MEMÓRIA DAS ESCOLAS DE TEMPO INTEGRAL DO RIO DE JANEIRO (CIEPs): documentos e protagonistas Ana Maria Villela Cavaliéri - UFRJ INTRODUÇÃO Durante os anos 80 e 90, foram criadas no Rio de Janeiro, no decorrer de duas gestões estaduais (83/86 e 91/94) 1, um conjunto de escolas públicas de tempo integral, os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), com concepção administrativa e pedagógica próprias, que pretendiam, segundo seu projeto original, promover um salto de qualidade na educação fundamental do estado. Ao longo dessas gestões foram construídos 506 CIEPs em todo o Estado2. Criaram-se estruturas extraordinárias, sob a forma de 1º e 2º Programa Especial de Educação (1ºPEE e 2º PEE), visando implantar e gerir as novas escolas. Os dois governos que sucederam as referidas gestões interromperam os programas em curso, tendo sido a maior parte dessas escolas, nesses dois momentos, descaracterizadas em relação a sua proposta original. Este trabalho pretende esboçar uma recuperação dessa história recente mas que já imprimiu algumas marcas na educação do Rio de Janeiro. Marcas positivas, como o fato de a rede escolar da capital, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação3, possuir hoje um conjunto de 164 escolas (101 CIEPs e 63 de outros formatos) que oferecem o tempo integral seja em sistema misto, isto é, a mesma unidade com as opções de tempo parcial e tempo integral (51 unidades), seja com exclusividade (113 unidades). E marcas negativas, como a reafirmação da descrença do professorado e da população frente a projetos inovadores que, por não cumprirem as expectativas que criam, geram frustrações e desperdício de recursos. Um conjunto de circunstâncias fizeram do programa dos CIEPs um programa altamente polêmico. Suas fortes marcas partidárias impediram, muitas vezes, uma avaliação isenta. A tentativa deste trabalho é de colaborar com a criação de um objeto de pesquisa, ou seja, de compreender as escolas de tempo integral como parte da realidade educacional do Rio de Janeiro a reclamar análise e avaliação. 1 Ambas gestões do PDT(Partido Democrático Trabalhista) e tendo Leonel Brizola como governador eleito. 2 Secretaria Estadual de Educação - Balanço da Educação no Estado do Rio de Janeiro, 1994. 1 UMA CONCEPÇÃO DE ESCOLA O programa dos CIEPs começa a ser desenhado no início dos anos 80, quando a proximidade do período autoritário aliada a ainda forte influência das ideologias político-revolucionárias resultava num profundo desinteresse pelas questões da educação escolar por parte do que se poderia chamar de forças progressistas intelectuais e políticas. Entre os governos eleitos em 1982, o do Rio de Janeiro destacou-se com um conjunto de medidas marcantes e polêmicas4, que contribuíram para romper com a inércia da área educacional, pautaram a educação escolar como questão estratégica nacional e, nos parece, sintetizaram um problema que estava “no ar” e na academia, mas não aparecia de forma explícita nas políticas públicas, ou mesmo para a população e os profissionais da educação. O problema consistia na inadequação do modelo de escola vigente para absorver as grandes massas da população brasileira que chegavam às escolas públicas urbanas. Essa inadequação não se traduzia exclusivamente pelos problemas relativos “às faltas” em geral, isto é, falta de salas e instalações apropriadas, falta de material didático, exiguidade de tempo letivo, falta de preparo (formação adequada) dos professores - questões estas, então, já bem explicitadas para professores, pais e alunos. Na proposta administrativa e pedagógica dos CIEPs , cada um desses itens apareceu integrado a uma nova concepção de organização escolar e a uma tentativa de redefinição do papel da escola em nossa sociedade. Portanto, a criação das escolas de tempo integral, que concentrou grande parte da ação do governo do estado na área da educação, não vinha, em si mesma, responder a uma demanda explícita da população ou da categoria de professores por essas escolas específicas. As demandas do senso comum (e não apenas dele) eram por mais vagas, melhores salários, mais recursos, enfim, pelo “bom funcionamento do modelo de escola existente”. O programa tentava colocar em prática uma proposta de reformulação mais profunda da escola, propiciando uma reflexão sobre sua organização, objetivos, métodos e inserção social. A concepção básica, apresentada nos documentos oficiais, especialmente no “Livro dos CIEPs” (Ribeiro/1986) articulava, pelo regime de turno único, linhas de ação nas áreas de instrução, saúde e cultura, que pretendiam resultar 3 Informações Gerenciais, Intranet/ SME, Planilhas E/ATP – março/1999 Estudo de CUNHA(1995) levanta as ações da gestão estadual 83/86 na área educacional e discute seus pontos polêmicos. 2 4 numa escola democrática, com funções sociais e pedagógicas ampliadas. O projeto, criado e coordenado por Darcy Ribeiro, era fortemente influenciado pela obra teórica e prática de Anísio Teixeira. Tal filiação é assumida em vários de seus documentos oficiais e a ela voltaremos adiante. O diagnóstico contido no “Livro dos CIEPs” sobre a situação da educação pública no país tem caráter essencialmente político. Os problemas de administração escolar ou de orientação técnico-pedagógica são apresentados como conseqüência de uma ordem social que não se interessa de fato pela realização de uma obra educacional consistente. Sobre o fracasso escolar, o texto afirma: “Muitos fatores contribuem para esse fracasso, (...) só queremos adiantar agora que a razão causal verdadeira não reside em nenhuma prática pedagógica. Reside, isso sim, na atitude das classes dominantes brasileiras para com o nosso povo” (p.13) O texto rejeita as explicações que atribuem ao expansionismo decorrente da urbanização e industrialização as causas da crise do sistema escolar. Rejeita também a noção de “degradação do sistema”, afirmando que “seria verdade que nosso desastre educacional se deva a tais processos, se o ensino houvesse sido bom antes da urbanização caótica e da industrialização intensiva. Se ao menos ele fosse comparável ao que fizeram, em matéria de educação, outros países latino-americanos após a independência, como a Argentina, o Uruguai e o Chile”. (p.15) Descartando interpretações que poderiam, segundo o texto, chegar a desculpar o desastre como sendo o preço necessário pago pela expansão, a análise contida no “Livro dos CIEPs” apela para causas mais longínquas e profundas que se encontrariam na própria formação histórica do Brasil enquanto nação, ou seja, no modelo colonial escravista. A proposta pretende realizar a “crítica histórica da razão sociológica”, afirmando que “nosso atraso educacional é uma seqüela do escravismo” (p.16). Toda a sociedade brasileira estaria, ainda hoje, marcada pela experiência da escravidão. Estaríamos vivenciando o processo de reconstrução do escravo como ser cultural, inclusive a assunção por ele da língua do senhor como sendo a sua língua, isto em conflito permanente com a descendência de “gastadores de gente” dos senhores de escravo. 3 O Brasil construiu escolas, pois não havia como não fazê-lo: a República, o liberalismo, e, após 1930, os ideais de desenvolvimento nacional autônomo, assim o exigiam. Entretanto “não houve até hoje o desejo de que o nosso povo se educasse, se alfabetizasse, pois educação implica em dividir, em reconhecer o outro, em ouvir e ser ouvido, em aceitar e em respeitar opiniões diferentes das nossas, em partilhar com todos o que é direito de todos” (p.62). A escola que resultou dessa ambigüidade é segundo o texto, elitista e estruturada mais para expulsar do que para absorver as crianças das classes populares, na medida em que as trata como se fossem iguais às oriundas dos setores privilegiados. O grande desafio, hoje, seria o rompimento com essa atitude : “falsa” e “desonesta” da escola pública brasileira e a sua reestruturação em função da criança real que a freqüenta. Esses pressupostos terão forte influência na definição da concepção e do currículo dos CIEPs. FILIAÇÃO HISTÓRICA Buscando a linha de pensamento e ação educacional a que se filia historicamente a proposta dos CIEPs, torna-se evidente a ligação entre essa experiência iniciada no Rio de Janeiro em 1985, e as experiências desenvolvidas por Anísio Teixeira no Rio de Janeiro, nos anos 30, na Bahia no início dos anos 50, e de novo no Rio de Janeiro ao final dos anos 50. Já em 1931, quando diretor geral da Instrução Pública do então Distrito Federal, Anísio defendia um tipo de escola que ensinasse a viver melhor, que promovesse o progresso individual através dos cuidados com a higiene, com os hábitos de leitura e estudo, indagação e crítica, meditação e conhecimento. Com esse fim, criou um conjunto de 5 escolas experimentais: escola Bárbara Ottoni, onde desenvolveram-se o método de projetos e a escola-comunidade; escola Manoel Bonfim onde aplicou-se o método Dalton; escolas Argentina, México e Estados Unidos organizadas segundo o sistema Platoon. O sentido geral dessas experiências, inspiradas no que o educador vira e estudara nos Estados Unidos, era o de ensaiar novas metodologias constituindo-se também em centros de formação de professores capazes de reproduzirem mudanças no sistema educacional como um todo. (TEIXEIRA/1997). A concepção de educação integral, a preocupação com a relação da escola com as famílias e a comunidade, o 4 entendimento da cultura como aspecto indissociável da educação escolar, pontos centrais na proposta dos CIEPs, estavam presentes na proposta dessas escolas experimentais. Outra referência importante para o programa dos CIEPs é o Centro Educacional Carneiro Ribeiro inaugurado em Salvador, por Anísio Teixeira, no ano de 1950, também conhecido como escola-parque (ÉBOLI/1983). Uma rápida descrição dos dois projetos põe à mostra os pontos de contato: O complexo educacional idealizado por Anísio Teixeira constava de quatro escolas-classe e uma escola-parque composta dos seguintes setores: 1)pavilhão de trabalho; 2)setor socializante; 3)pavilhão de educação física, jogos e recreação; 4)biblioteca; 5)setor administrativo e almoxarifado; 6) teatro de arena ao ar livre e 7)setor artístico. A escola-parque complementava de forma alternada o horário das escolas-classe, assim o aluno passava o dia inteiro no complexo onde também se alimentava e tomava banho. O Centro atendia crianças de 7 a 15 anos, divididas por grupos a princípio organizados pela idade cronológica. Previa-se, mas não chegou a ser executada, a construção de residências para 5% do total das crianças da escola que fossem reconhecidamente abandonadas, e que ali viveriam. Os CIEPs, tal como projetados por Darcy Ribeiro, são unidades escolares onde os alunos permanecem das 8 da manhã às 5 da tarde. Cada CIEP possui três blocos. No bloco principal ficam as salas de aula, centro médico, cozinha, refeitório e um grande pátio coberto. No segundo bloco fica o ginásio com vestiário e quadra polivalente (pode ser utilizada também para apresentações teatrais, shows, etc.). No terceiro bloco fica a biblioteca e sobre ela as moradias para alunos residentes. Ainda segundo o projeto origina, os CIEPs contariam com professores de educação física, artes, estudo dirigido, teleducação e animadores culturais. Na experiência baiana, o ideário escolanovista aparece claramente na inexistência de um programa único a determinar promoções e reprovações, no estudo dirigido, na busca da autonomia de aprendizagem, nos “centro de interesse”, na seleção de conteúdos que tenham significado para a vida do aluno, na substituição das aulas teóricas pela prática de atividades em grupo e pesquisa, nas excursões. Os CIEPs, construídos 35 anos depois, incorporam também diversos aspectos do ideário 5 escolanovista, ainda que estes apareçam de forma mais diluída e misturados a outros tipos de pensamento que floresceram no Brasil nesse espaço de tempo que separa as duas experiências 5. Durante os anos 50/60, também no Rio de Janeiro, Anísio Teixeira promoveu outra experiência inovadora criando na escola Guatemala, dentro de programa do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (Divisão de Aperfeiçoamento do Magistério) o que pretendia ser um verdadeiro laboratório nacional de experimentação pedagógica. Os professores tinham a dupla função de docentes e bolsistas do INEP e a escola recebia professores bolsistas de outros estados que poderiam posteriormente atuar como multiplicadores em seus locais de origem (XAVIER/2000). Também essa experiência foi inspiradora do programa dos CIEPs já que, durante o 2ºPEE (gestão 91/94) criou-se um sistema de incorporação de novos professores que guardava semelhanças com aquela proposta. Professores jovens, recém formados, eram selecionados e tornavam-se docentes bolsistas. Com regime de trabalho em tempo integral o professor-bolsista deveria realizar atividade docente com uma turma, durante uma parte do dia, e, na outra parte, realizar atividades de estudo orientado por um professor experiente. O fato da proposta ter sido realizada em larga escala, chegando a 6426 o número de professores bolsistas das escolas de tempo integral (RIBEIRO/1995) gerou críticas que a consideraram como um artifício visando contratações precárias no serviço público em detrimento dos concursos públicos. Outro ponto de contato entre as realizações de Anísio Teixeira e o programa dos CIEPs é o entendimento estratégico que têm dos métodos de ação sobre o sistema educacional. Ambos adotam a postura que poderíamos chamar de “criação de padrão” e que se define pela construção de algumas escolas exemplares capazes de estabelecer novos parâmetros para o sistema escolar. Dada a cristalização e inércia burocrática, não seria possível reformar internamente o sistema segundo um programa sucessivo de mudanças. Seria preciso criar a demanda por um outro tipo de escola que superasse a incapacidade da escola real brasileira de efetivamente atender à maioria da população 5 A análise histórico-crítica da sociedade capitalista surge no texto através da idéia de que a escola é um importante ambiente à disposição da população onde se expressam as contradições da sociedade e onde a população poderá adquirir os meios necessários a sua emancipação. Também o pensamento de Paulo Freire está presente na tentativa de amalgamar práticas da chamada educação popular, baseada numa ativa intervenção na esfera cultural-comunitária, com a prática de educação escolar. 6 brasileira. Criada a demanda, ainda que âmbito reduzido, as próprias forças sociais impulsionariam a sua reprodução. No entanto, seja porque nos anos 80/90 a sociedade de massas estava já plenamente instalada, seja porque a própria experiência de Anísio Teixeira havia mostrado a fragilidade das escolas experimentais, Darcy Ribeiro tenta criar um programa com certo peso quantitativo, implantando, com interrupções e dificuldades, 500 novas escolas. Pretendia ter nos CIEPs cerca de 10% do alunado do estado. O efeito padrão se daria a partir de um universo bastante significativo e sem o sentido de “experimentalismo”. Na primeira fase de implantação (gestão 1983/1986), cerca de 200 CIEPs foram criados sendo a maioria de 1ª a 4ª série e 18 deles de 5ª a 8ª série. Na segunda fase, (gestão1991/1994), cerca de 400 CIEPs (entre recuperados e novos) foram implantados6, a maior parte no decorrer dos últimos dois anos de governo mas, muito deles, somente nos últimos meses, ficando um grande número de escolas apenas semiestruturadas e em fase embrionária de funcionamento. A decisão de manter a meta quantitativa de 500 unidades no estado, sendo que pelo menos uma unidade em cada município, foi motivo de grande dispersão de esforços com resultados nem sempre condizentes. No 2ºPEE, a orientação e acompanhamento pedagógico centralizados de cerca de 400 escolas em fase de implantação, pulverizadas por todo o estado, sem ligações com as estruturas regionais da Secretaria Estadual de Educação, foi uma proposta de difícil execução. O hiperdimensionamento do programa estadual impediu que se consolidasse a “criação de padrão” nas duas fases de implantação7. Por tudo isso, a resistência à destruição dessas escolas em nível estadual, ao final da cada uma das gestões, foi pequena e não chegou a desencadear um movimento com expressão política. Tanto ao final do 1ªPEE(1987) quanto ao final do 2ªPEE(1994), as 6 Secretaria Estadual de Educação - Balanço da Educação no Estado do Rio de Janeiro, 1994. Para informações mais detalhadas sobre a reforma e entrega de novas unidades escolares na gestão 1991/1994 ver RIBEIRO(1995). 7 Analisando-se a lista de CIEPs por município apresentada em RIBEIRO(1995), observa-se que das 361 Unidades (rede estadual) listadas, 125 (35%) encontram-se em municípios de pequena concentração populacional. As demais localizam-se nos municípios de Belford Roxo, Campos, Duque de Caxias, Itaboraí, Magé, Macaé, Nova Iguaçu, Niterói, Nilópolis, Petrópolis, Queimados, Rio de Janeiro (criados no 2º PEE e não municipalizados), São João de Meriti, São Gonçalo. 7 escolas que resistiram foram as com mais tempo de funcionamento, ou seja, que haviam consolidado minimamente uma experiência e que já tinham, portanto, algo de concreto a perder. Com o duplo desmonte, muitas das escolas de tempo integral da rede estadual, especialmente as da região do Grande-Rio, tornaram-se “escolas abandonadas” confusas, problemáticas, rejeitadas pelo próprio sistema, sem projeto e sem condições de administrar sequer seu espaço. Foram assim estigmatizadas como escolas para crianças sem cuidados familiares, semi-marginalizadas. Situadas em regiões abandonadas pelo poder público, subsumiram à ineficiência geral do sistema escolar estadual e às condições de miséria local. Nesses casos, pensando-se na idéia de “criação de padrão” o efeito obtido foi exatamente o contrário do que se esperava. No entanto, ao analisarmos as escolas de tempo integral do Rio de Janeiro, é preciso distinguir as da rede municipal da capital e as da rede estadual, localizadas nos demais municípios. A transferência dos 97 CIEPs situados no município do Rio à rede da prefeitura deu-se em 1986, ao final do 1ºPEE. Essas escolas não passaram, de lá para cá, por um processo de destruição ou abandono, ainda que diferentes partidos políticos tenham assumido o governo municipal em 4 gestões diferentes. O resultado é que esses CIEPs, pela continuidade de vigência do turno integral, que foi flexibilizado mas vem sendo mantido e, em alguns deles, já se encontra com mais de 14 anos de funcionamento contínuo constituem, hoje, experiência relativamente desenvolvida e consolidada. Ocorreram mudanças de rumo e a tendência à equiparação da prática pedagógica, recursos e estrutura administrativa às demais escolas da rede municipal. De especial, manteve-se apenas a característica de oferecerem o horário integral e o mínimo de estrutura indispensável a sua execução. A despeito das dificuldades que isso tem trazido, elas são uma modalidade de escola estabelecida e em crescimento no município. Na prática, além das condições históricas e econômicas de melhor organização do sistema municipal, a simples manutenção do tempo integral traz desafios para o cotidiano escolar que criam a tensão permanente da busca de soluções, e a expectativa por novas alternativas à vida escolar. Os CIEPs do município do Rio são as escolas públicas de tempo integral que se mantiveram, ou seja, que foi possível construir. 8 Entrevistas realizadas com diretores dos CIEPs municipais8 nos mostram que, os profissionais que vivenciaram os períodos de implantação do PEE9, e que hoje continuam trabalhando nessas escolas10, mantêm ainda forte ligação com a proposta original: “Nos achamos que a criança deve ficar o dia inteiro na escola mas não da maneira que está acontecendo, e sim da maneira do início, de 1986, quando o CIEP foi implantado, com todas as atividades lúdicas, interessantes para as crianças (...) A gente acha que fica cansativo para o aluno, para os professores e para a escola.”(diretora geral da escola 5) “No início do Projeto dos CIEPs nós tínhamos professores específicos de música, artes cênicas, educação artística. Com esses profissionais o trabalho fica mais fácil (...) Se nós tivéssemos inspetores de alunos, por exemplo, nós poderíamos trabalhar com oficinas como nós trabalhávamos antes, teríamos o inspetor para fazer a movimentação de levar e trazer crianças, seria mais agradável para o aluno estar em uma escola de horário integral.” (diretora geral da escola 3) “Eu ía aos encontros lá na UERJ, eu aprendi muito, a minha visão passou a ser outra em relação ao pedagógico e infelizmente isso acabou. Acabou e a gente está num momento que eu considero bastante caótico, Mas quem tem vontade, quem ainda acredita, a gente tenta fazer com que isso não morra.”(diretora geral da escola 16) “O programa original era muito bom mesmo. Marcou porque a gente tinha tudo. A gente podia planejar a fundo, a gente tinha estímulo para trabalhar. Todo mundo se ajudava, era tudo muito unido quando a gente começou com a implantação” (diretora geral da escola 20) CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos parece que o programa de escolas de tempo integral atuou, em suas duas fases, como elemento catalizador e formulador de um conjunto organizado de diagnósticos e propostas para a educação que, com a abertura política, vinham sendo gestados e também recuperados dos períodos democráticos anteriormente vividos pela sociedade brasileira. Após a interrupção de vinte anos no pensamento educacional 8 Entrevistas realizadas no 1º semestre de 2000 como parte do projeto de pesquisa “Escolas públicas de tempo integral: análise de uma experiência escolar” em desenvolvimento na FE/UFRJ - FAPERJ. 9 Os CIEPs da capital, mesmo sob gestão municipal, permaneceram alvo de “políticas especiais” até 1992 quando terminou uma seqüência de 3 prefeituras do PDT (Marcelo Alencar, Saturnino Braga e de novo Marcelo Alencar) e os mesmos foram equiparados às demais escolas da rede. 10 Dos vinte diretores entrevistados, 10 já eram diretores (gerais ou adjuntos) na época em que havia políticas especiais para os CIEPs do município. Muitos outros eram apenas professores mas, como tais, também foram alcançados por essas políticas. 9 político-prático, provocada pelo regime autoritário, o PEE teve o papel de retomar esse pensamento, inspirando-se particularmente nas experiências de Anísio Teixeira. Enfim, se a escolha da implantação de escolas de tempo integral como prioridade da política educacional do estado, naquele momento, pode ser questionada do ponto de vista da distribuição equânime, horizontal, dos recursos, é preciso lembrar que a mudança social não é apenas o resultado de ações logicamente planejadas e encadeadas. Ela é fruto de uma composição estratégica de diferentes circunstâncias, idéias, ações que nem sempre se organizam do mais simples para o mais complexo ou do mais fácil para o mais difícil. Na verdade, é com base numa racionalidade primordialmente político-cultural que podemos compreender a sobrevivência da idéia e de parte das realizações do programa dos CIEPs. A proposta pedagógica do PEE não chegou a se implantar de forma irreversível nem a se impor como exemplo. Entretanto, as polêmicas que gerou, nas unidades escolares e fora delas, foram impulsionadoras de novas exigências administrativas e pedagógicas da escola fundamental pública do Rio de Janeiro. BIBLIOGRAFIA CUNHA, L.A.(1995) Educação, Estado e Democracia no Brasil. São Paulo, Cortez. EBOLI, T. (1983)Uma experiência de Educação Integral. Rio de Janeiro, FAPERJ RIBEIRO, D. (1986) O Livro dos CIEPs, Rio de Janeiro, Bloch Ed. __________ e outros. (1995) O Novo Livro dos CIEPs, In “Carta 15”, publicação do gabinete do Senador Darcy Ribeiro, Gráfica do Senado. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO (1994) Balanço da Educação no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, (impresso). TEIXEIRA, A. (1997) Educação Para a Democracia. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ. XAVIER, L.N. (2000) Inovação Pedagógica e Profissionalização do Magistério nos Anos 50/60. Rio de Janeiro, Anais no 10º ENDIPE. 10