DE POLÍTICA DE GOVERNO A POLÍTICA DE ESTADO:
APONTAMENTOS SOBRE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INTEGRAL
Julio Cesar Roitberg
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro [email protected]
RESUMO
A presente pesquisa em Políticas Públicas Educacionais discorre sobre a ocupação dos espaços
urbanos no Rio de Janeiro, as condições de segurança, saúde, educação e habitação. Retrata a
formação do perfil dos estudantes na rede pública de ensino. Apresenta a situação da rede de educação
do Rio de Janeiro, na década 1980. Releva a experiência dos CIEPs, voltada às camadas
empobrecidas e a formação de uma rede educacional paralela. Analisa o cumprimento das metas do
PNE, relativas ao currículo básico e da Educação Integral, diante de um cenário de abandono da rede
educacional. Fundamenta a atual gestão da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, enquanto
continuísmo e avanços da anterior. Apresenta projetos associados a programas para a manutenção de
alunos nas escolas. Dimensiona o acesso a determinadas regiões do Rio, a vulnerabilidade social, a
carência de professores e de cursos de formação docente. Proporciona um diagnóstico da rede, face à
descontinuidade e rupturas, características das mudanças de governo, que impedem as políticas
públicas voltadas à educação. Reforça a necessidade em se oferecer melhores condições de trabalho ao
professor da rede.
Palavras-chave: Políticas Educacionais, Educação Integral, Currículo, Gestão, Avaliação de Sistemas e
Programas.
INTRODUÇÃO
Após o fim da II Guerra Mundial e a criação da ONU(1945) e da UNESCO (1946), a
universalização da educação converteu-se numa preocupação e numa política de estado na
maioria dos países ocidentais. Vários encontros internacionais foram realizados, propondo
metas a serem atingidas pelos países signatários, dentre os quais se achava o Brasil. A
expansão de uma educação gratuita, laica, universal e de qualidade esteve presente na pauta
de diversos pensadores brasileiros. Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Florestan Fernandes e Anysio
Teixeira, para citar apenas alguns, ampliam o tema, sob o prisma da emancipação, da
autonomia, da formação da cidadania, do caráter, do profissionalismo ético. Dos círculos de
cultura da década de 1960 ao projeto dos CIEPs, na década de 1980, Paulo Freire e Darcy
Ribeiro revigoram as possibilidades de uma educação popular tomada do Manifesto dos
Pioneiros da Educação, de 1932. Por sua dimensão continental, pensar a educação no Brasil
requer um esforço pela construção de um Sistema Nacional de Educação, revigorando os
projetos dos “Pioneiros”, pautados na laicidade, na unidade, na autonomia da função
educacional, na descentralização, na profissionalização. Um desafio a que se acrescenta uma
realidade expressa pelo difícil acesso a determinadas regiões, com a carência de professores e
de cursos de formação docente, com as políticas que não priorizam a educação, além do
multiculturalismo e do enorme contingente de analfabetos e da população em idade escolar
que se avoluma nas metrópoles, empurradas para as periferias (RIDENTI, 2007). Paulo Freire
já havia demonstrado sua preocupação com as populações distantes das metrópoles ao formar
os Círculos de Cultura cuja preocupação era a libertação, a criação da autonomia através da
posse da palavra, motor da consciência. Suas idéias ainda são reverenciadas em todo o
mundo, anos após seu falecimento. Darcy Ribeiro, o idealizador dos CIEPs no primeiro
mandato do Governo Leonel Brizola (de 1983 a 1987), já demonstrara sua decisão de criar um
modelo de escola, semelhante às que encontrara no Uruguai, enquanto exilado com Brizola, e
nos países desenvolvidos como Estados Unidos e Japão, a fim de oferecer educação integral
em uma escola integral, que não desprezasse os saberes discentes obtidos em outros espaços
com toda a sua trama de complexidade, além de oferecer o conhecimento, os saberes
necessários e outras competências para a nova sociedade, conforme Edgar Morin (1982).
Guardando as devidas reservas relativas às diferenças no tempo e no contexto, podemos
encontrar na educação fluminense quando da implantação dos CIEPs, prédios colossais
construídos nas “áreas carentes”. Para GOMES (2010) tratava-se de uma rede em paralelo a
uma outra já existente. Diante dos entraves burocráticos e com a pretensão de construir 500
unidades em 4 anos, Darcy, junto ao arquiteto Oscar Niemeyer, desenharam o modelo dos
CIEPs. Como se tratava de uma política de governo, e não, de estado, a manutenção daquele
projeto somente teria a garantia da duração do mandato, fato concretizado com a reeleição do
governador para o mandato de 1991-1994, além da recuperação de 2.294 (cerca de 75% do
total) escolas da rede estadual e 447 da municipal. Trazer à memória aquele momento
histórico reveste-se de importância, não só pela relativa semelhança de ambos os projetos,
como, também, pelas tramas políticas que, polarizadas, tensionaram – e impossibilitaram – a
transformação de uma política de governo em política de estado, surgindo, assim, uma
política pública em educação educacional. Traduzindo a proposta daquele governo de estado
aquela experiência implantada pela primeira vez no Brasil, construídos ou ainda em
construção. Com uma dotação inédita de Cr$ 110 bilhões, oriunda do Programa Especial de
Educação, estas idéias seriam concretizadas conforme sua concepção original, localizados
onde se concentram as populações mais carentes do Rio de Janeiro. O CIEP ofereceria os
cursos de CA à 4ª série ou de 5ª à 8ª, a fim de agrupar as crianças de mesma idade. Os 500
alunos matriculados nos cursos diurnos (das 8 às 17 horas) ou nas vagas complementares para
jovens de 14 a 20 anos, no horário noturno (das 18 às 22 horas), traduziria a proposta
educacional do Governo do Estado. Como grande parte do alunado era proveniente dos
segmentos sociais de baixa renda, o CIEP forneceria assistência médico-odontológica, quatro
refeições e banho todos os dias. Alimentar, cuidar, proteger em uma época, em que tirar a
criança das ruas era visto como tão importante quanto alfabetizar, ensinar e educar as
populações das regiões rurais das áreas periféricas do Rio de Janeiro, depauperadas pelo
abandono dos governantes tanto para com os produtores rurais, assim como para com a
parcela da população deslocada, fruto das políticas de “higienização dos espaços urbanos”
(NUNES, 1992), passando a ocupar os cinturões do Rio de Janeiro.
OBJETIVOS
A pretensão de que um determinado planejamento, metodologia ou um projeto permite
ser transplantado sem a menor criticidade para a realidade representa em uma falácia: no
campo social existem atores que fazem a leitura conforme suas intencionalidades,
interpretando e refletindo sobre os fenômenos. A maneira como se dará a implementação dos
mesmos acontecerá deverá ocorrer, também, conforme a situação e o contexto: jamais haverá
uniformização do processo, não sendo nunca este processo uniformizado. Em função desta
compreensão, pretendemos 1) observar a forma como os atores sociais, objeto de políticas
públicas na área da educação, especificamente, servidores públicos da Seeduc, comunidade
escolar e demais demandantes deste serviço, integrantes da sociedade civil, avaliando como
são construídas as políticas públicas, relacionadas ao período compreendido entre 2010 até o
presente, resgatando históricos anteriores, quando necessário; 2) Examinar os atores estatais e
societais envolvidos, a fim de evidenciar as influ ncias sobre os processos políticos, assim
como das ações do governo que permeiam a sociedade civil e o Estado; ) Procederemos ao
estudo de como os atores da sociedade constroem determinadas problemáticas, formulam
certas e plicaç es e soluç es para suas demandas, apresentando-as
esfera política
objetivando inserir esses problemas na agenda governamental; 4) Analisar o processo
burocratizante e as resistências ao processo de transformação, representado pelas rupturas,
continuísmos e avanços na implementação de políticas educacionais do Rio de Janeiro.
Assim, compreendemos que os estudos sobre as políticas públicas não devem se pautar
apenas nos aspectos descritivos, porém analisar, com toda o rigor necessário à pesquisa ético, metodológico, político – mas, ir além, a fim de criar massa crítica a comunicar uma
análise contendo os diversos matizes que as integram.
MÉTODOS E METODOLOGIAS
Tomando as políticas públicas enquanto um campo de possibilidades na construção de
realidades, não vemos como possível a redução ao levantamento de leis, decretos, programas,
planos e projetos. A intenção é a reconstrução do contexto em que surgem as normas e os
regulamentos, avaliando os efeitos práticos na nomeação de problemas e de grupos sociais, a
fim de se proceder ao estudo do modus operandi e de suas leituras, na prática, pelos agentes
responsáveis pela sua implementação nas instituições e seus resultados, no campo da
sociedade civil, assim como a análise dos dispositivos de controle que subjazem no processo.
De acordo com Souza (2003), buscar-se-á a) conhecer o estado do conhecimento acumulado
na área a ser investigada; b) analisar a maneira como são constituídos os problemas, os grupos
de interesse envolvidos e seus discursos; - análise da forma como são definidas as agendas e
as politicas públicas pelos órgãos de governo e organismos internacionais; c) analisar as
diferenças nas políticas do governos estaduais e o cumprimento/elaboração de atos da
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro. Não vemos como possível proceder a
este estudo sem o reconhecimento, conforme Cortes e Lima (2012), da interdisciplinaridade
inerente ao campo das políticas públicas na medida em que questionam o interrelacionamento
Estado/Sociedade. O conceito de atores societais
amplo demais para e pressar diferenças
essenciais entre dois tipos de atores os sociais e os de mercado. En uanto os primeiros estão
associados ao conceito de sociedade civil, os segundos estão relacionados com economia de
mercado.Tendo em vista que grande parte das unidades escolares da SEEDUC-RJ se
concentra na Diretoria Regional Metropolitana IV(Campo Grande).
INTRODUÇÃO
Após vários governos se sucederem no Estado do Rio de Janeiro, sucateando aquele
projeto original dos CIEPS, a situação na área educacional, em 2011 era, no mínimo,
alarmante. A mídia, às vésperas de eleições, divulgavam, além dos problemas de mobilidade
urbana, saúde e segurança, o lugar no pódium ocupado pelo Rio: o penúltimo lugar na
classificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, dentre os estados
brasileiros. Para reverter aquela situação foi feito o convite para assumir a pasta da Secretaria
de Educação do RJ a um profissional com experiência exitosa na área de administração, o
qual propôs um novo modelo de gestão para o estado. Ao findar o seu mandato, no ano de
2014, o planejamento, as ações e o acompanhamento, pacote gerencial batizado com o nome
de GIDE – Gestão Integrada da Educação realizados em seu mandato já estavam implantados
em todas as escolas, enquanto metodologia a dar conta da reversão daquele quadro. A
realidade da rede, retratada em 2010, vinha demonstrando um dilema extremamente
perturbador: o aluno não aprendia, ou abandonava a escola. Ou, se resistisse e conseguisse
permanecer, não conseguia progredir: era reprovado. Os dados disponibilizados pela
Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) indicavam uma realidade, no
mínimo, preocupante: 1) Carência de 11 mil professores em sala de aula: demonstrando o
porquê de o Rio de Janeiro ter sido o detentor do pior IDEB1 (2,8 no E.M; 3.1, no
fundamental), abaixo da média nacional, conseqüência do aluno sem professor; 2) Funções
pedagógicas indicadas politicamente (ALERJ). Fato revelador da desorganização - o grande
problema da Educação no RJ: as escolas encontravam-se abandonadas possuindo algo que se
assemelhava a uma autonomia sem que fosse, porque esta pressupõe uma relativa liberdade,
mas dentro de uma diretriz, uma soberania. Assim, cada escola pensava e se organizava do
seu jeito, o que evidenciava um fator desagregador naquilo que se pretendia um sistema: a
interferência de atores externos, às vezes ligadas partidariamente com a finalidade de
atenderem interesses bem distantes da educação, influenciando a vida da escola. Na medida
em que a escola orbitava em torno de um ator sem a legitimidade do poder público, não teria
como haver Política Pública, por melhor que fosse pensada, capaz de transformar a Educação.
Daí que foi pensado, enquanto planejamento estratégico da Seeduc, anunciado em
07/01/2011, dentre outras metas2: 1) instaurar Processo Seletivo para todas as funções
administrativas e técnico-pedagógicas; 2) regionalizar novamente as regionais, em alguns
lugares, esclarecendo que, para a nova gestão, a importância que residia no reconhecimento
daquelas pessoas que já estavam nas escolas, nas regionais, na Secretaria. Aquela atitude
imprimiria a transparência e credibilidade necessárias ao trabalho a ser desenvolvido pelo
profissional, bem mais legitimada comparativamente a uma indicação, prática contrária às
1
http://estudoshumeanos.com/2012/09/28/quando-os-numeros-mentem-porque-nao-devemos-ser-otimistas-comos-supostos-avancos-da-rede-estadual-do-rj-092012-244-258/ Acesso em 05/05/2015
2
http://www.rj.gov.br/web/Seeduc/exibeconteudo?article-id=374683
recomendações do Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 1996), além de não atender
aos interesses da comunidade. O “Mapeamento de Práticas de Seleção e Capacitação de
Diretores Escolares Adotadas por Secretarias Estaduais e Municipais de Educação”3, de 2011,
demonstra que quase a metade das redes educacionais no Brasil tinha na indicação política
sua prática costumeira. Em 24 estados pesquisados, dentre eles o Rio, o índice era de 42%.
De como os at
Nos estados pes uisados, a indicação, chamada “instâncias locais”, associada
seleção do diretor através de eleição ou outra maneira, é a modalidade mais utilizada. O
mandonismo, o clientelismo, herdeiros do colonialismo, características do coronelismo, das
décadas de 1930 a 1960 (LEAL, 1997), tornava os cargos de gestão objeto das barganhas
necessárias à garantia do poder local, principalmente, com a indicação dos diretores das
escolas que, contando com o poder de realizar contratos de prestação de serviços com
empresas ou grupos que lhes prestassem algum favor, mantinham sob o seu domínio aqueles
que lhes seriam, de alguma forma, úteis para a sua permanência no cargo. Além da
reestruturação tecnológica e da climatização das salas de aula, coube à gestão da Secretária de
Educação Teresa Porto (2008-2010) a criação de curso de formação para diretores, ao final do
qual os mesmos seriam avaliados a fim de continuarem ou não em seus cargos. A gestão
Wilson Risolia (2010-2014), além de Cursos de Especialização (MBA)4 oferecidos aos
gestores em atividade, deu continuidade à capacitação através de Processo de Seleção Interna
(PSI), franqueada, também, aos docentes em atividade na rede, representada por prova escrita,
entrevista e análise de perfil. Com isto, pretendia-se tornar perene a Política Pública de
formação da Seeduc, pretendendo estabelecer relações de confiança e de transparência entre
as pessoas, suas ações e o público a ser atendido, ultrapassando as limitações de uma política
de governo. Somava-se também a este quadro a inexistência de um “currículo básico” no
estado, o que vem sendo discutido, hoje, no Brasil, com o nome de Base Nacional Comum.
Este conjunto de medidas havia sido posto em prática em 2011, na medida em que a mídia
divulgou, amplamente, os resultados atingidos pelo Rio de Janeiro, face ao momento político
nada agradável vivenciado pelo então governador. Sem um currículo, o professor construía o
3
http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/avulsas/mapeamento-praticas-selecao-capacitacao-diretoresescolares.shtml
4
http://www.ofluminense.com.br/editorias/economia/professor-do-rio-de-janeiro-tera-r-500-para-auxilioqualificacao Acesso em 02/05/2015.
seu planejamento aula após aula ou semanalmente, de acordo com o livro didático utilizado
por ele. Desta forma, havia na rede milhares de currículos em centenas de escolas. Num
ambiente daquele, até o aluno que era transferido de um turno a outro se deparava com outro
currículo. O que esperar da sociedade fluminense diante daquele caos, a não ser manifestações
(SOUSA, 2014), ações das entidades representativas, dos órgãos de controle e fiscalização, de
movimentos civis organizados...5
De como são construídas as políticas públicas: resgate histórico.
A ausência de um currículo comum a todo o estado era o ponto crucial: ninguém podia
saber o que o aluno poderia aprender, o quanto e em que velocidade. O professor nas suas
avaliações usava parâmetros que não se combinavam com o dos outros colegas, resultando na
desorganização pedagógica da rede estadual. A adoção de um currículo mínimo foi
fundamental para prescrever o que era essencial, o que nenhum aluno poderia deixar de
aprender em determinada etapa da escolaridade. Entretanto, conforme SOUSA (2014), aquele
foi um documento elaborado sem a necessária contribuição de professores de toda a rede
educacional, através da construção coletiva, dialógica, o que lhe daria legitimidade
democrática. Ressalte-se, entretanto, que o currículo figura como um direito à aprendizagem,
em consonância com a 7ª meta do PNE (BRASÍLIA, 2014, p. 431), pois estabelece o mínimo
a que o aluno tem direito6. Com severas críticas dos professores e todas as resistências
acirradas (SOUSA, 2014), na medida em que foi sendo introduzido o currículo na rede,
permitiu-se ao aluno ter uma educação organizada. Com o currículo veio junto a avaliação, o
que facilitou a percepção das dificuldades dos alunos, transformadas em materiais
pedagógicos, material de reforço, programas de formação, replanejamento da estrutura de
avaliação, para chegar, assim, novamente, à escola. Este foi o círculo que possibilitou criar
todas as possibilidades de melhorias na educação do Rio de Janeiro, estado que em 2009 mais
reprovava alunos e onde havia o maior número de abandono. No ano de 1983, quando da
posse do Governador Leonel Brizola, junto ao seu vice Darcy Ribeiro, diante de uma rede
educacional “depredada e depauperada”, (...) crescente população favelada e
5
perif rica,
http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim113.pdf Acesso em 30/04/2015
Conforme Antônio Flávio Barbosa Moreira, “Currículo associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos
desenvolvidos com intenções educativas. (...) Estamos empregando a palavra currículo apenas para nos
referirmos s atividades organizadas por instituiç es escolares. Ou seja, para nos referirmos
escola.”
(MOREIRA, 2007, p. 18). Sugerimos, para aprofundamento, BERINO (2007) e MACEDO (2006).
6
numerosos moradores de rua, inclusive crianças, escolheu construir um sistema ou uma rede
escolar paralela” (GOMES, 2010 p. 5 ).
Entre o ideal e a prática: a realidade
Discussão importante, posto que a clientela da Seeduc é composta, em sua grande
parcela, por estudantes das camadas populares e, em sua maioria, pobres e negros.
Exatamente o perfil das juventudes que, culturalmente transgridem e transbordam a felicidade
juvenil, (BERINO, 2007), que vem sendo exterminadas pela violência do crime e do
enfrentamento bélico que as políticas públicas de pacificação procuram conter. Em função da
origem histórica antidemocrática, da viol ncia policial, responsável pelos “autos de
resist ncia”, da vulnerabilidade da juventude brasileira e do manifesto racismo estrutural 7,
muitos nem chegam ao Ensino Médio e aqueles que chegam, já chegam com 3 a 4 anos de
atraso do fundamental. Em 2007, 63% estava em distorção, ou seja, de cada 10 alunos, 6
apresentavam atraso de 3 a 4 anos. Estudos como os de Pablo Gentili (2006), de Eveline
Bertino Algebaile (2004), além dos de Miguel Arroyo (2001) discutem a exclusão promovida
dentro do próprio sistema de ensino, ainda mais aqueles que não conseguirem lograr sucesso
nos processos seletivos para ascenderem a uma educação pública, gratuita, laica e de
qualidade: é difícil obter matrícula em uma das escolas onde se oferece a educação integral:
segundo o edital de 19/08/2014, seriam oferecidas 1.398 vagas destinadas à 1ª série do Ensino
Médio Integrado à Educação Profissional e Ensino Médio Regular. O acesso a esta
modalidade de ensino é restrito àqueles estudantes que se classificam em um rigoroso
processo de seleção. Desta forma, portanto, podem ter acesso aos ensinamentos de
professores, também avaliados, que recebem maiores salários e se dedicam 30 horas ao seu
aluno, em um espaço pedagogicamente planejado, com equipamentos, pessoal e estrutura
adequados ao melhor ensino.
Rupturas, continuísmos e avanços na implementação de políticas educacionais do
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, em 2010, havia jovens há dez anos na mesma série que, por não
conseguiriam sair dela, deveriam abandonar os estudos. Então, uma atualização na educação
voltada a estes indivíduos redundou em uma repaginação do Ensino Médio. Pensou-se um
outro modelo de Ensino Médio, em horário integral, realizando uma proposta de educação
7
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf Acesso em 30/04/2015.
integral, pressupondo transformaç es essenciais na escola, como “currículo integrado, matriz
fle ível e diversificada, alinhada
realidade e ao interesse do jovem.” O foco
o
protagonismo juvenil e o desenvolvimento de competências sócio-emocionais, propiciando
oportunidades para que todo o seu potencial seja desenvolvido, tornando-se capaz de realizar
escolhas e tenha condições de elaborar o seu Projeto de Vida. Diversas foram as contribuições
de tantos outros pensadores da educação que nos precederam. Distantes no tempo, no
contexto, na história e no espaço, há elementos que os aproximam: a preocupação com uma
educação pública, gratuita e de qualidade para todos e todas no maior período de tempo, em
um ambiente de convívio agradável, para dotar os jovens dos instrumentos necessários à
apreensão de outras culturas, conhecimentos e aprendizagens e ao mundo do trabalho. O
Programa de Educação Integral8 prop e outro conceito para a educação básica, “garantindo ao
jovem a formação geral e a a uisição de compet ncias e habilidades diferenciais”. As
disciplinas do currículo serão integradas, organizadas por “área de conhecimento e núcleos de
projeto de pes uisa, tendo por objetivo “a formação da autonomia, indispensável para que o
jovem construa sua identidade (... ) e se conscientize da importância do aprendizado ao longo
da vida.” Criar condiç es para o desenvolvimento de uma Escola Integral somente foi
possível devido outras ações a partir de 2010. Entretanto, muitos entenderam que, passada
aquela gestão, elas desapareceriam. Deu-se o contrário, tendo em vista, não só a continuidade
da Política Educacional, assim como na relevância da função e dos resultados alcançados.
Passados quatro anos, ressalvando a oposição política característica dos regimes
democráticos, há indícios de uma solução de continuidade, tendo em vista a experiência, os
resultados, as demandas e o desejo.
PARA CONCLUIR
Os dados divulgados pelo INEP em 2014, referentes a 20139, apresentam um
rendimento dos estudantes do Rio de Janeiro que permitiram à Seeduc concluir que a adoção
de um currículo, das políticas de avaliação, das estratégias de reforço, garantiram a reversão
do quadro. Conforme o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), é urgente que o
professor tenha condições de ensinar aos seus alunos, e isto requer a urgência em aplicar em
recursos humanos. Na medida em que se dá condições de o professor ensinar melhor e o aluno
aprender mais e com qualidade, possibilita-se imprimir seriedade no processo, o que pode
8
9
http://www.rj.gov.br/web/Seeduc/exibeconteudo?article-id=2407446 Acesso em 29/04/2015
http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=11871567 Acesso em 02/05/2015
redundar em fidelização do profissional de ensino à escola, assim como a diminuição do
abandono dos alunos. Destaque-se a importância de alguns instrumentos, dentre eles, o Renda
Melhor Jovem, um incentivo do Governo do Estado, consorciados a outros programas sociais,
como o Programa Bolsa Família (PBF), “um dos programas de transfer ncia condicional de
renda mais bem sucedido do mundo” (BRASÍLIA, 2014, p. 8), cuja presença de 97% das
crianças na escola ultrapassa a exigência do programa. A reprovação cria uma baixa
expectativa, desestimulando em 50%, ou seja, o ânimo do aluno reprovado é a metade no ano
seguinte em que se dá a reprovação. No segundo ano de reprovação, sua expectativa é zerada.
A rede, atualmente, é representada por 1.290 escolas, 780 mil alunos. Com 58 mil
professores, o Rio de Janeiro foi o estado que mais cresceu na Educação10. Em contraponto,
ressaltamos a relevância do estudo crítico Vitor Fernandes de Sousa (SOUSA, 2014), que
demonstra a evolução das matrículas da rede estadual, municipal e na educação privada na
educação básica, no período entre 2006 e 2012. Suas análises retratam um decréscimo
significativo, caracterizando a educação no Rio de Janeiro a que mais diminuiu no período (34,7%), com perda de 516.471 matrículas.11 Além da hegemonia, que garante o repasse de
verbas (CURY, 2014), vinculadas às parcelas da receita tributária, com bons resultados
obtém-se respeito no cenário político, credibilidade e maior visibilidade. O aprendizado
através da escolarização, dever do Estado e direito do cidadão, ainda passa por critérios
avaliativos, mensurados, analisados e tratados estatisticamente. Com este frágil dispositivo
representado pela nota, buscar-se-á, portanto, verificar o quanto o aluno aprendeu. A nota, um
instrumento para a tradução de uma dada realidade social. Jussara Hoffmann (2010) ajuda-nos
a concluir que o objetivo principal da escolarização é levar o aluno a aprender, compreendido
em sua multidimensionalidade, um fenômeno complexo, de acordo com Edgar Morin (2002),
abrangendo o aprender informações, o aprender a aprender, ao aprender a fazer, a conviver, a
ser. O planejamento da Seeduc, como visto nesta etapa inicial da presente pesquisa, contém
elementos que, em primeiro lugar, nos levam à compreensão da garantia da permanência do
aluno estudando. Resta avaliar a sua aprendizagem.
10
11
http://www.rj.gov.br/web/Seeduc/exibeconteudo?article-id=2409072
http://www.seperj.org.br/ver_noticia.php?cod_noticia=5041
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apontamentos sobre currículo e educação integral