3 a 6 de novembro de 2009 - Londrina – Pr - ISSN 2175-960X
A NOMEAÇÃO DE ALUNAS E ALUNOS TALENTOSOS POR PROFESSORES
ALTEMIR JOSÉ GONÇALVES BARBOSA – PPG-PSICOLOGIA (UFJF) 1
CARLOS EDUARDO DE SOUZA PEREIRA – UFJF2
FERNANDA DO CARMO GONÇALVES – UNB3
Apoio FAPEMIG.
Introdução
O Modelo das Portas Giratórias (Revolving Door Identification Model - RDIM) é um sistema
de identificação de estudantes talentosos que faz uso de múltiplas fontes de informação
(RENZULLI, 1998; RENZULLI & REIS, 1997). Pais, professores e alunos constituem uma
amostra das personagens que colaboram como informantes nesse processo. Porém, sem
dúvida, os docentes possuem papel de destaque no RDIM.
A nomeação por professores é a segunda etapa do modelo e garante o ingresso automático no
grupo de estudantes que possuem características de dotação e talento (Figura 1). Espera-se
que, nessa etapa, sejam identificados cerca de 30% dos alunos talentosos. Se se considerar
que o RDIM seleciona um grupo constituído por um percentual entre 15 e 20% da população
escolar com maior potencial (Pool de talentos) para receberem “experiências de aprendizagem
avançadas” (ALENCAR & FLEITH, 2001, p. 71), espera-se que cerca de 6% dos discentes da
sala de aula sejam indicados pelos docentes.
1
Doutor em Psicologia. Professor do PPG-Psicologia da UFJF.
2
Mestrando em Psicologia.
3
Mestranda em Psicologia.
355
Aproximadamente 50% do pool de Talentos
99
%il
Passo 1
Nomeação por testes
Inclusão automática e baseada em normas
locais
Baseado em outros critérios
Aproximadamente 50% do pool de Talentos
92
%il
Nomeação por Professores
Passo 2
Inclusão automática exceto nos casos em que a
nomeação apresenta algum problema
( under or over)
Passo
Passo
Passo
Passo
Caminhos Alternativos 
Estudo de caso
Nomeações Especiais 
Estudo de caso
3
4
5
6
O Pool de talentos consiste em aproximadamente 15% da população geral
Critério de desempenho em teste
de inteligência
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Notificação dos Pais
Nomeação por Informação da Ação
Figura 1: Modelo das Portas Giratórias para Identificação de Estudantes Talentosos
Para Renzulli (1978, 1982, 1986, 1990, 1998), o talento é decorrente da interação de três grupos de
características: habilidade acima da média; envolvimento com a tarefa; e criatividade. Trata-se do
Modelo dos Três Anéis; outro conceito fundamental para RDIM.
Renzulli (1981) recomenda que os percentis sejam estabelecidos de acordo com normas locais
e não nacionais. Isso visa atenuar distorções relacionadas a fatores sócio-culturais. Assim,
estudantes de qualquer segmento social podem integrar o grupo dos 20% potencialmente mais
capazes.
Para a nomeação por professores, o autor elaborou uma escala padronizada a ser preenchida
pelo docente para todos os seus alunos (SRBCSS). Essa escala é composta por 14 domínios
constituídos por características geralmente apresentadas por alunos dotados e talentosos nos
diversos domínios de habilidades (criatividade, aprendizagem, motivação, liderança, entre
outros). De acordo com Renzulli (1981), para garantir a confiabilidade das informações
fornecidas pelo professor ao preencher a escala, é necessário que ele receba um treinamento
sobre o processo de identificação antes de participar de qualquer atividade. Após o
preenchimento pelo professor, os resultados são analisados e aqueles alunos que apresentarem
o percentil estabelecido são inseridos automaticamente no grupo de talentos.
A eficácia das nomeações realizadas pelos professores tem sido objeto de muita controvérsia.
Segundo Oliveira (2007), os primeiros estudos realizados com essa finalidade evidenciaram
uma tendência de o professor nomear apenas alunos que apresentem elevada habilidade
cognitiva e acadêmica. Günther (2006) menciona o estudo realizado por Pegnato e Birch
(1959) como o principal responsável pelo estabelecimento da noção de que os professores não
são capazes de reconhecer talento e potencial elevado e que perdurou até recentemente.
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Tudor (1994), revisando as pesquisas sobre identificação de estudantes dotados e talentosos,
verificou que na maioria dos estudos os resultados indicaram que as nomeações realizadas
pelos professores apresentavam baixa eficácia. Porém, um estudo realizado por Shipley (1978
apud TUDOR, 1994), que comparou as nomeações realizadas por professores, pais e pares
com o escore obtido pelos alunos no teste WISC-R, estabeleceu que a efetividade das
nomeações realizadas pelos professores aumenta se os mesmos forem preparados recebendo
informações sobre as características dos alunos mais capazes. De forma semelhante, Gagné
(1995) também evidenciou que, se devidamente preparados, as observações dos professores
são perfeitamente confiáveis e constituem uma valiosa fonte de informação sobre os alunos.
Com base nas conclusões estabelecidas pelo estudo Delphi (1992 citado por GÜNTHER,
2006), propõe-se, atualmente, que a observação realizada pelos professores seja auxiliada por
um guia de orientação ou um estudo das características mais freqüentes relacionadas na
literatura sobre superdotação. Oliveira (2007), de forma semelhante, propõe que além da
formação prévia do professor com a utilização de escalas que apresentem boas propriedades
psicométricas, seja utilizada, também, uma lista de comportamentos específicos para
avaliação, o que possibilita um enriquecimento do processo de avaliação.
A participação do professor no processo de nomeação pode ainda ocorrer de outras formas.
Oliveira (2007) destaca a análise de um portfólio das realizações do aluno como uma opção
que pode aumentar a objetividade da avaliação. Essa estratégia tem sido muito utilizada em
programas baseados na metodologia desenvolvida por Renzulli (1981). Oliveira (2007)
também faz referência ao uso de entrevistas estruturadas e nomeação por professores
especialistas em áreas como artes plásticas e música como estratégias complementares.
Reitera-se que a preparação é fundamental para que os docentes sejam, efetivamente,
colaboradores no processo de identificação de estudantes talentosos. Se não estiverem bem
capacitados, preconceitos (raciais, de gênero etc.) podem enviesar os resultados. Assim, a
presente investigação teve como objetivo geral analisar o processo de nomeação alunas e
alunos talentosos, isto é, feminino e masculino, por professores.
Método
Participantes
A amostra foi composta por docentes (N = 8) do quinto ano do ensino fundamental do
Colégio de Aplicação João XXIII da Universidade Federal de Juiz de Fora. Todos são do sexo
feminino. Essas professoras avaliaram 96 estudantes cursavam essa série em três turmas
diferentes.
Materiais
Para a realização do presente estudo foram utilizados testes e diversas escalas de acordo com
a proposta do RDIM. Porém, aqui é destaca a nomeação por professores e, consequentemente,
as “Scales for Rating the Behavioral Characteristics of Superior Students- Revised edition”
(SRBCSS-R) (RENZULLI et al., 1976/2000).
As SRBCSS-R utilizadas na etapa de nomeação por professores constituem um instrumento
desenvolvido especificamente para ser utilizado no RDIM e avaliam 14 dimensões diferentes
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relacionadas a características de indivíduos superdotados. Os itens devem ser assinalados de
acordo com a freqüência em que são observados pelo professor (raramente ou nunca;
ocasionalmente; constantemente e quase sempre ou sempre). As dimensões que devem ser
observadas pelo professor são aprendizagem, motivação, criatividade, liderança, comunicação
(expressividade), comunicação (precisão), planejamento, arte, música, drama, ciências,
tecnologia, matemática e leitura. O instrumento foi adaptado para o português do original
desenvolvido por Renzulli et al. (1976/2000).
Procedimento
Após a aprovação por um comitê de ética (CAAE - 0068.0.180.000-07), o primeiro passo foi
preparar os docentes para a identificação de estudantes talentosos. Uma vez capacitados, os
professores preencheram as SRBCSS-R. É preciso destacar que eles podiam preencher as
escalas para as quais considerassem ter conhecimento suficiente. Esse procedimento gerou
uma variação bastante grande na quantidade de alunos avaliados, sendo que algumas
dimensões não foram devidamente avaliadas (p.ex. Tecnologia) e outras sequer consideradas
por eles (p.ex. Artes, Música). A Tabela 1 apresenta os escores de escalas preenchidas para
cada dimensão da SRBCSS-R.
Tabela 1: Escores de escalas válidas e em branco.
SRBCSS-R
Aprendizagem
Motivação
Criatividade
Comunicação - Precisão
Comunicação - Expressividade
Liderança
Leitura
Planejamento
Matemática
Dramáticas
Ciências
Tecnologia
Arte
Música
Escalas
Válidos Em Branco
96
0
95
1
95
1
95
1
95
1
95
1
65
31
63
33
33
63
32
64
30
66
4
92
0
96
0
96
Os dados foram tabulados e calculou-se o percentil 92 para cada escala. Consideraram-se as
três turmas do 5º ano em conjunto, pois elas têm os mesmos professores, as mesmas
oportunidades educacionais e foram formadas aleatoriamente.
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Resultado
A Tabela 1 apresenta os resultados referentes a alguns domínios das SRBCSS-R distribuídos
por sexo e no total. Também constam nela os valores de Phi e o p valor. Constata-se que em
nenhum dos domínios houve diferença na nomeação de alunas e alunos.
Tabela 1: Dimensões da SRBCSS-R por sexo, total e comparação intergrupos.
SRBCSS-R
Aprendizagem
Motivação
Criatividade
Comunicação Precisão
Comunicação Expressividade
Liderança
Planejamento
Tecnologia
Ciências
Matemática
Leitura
Dramáticas
Identificação
(Percentil 92)
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Feminino
n
%
46 92,0
4
8,0
44 89,8
5
10,2
42 85,7
7
14,3
44 89,8
5
10,2
40 81,6
9
18,4
44 89,8
5
10,2
28 87,5
4
12,5
3
75,0
1
25,0
13 81,2
3
18,8
16 100,0
28 84,8
5
15,2
15 88,2
2
11,8
Masculino
n
%
43 93,5
3
6,5
44 95,7
2
4,3
40 87,0
6
13,0
44 95,7
2
4,3
39 84,8
7
15,2
42 91,3
4
8,7
29 93,5
2
6,5
14 100,0
14 82,4
3
17,6
31 96,9
1
3,1
15 100,0
Total
n
%
89 92,7
7
7,3
88 92,6
7
7,4
82 86,3
13 13,7
88 92,6
7
7,4
79 83,2
16 16,8
86 90,5
9
9,5
57 90,5
6
9,5
3 75,0
1 25,0
27 90,0
3 10,0
30 90,9
3
9,1
59 90,8
6
9,2
30 93,8
2
6,2
Phi
p
-0,028
0,781
-0,112
0,275
-0,018
0,860
-0,112
0,275
-0,042
0,682
-0,026
0,802
-0,103
0,414
-
-
-0,312
0,088
0,307
0,078
-0,208
0,094
-0,243
0,170
No total, 38,5% (n = 37) dos alunos foram classificados como talentosos em, pelo menos,
uma das dimensões das SRBCSS-R. A Figura 1 apresenta essa por sexo. Não foi constatada
diferença entre os sexos (Phi = -0,117; p = 0,252).
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Figura 1: Percentual de estudantes que foram nomeados em, pelo menos, uma dimensão da
SRBCSS-R.
Discussão
Os resultados obtidos denotam que a preparação oferecida aos professores antes do processo
de nomeação de estudantes talentosos parece ter sido eficiente para minimizar preconceitos
relacionados aos sexos. As professoras participantes, diferentemente do que ocorre com pais e
familiares, isto é, tendem a indicar mais meninos do que meninas por se basearem em artigos
de jornais e pela imagem estereotipada que têm de seus comportamentos (GÜENTHER,
2006), não nomearam mais alunos do que alunas.
Porém, também há evidências de que papéis tradicionais relacionados ao masculino e ao
feminino ainda persistem. Nomeiam-se meninos para Matemática e meninas para
características Dramáticas.
Também ficou evidente a facilidade que os docentes têm para nomear as dimensões
acadêmicas e a dificuldade para identificar talentos em áreas não tão valorizadas no meio
escolar, como artes. Ainda que não completamente, confirma-se, dessa forma, o proposto por
Oliveira (2007), isto é, a tendência de os professores nomearem com mais facilidade alunos
que apresentem elevada habilidade cognitiva e acadêmica.
Os resultados obtidos revelam, ainda, que houve uma sobrenomeação por parte dos docentes.
Se fossem considerados somente os resultados da etapa de nomeação por professores, o
percentual de alunos identificados já ultrapassaria todo o esperado para o RDIM, ou seja, 15 a
20% da população discente (ALENCAR & FLEITH, 2001).
Conclusões
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A identificação e o desenvolvimento de estudantes talentosos deveriam constituir uma
prioridade nacional. Porém, o Brasil arrisca o seu futuro enquanto nação ao desconsiderar as
necessidades educacionais especiais desses alunos, pois eles têm potencial a ser desenvolvido
para se tornarem os cientistas, artistas, líderes etc. que o país tanto precisa para se
desenvolver. Trata-se de uma commodity desperdiçada.
Para um processo de identificação adequado, sem subnomeação e sem sobrenomeação, sem
vieses raciais, sexuais, culturais etc., são necessários professores preparados e instrumentos
válidos. Até o momento, pouco tem sido feito nesse sentido no contexto brasileiro. O presente
estudo apresenta evidências de que, se ofertada alguma preparação, os professores podem
nomear alunos e alunas em proporção equivalente, apesar de ainda, aparentemente, estarem
presos a papéis arbitrariamente associados a um ou a outro sexo.
Dentre as limitações da investigação aqui comunicada, destacam-se a amostra (tamanho, não
randomização etc.) e o fato de as SRBCSS-R não possuírem evidências de validade para o
contexto brasileiro. Assim, recomendam-se pesquisas que superem essas restrições. Sugerese, ainda, que sejam investigados vieses associados à cor/raça no processo de nomeação de
estudantes talentosos por professores.
Não obstante as limitações, é possível afirmar que o estudo realizado tem méritos por tratar de
um tema cuja produção científica no Brasil é mínima, por fornecer evidências empíricas e por
destacar a necessidade de que preconceitos sejam controlados na identificação de altas
capacidades. Talento independe de raça e grupo social; “está presente em todas as histórias e
todas as geografias” (GÜENTHER, 2006, p. 22) e apresenta distribuição uniforme entre os
sexos feminino e masculino.
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