Ensinando Química Orgânica através de Cosméticos Com o objetivo de ensinar a química orgânica de uma maneira contextualizada, dinâmica e divertida, elaborei um projeto sobre a química dos cosméticos. O motivador desse projeto foi o livro didático de Martha Reis, Química 2: Físico-Química; editora FTD ano de 2007, que explora essa temática. Depois de ter estudado muito sobre o assunto, preparei cinco aulas sobre cosméticos a fim de ensinar a química orgânica no terceiro ano da Escola Estadual Cônego Osvaldo Lustosa, numa turma de 26 alunos, no período noturno. De acordo com o conteúdo básico comum de química (CBC), o aluno do terceiro ano deve ser capaz de reconhecer as substâncias orgânicas, diferenciar as principais funções orgânicas e também indicar algumas características físicas e químicas dos diferentes grupos funcionais. A proposta inicial do projeto sofreu alterações. No entanto, apresentarei a mesma abaixo para o conhecimento do leitor. - a primeira aula: seria uma conversa com os alunos sobre a proposta de trabalho e em seguida escutar um áudio de uma química descrevendo a importância dos produtos de beleza no cotidiano; após isso, os alunos iriam responder a um questionário, para eu ter uma idéia do que eles sabiam sobre o assunto. - na segunda aula seria feito uma apresentação em powerpoint sobre a história dos cosméticos, na qual os alunos iriam para a sala de informática para explorar o material e elaborar um texto relacionando a evolução dos produtos com o desenvolvimento da ciência. - já a terceira aula seria uma leitura de um texto sobre a história e composição do esmalte para os alunos, e na quarta aula pensei em fazer uma apresentação em powerpoint sobre a história e composição do batom. Nessas duas aulas tinha como objetivo de apresentar alguns grupos funcionais da química orgânica e falar sobre as propriedades químicas e físicas das substâncias presentes na composição do esmalte e do batom. - A quinta aula envolveria a produção de batom junto com a turma. As aulas, conforme desenvolvidas, são descritas a seguir. A acadêmica Mariana Botelho Barbosa, do curso de Química da UFSJ, ajudou no desenvolvimento das aulas, trabalhando mais especificamente nas aulas envolvendo os batons, e o Professor Paulo César Gimenez, regente da turma, acompanhou o desenvolvimento das atividades. ESCUTANDO UM ÁUDIO DE UMA QUÍMICA Na primeira aula apresentei a proposta do projeto para a classe. Eles concordaram e falaram que iriam se comprometer nas atividades. Para mostrar a importância de estudarmos cosméticos coloquei um áudio, conforme planejado, no qual uma química comenta sobre a história e o ramo da cosmetologia (http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/bitstream/handle/mec/12029/parte_1.mp3?sequ ence=4 ). Para isso, levei para a sala um netbook e uma caixa de som. Os alunos ficaram silenciosos prestando muita atenção e se surpreenderam quando a química falou que o banho era proibido na época da peste negra. Nessa ocasião, os médicos acreditavam que a água quente abria os poros da pele, através dos quais a peste penetrava no corpo. A partir daí é que houve a necessidade de desenvolver produtos para os nobres higienizarem as partes íntimas e as mãos. Após o áudio, distribui um questionário contendo 6 perguntas e mais 4 exclusivas para meninos e 4 para meninas (Quadro 1). Enquanto os alunos respondiam, alguns alunos me chamaram na carteira: um perguntou se tinha alguma diferença entre cosméticos masculinos e femininos. Outro perguntou por que a cera de depilação usada pelos homens é a mesma utilizada pelas mulheres, já que o pêlo masculino é mais grosso que o feminino. Uma aluna comentou que faz um creme para rachadura dos pés com vela e óleo de amêndoa, e queria saber qual é a química desse creme. Falei para os três alunos, e para a turma, que essas perguntas seriam trabalhadas na próxima aula. Essas dúvidas alteraram a proposta inicial do projeto. Analisando as respostas dos alunos para as perguntas 1, 2 e 3 do questionário, todos consideraram os cosméticos como “produtos”. A maioria relacionou esses produtos com a beleza e a higiene pessoal, cuja finalidade é melhorar a aparência e perfumar as pessoas. Um aluno citou que cosméticos podem ser medicamentos superficiais, provavelmente porque isso foi comentado no áudio. Os exemplos de cosméticos mais citados e também mais usados pelos estudantes foram: esmalte, cremes, xampu e maquiagem. Já para a pergunta 4, a maioria dos alunos respondeu que não sabia a origem dos cosméticos; apenas dois alunos responderam que quem inventou os cosméticos foram os egípcios. Essas respostas também devem ter relação com o que a química falou no áudio. Na pergunta 5, vinte alunos responderam que os cosméticos têm relação com a química. Alguns deles justificaram, alegando que os cosméticos são constituídos por “compostos orgânicos” e a química é a ciência que estuda esses compostos. Para treze alunos que responderam a pergunta 6, os cosméticos não fazem mal à saúde. Uma aluna justificou que as substâncias são extraídas da natureza e por isso não fazem mal a saúde. Já para 8 alunos, o uso inadequado e em excesso pode ser prejudicial a saúde. Todos os meninos responderam que se sentem atraídos por garotas que usam esmalte. Porém, nem todos gostam de mulheres que usam batom. Já as meninas escreveram que os garotos se sentem atraídos por garotas que usam batom e esmalte. RELACIONANDO A CIÊNCIA E OS COSMÉTICOS Como os alunos se mostraram curiosos em relação a certos assuntos, como a diferença entre cosméticos masculinos e femininos, achei melhor mudar a proposta original do projeto para a segunda aula. Eu havia preparado uma apresentação em powerpoint com o objetivo de levar os alunos para o laboratório de informático visando explorar esse material de modo mais autônomo. Mediante as perguntas feitas pelos alunos, e uma vez que o material só abordava superficialmente a diferença entre os produtos masculinos e femininos, acabei alterando essa apresentação para incluir algumas curiosidades baseadas nas perguntas dos alunos. O novo material descrevia a história dos cosméticos, a evolução dos produtos de beleza com a ciência e os principais princípios ativos presentes nos cosméticos masculinos. O material foi apresentado à turma em sala de aula (ver slides sobre Química dos cosméticos). Os alunos ficaram atentos e alguns comentaram sobre as imagens achandoas engraçadas, particularmente uma ilustração na qual um homem estava se depilando. No final da apresentação, explicamos sobre a química do creme que uma aluna mencionou produzir na primeira aula (vela derretida + óleo de amêndoa). Falamos sobre propriedades físicas e químicas da parafina, que é a base desse creme, explicamos que o óleo altera a propriedade da parafina e não deixa solidificar e que também tem a finalidade de hidratar os pés. Para avaliar o conhecimento adquirido nessa aula, pedi que os estudantes elaborassem um texto relacionando a ciência e a produção de cosméticos. Nesse texto os alunos deram ênfase ao avanço da ciência na direção de favorecer o aperfeiçoamento dos produtos de beleza, conforme havíamos mencionado durante a apresentação. Frases como: “Antigamente os cosméticos era pouco desenvolvidos”, “A relação dos cosméticos tem a ver com a ciência, pois a ciência foi muito importante para grandes evoluções”, “os produtos usados na antiguidade, eles enfeitavam o corpo sem saber para que servia ou se fazia algum mal” apareceram nos textos. Essas frases mostram que eles internalizaram essa informação. IDENTIFICAÇÃO DE FUNÇÕES ORGÂNICAS NA COMPOSIÇÃO DO ESMALTE Na terceira aula comecei usando o quadro e o giz para explicar o que é um polímero. Também citei alguns fatores que alteram o ponto de fusão e ebulição dos compostos orgânicos. Enquanto eu falava sobre polímeros, os alunos não fizeram nenhuma pergunta e ficaram somente ouvindo e copiando as explicações. Mas, quando falei dos fatores que alteram as propriedades físicas das substâncias orgânicas, eles fizeram mais perguntas e participaram mais. Provavelmente isso ocorreu porque os alunos não tinham muita familiaridade com o tema polímeros e já estavam um pouco por dentro do outro tema da aula, anteriormente iniciado pelo professor. A idéia de apresentar esses conceitos tem relação com auxiliar a compreensão do texto “História e composição de esmalte” que distribui para cada aluno. Quando eles receberam o texto, falei para fazerem uma leitura individual e que poderiam tirar dúvidas comigo ou discutir com o colega ao lado. Um grupo de alunos preferiu discutir entre si. Três alunos me chamaram para o esclarecimento de algumas palavras, como por exemplo, o significado de “aderente”, ou para esclarecer dúvidas no exercício proposto, cujo objetivo era identificar os grupos funcionais presentes em algumas substâncias orgânicas que compõem os esmaltes. Um aluno me perguntou se existe esmalte com algum tipo de aroma. Respondi que não sabia, mas que provavelmente não, já que os ésteres são muito voláteis, e poderiam aumentar o custo benefício do produto no mercado. No fim da aula fiz um comentário geral sobre o texto e resolvi o exercício com a turma. Eles comentaram que essa aula foi uma revisão para a prova que eles iriam fazer sobre propriedades físicas dos compostos orgânicos. O BATOM E A POLARIDADE DOS COMPOSTOS DE SUA COMPOSIÇÃO Para falar sobre o batom na quarta aula, foi preparada uma apresentação em powerpoint que descreve a história do batom, as diferenças entre os vários tipos de batom e a composição básica desse cosmético, enfatizando as funções orgânicas da substâncias presentes (ver slides sobre A Química e o Batom). Nessa aula, exploramos também a polaridade das substâncias orgânicas, já que a maioria dos componentes desse cosmético são substâncias apolares. A classe estava muito concentrada na fala da Mariana. Quando ela falou da toxidade de alguns produtos que compõem o batom, um aluno lembrou-se da segunda aula sobre a “História dos cosméticos”, relatando que os artistas romanos morreram por causa da toxidade do chumbo. A Mariana explicou que o chumbo existe em uma pequena quantidade no batom e dentro dos limites permitidos pela legislação brasileira. No fim da aula mostramos algumas fórmulas estruturais de substâncias orgânicas para os alunos falarem se eram substâncias polares ou apolares. Como por exemplo: acetato de butila, álcool isopropílico, propilparabeno, di-terc-butil metil fenol, álcool cetílico, entre outras substâncias. Quando mostramos um álcool com uma cadeia longa, o professor Paulo falou para eles se lembrarem de uma questão da prova que tratava de polaridade de substâncias com cadeias grandes. Os alunos responderam bem a essa atividade, sugerindo não mais haver dúvidas sobre polaridade. Faltando dez minutos para acabar a aula, falei com os alunos que o projeto estava chegando ao fim, e que tínhamos alcançado nossos objetivos de ensinar química orgânica através de cosméticos. Mencionei que a opinião deles era muito importante para nós. Então pedi para avaliarem as aulas, por escrito, contando se aprenderam química ou não. As respostas dos alunos foram muito positivas, pois elogiaram e disseram que aprenderam química de forma divertida e com produtos usados no dia a dia. As seguintes frases exemplificam as respostas dadas pelos alunos: “Com o passar das aulas eu aprendi a ver a química de outra maneira”, “A química é complicada mais é legal”, “É legal saber se o que usamos é bom para a nossa saúde”, “fiquei sabendo de curiosidades que nem imaginava”, “Com essas aulas consegui perceber que os cosméticos estão relacionados com a química”, “agora sempre olho a composição mesmo sem entender nada inclusive dos esmaltes para conferir se tem nitrocelulose”, “a aula foi descontraída”, “conhecimento sobre cada tipo de cosméticos a fórmula contida em cada um”, “a química tem muito haver com os cosméticos, e ainda tem haver com a matéria que estamos estudando”, “visão mais científica sobre os cosméticos e suas origens”, “conheci os compostos”, “gostei porque não foi aquela aula chata e cansativa”. QUIZ: UM JOGO COMO AVALIAÇÃO A quinta aula também teve alteração em relação ao projeto inicial, pois o batom que pretendia elaborar com os alunos não tinha boa consistência. Assim, achei melhor realizar um jogo do tipo “quiz” (pergunta e resposta). Para isso, fiz 15 cards com perguntas relacionada com as aulas desenvolvidas (ver Quadro 2 abaixo). A regra do jogo foi: a sala foi dividida em dois grupos de alunos e o grupo dos professores. Houve o sorteio de quem iria começar a responder, sendo que os professores só iriam responder se os alunos não soubessem da resposta certa. Uma pessoa então lia a pergunta em voz alta e os grupos tinham 2 minutos para pensar e discutir a resposta e escolher um representante para responder. Caso a resposta tivesse certa o grupo ganharia 3 pontos, caso contrário daria chance para o outro grupo responder, porém agora a pergunta valeria 2 pontos. Caso o grupo também errasse os professores responderiam e ganhariam 1 ponto. Venceria o grupo que somasse mais pontos e cada componente do grupo ganharia um bombom como prêmio; o outro grupo ganharia bala como prêmio de participação. A aula foi muito divertida e os alunos responderam quase todas as perguntas, só uma pergunta foi passada para os professores, associada à identificação do grupo funcional de uma substância cuja fórmula estrutural estava desenhada no card. Os dois grupos responderam que os grupos presentes eram o éter e cetona, e na verdade, era o éster. Quando saiu o card para o grupo contar a relação dos cosméticos com a ciência, o primeiro grupo respondeu, mas não organizou as idéias direito, mesmo assim dei os três pontos para o grupo. Uma menina do outro grupo não ficou satisfeita com a resposta do primeiro grupo e me pediu para responder. A resposta dela foi mais elaborada e então falei que ela iria ganhar um bombom, por mostrar o interesse em completar a resposta do grupo adversário. (Ver as fotos) Assim no final do trabalho pude observar que os objetivos do trabalho foram alcançados, já que os alunos conseguiram relacionar a história dos cosméticos com a química, sabendo identificar os grupos funcionais das substâncias presentes na composição dos esmaltes e batons, bem como souberam explicar as propriedades físicas dos compostos orgânicos. Quadro 1 – Questionário 1) O que são cosméticos? Dê exemplos de cosméticos que você conhece. 2) Para que servem os cosméticos? 3) Você usa algum tipo de cosmético? Qual? 4) Quem inventou os cosméticos? 5) Os cosméticos têm alguma relação com a química? 6) Cosméticos fazem mal à saúde? Tarefa para próxima aula: Pesquisar a composição química dos esmaltes e dos batons. Trazer rótulos de embalagem dos esmaltes e batons. Perguntas para as meninas: 1) Você usa esmalte? 2) Acha que os meninos gostam de meninas que usam esmalte ou preferem as que não usam? 3) Você usa batom? 4) Acha que os meninos gostam de meninas que usam batom ou preferem as que não usam? Perguntas para os meninos: 1) Você usa ou já usou esmalte? Tem preconceito? 2) Você gosta de meninas que usam esmalte ou prefere as que não usam? 3) Você usa ou já usou batom? Tem preconceito? 4) Você gosta de meninas que usam batom ou prefere as que não usam? Quadro 2: Perguntas elaboradas para o quiz. 1) 2) 3) 4) 5) 6) O que são cosméticos? Conte um pouquinho da historia dos cosméticos. Qual é a relação da ciência com os cosméticos. Qual é a base principal do esmalte? A nitrocelulose é um polímero. Explique o que são polímeros. Porque o álcool utilizado como solvente nos batons, possui uma cadeia carbônica longa? 7) Qual fórmula geral que caracteriza a função orgânica ester? 8) essa é a estrutura da eosina, a base do batom. Quais são os grupos funcionais presentes nela? 9) essa é a fórmula estrutural do acetato de etila, substância presente no esmalte. Qual é o grupo funcional dessa substância? 10) são substâncias presentes na composição do esmalte. Qual é a mais volátil? Explique. 11) O gloss é um batom? Porquê? 12) Cosméticos masculinos possuem o mesmo principio ativo que os femininos? 13) O di-terc-butil metil fenol é um conservante e também um antioxidante presente no batam. Essa é uma substância hidrofílica ou hidrofóbica? 14) O que são os cosméticos multifuncionais? 15) Essa é a fórmula estrutural do princípio ativo presente na maioria dos cosméticos para a pele masculina. Esse é um composto polar ou apolar?