Perguntas e respostas sobre o preço fixo. Rafael Martínez Alés, consultor editorial, Espanha 1. O que é preço fixo ou o único dos livros? Que um mesmo livro seja vendido ao mesmo preço em todo o território nacional, seja em Barcelona ou em Madri ou no mais recôndito povoado insular. Que um mesmo livro se venda ao mesmo preço em todos os pontos de venda, já seja em uma livraria, em uma grande superfície ou em um jornaleiro. Que um mesmo livro tenha o mesmo preço em qualquer época do ano. A Lei do Livro (9/1975) estabeleceu “como obrigatório o preço de venda em livrarias com objeto de evitar atuações desleais” (Preâmbulo). 2. Quem estabelece o preço fixo? Para que o preço seja o mesmo em todos os estabelecimentos, deve ser fixado pelo produtor, em nosso caso pelo editor. Quando o preço é fixado pelo varejista, chama-se preço livre ou de mercado. 3. Como e porque surgiu este sistema? Historicamente, são muitos os países nos quais o preço fixo dos livros se instaurou, de uma ou outra maneira, há mais de um século (Reino Unido, os países da área do alemão, França, Espanha, etc.) para responder às necessidades colocadas pelo desenvolvimento do comércio moderno. Apesar de que tenha sido no Reino Unido onde se encontrou sua formulação teórica e onde primeiro se generalizou. O primeiro e principal objetivo do preço fixo dos livros foi o poder garantir um preço igual em todo o território da Nação e, conseguintemente, preços estáveis e mais baratos. Porém, imediatamente foram constatados outros efeitos claramente benéficos: • O preço fixo contribuiu, sem dúvida alguma, a uma maior difusão de muitos livros, especialmente dos científicos e dos técnicos. • Evitou o desabastecimento e os abusos, sobretudo nos lugares onde a concorrência era menor ou inexistente, pelas circunstancias geográficas, e garantiu a concorrência leal entre os livreiros. • Permitiu e favoreceu a existência de uma oferta plural e diversificada, o que fomentou e estimulou a compra por impulso. • Acabou sendo sistema que permitia um cálculo inequívoco e fácil dos direitos de autor. • Permitiu o nascimento e o desenvolvimento das livrarias modernas, onde começou a se aplicar o princípio de compensar perdas com benefícios. Ou seja, acabou sendo uma boa solução que favoreceu ao comércio do livro e, por conseqüência, o desenvolvimento da indústria industria editorial: os escritores tiveram mais editoriais onde publicar, multiplicaram-se as edições, incrementara-se as tiragens e se venderam muitos mais livros. 4. A livre competição suprime ou dificulta o preço fixo? De forma alguma. Os editores ou produtores devem competir entre si e competem fortemente. Somente se modifica a competição entre varejistas que, ao não poder competir no preço, hão de competir em serviços, no profissionalismo e na variedade de oferta editorial de sua livraria. No caso do livro, existem diferentes objetivos de interesse público que justificam a sustentabilidade do preço fixo e não parece que, até o momento, tenha sido encontrado um sistema de distribuição alternativo que provoque menos restrições à concorrência. 5. Por que se diz que o livro não é um produto como os demais? Porque não é. Eis aqui alguma das razões: 1. Em primeiro lugar, porque o livro é um instrumento privilegiado para a difusão da cultura e da educação, ou seja, trata-se de um bem cultural. 2. Porque cada título, cada livro é uma criação original do espírito, independente e diferente de qualquer outra, o que torna os livros em outros tantos “protótipos”. 3. Porque os livros competem entre si de uma maneira peculiar e não como os produtos comerciais ordinários: não se elege entre uma novela de Cela, de García Márquez, de Vargas Llosa ou de Pérez Reverte, como se elege entre as diversas marcas de eletrodomésticos, de detergentes ou de batatas fritas. 4. Porque o número de referências disponíveis não tem comparação em nenhuma outra indústria: na Espanha são mais de 250.000 os títulos disponíveis em todas as matérias, características e especialidades, o que constitui a diversa e variadíssima oferta editorial. 5. Porque como conseqüência do anterior, o livro tem uma rentabilidade duvidosa e desigual que requer um equilíbrio entre os livros de grande venda e os de rotação lenta. 6. Por que as livrarias são imprescindíveis? Porque, dadas as características peculiares do livro, é necessário que esteja o mais próximo possível do leitor, única forma de que encontre ao seu público. Porque dada à diversidade da oferta editorial, o comércio do livro exige locais e pessoal especializados. Por isto, não é possível reflexionar sobre uma política cultural ou política editorial, sem prestar uma especial atenção às livrarias. Um dos mais importantes objetivos do preço fixo dos livros é fazer possível uma extensa e eficiente rede de livrarias, que compitam entre si, na diversidade e variedade da oferta editorial e na qualidade dos serviços. Para isto, precisam poder equilibrar suas contas entre os livros de venda rápida e os de escassa rotação, ou seja, precisam do preço fixo. 7. Quais são as conseqüências na Espanha com o preço fixo ou único dos livros? Vigente há mais de 100 anos, apresenta um balance sumamente positivo, do qual destacaríamos: • A existência e desenvolvimento de uma extensa rede de livrarias. • A sustentabilidade e a difusão da pluralidade cultural e lingüística da Espanha. • A pluralidade e a diversidade da edição espanhola e sua fortaleza em toda a área idiomática. • Uma clara e eficaz contenção dos preços . 8. Quais são as vantagens que o preço fixo aporta ao comprador de livros? O leitor, comprador e consumidor final dos livros terão, pelo menos, as seguintes vantagens: • Poderá encontrar muitos mais títulos e mais variados. • Contará com livros de maior qualidade, apesar de serem de circulação restrita. • Poderá comprar os livros ao mesmo preço sempre e em todos os lugares. • Os livros estarão em maior número de pontos de venda. • Contará com estabelecimentos especializados, como são as livrarias. • Encontrará pessoal especializado, os livreiros, que os atenderão com mais eficiência. • Ninguém poderá vender os livros a um preço superior do indicado pelo editor no seu catálogo e o preço do livro será sempre, e não só temporalmente, o mais baixo possível. 9. O preço fixo dos livros é uma anomalia na economia do livre mercado? Em absoluto. Os jornais e as revistas e, pelas mesmas razões que os livros, têm um preço fixo e, portanto, são vendidos ao mesmo preço em todos os pontos de venda, sem que isto afete o livre mercado nem a liberdade de expressão, senão pelo contrário. 1 Os preços médios dos livros em 1998 estão, em pesetas constantes, por baixo dos preços de 1985 e inclusive, em pesetas corriqueiras, estão por baixo dos de 1996. Em 1999, a repercussão dos livros no IPC foi negativa (-1, 3) (Cf. MEC, Panorámica de la edición española de libros 1998 e INE, Banco de datos TEMPUS, IPC, Índice clase Libros, Periódicos y Revistas). 2 Em nosso país, estas Leis são: Lei 7/1998, de 15 de janeiro, de Ordenação do Comércio Varejista; Lei 3/1991, de 19 de janeiro, de Competição Desleal; Lei 16/1989, de 17 de julho, de Defesa da Competição e Lei 52/1999, de 28 de dezembro de reforma da Lei de Defesa da Competição. O mesmo ocorre com outros muitos produtos de diversa índole, como são - por exemplo - o tabaco e os medicamentos. No caso do livro, a concorrência e o livre mercado estão garantidos pela pluralidade de empresas editoriais, que competem duramente entre si, e pelo livre acesso de qualquer cidadão ou instituição à atividade editorial. 10. É ó mesmo preço livre do que desconto livre? Não. De forma alguma. Fala-se de preço livre quando o preço de venda ao público (P.V.P.) é estabelecido pelo varejista, de acordo com as regras do mercado e com as Leis do Comércio . Estas Leis estabelecem as regras do jogo e pretendem impedir que se imponha uma lei do mais forte. O preço livre é aquele que se aplica na maioria dos produtos. Os estabelecimentos de venda competem entre si na hora de fixar seus respectivos preços em função de suas peculiares circunstâncias, no marco e com as limitações estabelecidas pelas Leis. Pelo contrário, o desconto livre sobre um hipotético “preço fixo” é uma absoluta anomalia. Não existe nem na Espanha, nem em país algum de nosso entorno econômico, um só produto ao que se aplique este sistema, exceto na Espanha para os livros de texto, tal e como o autoriza o Real Decreto Lei 6/2000. Este sistema não se limita às leis do mercado nem às regras e limitações estabelecidas pelas leis antes citadas. É claramente uma aposta pelo mais forte, que privilegia a uns poucos operadores em detrimento da imensa maioria. Em nosso caso, privilegia às grandes superfícies comerciais às custa das livrarias, sejam estas pequenas, médias ou grandes. Pelo que é claramente contrário à livre competição. Com preço fixo e com preço livre é possível a concorrência. Com descontos livres, é absolutamente impossível. 11. Quem pode ser beneficiado com autorização de descontos? Teoricamente o consumidor, mas se for verdade, será por pouco tempo. Logo o desconto se aplicará sobre um preço inicial de referência mais alto, o qual garante as margens comerciais do varejista e do editor, pelo que o preço pago pelo consumidor ou não terá diminuído ou será – inclusive - maior. Assim, se um livro que estivesse marcado a 700 pesetas custasse 700 pesetas, logo, esse mesmo livro estaria marcado a 1.000 pesetas e, com a dedução de 25% de desconto, custaria 750 pesetas. A quem realmente beneficia o sistema é às grandes superfícies comerciais, que podem anunciar descontos em qualquer momento em um bem de primeira necessidade e tornar o desconto em um reclamo para o resto dos produtos, para os que não possam anunciar descontos, exceto nas temporadas estritas de liquidações. A autorização para anunciar descontos em temporada de vendas está expressamente proibida para todos os demais produtos, porque é a forma mais eficaz de eliminar aos competidores mais débeis, que não podem compensar os descontos com os ganhos em outros produtos. 3 Continua-se aqui com o esquema de François Rouet, o qual se reproduz na pág..---- É legalmente permitido, que as grandes superfícies possam compensar suas perdas ou menores ganhos na venda de livros com a venda de outros artículos que não tem nada a ver com a cultura, e se impede aos livreiros que possam compensar suas perdas nos livros minoritários e de rotação lenta com as vendas de outros livros. 12. Quais podem ser as conseqüências de uma eventual ruptura ou abandono do sistema do preço fixo ou único dos livros? Em função de haver alguns precedentes, não é difícil prever quais seriam as conseqüências do abandono do preço fixo, conseqüências - por outra parte -facilmente dedutíveis de uma análise objetiva do problema, que pode ficar assim sintetizado : 1ª etapa • Redução dos preços de alguns livros de grande venda ou de consumo obrigado e aplicação de descontos nas grandes superfícies, com grande capacidade financeira. • Utilização dos preços dos livros de grande venda como reclamo, por parte das grandes superfícies, que podem compensar as perdas com outros artigos. • Impossibilidade dos livreiros para fazer o mesmo, por causa de seus custos e de sua menor capacidade financeira e porque precisamente somente podem compensar suas perdas nos livros de rotação lenta com os de grande venda ou de venda mais ou menos segura. 2ª etapa • Drástica redução das vendas no canal livreiro, expansão das vendas nas grandes superfícies, especialmente nos livros de grande venda (“best sellers”) ou de consumo obrigado (livros de texto). • Desaparecimento de livrarias e concentração da venda nas grandes lojas. 3ª etapa • Controle da demanda por parte das grandes superfícies, que impõem seus gostos e suas condições econômicas. • Redução da qualidade, da quantidade e da variedade da oferta editorial. • Forte redução das vendas totais. 4ª etapa • Desaparecimento de editoriais, especialmente das pequenas e médias e, por conseguinte, concentração do setor. • Busca e desenvolvimento exclusivamente da edição de “best sellers”. 5ª etapa • Uma vez controlado o mercado pelas grandes superfícies, supressão da redução de preços e dos descontos. • Aumento dos preços dos livros originalmente pela redução das tiragens. • Aumento dos preços de venda como conseqüência da concentração da oferta e para os baixos preços aplicados a alguns poucos livros.