A ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DE MINAS GERAIS E A DIFUSÃO DO AMERICANISMO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Maria das Graças M. Ribeiro UFV/Fapemig [email protected] Palavras-Chave: Americanismo; Ensino Superior Agrícola; Hegemonia. Introdução O modelo francês de ensino é identificado, pela literatura em geral, como a matriz de inspiração para a organização do sistema de ensino superior brasileiro. É verdade que a educação francesa constituiu a referência para a educação no Brasil até as primeiras décadas da República. Alguns estudos recentes, no entanto, vêm mostrando que, desde o século XIX, algumas instituições brasileiras de ensino nasciam tomando como referência as experiências desenvolvidas nos Estados Unidos. A Escola de Engenharia do Mackenzie College, fundada em São Paulo, no final daquele século e que mais tarde deu origem à Universidade Mackenzie é o melhor exemplo. No caso específico do ensino agronômico, a Escola de Agricultura de Lavras constituiu a primeira tentativa de transpor para o Brasil o modelo norte-americano. Tanto o Mackenzie College como a Escola de Lavras surgiram por iniciativa particular ligadas a missões presbiterianas. A primeira iniciativa oficial no sentido de adotar o modelo de ensino agronômico norte-americano no Brasil se deu no início da década de 1920, quando o governo do estado de Minas Gerais criou a Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), contratando um especialista norte-americano em agronomia para coordenar a sua construção. Vale notar que, além de adotar este modelo, a ESAV, atual Universidade Federal de Viçosa (UFV), contou com um contingente significativo de docentes norte-americanos tendo também enviado vários docentes brasileiros para aperfeiçoamento nos Estados Unidos. O intercâmbio da instituição com aquele país foi de tal ordem que esta acabou por assimilar, em grande medida, o modo de viver norte-americano, ou seja, o americanismo. Tomando o americanismo como projeto hegemônico, na perspectiva gramsciana, o que envolve a produção de uma determinada concepção de mundo e um determinado modo de vida, o presente trabalho tem como objetivo analisar a ESAV como difusora do americanismo na educação brasileira, particularmente no ensino agronômico. O recorte temporal definido na pesquisa compreende o período que vai de 1920, ano em que o governo mineiro autorizou a criação da Escola, a 1948, quando a mesma foi transformada em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG). Para a realização do trabalho empírico, procedeu-se a um levantamento de fontes primárias junto ao acervo do Arquivo Central e Histórico da UFV, o que envolveu o exame de atas de reuniões, boletins, cartas, fotografias, jornais, relatórios e outros documentos. Estes foram analisados e sistematizados com base em categorias de análise previamente definidas a partir do trabalho de revisão de literatura. 2 Os resultados da pesquisa permitem afirmar que os dirigentes da ESAV tiveram significativa participação nos debates educacionais travados no Brasil, no final dos anos 1920 e início dos anos 1930, especialmente naqueles que envolveram o ensino agrícola. Ao mesmo tempo em que difundiram a experiência da Escola, difundiram também idéias e práticas típicas da sociedade norte-americana. A ESAV A primeira iniciativa para a criação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (ESAV) se deu com a assinatura da lei nº 761 pelo governo mineiro, em 1920. Esta lei, assinada pelo então presidente de Minas Gerais, Arthur Bernardes, autorizava a criação de uma escola superior de agricultura e veterinária no estado e orientava a escolha para a sua sede “no local que melhores condições apresentasse para seu funcionamento”. Em 1921, após a escolha da cidade de Viçosa para sediar a nova instituição, o governo mineiro assinou o decreto n. 5806, aprovando a planta para a sua construção e autorizando a desapropriação das terras sobre as quais ela se ergueria. No ano seguinte, era então lançada a pedra fundamental de sua primeira edificação (BORGES, 2000, p.5). Somente em 28 de agosto de 1926, no entanto, se daria a sua inauguração, que contou com a presença do viçosense Arthur Bernardes, agora na condição de Presidente da República. Os objetivos da ESAV, estabelecidos em seu Regulamento, aprovado também em 1926 pelo decreto n. 7323 do governo estadual mineiro, devem ser compreendidos no contexto da crise da economia cafeicultora brasileira, que atingia fortemente Minas Gerais por ocasião da criação da Escola 1. Deste modo, definia-se como finalidades da Escola a aquisição e a disseminação de conhecimentos “relativos à economia rural, em todos os seus graus e modalidades”, devendo para tanto formar “agricultores com conhecimentos scientíficos necessários à exploração racional do solo”; “administradores para os differentes serviços publicos e particulares que se relacionem com a vida agrícola em geral”; “technologistas para as industrias intimamente ligadas à agricultura”; “engenheiros agrônomos para os serviços de melhoramentos agrícolas”; “veterinários para exercício da medicina applicada aos animaes domésticos” e “professores para o ensino agrícola em todos os seus aspectos e especialidades” 2. Em seu artigo 2º, o Regulamento da ESAV também afirmava ser intuito do ensino a educação da população agrícola de Minas Gerais “em todos os assumptos pertencentes à vida rural”, de modo a “melhorar as suas condições moraes, mentaes e econômicas, no mais breve breve tempo possível 3. Não obstante a instituição tenha sido concebida como escola superior, os primeiros cursos organizados foram o elementar e o médio, para os quais foram ministradas as primeiras aulas em agosto de 1927. Estes cursos tinham por finalidade a formação de agricultores e capatazes rurais, no caso do primeiro que durava um ano, e a formação de técnicos agrícolas pelo curso médio, que tinha a duração de dois anos 4. O curso superior de agronomia somente teve início em 1928 e o de veterinária em 1931, formando-se a primeira turma de engenheiros agrônomos em 1931 e a primeira de médicos veterinários em 1934. Posteriormente foi organizado o curso de especialização com duração de dois anos, destinado a formar especialistas em agronomia e em veterinária (RIBEIRO, 2007). O ensino na Escola estava organizado em quinze departamentos, conforme previa o seu Regulamento: Agronomia; Anatomia; Cirurgia Veterinária; Clínica Veterinária; Economia e Legislação Rural; Engenharia Rural; Fisiologia; Fitopatologia; Horticultura e 3 Pomicultura; Matemática e Contabilidade Agrícola; Microbiologia e Parasitologia; Química; Silvicultura; Solos e Adubos; Zootecnia. Estes departamentos constituíam as unidades a partir das quais deveriam, conforme o Regulamento da instituição, também se organizar as atividades de extensão e de pesquisa. Vale notar que a extensão rural começou a ser desenvolvida ainda nos primeiros anos de atividade da Escola. Havia então uma intensa troca de cartas entre a direção da Escola e fazendeiros que pediam informações e esclarecimentos sobre problemas que enfrentavam em suas lavouras. Do mesmo modo, eram freqüentes reuniões dos professores com fazendeiros e agricultores da região para a divulgação de conhecimentos relativos ao manejo do solo e ao combate a pragas (COMETTI, 2004; RIBEIRO, 2007). A pesquisa, não obstante tenha sido prevista pelo Regulamento, em 1926, que recomendava a realização de “experiências sobre plantas e animais, além de estudos com o fim de se descobrirem verdades básicas úteis a agricultura e a pecuária do Estado”, assim como “se produzirem novas espécies e variedades, com valor econômico”, somente teve início a partir da segunda metade da década de 1930 5. Submetida à Secretaria dos Negócios da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, a ESAV tinha na Congregação, originalmente, seu órgão máximo, a qual era constituída pelos professores, tendo à frente o seu diretor. Com a mudança do seu Regulamento, em 1931, o poder foi deslocado para uma Junta Administrativa, com nove membros não ocupantes de cargo público, nomeados pelo governo estadual mineiro. O reconhecimento oficial da Escola pelo governo federal se deu em 1935. Por todo o período compreendido entre 1934 e os primeiros anos da década de 1940, no entanto, a ESAV viveu uma grave crise que quase levou à sua desativação. Somente em meados desta década a instituição começou a se recuperar graças principalmente à sua participação em convênios técnicos com organismos norte-americanos. Sanada a crise, a ESAV foi transformada em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG) em 1948. A ESAV e o americanismo Para compreender o americanismo da ESAV faz-se necessário remeter-se às origens da instituição. Esta, ao ser idealizada pelo Presidente Arthur Bernardes, ainda na cadeira do governo mineiro, teve a inspirá-la o modelo dos land-grant colleges norte-americanos. Não obstante o seu reconhecido nacionalismo, o Presidente recorreu ao embaixador brasileiro em Washington para conseguir um especialista em agronomia que viesse ao Brasil para elaborar o projeto pedagógico da Escola e coordenar a sua construção. Deste modo, em 1921, Peter Henry Rolfs chegou a Minas Gerais, logo assumindo o comando de uma comissão que escolheria Viçosa, terra natal do Presidente, como o local onde se construiria a nova instituição. Graduado no land-grant college de Iowa, Rolfs carregava ainda a experiência de professor e de diretor no Florida Agricultural College, outra daquelas instituições, quando assumiu a direção da ESAV, a partir de sua inauguração em 28 de agosto de 1926, permanecendo à frente da mesma até 1929, quando preferiu manter-se como Consultor Técnico Agrícola do governo de Minas Gerais. Não obstante o novo cargo, Rolfs permaneceu morando na Escola até 1931, juntamente com sua filha Clarisse que atuava como sua assistente. Neste ano, a ESAV contava com três professores norte-americanos – Albert Stanley Muller, Albert Oliver Rhoad e Edson Jorge Hambleton – , todos contratados em 1929, após indicação do próprio Rolfs. A ESAV contou ainda com um segundo norte-americano em sua direção, o professor John Benjamin Griffing, o qual assumiu a sua direção em 1936, permanecendo à frente da mesma até 1939. 4 Especialista em genética com longa experiência em extensão rural, Griffing se empenhou no sentido de sanar a crise pela qual passava a Escola, tendo dado início à prática da pesquisa científica. Além de criar a revista Ceres, primeira de caráter científico editada pela Escola, também deu início a um programa de intercâmbio com instituições norteamericanas, enviando aos Estados Unidos vários professores da ESAV para cursos de pósgraduação, recebendo daquele país especialistas na área de ciências agrárias, os quais vinham a Viçosa para desenvolver programas de extensão ou ministrar cursos de breve duração. A intensa e prolongada presença norte-americana na Escola acabou por levá-la a assimilar não só práticas da cultura acadêmica norte-americana, mas características do próprio americanismo. Para tratar do americanismo, cabe recorrer a Antonio Gramsci, o qual, considerando o patronato industrial norte-americano como a vanguarda do capitalismo, no início do século XX, utilizava o binômio americanismo-fordismo para tratar da emergência de novos padrões intelectuais e morais, diferentes daqueles brotados ao longo da história do capitalismo europeu. Na verdade, Gramsci ao tratar o americanismo trata de uma nova hegemonia, um novo modo de ser e de pensar (GRAMSCI, 1976, p.376). As idéias de liberdade, direitos individuais e de independência; culto à energia e à força de vontade, assim como o progressivismo são apontados como elementos do americanismo por Antonio Pedro Tota (2000), autor que, seguindo a perspectiva gramsciana, analisa a penetração da cultura norte-americana no Brasil por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Numa outra perspectiva os traços da cultura norte-americana nos são dados por Aléxis Tocqueville (1997): o princípio da associação, a indissociabilidade entre pensamento e ação, assim como o sentido utilitário dado ao conhecimento. O autor destaca as características dos adeptos do puritanismo que ocuparam a Nova Inglaterra, chamando atenção para o fato de, nos Estados Unidos, o puritanismo não constituir apenas uma doutrina religiosa, mas algo que “se confundia en vários puntos con las teorias democráticas y republicanas más absolutas” (TOCQUEVILLE, 1997, p.30). Na educação, o princípio do “learning by doing” é emblemático da cultura norteamericana. Na ESAV, o “learning by doing” era uma máxima recorrente. Muitos traços do americanismo anteriormente apresentados – culto à energia e à força de vontade; o associativismo; a indissociabilidade pensamento-ação – foram introduzidos na antiga ESAV tanto pelos norte-americanos que nela viveram como pelos professores brasileiros enviados pela instituição para aperfeiçoamento nos Estados Unidos. É possível afirmar, no entanto, ter sido Peter Henry Rolfs o principal responsável pela assimilação do americanismo pela Escola. Rolfs é considerado na Universidade Federal de Viçosa o patriarca da instituição. Não resta dúvida que o eminente cientista foi o personagem que mais marcou a sua história. Foi Rolfs quem acompanhou a construção da Escola, desde a escolha do terreno até a sua inauguração. Foi ele o responsável por seu projeto pedagógico. Também foi Rolfs aquele que por mais tempo esteve à frente da instituição. Foram de Rolfs os critérios, por muito tempo, estabelecidos para a contração de seus professores, assim como foi de Rolfs a indicação de muitos professores contratados para a Escola pelo governo de Minas Gerais. Rolfs via a ESAV como uma instituição substancialmente diferente das demais instituições do gênero existentes no Brasil, o que se devia ao fato, segundo ele, do governo mineiro desejar que “this college to be organizanized and conducted on the North Américan plan” 6. Segundo Rolfs, a ESAV diferia 5 [...] radicalmente das outras escolas agrícolas presentemente funccionando no Brasil. Por isso não adoptamos o systema de concurso para escolha de professores. Serão chamados somente depois de verificado o preparo do candidato, sua vontade e ser elle ou capaz de instruir e inspirar com desejo de aprender alumnos mal preparados como Vossa Excelência pode compreender, necessitamos de professores muito hábeis, sendo que a habilidade de mostrar-se bem no concurso muitas vezes não indica a capacidade o candidato como professor 7. Foi assim, seguindo os passos dos land-grant colleges, que Rolfs organizou a ESAV com base num ensino de caráter eminentemente prático. Adotou o princípio do “learning by doing” como uma espécie de marca registrada da instituição. Evidentemente o ensino agronômico não poderia desprezar o aspecto prático, mas na ESAV a preocupação com o mesmo era exacerbada. Rolfs exaltava com freqüência as suas virtudes. Do mesmo modo, o sucessor de Rolfs na direção da Escola, Bello Lisbôa, punha toda a ênfase no ensino prático, advogando que as aulas deveriam se pautar “de accordo com os princípios da escola activa: ‘apprender a fazer, fazendo’ [...]” 8. Defendendo o “learning by doing”, Lisbôa exaltava os sucessos da Escola, afirmando Feliz realização pela demonstração da possibilidade de se fazer trabalho de verdadeira revolução, destruindo-se os velhos métodos de ensino, responsáveis em grande parte, pela pobreza brasileira, seguidos ainda, quasi em toda parte, no ensino de todos os grãos, que evidenciam a velha escola passiva, theorica, livresca e archaica; e pelo contrario, já não se pode negar as bellezas e utilidade dos princípios modernos de ensino, com todas as vantagens de apprender fazendo, e despertando-se por todos os meios, a iniciativa dos educandos, com a determinante de só ensinarem os que sabem também fazer 9. Cabe considerar que, enquanto projeto hegemônico, o americanismo produz um novo modo de viver e uma nova concepção de mundo. Como todo processo de hegemonização se constitui com base em um processo educativo. Na ESAV, este se desenvolvia para além do espaço restrito das salas de aula e dos programas curriculares. O ethos esaviano ou “espírito esaviano”, como a ele se referem aqueles que até os dias atuais vivem na UFV, foi forjado na têmpera do americanismo. As Reuniões Gerais constituíram momento privilegiado para a formação do ethos esaviano. Estas eram constituídas de “Preleções”, realizadas diariamente no Salão Nobre da Escola. Registrando as Reuniões Gerais em seu Relatório anual, dirigido ao Secretário de Agricultura de Minas Gerais, Dr. Djalma Chagas, em 1929, o diretor da ESAV, Bello Lisbôa, afirmava que estas haviam sido realizadas “em todos os dias úteis do anno lectivo”, somando um total de 210. Às mesmas estiveram “presentes todos os professores e alunnos do Estabelecimento, sob a presidência do director”. Lisbôa afirmava ainda que as Preleções visavam “melhoramentos physicos, moral e cívico do pessoal da Escola”, tendo duração média de doze minutos 10. Ainda tratando das Preleções, Lisbôa afirmava que seu resultado “tem sido magnífico, o que me leva a atribuir, a taes reuniões o elevado nível em que é mantida a disciplina de todo pessoal do Estabelecimento 11. O ethos esaviano ia assim se forjando de forma lenta, gradual e profunda, de tal modo que os egressos da ESAV cristalizavam crenças, valores e sentimentos que seriam reproduzidos ao longo de sua vida profissional. 6 Este ethos esaviano ou espírito esaviano era explicado pelo estudante D. C. Giacometti, que, em 1947, escrevendo no jornal O Bonde, então editado pelos alunos da Escola, afirmava, o espírito esaviano não é um mito. [...]. A sua origem, sem dúvida nenhuma, vem do espírito americano. Trabalhar em conjunto, cooperação e camaradagem, confiança recíproca e justiça, são os característicos deste êmbolo da vida esaviana 12. Os traços do americanismo permearam o ethos esaviano, o qual muito se fortaleceu pela endogenia do corpo docente. A difusão do americanismo Portador do americanismo, o espírito esaviano extrapolou as fronteiras da Escola com a afirmação profissional de seus egressos. Alguns se tornaram docentes em outras instituições, outros foram para cargos na administração pública e outros, ainda, para empresas privadas no setor agroindustrial. A difusão do americanismo pela ESAV contou, além de seus egressos, com outras vias para a sua realização; uma das principais talvez tenha sido o seu trabalho de extensão rural. Vale notar que, assim como nos land-grant colleges, havia na ESAV, como um dos seus principais objetivos, a produção de conhecimento que tivesse aplicação prática na vida das pessoas em geral. Sobre isto, Peter Henry Rolfs, discutindo as teses do diretor do Serviço de Inspeção do Ministério da Agricultura, Arthur Torres Filho, em 1925, afirmava: “O primeiro objeto duma Escola de Agricultura é o melhoramento das condições moraes, mentaes, e financeiras da população rural”13. Dados estes objetivos, a ESAV tratou, desde cedo, de estabelecer um intenso contato com pequenos, médios e grandes fazendeiros. Estes, não só recebiam visitas de professores e estudantes em suas propriedades, mas também enviavam consultas à Escola, pedindo informações sobre o combate a determinadas pragas, o uso de adubos químicos e indicação de melhores espécies vegetais para determinadas regiões. Do mesmo modo, a instituição tratou de organizar atividades que envolviam exposições, feiras, assim como a visita de fazendeiros à Escola para cursos de breve duração. Suas constantes visitas à ESAV deram origem, em 1929, à “Semana do Fazendeiro”, evento que se inscreveu definitivamente no calendário da instituição, perpetuando-se pela Universidade Federal de Viçosa que a realiza anualmente. Na Semana do Fazendeiro, o agricultor recebia orientações as mais diversas sobre como proceder em relação aos problemas enfrentados nas suas terras, quanto ao cuidado com os animais e outros temas, enquanto às suas mulheres eram ministrados cursos sobre horticultura, puericultura, conservação de alimentos. Para alguns autores, (COMETTI, 2003; OLIVEIRA, 1987), a Semana do Fazendeiro pode ser considerada um marco na história da extensão rural no Brasil. Na verdade, a ESAV constituiu um marco na história da extensão rural brasileira, tornando sua sucessora, a antiga UREMG, uma referência nacional nesta área. Um elemento importante do americanismo difundido pelo trabalho de extensão rural da ESAV foi o associativismo. O associativismo foi destacado por Aléxis Tocqueville como um dos traços marcantes da sociedade norte-americana. Nenhum país do mundo “utilizou com tamanho sucesso o princípio de associação” como os Estados Unidos, observava Tocqueville (1969, p.112). Para o autor, “Além das associações permanentes, estabelecidas por lei, sob os nomes de distritos, 7 cidades, municípios e condados, forma-se e mantém-se um vasto número de outras, pela iniciativa de indivíduos privados”. Na ESAV, já no final dos anos 1930, discutia-se a prática do cooperativismo como forma de fomentar o trabalho agrícola na Zona da Mata mineira 14. Ao longo de toda a década de 1940, a instituição estimulou os agricultores da região a se organizarem em pequenos grupos de produtores, vindo a se envolver, no final da década, com a criação de centros de treinamento com instrução prática sobre métodos de melhoramento da agricultura e economia doméstica para rapazes e moças que fossem multiplicadores dos mesmos em suas comunidades, tais quais os clubes dos 4 H, existentes nos Estados Unidos 15. Logo após ser transformada em universidade rural, a ESAV viu-se envolvida num projeto junto com a Associação de Crédito Agrícola e Assistência Rural de Minas Gerais, no qual atuava, tendo entre suas finalidades, a criação de clubes de moças e senhoras, assim como de centros educativos rurais. Em meados da década de 1950, a ACAR levava a Universidade Rural de Minas a se empenhar, mediante o trabalho do seu Serviço de Extensão, na divulgação e criação de cooperativas de consumo e de produção agrícola. Além do trabalho direto de extensão, a ESAV também difundia a sua experiência por meio de publicações como jornais, boletins e revistas. Na sua discussão das teses de Torres Filho, Peter Henry Rolfs dizia ser a propaganda em jornais e revistas “O methodo mais econômico e mais barato para a diffusão de ensinamentos agrícolas úteis” 16 . Vale notar ainda que o trabalho da Escola era divulgado por meio de palestras e conferências, para as quais recebia convite de entidades diversas, tais como a Sociedade Mineira de Agricultura e a Associação Comercial de Minas Gerais 17. Irradiando o americanismo na educação brasileira Peter Henry Rolfs e João Carlos Bello Lisbôa, os dois primeiros diretores da ESAV participaram dos intensos debates sobre a educação brasileira que aconteciam nas décadas de 1920 e 1930. Rolfs não só esteve vinculado à Associação Brasileira de Educação (ABE) como participou das Conferências de Educação promovidas pela entidade. Em um dos registros da II Conferência, realizada em Belo Horizonte, em 1928, o nome de Rolfs aparece com destaque pela postura elegante e discreta. Nos registros do evento, Rolfs aparece como um daqueles “que, raras vezes, elevaram a sua voz na discussão no plenário, mas nos debates das comissões que elevação de cultura e distinção [...]” 18. Para aquela Conferência, Rolfs elaborou uma tese, cujo título era Ensino Agrícola Mineiro e Brasileiro. Não obstante a mesma não conste na lista de teses apresentadas à Comissão Executiva da Conferência, sua apresentação se fez a convite do então Secretário do Interior de Minas Gerais, Francisco Campos 19 . Nesta tese, Rolfs fala da vocação agrícola do Brasil e, particularmente de Minas Gerais. Para ele, no entanto, haveria um grande equívoco no nosso ensino agrícola. Em suas palavras, Quase todos os estabelecimentos de ensino agrícola que se encontram funcionando presentemente neste paiz são apenas um agrupamento de vários departamentos (que frequentemente são excellentes), dando instrucção nas sciencias, cada estudo mais ou menos separado e geralmente sem qualquer relação com a agricultura [...]. Estes vários departamentos raramente se preocupam com a idéia de ensinar a parte da sciencia relacionada com a agricultura pratica, ou o que há de mais moderno quanto a agricultura 20. 8 Para Rolfs, a ESAV seguia, no entanto, um caminho diferente. Observando que “Em verdade, a agricultura constitue um modo de vida”, ele criticava o que considerava um excesso de disciplinas de cunho teórico e defendia a idéia de que uma escola de agricultura deveria, sobretudo, voltar-se para a aplicação da ciência à agricultura 21. Assim, defendendo a supremacia do ensino prático sobre o teórico, Rolfs recomendava aos brasileiros “que todos os Estados no Brasil tenham sua Escola Superior de Agricultura, dirigida pelo Estado, especialmente destinada a instruir a mocidade rural daquele Estado”. Estas Escolas deveriam, a exemplo dos Estados Unidos, contar com subvenção do governo federal para garantir o seu funcionamento e o de suas Estações Experimentais 22. Do mesmo modo, Rolfs recomendava que os programas das Escolas fossem adequados à agricultura do estado onde a mesma se encontrava, devendo “ser de fácil modificação, para que sejam sempre mantidos de accordo com o meio” 23. Ainda a exemplo dos Estados Unidos, Rolfs sugeria que as Escolas fossem dirigidas por uma comissão de cinco a nove pessoas nomeadas pelos governos estaduais, às quais caberia a formulação dos “princípios geraes que deverão ser seguidos pela Directoria e Corpo docente do estabelecimento”. Deveriam compor estas comissões agricultores de diversas zonas dos estados, os quais, sem remuneração, deveriam representar os diversos setores da agricultura nos mesmos 24. Grande parte da tese de Rolfs foi aprovada no plenário da II Conferência Nacional de Educação. Vale notar que, durante aquele evento, Rolfs participou das discussões na comissão encarregada de discutir o Ensino Agrícola. Esta comissão, seguindo a dinâmica das demais, levou ao plenário as suas conclusões, assinadas por Rolfs, Carlos Penafiel (este com restrições) e Marques Lisboa. Após intervenções de Lourenço Filho, Jayme de Barros e Tobias Moscoso, entre outros, o plenário aprovou todas as propostas da comissão, sete delas formuladas por Rolfs 25. Não resta dúvida de que Rolfs teve papel significativo nas deliberações da Conferência no que toca àquele tema. Na verdade, Rolfs triunfava na sua defesa do modelo norte-americano de ensino agrícola, já adotado em Viçosa. O segundo diretor da ESAV, Bello Lisbôa, como já mencionado, também esteve envolvido com os debates educacionais promovidos pela ABE, tendo participado da IV Conferência Nacional de Educação, realizada em 1931. Neste ano, Fernando Magalhães, presidente da comissão organizadora da Conferência, escrevia a Lisbôa, acertando com o mesmo os detalhes “para realizar uma das dissertações que serão feitas na Associação [...] por ocasião” daquele evento 26. Na mesma carta, Magalhães combinava a visita de “Conferencistas” à ESAV 27. Ao final de 1931, cem congressistas da 4ª Conferência Nacional de Educação visitavam a ESAV A importância da Escola para o ensino agrícola no Brasil ficou registrada em A Cultura Brasileira de Fernando de Azevedo (1964). Considerada pelo autor uma instituição modelar, a ESAV certamente exerceu um papel significativo na difusão do americanismo na educação brasileira. Considerações Finais Diferentemente das demais instituições públicas de educação superior no Brasil nas primeiras décadas do século XX, a ESAV foi criada sob a égide do modelo norte-americano de ensino. É possível afirmar que, no que se refere ao ensino agronômico, a Escola foi a primeira instituição pública a adotar este modelo em nosso país. Fortemente marcada pela presença de dois diretores e vários professores vindos dos Estados Unidos, a ESAV não só assimilou profundamente a cultura norte-americana, como contribuiu para a sua difusão no ensino agrícola brasileiro. 9 Contribuíram para tornar a ESAV um pólo difusor do americanismo em nossa educação o trabalho de seus egressos, as suas atividades de extensão e a significativa participação de seus dirigentes nos debates educacionais das décadas de 1920 e 1930. Bibliografia AZEVEDO, Fernando de (1964). A cultura brasileira. São Paulo: Editora Melhoramentos. BORGES, J. M. et al. (2000). A Universidade Federal de Viçosa no século XX. Viçosa: Editora da Universidade Federal de Viçosa. COMETTI, E. S. A extensão na Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV): 1926-1948. Monografia. Viçosa. Departamento de Educação da Universidade Federal de Viçosa. 2003. CUNHA. Luiz Antônio (1980) A universidade temporã: da colônia à era Vargas. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A. FONSECA. Maria Tereza. A extensão rural no Brasil. Um projeto educativo para o capital. São Paulo: Edições Loyola, 1985. GRAMSCI, Antonio (1976). Maquiavel, a política e o estado moderno. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 2ª edição. MAGALHÃES, Edson Potsch (2000). Universidade Rural do Estado de Minas Gerais. Fatos históricos. In BORGES, José Marcondes; et al. (Editores). A Universidade Federal de Viçosa no século XX. Viçosa: Editora da Universidade Federal de Viçosa, pp.64-83. OLIVEIRA. A. G. Origem e evolução da extensão rural no Brasil. 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Nesta carta, Rolfs sinaliza a possibilidade de uma futura contratação de Pinheiro para trabalhar na ESAV. Documento localizado no ACH/UFV. 7 Carta escrita a Jacques de Moraes, químico dos Serviços Geológicos, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, em 11-09-1926, localizada no ACH/UFV. 8 As palavras de Lisbôa foram reproduzidas de registro de reunião da Congregação da ESAV, realizada em 0203-1929. Ver Atas da Congregação da ESAV. 1929-1932. 9 Discurso como paraninfo da primeira turma de médicos veterinários formados pela ESAV, em 1935. Registrado num pequeno libreto localizado no ACH/UFV. 10 ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Relatório de 1929, p.11. 11 Idem. GIACOMETTI, D.C. Espírito esaviano. O bonde. Órgão Informativo dos Alunos da ESAV., ano II, n.45, 2604-1947, p.1. 12 13 A afirmação de Rolfs está contida em sua discussão sobre a proposta de Regulamento do Ensino Agrícola, organizada por Arthur Torres Filho, diretor do Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas do Ministério da Agricultura. Documento localizado no Arquivo Público Mineiro. 14 Ver G. Corrêa. Serviço de Extensão Agrícola para a Zona da Mata do Estado de Minas Gerais. Ceres. Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, v.2, n.11, março e abril de 1941. 15 Ver Kenneth Baker. Programa de Serviço de Extensão. . Ceres. Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, v.4, n.23, maio e junho de 1943. Os 4 H se referiam a Heart, Head, Health e Hand. 16 Ver Regulamento do Ensino Agrícola, organizada por Arthur Torres Filho, diretor do Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas do Ministério da Agricultura. Documento localizado no Arquivo Público Mineiro. 17 Ver registros destes convites nas Atas da Congregação da Escola, especialmente as Atas da Congregação de 1929-32. 18 Ver Arlete Pinto de Oliveira e Silva (Org). Páginas da história: notícias da II Conferência Nacional de Educação da ABE. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, 2004. 19 ROLFS, P.H. Ensino agrícola mineiro e brasileiro. These apresentada à Segunda Conferência Nacional de Educação. Rio de Janeiro: Companhia Nacional de Artes Gráficas. Na capa deste documento impresso, localizado no ACH/UFV, há a informação de que o trabalho foi elaborado a convite de Francisco Campos, então Secretário do Interior do estado de Minas Gerais. 20 Ver Arlete Pinto de Oliveira e Silva (2004). 21 Idem, p.21. 22 Idem. p..27. 23 Idem. 11 24 Idem. p.29. 25 Idem. Carta de Fernando Magalhães a Bello Lisbôa, em 3-11-1931, localizada no acervo do ACH/UFV. 26 27 Idem.