ID: 49084830 04-08-2013 Tiragem: 45640 Pág: 53 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 19,91 x 23,38 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Aquilo que João Miguel Tavares não sabe sobre a MAC 1. Debate Encerramento da MAC Ricardo Sá Fernandes João Miguel Tavares ( JMT) é um dos mais brilhantes comentadores da comunicação social portuguesa. Mas, num país em que toda a gente fala de tudo sem saber do que está a falar, JMT não resistiu a fazer uma crónica — neste jornal, no passado dia 1 de Agosto, a propósito da recente sentença sobre o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) — para ilustrar como o país estaria ingovernável com decisões judiciais que abusivamente se intrometeriam na acção do Governo. 2. JMT diz ter as maiores dificuldades em compreender que uma juíza se possa imiscuir “na decisão política de transferir o nascimento de bebés da zona de Picoas para a zona da Estefânia”. Acontece, porém, que nunca foi isso que esteve em causa, revelando JMT desconhecer algumas questões essenciais que, se conhecesse, não podiam levar à conclusão precipitada que formulou. 3. Eis algumas das coisas que JMT ignora: i. Não existe qualquer despacho do ministro da Saúde nem deliberação do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) – nem programa ou instrumento de gestão – que estabeleça os termos ou sequer defina o calendário e o faseamento do anunciado encerramento da MAC e subsequente integração no Hospital D. Estefânia (HDE); ii. Não há qualquer estudo técnico que exponha a necessidade ou sequer as vantagens da integração da MAC no HDE, tendo designadamente em conta a alternativa — mais fácil, eficiente e barata — de integrar na MAC os serviços sobrantes de ginecologia, obstetrícia e neonatologia do HDE; iii. Como a inspecção judicial realizada provou, é evidente que a pluralidade de serviços, equipas profissionais e equipamentos da MAC não é susceptível de caber no HDE — “o Rossio não cabe na Betesga” —, sendo patente que o HDE não tem condições materiais para garantir nem o número de partos, nem a assistência a situações de urgência e gravidez de alto risco, nem a pluralidade de consultas altamente diferenciadas, nem a manutenção de equipas multidisciplinares, nem um serviço de procriação medicamente assistido, tal como, em relação a todos esses itens, é assegurado pela MAC; iv. Como a inspecção judicial demonstrou, a anunciada transferência dos serviços de ginecologia e de neonatologia da MAC para o HDE implicaria o abandono de instalações recentemente remodeladas, passando aqueles serviços a funcionar noutras de inferior qualidade, as quais, nalguns aspectos, nem sequer respeitam os padrões internacionalmente recomendados; v. O estado de desnorte do processo de transição era tal que, durante o julgamento, o indigitado responsável da ginecologia e obstetrícia do HDE disse que, concluindo-se que as novas instalações de obstetrícia seriam insuficientes para receber a capacidade instalada na MAC, tudo se resolveria passando os serviços de ginecologia para outro hospital (?!); quanto ao serviço de procriação medicamente assistida, nunca foi assumido qual seria o respectivo destino; vi. Não se conhece qualquer estudo (nem sequer uma folhinha de Excel) que justifique a propalada e repetida, mas falsa, proposição de que o encerramento da MAC implicaria ganhos de 10M€; vii. De todos os hospitais que integram o CHLC, a MAC é o estabelecimento menos carenciado de obras (de que, de resto, nos últimos anos, beneficiou largamente), tendo as eventualmente justificadas um custo reduzido e inferior ao da transferência. 4. É por tudo isto que a sentença da juíza Anabela Araújo não demonstra a tese de JMT, pois não há qualquer intromissão — nem isso lhe fora pedido — na área da livre decisão do Governo, mas apenas um adequado controlo dos princípios jurídicos a que – tal como o Supremo Tribunal Administrativo tem reconhecido – o Governo e a Administração estão subordinados, particularmente os critérios de “bom governo” que vinculam o sector empresarial do Estado, bem como as regras pertinentes da gestão hospitalar e os princípios gerais da boa administração, da proporcionalidade e da eficiência. Estamos, assim, perante uma decisão justa e adequada à gravíssima situação de lesão da saúde pública que fatalmente ocorreria se o desconchavado encerramento da MAC se tivesse concretizado. 5. É verdade que, por vezes, há abuso no recurso às providências cautelares, mas, por outro lado, noutras ocasiões, há défice de decisões cautelares que evitem factos consumados que atingem irreversivelmente o interesse público. Neste balanço, a presente sentença é um farol de esperança e homenagem a princípios de racionalidade e de “bom governo”, os quais, se respeitados, evitariam a catástrofe de tantas más decisões administrativas que — umas vezes por mera precipitação, outras para satisfazer caprichos do poder, outras ainda para servir inconfessados interesses — nos levaram ao beco onde estamos. A presente sentença é um farol de esperança e homenagem a princípios de racionalidade Advogado Frei Bento Domingues interrompe a sua crónica durante o mês de Agosto voltando a este espaço em Setembro