Esta publicação foi realizada com os apoios:
Vo l u m e 11
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Núm er o 2
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2011
MÚSICA HODIE
Volume 11 - n. 2 - 2011
ISSN 1676-3939
Universidade Federal de Goiás
Prof. Dr. Edward Madureira Brasil
(Reitor)
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
Profa. Dr. Divina das Dores Cardoso
(Pró-Reitora)
Escola de Música e Artes Cênicas
Profa. Dra. Ana Guiomar Rêgo Souza
(Diretora)
Programa de Pós-Graduação em Música
Profa. Dra. Claudia Regina de Oliveira Zanini
(Coordenadora)
REVISTA MÚSICaA HODIE
Conselho Editorial
Profa. Dra. Sonia Ray - Presidente (UFG)
Prof. Dr. Anselmo Guerra de Almeida (UFG)
Profa. Dra. Cristina Gerling (UFRGS)
Profa. Dra. Eliane Leão (UFG)
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Consultores do Volume 11 n. 2
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Revisão
Sonia Ray
Capa
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de Aparecida (Santa Maria, RS, 1981)
Foto: Sonia Ray, 2010
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
________________________________________________________
Música Hodie; Revista do Programa de Pós-graduação
Stricto-Senso da Escola de Música e Artes Cênicas
da Universidade Federal de Goiás. Vol. 11 (n. 2,
2011) Goiânia: UFG, 2011.
Editoração: Franco Jr.
FGA Editoração Gráfica
v.: Il.
Semestral
Descrição baseada em: Vol. 11, n. 1 (2011)
Impressão e Acabamento:
Gráfica e Editora Vieira
ISNN 1676-3939
Site: www.musicahodie.mus.br
Judson Costa (Webmaster)
1. Música Periódicos I. Universidade Federal de
Goiás. Escola de Música e Artes Cênicas.
CDU: 78(05)
________________________________________________________
Editor ial
O ano de 2011 é especial para Música Hodie por ser o marco de 10
anos de existência do periódico. Para comemorar, os dois números deste
volume 2011 são temáticos e abarcam assuntos variados sobre a música na
atualidade.
O presente número 2 selecionou textos versando sobre Técnicas
Estendidas na Prática Musical da Atualidade. Alguns dos conceito de técnica estendida aqui apresentados são conflitantes, o que muito interessa
a discussão proposta. Os conflitos conceituais são parte de nossos debates em sala de aula, em congressos e em seminários de pesquisa na área,
e foram estas discussões conflitantes que estimularam a realização deste
número temático. Acredito ser menos urgente definir um conceito para a
técnica que discuti-la e registrar as várias abordagens que tem sido publicadas em textos da área de música, sobretudo nos textos de performance
e de composição. Talvez o ponto mais conflitante esteja nas tentativas de
definir se ‘estendidas’ são ‘técnicas inovadoras’ ou ‘técnicas tradicionais
que evoluiram’ até se tranformarem em uma nova técnica. Se inovadoras,
tende-se a querer definir se são estendidas por seu ineditismo na ‘forma de
execução’ ou no ‘contexto em que são executadas’.
A orientação editorial aos autores foi apenas no sentido de unificar
o termo ‘estendida’ e evitar o termo ‘expandido’ por entender que os autores
tendem a não diferenciar seu significado, apesar da grafia variar significativamente. O verbo estender, que vem do latin extendere, e nos leva a intuir
a grafia de estendida com ‘x’. Entretanto, como tantas outras palavras com
origem no latin, não se manteve o prefixo original na ortografia brasileira.
Ainda assim, não significa que expandir seja o substituto natural de estender. O verbo ‘expandir’ seria bem mais próximo da idéia de uma técnica
tradicional em processo de expansão, mas não engloba, a meu ver, todas as
visões sobre o tema na discussão aqui proposta. Assim, a opção desta edição foi pelo termo ‘estendida’ salvo em situações em que o autor julgasse
indispensável o termo expandida e o justificasse.
Os 6 artigos que compõem este número discutem técncia estendida na composição e criação musical (Padovani; Silvio Ferraz), na per-
formance (Onofre, Cardassi, Holanda; Cervini; Constante e Fernandes), e
na educação musical (Daldegan). O número traz também dois resumos, as
obras de Rogério Constante e Danilo Rosseti na Prmeira Impressão e as
obras de Luciano Campbell e Danilo Rosseti na Primeira Audição.
Obrigada a todos os autores, pareceristas, conselheiros, técnicos
de editoração, técnicos de criação, agências de fomento CAPES e CNPq e
autoridades da UFG (sobretudo a Escola de Música e Artes Cênicas e o Programa de Pós-Graduação em Música) pela confiança no projeto e por todo
o apoio que a Revista Música Hodie recebeu, tornando possível a comemoração destes 10 anos ininterruptos de existência.
Saúde!
Sonia Ray
Presidente do Conselho Editorial de Música Hodie
Su már io
Artigos
Proto-história, Evolução e Situação Atual das Técnicas Estendidas na
Criação Musical e na Performance
Proto-history, Evolution and Current Stuation of the Extended Technique in the Musical
Creation
José Henrique Padovani e Silvio Ferraz.............................................................................................. 11
As Técnicas Estendidas e as Configurações Sonoras em L’opera Per Flauto
de Salvatore Sciarrino
The Extended Techniques and the Sound Configurations in Salvatore Sciarrino’s L’opera per
Flauto
Maria Leopoldina Onofre e José Orlando Alves.................................................................................37
O Piano do Desassossego: Técnicas Estendidas na Música de Felipe
Almeida Ribeiro
The Piano of Disquietness: Extended Techniques in the Music of Felipe Almeida Ribeiro
Luciane Cardassi................................................................................................................................ 59
Manipulação Eletrônica e Piano Preparado: o Fluxo Temporal de Instantânea
Live Eletrônics and Prepared Piano: the Temporal Flow in Instantânea
Joana Holanda; Lucia Cervini; Rogério Tavares Constante e Veridiana Gomes de Lima................... 79
A Música Coral dos Primórdios do Século XX aos Primórdios do Século
XXI: a Composição para Coros e a Performance do Repertório Moderno/
Contemporâneo
Choral Music From the Beginning of the 20th Century to the Beginning of the 21th: the
Composition for Choirs and Modern Repertoire’s Performance
Angelo José Fernandes e Adriana Giarola Kayama........................................................................... 93
Técnicas Estendidas e Música Contemporânea no Ensino de Instrumento
para Crianças Iniciantes
Extended Techniques and Contemporary Music on Teaching Instrument to Beginning
Children
Valentina Daldegan e Maurício Dottori........................................................................................... 113
Resumos
Orquestra de Garrafas: uma Experiência de Ensinar e Aprender Música
Rodrigo Serapião Batalha............................................................................................................... 131
O Idiomatismo dos Ritmos Populares Nordestinos nas obras brasileiras
para grupo de percussão
Wênia Xavier de Medeiros............................................................................................................. 132
Primeira Impressão
Música para Dois Pianos Preparados de Rogério Constante.......................................... 135
Gestos de Danilo Rossetti........................................................................................................... 152
Primeira Audição
(Sonia Ray Ed.)
Peça para Violoncelo Solo 1 de Luciano Campbell............................................................ 161
Música para Dois Pianos Preparados de Rogério Constante.......................................... 162
Gestos de Danilo Rossetti........................................................................................................... 163
Chamada para artigos, gravações e partituras......................................................... 167
Call for articles, recordings and scores.....................................................................171
Normas para formatação das referências................................................................. 173
Artigos
Proto-história, Evolução e Situação Atual
das Técnicas Estendidas na Criação Musical
e na Performance
Proto-history, Evolution and Current Stuation of the
Extended Technique in the Musical Creation
José Henrique Padovani - IA/UNICAMP
[email protected]
Silvio Ferraz - UNICAMP
[email protected]
Resumo: Fortemente associadas à própria evolução dos instrumentos musicais e às experimentações em torno de seu manuseio, as técnicas estendidas envolvem a utilização de recursos
instrumentais e vocais incomuns em um contexto histórico, estético e cultural. No artigo, são
apresentados exemplos que demonstram a exploração de técnicas estendidas em peças musicais que vão do século XVII aos dias atuais. Ao final, é esboçada brevemente a situação atual da
composição com recursos técnicos em expansão, sendo apresentadas as possibilidades de utilização de meios eletrônicos e computacionais na criação musical, levando assim a uma redefinição das “técnicas estendidas”.
Palavras-chave: Técnicas estendidas; Performance instrumental; Técnica instrumental.
Abstract: Closely linked to the very evolution of the musical instruments and the experimentations on their handling, the extended techniques involve the use of instrumental and vocal resources that are unusual in a given historical, esthetical and cultural context. In the paper, we
present examples that demonstrate the exploration of extended techniques in musical pieces ranging from the seventeenth century to today. Finally, we sketch briefly the current state of the composition with new technical resources, and present the possibilities of using electronic and computing tools in the musical creation, leading so to a redefinition of the “extended techniques”.
Keywords: Extended techniques; Music history; Interactive music systems.
Tradicionalmente associada às técnicas de performance instrumental, a expressão técnicas estendidas se tornou comum no meio musical a partir da segunda metade do século XX, referindo-se aos modos de
tocar um instrumento ou utilizar a voz que fogem aos padrões estabelecidos principalmente no período clássico-romântico. Em um contexto mais
amplo, porém, percebe-se que em várias épocas a experimentação de novas técnicas instrumentais e vocais e a busca por novos recursos expressivos resultaram em técnicas estendidas. Nesta acepção, pode-se dizer que o
termo técnica estendida equivale a técnica não-usual: maneira de tocar ou
cantar que explora possibilidades instrumentais, gestuais e sonoras pouco
utilizadas em determinado contexto histórico, estético e cultural.
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Neste texto procuraremos traçar uma breve genealogia das chamadas técnicas estendidas e identificar o quadro atual da aplicação de recursos
estendidos na composição e na performance. Por um lado, tal investigação
implica em reconhecer as transformações gerais pelas quais os instrumentos e as práticas instrumentais passaram desde o fim do Renascimento até a
contemporaneidade. Por outro, torna-se necessário reconhecer que principalmente a partir das décadas de 1980 e 1990 os computadores passam a intermediar cada vez mais as práticas musicais, estabelecendo-se como recursos
que, ao ampliar e diversificar tanto as técnicas e possibilidades de performance do instrumentista quanto a paleta criativa do compositor, podem ser
incluídos numa acepção mais ampla do termo “técnicas estendidas”.
1. Técnicas estendidas, desenho dramático e o stile rappresentativo
Evidentemente, toda prática instrumental sempre implicou em técnicas estendidas, resultantes da própria experimentação musical com recursos instrumentais e vocais. No entanto, é possível determinar alguns
momentos importantes para a maturação do que hoje se compreende pelo
termo, principalmente a partir da consolidação da composição instrumental e da notação musical para instrumentos a partir do Renascimento tardio e do início do século XVII.
Para demonstrar esta associação entre a técnica instrumental e sua
extensão por necessidades expressivas, tomemos aqui como um primeiro
exemplo a escrita para cordas utilizada por Claudio Monteverdi em Il Combattimento di Tancredi e Clorinda (1624). Buscando produzir um efeito sonoro que reforçasse o drama da cena operística, Monteverdi pede às cordas
(viole da braccio) que ataquem repetidamente e com rispidez a mesma nota,
dando origem à primeira indicação de tremolo que se tem notícia na literatura. Com tal estratégia, Monteverdi representa o caráter agitado e violento
da guerra que tanto caracteriza o stile concitato de seus Madrigali guerrieri
ed amorosi, de 1624.
Nesta obra em cujo prefácio o compositor pede aos músicos que
toquem os instrumentos “à imitação das paixões do texto” aparece também a seguinte indicação: “Aqui se deixa o arco e puxam-se as cordas com
dois dedos” (parte do alto secondo, p. 15), de modo a especificar o que vi12
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ria a se estabelecer tradicionalmente como pizzicato. Levando em conta,
porém, que a indicação ocorre no momento do duelo entre Tancredi e Clorinda, que ela requer utilização de dois dedos para puxar a corda e que o
verbo utilizado pelo compositor é strappare – que aqui traduzimos por “puxar” mas que também pode significar “rasgar” ou “arrancar” – pode-se dizer que a técnica indicada é muito próxima daquela que hoje se conhece
por pizzicato Bartók – recurso que viria a ser utilizado também por Gustav
Mahler, no scherzo da sua 7ª Sinfonia.1
Embora não relacione a técnica requerida por Monteverdi com
aquela consagrada por Béla Bartók, Jack Westrup (1940) ressalta que o pizzicato empregado em Il Combattimento di Tancredi e Clorinda “deveria
soar claramente forte, já que o texto narra sobre como os combatentes golpeavam um ao outro, elmo contra elmo, escudo contra escudo” (p. 245).
Figura 1: Trecho de Il Combattimento di Tancredi e Clorinda onde aparecem tremoli e a
indicação de um pizzicato que, dada as instruções do compositor e o perfil dramático e
dinâmico da obra, se assemelharia ao que hoje é denominado pizzicato Bartók.
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Tendo em vista, enfim, que tanto a cena quanto o verbo empregado
por Monteverdi presumem uma certa violência, pode-se dizer, com certeza,
que não se trata da técnica usualmente indicada nas partituras orquestrais
pela simples indicação pizz. Tal técnica, que se consolidou com o repertório clássico-romântico, é indicada de maneira cautelosa por Leopold Mozart (1787) em seu Versuch einer gründlichen Violinschule:
Quando Pizzicato, (Pizzicato) estiver indicado diante de uma passagem ou de uma nota; então tal passagem ou nota será tocada sem o uso
do arco. Isto é, a corda será desferida com o dedo indicador ou o polegar da
mão direita (...). Nunca deve-se porém, quando se desfere a corda, deixá-la
descer demais; mas sempre relaxar e voltar a estender a corda: senão ela se
bate por ricochete contra a escala do instrumento gerando ruído ou perde
logo o tom. (p. 52)
Apesar de ser citado muitas vezes como o primeiro a utilizar o pizzicato, Monteverdi foi precedido pelo soldado inglês Tobias Hume que em
1605 tem suas canções e peças para viola da gamba publicadas em The First
Part of Ayres ou Musicall Humors. Na peça “Harke, Harke” figuram, ao que
parece pela primeira vez, o pizzicato e o legno battuto. Tais técnicas são indicadas textualmente na tablatura: “toque nove letras com seus dedos”, especificando o número de notas que deveriam ser executadas com pizzicato,
e “percutir isso com o lado de traz do arco”, especificando o legno battuto. Vale dizer que esta e outras especificações de performance da viola da
gamba definidas por Hume dizem respeito à imitação de outros instrumentos (neste caso, um tambor militar).2
Do stile rappresentativo do início do século XVII até a primeira
metade do século XVIII o contraste entre sonoridades, dinâmicas e texturas é um fator ao mesmo tempo dramático e estruturador da escritura composicional, o que se percebe, por exemplo, na construção do concerto grosso através da alternância entre concertino e ripieno ou na valorização de
sonoridades como aquelas exploradas por Monteverdi ou, mais tarde, por
Vivaldi.
Em uma entrevista a François Delalande (2001), Giovanni Antonini, flautista e diretor do grupo especializado em música barroca Il Giardino
Armonico, revela aspectos desse trabalho de destilar tais contrastes sonoros, dramáticos e gestuais da música barroca que teriam sido homogeneizados durante o classicismo.
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Figura 2: “Harke, Harke” de Tobias Hume, em que aparecem, ao que tudo indica, as primeiras
indicações de pizzicato e legno battuto.
F.D: Ao escutar as gravações do Giardino, é bastante evidente: as vozes
são completamente diferenciadas; pode-se as distinguir muito bem.
G.A: Isso se deve a um grande trabalho sobre o ataque. Tem-se medo
do ataque. Um ataque, atualmente, não é jamais “ta”, mas quase sempre “ouff”, por razões práticas, na maioria das vezes: porque é mais
fácil. (...) Mas o ataque é alguma coisa que “colide”, que dá um golpe,
é um elemento de ruído. O momento do ataque é essencialmente feito
de ruído. É alguma coisa que está presente nos instrumentos étnicos.
A música “clássica”, entre aspas, anulou esses elementos de ruído, enquanto eles existem no jazz, na música étnica, e evidentemente hoje,
para voltar ao barroco, certos grupos tem sentido a sua necessidade.
Outros não. Outros buscam algo muito meloso, uma espécie de New
Age barroca, eu diria. Esse mundo, a mim, não me convence. (p. 120)
Evidentemente, tais “elementos de ruído” que Antonini identifica
no ataque são recuperados não apenas a partir do ensaio e da precisão rítmica, mas também a partir de uma leitura que traduz elementos dramáticos do texto musical a partir de recursos instrumentais estendidos.
O que eu devo reiterar é que o emprego de diferentes sonoridades, de
diferentes tipos de ataque, o som al ponticello (ao cavalete), o som alla
tastiera (sobre o espelho), isso não é jamais um fim em si. Na realidade, isso responde sempre, digamos, a um desenho dramático; partiVol. 11 - Nº 2 - 2011
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cularmente na música de Vivaldi. Tomemos As quatro estações, que
possuem cada uma um programa. No momento em que nós quisemos
realizar – tomemos um exemplo o mais conhecido – o gelo, o inverno,
o meio que nos pareceu o mais adaptado era de tocar al ponticello, para
dar justamente uma impressão de frio. A música barroca é uma música que, mesmo quando não existe um programa explícito, responde
sempre a um programa, a uma história, a um desenho dramático. Quão
melhor se consegue ler esta história, mais a música torna-se rica. (...)
Nós não exageramos jamais gratuitamente. Eu penso, em A Primavera,
no cão que late e no pastor que dorme: ti..ra..ra O cão: bam... bam... (...)
Você sabe que os violinos (isso pode fazer rir um pouco!) fazem o ruído
das árvores: ss... E a viola faz o cão. Então nós, para rir, o que fizemos?
Em um certo momento, houve um instante de loucura no ensaio. O violino solista, que fazia o pastor que dorme, começou a tocar com o corpo
alongado, como se estivesse adormecendo, e depois havia os violinos
tutti que começaram a se balançar como árvores, e o cão se colocou a
fazer o cão! É uma brincadeira, mas é significativo. Você está a fazer
um cão, você é um cão. De fato, você se diz: “tu és um cão, faça o cão!”
e você deve ser cão, você deve ser árvore, você deve ser pastor. (...)
É um pretexto para nós. O fato de haver uma melodia muito bela e qualquer coisa que perturba, com esse cão, essa viola que soa muito forte. É
uma concepção antirromântica, totalmente antirromântica e moderna.
E barroca. O barroco compreendido como grande contraste, como assimetria. O mesmo para o adagio em O Inverno, o “ta, tirali...”. Lá há o
violoncelo que toca muito forte. Mas está escrito, está escrito por Vivaldi! Para esta parte do violoncelo, Vivaldi escreveu molto forte. (...)
Nós fizemos muito forte. Muito muito forte, eu não sei... (risos). Lá
também, tem-se a chuva, são os violinos “pam, pam, pim, pam, pa”,
essa melodia “la, lilali...” e o violoncelo “papipipapapipipapa...”. E está
escrito exatamente: viola (que mantem uma nota) pianissimo, violoncelo sempre molto forte, violinos forte, e para a melodia nada está escrito. (...) É uma ideia sonora extremamente moderna. Não é a melodia
langorosa dos violoncelos. Frequentemente ou não se faz essa parte ou
então se a faz em mezzo piano. É o contraste. É dramático. (...) É inventivo. É uma sonoridade. Eu não sei: é atual. (p. 121-130).
Efetivamente, trata-se uma concepção sonora extremamente atual
que, realizada por um grupo como Il Giardino Armonico, é capaz de edificar sonoridades – como no início do segundo movimento de O Outono ou
no primeiro movimento de O Inverno – que podem ser comparadas àquelas
construídas por compositores da chamada escola espectral, como Gérard
Grisey e Tristan Murail. Se a realização sonora e gestual de As Quatro Estações é feita a partir de um pretexto descritivo – cuja essência não é o seu caráter programático, mas o fato de delinear um “desenho dramático”, como
diz Antonini –, é importante perceber como tais elementos simbólicos do
barroco influem de maneira direta não apenas na estruturação composi16
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cional mas também na dança gestual e na superfície sonora de sua realização. Dos gélidos sons al ponticello em O Inverno a legatos e portamentos
que remetem ao ébrio em O Outono, o grupo cria contrastes, sonoridades e
um drama que não seria possível de se alcançar a partir de uma concepção
calcada na Absolute Musik.
2. A luteria experimental e a máquina orquestral clássico-romântica
Seria um engano, contudo, pensar que a música clássico-romântica não tenha contribuído para o surgimento de técnicas estendidas. Se no
contexto iluminista, o stile galante e o classicismo incipiente de meados do
século XVIII procuraram eliminar certos elementos sonoros, dramáticos e
gestuais que permitiam uma grande exploração de recursos instrumentais
estendidos, a consolidação das orquestras e a evolução técnica na fabricação
de instrumentos decorrente do contexto da Revolução Industrial viriam a
permitir novas experiências voltadas à ampliação dos meios instrumentais e
de seu emprego nos grupos orquestrais. Nesse período, por exemplo, ocorrem
várias experimentações na construção de instrumentos de teclado de modo a
potencializar a resposta dinâmica e a homogeneizar as características espectrais de tais instrumentos. É nesse contexto que o pianoforte – já comum em
meados do século XIX – e, ainda antes, o fortepiano, vieram a tomar o lugar
do cravo e do clavicórdio, paradigmas instrumentais da música barroca.
Entretanto, o processo histórico não se deu de maneira linear e seria ingênuo pensar que o único resultado de tais pesquisas tenha sido ampliar o leque dinâmico e a tessitura de tais instrumentos e, paralelamente, suavizar as transitórias de ataque características dos cravos a partir da
substituição do seus mecanismos de acionamento pelos martelos e abafadores dos pianos. Tanto no trabalho dos artesãos que fabricavam tais instrumentos quanto naquele dos compositores e instrumentistas que os utilizavam é possível perceber um grande interesse na exploração de sonoridades
que só voltariam a ser investigadas no século XX, a partir das técnicas de
piano preparado. Se o trabalho dos fabricantes veio a acarretar no surgimento de pedais de sustentação, una corda e sostenuto – este último apenas
em meados do século XIX –, muito mais variados foram os mecanismos inventados e, por certo período, utilizados. Segundo Banowetz (1992),
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Um grande número de aparatos primitivos de pedal com vistas a modificar o som entraram e saíram de voga, muitos deles desenhados
para imitar outros instrumentos. (...) A música turca estava na moda
no fim do século dezoito, e compositores tentavam imitar os sons musicais exóticos dos Janízaros, a escolta militar dos governantes turcos.
O pedal janízaro, um dos mais bem conhecidos tipos de pedais primitivos, adicionava todo tipo de ruído à performance normal do piano. Podia fazer com que uma baqueta percutisse na parte inferior da
tábua harmônica, acionava sinos, sacudia chocalhos e até podia criar
o efeito de pratos de choque ao golpear várias cordas graves com uma
tira de folha de metal. (...) Outro dispositivo comum nesses dias era o
assim chamado pedal fagote. Tal mecanismo deitava um rolo de papel e seda sobre as cordas graves, criando assim um zumbido que os
ouvintes da época ouviam como semelhante ao do fagote. (...) Mesmo
pedais de crescendo e decrescendo, que alteravam o tom ao levantar
ou abaixar o tampo do piano ou ao abrir ou fechar aberturas laterais à
caixa do instrumento foram construídos para modificar o som de maneira semelhante ao que ocorre no órgão. Outro dispositivo efêmero
e igualmente bizarro forçava ar contra as cordas em uma tentativa de
amplificar as notas após os martelos as terem acionado. (p. 5-6)
Rosamond Harding (1931) dá maiores detalhes desse cenário, relatando uma rica variedade de experimentações ocorridas no início do século XIX para expandir as possibilidades sonoras de instrumentos de teclado.
Apenas para se ter uma ideia dos recursos utilizados, podemos citar a utilização de anéis ou cilindros de fricção, abafadores feitos de materiais como
couro, osso, marfim, ferro ou papel, tambores no lugar de cordas e as mais
diversas extensões e modificações imagináveis.
Enquanto tais mecanismos podem parecer aberrações a músicos
habituados à configuração atual do piano, um estudo historicamente informado de obras desse período requer que se considere a influência dessas particularidades na concepção e na performance de tais peças. O fortepianista Tom Beghin (2006), um bom exemplo, propõe uma surpreendente
interpretação do conhecido allegretto Alla Turca – terceiro movimento da
Sonata K.331 em Lá Maior de Mozart – utilizando técnicas de piano preparado para conferir às notas graves da peça uma sonoridade que, provavelmente, deve se assemelhar aos pedais descritos por Banowetz e Harding.
Igualmente relevante, se torna a leitura de indicações de pedal das
sonatas op. 106, op. 110 ou op. 111, de Ludwig van Beethoven. No Adagio
Sostenuto da sonata op. 106, por exemplo, Beethoven escreve várias vezes,
poucos compassos após a indicação una corda: “pouco a pouco duas, e depois três cordas”, gradação que seria impossível de se realizar em um piano
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MÚSICA HODIE
PADOVANI, J. H.; FERRAZ, S. (p. 11-13)
moderno, mas que era perfeitamente possível de ser realizada na sua época
já que o mecanismo do pedal una corda permitia deslizar continuamente os
martelos de maneira a atacar uma, duas ou três cordas. Da mesma maneira,
na Sonata op. 110, Beethoven pede que se realize combinações de pedal de
sustentação e una corda diversos, obtendo qualidades de timbre e de dinâmica que certamente eram bem mais evidentes nos instrumentos da época.3
Durante o século XIX, a prática composicional passa a ser influenciada, cada vez mais, pela extensão dos recursos orquestrais e a orquestração passa a fazer parte do próprio processo de estruturação composicional
de uma obra. Christian Goubault (2009) aponta transformações importantes ocorridas na instrumentação e na orquestração desse início de século,
as quais viriam a permitir aos compositores explorar novas possibilidades
instrumentais na música orquestral.
Na virada dos séculos XVIII e XIX, a evolução da orquestra se deve
a múltiplos fatores: aprofundamento dos registos graves dos instrumentos existentes e exploração de instrumentos graves (clarinete baixo, contrafagote, etc.), extensão do número de instrumentos de uma
mesma família (madeiras ou trompas a 3 ou a 4), aperfeiçoamento
pela adição de chaves, válvulas ou pistões, novos instrumentos (saxhorns, saxofones, oficleides, sarrusofones), utilização cada vez maior
de divisi nas cordas, individualização do timbre ou de um grupo de
timbres, oposição de grupos instrumentais. (p. 103)
A sofisticação dos recursos instrumentais e a consequente ampliação das possibilidades orquestrais acarretará em uma profunda transformação da escritura composicional, seja ela para instrumento solista, para
grupo de câmara ou para orquestra.
No primeiro caso, a evolução de instrumentos como o piano ou
os instrumentos de sopro permitirá uma escritura que cada vez menos se
prende aos parâmetros nota e ritmo e cada vez mais inclui a mecânica do
instrumento e suas particularidades gestuais e idiomáticas no processo
composicional, exigindo técnicas específicas e registrando na própria partitura indicações que passam a prescrever mais e mais técnicas de performance. Um noturno de Chopin é, nesse sentido, bastante distinto de uma
Sonata de Mozart, pois prevê, na própria notação permeada por glissandi,
indicações de pedal e variações dinâmicas, um instrumento com sonoridades e qualidades mecânicas bastante específicas que não poderia ser substituído por outro sem consequências consideráveis.
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Da mesma maneira, a escritura orquestral passa a exigir um tratamento que não mais se resume à distribuição instrumental de um material composicional previamente escrito ao teclado. Se tal atitude certamente continua a ocorrer, ela pouco a pouco dará lugar a uma composição
de sonoridades as quais, elas mesmas, são ponto de partida para o processo composicional. De fato, a ampliação da paleta instrumental transformará a orquestra em uma grande máquina de gerar sons, permitindo
aos compositores modelar sonoridades a partir dos recursos instrumentais
disponíveis.
O mesmo, ainda que de maneira mais tímida, ocorre na escritura para grupos de câmara, que acabam por funcionar de maneira intermediária: incluindo materiais idiomáticos e gestuais atrelados à mecânica
instrumental e possibilitando a construção de sonoridades, mesmo que a
partir de um leque bem mais restrito do que aquele oferecido pela música
orquestral. No trio do 2º movimento de seu Quarteto op. 132, por exemplo,
Beethoven modela a sonoridade de uma gaita de fole a partir do uso de pedais em Lá e de uma escritura que de um lado tende ao estatismo harmônico e, de outro, se vale de arpejos para simular a sonoridade rica em harmônicos do instrumento mimetizado.
Figura 3: Trio do 2º movimento do quarteto op. 132 de Beethoven, onde os instrumentos são
utilizados de maneira a modelar uma gaita de fole.
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MÚSICA HODIE
PADOVANI, J. H.; FERRAZ, S. (p. 11-13)
Em um texto intitulado Musik und Technik, Theodor Adorno
(1997) também aponta essa intensa transformação dos recursos instrumentais no século XIX, discutindo sua crescente influência sobre o trabalho
composicional.
Desde Berlioz, o recital está virtualmente nas mãos do compositor,
com o que se reduziu a tensão entre texto e audição. (...) Apenas a
partir da segunda metade do século dezenove, sedimentou-se, como
técnica composicional, a reflexão sobre recursos – os quais haveriam
de ser diferenciados das intenções, talvez naturais, com o manuseio
dos parâmetros instrumentais como uma especificidade, habilidades
artísticas provenientes da reprodução. A tecnicização [Technifizierung] da obra de arte musical maturou-se com a inclusão de técnicas
que foram cultivadas extra-territorialmente no sentido de um desenvolvimento técnico geral. Assim ocorreu com a trompa a pistão, condição decisiva da arte de instrumentação composicional de Wagner,
a muito disponível antes de dar horas à composição, sem falar no saxofone. (...) Prototípico disso tudo foi Berlioz, o fenômeno original do
moderno na música, o primeiro que trouxe em peças a continuidade
da tradição assim como da própria estrutura musical. Ele possuía técnicas composicionais no sentido estrito, dada sua própria disposição
consciente em trabalhar na realização instrumental com camadas de
material que até então se encontravam abandonadas na prática da má
vontade. (p. 131-132)
É em Berlioz e, posteriormente, em Strauss – alvos, ao mesmo tempo, das melhores e das piores críticas de Adorno – que se pode encontrar
inovações quanto ao uso de recursos instrumentais e orquestrais que exploram novos campos sonoros e expressivos. Na Sinfonia Fantástica (1830),
como é bem conhecido, Berlioz inicia o terceiro movimento com um oboé
que toca na coxia e é ainda preciso ao especificar tipos de baquetas e pedir que se abafe os tímpanos – no 4º movimento – e utiliza ataques col legno para simular os sons de ossos se entrechocando no trecho final da peça
– técnica utilizada anteriormente por Tobias Hume, como dissemos, e por
Haydn, no final do 2º movimento da Sinfonia Nº. 67.
Já em Strauss, percebe-se mais uma vez a utilização de pretextos
descritivos para criar sonoridades insólitas, como a resultante da escrita de metais, madeiras e violas no início da 2ª variação de Dom Quixote
(1897), que remete a balidos de carneiros: uma combinação de tremolo de
violas em divisi, trilos de oboés, clarinetes e metais com sordina, alguns
em frullato – especificado pelo compositor com a indicação “golpes de língua” [Zugenschlag].4
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Por fim, são inúmeras as aparições de “efeitos especiais” – tais
como os denomina Goubault (2009) – nas músicas orquestrais que vão desde aquelas do classicismo àquelas do início do século XX, passando pelo
repertório do romantismo.
A variedade de maneiras de tocar os instrumentos contribui largamente a suscitar combinações sonoras engenhosas e a enriquecer a
orquestração. Para as cordas: arco, pizz., pizz. alla Bartók (...), col legno (isto é, com a madeira do arco; cf o 2º movimento da Sinfonia 67
de Haydn), sul tasto ou Griffbrett (sobre o espelho) ou flautando, sul
ponticello ou am Steg (cavalete; cf. Adagio da Sinfonia 97 de Haydn),
sobre a madeira do tampo, scordatura (novas afinações dos instrumentos), em harmônicos naturais ou artificiais, glissandi, gliss. de
acordes (cf. Debussy, “Ibéria”) ou em harmônicos que surgem ao se
tocar abaixo do cavalete (Ravel, “Feria” de La Rapsodie espagnole,
Stravinsky, L’Oiseau de feu), compressão da corda no registro superagudo (contrabaixo solo em Salomé de Strauss, no momento em que
Herodes acorda e prevê a desventura). Para os metais e as madeiras: o
flatterzungue (golpes de língua “enrolando” [roulée]), efeito introduzido na orquestra por Richard Strauss, ao que parece; se encontra em
numerosos exemplos em Schönberg, Berg e Webern; Ravel o denomina tremolo dental (L’Enfant et les sortilèges). Schönberg utiliza o flatterzunge em todos os instrumentos de sopro em Erwartung (partitura
Universal, num. 425, p. 63-64)... (p. 224-225)
É interessante reparar que a maior parte dos recursos instrumentais citados por Goubault ocorre na música orquestral do fim do século
XIX, principalmente por Richard Strauss – com a exceção das obras da primeira metade do século XX e das utilizações por Haydn de técnicas como
sul ponticello e col legno.
3. A permutabilidade dos gestos e os sons das válvulas elétricas
Na primeira metade do século XX ocorrem importantes transformações culturais, sociais e tecnológicas que levarão ao surgimento de atitudes composicionais inovadoras. É a partir de tais transformações que, na
segunda metade do século, surge a pesquisa em torno das técnicas estendidas – tal como se entende pelo uso do termo hoje em dia.
Com relação aos recursos instrumentais empregados na música orquestral do início do século XX, percebe-se que ocorrem poucas alterações
no que se refere à mecânica instrumental e à constituição dos naipes or22
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questrais. Efetivamente, as inovações na escritura orquestral desse período
não ocorrem, assim, a partir da adição de novos recursos instrumentais –
com exceção de uma ou outra utilização incomum, como aquela do violinofone em Amazonas (1917) de Villa-Lobos – mas a partir de uma ressignificação da escritura composicional. Tal processo acontece tanto a partir de
concepções musicais que se contrapõem à harmonia tonal – através de estruturações melódicas e harmônicas modais ou pós-tonais – quanto a partir de uma utilização inovadora dos timbres disponíveis, como ocorre com
o fagote no início da Sagração da Primavera (1913), de Stravinsky ou com
a Klangfarbenmelodie, na terceira das 5 peças para orquestra, op. 16 (1909),
de Schönberg.
Com relação à música de câmara, os recursos instrumentais também permanecem, em grande parte, os mesmos. No entanto, é sobretudo
na escritura para formações camerísticas que se evidenciam abordagens
composicionais que levaram ao aparecimento de novas técnicas instrumentais. Se em um primeiro momento as composições para grupos de câmara não apresentam ostensivamente o uso de técnicas instrumentais incomuns – o que, no entanto, passará a ocorrer com frequência cada vez
maior no decorrer do século XX – tais peças passam a ser elaboradas a
partir de propostas composicionais que não apenas subvertem as regras
da harmonia tonal, mas também a concatenação de gestos e articulações
e a própria estruturação formal herdados da bagagem clássico-romântica.
Assim, a partir de peças como o Pierrot Lunaire (1912), de Schönberg, ou
as 6 Bagatelas para Quarteto de Cordas (1911), de Webern, se desenvolvem
processos de estruturação composicional que, ao fragmentar e parametrizar os gestos e as figuras herdados do romantismo e ao se valer de novas
possibilidades de emissão vocal e manuseio instrumental, favorecem ao
surgimento de novas concepções musicais e ao consequente desenvolvimento do que hoje é comumente denominado pela expressão técnicas instrumentais estendidas.
No Pierrot Lunaire, além do emprego da modalidade de emissão
vocal híbrida entre fala e canto do Sprechgesang, é utilizado o recurso de
abaixar silenciosamente algumas teclas do piano para suspender seus respectivos abafadores e, desta maneira, fazer com que tais alturas ressoem
por simpatia ao ataque de outras notas – recurso que Schönberg já havia
utilizado anteriormente na primeira peça do opus 11.
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Já na primeira das 6 Bagatelas de Webern, é marcante o emprego e a livre concatenação de uma grande variedade de articulações e modos de jogo instrumental. Especialmente na linha do 2º violino entre os
compassos 4 e 7, por exemplo, note-se que nesses poucos compassos articula-se pizzicato, arco ordinario ascendente, sul ponticello e legatto em
um salto de 9ª sobre a corda Ré (com arco provavelmente descendente), o
que é associado ainda a indicações de dinâmica que, variando de pianissimo a fortissimo, passam por pp tenuto, pp mezza voce, pp crescendo e ff
decrescendo.
Figura 4: Compassos 4 a 7 da primeira das 6 Bagatelas para Quarteto de Cordas, de Webern.
Tal proposta composicional evidencia uma utilização de técnicas
instrumentais que, se não são incomuns por elas mesmas, passam a ser
agenciadas de uma maneira inteiramente nova: gestos, modos de ataque,
alturas, valores rítmicos e timbres passam a ser livremente permutáveis.
No que se refere ao pensamento que molda tal tipo de construção composicional, a permutabilidade e parametrização do material será evidentemente potencializada pelo serialismo. Já no que se refere à técnica instrumental, a livre combinação de modos de jogo e gestos díspares criará
uma situação de performance em que se exige do instrumentista prontidão para alternar rapidamente modalidades de uso de seu instrumento e criar elementos gestuais e expressivos que se combinam de maneira
imprevisível.
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Nesse contexto, não é apenas a partir da expansão das possibilidades instrumentais que as técnicas estendidas devem ser entendidas,
mas também a partir de uma situação de perfomance estendida. Uma
analogia que explicita tal situação é aquela de um instrumento múltiplo,
tal qual trabalha-se na percussão múltipla: um só instrumentista sendo encarregado de articular um número grande de gestualidades, modos
de jogo e intenções expressivas, como se estivesse face a um grupo de
instrumentos.
Outros fatores de intensa transformação do uso dos instrumentos
no início do século se relacionam à utilização cada vez mais autônoma dos
sons sem altura definida da percussão – no que se deve destacar a importância de Ionisation (1931), de Edgard Varèse – e à intensa transformação
tecnológica ocorrida no início do século, com a utilização cada vez maior
da eletricidade em contextos musicais.
Marie-Noëlle Heinrich (2003), elenca algumas dessas criações que
logo seriam exploradas por compositores como Edgard Varèse (em Ecuatorial, de 1934) e Olivier Messiaen (em Fêtes des belles eaux, de 1937 e em Turangalîla-Symphonie, de 1948).
O amplificador e o alto-falante são inventados em 1906 e 1913. Edgar
Varèse é sem dúvida o primeiro músico a compreender a revolução
elétrica. É em 1906, com a chegada da eletrônica, a data em que se
produz a mais importante ruptura: é o tríodo, inventado por Lee De
Forest, que permite a amplificação. O tríodo permite amplificar um
sinal elétrico. A amplificação será desenvolvida nos anos vinte e favorecerá o desenvolvimento do rádio.
Chegarão então as primeiras aplicações da eletricidade na música: o
Thereminvox, em 1920, as Ondas Martenot, em 1928, o Trautonium,
em 1930 (por Oskar Sala), a guitarra elétrica Rickenbacker A-30, em
1931, o órgão elétrico Hammond, em 1934. (p. 20)
O amadurecimento dos recursos tecnológicos, o surgimento das
vanguardas – com o rumorismo futurista de Luigi Russolo, por exemplo –
e o desenvolvimento do serialismo levarão, a partir do pós-guerra, ao surgimento das condições necessárias às primeiras pesquisas que de um lado
resultarão no surgimento da música eletroacústica e, de outro, desencadearão em novas abordagens relacionadas à escritura instrumental – como a
utilização de computadores na composição e o desenvolvimento de pesquisas metódicas em torno das técnicas estendidas.
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4. A ampliação das técnicas instrumentais, eletroacústicas e
computacionais a partir da segunda metade do século XX
Dando continuidade ao alargamento das concepções de performance e técnica instrumental, a conjuntura tecnológica e estética do
pós-guerra veio a oferecer instrumentos a duas grandes aproximações ou
tendências composicionais que, embora se entrecruzem em obras de compositores de tendências estéticas as mais diversas, delineiam dois modos
distintos de pensamento composicional. O primeiro, associado ao serialismo e à própria maneira de operar dos computadores, procura engendrar a
música a partir de sua parametrização em valores livremente permutáveis,
intercambiáveis ou manipuláveis a partir de uma representação discreta.
O segundo tipo de abordagem – associado principalmente à musique concrète e, mais tarde, à música espectral – se dá a partir do que Leigh Landy
(2007, 2008) denomina como “paradigma do som”: em que o resultado em
escritura, quando ela ainda é utilizada, não vem de um pensamento paramétrico que constrói figuras musicais através da combinação de durações,
alturas e articulações, mas de um processo que se atem ao resultado acústico como o foco principal do processo composicional.
É, enfim, a partir da convivência desses dois paradigmas – que
aqui chamaremos de um paradigma da música serial e um paradigma da
música “dos sons” – que surge uma terceira aproximação, resultante das
exigências em termos de performance e técnica instrumental das duas tendências anteriores. Ora construindo melodias, motivos e sequências a partir da permutação de materiais composicionais e articulações instrumentais diversos e ora buscando novas sonoridades como multifônicos ou sons
microtonais a partir de instrumentos tradicionais, surge assim uma aproximação composicional fortemente voltada à mecânica instrumental e às
possibilidades gestuais do instrumentista. É nesse contexto, enfim, que
nascem estudos de aplicação e desenvolvimento sistemático das técnicas
estendidas na criação musical e na performance.
É marcante, nesse aspecto, o entrecruzamento dessas três aproximações (serial, sonora e gestual/instrumental) em peças de três compositores importantes da segunda metade do século passado: Luciano Berio,
Brian Ferneyhough e Helmut Lachenmann. Nas Sequenze, série de peças
para instrumento solo, Berio utiliza estratégias seriais e agencia múltiplas
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sonoridades possíveis de se obter com técnicas não usuais a partir de uma
forte preocupação com a gestualidade, dialogando ao mesmo tempo com a
tradição ocidental e com músicas de tradição oral. Na Sequenza III (1966),
para voz feminina, Berio toma um riso de mulher e o faz passar por uma
sequência de transformações gestuais, com permutação serial rápida de
canto ordinario, boca chiusa, fala, tosse, respiração ofegante, estalido de
língua e de dedos, trêmulos (ordinário e dental), risos, relinchos e indicações expressivas como urgente, tenso, frenético, alegre, tenso, sonhador,
ofegante, desesperado, como eco, sereno, distante, suave, melancólico, espirituoso, estático. Esta retomada de uma gestualidade cotidiana na Sequenza pode ser observada também em outras peças vocais de Berio, como
A-Ronne e Cries of London (ambas de 1974).
Figura 5: Trecho da partitura de Sequenza III, de Luciano Berio, em que são articulados
diferentes modos de emissão vocal.
Na música instrumental, Berio retoma em obras como Requies
(1984), para orquestra, alguns elementos da gestualidade da voz cantada
como modelo para a escritura instrumental. Dedicada à memória de Cathy
Berberian, Requies é conduzida por uma longa melodia que é ampliada ao
passar pelos diversos instrumentos. Esta melodia ganha a cada momento
um colorido e uma textura diferente ao ecoar em meio à orquestra através
de uma escritura instrumental que remete às note ribatutte – ornamento vocal bastante comum nas óperas do 1600 –, fazendo de tal modelo um
modo particular de ressonância orquestral. Para implementar tal modelo,
Berio se vale dos mais diversos recursos de alternância de modo de ataque
de maneira a alterar o timbre instrumental e a percepção espacial do som,
valendo-se de bisbigliandi (nas madeiras), do uso alternado de sordine (nos
metais) e de notas alternadas em 3 cordas (nas cordas).
Igualmente marcante, é a gestualidade serializada que Brian Ferneyhough constrói em peças para flauta como Unity Capsule (1976) ou
Cassandra’s Dream Song (1970). Ao criar planos de articulação de gestos altamente independentes, especificando nuances relacionadas a técnicas esVol. 11 - Nº 2 - 2011
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tendidas como os graus de relaxamento da embocadura – variando a quantidade de ruído relacionado ao sopro não direcionado ao orifício do bocal
– ou o ângulo de sopro – variando assim a altura tocada –, Ferneyhough
leva ao limite a fragmentação de gestos proposta por Webern.
Figura 6: Trecho de Unity Capsule, de Brian Ferneyhough onde se sobrepõem várias camadas
de materiais sonoros e gestuais.
Se a aproximação de Ferneyhough com relação às técnicas estendidas se dá prioritariamente a partir de uma abordagem serial, Helmut Lachenmann faz uma aplicação voltada à criação de uma paleta rica em variedades e nuances de sons e ruídos. Tal é a situação em que as técnicas
estendidas são aplicadas em obras como ou Pression (1970), para violoncelo
solo, ou Gran Torso (1972), para quarteto de cordas. Nelas, Lachenmann parte de um estudo minucioso dos sons e ruídos obtidos a partir de inúmeras
técnicas de manuseio incomum de instrumentos de cordas friccionadas.
Figura 7: Gran Torso, de Helmut Lachenmann, em que a escritura combina tablatura e notação
tradicional, explicitando as técnicas instrumentais estendidas, a gestualidades e os resultados
sonoros esperados.
Em todas essas obras, é possível observar que – da mesma maneira
como ocorre com Monteverdi e suas indicações para o primeiro tremolo e
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o seu pizzicato strappato – cada vez mais as partituras precisam vir acompanhadas de textos e notas de performance que descrevem não apenas os
recursos de notação utilizados, mas também as maneiras de se realizar determinadas técnicas instrumentais/vocais. Por essa mesma razão, torna-se
cada vez mais essencial estabelecer um laço de cooperação entre os compositores e os instrumentistas, marca distintiva da composição com recursos
instrumentais estendidos da segunda metade do século XX.
Efetivamente, é a partir dessa cooperação que surgem as primeiras
pesquisas sistematizadas voltadas a catalogar as possibilidades instrumentais relacionadas às técnicas estendidas, de onde se deve destacar o trabalho pioneiro de Bruno Bartolozzi. Bartolozzi parece ter sido o primeiro a
procurar documentar de maneira sistematizada as novas técnicas instrumentais das madeiras, visando dar novo impulso à escritura instrumental
do pós-guerra.
Seu pioneirismo é atestado por Niall O’Loughin (1968) que afirma
que, embora Bartolozzi
não seja a primeira pessoa a empregar quartos de tom, diferentes nuances de timbre sobre uma mesma nota ou acordes produzidos por
instrumentistas solo(...), ele é o primeiro a produzir um tratado sistemático com detalhes completos de métodos para se produzir esses
novos sons (p. 39)
O projeto de Bartolozzi, claramente apresentado no início de New
sounds for woodwind (1967), era aquele de ampliar as possibilidades da música instrumental numa época em que a criação musical passava a dispor
de recursos tecnológicos associados à música eletroacústica e, mais tarde,
à computer music.
Seria difícil encontrar uma outra época musical na qual cada aspecto
da técnica e da estética musicais tenham sido sujeitados a uma disputa e a uma discussão tão radicais quanto na nossa. Mesmo o termo “música” adquiriu um sentido mais amplo e em várias instâncias
contemporâneas (tais como “música eletrônica”, “música concreta”,
“música aleatória”, etc.) ele possui uma significação vastamente diversa daquela reconhecida pela tradição. O fato dessas maneiras de se
fazer música serem distintas e individuais devido aos diversos meios
utilizados significa, entre outras coisas, que os instrumentos tradicionais cessaram de ser os únicos meios à disposição dos compositores.
A continuidade de sua existência no mundo da composição criativa
depende, portanto, em uma extensão muito grande daquilo que eles
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têm a oferecer ao compositor, em quanto eles podem vir a despertar
seu interesse e provocar sua fantasia. (p. 1)
Posteriormente, tanto Bartolozzi quanto autores como Pierre-Yves
Artaud, Robert Dick, Peter Veale, Phillip Rehfeldt, entre outros, acabaram
levando o assunto das técnicas estendidas instrumentais a uma sistematização ainda mais minuciosa, dirigindo sua atenção a instrumentos específicos e descrevendo as possibilidades técnicas de maneira cada vez mais bem
documentada. Patricia e Allen Strange (2001), por exemplo, dedicam mais
de trezentas páginas ao estudo minucioso de novas possibilidades de instrumentação do violino. Aliás, The Contemporary Violin é um dos poucos
livros dedicados à nova instrumentação a incluir capítulos dedicados à utilização de técnicas de processamento de sinais e da utilização de sistemas
computacionais voltados à interação musical – no caso, Max/MSP – descrevendo inclusive algoritmos (patches) e técnicas de microfonação e exemplificando em peças específicas a aplicação das técnicas apresentadas.
Apesar dos crescentes esforços em sistematizar e documentar novos recursos e procedimentos voltados à instrumentação estendida, devese ressaltar que ainda são raros trabalhos que documentem as propriedades acústicas dos sons obtidos pelos instrumentos musicais. Destacam-se,
nesse sentido os trabalhos de Jean-Pierre Robert (1995) é de Walter Gieseler,
Luca Lombardi e Rolf-Dieter Weyer (1985). Partindo de uma pesquisa que
conta com a utilização de ferramentas de medição acústica, tais trabalhos
incluem informações como gráficos que apresentam as envoltórias espectrais que caracterizam o timbre dos instrumentos e, indicam, inclusive, a
similaridade entre as formantes espectrais que caracterizam o seu timbre
em relação àquelas que permitem distinguir as vogais cardinais.
5. Perspectivas atuais: o computador como técnica estendida
A partir da década de 1990 os computadores pessoais se disseminam na sociedade e, no caso específico da criação musical e da performance, passam a disponibilizar novos recursos que permitem criar uma ampliação das técnicas ainda mais radical do que aquela que vinha ocorrendo
desde o início do século XX. Compositores e músicos passam a contar com
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aplicativos e hardwares capazes de emular um estúdio inteiro, linguagens
e ambientes de programação que permitem a um músico não especializado em computação utilizar tais máquinas para realizar cálculos composicionais que automatizam processos como orquestração ou que permitem
estruturar mecanismos de interação em que o som instrumental captado é
transformado, em tempo real, a partir de processos os mais diversos.
Tal quadro, nos permite reconsiderar a expressão técnica estendida a partir de um contexto em que o computador e as tecnologias computacionais vêm a ampliar as possibilidades técnicas e expressivas dos instrumentos musicais tradicionais e, consequentemente, a transformar a paleta
criativa da composição musical contemporânea.
Atualmente, podemos destacar, primeiramente, ambientes como
Common Music, Open Music e PWGL, os quais, possuindo funções e interfaces amigáveis, possibilitam ainda a manipulação de áudio (para fins de análise, processamento e análise), a exportação dos dados gerados em partitura
e mesmo a integração com sistemas interativos via rede ou áudio. Em tais
ambientes, é possível moldar processos automatizados que influem diretamente na concatenação de gestos e técnicas instrumentais ou que permitem,
até mesmo, modelar características acústicas e gestuais de diversos instrumentos. Em softwares mais recentes, como o SPORCH de David Psenicka e o
Orchidée, de Grégoire Carpentier, tornou-se possível ainda automatizar processos de orquestração espectral, obtendo do computador sugestões de notação para grupos instrumentais (definidos pelo usuário) que, a partir de um
banco de sons previamente analisados, simulam, com a maior aproximação
possível, a constituição espectral de uma amostra sonora qualquer.5
Uma segunda série de recursos computacionais aplicados à criação
e à performance relaciona-se à utilização de sistemas interativos: aplicativos que são programados especialmente para a realização de uma peça ou
performance que conta com processos de síntese e processamento de som
em tempo real determinados para o contexto específico de uma peça ou improvisação. Assim, a partir de ambientes de programação como Max/MSP,
Pure Data, SuperCollider, ChucK, entre outros, torna-se possível criar aplicativos que estendem tecnicamente os instrumentos tradicionais de maneira tão inventiva e imprevisível quanto as experimentações realizadas durante a segunda metade do século de XVIII e início do século XIX com os
instrumentos de teclado. Tais recursos, permitem não apenas transformar
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a resposta sonora dos instrumentos tradicionais – ampliando o seu âmbito, transformando seu comportamento espectral, modificando sua resposta dinâmica ou mesmo espacializando seu som com a ajuda de múltiplos
alto-falantes – mas também possibilita criar configurações em que a técnica instrumental do instrumentista passa a controlar ou a interferir em visualizações interativas programadas em diferentes linguagens, extensões
e frameworks, como PDP, Gem, Gridflow (Pure Data); Jitter (Max/MSP);
Quartz Composer, Processing e openFrameworks, por exemplo.6
Um terceiro tipo de extensão – fortemente associada aos processos
interativos – surge com a possibilidade de se modificar fisicamente instrumentos a partir de componentes eletrônicos como sensores e botões que estendem fisicamente as possibilidades de execução do instrumentista. Práticas como o circuit bending e a disponibilização de plataformas amigáveis
de computação física (como BasicStamp e Arduino) acarretaram na criação
de novos dispositivos físicos de controle, que associados aos recentes avanços em captura de movimentos e computer vision, oferecem novas técnicas e recursos para a exploração da gestualidade do instrumentista em um
contexto de performance. Nesse contexto, torna-se possível, por exemplo,
controlar processos interativos com novos mecanismos de acionamento e
snsores que se pode acoplar livremente a um instrumento ou mesmo ao
corpo do instrumentista, que se vê então em uma situação em que não apenas conta com recursos instrumentais estendidos que pode empregar em
seu instrumento como também pode modificar e estender tecnicamente tal
instrumento, aumentando assim as possibilidades de interação física com
o mesmo em um contexto de música interativa.7
Vale ressaltar que esses novos recursos são bastante recentes nas
práticas de criação e performance musical. Se por um lado seu emprego é
consideravelmente experimental e relativamente pouco difundido se comparado à utilização das técnicas instrumentais estendidas, cabe ressaltar
que o que move tal pesquisa está intimamente relacionado à experimentação instrumental/composicional empreendida em outros períodos da história da música ocidental, como tivemos a oportunidade de demonstrar.
Por fim, se as possibilidades abertas por essas novas técnicas em
extensão associadas à tecnologia computacional expandem consideravelmente os recursos disponíveis à criação musical, a inclusão de cada vez
mais técnicas e conhecimentos nos processos criativos também coloca
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grandes desafios. Entre eles, o mais marcante talvez seja aquele de fazer
com que tais recursos sirvam não apenas a um aparelhamento da música,
mas à exploração de novos campos expressivos – tema amplo e relevante
que, contudo, abordaremos em uma outra ocasião.
Notas
Mahler prescreve o que também poderia ser aproximado à técnica posteriormente conhecida
como pizzicato Bartók, porém com a indicação de dinâmica fffff e a instrução “rasgar
[anreissen] com tanta força que as cordas batam contra a madeira”. Tal indicação é muito
semelhante àquela consagrada por Béla Bartók em sua Música para cordas, percussão e
celesta: “Um pizz. forte, através do qual as cordas devem bater contra o espelho”.
2
Na suíte de pequenas composições intituladas Poeticall Musicke, principally made for two
Bass–Viols, publicadas em 1607, Hume ainda se vale de outras imitações instrumentais,
como o toque do arco perto do cavalete para obter efeito de trompetes.
3
Como se sabe, nos pianos de cauda atuais o pedal una corda reduz o ataque de três para
duas cordas, impossibilitando gradações que provavelmente eram exploradas em tais obras
nos pianos da época.
4
Christian Goubault (2001, p. 225) afirma que Strauss foi, muito provavelmente, o primeiro
compositor a empregar o frullato (ou flatterzunge) na música orquestral, de onde se explica
a utilização da expressão Zugenschlag (que hoje poderia ser confundida com técnicas como
o Tongue Ram, por exemplo).
5
Mais informações sobre os ambientes citados podem ser encontradas nas suas respectivas
páginas de internet: http://repmus.ircam.fr/openmusic/home, http://commonmusic.
sourceforge.net/, http://www2.siba.fi/PWGL/, http://sourceforge.net/projects/sporch/ e
http://recherche.ircam.fr/equipes/repmus/carpentier/orchidee.html. [13/05/2011]
6
Mais informações sobre linguagens voltadas aos sistemas interativos podem ser encontradas
em: http://puredata.info/, http://cycling74.com/products/maxmspjitter/, http://supercollider.
sourceforge.net/, http://chuck.cs.princeton.edu/, http://processing.org/ e http://www.
openframeworks.cc/. [13/05/2011]
7
Mais informações sobre recursos voltados à computação física, ao desenho de novos
instrumentos/controladores e à utilização para captura de gestos musicais podem ser
encontradas em: http://arduino.cc/, http://wiring.org.co/ e http://www.idmil.org/.
1
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Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997. Texto original de 1958. p. 229-248.
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Oxford University Press, 1967.
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José Henrique Padovani - Compositor. Mestre e doutorando em música (processos criativos) pelo
Instituto de Artes da Unicamp. Sua pesquisa se concentra na investigação sobre o impacto da inclusão de novos recursos técnicos e expressivos nos processos de criação musical, tais como técnicas
instrumentais estendidas, composição-assistida por recursos computacionais, sistemas interativos
e desenho de novos instrumentos/controladores.
Silvio Ferraz - Compositor. Professor livre docente do departamento de música da UNICAMP. Autor de Livro das Sonoridades e Música e Repetição. Foi Diretor da Escola de Música do Estado de São
Paulo e do Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão. Suas obras tem sido regularmente apresentadas em concertos e festivais de música, no Brasil e no Exterior.
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MÚSICA HODIE
35
As Técnicas Estendidas e as
Configurações Sonoras em L’opera
Per Flauto de Salvatore Sciarrino
The Extended Techniques and the Sound Configurations
in Salvatore Sciarrino’s L’opera per Flauto
Maria Leopoldina Onofre - UFPB
[email protected]
José Orlando Alves - UFPB
[email protected]
Resumo: O objetivo deste artigo é descrever como as técnicas estendidas estão relacionadas
com as configurações sonoras nas peças para flauta solo do compositor Salvatore Sciarrino, publicadas no caderno L’Opera per Flauto. Tais técnicas são fundamentais para a compreensão
de suas obras. Nessa leitura analítica, partimos das considerações metodológicas do compositor descritas no livro Le Figure della Musica – da Beethoven a oggi, no qual propõe uma metodologia de análise baseada em “figuras sonoras”. Essas figuras sonoras estão presentes também
no plano composicional de suas obras, de maneira que interagem na organização do discurso
musical.
Palavras-chaves: Salvatore Sciarrino. Técnicas estendidas. Flauta solo. Análise quantitativa.
Abstract: The objective of this paper is to describe how the extended techniques are related to
the sound configurations in Salvatore Sciarrino’s works for solo flute, published in L’Opera per
Flauto. Such techniques are fundamental to understanding his works. In this analysis we begin with the methodological considerations described by the composer in Le Figure della Musica – da Beethoven a oggi, in which he creates a methodology based on “sound figures”. These
“sound figures” are also found in the pre-compositional plan of his works, in such a way that
they interact in the organization of the musical discourse.
Keywords: Salvatore Sciarrino. Extended techniques. Solo flute. Quantitative analysis.
Introdução
A trajetória percorrida pela música do final do século XIX e início
do século XX orientou a esfera composicional a um novo paradigma a partir da ampliação do domínio sobre o artefato sonoro. A compreensão da organização do som em si, como base para novas linguagens, elevou o timbre
ao nível de outros parâmetros, tais como altura, duração e intensidade.
Ainda no final do século XIX e início do século XX, a maioria dos
instrumentos, tipicamente utilizados em uma orquestra tradicional ocidental, já tinha seus sistemas construtivos consolidados. Assim, esse novo
panorama instaurado conduziu, significativamente no século XX, a uma
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grande expansão dos timbres instrumentais, graças, em parte, à relação
direta entre compositor e intérprete, resultando dessa colaboração a produção de toda uma diversidade de novas cores sonoras, e, em parte, ao reflexo dos avanços realizados pela música concreta e eletrônica. A emergência dessas concepções gerou uma gama de elementos sonoros que confere
à escrita musical novas fontes de expressão gráfica e novas possibilidades
de organização do material sonoro, revelando, assim, o timbre e a notação
como corpus do processo composicional.
A pesquisa das novas expressões tímbricas resultou, entre outros
fatores, na chamada “técnica estendida” instrumental. Essa expressão refere-se ao universo sonoro ampliado que, segundo Eliane Tokeshi (2003, p.
52), que compreende aspectos não explorados pela técnica tradicional do
instrumento. Entre os instrumentos tradicionais, a flauta talvez seja aquele que mais ampliou sua gama de possibilidades. Podem-se citar diversos
compositores que utilizaram essas técnicas na flauta, e suas respectivas
obras, como, por exemplo, Giacinto Scelsi (1905-1988) (Quays – 1953), Luciano Berio (1925-2003) (Sequenza I – 1958), Brian Ferneyhough (n. 1943)
(Cassandra’s Dream Song – 1970, Unity Capsule – 1973-76), Karlheinz Stockhausen (1928-2007) (Freia – 1991), Tristan Murail (n. 1947) (Unanswered
Questions – 1995), Toru Takemitsu (1930-1996) (Air – 1996), Stefano Gervasoni (n. 1962) (Ravine – 2001), Salvatore Sciarrino (n. 1947) (All’aure in una
lontananza – 1977, Hermes – 1984, Come vengono prodotti gli incantesimi?
– 1985, Canzona di ringraziamento – 1985, Fra i testi dedicati alle nubi –
1989). (BLEDSOE, 2010).
Salvatore Sciarrino1, cuja obra para flauta solo é o objeto das considerações analíticas apresentadas neste artigo, é um dos compositores que
recentemente tem oferecido vasta contribuição para o aumento do repertório do referido instrumento no que concerne às novas propostas tímbricas.
Sciarrino rejeitou ainda a produção convencional do som, e, de fato, explorou uma nova e ampla área da técnica instrumental. Para Thomas (1993),
Sciarrino, em suas obras, “ignorou tudo o que era normalmente considerado como substância da música, afastando tudo, exceto as extremidades do
som, o ruído do arco nas cordas, o resíduo, o som da respiração”. Em suma,
a característica excepcional de sua música é a utilização de técnicas estendidas. A organização dessas técnicas é realizada, na maioria das obras de
Sciarrino, com base no conceito de “figura sonora”. Segundo Vinay (2008):
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O elemento fundamental da criação musical sciarriniana não é o motivo, o tema, a estrutura ou o agregado sonoro, mas a figura sonora:
a saber, um personagem sonoro dotado de um caráter musical e expressivo específico, identificável seja pela escuta, seja pela leitura de
uma partitura ou de outras formas de representação gráfica. (p. 15,
tradução e grifo nossos).
Ainda conforme Vinay (2008, p. 20), nas peças de Sciarrino, a escolha das “figuras sonoras” é uma operação preliminar à composição. A
associação de Sciarrino entre figura e som tem bases em sua aproximação
com as artes visuais2. Em seu livro Le Figure della Musica – da Beethoven a oggi3, publicado em 1998, Sciarrino traz para a análise da música
contemporânea princípios metodológicos baseados em conceitos da percepção visual, que serão descritos no próximo tópico. Segundo Cipollone
(2008, p. 25, tradução nossa), nos últimos anos se assiste na Europa “a um
raro entendimento entre compositores e musicólogos: artistas, pesquisadores [...] propõem uma abordagem musical focada mais na percepção do
artefato sonoro do que nas estruturas composicionais e analíticas”, e cita
o trabalho de Sciarrino Le Figure della Musica como uma publicação recente que reflete “esse novo interesse”. Guerrasio (2008, p. 54, tradução
nossa) esclarece ainda que “o método de Sciarrino consiste na utilização sistemática de diagramas analíticos, tanto nos seus próprios procedimentos pré-composicionais quanto nas suas análises de obras de outros
compositores.”
Assim, os critérios visuais estabelecidos em sua metodologia englobaram também as considerações formais de suas obras. Outro conceito
relevante na construção de suas peças, e que remete novamente ao uso da
interdisciplinaridade com as artes visuais, é a “espacialização”. De acordo
com Giacco (2001, p. 35-38), as concepções de Sciarrino relativas à espacialização teriam aproximação com as idéias do pintor e escritor russo Wassily Kandinsky4(1866-1944), como, por exemplo, passar de uma região de
pouca densidade para uma de densidade absoluta seria então preencher o
espaço sonoro, e a utilização das intensidades piano e forte representaria,
para ele, o esvaziamento e o preenchimento do espaço.
A partir dessas perspectivas, buscamos descrever a utilização das
técnicas estendidas através dos conceitos de “figura”. Em seguida, buscamos a compreensão desse processo composicional por meios quantitatiVol. 11 - Nº 2 - 2011
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vos. Assim, deixamos de simplesmente localizar e delinear as qualidades
dos parâmetros, e passamos a uma análise da resultante sonora dos parciais gerados. Para objeto dessa análise, escolhemos o primeiro caderno
de obras para flauta solo de Salvatore Sciarrino, intitulado L’Opera per
Flauto (SCIARRINO, 1990). O caderno inclui as seguintes peças: All’aure
in una lontananza (1977), Hermes (1984), Come vengono prodotti gli incantesimi? (1985), Canzona di ringraziamento (1985), Venere che le Grazie la
fioriscono (1989), L’orizzonte luminoso di Aton (1989) e Fra i testi dedicati
alle nubi (1989)5.
Configurações sonoras e técnicas estendidas
Como descrito anteriormente, a ligação de Sciarrino com as artes visuais, entre as quais a pintura, é fundamental para a concepção
de suas obras musicais. A apropriação de termos e características oriundos dessas outras artes reforça o caráter multidisciplinar da sua proposta
conceitual.
O termo “figura” é advindo das artes figurativas, e pode estar ligado a um conceito de organização6. Inicialmente, o compositor utilizou a
expressão “estruturas perceptíveis”. A mudança deve-se à conceituação do
termo “estrutura”, que, segundo o compositor, é utilizado diferentemente
em diversas áreas, e ao fato de que “figura” seria mais específico e apropriado à comunicação com o público. (GIACCO, 2001, p. 56). Comenta Giacco
(2001, p. 58, tradução nossa) que “podemos definir ‘figura’ como uma instantaneidade do tempo ou do objeto no tempo”. Essas “figuras” encontrarse-iam em macroescala e em microescala, remetendo novamente a fenômenos da natureza e da nossa própria fisiologia. Segundo Sciarrino, esses
dispositivos devem ser perceptíveis pela audição. O compositor, em entrevista realizada por Kaltenecker e Pesson (1990), declara sua preocupação
com o ouvinte:
Ao contrário de Ferneyhough, eu penso que a obra deva ser o mais
possível endereçada ao ouvinte. Não é em subtraindo o ouvinte que a
obra sobrevive e resiste à reprovação de diversas escutas [...]. A complexidade não serve a nada, caso não simplifiquemos a escuta. Todas
as minhas peças tendem a ser compreensíveis para qualquer um que
as escute. (p. 136 apud GIACCO, 2001, p. 53, tradução nossa).
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MÚSICA HODIE
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Tendo em vista as inquietações entre o visível e o audível7, o método de investigação sonora do compositor propõe as seguintes “figuras” e
processos individuais: acumulação, multiplicação, little bang8, transformação genética e forme à fenêtres9, definidas abaixo de acordo com Guerrasio
(2008, p. 54, tradução nossa):
1. “Processos de acumulação: situação de desequilíbrio” (por meio
de elementos heterogêneos), “em que se manifesta um forte crescimento: passagem do vazio ao pleno”.
2. “Processos de multiplicação: crescimento ordenado, realizado
com a ajuda de elementos homogêneos”.
3. “O little bang: energia concentrada em um pequeno evento sonoro”.
4. “Transformações genéticas: fragmentação e repetição; modularidade”.
5. “As forme à fenêtres (I): descontinuidade da dimensão espaçotemporal”.
6. “As forme à fenêtres (II): composição por blocos; contração do
tempo”.
No presente trabalho, a expressão “configurações sonoras” foi
utilizada para delinear os diferentes tipos de figuras que se prolongam
e se concatenam no decorrer do tempo. Isso porque “figura” pressupõe
a sonoridade global de um conjunto formado por unidades menores,
expressas através das técnicas estendidas. As referidas técnicas exploram
diferentes recursos tímbricos que podem ser percebidos em função
dessa sonoridade diferenciada. Assim, as configurações delineiam as
prolongações, as interpolações, as justaposições de blocos, as interrupções
abruptas de ideias e os processos de microvariação dessas sonoridades
diferenciadas. Em conformidade com essas definições, encontramos, nas
sete peças para flauta solo de Sciarrino, 18 tipos de técnicas estendidas,
demonstradas na Tabela 1. Dividimos em quatro grupos de acordo com sua
tipologia mais aproximada: no primeiro grupo, encontram-se as técnicas
que se assemelham ao som de notas; no segundo grupo, as que possuem
som eólio; no terceiro grupo, as que possuem som percussivo; e no quarto
grupo, aquelas com sons cromáticos e glissandos.
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GRUPO 1
Harmônicos
Multifônicos
Harmonic
Clusters
Bariolagem
Whistle Tones
(com suas diversas embocaduras)
Whistle Tones
Multifônicos
em frullato
Duplos harmônicos
(com som puro e impuro)
GRUPO 2
Air noises com várias embocaduras
Air noises em frullatos
Glissandos de sons eólios
Jet Whistle
Jet Whistle diferenciado
GRUPO 3
Key-releases
Tongue ram
GRUPO 4
Glissandos com o bocal
Cromatismos com alternâncias das chaves A e B
Trinado diferenciado
(Sol, Fá, Fá#)
Tabela 1: Tipologia das técnicas estendidas utilizadas em todas as sete peças.
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Das técnicas citadas, escolhemos para nossa investigação aquelas
que estão presentes em maior número no âmbito das sete peças: tongue
ram, bariolagem, jet whistle e air noises. Dessa forma:
1. A técnica tongue ram aparece em cinco das sete peças: Hermes,
Come vengono prodotti gli incantesimi?, Venere che le Grazie la fioriscono,
L’orizzonte luminoso di Aton e Fra i testi dedicati alle nubi;
2. A técnica air noises ocorre em cinco peças: All’aure in una lontananza, Hermes, Venere che le Grazie la fioriscono, L’orizzonte luminoso di
Aton e Fra i testi dedicati alle nubi;
3. A bariolagem está presente em quatro peças: All’aure in una lontananza, Hermes, Canzona di ringraziamento, L’orizzonte luminoso di Aton;
4. O jet whistle ocorre em quatro peças: All’aure in una lontananza, Hermes, Come vengono prodotti gli incantesimi? e Venere che le Grazie
la fioriscono (jet whistle e jet whistle diferenciado).
A Tabela 2 descreve como essas técnicas interagem, resultando na
configuração sonora das peças.
A técnica tongue ram:
Hermes
Venere che le Grazie la fioriscono
L’orizzonte luminoso di Aton
Come vengono prodotti gli incantesimi?
Fra i testi dedicati alle nubi
A técnica air noises:
All’aure in una lontananza
Hermes
Venere che le Grazie la fioriscono
L’orizzonte luminoso di Aton
Fra i testi dedicati alle nubi
A técnica bariolagem:
All’aure in una lontananza
Hermes
Canzona di ringraziamento
L’orizzonte luminoso di Aton
A técnica jet whistle:
All’aure in una lontananza
Hermes
Come vengono prodotti gli incantesimi?
Venere che le Grazie la fioriscono
Transformação genética.
Forme à fenêtres.
Forme à fenêtres.
Multiplicação.
Forme à fenêtres.
Forme à fenêtres e processo de acumulação.
Forme à fenêtres.
Configura toda a seção inicial juntamente com os whistle tones.
Configura todo o contínuo da peça.
Forme à fenêtres e processos de multiplicação e acumulação.
Seção inicial (forme à fenêtres).
Forme à fenêtres no discurso inicial, e configura a seção final no
processo de multiplicação.
Unidade sonora de toda a peça juntamente com os cromatismos
com alternância das chaves A e B.
Forme à fenêtres.
Little bang e acumulação.
Little bang.
Little bang, multiplicação e acumulação.
Configura a última seção da peça, uma grande janela, juntamente
com os key-releases.
Tabela 2: Tipos diferenciados de configurações sonoras encontrados nas peças.
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Assim, de acordo com a descrição acima, observamos que cada
técnica pode aparecer em uma configuração sonora diferente, representando, por vezes, até mais de uma configuração.
Considerações analíticas
A influência da tecnologia na música desde o final da década de
1940 até nossos dias contribuiu para a ampliação das fronteiras do significado musical e das novas possibilidades de organização do material sonoro, além de propiciar novas metodologias e ferramentas de análise.
A utilização de dispositivos eletrônicos, como os softwares SoundForge Pro10.0 e Spear, possibilitou a análise quantitativa das peças relacionadas anteriormente. A nossa proposta foi fazer uma “radiografia” dos
trechos em função da quantidade de parciais distribuídos no tempo, com o
objetivo de observarmos o delineamento das configurações sonoras no decorrer das peças.
A análise quantitativa dos parciais foi gerada a partir das gravações realizadas pelos flautistas Roberto Fabbriciani10 e Mario Caroli11, nos
CDs Fabbrica degli incantesimi e L’Opera per Flauto I e II, respectivamente. Utilizamos as gravações de Fabbriciani para as peças Hermes (11:49) e
L’orizzonte luminoso di Aton (11:42), e as gravações de Caroli para as peças
All’aure in una lontananza (12:25), Come vengono prodotti gli incantesimi?
(08:22), Canzona di ringraziamento (05:18), Venere che le Grazie la fioriscono (07:20) e Fra i testi dedicati alle nubi (09:06).
O primeiro procedimento para realizar a análise quantitativa foi
segmentar, utilizando o software SoundForge, os trechos das peças onde
ocorrem as técnicas estendidas. Em seguida, segmentamos esses trechos
em partes menores, de forma a obter uma análise mais precisa de cada técnica selecionada. O próximo passo foi utilizar essas segmentações no software Spear12, onde foram geradas as contagens dos parciais. Por último,
elaboramos gráficos no software Microsoft Office Excel para uma melhor
visualização da quantificação dos parciais no tempo.
A quantificação dos parciais foi realizada em todas as sete peças, porém priorizamos descrever, a seguir, as relações entre as configurações sonoras e as técnicas estendidas que observamos mais presentes em cinco delas.
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Tongue Ram
A técnica tongue ram aparece em cinco das sete peças, nas quais
expressa as configurações sonoras: transformação genética (fragmentação,
Figura 1) e forme à fenêtres (como blocos, Figura 2) e multiplicação (Figura 3).
Figura 1: “Transformação genética” com a técnica tongue ram na peça Hermes (pentagrama 7)13.
Figura 2: Forme à fenêtres na peça L’orizzonte luminoso di Aton (pentagrama 5).
Figura 3: Multiplicação de tongue ram na peça Come vengono prodotti gli incantesimi?
(pentagramas 5 e 6).
Quando aparece como transformação genética, a técnica modula
o discurso, formado inicialmente por clusters harmônicos e harmônicos
simples. Através de análise quantitativa dos parciais, observamos que, na
peça Hermes, existiu uma queda no número de parciais quando foi executado o tongue ram. A técnica de harmonic clusters, que ocorre na parte anterior da peça, resulta em um alto número de parciais, em contraste com o
trecho seguinte, onde ocorre a técnica tongue ram, que caracteriza a configuração “transformação genética”. A Tabela 2 e o Gráfico 1 descrevem os
picos e as quedas do trecho escolhido, exemplificado na Figura 1.
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Tempo (s)
0,0-0,5
Nº de Parciais
148
Tempo (s)
2,0-2,5
0,5-1,0
484
2,5-3,0
1,0-1,5
1335
(liberação de harmônicos)
1274
(liberação de harmônicos)
3,0-3,5
1,5-2,0
3,5-4,0
Nº de Parciais
Tempo (s) Nº de Parciais
1349
4,0-4,5
443
(liberação de harmônicos)
814
4,5-5,0
315
(tongue ram)
1044
(tongue ram)
1127
(liberação de harmônicos)
Tabela 2: Descrição da quantidade de parciais por segundo no trecho (minutagem da gravação:
04:17 – 04:22) escolhido da peça Hermes (segmentação realizada a cada 0,5 segundos).
Gráfico 1: Representação do número de parciais por tempo no trecho
escolhido da peça Hermes (segmentação a cada 0,5 segundos).
Na peça L’orizzonte luminoso di Aton, observamos outra variação
no número de parciais por tempo. Quando a técnica tongue ram é articulada, observamos um maior número de parciais (segundos 4-5 e 5-6), em
relação à técnica anterior (air noises), exceto quando esta técnica apresenta
uma intensidade mais elevada (segundos 3-4). A Tabela 3 e o Gráfico 2 demonstram essa variação que caracteriza a configuração “forme à fenêtres”,
também exemplificada na Figura 2.
Tempo (s)
0-1
1-2
2-3
3-4
Nº de Parciais
153 (air noises)
102 (air noises)
89 (air noises)
244 (air noises)
Tempo (s)
4-5
5-6
6-7
Nº de Parciais
248 (tongue ram)
216 (tongue ram)
59 (air noises)
Tabela 3: Descrição da quantidade de parciais por segundo no trecho escolhido da peça
L’orizzonte luminoso di Aton (segmentação realizada a cada segundo).
46
MÚSICA HODIE
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Gráfico 2: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem da gravação:
02:41 – 02:47) escolhido da peça L’orizzonte luminoso di Aton (segmentação a cada segundo).
Em Come vengono prodotti gli incantesimi?, a técnica tongue ram
ocorre na configuração “multiplicação”, onde o crescimento ordenado realizado com elementos homogêneos, neste caso a mesma técnica, é confirmado
através da quantificação dos parciais. De acordo com o Gráfico 3, observamos um movimento ascendente (conforme indica a linha pontilhada de tendência), que representa o acréscimo de alturas diferenciadas no decorrer do
tempo, exemplificado na Figura 3. Os pequenos picos (20-30s, 30-40s, 40-50s,
50-60s, 60-70s, 160-170s, 170-180s, etc.) descrevem, por vezes, alguma nota
distinta das anteriores acrescentada ou uma intensidade maior, enquanto os
grandes picos (110-120s, 120-130s e 240-250s) delineiam outra configuração
sonora, o little bang, que ocorre em função da técnica jet whistle.
Gráfico 3: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem
da gravação: 0:00 – 04:25) escolhido da peça Come vengono prodotti gli
incantesimi? (segmentação de 10 em 10 segundos).
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Jet Whistle
A técnica jet whistle é utilizada também em outras três peças, representando a configuração sonora little bang. Em Come vengono prodotti gli incantesimi?, ela surge representando o processo de “multiplicação”,
como demonstra a Figura 4.
Figura 4: Multiplicação de jet whistle na peça Come vengono prodotti gli incantesimi?
(pentagramas 16 – 18).
A coleta de dados nesse trecho demonstrou uma linha de tendência (conforme indica a linha pontilhada) que cresce (Gráfico 4), sendo os
picos mais baixos (5-10s e 35-40s; 75-80s), determinados pela utilização somente das técnicas tongue ram e de “cromatismo com alternância das chaves A e B”. Os picos mais altos (30-45s e 45-50s) delineiam a utilização da
técnica de harmonic clusters. O ponto localizado em 55-60s e os pontos medianos descrevem os jet whistles.
Na peça All’aure in una lontananza, outra técnica escolhida para a
quantificação (os air noises) é evidenciada em forme à fênetres, juntamente
com os whistle tones. Essa “janela” é permeada ainda pelos jet whistles, que
configuram o little bang e, aos poucos, vai fragmentando a exposição em
“janela”, como se pode observar na Figura 5.
Os dados nesse trecho revelaram um grande aumento na quantidade de parciais em função da técnica air noise, e consequente variação
de intensidade. O jet whistle na configuração little bang é demonstrado,
através da quantificação, em um número explosivo de parciais em relação
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MÚSICA HODIE
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à técnica anterior. Conforme o gráfico 5, os pontos altos evidenciam a utilização do jet whistle, e os mais baixos, a presença dos air noises e whistle
tones. Como exemplo da variação de intensidade nos air noises, indicamos
os pontos 0-5s e 5-10s com intensidade pp, cuja quantidade de parciais foi
de 250 e 424, respectivamente, e os pontos 35-40s e 60-65s, com intensidades f¸ que somaram 1377 e 1095 parciais.
Gráfico 4: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem da gravação:
04:26 – 06:06) escolhido da peça Come vengono prodotti gli incantesimi?, para quantificação
da técnica jet whistle (segmentação de 5 em 5 segundos).
Figura 5: Forme à fênetres com as técnicas air noise e whistle tone, e jet whistle como little
bang, em All’aure in una lontananza (pentagramas 12 - 14).
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Gráfico 5: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem da gravação:
07:36 – 09:37) escolhido da peça All’aure in una lontananza, para quantificação das técnicas
air noise e jet whistle (segmentação de 5 em 5 segundos).
Air Noise
A técnica air noise é utilizada de forma sistemática em toda a peça
L’orizzonte luminoso di Aton, com breves interpolações de outras técnicas
(duplos harmônicos e tongue ram), como observado na Figura 2. Conforme
a Tabela 3, explicada anteriormente, a quantificação da alternância dos air
noises com os tongue rams revelou um número maior de parciais para os
tongue rams. Porém, quando realizada a quantificação do trecho em que os
air noises são interpolados pelos duplos harmônicos, estes últimos resultaram em um número menor de parciais. No Gráfico 6, os pontos mais baixos
(10-20s, 40-50s, 80-90s, 90-100s e 100-110s) representam os trechos sonoros
dos duplos harmônicos, presentes na Figura 2.
50
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Gráfico 6: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem da gravação:
00:00 – 02:24) escolhido da peça L’orizzonte luminoso di Aton (segmentação a cada 10 segundos).
Em Fra i testi dedicati alle nubi, a técnica air noise em frulatto
participa do processo de multiplicação, que leva, ainda, a um processo de
“acumulação” em associação com os multifônicos e os duplos harmônicos.
A Figura 6 demonstra esse processo.
Figura 6: “Acumulação”, com as técnicas air noise em frulatto, multifônicos e duplos
harmônicos, em Fra i testi dedicati alle nubi (pentagramas 12 - 14).
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O gráfico gerado para esse trecho oscilou de picos muito altos a muito baixos, estes representados pelos silêncios e air noises em frulatto, exceto no ponto 2-4s, onde ocorrem multifônicos em baixíssima intensidade.
Gráfico 7: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem da gravação:
03:03 – 03:39) escolhido da peça Fra i testi dedicati alle nubi (segmentação a cada 2 segundos).
Bariolagem
Por fim, a técnica bariolagem, que está presente em quatro peças,
ilustra as configurações sonoras forme à fenêtres e “transformação genética”. As Figuras 7 e 8 representam a “transformação genética” em Hermes, e
forme à fenêtres em L’orizzonte luminoso di Aton.
Figura 7: “Transformação genética”, com os harmonic clusters e a técnica
bariolagem, em Hermes (pentagramas 19 e 20).
52
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Figura 8: Forme à fenêtres, com a técnica bariolagem entre os air noises,
na peça L’orizzonte luminoso di Aton (pentagramas 21 e 22).
A “transformação genética” faz-se evidente na peça Hermes, através da quantificação dos parciais. Em conformidade com o gráfico 8, verificamos que existiu uma brusca queda, no momento em que ocorreu a passagem expressa pela bariolagem, descrita no seguimento 20-260s, e o trecho
anterior (os 20 segundos iniciais), onde ocorrem os harmonic clusters. Assim, para o segmento 0-20s, o número de parciais foi de 26.560, enquanto
que no segmento 20-40s quantificamos 9.341 parciais.
Gráfico 8: Representação do número de parciais por tempo no trecho (minutagem da
gravação: 07:26 – 11:49) escolhido da peça Hermes (segmentação a cada 20 segundos).
O gráfico que ilustra a utilização da bariolagem nas peças All’aure
in una lontananza e L’orizzonte luminoso di Aton demonstra que, para a
primeira (Gráfico 9), os pontos mais elevados representam as sonoridades
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dos jet whistles na configuração little bang, e que, para a segunda (Gráfico
10), a bariolagem gerou os pontos elevados, em relação à outra técnica utilizada, os air noises (Figura 8).
Gráfico 9: Representação do número de parciais por tempo no trecho
(minutagem da gravação: 00:00 – 03:00) escolhido da peça All’aure in una
lontananza (segmentação a cada 20 segundos).
Gráfico 10: Representação do número de parciais por tempo no trecho
(minutagem da gravação: 10:02 – 11:32) escolhido da peça L’orizzonte luminoso
di Aton (segmentação a cada 15 segundos).
A partir dos gráficos acima, constatamos que existe efetivamente,
por parte do compositor, uma preocupação de concatenar diferentes técnicas em determinadas configurações sonoras. Assim, por exemplo, a técnica
bariolagem, na peça Hermes, apresenta níveis baixos de parciais na confi54
MÚSICA HODIE
ONOFRE, M. L. (p. 37-25)
guração “transformação genética” e, na peça L’orizzonte luminoso di Aton,
apresenta níveis altos de parciais na configuração forme à fenêtres.
Conclusão
As “figuras” descritas por Sciarrino são o elemento primordial
para a compreensão das configurações sonoras presentes no seu processo
composicional. Tais “figuras” são expressas através das técnicas estendidas
que exploram novos e diferentes recursos tímbricos. Buscamos uma tipologia para agrupar os 18 tipos de técnicas estendidas presentes nas sete peças para flauta solo. Assim, a identificação precisa das referidas técnicas é
o primeiro passo para relacionar o método de investigação sonora, proposto pelo compositor, com as configurações presentes no discurso musical,
caracterizadas pelas prolongações, interpolações, justaposições de blocos e
pelas interrupções abruptas de idéias, entre outros aspectos. As interpolações ocorrem quando existe a inserção de diferentes técnicas estendidas na
configuração forme à fenêtres, como observado nas peças L’orizzonte luminoso di Aton e All’aure in una lontananza. As justaposições são observadas
nas configurações caracterizadas por “acumulação”. Esse procedimento foi
demonstrado com a análise quantitativa de trecho da peça Fra i testi dedicati alle nubi. As prolongações ocorrem quando determinadas técnicas estendidas são repetidas no contexto da multiplicação, como as bariolagens
na peça All’aure in una lontananza e os tongue rams, em Come vengono
prodotti gli incantesimi?.
A análise quantitativa foi um excelente referencial numérico para
identificar as configurações sonoras, uma vez que a compreensão física do
som vai além da mera observação da partitura. A utilização dos recursos
tecnológicos permitiu “radiografar” e identificar os parciais inaudíveis, desencadeados através das referidas técnicas estendidas. A leitura quantitativa ofereceu também um suporte para relacionar, comparar e compreender
as diferentes facetas do diálogo entre técnicas, “figuras” e configurações
presentes no discurso musical, características das peças que compõem
L’Opera per Flauto, de Salvatore Sciarrino.
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Notas
Salvatore Sciarrino é um dos compositores italianos de maior reconhecimento da atualidade.
Natural de Palermo, nasceu em 04 de abril de 1947. Desde sua infância, Sciarrino foi atraído
pelas artes visuais, e aos 12 anos iniciou suas experimentações com a música. Inteiramente
autodidata, sua música é conhecida pela exploração de sonoridades isoladas, pesquisa
de timbre no uso de técnicas estendidas, e frequentes silêncios, distinguindo-se por sua
definição de forma e pela maneira de conceber o espaço. (OSMOND-SMITH, 2001, p. 882885; GIACCO 2001, p. 14; SCIARRINO, 2010).
2
“A obra de Sciarrino nasce, de fato, de uma reflexão profunda sobre a natureza das
diferentes relações entre música e espaço, entre música e imagens, e entre som e grafia [...].
Uma reflexão que põe toda a sua força na multiplicidade das fontes à que se faz referência:
pintura, escultura, arquitetura de épocas e de estilos diversos.” (GIACCO, 2001, p. 55,
tradução nossa).
3
“As Figuras da Música de Beethoven até Hoje”. O livro nasceu de uma série de seis conferências
realizadas em 1992, sob o título “Estruturas perceptivas da música moderna”.
4
Giacco referencia as seguintes obras de Wassily Kandinsky: Du Spirituel dans l’art, et dans
la peinture en particulier (1989) e Point et ligne sur plan (1991).
5
Tradução dos títulos: “Às auras numa distância” (1977), “Como vêm produzidos os
encantamentos?” (1985), “Canção de agradecimento” (1985), “Vênus, a quem as Graças
adornam com flores” (1989), “O horizonte luminoso de Aton” (1989) e “Entre os textos
dedicados às nuvens” (1989).
6
O compositor utiliza na construção de suas obras “modalidades de organização próprias
à nossa maneira de perceber, à nossa fisiologia” (GIACCO, 2001, p. 58, tradução nossa),
tais como fenômenos da vida – crescimento, multiplicação, respiração, transformação.
Organização tem a ver com orgânico.
7
Sciarrino (1998, p. 61 apud GIACCO, 2001, p. 33) tem em vista que as percepções humanas
agem simultaneamente. Assim, devido à reciprocidade visão/audição, uma sensação pode
tomar critério das outras.
8
Traduzimos a expressão little bang como “pequena explosão”.
9
Traduzimos a expressão forme à fenêtres como “formas em janelas”, algumas vezes referidas
no corpo do texto simplesmente como ‘janelas’.
10
Flautista italiano, nasceu em 1949 na cidade de Arezzo, é hoje em dia uma das sumidades
entre os intérpretes de música contemporânea, especialmente aquelas ligadas às técnicas
estendidas, e tem ampliado as possibilidades técnicas da escrita para flauta transversal.
Roberto Fabbriciani tem contribuido para a expansão do repertório de técnicas estendidas
para flauta nos séculos XX e XXI, tendo colaborado também com grandes compositores da
música desses séculos, como Luciano Berio, Pierre Boulez, John Cage, Elliot Carter, Luigi
Dallapiccola, Brian Ferneyhough, Harald Genzmer, György Ligeti, Bruno Maderna, Olivier
Messiaen, Ennio Morricone, Luigi Nono, Henri Pousseur, Karlheinz Stockhausen, Toru
Takemitsu, entre outros. (FABBRICIANI, 2011).
11
Mario Caroli nasceu na Itália em 1974. Começou seus estudos de flauta aos 14 anos e formouse como solista aos 19 anos. Ganhou aos 22 anos o concurso internacional “Kranichstein”
em Darmstadt, Alemanha. Mario Caroli apresenta-se regularmente em importantes salas
de concerto da Alemanha, da França, da Itália, da Inglaterra e de Nova Iorque. (CAROLI,
2011).
12
O programa SPEAR foi gentilmente disponibilizado pelo Prof. Dr. Didier Guigue,
coordenador do grupo MUS3 – Musicologia, Sonologia e Computação, do Departamento de
Música da UFPB. O resultado da análise foi exportado em formato txt (opção disponível no
próprio software), o que possibilita a visualização numérica dos dados.
13
Como as peças não estão divididas em compassos, decidimos tomar como referência para a
localização a numeração dos pentagramas.
1
56
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Referências
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n. 1, 2008. p. 15-20. Disponível em: <http://www.erudit.org/revue/circuit/2008/v18/
n1/017903ar.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2011.
Maria Leopoldina Onofre - Membro do Grupo de Pesquisas em Música, Musicologia e Tecnologia
Aplicada da UFPB (MUS3), mestranda em Musicologia do Programa de Pós-Graduação em Música
(PPGM) da UFPB e professora da Escola de Música Antenor Navarro (João Pessoa-PB). Desde 2003,
atua como flautista em concertos promovidos pelo Laboratório de Composição Musical da UFPB
(COMPOMUS). Possui publicações em congressos e colóquios de pesquisa.
J. Orlando Alves - Professor adjunto lotado no Departamento de Música da UFPB e membro do
PPGM- UFPB. Bacharel em Composição Musical (1988) e Mestre em Composição (2001) pela UFRJ,
concluiu o Doutorado em Música pela UNICAMP em 2005. Foi premiado em diversos concursos
nacionais de composição. Possui publicações em revistas (Revista da Pós-Graduação em Música, da
UNICAMP, Claves/UFPB), congressos e colóquios de pesquisa.
58
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O Piano do Desassossego:
Técnicas Estendidas na Música de
Felipe Almeida Ribeiro
The Piano of Disquietness:
Extended Techniques in the Music of Felipe Almeida Ribeiro
Luciane Cardassi - Inst. Banff, Canadá
[email protected]
Resumo: Este artigo tem como objeto de estudo a obra Desassossego Latente (2010) para piano e recitação do compositor brasileiro Felipe Almeida Ribeiro. A obra apresenta várias técnicas estendidas, as quais são aqui discutidas e catalogadas. A investigação analítica dessa peça
nos permitiu estabelecer um catálogo de gestos musicais recorrentes na obra e traçar um paralelo entre os gestos musicais, as várias técnicas estendidas, e o material textual escolhido pelo
compositor.
Palavras-chave: Técnicas estendidas; Música contemporânea; Piano estendido; Gestos musicais; Compositores brasileiros.
Abstract: This article focuses on the work Desassossego Latente for piano and recitation by Brazilian composer Felipe Almeida Ribeiro. The piece makes use of several extended techniques,
which are discussed and systematized in this paper. The analytical investigation of this piece
led us to establish a catalogue of recurring musical gestures as well as trace a parallel between
these musical gestures, the various extended techniques and the textual material chosen by the
composer.
Keywords: Extended techniques; Contemporary music; Extended piano; Musical gestures;
Brazilian composers.
Introdução
Este artigo tem como objeto de estudo a obra Desassossego Latente
(2010) do compositor brasileiro Felipe Almeida Ribeiro1. Desassossego Latente é uma peça para piano que faz uso de várias técnicas estendidas, incluindo a voz do (a) pianista. O compositor a intitula uma peça para piano
e recitação, realizada por um performer. O título é uma referência ao Livro
do Desassossego de Fernando Pessoa.
O objetivo deste artigo é discutir cada técnica estendida de Desassossego Latente à luz da definição e categorização proposta pelo pianista e
pesquisador Luk Vaes (2009), discorrer sobre a escolha e manuseio do texto
pelo compositor e investigar um possível paralelo entre o texto e os gestos
musicais recorrentes nessa peça de Ribeiro.
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1. Aspectos teóricos
1.1 Piano estendido: histórico, definição e categorização
Piano estendido (em inglês: extended piano) é uma expressão que,
apesar de fazer parte do vocabulário de performers e compositores contemporâneos, ainda não tem seu significado estabelecido em dicionários de
música de referência. Vários trabalhos de pesquisa discutem técnicas estendidas2 para outros instrumentos, mesmo que, na maioria das vezes, essas publicações façam uso de expressões de caráter pouco específico tais
como “nova instrumentação”3, “novas direções” (REHFELDT, 1994), “técnicas contemporâneas” (DICK, 1989), e “técnicas de execução não-convencional” (MATTHEWS, 1981, p. iii). Tais expressões são, além de vagas em
significado, simplesmente incorretas, pois muitas das técnicas demonstradas não são novas, modernas ou incomuns (VAES, 2009, p. 6). O trabalho
de Chun (1982) sobre a obra de George Crumb parece ser o que mais se
aproxima de uma discussão criteriosa sobre piano estendido na obra do
compositor. De fato, apesar da bibliografia sobre técnicas estendidas para
vários instrumentos4, inclusive o piano (CHUN, 1982), e das muitas páginas da internet dedicadas ao assunto, é surpreendente que a expressão piano estendido não tivesse ainda recebido uma definição inequívoca.
A dissertação de Luk Vaes (2009) veio preencher esta lacuna. Através da análise de peças para piano desde o início do instrumento no século XVIII (e até antes, em obras para outros instrumentos de teclado), Vaes
estabelece um histórico de determinados gestos, tais como glissandi e clusters, que pertencem, mesmo que perifericamente, ao universo do piano estendido, e que tem sido utilizados esporadicamente por compositores desde
o século XVIII. Já no século XX, novas técnicas de piano estendido foram
criadas, as quais compõem um universo de possibilidades criativas para
os compositores de hoje. Tais técnicas, apesar de muitas, e de serem usadas por compositores de várias gerações, diferentes gêneros musicais, e em
diferentes partes do mundo, parecem ainda estar renegadas, infelizmente, a uma classe inferior. Mesmo compositores consagrados como George
Crumb, que tem feito uso extensivo de técnicas estendidas em suas peças
para piano, parece ter usado com cautela o termo piano estendido em sua
peça Processional, de 1983. No apêndice da peça o compositor explica que
60
MÚSICA HODIE
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fez uso de “alguns efeitos de ‘piano estendido’” (CRUMB, 1983), colocando
a expressão entre aspas.
Décadas antes de Crumb fazer uso da sua “nova maneira de manusear sonoridade e timbre”, Henry Cowell já surpreendia as plateias do início do século XX ao tocar diretamente nas cordas do piano. Cowell escreveu peças para o que ele chamou de piano de cordas (string piano), termo
que seu aluno mais famoso, John Cage, adotou nas suas primeiras peças
para piano preparado.
O piano preparado de John Cage surgiu a partir da necessidade do
compositor de transformar o som de um piano a fim de compor música de
caráter étnico para o espetáculo de dança Bacchanale, da bailarina Syvilla
Fort. Cage colocou objetos entre as cordas e percebeu que parafusos não escorregavam ou vibravam com as cordas onde eram colocados, ao contrário
de outros materiais.
E fiquei encantado em perceber que a partir de uma única preparação,
dois sons diferentes podiam ser produzidos. Um era ressonante, o outro era de volume baixo e abafado. O som abafado ocorria sempre que o
pedal una corda era utilizado. Escrevi Bacchanale rapidamente e com
a antecipação proporcionada pela contínua descoberta (CAGE, 1972).
O piano preparado de John Cage, o piano de cordas de Henry Cowell, as técnicas especiais de George Crumb, assim como muitas outras buscas por se ampliar as capacidades tímbricas e sonoras do piano, fazem parte
do que chamamos hoje de piano estendido. Importa salientar que o piano
estendido é um conceito abstrato, não um objeto físico (VAES, 2009, p. 17),
e que o conceito refere-se sempre, e somente, ao instrumento acústico.
Na sua definição de piano estendido, Vaes (2009, p. 8) discorre sobre o que seriam qualidades próprias do piano, e, por oposição, aquelas técnicas consideradas impróprias. Apesar da conotação negativa que o conceito “impropriedade” parece carregar, o significado original da palavra
impróprio representa, na verdade, um conceito eticamente neutro.
Apesar do caos que governa as referências a esse assunto, uma característica é comum a todas as [tentativas] de descrição de técnicas e
sons: elas são todas impróprias ao instrumento considerado - elas não
são verdadeira e estritamente pertencentes a ele. Por exemplo, se o
som de uma corda de piano percutida por martelo é uma propriedade
do piano, então o som de uma corda de piano dedilhada não é próprio
[do piano]. Se for próprio tocar no teclado usando os dedos, então tocar o teclado com o braço constitui técnica imprópria.
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Este artigo adota como definição de piano estendido “a prática de
performance imprópria do piano, e as características deste conceito, ou seja,
as extensões individuais, como sendo aquelas técnicas e sons impróprios que
ficam sob controle do pianista durante a performance” (VAES, 2009, p. 8).
Peças para piano podem fazer uso de técnicas estendidas em variadas proporções – sons “próprios” coexistem com sons “impróprios” de
maneiras variadas. Além disso, o nível de impropriedade das extensões
também varia, dependendo de quão próximas elas estão do que seria o uso
próprio do instrumento. Abaixo segue a descrição e hierarquização das extensões estabelecidas por Vaes (2009)5.
Extensões de nível mínimo de impropriedade
São aquelas técnicas que consistem na utilização do piano de maneira própria, e no resultado sonoro também próprio, mas cuja execução é realizada de maneira imprópria. O design de um teclado existe
de maneira que um dedo acione uma tecla, e de maneira vertical.
Desvios nessa propriedade do instrumento podem ser encontrados
nas seguintes técnicas estendidas:
• Um dedo deslizando sobre as teclas (glissando);
• Mais de um dedo tocando um tecla;
• Um dedo tocando mais de uma tecla ao mesmo tempo;
• Outra parte do corpo acionando uma ou mais teclas;
• Acionar uma tecla de maneira tão sutil que o som não é garantido;
• Os pedais também podem ser utilizados de maneira imprópria mas
resultando em um som próprio, como quando colocamos um objeto
para bloquear o pedal os invés de baixá-lo com os pés.
Extensões de nível médio de impropriedade
Existem duas categorias:
1) A produção de um som próprio através de uma interface imprópria.
O som do piano é intrinsecamente conectado à interface que o produz. A eficiência do sistema de martelo e abafadores é tamanha que
qualquer caminho alternativo para se produzir o mesmo som é difícil
e supérflua. Entretanto, algumas extensões reproduzem certas propriedades do som de piano:
• A execução de notas simples diretamente nas cordas com uso de
uma baqueta macia. O uso do pedal em combinação com esta técnica permite que a vibração do som percorra o seu caminho natural;
• O abafar de uma ou várias cordas através do uso das mãos ao invés
da ação dos abafadores;
2)A produção de um som impróprio através de uma interface própria.
Muitas mudanças podem ser feitas aos elementos básicos de produção de som de um piano, os quais são ativados pela interface própria
de produção de som:
• Colocar objetos para vibrar entre as cordas (piano preparado);
• Colocar objetos para vibrar sobre as cordas (por exemplo, folhas de
papel);
62
MÚSICA HODIE
CARDASSI, L. (p. 59-78)
• Colocar objetos entre os martelos e as cordas;
• Sons eletrônicos controlados ao vivo pelo pianista;
• Baixar teclas de maneira silenciosa para que elas vibrem de maneira
simpática quando outras teclas são acionadas de maneira própria.
Extensões de nível elevado de impropriedade
São aquelas em que tanto o som produzido quanto a técnica empregada são impróprios. A maioria delas deixa de lado a interface própria
do piano e evita a função mediadora do sistema de martelo e abafadores do instrumento, fazendo uso de partes do corpo ou de objetos para
tocar diretamente em diferentes partes do piano.
Partes do corpo tais como ponta do dedo, unha, palma da mão,
punho, etc, podem ser usados para:
• Bater, arranhar ou deslizar sobre as cordas;
• Bater na madeira;
• Deslizar sobre ou apertar as cravelhas;
• Bater na tampa do piano;
• Bater nos pedais com os pés;
• Pressionar um ponto nodal de uma das cordas enquanto a corda é
ativada através do teclado ou de pizzicato.
Objetos são prescritos para:
• Bater ou deslizar sobre as cordas;
• Deslizar sobre as teclas;
• Bater na estrutura de metal;
• Bater na caixa harmônica através dos buracos na estrutura de metal;
• Tocar as cordas do piano com um arco de violino (bowed piano);
• Acionar indiretamente a vibração de uma corda;
Extensões de nível extremo de impropriedade
Não envolvem som de piano per se:
• Gestos teatrais sem nenhum som;
• Outros sons, não produzidos pelo piano, mas executados próximos do piano, seja através do uso de partes do corpo (por exemplo,
cantando, gritando, batendo os pés), de objetos, ou de sons prégravados e acionados por controle remoto pelo pianista;
• Outros sons, não produzidos pelo piano, mas executados sobre as
cordas abertas do piano, explorando a reverberação do som.
1.2 Elementos extramusicais
A intenção de se referir em música a temas da experiência de vida
do compositor, ou de elementos de uma determinada cultura, é expressa
por Walt Whitman como uma busca pela “vivificação” de elementos externos. “Sem essa vivificação definitiva – a qual apenas o poeta ou outro artista pode dar – a realidade pareceria incompleta, e a ciência, a democracia, e
a própria vida, seriam, finalmente, em vão (WHITMAN, 1977, p. 299).
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63
Para Fernando Pessoa, a arte é a representação simultânea de duas
paisagens, uma interior e outra exterior (GALHOZ, 1960, p. 31). O poeta
também afirma que “a arte pode ser admitida como a interseção de um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior” (Ibid.).
A partir das ideias de Pessoa e Whitman, a referência a ideias extramusicais em Desassossego Latente, tais como a escolha do título e do texto a ser
recitado, reflete uma busca do compositor em vivificar a sua música, e de
representar através da arte, a sua paisagem interior.
Segundo Meyer (1994, p. 6), a expressão musical de elementos extramusicais decorre da capacidade da música de “evocar associações e conotações relativas ao mundo das ideias, sentimentos, e objetos físicos”. Essa
concepção semântica é reafirmada por Nattiez (1990, p. 102): a música “sendo um fato simbólico, tem o potencial de se referir a alguma coisa”. De fato,
o pressuposto semântico de que a música tem a capacidade de carregar significados, de vivificar experiências, e de estabelecer correlações com outras
artes, tais como a relação entre música e poesia6, permite-me investigar na
peça de Ribeiro um possível paralelo entre o repertório de gestos musicais
recorrentes, as palavras recitadas, e a experiência de descoberta desse texto
pelo compositor. De acordo com Boulez (1986, p. 189), “a música tem sua própria semântica firmemente enraizada nas suas próprias estruturas básicas e
obedecendo leis específicas, de forma que o sentido que ela comunica é paralelo, ao invés de idêntico, ao sentido comunicado pelas palavras”. A investigação analítica das técnicas estendidas criadas por Ribeiro nessa composição podem, portanto, comunicar um sentido paralelo às palavras recitadas,
e, consequentemente, ao caráter de desassossego que dá título à peça.
A análise do texto musical foi feita em paralelo a entrevistas com
o compositor. A autora deste trabalho foi colaboradora do compositor na
criação dessa obra musical, portanto a investigação analítica está imbuída
também de memórias da vivência da pianista durante o processo criativo
de Desassossego Latente.
2. Desassossego Latente
A peça Desassossego Latente (2010) para piano e recitação foi a resposta do compositor Felipe Ribeiro à minha solicitação de uma peça para
64
MÚSICA HODIE
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piano que fizesse uso da minha voz. Conhecendo a obra de Ribeiro, observo que em Desassossego Latente o compositor reitera elementos presentes
em suas duas peças recentes para piano: “...meu sonho conduz minha inatenção...” (2008), e ad te... per ludum (2009), a primeira para piano solo e a
segunda para piano preparado e voz. Em “...meu sonho conduz minha inatenção...” Ribeiro já parece buscar estender o piano através de uma reflexão cuidadosa sobre a ressonância do instrumento. A peça não apresenta
técnica estendida per se, mas faz uso extensivo do pedal tonal e de clusters
baixados de maneira silenciosa, causando as cordas desses clusters a vibrar
por simpatia. Já em ad te... per ludum, uma peça curta para piano preparado e voz, o compositor parece ter experimentado com cores diferentes ao
se utilizar de técnicas estendidas tais como a colocação de moedas entre as
cordas e de um tipo de tecido entre as cordas e os abafadores. O uso de técnicas estendidas em ad te... per ludum parece ter proporcionado ao compositor a criação de uma paleta de possibilidades que ele desenvolveu e consagrou em Desassossego Latente.
2.1 O piano estendido em Desassossego Latente
Adotando-se os critérios de classificação de Vaes (2009), o piano
estendido na peça em estudo apresenta várias técnicas de nível médio, nível elevado e nível extremo de impropriedade.
2.1.1 Técnicas de nível médio de impropriedade em Desassossego
Latente
Existem duas categorias entre as técnicas de nível médio: a) aquelas em que ocorre a produção de um som próprio através de uma interface
imprópria ou b) aquelas em que ocorre a produção de um som impróprio
através de uma interface própria. Três tipos de extensões em Desassossego Latente fazem parte desta última categoria, em que apesar das teclas serem baixadas de maneira própria, o som resultante difere do som próprio
do instrumento. A descrição de cada técnica consta da seção de instruções
que acompanha a partitura (RIBEIRO, 2010):
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MÚSICA HODIE
65
Piano preparado: as notas C3 e Bb3 têm uma moeda colocada no meio
da corda, (aproximadamente o segundo harmônico). A sonoridade
assemelha-se a de um gongo. A circunferência da moeda deve cobrir
exatamente o espaço das três cordas, sem sobra, para evitar vibrações
metálicas indesejadas. Moedas de 10 centavos de dólar americano ou
canadense, ou de 2 centavos de euro são opções viáveis, mas fica a
critério do pianista encontrar a moeda ideal para cada piano. O piano
preparado é notado através de cabeça de notas quadradas.
Sons harmônicos: a tecla a ser baixada tem a cabeça da nota em formato de diamante enquanto o som resultante está entre parêntesis.
Deve-se preparar o piano com antecedência utilizando-se de giz, pincel atômico, etiquetas de papel ou outra forma de marcação a fim
de mapear cada harmônico. Antes da tecla ser baixada a outra mão
rapidamente se coloca dentro do piano e toca com a ponta de um dedo
a região da corda marcada previamente.
Notas abafadas: algumas teclas são baixadas enquanto a outra mão
abafa a corda próximo ao respectivo agrafe.
2.1.2 Técnicas de nível elevado de impropriedade em Desassossego
Latente
As extensões a seguir fazem parte de uma categoria em que nem a
maneira de produção do som, nem o som resultante, são considerados próprios do instrumento, ou seja, estas extensões apresentam nível elevado de
impropriedade:
Pizzicato: as notas em cruz indicam pizzicato de unha diretamente
nas cordas:
Teclas baixadas de maneira silenciosa: o pedal sostenuto nesta peça
ignora as notas acima do Dó central. Quando a ressonância de notas
agudas é necessária, o pianista precisa pressionar de maneira silenciosa uma tecla enquanto, com a outra mão, realiza o pizzicato nas
cordas.
Clusters silenciosos: são notados com as notas limites no agudo e no
grave dentro de uma caixa e utilizados apenas para indicar a região
do pedal sostenuto. Todos os clusters notados dessa maneira devem
ser pressionados de maneira silenciosa, e sustentados pelo pedal sostenuto. Clusters são sempre cromáticos.
Glissando nas cravelhas: glissandi de unha ou ponta do dedo nas
cordas entre as cravelhas e os agrafe. As alturas apenas indicam a
região aproximada a ser executado o glissando.
66
MÚSICA HODIE
CARDASSI, L. (p. 59-78)
2.1.3 Técnicas de nível extremo de impropriedade em Desassossego
Latente
O uso da voz é extensão de nível extremo nessa peça de Ribeiro,
pois não envolve som de piano per se. Entretanto, a voz é utilizada quase
sempre com o pedal de sustentação baixado, o que significa que as cordas
do piano ressoam por simpatia ao serem acionadas por sons vocais produzidos no interior do piano. Em Desassossego Latente a voz é usada de duas
maneiras: cantando, sempre senza vibrato, ou sussurrando, em pianíssimo,
mas de maneira audível.
2.2
O texto
O texto da peça é formado por uma série de 12 palavras em dois
idiomas: romeno e húngaro:
Romeno
sânge
singurātate
opresiune
te rog
moarte
ajutor
milă
nu
frică
anxietate
nervos
cruditate
Húngaro
vér
magány
elnyomás
kérem
halál
segítség
irgalom
nem
félelem
szorongás
ideges
kegyetlenség
Português
sangue
solidão
opressão
por favor
morte
ajuda
perdão
não
medo
ansiedade
nervoso
crueldade
Tabela 1: Lista de palavras em romeno e húngaro, e a tradução para o português, criada pelo
compositor em Desassossego Latente.
Observa-se um significado comum entre todas as palavras – elas se
relacionam a situações de terror e ansiedade. O compositor observou, em
visita recente ao leste europeu, que esses sentimentos fazem parte do diaa-dia das pessoas. Ribeiro afirma que a escolha de uma lista de palavras ao
invés de um poema veio ao encontro do seu interesse por um texto menos
narrativo, mas de significado pungente:
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Tento evitar um texto narrativo demais, o que de certa maneira distancia o ouvinte da estrutura musical da peça. As palavras (de certa
maneira, jogadas no texto) são inspiradas numa exposição que assisti
em Budapeste. Foi minha primeira vez nessa cidade e fiquei assustado com a realidade deles. É um povo que ainda hoje sofre as consequências do Nazismo e principalmente do Comunismo. Em Budapeste
existe o “museu do terror” onde espera-se construir uma consciência
do perigo dessas ditaduras. O prédio deste museu foi utilizado pelos
Nazistas e pelos Comunistas para torturas e assassinatos. Quando
entrei no porão do museu, tive essa sensação de tempo parado, uma
mistura de concentração e medo. A partir daí, resolvi aplicar essa
experiência nessa peça (RIBEIRO, 2010).
Apesar do significado imbuído nessa lista de palavras, criada por
Ribeiro, importa salientar que, durante o processo composicional, ela foi
usada de maneira intuitiva. Palavras com ênfases em vogais foram escolhidas para momentos em que a voz canta e palavras com ênfases em consoantes para momentos de recitação. A escolha da palavra a ser utilizada,
e em que momento, ocorreu de maneira intuitiva, mas não aleatória. Algumas palavras que compõem a lista não fazem parte da versão final da
peça. A escolha de dois idiomas que o compositor não domina, permitiu a
ele “trabalhar num terreno desconhecido e portanto com maior liberdade”
(RIBEIRO, 2010), e reforça a ideia de que para Ribeiro o som se sobrepõe
ao significado individual de cada palavra. De fato, a lista de palavras foi
utilizada como opções de sonoridade e não é necessária a compreensão de
cada palavra durante a performance. Mesmo assim, vale ressaltar a relação
entre o significado geral da lista e o título da peça – Desassossego Latente.
Desassossego significa agitação, perturbação, falta de sossego, enquanto latente significa algo não aparente, que não se manifesta por fora. Todas as
palavras da lista de Ribeiro são enraizadas em sentimentos dessa natureza,
estabelecendo coesão entre título e material textual da peça.
3. Repertório de gestos musicais
A partir do estudo rigoroso da peça de Ribeiro podemos observar
a recorrência de determinados gestos musicais, os quais serão discutidos
no que se refere ao material musical e função desempenhada em Desassossego Latente:
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3.1Arpejo descendente: um dos gestos de maior recorrência na
peça. Consiste em um breve arpejo, de 4 ou 5 notas apenas, em articulação
staccato e em crescendo, mantendo níveis médios de intensidade. Uma das
ocorrências desse gesto afirma a sua função na peça: podemos observar no
Exemplo 1 que o arpejo descendente articula uma gesto vocal, e a palavra
que o precede é ajutor, que significa ajuda. É como se esse gesto assumisse
um caráter de pedido de socorro, um pedido que não podia ser compreendido até esse momento, mas que já estava presente desde o início da peça.
Exemplo 1 – Desassossego Latente, comp. 36. Arpejo descendente articulando o
gesto vocal com a palavra ajutor.
Esse pedido de socorro assume às vezes um caráter insistente, obsessivo, e que combinado com o gesto em notas repetidas, produz um ambiente de tensão e ansiedade (Ex 2).
Exemplo 2: Desassossego Latente, comp. 58. Arpejo descendente de caráter insistente.
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Ao final da peça, o arpejo parece se contrair em 5 notas subjacentes, no registro grave do piano, e o gesto ocorre com as notas abafadas,
como se o pedido de socorro fosse ao final abafado, sem resposta (Exemplo 3).
Exemplo 3: Desassossego Latente, comp. 68-69. Arpejo descendente transformado
em notas adjacentes abafadas no registro grave.
3.2Notas repetidas: este gesto ocorre por toda a peça, quase sempre em crescendo e em acelerando. A manifestação mais explícita desse
gesto são as acciaccaturas, que ocorrem no registro médio e agudo, e cujas
notas devem ser repetidas o mais rápido possível, proporcionando um ambiente de caráter nervoso (Exemplo 4):
Exemplo 4: Desassossego Latente, comp. 11. Acciaccaturas seguidas de arpejo
descendente.
Em outros momentos, o gesto em notas repetidas ocorre no registro grave, em pianissimo, e com as notas abafadas, com um caráter diverso.
O ambiente de nervosismo das acciaccaturas parece se transformar em um
ambiente de suspense (Exemplo 5):
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Exemplo 5: Desassossego Latente, comp. 17. Notas repetidas abafadas no registro
grave.
As notas são às vezes repetidas em pizzicato nas cordas, sempre
em crescendo e accelerando:
Exemplo 6: Desassossego Latente, comp. 64. Notas repetidas em pizzicato.
3.3Mesmas alturas, executadas através de técnicas estendidas
diversas: este gesto se aproxima do gesto de notas repetidas, pois o efeito
resultante é o de uma sequência de sons de mesma altura. As notas são, entretanto, repetidas de maneira esparsa, e com frequência utilizando técnicas de pizzicato nas cordas e de sons harmônicos executados em diferentes cordas no piano. O caráter desse gesto é, portanto, bastante diferente
daquele de notas repetidas de maneira nervosa. Aqui, o material musical
associado às palavras sussurradas pela pianista, estabelecem um ambiente
delicado, de reflexão e serenidade (Exemplo 7 e 8).
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Exemplo 7: Desassossego Latente, comp. 33-34. Mesmas alturas, obtidas através de
técnicas estendidas diversas.
Exemplo 8: Desassossego Latente, comp. 43-44. Mesmas alturas, obtidas através de
pizzicato nas cordas, sons harmônicos e voz.
3.4Glissando nas cravelhas e notas preparadas: um glissando
breve, nas cravelhas, em crescendo mas sempre em intensidade reduzida,
e que ocorre com frequência associado a uma ou ambas as notas preparadas com moedas (som de gongo). O som de gongo articula o glissando, produzindo um gesto que explora o elemento surpresa (Exemplo 9): são apenas duas as notas preparadas nessa peça, portanto, quando elas ocorrem,
um ambiente novo é criado. O som de gongo é definitivamente um elemento surpresa nessa peça, e associado ao glissando dentro do piano, esse efeito é ampliado. É um gesto delicado, que produz um ambiente sonoro bas72
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tante sutil, semelhante ao ambiente de reflexão e ansiedade relacionado ao
gesto anterior.
Exemplo 9: Desassossego Latente, comp. 37. Glissando nas cravelhas associado às
notas preparadas com moedas entre as cordas (som de gongo)
3.5Camada de ressonância: o pedal tonal é utilizado a fim de sustentar o som de clusters cromáticos baixados de maneira silenciosa (Exemplo 10). A aura de ressonância produzida por esse recurso, acionada através
de um ou mais acordes em articulação staccato e em intensidade elevada,
configura um nível subjacente de sonoridade que permeia boa parte da
peça. Essa camada subliminar produz um caráter de duplicidade, ou seja,
através desse recurso a peça existe em dois universos paralelos: um universo sonoro concreto, formado de gestos musicais claramente identificáveis, e
outro subliminar, formado por uma nuvem de sons harmônicos variáveis.
Exemplo 10: Desassossego Latente, comp. 1-4. Acorde e arpejo em sfz acionando a
camada de ressonância criada pelo cluster sustentado pelo pedal tonal
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4. Paralelo entre os gestos musicais e o texto em Desassossego
Latente
Segundo Boulez (1986, p. 184), a relação entre música e poesia
pode assumir muitas formas, em vários níveis diferentes de interação: desde o mais evidente, quando o compositor coloca em música o texto, até o
mais profundo, quando a poesia é incorporada à música como sua “fonte de
irrigação”. Em Desassossego Latente, Ribeiro criou uma lista de palavras,
a qual mantem relação direta com os sentimentos relacionados a situações
de terror e ansiedade vivenciados pelo compositor em visita ao leste europeu. A lista de palavras, imbuída de significado pungente, configura portanto a fonte de irrigação dessa peça musical.
O compositor afirma que fez uso da lista de palavras de maneira
intuitiva. De fato, não existe uma relação direta entre o material musical e
as palavras cantadas ou sussurradas nessa peça. O que a investigação analítica de Desassossego Latente permitiu observar foi a recorrência de alguns gestos musicais, e através deles, e o estabelecimento de determinados
ambientes sonoros, os quais são a expressão musical dos sentimentos irrigados pelo texto.
O gesto recorrente em notas repetidas, de caráter nervoso, produz
um ambiente de tensão e ansiedade quando se trata de acciaccaturas em
crescendo (Exemplo 4). Esse ambiente de tensão se transforma quando as
notas repetidas ocorrem no registro grave, com as notas abafadas (Exemplo 5). De fato, as duas técnicas estendidas que ocorrem associadas a esse
gesto - aquela em que o som das cordas é abafado através da colocação de
uma das mãos sobre as cordas do piano, e aquela em que as notas são executadas em pizzicato nas cordas - transformam o ambiente de tensão desse
gesto em um ambiente de suspense, reflexão e resignação.
O gesto recorrente em arpejos descendentes produz um ambiente
sonoro também de tensão e ansiedade, como um grito de socorro, enfatizado pelo uso desse material musical em associação com a palavra ajutor
(Exemplo 2). Também nesse gesto observa-se que o uso de técnicas estendidas, neste caso as notas abafadas no registro grave ao final da peça (Exemplo 3) transforma o ambiente sonoro característico do gesto. Na última instância desse gesto, o grito de socorro em arpejos é concentrado em nota
consecutivas, e o som abafado, quase inaudível. O ambiente sonoro de ten74
MÚSICA HODIE
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são relacionado a esse gesto em arpejos é portanto transformado em um
ambiente de resignação, em que o grito de socorro é calado.
Através da investigação dos gestos recorrentes em arpejos e em notas repetidas, observa-se que as técnicas de piano estendido foram utilizadas de maneira a transformar o caráter nervoso e de tensão desses dois gestos em um ambiente de suspense ou resignação. Todos esses sentimentos
encontram paralelo nas lista de palavras de Ribeiro.
Os demais gestos recorrentes em Desassossego Latente fazem uso
quase exclusivo de piano estendido. O gesto em que mesmas alturas são
executadas através de diferentes técnicas estendidas, inclusive a voz, produz um ambiente sonoro tranquilo, de reflexão e serenidade, sem resquício
algum de agressividade (Exemplo 7 e 8). Os dois últimos gestos recorrentes, tanto o que faz uso das notas preparadas, quanto o que utiliza o pedal
tonal, também produzem um ambiente sonoro delicado, de serenidade, em
que a memória de sentimentos de tensão existe de maneira subjacente, sem
agressividade.
A análise dos gestos musicais recorrentes nos permite discorrer
sobre o uso de técnicas estendidas em Desassossego Latente. Gestos como
os de notas repetidas e em arpejos descendentes ocorrem na maioria das
vezes independentes do piano estendido. Entretanto, quando técnicas estendidas são associadas a esses gestos, o ambiente sonoro criado por eles é
completamente diverso. O caráter nervoso e de ansiedade se transforma em
um ambiente de serenidade. Quanto aos demais gestos recorrentes, gerados
quase na sua totalidade por meio de técnicas estendidas, o ambiente sonoro
produzido é sempre mais delicado, como a memória de momentos difíceis,
que não queremos vivenciar novamente, mas que continuam pungentes.
Considerações finais
Os ambientes sonoros característicos em Desassossego Latente são
irrigados a partir do texto criado por Ribeiro e decorrem da reiteração de
determinados gestos musicais. Sentimentos associados às palavras que
compõem o texto são interpretados através de ambientes sonoros de dois tipos: um de caráter nervoso e ansioso, outro de caráter sereno, de suspense
e resignação. Entre os gestos musicais recorrentes, aqueles que fazem uso
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do piano estendido, seja em níveis médios, elevados ou extremos de impropriedade, estabelecem ambientes sonoros que evocam sentimentos mais
delicados, ora de suspense e resignação, ora de reflexão e memória. O uso
da voz do (a) pianista constitui técnica estendida, e a voz também é utilizada nessa peça de maneira sutil, ora cantando em intensidade reduzida, ora
sussurrando, de acordo com os ambiente sonoros de serenidade.
A lista de palavras de Ribeiro e o título da peça são a fonte de irrigação de Desassossego Latente, e o piano estendido é o instrumento através dos quais os sentimentos pungentes vivenciados pelo compositor permanecem latentes nessa obra. O compositor fez uso do piano estendido a
fim de explorar sons que não pertencem ao universo sonoro convencional
do piano. A utilização do piano estendido nessa peça tem uma relação com
a escolha estética do compositor de Ribeiro, que diz se encontrar às vezes
em um “limbo estético, com a sensação de não pertencer” a nenhuma linha estética da música de hoje (RIBEIRO, 2010). Talvez esse seja um traço
de personalidade característico de muitos compositores em busca de uma
linguagem individual. É certo que no caso de Cage, Cowel, Crumb e outros compositores que estenderam as possibilidades tímbricas do piano no
último século, a busca por uma independência dos sons convencionais do
piano levou-os a produzir algumas das obras para piano mais significativas do século XX.
Notas
Desassossego Latente faz parte do projeto Going North, um programa de recital com peças
de compositores brasileiros e canadenses. As peças são para piano, voz da pianista, sons
eletrônicos e filme, e foram compostas especialmente para este projeto.
2
Na bibliografia em português, a expressão “técnicas expandidas” (e não “técnicas estendidas),
é utilizada por Tokeshi, 2003, Copetti & Tokeshi, 2005, e outros autores.
3
Uma extensa série, editada por Bertram Turetzky e Berney Childs, que inclui volumes sobre
o clarinete (Rehfeldt, 1994), violino (Strange, 2001), contrabaixo (Turetzky, 1989), flauta
(Howell, 1974), trombone (Dempster, 1979), violão (Scheiner, 1986), harpa (Ingefield & Neil,
1985), oboé (Van Cleve, 2004) e voz (Edgerton, 2005).
4
Além da bibliografia citada nas notas acima, vale mencionar os trabalhos de Tokeshi, 2003
e Copetti & Tokeshi, 2005 sobre técnicas estendidas no violino.
5
Para descrição completa e exemplos específicos de cada extensão, consulte Vaes, 2009, p.
19-21.
6
Tema que desenvolvi em trabalho anterior (CARDASSI, 1998).
1
76
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CARDASSI, L. (p. 59-78)
Referências bibliográficas
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CAGE, John. How the Piano Came to be Prepared. In: John Cage - Prepared Piano
Music, Volume 1, 1940-47. New York: Edition Peters.
CARDASSI, Luciane. A música de Bruno Kiefer: “terra”, “vento”, “horizonte” e a
poesia de Carlos Nejar. Dissertação – Mestrado – UFRGS-PPGMUS. Porto Alegre,
1998.
CHUN, Yung Hae. The Extension of Piano Technique in Compositions by George
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1982.
COPETTI, Rafaela & TOKESHI, Eliane. Técnica Expandida para Violino: classificação
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Rio de Janeiro, 2005, p. 318-323.
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REHFELDT, Phillip. New Directions for Clarinet. Metuchen, NJ: The Scarecrow
Press, 1994.
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MÚSICA HODIE
77
RIBEIRO, Felipe. Correspondência por e-mail com Luciane Cardassi. 7 set 2010.
2010.
. Desassossego Latente. Para piano e recitação. Partitura. Buffalo: Finale,
. ad te... per ludum. Para piano preparado e voz. Partitura. Buffalo: Finale,
2009.
. ...meu sonho conduz minha intenção... Para piano solo. Partitura. Buffalo:
Finale, 2008.
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VAES, Luk. Extended Piano Techniques: In Theory, History and Performance
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VAN CLEVE, Libby. Oboe Unbound: Contemporary Techniques. Metuchen, NJ: The
Scarecrow Press, 2004.
Luciane Cardassi - Pianista. Doutora em Música (Contemporary Music Performance)
pela Universidade da Califórnia, San Diego (EUA) e Mestre em Música/Piano pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi bolsista da CAPES. Tem artigos
publicados em importantes revistas nacionais na área de performance da música
contemporânea, além de palestras e concertos no Brasil e exterior.
78
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CARDASSI, L. (p. 59-78)
Manipulação Eletrônica e Piano Preparado:
o Fluxo Temporal de Instantânea
Live Eletrônics and Prepared Piano: the Temporal Flow in Instantânea
Joana Holanda - UFPel
[email protected]
Lucia Cervini - UFPel
[email protected]
Rogério Tavares Constante - UFPel
[email protected]
Veridiana Gomes de Lima - UFPel
[email protected]
Resumo: O artigo aborda a obra Instantânea (2005) para piano preparado com manipulação eletrônica do compositor brasileiro Bruno Ruviaro (1976). Enfoca questões referentes à preparação
e aos processos de manipulação eletrônica em sua relação com a interpretação. Permeando esta
discussão, o artigo apresenta uma análise do fluxo temporal da obra, a partir de sua estruturação temporal. A análise desvela simetrias em diversos níveis.
Palavras-chave: Piano preparado; Manipulação eletrônica; Interpretação; Fluxo temporal; Proporção áurea.
Abstract: The article discusses Instantânea (2005) by Brazilian composer Bruno Ruviaro (1976)
for prepared piano and live electronics. The prepared piano’s acoustical implications and the
live electronics processes are discussed along with the performer’s point of view. It offers an
analysis of the work’s temporal flow, signaling proportions on its structure. The analysis reveals
symmetries on multiple levels.
Keywords: Prepared piano; Live electronics; Analysis; Interpretation; Temporal flow; Golden
ratio.
Introdução
Este artigo apresentará resultados da pesquisa “Práticas Interpretativas no Repertório Brasileiro para Piano Preparado”1. Enfocará a obra
Instantânea (2005) para piano preparado com manipulação eletrônica2 do
compositor paulista Bruno Ruviaro (1976).
Um dos principais problemas apresentados na pesquisa (compreendendo composição, estudo e interpretação) com o piano preparado concerne ao distanciamento entre a partitura original, codificada segundo os símbolos convencionais da escrita musical, e sua realização acústica. O mesmo
aplica-se a partituras de obras com manipulação eletrônica, dado o seu distanciamento do resultado sonoro final.
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79
As primeiras experiências realizadas na pesquisa possibilitaram
um reconhecimento de características gerais das transformações sonoras
advindas da preparação do instrumento, possibilitando tecer relações entre os tipos de materiais empregados em diferentes regiões do piano e o resultado acústico advindo dessa aplicação.
Em Instantânea os sons do piano são transformados a partir da
preparação do instrumento e também a partir da manipulação eletrônica. O artigo discutirá ambos, relacionando-os à estruturação temporal da
obra. Características específicas do processo de construção da interpretação emergem da relação entre as transformações proporcionadas pelo patch de Instantânea e a sua realização instrumental.
Instantânea
Instantânea (2005), de Bruno Ruviaro foi composta para a pianista
e compositora Tânia Lanfer, a quem é dedicada. A obra é estruturada em
duas partes contrastantes: I - bem rápido, e II- Moderado. A primeira parte
é caracterizada por um fluxo musical contínuo gerado a partir de pequenas variações sucessivas do motivo gerador, ou motivo paradigmático3. A
sonoridade advinda da preparação do instrumento é determinante para o
estabelecimento de um continuum4 musical.
Exemplo 1: [1] representação do motivo gerador- cluster seguido de escala
descendente/ascendente formada pelas notas do próprio cluster.
Preparação
As instruções de preparação de Instantânea indicam o material a
ser usado na preparação [fita adesiva] e as regiões a serem preparadas: o extremo agudo (Mi6-Dó8)5 e partes da região média (Mib2-Sib2, e Dó3-Mib3).
80
MÚSICA HODIE
HOLANDA, J.; CERVINE, L.; CONSTANTE, R. (p. 79-92)
Exemplo 2: Instruções de preparação de Instantânea- Estas notas devem ser
preparadas com fita adesiva cobrindo as cordas da região delimitada pelas alturas
indicadas.
A fita adesiva abrange cordas adjacentes, sendo assim, tem-se uma
preparação homogênea para um conjunto de notas6. Para a preparação da
região média adicionamos também uma meia de nylon fina entrelaçada entre as cordas, conforme sugestão do próprio compositor.7 Ruviaro recomenda: “o som resultante deve ser bastante seco e percussivo.”
Figura 1: Preparação do piano no registro agudo (Dó6-Dó8) com fita adesiva abrangendo
cordas adjacentes.
Na região aguda do piano, o som gerado pelo próprio mecanismo
(ação do martelo percutindo corda) fica mais evidente do que em registros
mais graves. “O som do impacto do martelo não é tão perceptível no registro grave como é no agudo. Para as cordas do registro agudo o som do imVol. 11 - Nº 2 - 2011
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pacto é quase tão presente quanto o da própria nota.”8 (BLACKHAM, 1965,
p. 99). A preparação com fita adesiva na região aguda ressalta ainda mais o
som percussivo do mecanismo do piano pois funciona como um abafador,
com abreviação do tempo de decay9 das notas.
É a fusão entre os sons sucessivos que estabelece o continuum musical na parte I de Instantânea. Em contraste, a preparação ressalta o ataque
de cada nota; o continuum musical preserva portanto uma textura granular, determinante para as transformações do motivo gerador e suas implicações para a estruturação temporal da obra.10
Estruturação temporal
Transformações do motivo gerador
O Exemplo 3 apresenta uma rede11 com o desenvolvimento do motivo gerador.
Embora a parte I de Instantânea apresente um fluxo praticamente
contínuo de fusas em quiálteras de dez, este continuum temporal é demarcado12 e elaborado em diversos níveis, acarretando a formação de pulsos13
variados. Um dos aspectos mais inventivos de Instantânea é justamente
a sobreposição e a variação interna estabelecidas nos níveis estruturais14
seguintes:
Nível 1: Demarcado pelo acento na apresentação do cluster. A cada
apresentação de um cluster, tem-se uma nova segmentação no nível 1. (Linha contínua no Exemplo 4)
Nível 2: Demarcado pela modificação melódica interna no nível 1.
Em um mesmo segmento de nível 1 pode haver mais de uma demarcação
do nível 2, caso haja modificação do padrão melódico. (Linha pontilhada
no Exemplo 4)
Nível 3: Demarcado pelo menor padrão motívico reiterado. (Círculo no Exemplo 4). O Exemplo 4 apresenta também circulados ao final dos
dois compassos fragmentos dos segmentos de Nível 3, entendidos como variações dos anteriores.
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Exemplo 3: Rede de desenvolvimento do motivo gerador.
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Exemplo 4: Representação dos níveis estruturais.
O nível 3 estabelece demarcações a partir do contorno melódico.
No Exemplo 4 a demarcação ocorre a cada 8 fusas [2], depois a cada 4 fusas
[3]. O Exemplo seguinte ilustra as demarcações de nível 3 no limite agudo
do padrão melódico [1]:
Exemplo 5: a seta representa as demarcações de nível 3. Os números abaixo da
figura indicam os BPM em níveis sobrepostos: de nível 1 [1], e de nível 3 [1] e [2].
Cada novo segmento de níveis 1, 2 e 3 apresenta uma duração diferente, implicando uma nova velocidade15 para o pulso gerado por essas
demarcações. Para calcular o número de pulsações por minuto (BPM) do
primeiro segmento do nível 1 na figura 6 (demarcado pelos clusters, neste caso coincidente com o primeiro compasso), dividiremos 75 (velocidade
da semínima) por 9 (número de semínimas do trecho) = 8,33333333 BPM.
Com o cálculo 60/8,33 = 7,2s, têm-se o tempo aproximado em segundos do
nível 1. O mesmo raciocínio aplica-se para o cálculo da duração aproximada em segundos do segmento nível 3, dividindo a duração do nível 1 (7,2),
pelo número de demarcações de nível 3 no trecho em questão (18, no primeiro compasso, indicadas pelas setas).= 0,4s.
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O gráfico seguinte apresenta a duração aproximada em segundos
de todos os segmentos dos níveis 1 2 e 3 da seção A, sobrepostos:
Gráfico 1: Tempo de duração em segundos dos segmentos dos níveis 1 e 2.
A partir do tempo de duração de cada segmento pudemos observar
simetrias na organização do fluxo temporal de Instantânea em todos os níveis
estruturais, na macro e micro estruturas. A seção I está subdividida em duas
partes, separadas por uma pausa: A1 [1]- [12] e A2 [13]- [32]. A maior parte das
demarcações do nível 1 (2,3,9,10,11,12,e 13, vide Gráfico 1 e Figuras 2 e 3) estrutura-se em proporção áurea16, formando uma rede de relações simétricas.
Figura 2: Proporções em A1.
Figura 3: Proporções em A2.
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Essas proporções podem ser verificadas também nos 2º e 3º níveis
estruturais. Em ambos os níveis, segmentos consecutivos apresentam durações proporcionais tanto em 2:1, 3:1, quanto em proporção áurea. (Vide
Gráfico 1)
Ao final da seção I, (segmento 14 do nível 1) há uma reapresentação de todas as variações anteriores, na ordem em que foram apresentadas,
mas com sua duração abreviada. Nesta reapresentação, a relação de proporcionalidade entre cada um dos eventos reiterados não obedece àquela
estabelecida anteriormente (embora estabeleça também de 2:1, 3:1 e de proporção áurea entre eventos consecutivos) e portanto quebra a expectativa
criada com a primeira exposição do material. Além disto, ocorre uma aceleração do processo, culminando com o maior crescendo da obra, em trêmulo de clusters [33]. A este ponto culminante sucede uma transição para
a parte II.
Papel estruturador do timbre e manipulação eletrônica
Um dos elementos de contraste entre as duas seções da obra I [1]–
[32] e II [33]–[119] é o timbre. Toda a primeira seção fica circunscrita ao registro agudo, com o uso dos sons resultantes da preparação com fita adesiva, enquanto na seção B prevalecem os sons naturais do piano, em alturas
não preparadas do registro médio. A primeira sonoridade da seção B é também o primeiro som natural do piano da obra: um Si5.
A manipulação eletrônica contribui também para o contraste entre
as duas seções pois há um processo de gradação na transformação propiciada pelo patch17. O patch começa com parâmetros que alteram bastante o
som, e os processos são gradualmente atenuados. Quando se inicia a parte
II da composição, seção que apresenta os sons naturais do piano, estes são
apenas levemente alterados eletronicamente. “A tendência geral do processamento da peça toda é ir de “muito processamento” para “quase-zero processamento” no fim.”18
O patch de Instantânea utiliza o “dopplerdelay19” como motor fundamental de todo esse processo. Bruno Ruviaro esclarece como o processamento do som impacta a textura:
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Tecnicamente falando, e’ uma espécie de efeito doppler controlado
(...). No inicio do processamento (assim que ligar o patch), a manipulação transpõe as notas pra cima e pra baixo, como se fossem pequenos
glissandi dentro de uma tessitura limitada. Alem disso, existem sempre umas 4 vozes ao mesmo tempo. Em outras palavras, quando você
toca uma nota no piano, o patch cria 4 repetições transpostas desta
nota, em constante glissando, e a textura fica portanto mas densa.
(comunicação via email, 2011)
O patch de Instantânea obedece sempre ao mesmo “timing” para a
progressão dos parâmetros, o que dificulta ensaios com a manipulação eletrônica isolando seções. Os ensaios são necessariamente “da capo”, e isto
de certa forma limita a experimentação do intérprete com a manipulação
eletrônica.
Não obstante, a rigidez da programação do patch de Instantânea
não prejudica a obra. É confortável para o intérprete respeitar a indicação
de duração da seção I, caracterizada por um fluxo contínuo. Em comentário sobre críticas à rigidez temporal em obras eletroacústicas mistas com
uso de fita, STROPPA afirma:
Embora não haja dúvidas com relação à importância crucial do tempo
em música, esta é uma questão muito mais sutil do que lidar com flutuações temporais. Um intérprete que se sinta confortável com uma
marcação de tempo encontra outras maneiras de expressar suas escolhas interpretativas. Se a composição é realizada de certa maneira,
ninguém na platéia perceberá nada de estranho com relação ao tempo
e a performance será considerada livre como sempre. (1999, p. 41)20
Muito embora a representação na partitura de Instantânea esteja distanciada do resultado sonoro final com a manipulação eletrônica21,
a pré-análise da partitura22 contribuiu para guiar a interpretação da obra
e desvelar seus aspectos estruturais. Em ensaios observamos como as demarcações da primeira seção de Instantânea são reforçadas pelo adensamento da textura propiciado pelo patch.
A segunda parte da obra estabelece forte contraste com a primeira seção. Enquanto na seção I as sonoridades processadas são de caráter
percussivo e em fluxo contínuo, a seção II explora o oposto: o prolongamento do som natural do piano, em alguns trechos até sua extinção natural [113].
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Exemplo 6: Instantânea [109]-[113].
À demarcação temporal discutida anteriormente opõe-se um fluxo
temporal com demarcações rarefeitas, enfatizando, ao contrário, em vez do
continuum formado pela fusão dos ataques, o prolongamento individual do
som sustentado.
O início da parte II é transitivo na medida em que apresenta sons
preparados em um ritardando escrito (como rarefação e memória dos eventos passados) em oposição ao som do Si sustentado:
Exemplo 7: Instantânea - II - Ritardando escrito (alturas preparadas estão circuladas)
em oposição ao Si natural sustentado.
Os sons preparados estarão cada vez menos presentes, prevalecendo os sons naturais do piano. A seção II permite maior liberdade agógica ao
intérprete, dado o seu caráter improvisatório e o ritmo irregular, também
em contraste com o moto contínuo da seção I.
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Conclusão
O processo de estudo e interpretação de Instantânea no âmbito da
pesquisa em práticas interpretativas abrangeu diversas etapas. Beneficiou-se
do trabalho de pesquisa e interpretação anterior realizado em obras referenciais para piano preparado, como Primitive (1942), The Perilous Night (1944) e
Sonatas e Interlúdios (1946-1948) de John Cage (1912-1992) entre outras, mas
exigiu que o foco do trabalho passasse a abranger também as transformações
realizadas pela manipulação eletrônica, em sua relação com a interpretação.
Tanto obras para piano preparado quanto obras instrumentais com
manipulação eletrônica exigem a mobilização de outros saberes por parte
de intérpretes em sua relação com o repertório, como o estudo das implicações acústicas advindas da preparação do piano em Instantânea discutidas
neste artigo. A pesquisa vem favorecendo este processo a partir do trabalho
em equipe e da possibilidade de contrapor abordagens distintas.
As ferramentas analíticas adotadas neste artigo desvelaram aspectos estruturais de Instantânea que poderiam passar despercebidos em
abordagens que não priorizassem o fluxo temporal. Entendemos que a reflexão proposta sobre a sobreposição de níveis estruturais contribui sobremaneira para o estudo e a interpretação da obra em questão. A consciência
das demarcações e da simetria entre seções em diversos níveis é ferramenta para a construção da interpretação a partir de uma concepção orgânica
da obra. As demarcações dos níveis estruturais são reforçadas pelo adensamento da textura propiciada pelo patch.
A pesquisa “Práticas Interpretativas no Repertório Brasileiro para
Piano Preparado” vem possibilitando um diálogo de intérpretes com a produção de compositores da atualidade. O presente artigo reafirma, ao expor a
inventividade de Instantânea, obra de jovem compositor brasileiro, a importância de se desenvolver pesquisas enfocando a nossa produção recente.
Notas
Pesquisa apoiada pela FAPERGS mediante Auxílio Recém Doutor e pelo CNPq mediante
bolsista de iniciação científica.
2
Feita através da utilização do programa Max/MSP. No momento da execução, um microfone capta
os sons produzidos pelo piano e os envia para o computador, onde estes são processados pelo patch
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“Instantânea” (previamente estabelecido pelo compositor). O resultado deste processamento é
enviado em estéreo para o sistema de difusão eletroacústica da sala de concerto.
Motivo paradigmático [ ] é o elemento que sofre o maior número de duplicações com baixo
índice de variação. Isto é coerente com a sua função estrutural predominante, e também
com o seu papel de matriz geradora de outros paradigmas. (GUIGUE,1998, p. 32)
É importante ressaltar que a percepção do Continuum está vinculada a aspectos pesquisados
na Psicoacústica, na qual os fenômenos sonoros são percebidos de maneira diferente da sua
representação física. O próprio conceito de Continuum está relacionado à idéia de Limite,
na qual a percepção humana reproduz sensações de continuum ou discreto considerando
o grau de proximidade de um evento a capacidade perceptiva, e não somente o próprio
fenômeno físico (CERVINI, 2008, p. 3). A tese apresenta também um histórico da concepção
de continuum na música do século XX.
Em relação às oitavas, trataremos aqui a equivalência de dó central = dó 4, assim como o
compositor expressa na partitura.
Outras abordagens de preparação especificam notas a serem preparadas individualmente,
vide diversas obras de John Cage (1912-1992): The Perilous Night (1944), Sonatas e Interlúdios (1946-1948), entre outras.
Comunicação via email. BRUNO RUVIARO. Instantânea. [mensagem pessoal]. Mensagem
recebida em 10 de Dezembro de 2009.
The impact noise of the hammer is not as noticeable in the lower register as it is in the upper.
For the higher strings the impact of noise is almost as loud as the tone itself. (BLACKHAM,
1965, p. 99).
Tempo que um som ou uma nota demora a passar da máxima intensidade obtida após o ataque
para uma intensidade mais baixa que será mantida durante o tempo de duração da nota.
CAMBOROUPOULOS e TSOUGRAS argumentam que a escolha do cravo favorece a textura
granular de Continuum (1968) de Gÿorgi Ligeti (1923-2006) pela natureza dos ataques
produzidos pelo instrumento. (2009, p. 123)
Rede: circuito de variantes do Motivo Gerador. Optamos por apresentar as transformações
em rede ao invés de descrevê-las.
É o modo através do qual o desenrolar do fluxo temporal é segmentado ou estruturado,
podendo abranger diversos níveis estruturais, desde a definição de pequenas estruturas,
- incluindo poucos pontos de referência – até segmentos estruturais mais extensos. As
demarcações estabelecem pontos de apoio que estruturam e conduzem o movimento em
níveis mais profundos. (CONSTANTE, 2006, p. 20).
Pulso é considerado formalmente em seu modelo como fenomenológico. Nenhum pulso
particular é presumido ­– como se poderia fazer suposições, por exemplo, baseadas na
indicação de compasso. – para estar presente em uma certa passagem de música. Antes,
cada pulso deve estar consistente com – pulsações de – ataques atuais na passagem. Um
mínimo de duas passagens iguais é necessária para ativar um pulso; quanto maior o número
de durações iguais sucessivas melhor estabelecido será o pulso. – (ROEDER, 1885, p. 234.
apud CONSTANTE, 2006, p. 26).
O estabelecimento desses níveis estruturais está também relacionado a princípios de
percepção gestáltica, pois indicam agrupamentos de similares, segregação (demarcação) etc.
CAMBOROUPOULOS e TSOUGRAS (2009) desenvolvem trabalho vinculado à percepção
em artigo sobre o Continuum de Ligeti.
Velocidade significa a duração entre dois ataques subseqüentes, expressa através da relação
desta com a medida de um minuto. (CONSTANTE, 2006, p. 29).
Seção Áurea é a divisão de um todo em duas partes de forma que a razão da parte menor
para a parte maior equivalha à razão da parte maior para o todo. O valor proporcional exato
é um número irracional; aproximadamente 0,618034... (HOWAT, 1983, p. 63) O musicólogo
Erno Lendvai adestacou a simetria em obras de Bela Bartok em seu referencial estudo da
obra do compositor (1971) e Roig-Francoli ressalta as relações simétricas em obras de Ligeti,
dentre outros (apud. CAMBOROUPOULOS e TSOUGRAS 2009).
90
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HOLANDA, J.; CERVINE, L.; CONSTANTE, R. (p. 79-92)
“Ambiente de Processamento de Sinal Digital. Brevemente, o “Digital Signal Processing
Environment” usado em Musica para piano e Computador consiste de análise, transformação e módulos de síntese de som. Alguns desses módulos são objetos kernel no Max,
adicionalmente há objetos externos (escritos por Puckette e outros) na qual não são parte
da versão Max padrão, enquanto alguns módulos são algoritmos ou “patchs” que tem sido
desenvolvidos no ambiente de programanção Max pelot autor, Puckette e outros usuários
do ISPW”. (LIPPE, 1996). (The Digital Signal Processing Environment. Briefly, the DSP environment used in Music for Piano and Computer consists of analysis, transformation, and
sound synthesis modules. Some of these modules are kernel objects in Max, additionally
there are external objects (written by Puckette and others) which are not part of the standard Max release, while some of the modules are algorithms or “patches”which have been
developed in the Max programming environment by the author, Puckette, and other users
of the ISPW).
18
Comunicação via email. BRUNO RUVIARO. Instantânea. [mensagem pessoal]. Mensagem
recebida em 29 de Abril de 2011.
19
“O aumento do tempo de delay em tempo real faz a altura deslizar para o grave; a diminuição
do tempo de delay tem o efeito contrário. (...) Em suma, pequenos desvios de tempo
juntamente com grandes desvios de dados (DA) resultam em mudanças de altura extremas,
devido ao Efeito Doppler. Grandes desvios de tempo com pequenos desvios de dados fazem
com que o efeito Doppler seja quase imperceptível. (RUVIARO, 2002, p. 75-76) Delay times
increasing in real time make the sound slide down in pitch; decreasing delay times have
the opposite effect. (…) In sum, short deviation times (DT) coupled with large deviation
amounts (DA) result in extreme pitch changes due to the Doppler effect. Large deviation
times with small deviation amounts render an almost imperceptible Doppler effect.
20
Though there is no doubt concerning the crucial importance of time in music, this is a far
subtler problem than dealing only with temporal fluctuations. A performer at ease with a
click track will find other ways to express his or her interpretive choices. If the composition
is done in a certain way, nobody in the audience will perceive any temporal awkwardness
and the performance will be judged as free as usual. (STROPPA, p. 41).
21
O resultado sonoro decorre do processamento em tempo real. “ Com material sintético, entendido como “aquele que vem das caixas, seja concreto, processado, ou de síntese sonora,
de fonte eletrônica, e não mecânica”, quase não há partitura, pois o resultado sonoro não é
conhecido de antemão. (STROPPA,1999,p. 45).
22
Trabalho realizado com bolsista de iniciação científica.
17
Referências
BLACKHAM, E. Donnell. The Physics of the Piano. Scientific American, New York,
v. 213, n. 6, p. 88-99, dec, 1965.
CAGE, John. Prepared Piano Music. Volume 2 1940-47. New York: Peters, 1947.
CAMBOROUPOULOS, Emilios; TSOUGRAS, Costas. Auditory Streams in Ligeti’s
Continuum: A Theoretical and Perceptual Approach. Journal of Interdisciplinary
Music Studies, v. 3, issue 1&2, p. 119-137 spring/fall, 2009.
CERVINI, Lucia. Continuum, Processo e Escuta em Territoires de L’Oubli: Concepção
de uma Interpretação. Tese (Doutorado). Campinas: Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), Instituto de Artes, Departamento de Música, 2008.
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CONSTANTE, Rogério Tavares. Aspectos de estruturação temporal no Concerto
para Violão e Orquestra. Tese (Doutorado). Porto Alegre: Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), Instituto de Artes, Departamento de Música, 2006.
GUIGUE, Didier. Debussy versus Schnebel: sobre a emancipação da composição e da
análise no Séc. XX. Opus, Rio de Janeiro, v. 5, n. 5, p. 19-47, ago, 1998.
HOWAT, Roy. Review Article: Bartók, Lendvai and the Principles of Proportional
Analysis. Music Analyisis, New York, v. 2, n.1, p. 69-95, mar, 1983.
LENDVAI, Erno. Bela Bartok: An Analysis of His Music. London: Kahn & Avrill,
1971.
LIPPE, Cort. Music for Piano and Computer: A Description. 1996. Disponível em:
<http://www.docstoc.com/docs/79081915/Music-for-Piano-and-Computer--ADescription>. Acesso em: 02 de maio de 2011.
RUVIARO, Bruno. Instantânea. Partitura para piano preparado com manipulação
eletrônica. 2005. Disponível em: <http://www.brunoruviaro.com.br/music/
instantânea>. Acesso em: 20 de agosto de 2010.
. The Spell of Speech. Thesis (Master of Arts). Hanover: Dartmouth College,
2004.
STROPPA, Marco. Live Electronics or... Live Music? Towards a Critique of Interaction.
Contemporary Music Review, Singapore, v. 18, n. 3, p. 41-77, 1999.
Joana Cunha de Holanda - Doutora em Música pela UFRGS, realizou Estágio de Doutourado na
City University, em Londres. Mestre em Música pela University of Iowa, EUA, e bacharel pela
UNICAMP. É professora da UFPel, integrante e co-fundadora do Núcleo de Música Contemporânea,
NuMC. Foi diretora de produção do VI Contemporâneo RS.
Lucia Cervini - Doutora em Música pela UNICAMP, realizou Estágio de Doutorado com Mikhail
Malt junto ao IRCAM - Institut de Coordenation Acoustique/ Musique (Paris/FR) e com a pianista
Martine Joste no Atelier du Piano Contemporain (FR). É professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e co-fundadora do Núcleo de Música Contemporânea (NuMC)
Rogério Tavares Constante - Rogério Constante - Bacharel em violão (1997); Mestre e Doutor em
composição (2006) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob orientação do Prof. Dr.
Celso Loureiro Chaves. É professor adjunto na Universidade Federal de Pelotas desde 2005, nas
disciplinas de Análise Musical e Composição; é coordenador dos Cursos de Música - Bacharelado,
da UFPel e é integrante do NuMC - Núcleo de Música Contemporânea da UFPel.
Veridiana Gomes de Lima - Cantora e Pianista. Cursa Bacharelado em Canto na Universidade
Federal de Pelotas. Iniciou seus estudos de piano em 2004 orientada pela pianista e professora da
UFPel Sonia Cava. Atualmente é Bolsista de iniciação Científica no projeto de pesquisa Práticas
interpretativas no Repertório Brasileiro para Piano Preparado, sendo orientada pela Prof. Dr. Joana
Cunha de Holanda.
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HOLANDA, J.; CERVINE, L.; CONSTANTE, R. (p. 79-92)
A Música Coral dos Primórdios do Século XX
aos Primórdios do Século XXI: a Composição
para Coros e a Performance do Repertório
Moderno/Contemporâneo
Choral Music From the Beginning of the 20th Century to the Beginning of
the 21th: the Composition for Choirs and Modern Repertoire’s Performance
Angelo José Fernandes - IA/UNESP
[email protected]
Adriana Giarola Kayama - IA/UNICAMP
[email protected]
Resumo: Este trabalho é uma pequena parte de nossa tese de doutoramento para a qual realizamos uma ampla pesquisa sobre prática e sonoridade nos diversos estilos de música coral. Com
os olhos focados na música coral desde o princípio do século XX até os dias atuais e com base
na investigação bibliográfica, este artigo descreve características da composição para coro e reflete sobre questões ligadas à performance do repertório coral moderno e contemporâneo tais
como qualidade sonora, afinação e técnicas vocais não tradicionais.
Palavras-chave: Música vocal; Música coral; Regência coral; Técnica vocal; Música moderna;
Música contemporânea.
Abstract: This paper is a small part of my Doctoral dissertation which is a large study about the
practice and sonority in various choral music styles. Focusing on the choral music from the beginning of the 20th century to the present day, and based upon a bibliographical review, this
article describes the characteristics of the choral composition and reflects on the performance
aspects of the performance of modern and contemporary choral repertoire such as vocal tone
color, intonation and non-traditional vocal techniques.
Keywords: Vocal music; Choral music; Choral Conducting; Vocal technique; Modern music;
Contemporary music.
1. A composição moderna/contemporânea para coro
No princípio de seu livro Choral music in the twentieth century,
Strimple (2002, p. 9) comenta que, embora algumas das maiores obras modernas e contemporâneas sejam de natureza coral, as percepções e pontos de vista a respeito da música para coro variaram muito desde o princípio do século XX até a atualidade, tendo gerado diversos debates sobre
sua função, tanto no contexto sacro quanto no secular, assim como sobre
sua viabilidade no campo da composição. O autor observa que, apesar das
divergências de opiniões a respeito da atividade coral moderna, é preciso
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ressaltar que mais do que em qualquer outro momento histórico, nos últimos cem anos, a música coral tem educado crianças, promovido agendas
políticas, servido a cultos religiosos, expandido experiências de vida a um
número sem fim de pessoas, criado momentos de satisfação a outras, e alimentado a esperança de muitos em circunstâncias de extrema pressão. Na
verdade, ao longo do século XX, a atividade coral adquiriu novas funções e
características além daquelas que já se conhecia. A natureza social e amadora que norteou a prática coral do século XIX foi mantida e, ao seu lado,
duas outras importantes características foram acrescentadas: uma noção
aprimorada de grupo coral como instituição organizada e uma maior preocupação estética com sua sonoridade. Embora contraditórias por vezes, tais
características baseadas no perfil particular dos grupos corais têm coexistido de forma marcante para o progresso do desenvolvimento coral moderno e contemporâneo.
No campo da composição, podemos afirmar que diante das várias
tendências e influências sofridas no século XX, os compositores modernos
têm experimentado, em sua prática, uma liberdade que ainda não fora possível aos compositores dos séculos anteriores. No âmbito da música coral,
esta liberdade pode ser percebida da escolha do texto às cadências finais.
Para Moe (1988),
[Ela] revela-se nos contornos melódicos ricamente variados, nas novas relações entre alturas, num vocabulário harmônico “sem amarras”, na métrica e em planos rítmicos complexos, e no uso livre e imaginativo da incomum declamação vocal combinada com formações
instrumentais que não obedecem ao padrão normal dos grupos de
instrumentos. Para complicar ainda mais, também há uma confusa
variedade de estilos nacionais, regionais, locais e pessoais. (p. 153).
Ao abordar características composicionais da música coral moderna, Moe separa os compositores em dois grandes grupos que apresentam certa unidade no tratamento da melodia, contraponto e harmonia. Segundo tal classificação, o primeiro grupo é formado por compositores que,
com certa freqüência, utilizam o que ele chama de contraponto dissonante cromático. Esteticamente, esse grupo tem sua origem no ultra cromatismo romântico do fim do século XIX e princípio do século XX, e sua maior
contribuição é o uso livre das 12 notas da escala cromática segundo os procedimentos seriais.
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FERNANDES, Â. J. (p. 93-111)
O segundo grande grupo da classificação de Moe envolve aqueles compositores que, embora apresentem certas divergências estilísticas,
empregam o que o autor chama de contraponto dissonante diatônico. Esse
grupo representa uma reação ao extremo cromatismo do fim do século XIX
e princípio do XX, através da utilização da escala diatônica como material
melódico básico, tratada segundo o princípio de que qualquer nota de uma
determinada escala ou modo pode ser combinada de forma satisfatória. O
autor ressalta que, do ponto de vista do contraponto, tal abordagem resulta
na utilização livre da dissonância dentro de uma estrutura diatônica. Nessa música encontramos, comumente, acordes de segunda, quarta, quinta,
sétima, nona e décima primeira. Como regra, há um enfraquecimento do
contraste entre consonância e dissonância, e a ausência de progressões
tonais.
Moe ainda observa que existem compositores que se encaixam nos
dois grupos. Enquanto algumas seções de suas obras mantêm certa consistência diatônica, outras são altamente cromáticas. Na verdade, isso nos
leva a um ponto importante que é o constante crescimento da interação entre os dois citados estilos desde a segunda guerra.
Em grande parte, as duas abordagens citadas se fundiram. As linhas
já não eram mais tão claramente desenhadas como antes, e um tipo
de fertilização cruzada ganhou lugar. Contudo, há poucas dúvidas de
que a maior influência [foi exercida] pelo procedimento serial. Assim, um compositor cujos trabalhos anteriores caíam dentro de uma
moldura predominantemente diatônica pode, de fato, ter sofrido uma
reestruturação de sua percepção musical através de encontros repetidos com compositores cujos trabalhos descendem estilisticamente de
Schoenberg e seus seguidores. (Moe, 1988, p. 155).
Embora nossa discussão atual tenha focado até aqui somente os aspectos melódico, harmônico e contrapontístico, devemos ressaltar que há
outros aspectos que sofreram importantes transformações como o ritmo.
Na música do século XX, as variedades de organização rítmica são tão
abrangentes que uma classificação sistemática de qualquer tipo mostra-se impossível. Basta dizer que nossa música é caracterizada por
uma maior liberdade rítmica, menos padrões simétricos, um desdém
pela acentuação normal, irregularidade métrica, e pelos poli-ritmos.
[...] O ritmo frequentemente se torna o fator de motivação primário,
gerando o fluxo do movimento harmônico. (Ibid., p. 156).
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Outro aspecto importante é a escrita vocal não tradicional que,
para sua execução, fez com que cantores solistas e corais desenvolvessem
novas ferramentas técnicas. O termo “linhas vocais não-tradicionais” tem
sido utilizado para descrever uma série de novas utilizações da voz e pode
se manifestar de diversas formas. A seguir, apresentamos uma série de características composicionais presentes em várias obras vocais dos últimos
cem anos. Ocasionalmente, uma obra pode conter um único item, mas,
muitas obras estão repletas de elementos vocais não tradicionais dos quais
os principais são:
a) Os movimentos melódicos complexos: linhas vocais que contêm grandes saltos melódicos; mudanças repentinas de direção melódica
(tanto para o agudo quanto para o grave); movimento melódico gradualmente lento; e combinação de alturas específicas com alturas indeterminadas;
b) As declamações experimentais: textos projetados através da recitação; Sprechstimme; recitativo declamatório em estilo falado; mudanças
repentinas de linhas tradicionais para efeitos experimentais; utilização de
fonemas do IPA e sílabas repetidas;
c) Os efeitos vocais: sons imitativos ou improvisados que inclui
gargalhadas, alturas indeterminadas, falsete em alturas indeterminadas;
morphing vocálico que consiste na mudança gradual de uma vogal original para uma outra vogal indicada enquanto se move através de várias alturas; muting vocal que consiste na abertura ou fechamento gradual da vogal para se formar uma vogal particular; trilos de garganta; zumbidos com
os lábios; glissandos exagerados; inspirações e expirações exageradas entre
outros.
2. A performance da música coral moderna/contemporânea
Ao executar uma obra do século XX, o regente deve dar atenção
particular à qualidade sonora do coro e à forma de articulação. Garretson
(1993, p. 154) aponta diretrizes fundamentais no tocante a tais aspectos em
diferentes estilos desta música. Na performance da música impressionista,
por exemplo, ele aconselha que os cantores “usem uma dicção em estilo legato de forma que não interrompa o fluxo sereno dos acordes com a cuidadosa condução das vozes, que normalmente se movem de forma paralela”.
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No tocante à música expressionista, ele se mostra mais preocupado com
possíveis problemas de entonação que podem surgir, uma vez que as linhas expressionistas normalmente são cheias de amplos saltos angulares.
Para tal, o autor sugere que, além de escutar cuidadosamente tais linhas
melódicas, os cantores devem manter “a mandíbula bem relaxada de modo
a facilitar uma articulação mais clara dos vários saltos de intervalos”. Ele
ainda observa que na música neo-clássica, “normalmente é desejável que
se diminuam as qualidades dramáticas da voz de forma que a clareza da
estrutura possa ser induzida”. Por isso, “as vozes com vibrato excessivo ou
com trêmulo são particularmente prejudiciais à interpretação desse estilo
de música” (Ibid., p. 155). Por fim, ele analisa que na performance da música neo-romântica, a qualidade sonora das vozes deve ser cálida e expressiva de forma a transmitir melhor os aspectos subjetivos da música.
Em concordância com o citado autor, acreditamos que a atenção a
tais aspectos é fundamental, principalmente no que diz respeito à qualidade sonora, ao vibrato e à afinação. Na sequência, apresentamos, pois, nossa
reflexão a respeito desses últimos aspectos.
2.1 Qualidade sonora e vibrato
A habilidade de manipular indicações de diferentes “cores sonoras” prevalentes na música dos séculos XX e XXI é crucial para a execução
de inúmeras obras deste repertório. Para se alcançar certo nível técnico e
artístico na performance de obras desse período, é preciso que o regente
analise a partitura juntamente com seus cantores e treine com eles, separadamente, as pequenas seções que exigem sonoridades determinadas pelo
compositor na partitura, principalmente as menos usuais e as mais difíceis, a fim de se conseguir certo conforto em sua execução antes de realizar
a obra na íntegra. Esse trabalho pode ser cansativo para o coro, mas, certamente vai adiantar muito o processo todo, uma vez que o cantor vai desenvolvendo novas habilidades técnicas de forma gradual e sólida.
Na medida em que o cantor se acostuma às exigências vocais individuais de “cor sonora”, ele ou ela desenvolverá mais facilmente a
mudança de uma “cor sonora” para outra, já que exigências desse
tipo são provavelmente encontrados em outras peças do período [...].
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Uma vez que a impostação vocal, a forma vocálica, o timbre, e a intensidade tenham sido decididas para um determinado som ou seção
de uma obra, a coloração pode então ser ensaiada repetidamente até
que seja apreendida, capacitando o cantor a usá-la sempre que tiver
vontade. Quando essa coloração se torna parte da “paleta de cores” do
cantor, ela pode ser facilmente transferida para outras obras. (Mabry,
2002, p. 42-43).
Por muitos séculos, cantores solistas e corais utilizaram diferentes
“cores sonoras” para a interpretação de diferentes estados psicológicos contidos em uma única canção ou em um único ciclo de canções. Entretanto,
desde o princípio do século XX, houve um aumento dessas sonoridades,
em função das exigências estilísticas das obras. Com isso, um grande número de idéias pedagógicas tem sido aplicado em busca dessa manipulação
da sonoridade da voz. Recursos técnicos como a cobertura da voz, a utilização de vogais misturadas, sons sem vibrato e a manipulação da posição do
palato mole e da língua têm sido utilizados para descrever diferentes formas de se atingir a habilidade de mudança da sonoridade vocal. Além desses recursos, ainda foram desenvolvidas abordagens a respeito da presença
da declamação falada de textos nas obras desse período.
Da mesma forma que a música coral moderna exige que os cantores desenvolvam diferentes “cores sonoras” para a voz, ela também exige
que eles tenham certa autonomia sobre o vibrato. Embora não possamos dizer que toda a música desse século é caracterizada por uma sonoridade sem
vibrato, ao longo desse tempo muitos compositores expressaram explicitamente, para uma ou mais de suas obras, alguma preferência pela voz mais
branca e sem vibrato. Apesar da incorporação da sonoridade sem vibrato
ser mais prevalente na música moderna do que na romântica, a finalidade
estética dessa sonoridade é similar nos dois estilos: o desejo de separar ou
destacar palavras ou seções específicas de um texto.
O resultado é a emergência de contraste vocal que se torna um recurso estético para aperfeiçoar a interpretação. Em ambos os períodos históricos, o som sem vibrato é frequentemente empregado para
produzir uma qualidade vocal solene, precisa, menos emocional,
definida. Quando aplicada com parcimônia ou continuamente em
uma obra, essa qualidade pode ser usada para projeção dramática de
idéias textuais ou musicais, dependendo da indicação do compositor
ou da realização interpretativa que o cantor faça da partitura. (Ibid.,
2002, p. 44).
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Sons sem vibrato ou com um vibrato mais controlado podem ser
utilizados pelo regente e seus cantores mesmo quando o compositor não
colocou indicações para tal na partitura. É importante reconhecer esse
controle como uma ferramenta para se conseguir contrastes sonoros em
um texto ou em palavras ou linhas vocais específicas. Evidentemente, a
utilização da voz sem vibrato não deve acontecer de forma casual ou sem
finalidade, nem tampouco se tornar uma afetação da técnica dos cantores. Além disso, nessa prática, tanto o volume quanto o timbre vocal devem se adequar às indicações musicais e dramáticas contidas na partitura e no texto.
O som sem vibrato deve ser usado criteriosamente na música sem [as
devidas] indicações do compositor. Ele deve se relacionar com uma
nuance musical ou textual específica, que seria mais efetivamente
expressa pelo não uso do vibrato. [...] [Para tal], ensaie todas as notas
ou seções da obra que deletem o vibrato, gradualmente alternando
essa técnica com um vibrato normal usado em todas as outras alturas.
(Ibid., p. 46).
Ao trabalhar essa sonoridade sem vibrato ou com o vibrato controlado, o regente deve orientar seus cantores a cantar livre e delicadamente, administrando bem a respiração e tomando o cuidado para que a
voz não soe gritada ou áspera. O relaxamento físico e mental é essencial
para tal produção. Ocasionalmente, a partitura vai indicar a necessidade
de produção de um som mais forte, forçado ou projetado de forma áspera. Nesse caso, os cantores devem ser orientados para nunca forçar suas
vozes através de tensões físicas. Da mesma forma que na produção vocal
normal, o volume da voz no canto sem vibrato não deve exceder o limite
do confortável e do natural, nem tampouco prejudicar a ressonância e a
administração respiratória. Se os cantores forçam fisicamente suas vozes eles, provavelmente, atingirão um estado de fadiga vocal. É preciso
ainda “focar” a voz de forma eficiente na produção do som sem vibrato.
Em nenhum momento o som deve ser apoiado na laringe ou anasalado,
ou ainda, manipulado pelo enrijecimento da língua. Os cantores devem
se concentrar no relaxamento da língua, dos lábios e de todos os músculos do tracto vocal envolvidos na fonação. Não deve haver ataques tensos ou glóticos. É necessário que se ataque o som de forma saudável e se
mantenha o legato através da produção vocal bem coordenada e da resVol. 11 - Nº 2 - 2011
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piração bem administrada. Se o sistema respiratório trabalhar de forma
equilibrada, e se não houver problemas na laringe, faringe, palato e articuladores, a voz sem vibrato fluirá facilmente como a voz que produz o
vibrato natural.
2.2 Qualidade sonora e afinação em grupo
No trabalho com o repertório moderno, o regente coral precisa ser
altamente fiel às intenções do compositor indicadas na partitura, de forma
especial, à execução da afinação e do ritmo. No trabalho com este último,
basta que o regente trabalhe incansavelmente para atingir a maior precisão rítmica possível, dentro do andamento proposto. Os cantores precisam
desenvolver um senso rítmico único, não só nas pulsações como internamente. Entretanto, o trabalho com a afinação coral para a execução desse
repertório vai exigir muito mais do coro e de seu dirigente.
Não é preciso se analisar muitas obras corais modernas e contemporâneas para se perceber que esta música oferece alguns desafios especiais no tocante à afinação, e não seria inteligente da parte do regente ignorar tais desafios. Muitos livros e artigos recentes a respeito de música coral
atestam a necessidade do regente e cantores desenvolverem uma audição
eficaz e mais específica para a realização de determinadas passagens melódicas e harmônicas que incluem intervalos harmônicos de segundas e sétimas, clusters, glissandos, etc.
O regente deve assumir que a maioria dos compositores modernos e contemporâneos não tomou suas decisões melódicas, harmônicas
e contrapontísticas de forma extravagante e sem critérios. Na verdade,
eles construíram suas obras contando com a fidelidade e precisão do intérprete na reprodução de todas as notas que eles escreveram. Moe cita
uma fala do compositor Aaron Copland na qual ele afirma que “com Stravinsky, percebe-se que o lugar de cada nota em cada melodia e acorde foi
encontrado para ela depois de um meticuloso processo de eliminação”
(Copland, 1960, p. 94 apud Moe, 1988, p. 181). E o próprio Stravinsky confirma esse fato afirmando que “as alturas e as relações intervalares são
para ele de primeira dimensão” (Stravinsky, 1966, p. 24 apud Moe, 1988,
p. 181). Os muito bem construídos aspectos da música de Stravinsky exi100
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gem, de fato, que os cantores se dediquem de forma particular à execução
clara dos intervalos harmônicos. Evidentemente, tal preocupação do citado compositor com a afinação se estendia também a muitos outros compositores desse período. “O regente que assume seriamente essa preocupação do compositor fará, portanto, o possível para fazer da boa entonação
uma característica de suas performances de música do século XX” (Moe,
1988, p. 181).
É importante enfatizar que, assim como vários outros aspectos da
prática coral, a afinação em conjunto não pode ser tomada como um aspecto isolado. Timbre, dicção, formação das vogais, consistência rítmica, estilo
e a afinação individual dos cantores são completamente interdependentes.
Somente quando trabalhados de forma sintetizada é que tais aspectos vão
resultar em uma prática coral realmente eficiente.
Embora muitos compositores se preocupem com a questão da afinação e sua relação com a sonoridade de um grupo coral, nem sempre eles
são explícitos em suas orientações ao intérprete quanto a tais aspectos. Moe
(1988, p. 182) cita o compositor Kenneth Gaburo (1926-1993) que, segundo
ele, fez uma exceção a esse fato. Ele relata que, no prefácio da partitura de
sua Ave Maria, Gaburo apresenta diretrizes bem específicas como:
Em nenhuma circunstância deve haver alguma quebra perceptível
no som, para que a obra soe o mais contínua, ligada, sustentada e
tranquila possível. [...] Pontuações texturais não constituem quebras
na continuidade linear. […] A voz cantada normal [nesta composição]
é senza vibrato. (Gaburo, 1965 apud Moe, 1988, p. 182).
Moe (1988, p. 182) explica que, executando a citada obra, a intensidade serena que resulta do som legato e sem vibrato é digna de nota. Segundo o autor, esta é uma bela demonstração do poder expressivo da compreensão musical, especialmente quando executada entre composições
modernas ou contemporâneas que tenham um estilo mais agressivo. De
todo esse relato de Moe, o que realmente nos importa é a preferência do
compositor por uma sonoridade sem vibrato e o efeito dessa sonoridade sobre a afinação do coro.
A técnica de harmonia e contraponto de Gaburo, como a de Stravinsky, revela uma preocupação meticulosa com as alturas e as relações entre intervalos. Segundas maiores e menores, sétimas maiores
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e menores junto com quartas aumentadas são frequentemente usadas
como parte da interação contrapontística. A experiência de execução
dessa e de outras composições do século XX nas quais esses intervalos são predominantes nos convencem de que [esse tipo] de textura
musical soa mais claramente delineada quando o estilo senza vibrato
é utilizado. (Ibid., p. 182).
Naturalmente, esse relato não pretende defender que toda a música coral dos séculos XX e XXI deve ser executada sem vibrato, até porque
há muitas obras corais do citado período cujas performances chegam a ser
inimagináveis num estilo sem vibrato. O que Moe realmente quer sugerir
é que quanto mais rigorosas forem as dissonâncias numa textura harmônica ou contrapontística, maior será a necessidade de se executá-las sem vibrato ou com um vibrato mais controlado. A esse respeito Daniel Pinkham
observa que:
Outro fenômeno curioso da sonoridade na música dissonante, ou pelo
menos na música na qual há intervalos difíceis nas linhas vocais, é
que a produção pode mudar. [...] Alguns cantores tendem a impedir
ou reduzir um tanto seu vibrato onipresente e tentar cantar com uma
sonoridade muito mais branca, com o objetivo de atingir a nota com
precisão. Esse som mais estreito provavelmente ajuda na definição
das alturas e, na verdade, pode contribuir para uma execução mais
clara de uma textura polifônica cromática. (Pinkham, 1961, p. 7 apud
Moe, 1988, p. 183).
Além dessa questão do vibrato, devemos, ainda, chamar a atenção
para o fato de que numa textura harmônica a muitas vozes, as dissonâncias características da música moderna tendem a se tornar obscuras e imprecisas quando são cantadas de forma muito pesada, ou quando um ou
outro naipe do coro canta sem o devido foco na voz. Para a performance
de obras modernas e contemporâneas de estilos diferentes, os cantores precisam desenvolver uma flexibilidade vocal eficiente que os tornem capazes de fazer rápidas modificações no peso e no foco da voz. Em uma única
obra, a função expressiva de alguns acordes pode exigir uma maior ênfase. Enquanto a primeira preocupação do regente coral é a fluência das linhas musicais, certos eventos harmônicos podem se revelar importantes o
bastante para justificar uma preocupação momentânea com a condução da
harmonia. Para tal, uma rápida modificação da sonoridade deve ser utilizada pelo grupo.
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2.3 Técnicas de produção vocais não-tradicionais
2.3.1 Sprechstimme e recitação
De acordo com Mabry (2002, p. 77), desde que Engelbert Humperdinck (1854-1921) fez uso de uma fala rítmica sobre um único som em sua
ópera Königskinder em 1897, vários outros compositores despertaram o interesse em experimentar esta e outras novas técnicas que resultassem em
novas utilizações da voz humana. Assim, esse tipo de experimentação continuou ao longo de todo o século XX, e técnicas desse tipo receberam diferentes nomes como Sprechstimme (voz falada), Sprechgesang (canção falada) e recitação.
A autora explica que o termo Sprechstimme foi padronizado para
descrever a canção falada melodicamente desenhada (contornada). Para
evitar confusões de terminologia, em seu livro Exploring twentieh-century
vocal music, ela utiliza este termo para se referir às passagens faladas nas
quais foram designadas alturas fixas, enquanto que para os demais tipos
de notação falada ou semicantada, ela utiliza o termo recitação. A notação
e a realização desses híbridos vocais entre fala e canto foram manipulados
de diversas formas.
No caso exclusivo da produção do Sprechstimme há alguns aspectos envolvidos: o uso de pequenos glissandos como conectores, a eliminação do vibrato, a inflexão natural do texto e o efeito da registração vocal
nas linhas melódicas escritas.
Quando uma linha melódica é cuidadosamente notada, o glissando
no fim de um som em Sprechstimme deve acontecer ascendente ou
descendentemente segundo a direção do próximo som. Se fosse permitido que o glissando se movesse descendentemente depois de cada
nota, então se criaria uma linha melódica inteiramente nova e o contorno da inflexão vocal desenhado pelo compositor seria totalmente
destruído. O uso e a direção de um pequeno glissando decididamente
transformam a declamação vocal em um estilo entre a fala normal e o
canto normal. (Mabry, 2002, p. 80)
A eliminação do vibrato é o segundo elemento crucial para a produção do Sprechstimme. Mabry observa que
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Quando o vibrato é eliminado, a qualidade da voz se aproximará mais
intimamente da voz falada. Em obras que contém sons cantados e
sons em Sprechstimme, o declamador deve empregar o vibrato normal
nos sons cantados, manter a nota sustentada todo o seu valor depois
do ataque inicial, e não usar o glissando para conectar as notas. A técnica flexível vai causar um contraste máximo entre notas e cantadas
e sons recitados. (Ibid., p. 81)
A atenção à inflexão natural do texto é também de grande importância para a execução do Sprechstimme, no qual se deve permitir que as
vogais se transformem ao longo da extensão do glissando conector, permitindo um maior efeito de fala. Isso quer dizer que a inflexão normal da fala
é que determina a duração das vogais assim como sua dissipação. É necessário tomar cuidado para não antecipar consoantes e, por meio disso, encurtar a vogal no fim do glissando. O espaço oral usado neste estilo deve
ser ligeiramente menor que o espaço utilizado no canto tradicional, permitindo assim que as vogais mantenham uma qualidade sonora mais próxima da fala. Contudo, é preciso se cuidar para que a abertura da boca seja
suficiente para permitir certa flexibilidade vocal ao longo de toda a extensão da voz. As notas extremamente agudas ou aquelas que devem ser cantadas em níveis de dinâmica acima do mezzo-forte necessitam de um espaço oral interno para a ressonância e projeção maior do que o espaço exigido
pelas notas mais graves e/ou suaves.
Além do Sprechstimme, uma série de vocalizações híbridas chamadas recitações foi introduzida na música vocal moderna. Inicialmente,
os compositores desenvolveram sistemas nacionais de notação para tratar
tais recitações, e poucos deles deram direções explícitas a respeito de como
elas deveriam ser executadas. Mabry (2002, p. 87) comenta que os intérpretes tiveram que contar com seus instintos nativos e com a experimentação
criativa na realização dessas obras. Evidentemente, embora muitos tenham
conseguido bons resultados, a maioria sempre precisou de diretrizes mais
eficazes para a execução de repertórios que incluíam recitações. A autora
menciona que, sendo a voz humana capaz de produzir diversos sons que
podiam ser inclusos no contexto da recitação, os compositores continuaram
pesquisando formas mais precisas de indicar na partitura qualidades vocais
sutis e, por vezes, elusivas. Ainda assim, mesmo quando a notação e a explicação do compositor são precisas, dificilmente dois cantores atingirão o
mesmo resultado sonoro ou a mesma exatidão de articulação devido: às vá104
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rias diferenças que existem de um executante para outro; às diferentes interpretações das direções do compositor; à sua psyche; e às suas características
como cantor – extensão, timbre, capacidades de ressonância naturais, habilidade de atuar e de improvisar. Neste contexto das recitações, Mabry observa que os tipos mais comuns podem ser divididos nas seguintes categorias:
a) Recitações ritmicamente livres sem altura definida:
Há dois tipos de recitação ritmicamente livre sem altura definida.
O primeiro tipo é caracterizado pelo uso de linhas individuais ou grandes
seções do texto para inserir uma mudança momentânea na direção da organização musical ou para promover um contraste dramático e um comentário entre divisões de uma obra maior. O compositor costuma expressar
alguma indicação como “fale”, “narre” ou “recite”. Sua interpretação deve
ser controlada pela intenção dramática do texto e sua performance baseada
no uso do registro normal da fala, no estilo oracional de projeção do texto e
em nuances dramáticas. É preciso se pensar no texto sob a ótica de um ator,
acentuando sílabas e palavras que precisam ser acentuadas e espaçando as
sentenças de acordo com o fluxo dramático. O segundo tipo de recitação ritmicamente livre sem alturas definidas difere do primeiro no que diz respeito à localização do texto. Nesse caso, o texto é geralmente usado como parte
integral de uma organização musical e não como um conector de seções.
b) Recitações em ritmos designados sem altura definida
Nesse tipo de recitação sem altura definida, porém com ritmos designados, o fluxo da declamação do texto se movimenta de forma controlada por um sistema gerado pelo compositor. A notação pode ser de tipos
diferentes: hastes sem cabeça de notas; hastes com “x” como cabeça; hastes
com cabeças “ocas” ou esvaziadas; ou ainda, hastes com cabeças em formato quadrangular. Em geral essas figuras rítmicas não se movem para cima
ou para baixo em sua linha de notação. Na execução a voz deve ser mantida em seu registro normal da fala.
c) Recitação em alturas:
Expressões como “recitação em alturas” ou “recitação entoada” foram utilizadas durante séculos como referência ao canto gregoriano ou outros tipos de cantos religiosos, especialmente as primeiras notas de uma
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linha entoada pelo celebrante. Trata-se de um estilo de produção vocal
“meio-cantado” e “meio-falado” que, em geral, é impessoal e não contém
vibrato. Uma vez que este estilo existe há séculos, não se pode dizer que
foram os compositores do século XX que o criaram. Alguns compositores o
trataram de forma tradicional, enquanto outros os experimentaram em termos de variação de alturas, qualidades expressivas e contrastes rítmicos.
Na composição vocal moderna e contemporânea a recitação entoada pode
ser limitada a uma extensão vocal relativamente pequena, restrita somente à fala, ou também, incluir toda a extensão da voz cantada. Em geral, sua
notação indica que tipo de modulação da voz o compositor deseja.
2.3.2 Vocabulários sônicos não textuais
Ao longo de toda história da música vocal o texto foi um elemento
chave de sua comunicação. Mabry (2002, p. 105) acredita que “quando projetado de forma clara e expressiva, o texto de uma canção ou ária pode mover o expectador de uma forma que a música sozinha não poderia mover”.
A autora observa, entretanto, que uma linha melódica vocalizada em “ah”
ou “oh”, também pode ser extremamente efetiva na projeção da “beleza” do
som, nas nuances de “cor sonora” e na expressão de aspectos emocionais
da interpretação, permitindo, por meio desses aspectos, uma comunicação
eficiente mesmo sem a presença do texto poético.
É possível à voz despertar emoções, quando solicitado, ou ser igualmente uma contribuinte de uma completa experiência sonora basicamente não verbal. A idéia de tratar a voz como “apenas outro instrumento” pode ser tanto positiva como negativa. Se for pedido a voz
fazer as coisas artificialmente a seus princípios básicos de produção,
então somente ocorrerão resultado negativos. Mas se a voz é usada
dentro de sua extensão e permitida a produzir articulações e expressões complacentes, então a presença ou a falta do texto costumeiro é
irrelevante. (Ibid., p. 106)
Tendo pesquisado novas possibilidades não textuais para a utilização da voz no canto, os compositores encontraram o que é mais familiar
para os cantores: uma ampla paleta de sons criados pela combinação de
vogais e consoantes. E ao descobrir este “vocabulário sônico não-textual”,
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eles descobriram que podiam utilizar o IPA, uma vez que cantores de todo
o mundo são familiarizados com os símbolos do IPA e seus significados.
Isso proveu uma forma de divorciar a voz da condição emocional determinada pelo texto, história, personagem ou acentuação silábica.
Em essência, foi permitido ao compositor usar a voz de uma maneira
mais camaleônica, não amarrada a nenhum costume nem mantendose leal a sons preconcebidos ou projeção textual. Vários exemplos podem ser encontrados em composições corais do século XX. (Ibid., p.
106).
Na performance desses vocabulários sônicos não-textuais, cada
vogal e cada consoante seja formada de acordo com as regras do IPA. Se
houver mais de uma vogal em uma nota, o executante deve pronunciar
cada uma antes de passar para a próxima nota. Se não houver nenhuma especificação de tempo para as conexões de notas e de vogais, os cantores ficam livres para experimentar a velocidade da transição entre as vogais. Se
alguma transformação vocálica for indicada, a mudança sutil e pausada entre vogais é extremamente importante. A voz deve mudar gradualmente de
uma vogal para a próxima, nunca de forma rápida, como no canto normal.
2.3 Efeitos vocais
Com a inclusão do Sprechstimme, das recitações e dos vocabulários textuais não sônicos na lista de possibilidades vocais desde o princípio
do século XX, muitos compositores passaram a suspeitar que a voz poderia
também ser manipulada de diversas formas para se conseguir efeitos sonoros fantasmagóricos. Em alguns exemplos, os novos sons vocais incorporados à música eram, na verdade, o próprio germe da peça como um todo.
Com suas novas possibilidades, a técnica vocal foi, por muitas vezes, o ímpeto para as composições. Assim, a incorporação dos efeitos vocais se tornou uma expansão dos resultados sonoros normais que o compositor esperava do cantor solo e do cantor coral.
O termo “efeitos vocais” diz respeito a todo e qualquer uso não
convencional da voz cantada na música vocal ocidental. Em geral, tais recursos sonoros derivam da fala, da natureza, ou ainda, de sons vocais multiétnicos utilizados com objetivos cerimoniais, tribais ou rituais. Seria imVol. 11 - Nº 2 - 2011
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possível, no âmbito deste trabalho, listar todos os efeitos vocais utilizados
na música coral. Os mais comuns estão citados abaixo. Alguns deles têm
mais de uma forma de serem notados na partitura, enquanto outros foram
padronizados e podem ser mais facilmente reconhecidos pelo intérprete.
a) Risadas e gargalhadas:
As indicações de risadas ou gargalhadas podem especificar ou não
alturas determinadas ou aproximadas, ritmos ou o estilo de risada ou gargalhada que deve ser realizado. Se não há indicações de alturas, o cantor
deve usar sua risada normal, adaptando-a à quantidade de tempo indicado
na partitura.
b) Sons sussurrados:
Em algumas partituras, os sussurros são indicados apenas por expressões do tipo “sussurre” ou “sussurrando”. Caso não haja notação de
alturas ou ritmos, o intérprete é responsável por adequar as palavras ao
espaço musical designado. Neste caso, geralmente o compositor indica o
número de segundos que a frase deve durar.
c) Gritos:
Mabry (2002, p. 129) afirma que “é possível realçar a voz além de
seus limites naturais se for exigido que se empregue um grito abusivo”.
Para tal, o intérprete deve analisar se as exigências quanto aos gritos são
adequadas às suas possibilidades técnicas. Assim como os sussurros, os
gritos costumam ser indicados pelo compositor.
d) Falsetto, white tone or hollow tone:
Na música do século XX, o termo falsete não necessariamente se
refere ao registro mais agudo masculino como na terminologia da música vocal tradicional. Quando empregado para as vozes femininas, o termo
falsete diz respeito à “cor sonora” desejada e não ao registro vocal. Evidentemente, caso a indicação de falsete apareça em obras para vozes masculinas, o que o compositor deseja é, provavelmente, que o cantor cante no
registro de falsete, a menos que tal indicação apareça em alturas muito
graves, nas quais a utilização do falsete seria impraticável. Neste caso, tal
indicação se refere a uma variação na “cor sonora” e não à registração. As
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indicações de falsete costumam vir acompanhadas por descrições verbais
como “som branco”. O que se busca, neste caso, é uma sonoridade lúgubre e misteriosa. “Um som sobrenatural, como de fantasmas, etéreo e, por
vezes, assombrado é o [som] desejado” (Mabry, 2002, p. 133). Essa sonoridade “afalsetada” não tem vibrato e deve fluir como um vapor de ar fino e
transparente.
e) Tremolo muting:
A técnica chamada de “tremolo muting” implica na movimentação
da mão para frente e para trás, na frente da boca, no intuito de se variar o
timbre de um som como se o executante estivesse “abrindo e fechando o
som”. Se o compositor não especificar a vogal a ser utilizada, o intérprete fica
responsável por decidir a vogal adequada para aquele contexto musical.
f) Glissando
Dos vários efeitos vocais utilizados pelos compositores do século
XX, o glissando é, provavelmente, o mais popular. Sua notação pode vir
acompanhada de instruções verbais como “deslizando entre as notas”, “conecte as notas com glissando exagerado”, ou simplesmente “glissando”. É
importante ressaltar que este efeito vocal não deve ser confundido com o
portamento. O portamento é um rápido deslizamento entre duas notas artisticamente controlado que, na essência, é o conceito de uma suprema conexão em legato entre duas notas. O glissando, por sua vez, é um “escorregar” lentamente entre duas notas, com a intenção de passar por todas as
alturas que existam entre elas e pode se prolongar por vários tempos. Na
execução do glissando, o intérprete deve zelar para não re-atacar nenhuma
altura que exista entre as duas notas, mantendo sempre uma vocalização
contínua e ininterrupta.
g) “Click” e “cluck” com a língua:
O click com a língua é um som de estalo feito pelo movimento preciso e rápido da parte traseira da língua contra o palato mole ou contra os
dentes da parte posterior da boca, imitando um som percussivo como o de
uma castanhola. A qualidade sonora do clique pode variar dependendo do
ponto com o qual a parte traseira da língua vai entrar em contato. O termo “cluck” de língua se refere ao “flip” da ponta da língua contra o cume
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dos alvéolos ou contra a parte alta dos dentes superiores, próxima ao palato. Depois de tocar uma dessas superfícies, a língua retorna rapidamente à
sua base.
h) Assobio:
Em geral, o assobio é utilizado para criar uma atmosfera casual ou
de humor, ou ainda, de mistério, de tristeza, ou de aridez. Nas partituras,
as indicações “assobie” ou “assobiando” costumam ser escritas acima ou
abaixo das notas a serem assobiadas. Os assobios podem ser realizados pelos lábios ou pelos dentes, dependendo da vontade do compositor, da habilidade dos cantores, ou do contexto musical.
i) Vocal muting:
“Vocal Muting” é a técnica que envolve o abrir ou fechar gradual da
boca. A notação padronizada para sua realização inclui os sinais “+” que
indica “boca fechada” e “o” que indica “boca aberta”. Instruções verbais
como bocca chiusa ou appena aperta também costumam ser utilizadas.
Não se deve confundir “vocal muting” com a transformação vocal. No primeiro, o som se move gradualmente de uma consoante fechada para uma
vogal aberta e vice-versa, enquanto que no segundo, o som muda gradualmente de uma vogal para outra vogal.
Conclusão
Da mesma forma que a música composta em outros períodos históricos, o repertório coral composto do princípio do século XX até a atualidade exige do regente uma atenção às suas peculiaridades estilísticas
e a busca pela construção de uma sonoridade coral adequada para a sua
execução.
O repertório coral moderno e contemporâneo se caracteriza estilisticamente pela liberdade que os compositores desses últimos 100 anos
puderam experimentar e que se revela em diversos aspectos como: os contornos melódicos variados, as novas relações entre alturas, o vocabulário
harmônico mais livre, os planos rítmicos complexos, no uso da declamação vocal, entre outros.
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FERNANDES, Â. J. (p. 93-111)
Para a execução deste repertório o regente deverá investir no trabalho técnico-vocal junto a seus cantores, buscando uma afinação refinada
que possa atender às exigências melódicas e harmônicas das obras, construindo uma sonoridade ressonante que possa variar do claro ao escuro,
do leve ao encorpado, do som sem vibrato ao som com muito vibrato, e, por
fim, orientando o coro no desenvolvimento de habilidades técnico-vocais
não tradicionais.
Referências bibliográficas
COPLAND, Aaron. Copland on music. Nova Iorque: Doubleday and Company, Inc.,
1960.
GABURO, Kenneth. Ave Maria. Cincinnati: World Library of Sacred Music, 1965. 1
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GARRETSON, Robert L. Choral music: history, style, and performance practice.
Upper Saddle River: Prentice Hall, 1993.
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University Press, 2002.
MOE, Daniel. The choral conductor and twentieth-century choral music. IN: DECKER,
Harold & HERFORD, Julius. Choral Conducting: a symposium. Englewood Cliffs:
Prentice-Hall, 1973.
PINKHAM, Daniel. Intonation, dissonance and sonority. In: Bulletin of the American
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STRIMPLE, Nick. Choral music in the twentieth-century. New York: Amadeus Press,
2002.
Angelo José Fernandes - Doutor em Música pelo Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNICAMP; docente do Instituto de Artes da UNESP, atuando nas áreas de regência
coral, canto coral e técnica vocal.
Adriana Giarola Kayama - Doutora em Performance Practice pela University of Washington, EUA;
docente da UNICAMP, atuando nas áreas de canto, técnica vocal, dicção e música de câmara; coordenou os cursos de Graduação e Pós-Graduação em Música da UNICAMP.
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Técnicas Estendidas e Música Contemporânea
no Ensino de Instrumento para Crianças
Iniciantes
Extended Techniques and Contemporary Music on
Teaching Instrument to Beginning Children
Valentina Daldegan - UFP
[email protected]
Maurício Dottori - UFP
[email protected]
Resumo: No início do aprendizado, os alunos produzem sons que não fazem parte da sonoridade tradicional de seu instrumento. Alunos adiantados têm maior dificuldade em começar a
produzir sons “estendidos” do que os iniciantes, que muitas vezes conseguem fazê-lo brincando, literalmente. Como, a princípio, as crianças geralmente são abertas a músicas que envolvam
sonoridades diferentes e acham divertido explorar novas possibilidades sonoras, o incentivo e
o trabalho com estas técnicas desde o início pode ser de grande valia para o seu desenvolvimento. Um dos problemas na exploração do repertório contemporânea que inclua novos sons com
iniciantes na flauta transversal é que este é em geral muito difícil tecnicamente. Neste artigo
apresenta-se uma sugestão de metodologia, baseada em Daldegan (2009), para criação de repertório de música contemporânea, que inclua técnicas estendidas a serem aprendidas, apropriado
ao nível de habilidade dos instrumentistas recém iniciantes.
Palavras-chave: Composição de música contemporânea; crianças iniciantes; técnicas estendidas.
Abstract: When beginners are learning to play, sometimes they produce sounds that are not
part of the traditional sonority of their instrument. Advanced students have more difficulty in
starting to produce these “extended” sounds than beginners, who usually do it by playing with,
literally. As children are generally open to music that involve different sonorities and amuse
themselves exploring new sonic possibilities, the incentive and the work with these techniques
from the beginning can be of great value for their development. The contemporary repertoire
that includes new sounds is in general technically too difficult, which makes it inappropriate
to work with flute beginners. In this article a suggestion of methodology, based on Daldegan
(2009), is presented, for creating a repertoire of contemporary music, including extended techniques to be learned, appropriate to the level of ability of young beginners.
Keywords: Contemporary music composition; young beginners; extended techniques.
Introdução
Em sua tese de doutorado sobre a pedagogia da música contemporânea para flauta, Lesley Olson afirma que,
Aspectos relativos à música contemporânea são de especial interesse
para instrumentistas mais jovens: as crianças com frequência conseguem identificar-se mais prontamente com questões pertinentes à
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música escrita recentemente do que com a música européia dos séculos XVII e XIX. Aprender como introduzir a música contemporânea,
suas questões técnicas e estéticas, é um dos principais deveres dos
professores de instrumento. (OLSON, 2001, p. 2)
De fato, a princípio, as crianças são geralmente abertas a músicas que envolvam sonoridades diferentes e acham divertido explorar novas
possibilidades sonoras. Delalande, por exemplo, sugere que a produção do
som está ligada à possibilidade do sujeito manipular o mundo sonoro em
que vive, e que, portanto, provoca prazer (DELALANDE, 1984). Porém, se
essas possibilidades são pouco – ou de fato não são – vivenciadas, seu universo se fecha e, mais tarde, com maior domínio do instrumento, em geral
somente o repertório tradicional é o que as atrai. Nota-se também que, ao
iniciar-se no instrumento, as crianças se interessam principalmente pelo
próprio instrumento, e não por um gênero ou repertório em especial o que
pode facilitar o trabalho com gêneros que lhes sejam pouco ou nada familiares, como a música contemporânea.
Além disso, acredita-se que o trabalho com técnicas estendidas –
técnicas não-tradicionais, a partir das quais são produzidas novas sonoridades no instrumento – possa contribuir para ampliar o universo estético dos instrumentistas. O aprendizado de técnicas estendidas, juntamente
com a exposição ao repertório contemporâneo e, especialmente, a execução
de peças que explorem este material sonoro pode vir a quebrar um ciclo vicioso com relação à música contemporânea “não conheço, não gosto e não
toco” que afeta e prejudica inclusive músicos profissionais, que muitas vezes são também professores de instrumentos.
Em estudo envolvendo apreciação de música contemporânea realizado com crianças iniciantes na flauta transversal, a pesquisa de Daldegan (2008), indica que reações mais positivas são obtidas com crianças
mais novas (de até dez anos) quanto quanto à abertura a repertório não
tradicional. Alunos mais velhos (de treze anos) demonstraram certo estranhamento na apreciação de gravação de obras contemporâneas para flauta
que envolvessem novas sonoridades e sua disposição para a prática de peças simples compostas para o estudo foi muito menor do que a das crianças mais novas.
Evidências de que as crianças mais novas são mais abertas a novos
repertórios também são encontradas em Boal Palheiros et alii (2006), numa
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DALDEGAN, V. (p. 113-127)
pesquisa que investigou respostas de crianças brasileiras e portuguesas à
música de arte do século XX. Os resultados mostraram também que a música de arte do século XX não é familiar seja para crianças portuguesas
seja brasileiras, pois não é tocada na mídia, e raramente é utilizada em programas de educação musical nas escolas. Os autores arrolam algumas razões pelas quais a música contemporânea é considerada “chocante” e não
é utilizada na sala de aula (p. 590): melodias muito difíceis de cantar, que
vão além dos limites da voz humana; ritmos e compassos irregulares; sons
não-convencionais e eletroacústicos; harmonia não-tonal; contrastes extremos; freqüentemente o feio se torna valioso; misturas de gêneros, estilos e
modos de expressão e efeitos sonoros especiais. Segundo o texto, a combinação de algumas destas características “perturbam o senso de equilíbrio
na apreciação estética”, exigindo do ouvinte mais do que uma escuta sedutoramente fácil e passiva (ibidem).
Neste sentido, Dalla Bella et alii (2001, B9) parecem mesmo acreditar que o repertório do século XX seria inapropriado para uso com crianças
pequenas, sugerindo inclusive o uso de músicas de filmes do Walt Disney
para este propósito.
Entretanto, um projeto de pesquisa com aplicação prática direta na
educação musical como o “Contemporary Music Project”, demonstra precisamente o contrário (MARK, 1996, 28-34). O projeto, idealizado por Norman Dello Joio, que aconteceu nos Estados Unidos na década de sessenta,
visava integrar compositores e programas de educação musical em escolas
públicas e pagava para jovens artistas trabalharem como compositores em
residência nestas escolas. Estes descobriram que a maioria dos educadores musicais não tinha preparo para lidar com música contemporânea, por
conseqüência tampouco seus alunos. Apesar disso, tanto alunos quanto
professores participantes mostraram-se receptivos à música nova em sua
experiência com os compositores em residência; os professores observaram
que o crescimento musical das crianças e as atitudes com relação à música
contemporânea foram muito positivas. Algumas outras conclusões a partir
do projeto foram:
– A música contemporânea é apropriada e interessante para crianças de
qualquer idade. Quanto mais cedo for apresentada, mais natural será
seu entusiasmo. Crianças pequenas deveriam ser expostas ao som da
música contemporânea antes de serem capazes de intelectualizá-la.
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(...)
– Um dos maiores objetivos da apresentação de música do século XX
à crianças deveria ser ajudá-los a aumentar a sua discriminação auditiva, para que se tornem gradualmente capazes de ser seletivos em
suas escolhas de música contemporânea.
– Seleções adicionais contemporâneas, que sejam curtas em duração
e simples em estrutura, precisam ser localizadas ou compostas, de
modo que possam ser incorporadas em um programa maior de educação musical.” (MARK, 1996, p. 31-32)
Desde a década de sessenta discute-se a importância da inclusão
da música contemporânea nas atividades musicais das crianças. Bradley
(1972, p. 353) comentava sobre a existência de um consenso entre educadores musicais de que a falta de exploração da música contemporânea em sala
de aula seria uma deficiência nos currículos escolares. Ele sugere que, se é
para tornar a música contemporânea parte integral da cultura, seria importante que as pessoas fossem capazes de entender a sua natureza e significado; na educação musical, atividades com a vanguarda seriam de valor para
tornar as crianças conscientes desta natureza.
No Brasil, onde grande parte das escolas nem mesmo tem música
em seus currículos, a discussão sobre a inclusão de música contemporânea
nos programas parece não ter sentido. Mas talvez um plano de se começar justamente com atividades de vanguarda e música contemporânea – seguindo a idéia de Dello Joio – e não com repertórios do passado ou, no pior
dos casos, apenas trazendo para a sala-de-aula a música comercial do dia-adia, cuja única função é o entretenimento, e que os alunos já conhecem pela
mídia, fosse uma alternativa radical e atraente para a ampliação dos horizontes estéticos das crianças, juntamente com os dos professores de música. Em nosso país, o contato com a prática instrumental dá-se quase inteiramente fora do âmbito da escola regular. Para a criança que toma contato
com um instrumento, conhecer também a criação musical de nossos dias
não deveria ser uma opção, mas uma necessidade. Nas palavras de Olson,
Novas idéias musicais são capturadas nas formas, estilos e materiais
da música contemporânea; conseqüentemente, a música contemporânea pode satisfazer o “gosto pelo novo” expresso por instrumentistas
mais jovens (...). Aquilo que faz a música contemporânea atrativa e
fascinante para muitos – suas sonoridades novas e muitas vezes estranhas, suas estruturas não-usuais, suas tentativas de forjar outras
formas de interação entre os músicos, sua abertura à improvisação,
o atrito com idéias préconcebidas do que é música, sua batalha por e
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ocasionais manifestações de independência da história da música européia ocidental – torna-a ideal para ser usada com crianças e jovens
músicos que tenham pouco conhecimento dos desenvolvimentos do
repertório tradicional. Acima de tudo, jovens identificam-se mais
prontamente com a música de seu próprio tempo, seja ela popular ou
de arte: em sua busca por novas formas de expressão pode ser visto
um reflexo de sua própria busca pela identidade e de adequação ao
mundo contemporâneo. Eu argumentaria que a falha para integrar a
nova música em todos os níveis de instrução instrumental, e particularmente a falha para apresentar coisas novas e interessantes a jovens
instrumentistas, representa uma falha em sustentar um interesse duradouro em novas idéias. (Olson, 2001, p. 6)
Aqui propõe-se uma maneira de ensinar técnicas estendidas desde o início do aprendizado do instrumento, tomando como base um estudo realizado com alunos de flauta transversal (Daldegan, 2009) que,
paralelamente ao repertório tradicional, trabalharam também com repertório contemporâneo e técnicas estendidas. Naquela pesquisa produziram-se
subsídios para um aprendizado da flauta transversal que, pela inclusão de
técnicas estendidas, possibilitasse ao iniciante no instrumento a ampliação de seus horizontes estéticos, para a apreciação e prática de repertório
contemporâneo que se utilize destas técnicas. Acreditamos que a metodologia, que exporemos aqui, usada para o ensino da flauta transversal possa
ser adaptada a outros instrumentos.
As crianças e as técnicas estendidas
No início do aprendizado da flauta transversal os alunos produzem sons que não fazem parte da sonoridade tradicional do instrumento.
Ao tentar produzir notas graves ouvem-se whisper-tones, que são harmônicos superiores, quase inaudíveis, que soam quando o ar entra no tubo da
flauta, sem produzir uma nota fundamental perceptível; ao tentar mudar
de registros produzem-se harmônicos; ataques no registro grave soam como
wind-tones, que é o som do ar passando pelo tubo da flauta, sem que a coluna de ar vibre; ao aquecer a flauta, produz-se um jet whistle, que é um som
de assovio característico. De modo semelhante, iniciantes em instrumentos da família das cordas, produzem involuntariamente movimentos de
arco não adotados pela técnica tradicional destes instrumentos, como tocar
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sobre o cavalete, sul ponticello, arco flautato, etc. Estes “equívocos” são, de
modo geral, prontamente corrigidos pelos professores de instrumento. Entretanto, estes sons novos de produção não-tradicional, encontram uso freqüente na música de hoje e são parte daqueles conhecidos como sons produzidos por técnicas estendidas. Alunos adiantados têm maior dificuldade
em começar a produzir sons “estendidos” do que os iniciantes, que geralmente conseguem fazê-lo brincando, literalmente. Portanto o incentivo e o
trabalho com estas técnicas desde o início, inclusive com crianças, pode
ser de grande valia para o seu desenvolvimento.
Um dos problemas da exploração do repertório contemporâneo em
aulas de instrumento é que este é em geral muito difícil tecnicamente, o que
em geral impede a sua utilização com iniciantes. De que modo seria possível integrar o ensino de técnicas estendidas e música contemporânea no
ensino da flauta desde o início do aprendizado, aproveitando o período em
que as crianças são mais abertas a novos repertórios, se o material disponível não é apropriado ao nível técnico e cognitivo das crianças iniciantes?
A solução desenvolvida por Daldegan (2009), foi a criação de repertório adequado (o processo de criação destas peças será descrito abaixo).
Com a intenção de verificar a sua aplicabilidade efetiva, a autora realizou
um estudo de campo, no qual, no decorrer de quatro meses, durante suas
aulas semanais e paralelamente ao repertório tradicional de flauta transversal, quatro de seus alunos iniciantes – de oito a treze anos de idade –
trabalhavam também com técnicas estendidas envolvendo a produção de
novas sonoridades, através dos pequenos estudos musicais e da prática de
repertório contemporâneo, aprendendo algumas peças e estudos que foram
compostos especialmente para o projeto.
É importante enfatizar aqui que a utilização do material composto para o estudo mostrou-se efetiva com iniciantes, não trazendo dificuldades maiores do que aquelas encontradas com o repertório tradicional. Algumas crianças tiveram mais facilidade em determinadas técnicas do que
em outras. Durante o estudo, foi possível observar que, como acontece com
relação ao repertório tradicional, cada aluno tem seu “estilo” diferente de
aprender. Para alguns, é importante uma explicação verbal, para outros o
mais importante é ter um exemplo sonoro. Uma delas, por exemplo, era capaz de concentrar-se na notação e procurar descobrir o que estava escrito,
divertindo-se com isso. Já uma outra precisava de auxílio sonoro e imitava
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com muita facilidade, demonstrando prazer ao explorar as novas possibilidades e inventar improvisos com os novos sons. Para todos, porém, houve
um ganho cognitivo evidente à medida em que o repertório técnico foi-se
tornando familiar.
Para o ensino tanto dos estudos quanto das peças, durante o estudo de campo, a abordagem deu-se basicamente seguindo o seguinte caminho: 1º. Exploração da notação na partitura: identificando símbolos diferentes dos tradicionais e avaliando se são ou não já conhecidos; em caso
positivo, procurando determinar que efeito representam; 2º. Aprendizagem
das técnicas específicas referentes aos diferentes símbolos identificados:
as estratégias usadas para cada uma serão descritas a seguir; 3º. Leitura
de cada frase: o aluno toca e o professor ajuda a identificar possíveis erros,
procurando elucidar dúvidas; quando necessário, o professor toca para que
o aluno o imite, especialmente no caso de notação não-tradicional.
Uma observação importante é que a vontade de aprender as peças
influenciou imensamente a execução. Os alunos mais jovens estavam sempre muito mais atentos e dispostos a tocar. Quando era necessário repetir,
faziam isso sempre de boa vontade, procurando acertar. O resultado foi
muito melhor do que com os mais velhos.
Por sua vez, o ganho cognitivo dos alunos mais novos ficou evidente durante o desenvolvimento do estudo. As primeiras peças foram aprendidas lentamente, mas quando tiveram contato com uma segunda peça do
mesmo compositor, já familiarizadas com seu estilo e as técnicas estendidas, aprenderam-na muito mais rápido. Estratégias usadas para contornar
dificuldades das primeiras peças foram usadas espontaneamente na aprendizagem da segunda.
Em peças mais longas, é necessário avaliar o quanto o iniciante –
especialmente quando se trata de crianças mais jovens – é capaz de aprender em uma aula e estudar em casa, onde não há ajuda do professor. Vale
mais a pena dividir a peça em partes menores e acrescentar um trecho a
cada aula, arriscar que o aluno não seja capaz de praticá-la corretamente
e acabe memorizando possíveis erros. Neste sentido, a escuta da gravação
das peças pode auxiliar em sua aprendizagem.
Com base em alguns comentários dos alunos, e com base na percepção das dificuldades através da observação, foram feitas alterações importantes nos estudos e peças.
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Para o ensino das peças, as orientações tomaram várias formas. Procurou-se despertar a curiosidade para o que havia de novo na notação e nos
sons; incluíram-se, em alguns momentos, auxílios visuais gráficos, confrontando a notação que se apresentava de fato na partitura com representações
daquilo que se tocava por engano, ou acrescentando-se cores à notação, por
exemplo; induziu-se, visual ou cinestesicamente, a percepção pela criança
de seus dedos em relação ao instrumento e da posição do instrumento em
relação ao corpo e ao ambiente; mais, levou-se a criança a imaginar processos físicos para atingir resultados sonoros. Estas orientações são freqüentemente transmitidas pela linguagem, mas tão ou mais importantes são os
processos apreendidos utilizando-se da própria música que comenta sobre a
música, no que chamo de meta-música, e que dão ensejo a procedimentos de
imitação, que muitas vezes acrescentam aspectos lúdicos ao aprendizado.
A criação de novos efeitos é um campo vasto a ser explorado – o
limite é a criatividade do compositor e da criança, pois muitas vezes elas
mesmas inventam sons diferentes e muito interessantes. Por outro lado, é
importante considerar que efeitos sonoros devem estar a serviço da música.
Só a qualidade estética desta – o que inclui seu valor lúdico – justifica seu
uso, mesmo que em composições para crianças.
Desenvolvimento de repertório
Diferentemente do séculos anteriores, a partir do século XX, o material da composição musical não é mais compartilhado socialmente. A
escolha de materiais é feita segundo critérios estabelecidos pelo próprio
compositor, o que acarreta a explosão de diversidade do último século. Segundo Ernst Krenek (apud Dahlhaus, 1987, p. 276), “a música como arte
é baseada primeiramente em axiomas que não são propostos nem pela natureza nem pela história, mas pelos compositores, cujas intenções estéticas
decidem o que deve ser visto como significativo num senso técnico-composicional.” Dahlhaus (ibidem) explica que cabe aos compositores selecionar os axiomas da técnica composicional que correspondem às suas idéias
estéticas. Não é intenção aqui teorizar sobre os processos composicionais
da música nova, pois foge ao escopo deste trabalho. O fato é que o último
século é o da pluralidade musical, marcado pela busca do novo.
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Para tentar contemplar esta diversidade estilística, Daldegan (2009)
trabalhou com colegas compositores, que escreveram peças simples. A trajetória possível foi delimitar o material e o nível de dificuldade das peças,
elaborando-se uma lista de possibilidades técnicas e sonoras – uma “Orientação para compositores” – que serviu de ponto de partida para as composições. As peças foram revistas e alteradas, quando necessário. Deste trabalho resultou uma série de duos e solos para flauta. Foram criados também
pequenos estudos, bem simples, com o intuito de auxiliar no desenvolvimento das técnicas. A partir da prática com os alunos e o trabalho com os
compositores, identificou-se a necessidade de revisão de algumas peças e
estudos, além da re-elaboração da lista inicial de orientação para compositores, para novamente retornar à prática. Acreditamos que trabalhos semelhantes podem ser realizados, com sucesso, para outros instrumento. Com
esse propósito, sugerimos aqui uma metodologia.
A idéia de elaborar-se uma “lista” advém da necessidade não só de
delimitar o material para que cada compositor tenha uma gama de possibilidades sonoras à escolha, mas também de relacionar as restrições impostas pelo fato de tratarem-se de composições voltadas a iniciantes. Essa
lista pode ser re-elaborada à medida em que surjam dúvidas por parte dos
compositores. A lista inicial pode ser dividida em 1) orientações quanto a
divisões rítmicas; 2) orientações quanto à extensão possível no instrumento; 3) orientações quanto às técnicas estendidas possíveis; e 4) observações
finais.
***
Divisão rítmica: A precisa divisão rítmica é uma dificuldade para
a maioria das crianças no estágio inicial, especialmente para aquelas que
não tiveram treinamento prático musical anterior. Portanto, as peças devem incluir ritmos muito simples, com subdivisões de semínimas em colcheias e semicolcheias ocasionais. É importante incluir no texto que se
evitem síncopes e contratempos seguidos, pois são extremamente difíceis
para os iniciantes (seria possível escrevê-los subdividindo semínimas em
colcheias, mas não se deve fazê-lo). Já a notação proporcional, apesar de geralmente não ser familiar aos iniciantes, parece não causar estranhamento
ou maior dificuldade uma vez quem se explique como funciona. Os acelerandos
são possíveis, com notas repetidas ou graus conjuntos (dependendo do instrumento).
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Extensão: Determinar a extensão possível para iniciantes em cada
instrumento é extremamente importante. Outro ponto importante é que
saltos extremos, também podem, muitas vezes, causar dificuldades. Além
disso, é importante enfatizar a restrição do uso de muitos acidentes seguidos, especialmente da mistura de sustenidos e bemóis na mesma célula
melódica.
Técnicas estendidas possíveis e observações: O professor deve experimentar com seus alunos quais técnicas estendidas são de fácil execução, e adaptá-las se necessário. Por fim, observações pertinentes às especificidades do instrumento (quanto aos registros, emissão, dinâmica, por
exemplo) que sejam importantes para evitar passagens tecnicamente complicadas são essenciais para nortear os compositores, enfatizando a simplicidade das peças. Vide Figura 2.
***
Com alguns compositores há necessidade de uma conversa individual, pois podem não ter idéia de como soam os efeitos das técnicas estendidas. Uma sugestão é tocá-los e em alguns casos gravá-los para que os
compositores possam compreender e trabalhar com o material. As peças
devem ser revistas, e alteradas quando necessário.
Com relação à composição, é possível afirmar que o ganho cognitivo para os compositores vem a partir da necessidade de trabalhar com o
material proposto dentro dos limites impostos pelas restrições ao escrever
para iniciantes. Há uma dicotomia entre o trabalho com um material de
vanguarda, não-tradicional, e a escrita de peças extremamente simples.
Depois de revisadas as composições feitas sob encomenda, com a
finalidade de familiarizar os alunos com a notação e a linguagem, é interessante que o professor componha alguns estudos preparatórios que sirvam de introdução às técnicas mais comuns às composições. A idéia é
que não sejam exercícios áridos, e que incorporem as técnicas de maneira
musicalmente interessante. Devem ser curtos e de concepção musical não
muito complicada.
A lista de orientações para os compositores pode também vir a ser
ampliada para incluir novas possibilidades, assim como podem ser geradas
a partir desta novas criações e descobertas de compositores, professores e
alunos-intérpretes, ensejando novas composições para o instrumento e a
ampliação do repertório.
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Figura 2: Lista preliminar de orientações para os compositores (Daldegan, 2009, p. 51).
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Como comentado anteriormente, muito da dificuldade de execução das obras contemporâneas vem do virtuosismo técnico exigido, mais
do que das técnicas estendidas em si. Por outro lado, mesmo instrumentistas bastante ágeis tecnicamente muitas vezes afastam-se da música contemporânea em conseqüência da aparência complicada decorrente da escrita que envolve técnicas estendidas. É por isso que quando se discute a
interpretação da música contemporânea, um outro aspecto relevante é o
da notação. Para Murray Schafer (2001, p. 176), “o dilema da notação musical convencional está hoje no fato de ela já não estar à altura de enfrentar o emaranhado dos mundos da expressão musical e do ambiente acústico..., provavelmente o fato musical mais significativo de nosso século”.
Ainda assim, é importante frisar que uma das propostas do trabalho de
Daldegan (2009) é evitar a mistificação da notação contemporânea como
inacessível e esotérica, pois muitas vezes é justamente a notação que afasta o músico da obra que envolve sonoridades estendidas, mesmo que esta
não esteja além de sua capacidade técnica. O propósito da utilização de
notação contemporânea é iniciar a criança na leitura de símbolos diferentes daqueles da notação musical tradicional, de modo que, ao deparar-se
com uma partitura que inclua técnicas estendidas, a notação não a desencoraje da música.
Uma outra metodologia possível, é a sugerida no trabalho de Brian
Dennis, Experimental music in schools (1973), especialmente para professores que dão com freqüência aulas coletivas, como é o caso dos instrumentos de cordas (Figura 2). Para estes – no caso de impossibilidade de trabalhar com compositores – pode ser interessante organizar atividades em que
as técnicas estendidas são organizadas em composições estruturadas segundo partituras gráficas. Há inclusive estudos que demonstram que o uso
de notação gráfica estimula o pensamento criativo em música (AUH, 1999).
Estas obras abertas, que podem desenvolver facilmente o aspecto textural
e narrativo que caracteriza muito da composição contemporânea quando
baseadas em técnicas estendidas, adquirem prontamente um caráter lúdico e de grande divertimento para crianças, sem que seja necessário ao professor o conhecimento de composição musical. Ademais, especificamente
para conjunto de cordas, há o método de Farish e Owens (1978), em que às
técnicas estendidas é aplicada notação gráfica.
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Figura 3: Composição textural simples, adaptada de Dennis (1973). O trabalho de Dennis é
uma fonte inesgotável de inspiração para composições contemporâneas, de níveis variáveis de
complexidade formal.
Considerações finais
“Há a polêmica da sala de concertos lotada para a apresentação da
nona de Beethoven, que todo mundo gosta, ou a pouca platéia que assiste com um sorriso conflituoso à estréia da obra contemporânea que
rompe com a idéia de nota musical.” (GALVÃO, 2006, p. 169)
Quem sabe as crianças que iniciarem seus estudos de instrumento
incluindo músicas “que rompam com a idéia de nota musical” desde o início, venham a modificar a cena retratada por Galvão, mostrando não um
sorriso “conflituoso”, mas aquele de satisfação por ouvir com interesse crítico uma estréia de obra contemporânea.
Em Daldegan (2009), além dos estudos didáticos, foram criadas quatorze peças para flauta transversal, num trabalho conjunto, no qual coube
à autora a orientação e a diversos compositores a criação. A utilização deste material mostrou-se efetiva com iniciantes, não denotando dificuldades
maiores do que aquelas encontradas com o repertório tradicional, e sobretudo refutando a idéia de que todos têm natural preconceito contra as novas
sonoridades características da música contemporânea. Idéia esta presente na
prática corrente no estudo de instrumento que muitas vezes nega a exploraVol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
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ção de novas sonoridades e exige que o aluno elimine qualquer som não desejado, concentrando-se unicamente no vocabulário musical tradicional.
É interessante que se componham peças solo, mas também para
duos e trios, e também acompanhadas por instrumentos diferentes – além
do piano, possivelmente de percussão –assim como alguma que envolva
elementos eletroacústicos, de modo que se amplie o leque de combinações
de novos sons, que é um dos elementos centrais das estéticas musicais
contemporâneas.
Certa vez, após uma comunicação num simpósio, uma professora
disse que trabalhava com música contemporânea para a iniciação no piano,
mas que, ao passar da exploração sonora derivada desta prática para a notação (na pauta) e o repertório tradicionais, percebia que havia uma falta de
interesse das crianças nesta transição. Segundo ela, além do material sonoro mudar, o fato de começarem a tocar a partir da partitura, com leitura de
notas, já não trazia o mesmo estímulo lúdico de quando exploravam o som
livremente, sem uma maior formalização. Apesar da possibilidade de exploração das sonoridades somente pelo prazer de manipular o som, ou através
do improviso, ser um caminho possível na iniciação e existirem algumas
pesquisas muito interessantes neste sentido, proporcionar uma aproximação mais sistemática com a música contemporânea “formalizada” – composta e notada – ainda neste período em que as crianças estão mais abertas ao
novo é um desafio, mas mostra-se um campo aberto e instigante para os que
trabalham com a formação musical. A metodologia aqui apresentada poder
servir de base para trabalhos futuros, voltados a outros instrumentos.
Referências AUH, M., & Walker, R. (1999). Compositional strategies and musical creativity When
Composing With Staff Notations Versus Graphic Notations Among Korean Students.
Bulletin of the Council for Research in Music Education, Special Issue, N. 141, 2-9.
BOAL PALHEIROS, G., ILARI, B. & MONTEIRO, F. Children’s responses to 20th
century ‘art’ music, in Portugal and Brazil. In: International Conference on Music
Perception And Cognition, 9th, 2006, Bolonha. ICMPC9 Proceedings. Bolonha:
Universidade de Bolonha, 2006. p. 588-595.
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BRADLEY, I. L. Effect on Student Musical Preference of a Listening Program in
Contemporary Art Music. Journal of Research in Music Education, v. 20, n. 3, p.
344-353, Autumn 1972.
DAHLHAUS, Carl. A rejection of material thinking? Schoenberg and the New Music.
Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
DALDEGAN, Valentina. Técnicas estendidas e música contemporânea no ensino de
flauta transversal para crianças iniciantes. Curitiba: DeArtes, 2009.
Dalla Bella, Simone. Isabelle Peretz, Luc Rousseau e Nathalie Gosselin, “A developmental
study of the affective value of tempo and mode in music,” Cognition 80 (2001): B9.
DELALANDE, François. La musique est un jeu d’enfant. Paris: INA GRM/Buchet
Chastel, 1984.
DENNIS, Brian. Experimental music in schools: towards a new world of sound.
London: OUP, 1973.
FARISH, Margaret K; OWENS, Don. Shapes and sounds: studies and pieces in
contemporary notation for class or ensemble, New Directions for Strings Series. Bryn
Mawr, Pa.: Theodore Presser Co, 1978.
GALVÃO, A. Cognição, emoção e expertise musical. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
vol. 22, n. 2, p. 169-174, 2006.
HORNYAK, R. R. An analysis of student attitudes towards contemporary American
music. Council for Research in Music Education, vol. 8, p. 1-14, 1968.
MARK, L. M. Contemporary Music Education. New York: Schirmer Books, 1996.
OLSON, L. C. The Pedagogy of Contemporary Flute. 1998. 209 f. Doutorado em Artes
Musicais – University of Illinois, Urbana-Champaign.
SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Editora Unesp, 2001.
Valentina Daldegan - Mestre em Música pela Universidade Federal do Paraná, graduada no Curso
Superior de Instrumento - flauta transversal, pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (1993)
e Licenciada em Letras - Inglês, pela Universidade Federal do Paraná (1997). Flautista profissional
com repertório extenso de música contemporânea, tendo realizado muitas estréias de obras, professora de música com especialização no Método Suzuki realizada como bolsista da East Tennessee
State University, e aperfeiçoamento no Método Edwin Gordon de Aprendizagem Musical, com seu
criador, na Michigan State University. É coordenadora da Pós-Graduação em Artes da Faculdade
Internacional de Curitiba.
Maurício Dottori - Bacharéu em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1984), mestre em Artes pela Universidade de São Paulo (1991) e Doutor em Musica (PhD) pela University of
Wales, Cardiff (1997). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Paraná. É compositor de formação, com intensa produção, pequisando simultaneamente Processos Cognitivos
relacionados à composição musical. Tem também experiência em Musicologia, havendo pesquisado
principalmente os seguintes temas: música colonial brasileira, e música sacra do barroco napolitano, Davide Perez e Nicolò Jommelli.
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Resumos
Orquestra de Garrafas: uma Experiência
de Ensinar e Aprender Música
Rodrigo Serapião Batalha - UFRJ
[email protected]
A dissertação, realizada sob orientação de Salomea Gandelman, teve como
foco a investigação de princípios nortedores do processo de educação musical dos participantes da Orquestra de Garrafas – um programa de educação musical para crianças e adolescentes que utiliza garrafas plásticas como
instrumentos musicais de sopro (aerofones) e de percussão (idiofones) com
altura determinada e indeterminada. A pesquisa envolveu a sistematização
e classificação dos instrumentos musicais produzidos, bem como uma etnografia que analisou a retrospectiva histórica da experiência, o perfil dos
adolescentes e crianças nela envolvidos e seu ambiente sociocultural. No
referencial teórico, basicamente a partir de Moraes, Fernandes e Swanwick, investigamos respectivamente questões relativas à educação musical e
à teoria/linguagem musical, com a perspectiva de subsidiar uma discussão
em torno das atividades pedagógicas e musicais praticadas no grupo. No
que concerne à teoria/linguagem musical, reconhecemos no ritmo a estrutura mais fundamental da execução/percepção em música, que demanda, por
sua vez, uma capacidade de orientação em um sistema pulsativo que garante
a localização das posições dos ataques sonoros, em contraposição à recorrente ideia de duração como um parâmetro sonoro que fundamenta o ritmo. No
campo da educação musical, criticamos alguns aspectos do chamado modelo conservatorial de ensino da música, adotando uma concepção contextualista para abordar a experiência da Orquestra de Garrafas. Os resultados
abrem portas para outras propostas referentes ao ensino/aprendizagem em
música e para discussões acerca de políticas públicas de educação musical.
Palavras-chave: Educação musical; Instrumentos musicais alternativos; Ritmo.
Rodrigo Serapião Batalha - Atualmente, é professor do quadro permanente da UFRJ. Possui graduação em Música pela UFES e mestrado em Música pela UNIRIO. Desde 2004, coordena o programa
de educação musical “Orquestra de Garrafas”, reconhecido pelo MEC, o MinC e a OEI como uma
das mais significativas experiências brasileiras em arte/educação, cultura e cidadania.
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O Idiomatismo dos Ritmos Populares Nordestinos
nas obras brasileiras para grupo de percussão
Wênia Xavier de Medeiros - UFRN
[email protected]
Este resumo faz parte de uma pesquisa em andamento na área da performance musical no Curso de Pós-Graduação (Latu sensu) em Práticas Interpretativas em Música do Século XX e XXI da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Tem como objeto de estudo o repertório camerístico brasileiro para grupos de percussão, a partir da constatação na prática, da dificuldade na execução deste repertório específico, pela falta de informações
precisas de interpretação, tornando-o pouco idiomático. Assim, o objetivo
principal deste estudo é compreender o idiomatismo nas obras para grupo de
percussão de compositores brasileiros que tratam de ritmos populares nordestinos através de levantamento bibliográfico, seleção de partituras (amostra) e análise descritiva. A metodologia parte de abordagem qualitativa tendo
por instrumentos de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, documental e
biográfica, o estudo da bibliografia específica, estudo interpretativo, a gravação em vídeo das obras selecionadas e registro fotográfico. Os instrumentos
de organização e análise dos dados são a elaboração do referencial teórico,
a edição de vídeos, seleção de fotografias e a descrição analítica do material
coletado a partir das obras selecionadas. Embora o campo de estudos em performance musical seja a área de maior demanda em produção acadêmica de
pós-graduação, ainda é carente quanto à constituição de um quadro teórico
de referência específicos. No Brasil, também é notório o crescimento de teses e dissertações defendidos nas duas últimas décadas relacionados à percussão. Todavia, essa produção relacionada à música camerística percussiva
ainda é escassa e em geral, o repertório é pouco idiomático.
Palavras-chave: Idiomatismo, ritmos populares nordestinos, repertório para grupos de percussão, ritmos brasileiros, música de câmara.
Wênia Xavier de Medeiros - Graduada nas Licenciaturas em Pedagogia e Psicologia; Bacharelados
em Música (Percussão) e Psicologia Hospitalar e Licencianda em Música, todos pela UFPB. Pela
mesma instituição concluiu Especializações em Psicologia Educacional e Educação Ambiental,
Mestrado em Música na área de Etnomusicologia. É aluna da UFRN da Pós-Graduação (latu sensu)
em Música de Práticas Interpretativas em Música do Século XX e XXI. Percussionista atuando na
área de produção cultural, performance e educação musical.
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Resumo (p. )131-132
Primeira Impressão
Música para Dois Pianos Preparados
de Rogério Constante
Rogério Tavares Constante - UFPel
[email protected]
Música para dois pianos preparados é parte integrante da pesquisa “Práticas interpretativas no Repertório Brasileiro de Piano Preparado”.
A motivação inicial da composição foi a idéia de se realizar um concerto
com duas obras para dois pianos preparados. A preparação utiliza os materiais borracha, fita (ou pastilha) adesiva e parafusos. Os timbres resultantes desta preparação, aliados às outras técnicas expandidas utilizadas na
obra e aos sons naturais do piano, são um dos fatores importantes na construção do percurso dramático da obra. A maneira de ligação entre os materiais dos dois pianos também influencia a forma e a condução do percurso
dramático. Os dois pianos foram considerados como personagens independentes que por vezes se complementam ou se aproximam e em outros momentos se distanciam. A definição de alguns aspectos da organização de
alturas foi determinada pelas limitações de registro em cada um dos timbres utilizados na peça. A preparação utilizada apresenta em linhas gerais
uma conexão entre os timbres da preparação com borrachas e a região média e grave, bem como entre os da preparação com massa adesiva e a região
superaguda. A preparação com parafusos está presente na região subgrave
e grave, enquanto as notas sem preparação ocupam principalmente a região média e aguda.
Rogério Tavares Constante é Mestre e Doutor em composição (2006) pela UFRGS. É professor adjunto na Universidade Federal de Pelotas desde 2005, nas disciplinas de Análise Musical e Composição; é integrante e co-fundador do NuMC - Núcleo de Música Contemporânea da UFPel. Teve obras
apresentadas nos V, VI e VII Encompor, na XVII Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no V
e VI Festival Contemporâneo - RS. Teve sua obra Pampa I premiada no 2º Festival Internacional de
Música Contemporânea - UFBA e gravadas em CD as obras Imagens Nordestinas (1994); Manuscrito
Encontrado Numa Garrafa (1998); O Navio das Sombras (2000); e Os ventos uivantes (1998).
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GESTOS de Danilo Rossetti
Danilo Rossetti - IA-Unesp
[email protected]
Gestos (2010) é um trio para clarinete em Sib, trompete e contrabaixo que busca explorar a capacidade timbrística destes três instrumentos, assim como a possibilidade de fusão dos timbres produzidos por eles.
O processo de composição foi baseado principalmente na valorização individual do dado sonoro, com o intuito de, a partir dele, formar o dado musical. Há também um contraste de densidades e de texturas nos diferentes
momentos da obra. Sua estruturação harmônica foi definida através de processos utilizados na música eletroacústica, mais especificamente partir de
análises do espectro sonoro da nota Si 1 (61,7 Hz) do piano. Neste aspecto,
há uma dualidade caracterizada tanto pela utilização de sons mais consonantes, quanto de outros que tendem a uma inarmonia (parciais mais distantes). A estruturação temporal e métrica pretende gerar uma percepção
de organicidade para o ouvinte. O andamento não é estritamente rígido,
apresentando um certa maleabilidade em relação às durações dos sons, a
fim de privilegiar suas características intrínsecas de ataque, decaimento,
sustentação e extinção.
Danilo Rossetti é graduado em Economia (PUC-SP, 2000) e Música, com habilitação em Composição (instrumental e eletroacústica) e Regência (Universidade Estadual Paulista, 2009). É técnico de
audio pela Escuela Microfusa de Barcelona (2002) e foi bolsista do curso de Técnica de Gravação
de Orquestra no Festival de Inverno de Campos do Jordão (2006). Atualmente cursa Mestrado em
Música na Universidade Estadual Paulista, na área de Teoria e Composição. Seu objeto de pesquisa
é o tempo musical. Suas obras já foram tocadas no Brasil, Chile e Espanha. Recentemente, teve
composições que foram executadas nos seguintes eventos: VIII BIMESP - Bienal Internacional de
Música Eletroacústica de São Paulo, X Festival de Música Eletroacústica do Chile - Ai-Maako, e
Festival Internacional de Linguagem Eletrônica - FILE. Sua obra acusmática Glaciares (2008) faz
parte do CD Música Maximalista vol. 13, Pontos Expandidos... produzido pelo Estudio PANaroma
de Música Electroacústica.
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GESTOS
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GESTOS
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MÚSICA HODIE
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157
Primeira Audição
Peça para Violoncelo Solo 1
de Luciano Campbell
(Faixa 2 do CD anexo. Duração 6’38’’)
A música é um “todo orgânico” em devir designada por configurações sonoras intencionalmente conectadas que atuam no ouvinte como blocos de
sensações. Nesta peça em especial, cada bloco é estruturado por gestos
ríspidos (rítmico/tempo métrico) e texturas flutuantes (tempo amétrico)
que buscam potencializar as múltiplas escutas presentes no continuum
(universo sonoro). Aspectos transitórios entre adensamento e rarefação, e
contrastes entre timbre instrumental e sibilar estabelecem um jogo rítmico-textural onde a escritura exerce um papel fundamentalmente aberto,
possibilitando ao intérprete enfatizar a seu modo cada nuance da obra.
Luciano Campbell - Graduado em Música e mestrando em Poéticas Contemporâneas pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso, estudou composição
e regência com Roberto Victorio. Recentemente teve obras executadas no
Brasil, Chile e Portugal. Fundou em 2008 o grupo de câmara Sensembow
que tem como principal objetivo estimular novas obras para conjunto de
câmara (envolvendo também eletroacústica/multimeios).
Intérprete:
Fábio Presgrave - Bacharel e mestre pela Juilliard School, de Nova Iorque, e doutor pela Unicamp, estudou com Joel Krosnick e Harvey Shapiro.
Apresentou-se com as orquestras Sinfônica Brasileira, Petrobras Sinfônica,
Sinfônica da Bahia, Sinfônica de Minas Gerais e Camerata Fukuda. Registrou em CDs e DVDs os Choros-bis de Villa-Lobos, as Quatro estações de
Piazzolla, e obras de Camargo Guarnieri, José Siqueira, Rodigo Cicchelli e
Silvio Ferraz. Integrou o Quarteto Camargo Guarnieri, com o qual recebeu
o Prêmio Carlos Gomes (2006). Seu violoncelo pode ser ouvido na trilha
sonora do filme Sal de prata. É professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), Coordenador Artístico da Semana da Musica da
Natal, membro do Conselho Diretor da Escola de São Braz e Consultor do
Programa Guri da Grande São Paulo.
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
161
Música para Dois Pianos Preparados
de Rogério Constante
(Faixa 1 do CD anexo. Duração 6’38’’)
Intérpretes:
Piano 1 - Lúcia Cervini: Doutora em Música pela UNICAMP, realizou Estágio de Doutorado com Mikhail Malt junto ao IRCAM - Institut de Coordenation Acoustique/Musique (Paris/FR) e com a pianista Martine Joste no
Atelier du Piano Contemporain (FR). É professora da Universidade Federal
de Pelotas (UFPel) e co-fundadora do Núcleo de Música Contemporânea
(NuMC).
Piano 2 - Joana Cunha de Holanda: Doutora em Música pela UFRGS, realizou Estágio de Doutourado na City University, em Londres. Mestre em Música pela University of Iowa, EUA, e bacharel pela UNICAMP. É professora
da UFPel, integrante e co-fundadora do Núcleo de Música Contemporânea,
NuMC. Foi diretora de produção do VI Contemporâneo RS.
162
MÚSICA HODIE
Primeira Audição (p. 161-163)
GESTOS
de Danilo Rossetti
(Faixa 3 do CD anexo. Duração 6’38’’)
Gestos é um trio para clarinete em Sib, trompete e contrabaixo que busca explorar a capacidade timbrística destes três instrumentos, assim como
a possibilidade de fusão dos timbres produzidos por eles. O processo de
composição foi baseado principalmente na valorização individual do dado
sonoro, com o intuito de, a partir dele, formar o dado musical. Há também
um contraste de densidades e de texturas nos diferentes momentos da obra.
Sua estruturação harmônica foi definida através de processos utilizados na
música eletroacústica, mais especificamente partir de análises do espectro sonoro da nota Si 1 (61,7 Hz) do piano. Neste aspecto, há uma dualidade caracterizada tanto pela utilização de sons mais consonantes, quanto de
outros que tendem a uma inarmonia (parciais mais distantes). A estruturação temporal e métrica pretende gerar uma percepção de organicidade para
o ouvinte. O andamento não é estritamente rígido, apresentando um certa
maleabilidade em relação às durações dos sons, a fim de privilegiar suas
características intrínsecas de ataque, decaimento, sustentação e extinção.
Intérpretes:
Clarinete: Leirson Corrêa Maciel ([email protected])
Trompete: Ricardo Lima Alves ([email protected])
Contrabaixo: Alexandre Rosa (OSESP: [email protected])
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
163
Call for Papers
Chamada para Trabalhos
REVISTA MÚSICA HODIE
Publicação do Programa de Pós-graduação - Mestrado em Música
Escola de Música e Artes Cênicas da UFG
Música Hodie foi criada no PPG Música da UFG e é publicada ininterruptamente desde dezembro de 2001 em 2 números por ano. Seu conselho editorial é presidido pela Profa. Dra. Sonia Ray desde sua criação. Em
2010 passou a ter como co-editora a Profa. Dra. Ana Guiomar Rego Souza,
também do PPG em Música da UFG. Música Hodie está indexada no RILM
– International Repertory of Music Literature, no Arts & Humanity Index,
no The Music Index, e é Qualis ‘B2’ na nova classificação da CAPES. A publicação visa incentivar a produção científica e artística relacionada à Performance Musical e suas Interfaces, Composição e Novas Tecnologias, Educação Musical, Música e Interdisciplinaridade, Musicoterapia, Linguagem
Sonora e Intersemiose, Musicologia, concentrando-se na produção musical
mais recente.
CHAMADA PARA OS VOLUMES DE 2011
O Conselho Editorial de Música Hodie receberá e avaliará material para publicação (artigos, resumos, gravações e partituras) para o volume 2011 no sistema blind review e com pareceristas externos, como é a
tradição do periódico. Entretanto, a data de encerramento será excepcionalmente a mesma para os dois números (15/05/11) em função da edição
especial em comemorações dos 10 anos de publicação da Música Hodie
que pretendemos disponibilizar em agosto. Os temas para os números de
2011 são:
Música Hodie - Volume 11 (n. 1)
Tema: Música no Século 21 (aberto a textos sobre todas as sub-áreas de música). Abordagens conceituais e aplicativas sobre a música executada ou discutida desde 2000 são benvindas, sobretudo aquelas compostas
neste perídodo.
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
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Música Hodie - Volume 11 (n. 2)
Tema: Técnicas Estendidas na Prática Musical da Atualidade
(aberto a textos sobre performance e composição). Abordagens conceituais
e aplicativas sobre técnica estendida são bem vindas.
FECHAMENTO 2011 (n. 1 e n. 2): 15 de maio de 2011
Normas para envio de artigos e resumos para publicação
1. Os artigos ou resumos, além de inéditos, devem abordar um tema relacionado àqueles mencionados acima como objetivos da publicação. Os
textos podem estar redigidos em português, inglês ou espanhol e devem ser apresentados no editor Word 6.0 ou acima, sempre em fonte Times New Roman.
2. O autor deve incluir o seguinte cabeçalho no topo da primeira página,
antecedendo o título do artigo:
3. “Submeto este artigo/resumo para apreciação do Conselho Editorial da
Hodie”. No caso de aprovação do meu trabalho, autorizo Musica Hodie
a publicá-lo de forma impressa e on-line no portal do periódico.
Dados dos autores:
1º autor (nome em publicações): _______________________________
Endereço completo: ________________________________________
Telefone: (__) __________ e-mail: ____________________________
2º autor (nome em publicações): ______________________________
Endereço completo: ________________________________________
Telefone: (__) __________ e-mail: ____________________________
4. Logo abaixo do cabeçalho, deverá ser incluída síntese da atuação profissional ou formação acadêmica (até 5 linhas fonte Times New Roman
tamanho 10, espaço simples)
5. O texto a ser publicado como artigo deverá ter entre 7 e 20 páginas (incluindo resumo, abstract, exemplos, notas e referências bibliográficas),
e deverá ser apresentado em fonte Times New Roman tamanho 12 e espaço 1,5; exceções serão apreciadas pelo Conselho Editorial.
6. Para artigo será exigido um resumo com cerca de 100 palavras (tamanho 10, espaço simples), e indicação de palavras-chave (de três a seis)
que devem ser apresentadas no início do texto na língua utilizada no
168
MÚSICA HODIE
Chamada para Artigos (p. 167-172)
artigo, seguido do abstract, título e keywords, para os trabalhos em
português e espanhol. (OBS: os trabalhos redigidos em inglês devem
apresentar o resumo, título e palavras-chave em português logo após o
abstract e keywords).
7. Para a seção resumos serão aceitas sínteses de teses defendidas, pesquisas em andamento e monografias, desde que se enquadrem na proposta
da publicação, apresentadas em texto com cerca de 250 palavras, tamanho 12, espaço 1,5.
8. Exemplos musicais (Ex.), figuras (Fig.), tabelas (Tab.) etc. devem ser inseridos no texto como figura com resolução baixa para internet (72dpi),
numerados e acompanhados de legenda explicativa clara e objetiva de
no máximo 3 linhas em fonte Times New Roman tamanho 10, espaço
simples, e devem também ser enviados em arquivo separado com resolução de 300 dpi.
9. As notas de texto deverão ser colocadas manualmente no final do texto
(como endnotes), precedendo a bibliografia;
10. As normas de editoração devem estar conforme o detalhamento abaixo. O que não estiver previsto abaixo deve seguir as normas da ABNT;
11. Artigos e resumos devem ser enviados exclusivamente por e-mail para
Sonia Ray [email protected]
12. A aprovação do artigo ou resumo é de inteira responsabilidade do Conselho Editorial, ouvidos o Conselho Consultivo e os consultores ad-hoc.
13. O conteúdo dos textos publicados bem como a veracidade das informações
neles fornecidas são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam a opinião das editoras ou do conselho editorial de Música Hodie.
Etapas na avaliação dos artigos e resumos submetidos
1. Triagem pelo Conselho Editorial que verificará a pertinência do conteúdo e a adequação do texto às normas editoriais de Música Hodie;
2. Envio do texto aprovado na triagem a dois pareceristas ad-hoc;
3. Envio do texto a um terceiro parecerista, caso haja empate nas decisões
dois primeiros consultados;
4. Notificação ao autor sobre o resultado das avaliações;
5. Retorno do texto aprovado para o autor para revisão e possíveis modificações sugeridas pelos pareceristas e pelas editoras;
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
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6. Aprovação final e publicação do texto.
7. Prazo estimado a partir do recebimento do artigo até a aprovação final: 90 dias.
Normas para envio de gravações
1. As gravações devem contemplar obras inéditas (preferencialmente inéditas) as quais serão oferecidas em formato de CD como encarte da Revista Música Hodie.
2. As gravações podem ser enviadas nos formatos: DAT (44.100 SR, 16 bits)
AUDIO CD ou arquivo AIFF, com duração máxima de 10 minutos.
3. A submissão de gravações devem ser acompanhadas de uma declaração do/s autor/es da/s obra/s cedendo os direitos de publicação da mesma para a Revista Música Hodie de forma impressa e on-line.
4. A submissão de gravações devem incluir ainda:
4.1. Identificação do/s interprete/s ou responsável pelo grupo (como no
item 2 das normas para envio de artigos e resumos acima).
4.2.Informações sucintas sobre a obra (aproximadamente 200 palavras).
4.3. Breve curriculum do/s compositor/es (aproximadamente 100 palavras).
5. A aprovação da gravação é de inteira responsabilidade da Conselho
Editorial, ouvidos o Conselho Consultivo e os consultores ad-hoc.
Enviar submissões de gravações para:
Sonia Ray [email protected]
Envio de Partituras
A sessão Primeira Impressão é destinada à apresentação de novos
trabalhos e/ou de novos compositores. Envie sua proposta com a partitura
(completa ou trecho) a ser publicada em formato Finale ou PDF, juntamente
com sua biografia (150 palavras) e um texto analítico sobre a obra a ser publicada (aprox. 500 palavras). Maiores informações com as editoras.
Sonia Ray [email protected] ou Ana Guiomar Rêgo Souza [email protected]
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MÚSICA HODIE
Chamada para Artigos (p. 167-172)
REVISTA MÚSICA HODIE
www.musicahodie.mus.br
Call for articles, recordings and scores
DEADLINE FOR VOLUME 11 (n. 1 & n. 2.): MAY 15, 2011
Revista Música Hodie is listed by RILM, The Arts & Humanities
Index and The Music Index. It is a Brazilian scholarly journal, which publishes articles in Portuguese, English and Spanish on music performance,
musical analysis, music theory, composition, music and technology, music
therapy, esthetics and musicology as well as interdisciplinary works evolving music.
Música Hodie Editorial Board will take submission (articles, recording and scores) for volume 11 up to May 15, 2011. The reviewers work
in blind review. The deadline is the same for both volume 11 n. 1 & n. 2
because they will be part of a special edition that is being prepared to celebrate the 10th Anniversary of Música Hodie next August. The main topic
for 2011 issues are:
Música Hodie - Volume 11 (n. 1)
Topic 1: Music in the 21st Century (accept texts from all areas
derived from music. Theoretical as well as practical conceptions on music (performed or conceived from 2000 on are welcome, particularly those
composed within this timeframe).
Música Hodie - Volume 11 (n. 2)
Topic 2: Extended Techniques on Today´s Music Performance (accept texts on music performance and composition). Theoretical as well as
practical conceptions on extended technique are welcome.
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
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Música Hodie´s Editorial Guidelines
1. The papers should be in Microsoft Word for Windows (or compatible),
Times font, 12 size, space 1,5, with 8 to 20 pages (exceptions will be
evaluated by the Editorial Committee), musical examples, figures, tables, abstract, vitae, footnotes and bibliographic references included.
2. Examples (musical examples, tables and figures are all called Ex.)
should be numbered and have a clear and concise heading with 3 lines
at most (Times, size 10, single-spaced), presented in the text and in separate files.
3. For additional information, comments or references to quotations ONLY
ENDNOTES (Times, size 10, single-spaced) should be used. The complete bibliographical references should be placed at the end of the text
(e.g., GRIFFITHS, Paul. The String Quartet. New York: Thames & Hudson, 1983).
4. An abstract with about 100 words (Times, size 10, single-spaced) and
keywords (3-6) should be presented in both Portuguese and English
before the complete bibliographic references, after which should come
the author´s vitae (Times, size 10, single-spaced, up to 10 lines).
5. After being proofread, the originals should be submitted to Revista
MUSICA HODIE (e-mail only) to the editor at soniaraybrasil@gmail.
com, containing the title and author´s name, address, telephone, fax
and e-mail.
6. Scores submissions to the review section (Primeira Impressão) should
be sent in Finale Format (or pdf) via e-mail to the editor. Composer
should also send a short bio (approx. 150 words) and a text about the
work (approx. 500 words).
Send your inquires or submissions see www.musicahodie.mus.
br or write to:
Sonia Ray [email protected]
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MÚSICA HODIE
Chamada para Artigos (p. 167-172)
REVISTA MÚSICA HODIE
Publicação do Programa de Pós-graduação - Mestrado em Música
Escola de Música e Artes Cênicas da UFG
NORMAS PARA FORMATAÇÃO DAS REFERÊNCIAS - 2010
References Formating Rules - 2010
Somente as obras citadas no corpo do artigo. Devem ser apresentadas em espaço simples, com alinhamento justificado e seguindo as normas
da ABNT/2000 (NBR 6023) e do Manual da PRPPG (Cegraf, 2005), abaixo
exemplificadas. Fonte Times New Roman, tamanho 12. PapelA4. Margens:
dir 2,0 cm; esq 3,0cm, sup 3,0cm e inf 2,0 cm.
Livros: BOOKS
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Edição [se não for a primeira]. Local de publicação: Editora, ano.
MEYER, Leonard B. Music, the Arts, and Ideas: patterns and predictions
in twentieth-century culture. 2. ed. Chicago: The University of Chicago
Press, 1994.
COHEN, Louis; MANION, Laurence. Research Methods in Education. 4.
ed. London: Routledge, 1994.
Partes de livros (capítulos, artigos em coletâneas, etc.): CHAPTERS
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor da Parte da Obra. Título da parte. In:
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor da Obra. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Edição [se não for a primeira]. Local de publicação: Editora,
ano. Capítulo ou páginas inicial-final da parte.
WEBSTER, Peter. R. Research on creative thinking in music: the assessment
literature. In: COLWELL, Richard (Ed.). Handbook of Research on Music
Teaching and Learning. New York: Schirmer Books, 1992. p. 266-280.
Artigos em periódicos: JOURNALS
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Artigo. Título do Artigo. Título do
Periódico, Local de publicação, número do volume, número do fascículo,
página inicial-final do artigo, data.
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
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LOANE, Brian. Thinking about children’s compositions. British Journal of
Music Education, Cambridge, v. 1, n. 3, p. 205-231, 1984.
Trabalhos em anais de eventos científicos: PAPERS IN CONGRESSES
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do trabalho. In:
NOME DO EVENTO, número do evento, ano de realização, local. Título.
Local de publicação: Editora, ano de publicação. página inicial-final do
trabalho.
DELALANDE, François. A criança do sonoro ao musical. In: ENCONTRO
ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8.,
1999, Curitiba. Anais... Salvador: ABEM, 2000. p. 48-51.
Partituras publicadas: PUBLISHED SCORES
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Obra. Identificação. Local de publicação: Editora, ano de publicação.
MOZART, Wolfgang Amadeus. Don Giovanni. Libretto por Lorenzo da
Ponte com versão em inglês de W. H. Auden e Chester Kallman. New York:
G. Schimer, 1961.
Partituras não publicadas: UNPUBLISHED SCORES
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Obra. Identificação. Local de publicação: informação sobre o tipo de registro gráfico da
obra (informar o editor e ano da edição, se houver), ano da composição.
VILLANI-CÔRTES, Edmundo. Casulo. Para violoncelo, piano e soprano.
Partitura. São Paulo: manuscrito, 1992.
CUNHA, Estércio Marquez. Movimento para Contrabaixo e Orquestra.
Partitura. Goiânia: Finale (ed. Sonia Ray, 2003), 2000.
Gravações em CD e Cassete: RECORDINGS (CD, Tape)
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título da Gravação. Tipo
de gravação. CD número de série (ou informe a origem da gravação. Ex: independente, caseira). Identificação da Gravadora [se houver], ano [obrigatório. Se incerto, acrescente uma interrogação no último dígito. Ex: 198?].
EVORA, Cesaria. Café Atlantico. CD 74321678022. BMG Brasil, 1999.
174
MÚSICA HODIE
Formatação da bibliografia (p. 173-176)
Gravações em Vídeo: RECORDINGS (DVD, VHS)
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Título do Video. Produção (direção, regência...) de Nome do Responsável. Tipo de fita, duração da
gravação. Local de publicação: Editora ou Gravadora, ano de publicação.
PERLMAN, Itzak. Itzak Perlman: in My Case Music. Produzido e dirigido
por Tony DeNonno. Videocassete, 10 min. New York: DeNonno Pix, 1985]
Entrevistas não publicadas: UNPUBLISHED INTERVIEWS
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor do Trabalho. Entrevista de Nome e Sobrenome do entrevistador em data da entrevista. Cidade. Tipo de registro.
Local.
NORMAN, Jesse. Entrevista de José da Silva em 20 de novembro de 1998.
Chicago. Gravação em cassete. Chicago Symphony Hall.
Sítios pesquisados na Rede: WORKS ON INTERNET
SOBRENOME, Prenome(s) do Autor. Título do Trabalho: subtítulo [se houver]. Disponível em <endereço do sítio>. Data do acesso.
ONOFRE, Cíntia C. de. Música por Computador: novas possibilidades de
criação e profissionalização. Disponível em <http://www.iar.unicamp.br/
disciplinas/am625_2003/Cintia_artigo.html>. Acesso em 14/08/2004.
PARA NOTAS NO CORPO DO TEXTO COM CITAÇÃO DIRETA
DIRECT CITATIONS
Sobrenome (ano de publicação, página) - Neste caso a citação deve vir com
aspas e traduzida (se em língua estrangeira)
De acordo com Silva (2005, p. 47), “o fazer musical está associado...”
“O fazer musical está associado...”, afirma Silva (2005, p. 47).
Nota: quando a citação direta é acima de 3 linhas, destaca-se os
palavras citadas com um espaço duplo antes e depois do texto citado, em fonte Times, tamanho 10. Não se usa aspas e inclui-se o
número de página ao final da citação.
Vol. 11 - Nº 2 - 2011
MÚSICA HODIE
175
De acordo com Cardassi (2000),
O resultado final de um recital depende de como ele foi concebido e
de toda a preparação a que o músico se submeteu, às vezes durante
meses. A escolha do repertório, a ordem de execução das peças, e
cada item relacionado à produção e divulgação do evento pode funcionar a favor ou contra o músico. É fundamental que o intérprete
mantenha-se atento aos detalhes. (p. 257).
As conclusões de Cardassi somam-se a vários estudos...
PARA NOTAS NO CORPO DO TEXTO COM CITAÇÃO INDIRETA
INDIRECT CITATIONS
(SOBRENOME, ano de publicação. Página de onde foi tirada a citação) –
Neste caso o número de páginas opcional, porém, recomendada.
A música de câmera tem recebido significativa atenção de pesquisadores na área de psicologia da performance nos últimos cinco anos. (SILVA,
2005, p. 236)
De acordo com SILVA (2005, p. 236), a música de câmera tem recebido significativa atenção de pesquisadores na área de psicologia da performance
nos últimos cinco anos.
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MÚSICA HODIE
Formatação da bibliografia (p. 173-176)
Título
Preparação de originais
Revisão de textos
Normalização
Produção de arte gráfica e capa
Arte final de capa
Editoração eletrônica
Formato fechado
Mancha gráfica
Tipologia
Papel
Númros de páginas
Tiragem
Impressão
Música Hodie, Revista
Sonia Ray
Sonia Ray
Ana Guiomar Rêgo Souza
Música Hodie
Sonia Ray
Franco Jr.
Franco Jr.
16,5 x 24,0 cm
13,5 x 20,5 cm
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Sulfite 75 g/m2 (miolo)
Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)
176
180 unidades
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