DE POLÍTICA DE GOVERNO A POLÍTICA DE ESTADO: APONTAMENTOS SOBRE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INTEGRAL Julio Cesar Roitberg Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro [email protected] RESUMO A presente pesquisa em Políticas Públicas Educacionais discorre sobre a ocupação dos espaços urbanos no Rio de Janeiro, as condições de segurança, saúde, educação e habitação. Retrata a formação do perfil dos estudantes na rede pública de ensino. Apresenta a situação da rede de educação do Rio de Janeiro, na década 1980. Releva a experiência dos CIEPs, voltada às camadas empobrecidas e a formação de uma rede educacional paralela. Analisa o cumprimento das metas do PNE, relativas ao currículo básico e da Educação Integral, diante de um cenário de abandono da rede educacional. Fundamenta a atual gestão da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, enquanto continuísmo e avanços da anterior. Apresenta projetos associados a programas para a manutenção de alunos nas escolas. Dimensiona o acesso a determinadas regiões do Rio, a vulnerabilidade social, a carência de professores e de cursos de formação docente. Proporciona um diagnóstico da rede, face à descontinuidade e rupturas, características das mudanças de governo, que impedem as políticas públicas voltadas à educação. Reforça a necessidade em se oferecer melhores condições de trabalho ao professor da rede. Palavras-chave: Políticas Educacionais, Educação Integral, Currículo, Gestão, Avaliação de Sistemas e Programas. INTRODUÇÃO Após o fim da II Guerra Mundial e a criação da ONU(1945) e da UNESCO (1946), a universalização da educação converteu-se numa preocupação e numa política de estado na maioria dos países ocidentais. Vários encontros internacionais foram realizados, propondo metas a serem atingidas pelos países signatários, dentre os quais se achava o Brasil. A expansão de uma educação gratuita, laica, universal e de qualidade esteve presente na pauta de diversos pensadores brasileiros. Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Florestan Fernandes e Anysio Teixeira, para citar apenas alguns, ampliam o tema, sob o prisma da emancipação, da autonomia, da formação da cidadania, do caráter, do profissionalismo ético. Dos círculos de cultura da década de 1960 ao projeto dos CIEPs, na década de 1980, Paulo Freire e Darcy Ribeiro revigoram as possibilidades de uma educação popular tomada do Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932. Por sua dimensão continental, pensar a educação no Brasil requer um esforço pela construção de um Sistema Nacional de Educação, revigorando os projetos dos “Pioneiros”, pautados na laicidade, na unidade, na autonomia da função educacional, na descentralização, na profissionalização. Um desafio a que se acrescenta uma realidade expressa pelo difícil acesso a determinadas regiões, com a carência de professores e de cursos de formação docente, com as políticas que não priorizam a educação, além do multiculturalismo e do enorme contingente de analfabetos e da população em idade escolar que se avoluma nas metrópoles, empurradas para as periferias (RIDENTI, 2007). Paulo Freire já havia demonstrado sua preocupação com as populações distantes das metrópoles ao formar os Círculos de Cultura cuja preocupação era a libertação, a criação da autonomia através da posse da palavra, motor da consciência. Suas idéias ainda são reverenciadas em todo o mundo, anos após seu falecimento. Darcy Ribeiro, o idealizador dos CIEPs no primeiro mandato do Governo Leonel Brizola (de 1983 a 1987), já demonstrara sua decisão de criar um modelo de escola, semelhante às que encontrara no Uruguai, enquanto exilado com Brizola, e nos países desenvolvidos como Estados Unidos e Japão, a fim de oferecer educação integral em uma escola integral, que não desprezasse os saberes discentes obtidos em outros espaços com toda a sua trama de complexidade, além de oferecer o conhecimento, os saberes necessários e outras competências para a nova sociedade, conforme Edgar Morin (1982). Guardando as devidas reservas relativas às diferenças no tempo e no contexto, podemos encontrar na educação fluminense quando da implantação dos CIEPs, prédios colossais construídos nas “áreas carentes”. Para GOMES (2010) tratava-se de uma rede em paralelo a uma outra já existente. Diante dos entraves burocráticos e com a pretensão de construir 500 unidades em 4 anos, Darcy, junto ao arquiteto Oscar Niemeyer, desenharam o modelo dos CIEPs. Como se tratava de uma política de governo, e não, de estado, a manutenção daquele projeto somente teria a garantia da duração do mandato, fato concretizado com a reeleição do governador para o mandato de 1991-1994, além da recuperação de 2.294 (cerca de 75% do total) escolas da rede estadual e 447 da municipal. Trazer à memória aquele momento histórico reveste-se de importância, não só pela relativa semelhança de ambos os projetos, como, também, pelas tramas políticas que, polarizadas, tensionaram – e impossibilitaram – a transformação de uma política de governo em política de estado, surgindo, assim, uma política pública em educação educacional. Traduzindo a proposta daquele governo de estado aquela experiência implantada pela primeira vez no Brasil, construídos ou ainda em construção. Com uma dotação inédita de Cr$ 110 bilhões, oriunda do Programa Especial de Educação, estas idéias seriam concretizadas conforme sua concepção original, localizados onde se concentram as populações mais carentes do Rio de Janeiro. O CIEP ofereceria os cursos de CA à 4ª série ou de 5ª à 8ª, a fim de agrupar as crianças de mesma idade. Os 500 alunos matriculados nos cursos diurnos (das 8 às 17 horas) ou nas vagas complementares para jovens de 14 a 20 anos, no horário noturno (das 18 às 22 horas), traduziria a proposta educacional do Governo do Estado. Como grande parte do alunado era proveniente dos segmentos sociais de baixa renda, o CIEP forneceria assistência médico-odontológica, quatro refeições e banho todos os dias. Alimentar, cuidar, proteger em uma época, em que tirar a criança das ruas era visto como tão importante quanto alfabetizar, ensinar e educar as populações das regiões rurais das áreas periféricas do Rio de Janeiro, depauperadas pelo abandono dos governantes tanto para com os produtores rurais, assim como para com a parcela da população deslocada, fruto das políticas de “higienização dos espaços urbanos” (NUNES, 1992), passando a ocupar os cinturões do Rio de Janeiro. OBJETIVOS A pretensão de que um determinado planejamento, metodologia ou um projeto permite ser transplantado sem a menor criticidade para a realidade representa em uma falácia: no campo social existem atores que fazem a leitura conforme suas intencionalidades, interpretando e refletindo sobre os fenômenos. A maneira como se dará a implementação dos mesmos acontecerá deverá ocorrer, também, conforme a situação e o contexto: jamais haverá uniformização do processo, não sendo nunca este processo uniformizado. Em função desta compreensão, pretendemos 1) observar a forma como os atores sociais, objeto de políticas públicas na área da educação, especificamente, servidores públicos da Seeduc, comunidade escolar e demais demandantes deste serviço, integrantes da sociedade civil, avaliando como são construídas as políticas públicas, relacionadas ao período compreendido entre 2010 até o presente, resgatando históricos anteriores, quando necessário; 2) Examinar os atores estatais e societais envolvidos, a fim de evidenciar as influ ncias sobre os processos políticos, assim como das ações do governo que permeiam a sociedade civil e o Estado; ) Procederemos ao estudo de como os atores da sociedade constroem determinadas problemáticas, formulam certas e plicaç es e soluç es para suas demandas, apresentando-as esfera política objetivando inserir esses problemas na agenda governamental; 4) Analisar o processo burocratizante e as resistências ao processo de transformação, representado pelas rupturas, continuísmos e avanços na implementação de políticas educacionais do Rio de Janeiro. Assim, compreendemos que os estudos sobre as políticas públicas não devem se pautar apenas nos aspectos descritivos, porém analisar, com toda o rigor necessário à pesquisa ético, metodológico, político – mas, ir além, a fim de criar massa crítica a comunicar uma análise contendo os diversos matizes que as integram. MÉTODOS E METODOLOGIAS Tomando as políticas públicas enquanto um campo de possibilidades na construção de realidades, não vemos como possível a redução ao levantamento de leis, decretos, programas, planos e projetos. A intenção é a reconstrução do contexto em que surgem as normas e os regulamentos, avaliando os efeitos práticos na nomeação de problemas e de grupos sociais, a fim de se proceder ao estudo do modus operandi e de suas leituras, na prática, pelos agentes responsáveis pela sua implementação nas instituições e seus resultados, no campo da sociedade civil, assim como a análise dos dispositivos de controle que subjazem no processo. De acordo com Souza (2003), buscar-se-á a) conhecer o estado do conhecimento acumulado na área a ser investigada; b) analisar a maneira como são constituídos os problemas, os grupos de interesse envolvidos e seus discursos; - análise da forma como são definidas as agendas e as politicas públicas pelos órgãos de governo e organismos internacionais; c) analisar as diferenças nas políticas do governos estaduais e o cumprimento/elaboração de atos da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Não vemos como possível proceder a este estudo sem o reconhecimento, conforme Cortes e Lima (2012), da interdisciplinaridade inerente ao campo das políticas públicas na medida em que questionam o interrelacionamento Estado/Sociedade. O conceito de atores societais amplo demais para e pressar diferenças essenciais entre dois tipos de atores os sociais e os de mercado. En uanto os primeiros estão associados ao conceito de sociedade civil, os segundos estão relacionados com economia de mercado.Tendo em vista que grande parte das unidades escolares da SEEDUC-RJ se concentra na Diretoria Regional Metropolitana IV(Campo Grande). INTRODUÇÃO Após vários governos se sucederem no Estado do Rio de Janeiro, sucateando aquele projeto original dos CIEPS, a situação na área educacional, em 2011 era, no mínimo, alarmante. A mídia, às vésperas de eleições, divulgavam, além dos problemas de mobilidade urbana, saúde e segurança, o lugar no pódium ocupado pelo Rio: o penúltimo lugar na classificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, dentre os estados brasileiros. Para reverter aquela situação foi feito o convite para assumir a pasta da Secretaria de Educação do RJ a um profissional com experiência exitosa na área de administração, o qual propôs um novo modelo de gestão para o estado. Ao findar o seu mandato, no ano de 2014, o planejamento, as ações e o acompanhamento, pacote gerencial batizado com o nome de GIDE – Gestão Integrada da Educação realizados em seu mandato já estavam implantados em todas as escolas, enquanto metodologia a dar conta da reversão daquele quadro. A realidade da rede, retratada em 2010, vinha demonstrando um dilema extremamente perturbador: o aluno não aprendia, ou abandonava a escola. Ou, se resistisse e conseguisse permanecer, não conseguia progredir: era reprovado. Os dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) indicavam uma realidade, no mínimo, preocupante: 1) Carência de 11 mil professores em sala de aula: demonstrando o porquê de o Rio de Janeiro ter sido o detentor do pior IDEB1 (2,8 no E.M; 3.1, no fundamental), abaixo da média nacional, conseqüência do aluno sem professor; 2) Funções pedagógicas indicadas politicamente (ALERJ). Fato revelador da desorganização - o grande problema da Educação no RJ: as escolas encontravam-se abandonadas possuindo algo que se assemelhava a uma autonomia sem que fosse, porque esta pressupõe uma relativa liberdade, mas dentro de uma diretriz, uma soberania. Assim, cada escola pensava e se organizava do seu jeito, o que evidenciava um fator desagregador naquilo que se pretendia um sistema: a interferência de atores externos, às vezes ligadas partidariamente com a finalidade de atenderem interesses bem distantes da educação, influenciando a vida da escola. Na medida em que a escola orbitava em torno de um ator sem a legitimidade do poder público, não teria como haver Política Pública, por melhor que fosse pensada, capaz de transformar a Educação. Daí que foi pensado, enquanto planejamento estratégico da Seeduc, anunciado em 07/01/2011, dentre outras metas2: 1) instaurar Processo Seletivo para todas as funções administrativas e técnico-pedagógicas; 2) regionalizar novamente as regionais, em alguns lugares, esclarecendo que, para a nova gestão, a importância que residia no reconhecimento daquelas pessoas que já estavam nas escolas, nas regionais, na Secretaria. Aquela atitude imprimiria a transparência e credibilidade necessárias ao trabalho a ser desenvolvido pelo profissional, bem mais legitimada comparativamente a uma indicação, prática contrária às 1 http://estudoshumeanos.com/2012/09/28/quando-os-numeros-mentem-porque-nao-devemos-ser-otimistas-comos-supostos-avancos-da-rede-estadual-do-rj-092012-244-258/ Acesso em 05/05/2015 2 http://www.rj.gov.br/web/Seeduc/exibeconteudo?article-id=374683 recomendações do Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 1996), além de não atender aos interesses da comunidade. O “Mapeamento de Práticas de Seleção e Capacitação de Diretores Escolares Adotadas por Secretarias Estaduais e Municipais de Educação”3, de 2011, demonstra que quase a metade das redes educacionais no Brasil tinha na indicação política sua prática costumeira. Em 24 estados pesquisados, dentre eles o Rio, o índice era de 42%. De como os at Nos estados pes uisados, a indicação, chamada “instâncias locais”, associada seleção do diretor através de eleição ou outra maneira, é a modalidade mais utilizada. O mandonismo, o clientelismo, herdeiros do colonialismo, características do coronelismo, das décadas de 1930 a 1960 (LEAL, 1997), tornava os cargos de gestão objeto das barganhas necessárias à garantia do poder local, principalmente, com a indicação dos diretores das escolas que, contando com o poder de realizar contratos de prestação de serviços com empresas ou grupos que lhes prestassem algum favor, mantinham sob o seu domínio aqueles que lhes seriam, de alguma forma, úteis para a sua permanência no cargo. Além da reestruturação tecnológica e da climatização das salas de aula, coube à gestão da Secretária de Educação Teresa Porto (2008-2010) a criação de curso de formação para diretores, ao final do qual os mesmos seriam avaliados a fim de continuarem ou não em seus cargos. A gestão Wilson Risolia (2010-2014), além de Cursos de Especialização (MBA)4 oferecidos aos gestores em atividade, deu continuidade à capacitação através de Processo de Seleção Interna (PSI), franqueada, também, aos docentes em atividade na rede, representada por prova escrita, entrevista e análise de perfil. Com isto, pretendia-se tornar perene a Política Pública de formação da Seeduc, pretendendo estabelecer relações de confiança e de transparência entre as pessoas, suas ações e o público a ser atendido, ultrapassando as limitações de uma política de governo. Somava-se também a este quadro a inexistência de um “currículo básico” no estado, o que vem sendo discutido, hoje, no Brasil, com o nome de Base Nacional Comum. Este conjunto de medidas havia sido posto em prática em 2011, na medida em que a mídia divulgou, amplamente, os resultados atingidos pelo Rio de Janeiro, face ao momento político nada agradável vivenciado pelo então governador. Sem um currículo, o professor construía o 3 http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/avulsas/mapeamento-praticas-selecao-capacitacao-diretoresescolares.shtml 4 http://www.ofluminense.com.br/editorias/economia/professor-do-rio-de-janeiro-tera-r-500-para-auxilioqualificacao Acesso em 02/05/2015. seu planejamento aula após aula ou semanalmente, de acordo com o livro didático utilizado por ele. Desta forma, havia na rede milhares de currículos em centenas de escolas. Num ambiente daquele, até o aluno que era transferido de um turno a outro se deparava com outro currículo. O que esperar da sociedade fluminense diante daquele caos, a não ser manifestações (SOUSA, 2014), ações das entidades representativas, dos órgãos de controle e fiscalização, de movimentos civis organizados...5 De como são construídas as políticas públicas: resgate histórico. A ausência de um currículo comum a todo o estado era o ponto crucial: ninguém podia saber o que o aluno poderia aprender, o quanto e em que velocidade. O professor nas suas avaliações usava parâmetros que não se combinavam com o dos outros colegas, resultando na desorganização pedagógica da rede estadual. A adoção de um currículo mínimo foi fundamental para prescrever o que era essencial, o que nenhum aluno poderia deixar de aprender em determinada etapa da escolaridade. Entretanto, conforme SOUSA (2014), aquele foi um documento elaborado sem a necessária contribuição de professores de toda a rede educacional, através da construção coletiva, dialógica, o que lhe daria legitimidade democrática. Ressalte-se, entretanto, que o currículo figura como um direito à aprendizagem, em consonância com a 7ª meta do PNE (BRASÍLIA, 2014, p. 431), pois estabelece o mínimo a que o aluno tem direito6. Com severas críticas dos professores e todas as resistências acirradas (SOUSA, 2014), na medida em que foi sendo introduzido o currículo na rede, permitiu-se ao aluno ter uma educação organizada. Com o currículo veio junto a avaliação, o que facilitou a percepção das dificuldades dos alunos, transformadas em materiais pedagógicos, material de reforço, programas de formação, replanejamento da estrutura de avaliação, para chegar, assim, novamente, à escola. Este foi o círculo que possibilitou criar todas as possibilidades de melhorias na educação do Rio de Janeiro, estado que em 2009 mais reprovava alunos e onde havia o maior número de abandono. No ano de 1983, quando da posse do Governador Leonel Brizola, junto ao seu vice Darcy Ribeiro, diante de uma rede educacional “depredada e depauperada”, (...) crescente população favelada e 5 perif rica, http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim113.pdf Acesso em 30/04/2015 Conforme Antônio Flávio Barbosa Moreira, “Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos desenvolvidos com intenções educativas. (...) Estamos empregando a palavra currículo apenas para nos referirmos s atividades organizadas por instituiç es escolares. Ou seja, para nos referirmos escola.” (MOREIRA, 2007, p. 18). Sugerimos, para aprofundamento, BERINO (2007) e MACEDO (2006). 6 numerosos moradores de rua, inclusive crianças, escolheu construir um sistema ou uma rede escolar paralela” (GOMES, 2010 p. 5 ). Entre o ideal e a prática: a realidade Discussão importante, posto que a clientela da Seeduc é composta, em sua grande parcela, por estudantes das camadas populares e, em sua maioria, pobres e negros. Exatamente o perfil das juventudes que, culturalmente transgridem e transbordam a felicidade juvenil, (BERINO, 2007), que vem sendo exterminadas pela violência do crime e do enfrentamento bélico que as políticas públicas de pacificação procuram conter. Em função da origem histórica antidemocrática, da viol ncia policial, responsável pelos “autos de resist ncia”, da vulnerabilidade da juventude brasileira e do manifesto racismo estrutural 7, muitos nem chegam ao Ensino Médio e aqueles que chegam, já chegam com 3 a 4 anos de atraso do fundamental. Em 2007, 63% estava em distorção, ou seja, de cada 10 alunos, 6 apresentavam atraso de 3 a 4 anos. Estudos como os de Pablo Gentili (2006), de Eveline Bertino Algebaile (2004), além dos de Miguel Arroyo (2001) discutem a exclusão promovida dentro do próprio sistema de ensino, ainda mais aqueles que não conseguirem lograr sucesso nos processos seletivos para ascenderem a uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade: é difícil obter matrícula em uma das escolas onde se oferece a educação integral: segundo o edital de 19/08/2014, seriam oferecidas 1.398 vagas destinadas à 1ª série do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Ensino Médio Regular. O acesso a esta modalidade de ensino é restrito àqueles estudantes que se classificam em um rigoroso processo de seleção. Desta forma, portanto, podem ter acesso aos ensinamentos de professores, também avaliados, que recebem maiores salários e se dedicam 30 horas ao seu aluno, em um espaço pedagogicamente planejado, com equipamentos, pessoal e estrutura adequados ao melhor ensino. Rupturas, continuísmos e avanços na implementação de políticas educacionais do Rio de Janeiro No Rio de Janeiro, em 2010, havia jovens há dez anos na mesma série que, por não conseguiriam sair dela, deveriam abandonar os estudos. Então, uma atualização na educação voltada a estes indivíduos redundou em uma repaginação do Ensino Médio. Pensou-se um outro modelo de Ensino Médio, em horário integral, realizando uma proposta de educação 7 http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf Acesso em 30/04/2015. integral, pressupondo transformaç es essenciais na escola, como “currículo integrado, matriz fle ível e diversificada, alinhada realidade e ao interesse do jovem.” O foco o protagonismo juvenil e o desenvolvimento de competências sócio-emocionais, propiciando oportunidades para que todo o seu potencial seja desenvolvido, tornando-se capaz de realizar escolhas e tenha condições de elaborar o seu Projeto de Vida. Diversas foram as contribuições de tantos outros pensadores da educação que nos precederam. Distantes no tempo, no contexto, na história e no espaço, há elementos que os aproximam: a preocupação com uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos e todas no maior período de tempo, em um ambiente de convívio agradável, para dotar os jovens dos instrumentos necessários à apreensão de outras culturas, conhecimentos e aprendizagens e ao mundo do trabalho. O Programa de Educação Integral8 prop e outro conceito para a educação básica, “garantindo ao jovem a formação geral e a a uisição de compet ncias e habilidades diferenciais”. As disciplinas do currículo serão integradas, organizadas por “área de conhecimento e núcleos de projeto de pes uisa, tendo por objetivo “a formação da autonomia, indispensável para que o jovem construa sua identidade (... ) e se conscientize da importância do aprendizado ao longo da vida.” Criar condiç es para o desenvolvimento de uma Escola Integral somente foi possível devido outras ações a partir de 2010. Entretanto, muitos entenderam que, passada aquela gestão, elas desapareceriam. Deu-se o contrário, tendo em vista, não só a continuidade da Política Educacional, assim como na relevância da função e dos resultados alcançados. Passados quatro anos, ressalvando a oposição política característica dos regimes democráticos, há indícios de uma solução de continuidade, tendo em vista a experiência, os resultados, as demandas e o desejo. PARA CONCLUIR Os dados divulgados pelo INEP em 2014, referentes a 20139, apresentam um rendimento dos estudantes do Rio de Janeiro que permitiram à Seeduc concluir que a adoção de um currículo, das políticas de avaliação, das estratégias de reforço, garantiram a reversão do quadro. Conforme o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), é urgente que o professor tenha condições de ensinar aos seus alunos, e isto requer a urgência em aplicar em recursos humanos. Na medida em que se dá condições de o professor ensinar melhor e o aluno aprender mais e com qualidade, possibilita-se imprimir seriedade no processo, o que pode 8 9 http://www.rj.gov.br/web/Seeduc/exibeconteudo?article-id=2407446 Acesso em 29/04/2015 http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=11871567 Acesso em 02/05/2015 redundar em fidelização do profissional de ensino à escola, assim como a diminuição do abandono dos alunos. Destaque-se a importância de alguns instrumentos, dentre eles, o Renda Melhor Jovem, um incentivo do Governo do Estado, consorciados a outros programas sociais, como o Programa Bolsa Família (PBF), “um dos programas de transfer ncia condicional de renda mais bem sucedido do mundo” (BRASÍLIA, 2014, p. 8), cuja presença de 97% das crianças na escola ultrapassa a exigência do programa. A reprovação cria uma baixa expectativa, desestimulando em 50%, ou seja, o ânimo do aluno reprovado é a metade no ano seguinte em que se dá a reprovação. No segundo ano de reprovação, sua expectativa é zerada. A rede, atualmente, é representada por 1.290 escolas, 780 mil alunos. Com 58 mil professores, o Rio de Janeiro foi o estado que mais cresceu na Educação10. Em contraponto, ressaltamos a relevância do estudo crítico Vitor Fernandes de Sousa (SOUSA, 2014), que demonstra a evolução das matrículas da rede estadual, municipal e na educação privada na educação básica, no período entre 2006 e 2012. Suas análises retratam um decréscimo significativo, caracterizando a educação no Rio de Janeiro a que mais diminuiu no período (34,7%), com perda de 516.471 matrículas.11 Além da hegemonia, que garante o repasse de verbas (CURY, 2014), vinculadas às parcelas da receita tributária, com bons resultados obtém-se respeito no cenário político, credibilidade e maior visibilidade. O aprendizado através da escolarização, dever do Estado e direito do cidadão, ainda passa por critérios avaliativos, mensurados, analisados e tratados estatisticamente. Com este frágil dispositivo representado pela nota, buscar-se-á, portanto, verificar o quanto o aluno aprendeu. A nota, um instrumento para a tradução de uma dada realidade social. Jussara Hoffmann (2010) ajuda-nos a concluir que o objetivo principal da escolarização é levar o aluno a aprender, compreendido em sua multidimensionalidade, um fenômeno complexo, de acordo com Edgar Morin (2002), abrangendo o aprender informações, o aprender a aprender, ao aprender a fazer, a conviver, a ser. O planejamento da Seeduc, como visto nesta etapa inicial da presente pesquisa, contém elementos que, em primeiro lugar, nos levam à compreensão da garantia da permanência do aluno estudando. Resta avaliar a sua aprendizagem. 10 11 http://www.rj.gov.br/web/Seeduc/exibeconteudo?article-id=2409072 http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=5041 BIBLIOGRAFIA ALGEBAILE, Eveline Bertino. Escola pública e pobreza: expansão escolar e formação da escola dos pobres no Brasil. Niterói: UFF, Centro de Estudos Sociais Aplicados Programa de Pós-graduação em Educação. Tese de Mestrado, 2004. p. 284. ARROYO, Miguel. Educação em tempos de exclusão. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. 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