Proc. nº 123/2012
Conflito negativo de competência
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Junho de 2012
Descritores:
-Conflito negativo de competência
-Reenvio
-Art. 418º, nº 2, do CPP
SUMÁ RIO:
Nos termos do art. 418º, nº2, do CPP, se o reenvio for de processo singular, o
novo julgamento compete ao tribunal colectivo, mas na sua composição
humana não pode intervir o juiz titular do processo que tiver intervindo no
julgamento anulado.
Proc. nº 123/2012
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
I- Vem suscitado o conflito negativo de competência entre o juiz titular do
Proc. nº CR4-11-0009-LCT, da 1ªinstância e o juiz substituto, a propósito de
intervenção em tribunal colectivo após reenvio do TSI.
*
Foram colhidos os vistos legais, após o parecer do digno Magistrado do MP,
que opinou no sentido intervenção do juiz substituto, a quem, portanto,
reconhece a necessária competência.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os factos
1- No juízo criminal do Tribunal Judicial de Base (Proc. nº CR4-11-0009LCT) estava acusado o arguido STDM, S.A., pela prática de cinco
contravenções laborais.
2- Foi lavrada sentença de 14/06/2011, que julgou improcedentes as cinco
contravenções.
3- Interposto recurso pelo digno magistrado do MP para o TSI, foi o mesmo
julgado provido e, em consequência, determinado o reenvio ao TJB para, por
erro notório da apreciação da prova, na parte referente à absolvição da STDM
em 4 contravenções.
4- O juiz titular do processo na 1ª instância determinou que o processo fosse
entregue ao seu substituto por ter intervindo no anterior julgamento.
5- Tal juiz substituto, porém, determinou que os autos voltassem ao juiz
titular, considerando que, nos termos do art. 418º do CPP, é o juiz do tribunal
singular quem deve intervir no novo julgamento.
***
III- O direito
Como equacionado, o problema deste conflito instala-se a propósito de quem
deve intervir no julgamento colectivo do processo de contravenção laboral: se
o juiz titular, isto é, aquele que lavrou a sentença primitiva, se o substituto
legal.
A questão gira, portanto, em redor do art. 418º do CPP, que estatui deste jeito:
Artigo 418.º
(Reenvio do processo para novo julgamento)
1. Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º, não for
possível decidir da causa, o tribunal a que o recurso se dirige determina o reenvio do processo
para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões
concretamente identificadas na decisão de reenvio.
2. Se o reenvio for de processo do tribunal singular, o novo julgamento compete ao tribunal
colectivo.
3. Se o reenvio for de processo do tribunal colectivo, o novo julgamento compete a tribunal
colectivo formado por juízes que não tenham intervindo na decisão recorrida.
Ora, tendo o primeiro julgamento sido efectuado no âmbito de um processo
de tribunal singular, dúvidas não há que o segundo julgamento tem que ser
feito por um tribunal colectivo (nº2). Diferente seria o caso, se o julgamento
anulado tivesse decorrido em tribunal colectivo, pois aí o novo julgamento
deveria verificar-se num tribunal com igual natureza colectiva (nº3).
Há, por conseguinte, como emerge da letra da lei, duas diferenças
substanciais entre aqueles incisos legais. Num caso, muda a natureza
quantitativa ou objectiva, se se quiser, do tribunal; no outro, mantém-se a
natureza objectiva, mas altera-se a sua composição subjectiva: nenhum dos
elementos que tenha intervindo no primeiro, poderá intervir no segundo.
Sob um certo ângulo puramente assente numa interpretação literal, pode
dizer-se que a lei só é restritiva no concerne à dimensão pessoal e humana
dos elementos que compõem a relação dinâmica estabelecida entre tribunal
colectivo tribunal colectivo. Consequentemente, se na relação existente na
dinâmica tribunal singular tribunal colectivo não existe tal restrição na
composição subjectiva, pareceria silogístico inferir que assim mesmo o teria
querido o legislador (cfr. art. 8º, nºs 2 e 3, do CC). E estaria descoberta desta
singela maneira a solução para o enigma e, pela mesma ordem de ideias,
encontrada a solução do conflito.
Mas, a essa interpretação pode contrapor-se a noção de que ela é incoerente e
ilógica.
Comecemos pelo ponto de vista puramente aritmético. Se dos três julgadores
do anterior colectivo nenhum (nem mesmo o titular do processo) pode
pessoalmente intervir no novo colectivo (nº3), não se percebe por que o
julgador singular há-de poder intervir nele, reduzindo para dois o número de
juízes novos no caso em o tribunal colectivo procede de tribunal singular
(nº2).
Por esta linha de pensamento, não se aceitaria a ideia que pode perpassar no
caso previsto no nº2 do art. 418º, do CPP, pois nessa hipótese, dos três juízes
que hão-de compor o tribunal colectivo, um deles poderia ser o mesmo que já
interveio no tribunal singular anterior. Aqui bastaria a regra da maioria (2 em
3), enquanto além seria a regra da unanimidade (3 em 3).
A esta noção puramente numérica, outra acresce que releva de uma
interpretação agora racional: a ideia de que o julgamento superveniente não
possa sofrer de nenhum tipo de contaminação ao nível da prova.
O espírito da lei é, deste ponto de vista, formar um novo “tribunal”. Está o
legislador a afastar qualquer um dos juízes anteriores, na medida em que isso
contribuirá para uma melhor, mais livre e esclarecida apreciação da prova,
sem a menor hipótese de influência do juízo efectuado pelos primitivos
julgadores e do seu compromisso intelectual com o caso, afastando dessa
maneira eventual reincidência do vício detectado no julgamento anulado. Um
pouco à semelhança do que sucede com o comando imperativo do art. 29º do
mesmo CPP1, ainda que os objectivos sejam distintos num caso e noutro.
Perante a aparente discrepância, não cremos que seja de aceitar a
interpretação puramente literal retirada do nº2. Na verdade, não faz nenhum
sentido que num caso possam intervir apenas dois novos juízes, enquanto
noutro se obrigue a presença de três novos juízes, se o objectivo subjacente
comum em ambos é aquele que acima definimos.
Portanto, razões de harmonia do sistema, de lógica e racionalidade das
soluções, apontam no sentido do impedimento do titular do processo e no da
necessária substituição pelo juiz substituto. O que quer dizer que, nos termos
1
Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que
tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido.
do art. 418º, nº2, do CPP, se o reenvio for de processo singular, o novo
julgamento compete ao tribunal colectivo, mas na sua composição humana
não pode intervir o juiz titular do processo que tiver intervindo no julgamento
anulado.
***
IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conferir ao juiz substituto a competência
para intervir na formação do tribunal colectivo.
Sem custas.
TSI, 28 / 06 / 2012
_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)
_________________________
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Download

Proc. nº 123/2012 Conflito negativo de competência Relator