeródromo Base nº 4 , em Henrique de
Carvalho.
– Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné
– Aeródromo Base nº 10, em Serpa Pinto.
Esta Zona Aérea incluía as unidades da
Guiné e um Aeródromo de Trânsito na ilha
do Sal, em Cabo Verde.
– Batalhão de Caçadores Paraquedistas
nº21, em Belas na proximidade de Luanda.
– 2ª Região Aérea
Esta Região Aérea incluía as unidades de
Angola e um Aeródromo de Trânsito em S.
Tomé e Príncipe.
– 3ª Região Aérea
Esta Região Aérea cobria as unidades de
Moçambique.
Na altura a 1ª Região Aérea correspondia
ao território de Portugal continental e ilhas
adjacentes (hoje Regiões Autónomas dos
Açores e da Madeira), sendo que aos Açores correspondia a Zona Aérea dos Açores.
Em cada uma das duas Regiões Aéreas
em África dispunha-se de uma Base Aérea,
de vários Aeródromos Base e, na dependência de cada um destes, conjuntos de
Aeródromos de Manobra, de Aeródromos de
Recurso e por vezes de Destacamentos. Os
Destacamentos podiam ocorrer, consoante
as necessidades ditadas pelas operações,
em aeródromos que não pertenciam ao dispositivo habitual da Força Aérea.
2ª REGIÃO AÉREA, ANGOLA.
Na 2º Região Aérea, em Angola, as unidades principais eram as seguintes:
Dispositivo da Força Aérea na 2ª Região Aérea
A Base Aérea nº9 situava-se à ilharga do
Aeroporto Internacional de Luanda, então
designado por «Aeroporto Marechal Craveiro Lopes», hoje designado por «Aeroporto 4 de Fevereiro». Esta Base Aérea
teve uma actividade operacional muito
intensa no decurso de toda a guerra, estando nela sediadas várias esquadras, nomeadamente a esquadra dos helicópteros
para fins múltiplos (transportes, evacuações e apoio de fogos às unidades terrestres), a esquadra de Noratlas de transporte
táctico e a esquadra de caças F-84, que na
parte final da guerra chegou a operar com
aviões B-26 para acções de bombardeamento e outras.
24
AFAP
Base Aérea Nº 9 Luanda
A Base Aérea nº9 tinha na sua dependência o Aeródromo de Manobra nº 95, em
Cabinda, situado no enclave com o mesmo
nome a norte de Angola e o Aeródromo de
Recurso do Cuito Cuanavale, situado no
sudeste de Angola, no distrito do CuandoCubango, então designado por «Terras do
Fim do Mundo».
O Aeródromo Base nº3 situava-se no Negage, no noroeste de Angola, no distrito do
Uige. Como se referiu era um aeródromo ex-
clusivamente militar, de grande importância,
sobretudo na fase inicial da guerra que se
desenvolveu na frente Norte.
O Aeródromo Base nº3 tinha na sua dependência os Aeródromos de Manobra nº31 em
Maquela do Zombo e nº 32 no Toto. Chegou
a prever-se um Aeródromo de Manobra nº33
em Malange, mas não chegou a ser activado.
Na zona noroeste de Angola houve ainda um
aeródromo de grande importância, cuja construção constitui um marco assinalável pela
AB3- Negage
AFAP
25
AB4 – Henrique Carvalho
rapidez com que foi feita e pelas dificuldades
de vária ordem que tiveram de ser superadas,
que foi o aeródromo de Santa Eulália.
O Aeródromo Base nº4 situava-se em
Henrique de Carvalho (hoje Saurimo), no
nordeste de Angola, no distrito da Lunda.
O Aeródromo Base nº 4, tinha na sua dependência os Aeródromos de Manobra nº
41 em Portugália , nº 42 no Camaxilo e nº
43 no Cazombo e Aeródromos de Recurso
em Gago Coutinho e na Nriquinha.Os três
aeródromos de Manobra situavam-se perto da fronteira Norte, enquanto que os dois
Aeródromos de Recurso situavam-se bem
a sul de Henrique de Carvalho, ao longo da
fronteira Leste.
Um caso especial no Leste de Angola era
o do Aeródromo do Luso que, sendo um destacamento do Aeródromo Base nº4, acabou
por ter uma grande quantidade de meios
aéreos destacados. No Luso passou a ficar
sediado o Sector Aéreo do Leste (SECARLESTE), que dava apoio à Zona Militar Leste
(ZML) do Exército.
O aeródromo Base nº10 situava-se em
Serpa Pinto (hoje Menongue), capital do
distrito do Cuando Cubango, nas «Terras do
fim do Mundo» já anteriormente referidas.
O Aeródromo Base nº10, em Serpa Pinto,
começou a ser construído no final de 1971,
mas não chegou a ser activado, dado a sua
construção não estar concluída em 1974 no
final da guerra.
Do 2º Região Aérea apresentamos fotografias da Base Aérea nº 9 (Luanda), do Aeródromo Base nº3 (Negage), do Aeródromo
de Manobra nº95 (Cabinda) e do Aeródromo
Base nº10 (Serpa Pinto).
A Base Aérea nº9 era, como se referiu,
anexa ao Aeroporto Internacional de Luanda, sendo as pistas existentes de utilização
comum. Dispunha de uma grande placa de
estacionamento, que foi ampliada no início da década de 70, quando a Força Aérea passou a operar os aviões B707, para
o transporte das tropas entre a Metrópole
e os diferentes teatros de operações. Para
facilitar o embarque e desembarque dessas
tropas foi construído, num curtíssimo espaço
26
AFAP
de tempo, um edifício de Terminal de Passageiros dimensionado para o número de
passageiros em causa, que permitiu uma
elevada velocidade de rotação dos aviões,
optimizando a sua operação.
– Base Aérea nº 10, na Beira.
O Aeródromo Base nº3, no Negage, era
de uma grande simplicidade, com uma pista
única, um único caminho de circulação a estabelecer a ligação entre uma extremidade
da pista e a ampla placa de estacionamento.
– Aeródromo Base nº 7, em Tete.
O Aeródromo de Manobra nº95, em Cabinda, era também de pista única, mas com
duas placas de estacionamento, uma militar
e outra civil, situadas do lado Leste da pista. Hoje em dia o aeródromo está completamente rodeado de pequenas casas, que
tornam a sua expansão problemática.
– Aeródromo Base nº 5, em Nacala.
– Aeródromo Base nº 6, em Nova Freixo.
– Aeródromo Base nº 8, em Lourenço Marques.
– Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº
31, na Beira.
– Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº
32, em Nacala.
Dada a configuração geográfica da 3ª Região Aérea o número de Unidades da mesma era superior ao número de Unidades da
2ª Região Aérea.
O Aeródromo Base nº 10, em Serpa Pinto, foi a última unidade a ser construída pela
Força Aérea no Ultramar. Tinha uma pista de
mais de 3000m de comprimento por 30m de
largura e duas grandes placas de estacionamento independentes, ambas do lado Sul da
pista, uma para a aviação civil e outra para
a aviação militar. O aeródromo foi e continua
a ser muito utilizado pela aviação civil, não
tendo a parte militar chegado a ser utilizada
pela nossa Força Aérea.
Como se referiu foi construído na 2ª Região Aérea, próximo de Luanda, o Quartel
do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº
21, que era a melhor infraestrutura da Força
Aérea em Angola. O Plano Director da Unidade que foi inicialmente estabelecido foi
cumprido com rigor e a sua manutenção e
conservação foram sempre exemplares.
3ª REGIÃO AÉREA, MOÇAMBIQUE
Na 3ª Região Aérea, em Moçambique, as
unidades principais eram as seguintes:
A Base Aérea nº 10, situada na Beira, não
tinha na sua dependência nenhum Aeródromo de Manobra, o que se deveria à distância
AFAP
a que esta Base se encontrava das zonas
onde se desenrolavam as acções militares.
O Aeródromo Base nº 5, em Nacala, tinha
na sua dependência os Aeródromos de Manobra nº 51, em Mueda, e nº 52 em Nampula.
O Aeródromo de Manobra nº 6, em Nova
Freixo, tinha na sua dependência os Aeródromos de Manobra nº 61 em Vila Cabral e
nº 62 em Marrupa.
O Aeródromo Base nº7, em Tete, tinha na
sua dependência os Aeródromos de Manobra nº71 em Furancungo, nº 72 em Chicoa e
nº 73 em Mutarara.
27
aeródromo vai ser também ampliado face
ao desenvolvimento económico previsto
para a região com a exploração das suas
enormes jazidas de carvão.
O Aeródromo de Manobra nº 51, em Mueda, no chamado planalto dos macondes,
tinha uma configuração simples, com uma
única placa de estacionamento dos aviões
ligada à pista por dois pequenos caminhos
de circulação. Teve uma actividade operacional intensa, tendo sido objecto de flagelações por parte do inimigo, que chegaram
a provocar o incêndio das suas instalações
de combustíveis.
ZONA AÉREA DE CABO VERDE E GUINÉ.
O Aeródromo Base nº 8, em Lourenço
Marques, não tinha unidades secundárias
na sua dependência, por razões análogas
às referidas para a Base Aérea nº 10.
Na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné as
unidades principais eram as seguintes:
– Base Aérea nº12, em Bissalanca.
Da 3ª Região Aérea apresentamos fotografias do Aeródromo Base nº 5, em Nacala,
do Aeródromo Base nº 7, em Tete, e do Aeródromo de Manobra nº 51, em Mueda.
– Batalhão de Caçadores Pára-quedistas nº
11, em Bissalanca.
– Aeródromo de Trânsito nº 2, na ilha do Sal.
O Aeródromo Base nº 5, em Nacala, foi
o melhor aeródromo construído pela Força
Aérea no Ultramar. Tinha uma pista extensa e um caminho de circulação paralelo a
todo o comprimento da pista, dispondo de 3
grandes placas de estacionamento. Dadas
as suas qualidade e dimensão está actualmente este aeródromo a sofrer trabalhos de
melhoramento e ampliação para se tornar
no aeroporto internacional do norte de Moçambique. Na vizinhança do aeródromo de
Nacala situava-se o quartel do Batalhão de
Caçadores Pára-quedistas nº 32.
O Aeródromo Base nº 7, em Tete, tinha
a particularidade de ter uma placa para a
aviação civil e outra para a aviação militar
situadas em lados opostos da pista. Este
Havia ainda 3 Aeródromos de Manobra situados em Nova Lamego, Aldeia Formosa e Cufar.
28
AFAP
Desta Zona Aérea apresentamos apenas
fotografias da Base Aérea nº 12, em Bissalanca. O aeródromo tinha uma pista com
um caminho de circulação paralelo em parte da extensão da pista, dispunha de uma
placa de estacionamento pequena para a
aviação civil e de uma grande placa para a
aviação militar. Esta Base Aérea teve uma
actividade operacional muito intensa, chegando a ter os aviões separados entre si
por paredes de estrutura metálica preenchidas com terra, como medida de protecção
para evitar a propagação de estragos entre
os aviões quando atingidos pelas flagelações do inimigo.
Como curiosidade apresentamos, ainda da Guiné, uma fotografia de um T6 a
operar na pista improvisada de Madina do
Boé. Com esta fotografia prestamos homenagem aos nossos pilotos que tinham de
operar no seu dia-a-dia em condições tão
adversas, ou piores, do que esta. Pistas
deste tipo foram construídas às dezenas
pelo Exército, nos três teatros de operações, exercendo assim também uma actividade de construção de aeródromos assinalável.
CONCLUSÃO
Daquilo que foi apresentado pode-se inferir a dimensão de que se revestiu o dispositivo da Força Aérea em África. Apesar
de se terem utilizado nalguns casos pistas
já existentes, foi assinalável o que se conseguiu construir, com tamanha dispersão
geográfica, em alguns lugares remotos e
de difícil acesso e em tão curto espaço de
tempo. As construções feitas não eram de
alta tecnologia, cumpriam porém os requisitos militares mínimos para a partir delas
se poder operar. Não querendo ser juiz
em causa própria, atrevo-me a dizer que
melhor seria difícil fazer, face aos meios
escassos e em muitos casos bastante primitivos de que se dispunha para a execução dos trabalhos. Tudo isto foi possível
pelo empenho e pela dedicação de todo o
pessoal militar (dos quadros permanentes
e milicianos) e civil que tomou parte neste
esforço de guerra.
Apesar de todas as dificuldades encontradas e das limitações à época existentes,
verifica-se que, passadas quase quatro décadas sobre o final da guerra, ainda hoje
muitos dos aeródromos construídos continuam operacionais e ao serviço das economias dos países onde se localizam. Podese sem exagero afirmar, que a actividade de
construção desenvolvida pela Força Aérea
constituiu um factor de desenvolvimento
dos países lusófonos, em particular de Angola e Moçambique.
Termino prestando a devida homenagem a todos aqueles que deram o seu
melhor na materialização do que ficou
descrito e que deste mundo já partiram.
BEM HAJAM.
Major ENGAED (r) Luis Ferreira Barbosa
AFAP
O COMBATENTE É:
Determinado, audaz e valente
Ante qualquer perigo não vacila
É obstinado, preciso e prevalente
Gosta da vida espartana e tranquila.
No prélio, nunca se dá por vencido
E tem os pés bem assentes na terra
É e será sempre amigo do seu amigo
Quer haja paz ou em tempo de guerra.
E quando o sol já descia p’la savana
Tal qual um soba d’oiro em estertor
Ouviram sibilar balas de ódio e trama
Que traziam, até eles, algum clamor.
Clamor mas não medo de enfrentar
Um desfecho que podia ser terrível
Mas que só o astro-rei, ao despertar
Lhes daria esse balanço imprevisível.
Nesse inferno, uma aparente calma
Que parecia aquietar-se ao anoitecer
Em plagas onde deixaram a sua alma
Por verem lá tantos jovens a morrer…
O combatente não é:
Subserviente, traidor
Pusilânime, medroso
Ou um falso delator…
E tal como sempre foi, ele é leal
Então, porque não é herói nacional?
Manuel Amendoeira
Sócio efectivo nº. 2440
29
30
AFAP
OS MISSEIS “STRELA” NA GUERRA DO ULTRAMAR
I-A
INTRODUÇÃO DO ‘STRELA’
NA GUINÉ
1. O primeiro míssil russo Strela SA-7 (designação da NATO - Grail) foi mais sentido
que visto quando uma parelha de Fiats G-91,
pilotada pelos Ten Cor Brito e Ten Pessoa,
executava uma missão junto à fronteira norte, em Campada – S. Domingos, no dia 20
de Março de 1973. O míssil passou entre os
dois aviões sem atingir nenhum deles, mas
tão próximo que o Ten Cor Brito sentiu o impacto da onda de choque do míssil.
Como era habitual sempre que um avião
era alvejado, seguindo o rasto de fumo deixado, os dois G-91 iniciaram um circuito de
A pedido do chefe da formação o segundo
avião observou o exterior do outro, tentando
detectar sinais de algum impacto, não tendo
no entanto verificado qualquer anomalia. Os
aviões regressaram à Base sem mais incidentes.
2. O segundo míssil, agora já detectado
visualmente em 22 de Março de 1973, foi
disparado contra um DO-27, pilotado pelo
Fur Moreira, o qual se encontrava empenhado a fazer o Sector de Bigene. O piloto
voava na área de Bigene e, pensando que
se tratava de um disparo de RPG, como
era habitual quando alguma
aeronave era alvejada,
pediu ao Centro de
Operações Aéreas
na BA12 que
FIAT G-91
tiro batendo o local de onde tinha sido feito o disparo, utilizando o armamento de que
dispunham (bombas, 2 x 200Kg e 4 x 50Kg
cada avião), com os parâmetros de tiro habituais naquela época (3000 a 4000’ de altitude), o que poderia ter sido fatal para aqueles
pilotos. No entanto não se verificou resposta
por parte do IN.
Imagem do míssil russo Strela SA-7
enviasse para o local a parelha de Fiats de
alerta.
A parelha de alerta, armada com foguetes e metralhadoras, descolou para Norte
enquanto o DO-27 se mantinha na área. Os
dois pilotos dos G-91 eram os Ten. António
Matos e Lourenço Marques.
Quando chegaram ao local o Fur. Moreira indicou o local do disparo como sendo na
margem de uma mata, que corria para norte.
Indicou também o local onde o tiro tinha caído,
que ainda fumegava e que distava do ponto de
disparo cerca de 1,5Km. A distância pareceu
logo demasiado grande para um tiro de RPG
porque o alcance máximo era de 400 metros.
AFAP
Os dois G-91 iniciaram um circuito de tiro
batendo a orla da mata, de Sul para Norte.
Neste circuito o nº 1 saía para a esquerda e
o nº 2 para a direita.
31
3. O terceiro Strela atingiu o avião do Ten.
Pessoa, em 25 de Março de 1973.
Entretanto são verificados dois novos disparos, que não passam perto dos aviões,
mas mais uma vez com um grande rasto
de fumo e também com grande alcance.
Mesmo assim, a surpresa continuou a funcionar, não tendo ocorrido a nenhum dos
pilotos que se pudesse tratar de um míssil.
Perante esta reacção do inimigo e porque
entretanto ambos os aviões tinham esgotado
o armamento, o nº 1 decidiu pedir mais dois
aviões, desta feita armados com bombas, 2
x 200 Kg e 4 x 50 Kg.
O nº 1 desta parelha não chegou a descolar, pelo que só saiu o nº 2 que era o Comandante da Esquadra, Cap. Pinto Ferreira.
Chegado à zona recebe indicações da parelha anterior e inicia o bombardeamento. À
saída do 3º passe de bombas, e já quando
passava pelos 5.000 pés (1500 m), observou,
vindo da sua direita, um longo rasto de um
míssil em rápida aproximação ao seu avião.
Submetendo o avião aos “Gs” que a velocidade permitia, de imediato sentiu um forte
impacto no avião, o que o levou a considerar ter sido atingido. No entanto, sem indicação na cabina de quaisquer danos, rumou
em direcção à Base. Os outros dois aviões
seguiram-no.
O Cap Pinto Ferreira aterra o G-91 em
Bissau, constatando-se então não ter sido
atingido por qualquer estilhaço.
Mais uma vez, um míssil passou demasiado perto e o que o piloto sentiu foi a onda de
choque.
Ten. Miguel Pessoa
Sobrevoando o corredor do Guileje a
1.000’ (300 metros) de altitude para se furtar ao fogo das metralhadoras antiaéreas
instaladas na Guiné-Conakry, numa missão
de apoio ao quartel do Guileje, o avião do
Ten. Pessoa é o primeiro a sofrer o impacto
directo do míssil:
“Fui atingido na parte traseira do avião,
fiquei sem motor e depois sem comandos,
e deu-me a sensação de que não teria sido
uma bateria antiaérea. A minha preocupação, quando senti o impacto e a perda do
motor, foi tentar pôr o motor a trabalhar normalmente, com a esperança de fazer uma
ignição de emergência. Procurei o aquartelamento a que eu estava a fazer apoio de fogo,
com vista à ejecção”.
O Ten. Pessoa acabou por perder o domínio do avião. Sem motor e sem comandos, sentindo o Fiat afundar-se rapidamente, decidiu ejectar-se. Como voava muito
baixo, o pára-quedas não abriu completamente, mas a vegetação travou-lhe a queda, depositando-o no chão com uma perna
partida.
32
AFAP
Assim que se restabeleceu do choque, começou a procurar um local donde pudesse
disparar, relativamente abrigado das vistas
do inimigo, a pistola de sinais que lhe permitiria ser localizado pelos aviões. Avaliando
rapidamente as circunstâncias em que fora
abatido, concluiu que devia estar próximo
do aquartelamento de Guileje, e conseguiu
determinar mesmo, e acertadamente, em
que direcção ele se encontrava. Arrastouse ainda, a muito custo, algumas centenas
de metros, mas não conseguiu alcançá-­lo,
como era seu desejo.
Os guerrilheiros não se devem ter apercebido de que o piloto se tinha ejectado, pois a
ejecção foi executada a muito baixa altitude.
No decurso da noite, que passou dissimula-
do no meio da folhagem, Pessoa não detectou qualquer movimentação do inimigo nas
cercanias.
Apenas no dia seguinte, quando os helicópteros e os aviões começaram a voar
na zona, é que eles poderão ter suspeitado
da existência de pessoal militar no terreno.
Mas quando tentaram localizar o piloto, já
era tarde: pelas onze horas do dia 26 de
Março de 1973, um grupo integrando elementos das Operações Especiais e de
pára-quedistas do BCP12, depois de o localizar, transportou-o para um helicóptero
onde a enfermeira pára-quedista Giselda
Antunes lhe prestou os primeiros socorros e
o assistiu na sua evacuação para o Hospital
Militar de Bissau.
AFAP
A heli-recuperação do Ten. Pessoa esteve
longe de ser pacífica, tendo sido feitos disparos de mísseis contra os aviões de apoio
à operação, nomeadamente a um T6 do Fur
Carvalho, mas não causando estragos.
4. Três dias mais tarde, a 28 de Março de
1973, o Comandante do Grupo, Ten. Cor.
Brito, não teve a mesma sorte da primeira
vez em que fora alvejado, juntamente com
o Ten. Pessoa, sendo atingido à vertical de
Madina do Boé, por um míssil que provocou
a explosão do seu avião.
33
Chegados à área, a parelha comandada
pelo Ten Cor Brito percorre para sul a estrada que vai até à base do PAIGC na Guiné
Conacri, conhecida por Kamberra, a baixa
altitude, o que permitiu observar um cenário de viaturas militares destruídas, desde a
altura em que o Exército abandonou aquela
região. Não se verificou qualquer reacção do
inimigo, mesmo quando sobrevoaram Kamberra .
Atingida a fronteira sul, os aviões rumam a
norte em direcção a Madina do Boé. À vertical daquela posição, o nº 2 da formação,
Cap. Pinto Ferreira, a voar a cerca de 500
pés (150 m) sobre o terreno, é surpreendido
pela explosão do avião do Ten. Cor Brito que voava um pouco mais alto à sua frente
- atingido por um Strela.
O IN lança outro míssil para o nº 2, que
graças a manobras evasivas (mais de 3 G’s)
e a baixa altitude, não é atingido.
Tenente-coronel Almeida Brito
Por volta das 12H00, o Centro de Operações informara que, segundo a DGS, estaria
em curso uma reunião de altos quadros do
PAIGC, em Madina do Boé, considerada a
capital do território independente da região
abandonada em 1969 pelas nossas Forças Terrestres (todo o sul do rio Corubal).
Embora se suspeitasse de uma armadilha, foi
tomada a decisão de se fazer um reconhecimento visual da zona, a baixa altitude, pelo
que foi accionada a parelha de alerta, constituída pelos Ten Cor Brito e Cap. Pinto Ferreira.
De regresso à Base e reunidos os mais
altos responsáveis do Comando da Região
Aérea e do Q.G., foi decidido não voltar
àquele local para a recuperação do corpo do
Ten. Cor Almeida Brito, apesar de haver voluntários para a operação.
Naturalmente que a perda do líder do
Grupo Operacional da Guiné causou grande perturbação nos pilotos, na sua maioria
jovens pilotos.
5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Norte do território da Guiné, a fortuna foi ainda
mais madrasta para o Grupo Operacional
1201 da Guiné. Nesse dia, muito cedo, um
DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão
de apoio a um sector de Batalhão, a norte
do rio Cacheu. Numa das movimentações,
transportando um médico e um sargento de
34
AFAP
Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao
destino.
Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios
aéreos para tentar localizá-lo e, quase em
simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária
pedida pelo aquartelamento do Guidaje. O
avião era pilotado pelo Fur Carvalho e levava a bordo a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes.
Também este avião não chegaria ao seu
destino: alvejado por um míssil Strela, que o
não alcançou por muito pouco, os comandos
do DO-27 ficaram tão danificados pela acção
da onda de choque, que teve de regressar à
base de origem. [Giselda Antunes e Miguel
Pessoa vieram a casar mais tarde, tornandose, com toda a probabilidade, num casal único em todo o mundo: ambos foram alvejados
por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os
dois à morte.]Entretanto, para substituir o
avião danificado partiu de Bissalanca outro
DO-27, pilotado pelo Fur. António Carvalho
Ferreira.
Tendo embarcado em Bigene o Major Mariz, comandante do Batalhão ali estacionado,
este avião aterrou por fim em Guidaje, donde descolou mais tarde com quatro pessoas
a bordo: o piloto, o Major, um militar ferido
e um enfermeiro para o assistir durante a
viagem para Bissau. Apenas se sabe que,
dadas as características da pista, descolou
para norte, entrando por território do Senegal. Nunca mais foi visto!
O primeiro DO-27 desaparecido acabou
por ser localizado algures no mato, entre
Bigene e Guidaje. Transportado de imediato para o local em helicópteros, um pelotão
de pára-quedistas limitou-se a constatar a
morte dos quatro ocupantes. Nessa altura,
voando na área em protecção da acção terrestre, o T-6 do major Mantovani foi abatido
por outro míssil Strela, tendo o piloto morrido
na queda do aparelho.
Manuel dos Santos, o homem que chefiara
o grupo do PAIGC enviado à União Soviética
para aprender a operar os mísseis, e que então acumulava as funções de comissário político da Frente Norte com as de comandante
dos mísseis em todo o território, podia dar-se
por satisfeito: naquelas poucas semanas do
primeiro semestre de 1973, os seus homens
desferiram um duro golpe na capacidade
operacional do inimigo.
6. O último avião a ser abatido por um
Strela, antes da independência, teve lugar 9
meses depois, em 31 de Janeiro de 1974,
numa missão de apoio próximo ao quartel
de Canquelifá, no leste da Guiné; a parelha
de Fiat’s era constituída pelos Tem. Cor Vasquez e Tem. Gil.
O avião do Ten. Gil foi atingido ao fim do
dia, durante a recuperação de um passe de
bombas (a cerca de 7.000’), eventualmente
feito sem a necessária aceleração, entrando
assim no envelope do míssil.
O piloto ejectou-se, conseguindo fugir para
Norte, passando a noite para lá da fronteira
com o Senegal. Ao amanhecer, iniciou uma
caminhada para sul, a fim de tentar encontrar a estrada Nova Lamego – Buruntuma.
Entretanto, estavam já na zona os meios
de busca e salvamento, constituídos por um
DO-27 e Pára-quedistas transportados em
ALIII, bem como uma parelha de Fiats em
alerta, estacionada em Nova Lamego, com o
Cap. Pinto Ferreira e o Ten. Matos.
O Ten. Gil avistou os aviões que o procuravam, só que, quando tal aconteceu, já se
AFAP
encontrava demasiado a Sul (que jeito teria
feito um rádio... - só apareceram uns meses
depois); continuou a andar e, cansado e
cheio de sede, resolveu entrar numa tabanca onde pediu água.
Foi recebido de um modo amistoso, deram-lhe água e laranjas, o que o levou a
oferecer 1000 Pesos, a quem o levasse a
um quartel da tropa. À vista de tal quantia,
foi o próprio homem grande da tabanca que,
pegando na sua bicicleta, o levou ao posto
da tropa mais próximo - Dunane, situado na
estrada Piche-Canquelifá.
Aí chegados, e como os militares eram
todos africanos, o piloto pediu que o levassem até um quartel com militares brancos,
o que fez o homem grande pedalar rijo até
Piche.
Foi desse posto avançado FT que, cerca
das 17:00 e via rádio, informaram os Fiats
que o “Papá Índia Lima Oscar Tango Oscar ia para (as duas letras do indicativo de
Piche) de Bravo Índia Charlie Índia Charlie
Lima Echo Tango Alfa”.
Chegado a Piche, o Ten. Gil pagou a dívida
ao homem grande e foi transportado no Dakota para Bissau, onde chegou cerca das 23H00.
Devido aos excessos da comemoração
acabou a noite no Hospital de Bissau; aí
chegado, e como não houvesse camas disponíveis, foi obrigado a dormir na área da
Psiquiatria; o enfermeiro, que entretanto
entrara de serviço, como o viu demasiado
agitado (era do chagrin ...) e estando na
área dos PSICOS, resolveu amarrá-lo à
cama, donde só muito mais tarde se conseguiu libertar.
Regressou à Base na manhã de 2 Fevereiro, sem mais problemas.
35
7. Em síntese, o sucesso inicial do PAIGC,
teve como principal origem a falta de informações sobre o sistema do míssil, seu envelope
e capacidades, que deveriam ter sido antecipadas aos operadores daquele teatro de operações. Recorde-se que, o Strela ou SAM 7,
era já bem conhecido da guerra do Vietname.
Foi preciso perderem-se 6 aviões e 4 pilotos, para se passar a operar com contramedidas adequadas, o que permitiu não ter
mais perdas durante cerca de 9 meses.
Refira-se que o PAIGC continuou a utilizar
o Strela na Guiné, evoluindo para mísseis
mais sofisticados, em que desapareceu o
rasto de fumo que, no início, permitia o avião
aperceber-se da sua aproximação supersónica, passando mais tarde a ser possível vislumbrar apenas um foco de luz, proveniente
da cabeça do míssil.
Assim, a partir de Abril de 1973, na zona
do objectivo o Fiat G-91 passou a manobrar
por forma a manter um mínimo de 3 a 4 Gs e
a retaliar de forma intensiva, com bombas de
750 libras, sempre que era lançado um míssil.
Este tipo de armamento, chegou a ser utilizado no apoio próximo a aquartelamentos
na fronteira, caso do Guidaje onde foram
largadas bombas de 750 libras no arame farpado! Aliás este aquartelamento deixou de
ser abastecido por terra, uma vez que as colunas militares não conseguiam passar. Ao
ponto de uma coluna de veículos militares,
carregados de armamento e explosivos, ter
sido emboscada e abandonada pelo nossas
FT, e ter sido dada a ordem ao Cap. Pinto
Ferreira, para bombardear e destruir a referida coluna, o que foi feito.
Diga-se, em abono da verdade, que o apoio
próximo habitual às tropas no terreno, com o
DO-27 a fazer PCV com foguetes e o T-6 no
36
AFAP
acompanhamento das colunas no seu trajecto,
deixou de ser exequível. O DO-27 ficou limitado
às evacuações e o T-6 foi abolido. Os Fiats e os
Helicópteros, com contra-medidas adequadas,
continuaram a cumprir as suas missões.
Ten Cor Pilav (r) José Manuel Pinto Ferreira
II - KURICA DA MATA
1. 25 de Março de 1973, um domingo que
tinha começado perfeitamente normal
Sento-me no chão, ainda estonteado com
a sequência dos últimos acontecimentos.
Procurando retomar por completo a consciência, tento levantar-me, mas sinto a perna
esquerda falhar ao mesmo tempo que uma
forte dor me atinge. Procuro uma explicação
para o que me está a acontecer e tento rever
o que se passou nos últimos minutos.
Começo a conseguir reconstituir toda a
acção que me trouxe aqui - o apoio de fogo
ao aquartelamento de Guileje, o sobrevoo do
corredor do Guileje e a busca de indícios do
IN na zona de Gandembel, o impacto violento sentido no avião, a perda total do motor,
a minha tentativa de aproximação a Guileje, o afundamento brusco do avião, a minha
reacção imediata accionando o manípulo de
ejecção, depois... nada!
Vejo-me agora isolado no meio da mata,
com um pé torcido, segundo parece, e uma
forte dor nas costas, que atribuo à violência
da ejecção. Sinto que a minha vida está a
andar para trás; e, afinal, o dia tinha começado perfeitamente normal...
Naquele Domingo, 25 de Março de 1973,
tinha iniciado o meu trabalho às seis da
manhã. Estava prevista uma actividade de
voo um pouco mais reduzida durante o dia,
mas a parelha de alerta dos Fiats, constituída
por mim e pelo meu camarada António
Matos, estava a postos para o que desse
e viesse; o mesmo sucedia com as outras
tripulações que também tinham entrado de
alerta à mesma hora: do DO-27, dos AL-III
(o heli das evacuações e o heli-canhão) e
as enfermeiras pára-quedistas prontas para
qualquer evacuação que surgisse.
A manhã passou-se sem sobressaltos.
Opto por almoçar qualquer coisa no
pomposamente chamado Clube de Pilotos,
junto às Esquadras de Voo. Esta sala de
estar, com um bar adjacente, permite às
tripulações a permanência dos pilotos junto
das Esquadras, para poderem acorrer
mais depressa a qualquer solicitação. O
accionamento do alerta é exigente e não se
compadece com comezainas demoradas
- desde o accionamento do alerta até à
descolagem temos um tempo máximo de 10
minutos, o que inclui sacar o equipamento
de voo, dirigir-se às operações para receber
instruções e os mapas 1/50.000 da zona a
apoiar, ser transportado até ao avião, pôr em
marcha, rolar para a pista e descolar... Exige
alguma celeridade.
Aproximávamo-nos das treze horas
e eu tinha começado a tomar o meu
café. De repente soam os altifalantes
estrategicamente colocados no corredor
limítrofe das Esquadras: “Alerta aos Fiat’s!”.
Imediatamente deslocamo-nos à sala de
equipamentos de voo, onde sacamos o
equipamento mínimo para a missão e
seguimos em passo acelerado para as
Operações. Aí, o Oficial de Operações do
Grupo Operacional 1201 e o Oficial da Dia
às Operações explicam-nos a situação.
Trata-se de um apoio de fogo solicitado
pelo aquartelamento de Guileje, na
AFAP
sequência de uma flagelação com foguetões
e canhões sem recuo sofrida pouco antes.
Para aumentar o tempo sobre o objectivo é
decidido escalonar a saída dos dois aviões, de
modo a garantir uma pequena sobreposição
na zona a apoiar. Sou mandado avançar
em primeiro lugar; dirijo-me rapidamente
para o avião e atiro-me de imediato lá para
dentro - nestes casos o mecânico antecipou
a inspecção exterior e poupa-nos tempo. A
rolagem para a pista é feita mais depressa
que o habitual e para poupar tempo faço
uma descolagem de corrida. Rapidamente o
Tigre Negro está no ar.
2. Quando um piloto está a mais no seu
avião, só lhe resta... ejectar-se!
O percurso para o objectivo é feito com
bastante potência para diminuir o tempo em
rota; aproveito para verificar o armamento
e o combustível e, já próximo, inicio os
contactos via rádio na frequência terra-ar.
Guileje esclarece-me sobre a possível
origem dos disparos e indica-me a zona
do antigo aquartelamento de Gandembel
como a mais provável. À medida que me
aproximo da fronteira começo a baixar
de altitude - o pessoal do lado de lá
(Kandiafara e Simbeli, por exemplo) tem
a mania de treinar as anti-aéreas se nos
apanham a jeito, por isso manter os 1000
pés é uma solução de compromisso entre
evitar os RPG e mantermo-nos fora da
vista da AAA.
Já no local procuro indícios de
movimento de pessoas ou veículos,
tentando visualizar trilhos recentes.
Inicio uma volta pela esquerda e nesse
momento sinto um impacto forte na
traseira do avião, a que se segue o ruído
característico da paragem do motor, o
que posso confirmar pelo decréscimo
37
rápido das rotações. Tento de imediato
reacender o motor através da ignição de
emergência enquanto, prevendo já o pior,
prancho o avião para um lado e para o
outro na tentativa de localizar e atingir a
zona de Guileje. O motor continua parado
e a velocidade não vai durar muito tempo.
Quase de seguida, sinto a perda total
dos comandos do avião, iniciando este
uma descida brusca em direcção ao solo.
Nem tenho tempo de alertar a Base provavelmente nem me ouviriam dada a
minha baixa altitude.
Estou a mais no avião e a única solução
é ejectar-me. Puxo a argola de ejecção que
está por cima da minha cabeça. A adrenalina
multiplicou-me as forças de tal modo que
nem sinto resistência ao accionar o sistema.
A velocidade de raciocínio multiplicou-se
igualmente. Imagino que falhou a ejecção
e penso accionar a alavanca alternativa (na
cadeira, em baixo, entre as pernas). Sinto
então a explosão do cartucho da cadeira e
deixo de ter consciência do que me rodeia.
Afinal, passou-se 1/3 de segundo entre o
accionamento do manípulo e a saída da
cadeira...
Amparado a uma árvore, ainda tonto,
tento fazer um ponto rápido da situação
e deixo para mais tarde a análise do que
se passou com o avião ou a maneira
como acordei naquele sítio. O facto é que
estou em terreno hostil, ainda distante do
aquartelamento, num ambiente que é novo
para mim, sozinho e quase incapacitado
de andar. E se o IN viu a minha ejecção é
natural que se dirija para o local para tentar
apanhar-me. Pelo meu cálculo penso estar
a sudoeste do antigo aquartelamento de
Gandembel e considero ser a melhor opção
avançar para NW, o que me aproximaria
da estrada Aldeia Formosa-Guileje e do
próprio aquartelamento.
38
AFAP
3. Obrigado ao meu kit de sobrevivência
(very, very light)... e ao malogrado Ten.
Cor Brito, comandante do G0 1201, que
me detectou
Abro o pequeno kit de sobrevivência que
nos tinha sido distribuído - na verdade o seu
conteúdo é uma novidade para mim, pois
embora tivesse uma ideia do que lá estava
nunca tinha visto nenhum aberto. Aliás, o
kit era coberto por um forro em flanela, todo
cosido, o que tinha impedido uma exploração
prévia do seu recheio...
O essencial é tentar iniciar a marcha com
o tornozelo ainda quente, pois receio não
conseguir andar quando a perna arrefecer.
Estou num local bastante arborizado e com
muita vegetação junto ao solo, o que dificulta
a progressão. Avanço a coxear, tropeçando
com frequência. Tenho receio de perder a
bússola que vinha no kit, é minúscula e se
a deixar cair, naquele terreno, arrisco-me a
não conseguir encontrá-la. Opto por segurála entre os lábios, ficando com as mãos livres
para me ir apoiando sempre que tropeço.
Com o tempo aumentam as dores na perna
e a progressão é cada vez mais difícil.
das copas das árvores, poderá permitir o
disparo enviezado dos very-lights, o que
talvez possibilite a sua visualização do ar. O
facto é que já não consigo andar e as costas
também me doem bastante. Não me parece
que consiga sair dali pelos meus meios.
Não temos rádios distribuídos, mas no
kit vêm uns fósforos presumivelmente antihumidade. Pode ser que fazendo uma
fogueira... No momento também não vejo
grande utilidade no preservativo que vinha
no kit. Se a ideia era servir de contentor
de água, esqueçam, que aqui não há
nenhuma... O mesmo para o anzol - só se
for para as férias...
O ruído dos aviões começa a ser mais
frequente, mas parece que a área de busca
é ainda afastada. Mesmo que eles se dirijam
na minha direcção não vou conseguir vê-los
e eles também não irão localizar-me; a única
esperança é que vejam um very-light.
Parece-me começar a ouvir barulho de
aviões a jacto - será o outro avião de alerta
já à minha procura? Começo a alterar
as minhas prioridades - agora a minha
preocupação é tentar encontrar um local
mais aberto de onde possa disparar os verylights e ser localizado por um avião. E há
que ter cuidado, que os meus recursos são
limitados, para alimentar a caneta dos verylights só tenho nove cargas - a dotação que
nos era normalmente atribuída. Mas a copa
das árvores não deixa muito espaço para
manobra.
Sento-me encostado a uma árvore, virado
para a zona mais descoberta (ou, será
melhor dizer, menos cerrada...). Ao fim de
algum tempo sinto a aproximação de um
jacto. Parece vir na minha direcção, mas não
consigo vê-lo. A minha experiência permiteme ter uma ideia, pelo som, da direcção e da
distância do avião em relação ao ponto em
que me encontro; disparo o primeiro verylight - um verde, apesar de não me sentir em
grandes condições físicas - mas os minutos
seguintes não me dão qualquer indicação
de que tenha sido visto; nem as duas horas
seguintes - as minhas tentativas de ser visto
não estão a resultar e já utilizei quatro dos
nove very-lights (já comecei a gastar dos
brancos, mas a verdade é que já estou a
borrifar-me para as cores!).
Finalmente, alcanço uma zona que está
longe de ser a ideal mas que, dado o desnível
Começam a aproximar-se as cinco da
tarde - na Guiné a transição do dia para a
AFAP
39
noite ocorre cedo e com uma certa rapidez;
sinto que já não tenho muito tempo para
ser localizado antes de escurecer. Volto
a detectar a aproximação de um avião e
disparo mais um very-light. O avião passa
próximo, sinto-o dar a volta e passar outra
vez próximo de mim, a baixa altitude.
o que terá travado a velocidade da descida,
acabando eu - mesmo assim - por entrar
depressa demais pelo chão, provocando as
lesões na perna esquerda. Calculo agora
que será mais que uma entorse, embora
não haja fractura completa da perna, nem
fractura exposta.
Fico com a esperança de ter sido visto,
mas a hora seguinte não confirma as minhas
expectativas. E a noite cai finalmente,
avolumando-se com ela a minha apreensão,
dada a minha visível inadaptação ao
ambiente que me envolve. Sou perturbado
por uma série de dúvidas que me assolam,
para as quais não tenho resposta - Os pilotos
terão visto algum very-light? Estará a ser
organizada uma operação de recuperação?
Como pensarão recolher-me? O IN terá
detectado a minha ejecção? Irão tentar
“agarrar-me à mão”?
Lembro-me que a minha arma pessoal uma Walther PPK.22 - ficou guardada no
anti-g, mas não tenho a certeza se não será
melhor assim - a posse da arma dar-me-ia
a tentação de a usar em situações em que
tal não era recomendado. Bom, não tenho
a arma, não vale a pena pensar mais nisso.
4. Talvez a noite mais longa da minha vida
A noite vai ser certamente prolongada - e
pouco dormida, seguramente. Aproveito para
repousar um pouco o corpo, estendendo-me
no chão, o que me permite reduzir as dores
nas costas e simultaneamente dar menos
nas vistas de quem se aproxime.
Tenho algum tempo para pensar no que
me levou a esta situação. O IN terá pelos
vistos atingido o Fiat, do que resultou a
falha do motor, logo seguida da perda de
comandos. Dadas as condições em que
estava a voar, não tenho dúvidas de que
a ejecção terá ocorrido nos limites da
segurança, a baixa altitude e com uma
acentuada razão de descida do avião
desgovernado. Do modo como observei o
pára-quedas, meio pendurado ao longo da
árvore, começo a acreditar que ele apenas
terá completado a sua abertura já no
contacto com a árvore em que me enfeixei,
A noite é interminável - mantenho-me
desperto embora por vezes o cansaço me
faça dormitar, mas acordo logo, alertado por
um qualquer barulho. A tensão da situação
e a desidratação que começa a afectar-me
também não contribuem para me acalmar.
No escuro parece-me detectar o movimento
de um insecto que brilha, mas trata-se afinal
dos ponteiros luminosos do meu relógio,
a que a minha visão desfocada (por falta
de referências) parece dar uma sensação
de movimento... Acordo outra vez com a
sensação de algo encostado à minha perna
(uma cobra?) - não me mexo, até porque
cobras não são o meu forte; será a perna
partida a latejar que dá aquela sensação de
movimento? A verdade é que essa sensação
passa - ou o animal se foi ou a perna deixou
de latejar...
Cometo um erro ao poisar a cabeça no chão
para repousar. Fico com uma orelha encostada
ao chão, o que amplifica todos os sons
produzidos à minha volta. O simples contacto
de uma folha a cair, ao bater no chão, faz
lembrar a progressão pé ante pé, de alguém
que se aproxima. Apesar de a escuridão não o
permitir, parece-me divisar duas sombras que
se vão aproximando de mim...
40
AFAP
O amanhecer encontra-me exausto, mas
satisfeito por ver a luz do dia. Fico a aguardar
o regresso dos aviões para tentar perceber o
que estão a planear. Finalmente começo a
ouvi-los. É uma miscelânea de sons que vou
identificando – Fiat’s, T-6, DO, AL-III. Começo a
ter a certeza de que fui localizado. Pelo sim, pelo
não, quando sinto a sua aproximação, disparo
mais um very-light. Mas sistematicamente,
parece que os AL-III se aproximam e a uma
certa distância voltam para trás.
Os very-light esgotam-se finalmente.
Resolvo despir a parte de cima do fato de voo
e retirar a camisola interior, branca. Depois de
vestido novamente o fato de voo, decido pôr a
camisola interior por cima, à laia de pull-over.
Espero ter assim mais possibilidades de ser
detectado do ar, por fazer agora um maior
contraste com a vegetação.
São nove horas da manhã - já passaram
3 horas de luz e nada. Tinha pensado que
um AL-III com guincho chegaria à vertical e
tentaria recuperar-me pelo ar... mas a verdade
é que nenhum aparelho me sobrevoa.
Em desespero, resolvo fazer um fogo
que seja visto do ar (má ideia, que ainda
posso ficar carbonizado...) mas a natureza
ajuda - a vegetação está húmida... e
os tais fósforos anti-humidade também!
Vários falham e não consigo acender
nada. Quando risco o último, a cabeça
salta, ainda por arder. Tiro as luvas e
com a ponta dos dedos seguro a cabeça
do fósforo, friccionando-a contra a lixa:
começa a arder queimando-me os dedos
mas apagando-se logo de seguida.
5. U
m homem em apuros... mas bem
educado e delicado
Resigno-me a esperar por auxílio, que
da minha parte parece-me não haver
muito mais a fazer. Mas a desidratação e
a tensão começam a pregar-me partidas.
Pressinto a aproximação de pessoas, mas
não as identifico. Começo a pensar que é
pessoal do PAIGC que está a envolverme, na esperança de poder preparar uma
emboscada ao helicóptero ou helicópteros
de salvamento. Chego à conclusão que
o melhor é não chamar a atenção dos
aviões, pois se eu pelos vistos já estou
“aviado”, não vale a pena levar comigo
algum camarada que esteja a tentar
salvar-me.
Começo a divisar cabeças que se
aproximam pelo meio da folhagem; são
africanos, o que parece confirmar as minhas
piores previsões; o armamento e uniformes
também não são das tropas portuguesas.
Sabem o meu nome (mas também não
é difícil, têm provavelmente infiltrados na
Base). Dizem-me para ir com eles - e eu
peço-lhes “delicadamente” para se irem
embora e me deixarem em paz.
Aparece o que parecia ser o chefe de barbicha e óculos - e diz-me que é o
Marcelino da Mata. Ora eu, pira de 4 meses
da Guiné, embora conhecendo as referências
do senhor, nunca o vi pessoalmente, mas
é conhecido que ele costuma levar cantis
com Fanta e Coca-Cola. Peço-lhe de beber,
ao que ele anui. Provado o produto fica
confirmada a identidade do meu interlocutor,
o qual merece da minha parte, de imediato,
um efusivo cumprimento: “Ah granda
Marcelino!”.
Chega entretanto ao local pessoal meu
conhecido do BCP 12 e renova-se a minha
confiança em acabar bem o dia. Ao ponto
de, quando sugerem a construção de uma
padiola, ter recusado: “Entrei nesta mata de
pé e é de pé que vou sair” - Pudera! Agora
que já tenho as costas quentes...
AFAP
A deslocação até ao helicóptero não tem
grande história, embora seja demorada e
cansativa, pois a incapacidade da minha
perna esquerda obriga-me a progredir no
terreno apoiado em dois elementos das
Operações Especiais, um de cada lado.
O pessoal do Marcelino tem pelos vistos
a mania de provocar o IN pois, à medida
que avançam no terreno, gritam para o
mato “Eh F.... da P.... do C.......! Apareçam,
seus C....!”, ao que eu lhes sugiro que
primeiro me ponham no helicóptero e
depois resolvam essa contenda com
os outros, que por mim já tenho que me
chegue. Só me falta que aqueles tipos
comecem aos tiros uns aos outros, e eu
sem me poder mexer!
41
Durante o percurso, noto que um dos
pára-quedistas que vai à minha frente se
vira para trás de vez em quando, tirandome uma fotografia. Ora eu ainda estou um
bocado descomposto e continuo com a
camisola branca por cima do fato de voo.
Peço uns momentos para tirar a camisola,
que guardo num dos bolsos do fato de voo, e
prossigo a caminhada com mais à-vontade,
pois já me sinto razoavelmente enfarpelado
e em condições de enfrentar a máquina
fotográfica.
Apesar dos perigos, a nossa progressão
começa a parecer um passeio turístico, pois
chegamos a parar para tirar uma foto de
grupo. O Marcelino resolve pôr uma pose
mais agressiva, de catana na mão, o que,
42
AFAP
associado à minha cara de enfiado, mais faz
parecer que fui apanhado pelo IN...
Chegamos finalmente à orla da mata,
onde um AL-III nos espera.
Para apoiar aquela evacuação, o Serviço
de Saúde da BA12 tinha destacado um
médico.
Quando entro no heli, devo estar com um
aspecto abatido pois ele decide dar-me um
tónico qualquer que eu aceito de bom grado,
que ainda estou com sede... E o facto é que
fico com uma passada que ninguém me
cala! Também, tinha estado quase 24 horas
sem falar...
Coronel PilAv(r) Miguel Pessoa
AFAP
43
A OPERAÇÃO DOS BOEING 707 NA FORÇA AÉREA PORTUGUESA
Acordo do Alvor
Após o 25 de Abril, estabelecido o Governo de Transição para a independência de
Angola, as ideologias de cada um dos movimentos de guerrilha e o seu enquadramento nas alianças internacionais, criaram um
clima de confrontação que antecipava uma
guerra civil a breve trecho.
O acordo do Alvor, assinado em 15 de Janeiro de 1975 entre o Governo Português e
os três principais movimentos de libertação,
MPLA, FNLA e UNITA, estabeleceu os parâmetros para a partilha do poder entre esses
movimentos, após a declaração da independência de Angola.
O regresso dos participantes no acordo
do Alvor constituiu por si uma operação de
certo modo complexa.
Os representantes do FNLA foram transportados por um avião governamental do
Gongo Kinshasa posto à disposição pelo
presidente Mobuto.
No dia seguinte à assinatura do acordo,
o regresso do MPLA e UNITA foi garantido
pela Força Aérea Portuguesa num voo para
Lusaka, onde ficou a delegação da UNITA,
prosseguindo para Luanda com a delegação
do MPLA.
Esse transporte, a ser efectuado por um
Boeing 707 apresentava várias condicionantes:
• O primeiro local de destino era a cidade de
Lusaka na Zâmbia.
• O voo teria que ser efectuado a contornar
a costa de África até ao espaço aéreo de
Angola e dai directo até Lusaka
44
AFAP
• O avião não podia aterrar em Angola, dado
que os elementos da UNITA iam a bordo e
o território, na altura dominado pelo MPLA,
era hostil a esse partido.
• O sobrevoo e aterragem noutros territórios
africanos ao longo da rota eram interditos
à Força Aérea Portuguesa.
• O Aeroporto alternante disponível, mais
próximo, era o da cidade da Beira em
Moçambique.
• Teriam que ser tomadas várias precauções
para evitar eventuais conflitos a bordo,
onde viajavam as duas delegações, da
UNITA e do MPLA, até à data beligerantes
no terreno.
Feito um planeamento cuidado da viagem,
verificou-se ser possível a sua realização
desde que o avião estivesse com o combus-
tível máximo e o cruzeiro, logo que o peso do
avião o permitisse, fosse efectuado a uma
altitude de 41 mil pés.
Este voo representava uma operação no
limite de performance do avião mas cumprindo, no mínimo, todos os requisitos prescritos
pelo manual do avião e pela legislação internacional, nomeadamente no anexo 6 à Convenção de Chicago (ICAO) no que se referia
a reservas de combustível a bordo.
Este tipo da operação em “long range”
era familiar às tripulações, dada a experiência adquirida nas viagens a Timor e à
Austrália.
Todas as tripulações, incluindo pilotos, navegadores, mecânicos de bordo, operadores
de comunicações, “load masters”, pessoal
de cabine e mecânicos de terra, estavam
rotinadas em operações sem o apoio das
AFAP
estruturas logísticas comuns às companhias
aéreas comerciais.
Pode dizer-se que, quer as tripulações
quer os aviões, reuniam todas as valências
para uma operação autónoma, adequada
às circunstâncias dos voos de transporte
aéreo estratégico.
Tendo em consideração a longa duração
do voo, foi escolhida uma hora de descolagem em que se verificariam temperaturas
mais baixas, que proporcionariam melhores condições de performance e a consequente influência no consumo de combustível, bem como uma densidade mais
elevada do combustível que permitiria aumentar a autonomia do voo.
Cada minuto de voo adicional poderia ser
crucial.
45
O voo, efectuado pelo avião 8801 foi cumprido (e comprido!) de acordo com o planeamento até às proximidades de Lusaka.
Como de costume, as tempestades associadas à Frente Intertropical na área do
Golfo da Guiné foram contornadas sem
problemas de maior, tarefa facilitada dada
a grande altitude de cruzeiro.
Na descida para Lusaka, a tripulação
deparou-se com uma forte tempestade tropical que obrigou a frequentes desvios e a
uma aproximação debaixo de forte turbulência e chuva diluviana.
A cerca de 10 mil pés de altitude, o lado
esquerdo do nariz do avião foi atingido por
uma faísca que, embora não tenha provocado qualquer dano no avião, varreu o mesmo
no exterior da fuselagem até à cauda, causando uma forte reacção nos passageiros.
46
AFAP
Finalmente, na altitude mínima de aproximação ILS, lá apareceram as luzes da
pista, altamente distorcidas pelo efeito da
chuva, tendo sido efectuada uma aterragem normal.
Quando o avião chegou ao estacionamento e os motores foram parados após
cerca de 12 horas de voo (um dos voos
mais longos efectuado pelos B-707 da Força Aérea Portuguesa), o Dr. Jonas Savimbi
foi o primeiro a aproximar-se da porta de
saída.
Como era rotina, o Comandante estava
junto da mesma para apresentar as despedidas às entidades transportadas.
Aberta a porta, verificou com espanto a
presença no topo da escada de dois Zambianos com um grande chapéu-de-chuva
com o pano aos gomos verdes e amarelos,
sob uma chuva torrencial, que se voltaram
para o Dr. Savimbi com esta frase:
HELLOW BROTHER!
Desembarcada a delegação da UNITA e
abastecido o avião, o voo de regresso por Luanda foi efectuado sem qualquer problema.
Missão cumprida! Descolaram, aterraram, não partiram, foi um sucesso!
Coronel Pil Av (r) J. Ivo da Silva
AFAP
47
AQUELES QUE PARTINDO
PERMANECEM NA NOSSA MEMÓRIA
Prof. António Simões Lopes
1934-02.-03 — 2012-12-17
Cor. António de Almeida Cardoso
1934-02-16 — 2013-01-17
Cor. Vitor Manuel Maia Pita
1955-08-12 – 2013-03-13
Rodrigo Nuno Pina e Freitas
1936-05-24 — 2013-05-01
TCor. Mário da Luz y Campeans
de Oliveira
1925-02-05 — 2013-05-12
MGen. Abel da Silva Mendes
1930-04-22 — 2013-05-12
Ssar. João António Roballo
Severino
1933-02-05 — 2013-05-13
Maj. António Jorge Cardoso
da Costa
1963-04-07 — 2013-07-11
Cor. José Guilherme Mansilha
1935-08-21 — 2013-05-17
António Ribeiro
1940-07-05 — 2013-07-06
Um campo de Estrelas
O Campo transmudou-se tão de repente,
Quando se anunciava o nascimento de Jesus.
As orquídeas não pareciam flores, tão fulguentes,
Pareciam estrelas de magnífica e estranha luz!
Preparavam-se para a chegada do menino,
Extasiavam de amor, perfume e emoção,
Ficou tão lindo o campo, e o esplendor divino,
Parecia ter colocado, em cada flor, um coração.
Não sabia se era o palpitar ou o refulgir,
Que balançava sobre as hastes delicadas,
Não eram flores que nos vinham seduzir,
Brilhando e palpitando à beira das estradas.
Como um tapete de jóias fulgurantes,
Essas orquídeas acenderam-se em grande luz!
E só voltaram a ser flores, como antes,
Para enfeitarem a menjedoura de Jesus.
Mírian Warttusch
A AFAP deseja aos prezados associados e famílias,
Boas Festas e um Feliz Ano Novo de 2014
ASSOCIAÇÃO DA FORÇA AÉREA PORTUGUESA
Av. António Augusto de Aguiar, n.º 7 - 3.º Dt.º • 1050-010 LISBOA
Download

BOLETIM DA AFAP - Força Aérea Portuguesa