Bento Manuel Ribeiro: herói, vira-casaca ou ...?• Tupinambá Miguel Castro do Nascimento•• Sebastião Barreto Pereira Pinto era rio-pardense. Em 1834, Bento Manoel Ribeiro chefiava a Fronteira Oeste em São Gabriel, enquanto Bento Gonçalves comandava a Fronteira Sul, em Jaguarão. Por ordem de Sebastião Barreto Pereira Pinto, em combinação com o presidente José Mariani, ambos foram substituídos nos comandos das Fronteiras. Instaurou-se processo contra Bento Manoel, nomeando-se em seu lugar o tenente coronel José Antonio Martins, inimigo do sorocabano. Bento Gonçalves também respondeu a processo. Apesar dos ingentes esforços de Sebastião Pinto para que fossem condenados, ambos foram absolvidos no Rio de Janeiro e reconduzidos aos postos de comando. A Assembléia Legislativa da Província foi, solenemente, aberta no dia 20 de abril de 1835. De conformidade com a lei que a criou, foi dada a palavra ao presidente da Província para sua fala. O conteúdo de seu discurso foi agressivo e denunciador. Afirmou existir um plano de separação da Província, afastando-a do Império. Na conspiração denunciada, estariam envolvidos vários liberais mancomunados com o general argentino João Antonio Lavalleja. Braga chegou a ponto de nominar alguns envolvidos, apontando Bento Manoel Ribeiro e Bento Gonçalves. Por semelhante acusação, os dois Bentos já tinham sido absolvidos. Não se formava em Bento Manoel qualquer motivo de vingança. Tinha razões pessoais para agir movido por este sentimento. O que ele, no entanto, pensava é que Braga e Sebastião Pinto, como raivosos caramurus, fomentavam atos de perseguição aos liberais e, como conseqüência, alimentavam e provocavam a discórdia que se alastrava na Província. Um novo presidente, justo e de caráter pacificador, com a colaboração de um novo comandante de armas ponderado e imparcial, não justificaria continuar a revolta. Com a fuga de Braga abandonando o Governo, Bento Gonçalves fez assumir na presidência, evitando acefalia na administração provincial, Mariano Pereira Ribeiro, que era o 4º vice-presidente. Em 12 de outubro de 1835, Bento Gonçalves mandou uma carta para o já Regente Diogo Feijó, relatando todos os fatos revolucionários ocorridos, concluindo: “Exigimos que o Governo Imperial nos dê um presidente de nossa confiança, que olhe pelos nossos interesses, pelo nosso progresso, pela nossa dignidade...” Uma semana após, 19 de outubro, • Texto enviado pelo autor, em participação no Painel “Outros Olhares sobre a Revolução Farroupilha”, ocorrido em 17/09/2008, no Palácio da Justiça, Porto Alegre/RS. •• Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. aceitando as ponderações da carta de Bento Gonçalves, o Império nomeou o novo presidente da Província, José de Araújo Ribeiro, um gaúcho. No que interessa, enquanto a Assembléia Provincial, em sua grande maioria de liberais, discutia se dava, ou não, posse a Araújo Ribeiro, foi nomeada uma Comissão da Assembléia para dialogar com Araújo Ribeiro, uma forma de ver se ele merecia a confiança dos farroupilhas. A Comissão ficou formada por Domingos José de Almeida, Antonio José Gonçalves Chaves e o major João Manoel de Lima e Silva, este representando o povo (O Mensageiro n. 17, pág. 4, Ata da Assembléia de 12.12.35). No dia 4 de janeiro de 1836, dita Comissão apresentou o parecer a respeito da conferência mantida a 29 de dezembro, concluindo: “À Comissão cumpre declarar, que em toda conferência achou o Presidente nomeado possuído de sentimentos patrióticos, e conciliadores” (O Mensageiro n. 19, pág. 2). O parecer foi unânime. Em 2 de janeiro de 1836, Bento Gonçalves, elevado ao honroso cargo de Comandante Superior, lançara um manifesto aos Cidadãos Guardas Nacionais prevendo e apoiando a tomada de posse do Dr. José de Araújo Ribeiro (O Mensageiro n. 19, pág. 3). A Assembléia Provincial, a 4 de janeiro de 1836, convidou o dr. Araújo Ribeiro para a tomada de posse (O Mensageiro n. 22, págs. 3 e 4). Até aqui e se abstraindo os motivos, por não ter havido a posse de Araújo Ribeiro, por desnecessários ao exame da conduta de Bento Manoel Ribeiro, pode-se concluir que a nomeação do Dr. José de Araújo Ribeiro foi, conforme exigência dos revolucionários, de um Presidente de nossa confiança. A confiança estava suficientemente comprovada pelo parecer da Comissão da Assembléia Provincial, pelo manifesto público de Bento Gonçalves e pela decisão da própria Assembléia Provincial, face o convite para a tomada de posse. No dia 9 de dezembro de 1835, a Assembléia Provincial, integrada unicamente de farroupilhas, negou posse ao novo Presidente nomeado, negativa que gerou inesperados acontecimentos. Bento Manoel Ribeiro, discordando da atitude da Assembléia, hipotecou solidariedade ao novo mandatário da Província e, como comandante de armas, deu apoio ao governo de Araújo Ribeiro, determinando que as tropas obedecessem-no como presidente legítimo da Província. Bento Manoel dera apoio ao novo Presidente provincial, diante da negativa da Assembléia dar posse a José Araújo Ribeiro. Naquele instante, estava mudando de posição e adotando a de legalista. Era a primeira alteração em seu rumo político militar. A ida para as forças imperiais era uma manifestação autêntica. Se olhada sua opção revolucionária, havia sintonia exata entre as duas escolhas. Basta examiná-las. O motivo de seu ingresso nas forças revolucionárias fora uma forma de alcançar a destituição do presidente Braga e de afastar o marechal Sebastião do comando de armas. Estes fatos já tinham acontecido. O novo presidente da Província, José de Araújo Ribeiro, era um administrador competente e que buscava a pacificação da Província. O marechal Sebastião não mais retornou ao antigo posto. Conduta lógica era se afastar dos farroupilhas, assumindo, inclusive, o posto de comandante de armas da administração imperial. Foi o que fez. Não se tratava, por isso, de atitude de vira-casaca, como alguns historiadores entendem. Em 21 de novembro de 1836, é nomeado presidente da Província o brigadeiro Antero José Ferreira Brito, que tomou posse a 5 de janeiro de 1837, substituindo a José de Araújo Ribeiro. Este se afastara da presidência a 4 de janeiro. Antero José era militar de reconhecido valor, com ótimos predicados castrenses. No entanto, em assuntos administrativos e políticos deixava muito a desejar por inexperiência, inabilidade e espírito draconiano. Tinha o pensamento firme de pôr fim à revolução, da maneira violenta que ele conhecia, enfrentando os farrapos em combates ferozes, se possível aniquilando fisicamente os revolucionários. A carta datada de 1º de janeiro de 1837, tratando de negociações com os farroupilhas, de Bento Manoel, não foi recebida por José de Araújo Ribeiro; sim por Antero José. A leitura da carta criou oportunidade para o conflito de idéias entre o novo presidente e Bento Manoel. No dia 10 de janeiro de 1837, Antero José respondeu, com uma longa carta, à missiva de Bento Manoel. Critica, inclusive, a atitude do sorocabano na ilha de Fanfa: “Onde estão esses que, na ilha de Fanfa, foram soltos?” E responde: “Com bem poucas exceções, se é que as há, eles existem nas fileiras dos rebeldes”. Toda revolta de José Antero nascia do fato de ele não considerar os farroupilhas simples revolucionários que lutavam por seus ideais e acentuado amor à Província. Eram, em seu entendimento, pessoas sem valor; malfeitores. Em duas passagens de sua carta, o novo presidente não deixava dúvida acerca do conceito que tinha dos liberais revolucionários. Diz a certa altura: “não é possível ignorarem que nem eu nem V. Excia. somos autorizados para entrar em negociações com tal quadrilha de salteadores”. Mais adiante é mais violento: “não há outro meio para pôr termo a esta desordem, senão o de debelar os sediciosos e atirar-lhes como a feras indômitas e devastadoras”. As principais medidas tomadas seguiram a mesma orientação pessoal; não foram boas. Além de colocar na prisão um número considerável de pessoas, deportou outras. Conforme dizem diversos escritores e em relação a Bento Manoel, “não ocultou a intenção de prendê-lo e destituí-lo” (Arthur Ferreira Filho, História Geral do Rio Grande do Sul, pág. 100, Editora Globo, 5ª. Edição, 1978) ou “iniciou o seu governo com instruções policiais draconianas que dão margem a toda espécie de perseguições” e “Antero pretendia demitir Bento Manoel do comando das armas e prendê-lo por não ter, ainda, exterminado os farroupilhas” (Walter Spalding, Obra Cit, págs. 129 e 130). O presidente Antero Ferreira de Brito, logo que tomou posse, organizou uma pequena força com o propósito de prender Bento Manoel. Em 28 de março de 1837, o presidente da Província e sua escolta foram surpreendidos pelas forças de Bento Manoel. Preso Antero, o sorocabano fez, tudo no Passo de Itapevi em Alegrete, proclamação a seus soldados e oficiais “convidando-os a abraçar a causa farroupilha e, a respeito, escreve a Bento Gonçalves” (Walter Spalding, Obra Cit, pág. 130). A opção que fez, abandonando o exército imperial, não pode jamais ser vista como ato de traição ou deserção. Vinculava-se à necessariedade de se tornar revolucionário, desta forma se defendendo de uma prisão que, sem dúvida, seria injusta e ilegal. O direito traduziria esta escolha, hoje, como inexigibilidade de outra conduta. À tese de inexigibilidade de outra conduta, pode se acrescentar outra. Voltavam a imperar em Porto Alegre a intriga e perseguição contra os liberais perpetrada pelos legalistas rancorosos, os mesmos caramurus de 1834/1835. Pedro Chaves, irmão do ex-presidente Braga, voltara à Província. O denominado partido português tinha retornado, com seu antinacionalismo. Neste ambiente, o 7 de abril de 1831 ia desaparecendo. Bento Manoel jamais poderia compactuar com todas estas coisas. O retorno às forças revolucionárias era quase que uma imposição dos fatos. Bento Manoel nascera para respirar liberdade e por ela sempre lutar. Voltava, assim, a ser revolucionário a partir de 28 de março de 1837. Interessa, aqui, saber o que, na opinião de Souza Docca, teria levado Bento Manoel Ribeiro, após a prisão de Antero José, retornar às trincheiras farroupilhas. Bento Manoel conhecia a opinião de Bento Gonçalves já externada anteriormente. Bento Gonçalves, em carta de 23 de agosto de 1840, para o general Andréa, vem a reafirmá-la: “... ao tempo do antecessor de V. Excia., lhe propus verbalmente com base em todo e qualquer arranjo a declaração da maioridade do Imperador e, por conseqüência, sendo esta, como foi, proclamada, facilitados estão os meios para tratar-se da conciliação e da paz”. Bento Manoel, ao voltar às fileiras farroupilhas, explicitou a razão do retorno: “Serviria a República até que fosse proclamada a maioridade do Imperador, porque então a luta devia terminar e todos retornariam ao grêmio nacional”. Nada mais claro. Alguns dias depois, Sebastião Ribeiro, escreveu apoiando a escolha feita pelo pai. O sorocabano, monarquista como sempre fora, assim como Bento Gonçalves, enxotado das fileiras imperiais por Antero José, bandeara-se para a República, mas por tempo certo, crente de que, ao chegar à maioridade de D. Pedro II, a paz chegaria com a união entre todos os brasileiros, como alguns monarquistas sul-riograndenses fizeram. Era a lógica da época. A antecipação da maioridade de D. Pedro II só foi declarada formalmente por lei em 23 de julho de 1840. D. Pedro II tinha nesta época 14 anos e cinco meses de idade, pois nascera a 2 de dezembro de 1825. Ao começar a governar o Brasil, no longo período que durou mais de 49 anos, algumas revoltas provinciais já estavam encerradas. O que D. Pedro, II, teve que enfrentar foi a Balaiada do Maranhão e a Farrapos do Rio Grande do Sul. José Murilo de Carvalho (D. Pedro II, págs. 42/43, Companhia de Letras, 2007) faz importante observação histórica a respeito do momento em que o Imperador D. Pedro II, tendo adquirido pela antecipação da maioridade a capacidade para governar, começou seu reinado: “Do governo do jovem imperador esperava-se muito. A elite política esperava que a figura suprapartidária de D. Pedro II reduzisse os conflitos que a dividiam. Esperava, ainda, que a legitimidade centenária da monarquia congregasse a população do país”. Face à rápida solução dada à revolta de Maranhão, D. Pedro, II, passou a olhar para o Rio Grande do Sul. E, em 28 de setembro de 1842, o então Barão de Caxias é nomeado presidente da província do Rio Grande do Sul, tendo tomado posse a 9 de novembro do mesmo ano. Em sua primeira proclamação, lembrava que, o Imperador “recomendou-me que eu restabelecesse a paz nesta parte do Império”. Caxias era um brilhante militar e sabia que o empreendimento que ele iria comandar exigia muita organização e planejamento. Em guerras, revoltas ou combates, a logística era o primeiro e importante ponto a enfrentar. Nada poderia ficar sem prévia solução, entregue ao sabor do momento. No setor relativo ao pessoal, estava necessitado de um oficial que conhecesse, com profundidade, a campanha gaúcha, onde os conflitos bélicos se realizariam. Entre seus comandados legalistas, nenhum oferecia condições satisfatórias. Em fins de 1842 e início de 1843, quando readmitido à ativa do Exército Nacional, há mais ou menos dois anos estava afastado do território da província, completamente desvinculado das porfias revolucionárias. É quando mais uma vez vai demonstrar seu patriotismo, em obediência ao ideal de unificar todos os brasileiros em volta de uma única bandeira. Conservava ainda sua graduação de brigadeiro alcançada em atos de bravura e de heroísmo, que nunca tentaram retirar-lhe. Embora com o pomposo título de brigadeiro, que lhe conferia muito respeito nos meios castrenses, prestou funções subalternas sem nunca reclamar. Voltava à ativa para ajudar Caxias sempre tendo como norte básico a união de todos brasileiros. Tinha perspicácia suficiente para sentir que não pretendiam lhe dar qualquer comando. Fez, então, o que sabia fazer. Conquistou os comandos, ascendendo na escala militar e na conquista da confiança de Caxias. E, nesta subida, com humildade, segurança e dignidade, merece, sem dúvidas o reconhecimento com louvor da posteridade. É contra este homem que alguns escritores, com a pretensão de destruí-lo, coletam minúcias, nonadas de nada, não importando o ridículo da lembrança. Encerramos, por entendermos suficiente, a argumentação tendente a demonstrar que Bento Manoel Ribeiro jamais agiu, em suas condutas, como um camaleão; ao contrário, foi um homem que sempre procedeu movido por ideais que nunca se alteraram. Foi monarquista sempre; nunca republicano. Seu ideal sempre se alimentou pela necessidade de unir todos os brasileiros, não importando suas tendências políticas, em torno da mesma bandeira e em obediência ao Imperador. Foi um homem de princípios, autêntico em todos seus atos.