Microfinanças para Arranjos e Sistemas de MPME – NT1.12 João Pedro Wagner de Azevedo Outubro, 2001 Coordenação do Projeto: Universidade Federal do Rio de Janeiro Helena M. M. Lastres, José Eduardo Cassiolato, Marina Szapiro, Sarita Albagli, Liz-Rejane Legey e Cristina Lemos Apoio Financeiro ocais vativos L o n I e s o iv .ufrj.br/rede as Produt e .i m w e t w is w S e Rede d Microfinanças para Arranjos e Sistemas Produtivos de Micro e Pequenas Empresas João Pedro Wagner de Azevedo1 1 - Introdução: De um modo geral, as análises a respeito das mudanças no mercado de trabalho brasileiro ao longo da década de 90 reforçam a importância das micro e pequenas empresas (MPE) como geradoras de emprego. A importâncias das MPE pode ser evidenciada ao se observar a crescente importância deste segmento no total dos postos de trabalhos criados todos os anos (ver tabela 1). Tabela 1 - Participação dos tipos de estabelecimento no total dos postos de trabalho criados por ano (%): Número de empregados 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Micro (0 a 9) 15,60 16,58 16,58 16,64 16,64 18,60 19,20 20,40 21,00 21,90 Pequena (10 a 99) 28,70 28,40 28,40 27,90 27,90 29,20 29,20 29,60 29,50 29,30 Médias (100 a 499) 23,39 22,82 22,82 22,54 22,54 22,00 21,80 21,60 21,10 20,30 Grandes (500 ou mais) 32,31 32,20 32,20 32,92 32,92 30,20 29,90 28,30 28,40 28,50 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: RAIS – Relação Anual de Informações Sociais A crescente importância das MPE na geração de emprego na década de 90 trouxe à tona um outro significativo aspecto da mudança no mercado de trabalho, qual seja, a diminuição da qualidade dos postos de trabalho criados no período. De fato, observa-se que as MPE, detentoras de participação crescente na geração de emprego no país, são os estabelecimentos onde se concentram grande parte da proporção dos trabalhadores sem carteira de trabalho assinada e por conta própria sobre o total da população ocupada2. O gráfico I mostra em que medida o mercado de trabalho das regiões metropolitanas brasileiras passaram por uma profunda alteração. Enquanto os empregados com carteira de trabalho assinada vêem a sua participação diminuída em dez pontos percentuais ao longo da década, os empregados conta-própria e sem carteira vêem a sua participação subindo de 40% para 50%. Vale destacar que a maior parte da força de trabalho empregada como conta-própria ou sem carteira está tradicionalmente associada às MPE. 1 2 Mestre pelo Instituto de Economia da UFF, 2001. Mezerra, 1997. 2 Gráfico I - Posição na ocupação da população ocupada de 15 anos e mais nas principais regiões metropolitanas do Brasil - Jan/91 – Mai/01( %): 60 55 50 45 40 ja n/ 91 ab r/9 1 ju l/9 1 ou t/9 1 ja n/ 92 ab r/9 2 ju l/9 2 ou t/9 2 ja n/ 93 ab r/9 3 ju l/9 3 ou t/9 3 ja n/ 94 ab r/9 4 ju l/9 4 ou t/9 4 ja n/ 95 ab r/9 5 ju l/9 5 ou t/9 5 ja n/ 96 ab r/9 6 ju l/9 6 ou t/9 6 ja n/ 97 ab r/9 7 ju l/9 7 ou t/9 7 ja n/ 98 ab r/9 8 ju l/9 8 ou t/9 8 ja n/ 99 ab r/9 9 ju l/9 9 ou t/9 9 ja n/ 00 ab r/0 0 ju l/0 0 ou t/0 0 ja n/ 01 ab r/0 1 35 Empregados com carteira assinada Conta-própria + sem carteira Fonte: PME/IBGE Esta diminuição da qualidade dos novos postos de trabalho pode ser observada através de diversos indicadores, como a ausência de redes de proteção social, remunerações mais baixas, maior rotatividade, menor durabilidade média do negócio, entre outros. Recentemente, em um estudo sobre a taxa de mortalidade das empresas brasileiras3, observou-se que, embora as MPE venham ganhando participação na geração de postos de trabalho, isto se dá às custas também de elevada taxa de mortalidade destas empresas. Caracteriza-se assim a elevada instabilidade e baixa durabilidade dos postos de trabalho criados por este segmento de empresas. Outro fator que evidencia a baixa qualidade dos postos de trabalho criados pelas MPE são os baixos salários pagos no segmento das microempresas, em particular quando incluímos neste grupo os profissionais autônomos e informais urbanos4. Estudos sobre as MPE latino-americanas5 mostram que os baixos salários das MPE podem ser explicados pela tecnologia empregada nesse segmento, dado que os proprietários e empregados destes estabelecimentos vêem-se muitas vezes forçados a aceitar baixos salários para com isso reduzir os custos, compensando assim a sua inferioridade tecnológica frente a seus competidores. Uma das possíveis explicações para a defasagem tecnológica das MPE e conseqüente baixa qualidade dos postos de trabalho por elas criados é a sua escassez de capital. Tal característica assume expressiva importância por reforçar as propriedades já descritas das MPE num sentido mais geral, como também por determinar outros traços relevantes. Isto porque a falta de recursos financeiros força as referidas empresas a: (i) utilizar equipamentos mais defasados (o que muitas vezes exige escalas de produção mais elevadas, em função dos problemas de indivisibilidades) determinando pois custos maiores; e (ii) contratar mão de obra menos qualificada, determinando 3 Najberg et al, 2000 Ferreira et al, 2000 5 Tokman in Mezerra (1997) 4 3 assim produtos de qualidade extremamente baixos, gerando grandes desperdícios no processo produtivo e, assim, dificultando ainda mais o acesso de seus produtos a outros mercados. 2 - Crédito e as MPE Um dos caminhos naturais para amenizar a escassez de capital que tanto afeta as MPE é o crédito – uma das mais fundamentais formas de intermediação financeira. As operações de crédito tradicionais se caracterizam por serem transações feitas de forma individualizada, onde de cada operação resultam obrigações que são, em princípio, intransferíveis ou não-negociáveis6. Tal relação se dá porque os contratos tendem a ser desenhados de modo a satisfazer às demandas específicas dos tomadores e dos “emprestadores” em termos de taxas de juros, prazos, garantias e outras disposições relevantes para as partes. Esta transferência habilita o beneficiário a implementar planos de gastos que seriam inviáveis em qualquer outra circunstância. No bojo desta relação de crédito, constata-se que a mesma característica que limita o desenvolvimento, em especial, das microempresas – isto é, a escassez de capital - exclui estas do mercado de crédito formal. Isso ocorre porque a grande maioria desses estabelecimentos não tem a capacidade de oferecer garantias reais – ou um colateral7 – para um empréstimo no setor financeiro formal. As operações de crédito que não exigem colaterais são tradicionalmente associadas ao mercado de crédito informal (i.e. agiotas, família e amigos). Neste caso, a operacionalização do crédito se dá pela grande proximidade entre o tomador e o emprestador e pela facilidade desse último de obter rapidamente e a um baixo custo informações sobre o risco de inadimplência8. A ausência de colateral pode também explicar as elevadas taxas de juros cobradas pelos agiotas. Dado que este mercado de crédito informal se apresenta bastante insatisfatório para a consolidação maciça de operações creditícias paras as MPE, vem crescendo o interesse em formas alternativas de inclusão destes estabelecimentos, sobretudo as microempresas, no mercado de crédito. Apesar desta preocupação não ser nova, nem tampouco original9, foi somente nos últimos vinte anos que se deram o surgimento e o desenvolvimento de iniciativas mais sistematizadas de metodologias para oferecer serviços e produtos financeiros em larga escala e de maneira sustentável, especificamente desenhados para a população de baixa renda. Inicialmente as microfinanças estavam localizadas na Ásia, mas logo foram replicadas e adaptadas para outras regiões do planeta, como África, América Latina, Europa e Norte América. Em função do sucesso destas iniciativas, as políticas de microfinanças vêm ganhando destaque dentro do universo das políticas possíveis para superar alguns dos desafios impostos às MPE. 6 Mais recentemente as operações de securitização tem flexibilizado essa característica (para detalhes ver resolução n° 2.493 de 7 de maio de 1998 do Conselho Monetário Nacional) 7 O colateral nada mais é do que uma garantia, na maioria das vezes física, apresentada pelo tomador do empréstimo para o seu credor. No caso de inadimplência o credor tem o direito de utilizar o ativo apresentado como garantia para saldar o restante ou parte da dívida. 8 Timberg e Aiyar in Balkenhol e Schütte, 1996. 9 Já no século XIX encontram-se registros de diversas instituições sem fins lucrativos que disponibilizavam empréstimos para pequenos e microeempreendedores. Essas operações permitia que esses indivíduos ampliassem o seus ativos e com isso diminuíssem o seu grau de vulnerabilidade diante de adversidades. Essas instituições chegaram a disponibilizar empréstimos para cerca de 20% dos domicílios de países como a Irlanda, e mantiveram-se por mais de cem anos sem subsídios significantes do governo. (Hollis e Sweetman ,1997) 4 Neste sentido, as microfinanças podem ser entendidas, de uma forma geral, como um instrumento capaz de solucionar o problema da escassez de capital não somente de indivíduos e domicílios, mas sobretudo de seus estabelecimentos. 3 - Microfinanças: principais conceitos e definições As instituições de microfinanças oferecem produtos como o microcrédito, a micropoupança e o microseguro, além de muitos outros serviços financeiros desenhados especialmente para atender, de maneira sustentável, os micro e pequenos empreendedores. Essas instituições atendem majoritariamente os estabelecimentos que operam em pequena escala, especialmente os geridos por indivíduos pobres, não atendidos, na maioria das vezes, pelo setor financeiro convencional. No biênio 1995/1996, o Banco Mundial conduziu um inventário mundial de instituições de microfinanças10. A lista final era composta por mais de mil instituições que forneciam serviços de microfinanças há pelo menos três anos, e atendiam pelo menos mil clientes cada uma. Deste inventário, mais de duzentas instituições responderam um pequeno questionário sobre características institucionais básicas. Com os resultados da pesquisa concluiu-se que até setembro de 1995 cerca de US$ 7 bilhões de dólares haviam sido emprestados para mais de 13 milhões de indivíduos ou grupos através das instituições de microfinanças em todo o mundo. Além disso, mais de US$ 19 bilhões foram mobilizados sob a forma de poupança, em cerca de 45 milhões de contas correntes ativas destas mesmas instituições11. As instituições de microfinanças (IMF) são geralmente instituições financeiras formais, como bancos ou cooperativas de crédito; ou instituições financeiras semi-formais, como organizações não governamentais (ONG). No caso brasileiro, em particular, as instituições de microfinanças recebem o título de Sociedade de Crédito ao Microempreendedor (SCM) ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Além destas, alguns bancos públicos brasileiros operam linhas de microcrédito, como o programa Crediamigo do Banco do Nordeste12. Além de serviços financeiros, as IMF prestam também serviços de intermediação social como fortalecimento do tecido social, desenvolvimento de auto-confiança, treinamento em “alfabetização financeira” e habilidade gerencial para seus clientes13. Estas instituições exercem um significativo papel para a constituição e ampliação do chamado capital social dos indivíduos e das comunidades nas quais operam. Normalmente os clientes desses serviços são micro e pequenos empresários urbanos, em particular o microempreendedor formal e informal: pequenos comerciantes; camelôs; provedores de pequenos serviços (tais como cabeleireiro e manicures); artesãos e pequenos produtores em geral, que têm nessas atividades uma fonte estável de emprego e renda. Dentre algumas das principais características das operações de microfinanças destacam-se: (a) empréstimos pequenos14, geralmente para capital de giro; (b) a possibilidade dos clientes constituírem poupanças; (c) a não exigência de constituição jurídica por parte do cliente; (d) o acesso a novos empréstimos e com um limite cada vez maior, baseado na performance de 10 Paxton (1996). Paxton (1996). 12 Para mais detalhes sobre as instituições de microfinanças no Brasil ver Fontes et alli, 2000. 13 Para maores detalhes a respeito do papel das microfinanças neste sentido ver Edgcomb e Barton (1998) 14 Atualmente no Brasil, os IMF operam com o limite máximo de 5 mil reais. 11 5 pagamento (incentivos dinâmicos); e, por fim, (e) o uso de colaterais substitutos, como garantias solidárias ou poupanças compulsórias. BOX 1 - Porque as Microfinanças estão crescendo? • A possibilidade de incluir os excluídos. • A utilização de colaterais substitutos permite que empreendedores alijados do sistema financeiro convencional consigam acessar estes serviços. • A possibilidade de sustentabilidade financeira da operação. • As microfinanças podem contribuir para a construção de instituições locais, financeiramente auto-sustentáveis. • O reconhecimento da necessidade de expandir o sistema financeiro existente. • As microfinanças podem ampliar o sistema financeiro existente, como cooperativas de crédito e poupança, bancos comerciais e instituições financeiras públicas, através da expansão dos seus nichos de atuação. O crescente número de casos de sucesso, nos mais diferentes contextos econômicos, culturais e sociais. • Existe um crescente número de casos bem sucedidos de inovações financeiras ligadas às microfinanças em uma enorme diversidade de contextos socioculturais – Bangladesh rural, Bolívia urbana, Mali rural, etc... FONTE: LEDGERWOOD (1998) 3.1 - Principais Agentes Envolvidos no Fornecimento de Microfinanças: O florescimento e o fortalecimento da oferta de serviços e produtos de microfinanças são conseqüências da interação de um conjunto de agentes, entre eles: as instituições de microfinanças, as instituições de financiamento e as instituições de regulação e certificação. Uma revisão da experiência internacional permite identificar IMF bem sucedidas, controladas tanto pelo setor privado, quanto pelo público. Um bom exemplo de instituição de microfinanças governamental bem sucedida é o Banco Rakyat na Indonésia. No caso das instituições privadas alguns dos principais exemplos são o Banco Grameen em Balgadesh e o Banco Sol na Bolívia. 6 Box 2: Banco Rakyat Indonésia O Banco Rakyat é um banco estatal que, até 1983, implementava os programas de crédito subsidiado para os produtores de arroz na Indonésia. Em 1984 foi criada uma nova área de negócio no banco chamada de unity desa. O unity desa é uma rede nacional de pequenas agências espalhadas por todo o país. O objetivo original era substituir o crédito direcionado à agricultura por um produto mais abrangente que pudesse ser demandado para qualquer tipo de atividade econômica na área rural. Um outro importante objetivo do programa era substituir o crédito subsidiado por um produto que permitisse um spread suficiente para cobrir todos os custos financeiros e operacionais. Por último, a proposta original incluía também a criação de um conjunto de serviços financeiros (crédito, poupança e depósitos) para a população rural da Indonésia. Todos estes objetivos foram alcançados em apenas alguns anos, e hoje este sistema é considerado um grande sucesso, em particular na sua capacidade de mobilizar poupanças. Embora o unity desa seja parte do Banco Rakyat Indonésia, este é operado como uma área de negócios separada, e a sua gerência possui total liberdade para determinar a taxa de juros a ser cobrada assim como todas as outras políticas operacionais. A gerência possui ainda uma grande autonomia e total responsabilidade pela performance do unity desa. Essa responsabilidade é transferida para cada uma das unidades do sistema, fazendo com que cada agência seja totalmente responsável pelas suas decisões de empréstimo e lucros. Incentivos monetários ao corpo técnico e a perspectiva de promoções reforçam as responsabilidades individuais. Fonte: Hulme e Mosley (1996) As organizações não governamentais (ONGs) operadas localmente constituem a maior parte das instituições de microfinanças do setor privado. Essas ONGs contam com apoio de doadores e de outras ONGs internacionais que oferecem assistência técnica ou financiamento, em particular na fase de emergência dessas organizações. Algumas das instituições privadas de microfinanças ainda subsidiam os seus serviços; outras conseguiram criar operações auto-sustentáveis e dependem menos de doadores externos de recursos. Poucas, no entanto, estão começando a acessar fundos através de bancos comerciais e do mercado financeiro internacional. Além das ONGs, instituições financeiras bancárias e não bancárias também vêm oferecendo serviços financeiros especialmente criados para os microempresários. Outro conjunto de atores muito importantes no cenário das microfinanças são as instituições de financiamento. Virtualmente todas as instituições de promoção do desenvolvimento, incluindo as locais, bilaterais, multilaterais, governamentais e ONGs internacionais, dão apoio, de alguma forma, a atividades de microfinanças, provendo um ou mais dos seguintes serviços: (a) financiamento para constituição de capacidade institucional; (b) financiamento para cobrir déficits operacionais; (c) financiamento para empréstimos de capital e juros; (d) empréstimos preferenciais para financiar as operações da instituição; (e) linhas de crédito; (f) garantias para fundos comerciais e (g) assistência técnica. Tendo em vista que a maior parte das IMF não recolhe depósitos e poupanças e não é suficientemente conhecida para acessar os fundos comerciais, as instituições de financiamento são as principais fontes de liquidez para as atividades de microfinanças. A abordagem destes agentes em relação às microfinanças e aos pré-requisitos por eles determinados para que as IMF possam acessar o seu financiamento afeta enormemente os rumos das microfinanças. 7 Mais recentemente, grande parte dos doadores deixou de subsidiar diretamente as operações das IMF e passou a agir mais ativamente na área de constituição da capacidade institucional e nos empréstimos de capital. Na prática porém existe uma grande variedade de instituições doadoras, o que permite que uma mesma operadora de microfinanças trabalhe com mais de um doador, desde que estejam desenvolvendo produtos separados para atender às exigências de cada um deles. Embora seja verdade que os doadores deveriam evitar duplicar e contradizer seus respectivos esforços, é muito difícil garantir que estes o façam e criem estratégias perfeitamente consistentes baseadas na segmentação de mercado e nas suas vantagens comparativas. O terceiro e último agente fundamental para o surgimento, funcionamento e fortalecimento das microfinanças são os agentes reguladores e de certificação. Estes agentes ganham cada vez mais importância na medida que as instituições de microfinanças enfrentam maiores dificuldades para captar recursos. Essas dificuldades fazem como que as IMF tenham que recorrer a recursos de terceiros, que muitas vezes exigem que estas sejam reguladas por algum órgão externo, ou que recebam algum tipo de certificação (ratting) sobre o risco da sua carteira de ativos. Figura 2 - Principais atores nas Microfinanças: Legislação Controle Ratting Agentes de Financiamento Agentes de Regulação e Certificação Doações Mercado de capital Empréstimos Fundos de Aval Operadoras de Microfinanças ONG OSCIP SCM Cooperativas de Credito Bancos Comerciais (Públicos e Privados) Clientes Individuais Intermediação financeira Intermediação social Capacitação empresarial Serviços sociais O f e r t a D e m a n d a Clientes em grupos 8 3.2 - Tipos de IMF A oferta de serviços de microfinanças para clientes marginalizados é um processo complexo que exige distintas habilidades e funções. Muitas vezes este quadro exige a ação de mais de uma instituição. Considerar as microfinanças como um conjunto de instituições que formam um sistema de apoio financeiro para clientes marginalizados possibilita que cada instituição se especialize no que faz de melhor. Ao invés de forçar que bancos comerciais se transformem em ONGs preocupadas com intermediação social, empoderamento e participação ao invés de pressionar as ONG para que estas se transformem em bancos que devem ser lucrativos, a visão sistêmica abre espaço para a construção de parcerias entre estes diferentes atores. Cada um faz aquilo em que possui maior competência, buscando a sua própria missão corporativa enquanto combina as diferentes habilidades que irão prover um duradouro sistema de serviços financeiros para os micro e pequenos empreendedores. Além disso, uma visão sistêmica permite melhorar a discussão sobre o papel e a localização dos subsídios, à medida que o importante passa a ser a sustentabilidade do sistema e não mais o de uma instituição isolada. Dentro de um sistema de microfinanças, existem quatro grandes grupos de serviços que podem ser oferecidos: (a) intermediação financeira, ou a oferta de serviços e produtos financeiros como poupança, crédito, seguro, cartões de crédito e um sistema de pagamentos; (b) intermediação social, ou o processo de construção do capital humano e social requerido para uma intermediação financeira sustentável; (c) serviços de desenvolvimento de negócios, ou serviços não financeiros para melhorar o negócio dos empreendedores. Estes incluem treinamento em gestão, marketing e tecnologia, desenvolvimento das habilidades e análise de mercado; e (d) serviços sociais, ou serviços não financeiros para melhorar o bem estar do empreendedor. Neste grupo se encontram os treinamentos nas áreas de saúde, educação, nutrição e alfabetização. O grau em que uma única instituição de microfinanças provê cada um destes serviços depende da sua forma, ou seja, se esta tem uma abordagem “minimalista” ou “integrada”. Além da oferta de serviços financeiros, uma IMF pode também oferecer outros serviços que possibilitem melhorar a habilidade dos seus clientes em utilizar seus serviços financeiros. As IMF chamadas de minimalistas normalmente oferecem apenas intermediação financeira, mas podem ocasionalmente oferecer alguns serviços de intermediação social. Os minimalistas baseiam a sua abordagem na premissa de que existe apenas uma única peça faltando para o crescimento dos empreendimentos de baixa renda que ela é capaz de oferecer: a falta de crédito de curto prazo a preços acessíveis. Embora outras peças possam continuar faltando, a IMF reconhece a sua vantagem comparativa apenas na intermediação financeira. Neste caso, supõe-se que outras instituições irão prover os demais serviços demandados pelo seu público alvo. Esta abordagem garante um custo operacional menor para as IMF e permite que elas mantenham um alvo claro e objetivo, uma vez que se encarregam de desenvolver e oferecer um único serviço aos seus clientes. As IMFs integradas têm uma visão mais holística sobre o seu cliente. Oferecem uma combinação ou um leque de serviços que vão da intermediação financeira até o serviço social, passando pela intermediação social e pelo desenvolvimento de negócios. Embora estas instituições possam não oferecer serviços em todos os quatro grupos acima mencionados, comumente aproveitam a sua 9 proximidade com o cliente para, baseadas nos seus objetivos, oferecer os serviços que elas identificam como sendo os mais essenciais e nos quais têm maior vantagem comparativa. Muitas vezes, uma IMF escolhe uma abordagem minimalista ou integrada, dependendo dos objetivos e das circunstâncias da oferta e da demanda na qual opera. Ao escolher uma abordagem mais integrada, a instituição de microfinanças deve tomar cuidado com os seguintes problemas em potencial: (a) serviços financeiros e não financeiros são duas atividades distintas, que podem gerar objetivos conflitantes; (b) IMFs que oferecem muitos serviços podem ter dificuldades para identificar e controlar os custos das suas operações; e (c) serviços não financeiros são dificilmente sustentáveis. Figura 3 – Tipos de Abordagens Institucionais Abordagem Integrada Serviços financeiros e não financeiros Abordagem Minimalista Serviços financeiros Exemplos: BancoSol (Bolivia) ADEMI (Rep. Dom.) BKK (Indonésia) RioCred (Brasil) Intermediação Financeira Crédito para capital de giro Crédito para investimentos Poupança Seguros Exemplos: Grameen (Bangladesh) SEWA (Índia) Crediamigo (Brasil) Intermediação Social Formação de grupos Capacitação de lideranças Aprendizado cooperativo Capacitação empresarial Marketing Capacitação em gestão Capacitação técnica Análise setorial Serviços Sociais Educação continuada Saúde e Nutrição Alfabetização 10 3.3 - Produtos e Serviços Oferecidos pelas IMF Minimalistas e Integradas: O papel principal das IMFs é o de atuarem como agentes de intermediação financeira, ou seja, na transferência de capital ou liquidez daqueles que os têm em excesso, em um determinado momento do tempo, para aqueles que deles necessitam, no mesmo momento do tempo. Embora virtualmente todas as IMFs ofereçam crédito, algumas também oferecem alguns outros serviços financeiros, incluindo poupança, seguros, cartões de crédito e transferências de pagamentos. Os empréstimos são geralmente feitos para propósitos produtivos – isto é, que possam gerar aumento da receita do negócio. No entanto, algumas IMFs oferecem também empréstimos para consumo, habitação e situações emergenciais. Embora muitas IMFs insistam que elas só devam oferecer empréstimos produtivos, qualquer empréstimo que aumente a liquidez do domicílio diminui a pressão sobre a renda gerada no negócio, o que por sua vez possibilita o seu melhor gerenciamento e conseqüente potencial de sustentabilidade. Os métodos de empréstimos empregados pelas IMF podem ser divididos em duas amplas categorias: a abordagem individual ou em grupo. Os empréstimos individuais são entregues a indivíduos com base na sua habilidade de garantir à IMF a possibilidade de pagamento com algum nível de segurança. Na abordagem de grupos, os empréstimos são feitos ou para indivíduos que pertençam a grupos que garantam o empréstimo ou para grupos que subdividam o empréstimo entre os seus membros. Diversas IMFs desenvolveram modelos eficientes para atender a seus clientes individualmente. Estes modelos combinam características das operações de crédito das instituições financeiras formais com as das instituições financeiras informais, como os agiotas, por exemplo. As instituições financeiras formais baseiam seus empréstimos nas características do cliente e do negócio, incluindo fluxo de caixa, capacidade de endividamento, histórico financeiro e colateral. O setor formal também freqüentemente utiliza a figura do fiador como uma garantia do empréstimo. As instituições deste setor possuem uma visão comercial da operação de crédito e ressaltam a importância de se obter um retorno na operação, que possibilite recuperar os custos de operação dos empréstimos. Por último, estas instituições operam dentro de um sistema regulado, com salvaguardas que visam proteger a poupança dos seus clientes e a credibilidade das próprias instituições. As práticas de empréstimos do setor formal, no entanto, raramente se adequam à realidade das microfinanças, na medida que muitos destes empreendimentos não possuem muitos ativos ou um sistema contábil suficientemente organizado para apresentar ao setor financeiro formal. Ao invés de um sistema complexo de análise estatística e garantias, os empréstimos no setor informal são aprovados com base no conhecimento pessoal do tomador e na utilização de fontes informais de colateral. A experiência mostra a importância de se reagir rapidamente às necessidades dos tomadores, com a menor burocracia possível, pois a lição mais importante advinda deste modelo é o fato de que os pobres pagam as suas dívidas e que são capazes de pagar taxas de juros relativamente altas. No entanto, os empréstimos junto a agiotas freqüentemente não são tomados com propósitos produtivos mas para situações emergenciais e para a suavização do consumo. Além disso, estes empréstimos possuem prazos muito curtos. 11 Assim, o modelo de empréstimo individual utilizado por diversas IMFs visa combinar aspectos de ambos os modelos acima apresentados, tendo como algumas de suas principais características finais as seguintes: (a) a garantia do empréstimo – feita por alguma forma de colateral substituto ou pela figura de um fiador; (b) a seleção de clientes em potencial – feita pela análise do histórico de crédito e referência sobre o caráter do cliente; (c) o tamanho do empréstimo e o seu prazo de pagamento – desenhados de acordo com as necessidades dos clientes; (d) a renovação do empréstimo – feita pela permissão do aumento do valor do empréstimo e alargamento dos prazos; e, (e) o staff da instituição – responsável pela realização de um grande esforço para se aproximar dos clientes, de modo que cada cliente representa um significativo investimento de tempo e energia da instituição. Empréstimos individualizados exigem um contato freqüente e próximo com os clientes, sendo mais utilizados em áreas urbanas onde o acesso dos clientes é mais fácil. Tendo em vista que um agente de crédito tem que passar um período de tempo relativamente longo com cada cliente individualmente, ele geralmente atende entre 60 e 140 clientes. A Associação para o Desenvolvimento da Microempresa na República Dominicana (ADEMI) é um bom exemplo deste tipo de instituição. Box 3:Associação para o Desenvolvimento de Microempresas (ADEMI) A associação para o desenvolvimento de microempresas (ADEMI) desenvolveu uma eficiente metodologia de empréstimo para atender às necessidades de clientes urbanos de baixa renda na República Dominicana. Em de junho de 1997 esta organização contava com 25 sucursais atendendo a mais de 16.300 clientes. Seus ativos totalizavam US$ 43 milhões e o portfólio era de US$ 17 milhões. A ADEMI já serviu mais de 40 mil micro e pequenas empresas ao longo dos últimos 15 anos e teve um impacto direto na criação de mais de 200.000 proprietários e empregados de MPE. Objetivos: Criar emprego e oferecer serviços financeiros sustentáveis. Clientes alvo: Microempreendedores já estabelecidos com pelo menos um ano de experiência e o potencial de criar novos empregos. Os clientes devem ter mais de 18 anos, mostrar iniciativas e ter um mínimo de aptidão para negócios a fim de assegurar o seu sucesso e crescimento. Serviços: Empréstimos para capital de giro ou aquisição de máquinas e equipamentos (ativos fixos); ADEMI MasterCard; empréstimos para melhoria da residência e alguns serviços de poupança. A ADEMI não oferece empréstimos para consumo. Método: Empréstimos individuais; nenhum tipo de colateral é exigido, embora a ADEMI encoraje o uso de fiadores e irá retomar as máquinas e equipamentos ou outros ativos caso o cliente deixe de pagar sua dívida. Todos os tomadores assinam um contrato e notas promissórias, declarando a sua obrigação de repagar o empréstimo no período acordado. Os períodos variam entre 10 e 34 meses; os pagamentos são mensais; o empréstimo médio varia entre US$ 1.000,00 e US$ 10.000,00 para as microempresas; e a taxa de juros varia entre 2,2% e 3,0% ao mês. . Fonte: Benjamim e Ledgerwood, 1998 Os empréstimos para grupos envolvem a constituição de um grupo de indivíduos que possuam o interesse comum de acessar serviços financeiros. Essa abordagem tem como uma das suas referências o modelo de consórcios de crédito, muito praticado em países em desenvolvimento. 12 Alguns modelos de grupos de empréstimos mais conhecidos são o do Banco Grameen em Bangladesh e dos empréstimos solidários difundidos pela ONG ACCION Internacional. No caso destes modelos, os grupos de crédito são relativamente pequenos, variando de 5 e 10 integrantes e os empréstimos são feitos individualmente com o aval dos demais membros do grupo (aval solidário). A mobilização de poupança por IMF sempre foi um assunto controverso. No entanto, nos últimos anos este tema vem merecendo crescente atenção do mundo todo na medida em que um grande número de IMFs tem se mostrado capaz de realizá-lo. O Inventário de Instituições de Microfinanças do Banco Mundial encontrou uma correlação positiva entre a mobilização de poupança e o crescimento do produto nacional bruto per capta do países; e uma correlação negativa com a taxa de inflação. O que revela que o crescimento desta modalidade de intermediação financeira depende fortemente do ambiente macroeconômico do país. Os serviços de mobilização de poupança são de duas naturezas completamente distintas: compulsórios e voluntários. A mobilização compulsória de poupança funciona como uma espécie de seguro exigido pela IMF para liberar o empréstimo do seu cliente. Normalmente este recurso não pode ser utilizado pelo cliente enquanto sua dívida anterior não tiver sido quitada, ou enquanto o cliente for um membro da IMF. Mais recentemente, as IMF começaram a flexibilizar algumas das restrições impostas à poupança compulsória. A mobilização voluntária de poupança não é, como o próprio nome sugere, uma prática vinculada a nenhum outro serviço oferecido pela IMF. Este produto é oferecido a qualquer indivíduo, esteja ele tomando ou não recursos emprestados na IMF. A taxa de juros paga varia, caso a caso, podendo ser um pouco abaixo do mercado ou até um pouco acima daquelas oferecidas pelas instituições financeiras formais. Este produto tem duas principais vantagens: cria uma forma alternativa para suavização do consumo dos clientes; e oferece uma fonte alternativa e estável de fundos para as IMFs. Nem sempre a mobilização de poupança pode ser uma atividade viável ou até mesmo desejável do ponto de vista da IMF. As complexidades e custos administrativos associados a estas operações, especialmente quando as contas apresentam valores médios muito baixos, podem torná-los proibitivos. As IMFs também podem vir a enfrentar dificuldades para atender às regulações prudenciais impostas às instituições mobilizadoras de depósitos pelas autoridades monetárias. Isso não impede no entanto, que as IMF operem com instituições parceiras, que já tenham mais experiência em mobilização de poupanças. Mais recentemente diversas IMFs começam a experimentar outros produtos e serviços financeiros como seguros, cartões de crédito e transferências de pagamentos. Diversos programas de grupos de crédito oferecem esquemas de seguro ou garantia. Um exemplo típico é o Banco Grameen. Esta instituição exige que cada membro contribua com 1% do valor do seu empréstimo para um fundo de seguro. No caso de morte do cliente, esse fundo é usado para pagar o empréstimo e prover a família do cliente com os recursos necessários à realização do funeral. 13 O seguro é um ramo que certamente irá crescer nos próximos anos entre as IMF, tendo em vista a enorme demanda de seus clientes por seguros de saúde, morte ou perda de ativos. A SelfEmployed Women’s Association (SEWA) é um famoso exemplo neste sentido. Entre outros grupos de serviços de intermediação financeira oferecida pelas IMF estão o cartão de crédito e os cartões inteligentes. Os cartões de crédito permitem que os clientes das IMF acessem linhas de crédito automáticas, quando e se eles precisarem. Além disto, esses cartões podem operar como cartões de débito se o cliente estiver acessando recursos por eles já poupados ou depositados na IMF, diminuindo assim o custo de transação do cliente por serviços financeiros. O cartão de crédito é uma vantagem tanto para o cliente quanto para a IMF na medida em que: (a) minimiza custos administrativos e operacionais; (b) possibilita operações automáticas e (c) dota o cliente de uma fonte de liquidez alternativa, que pode auxiliá-lo a administrar seu fluxo de caixa segundo suas necessidades. Um exemplo de instituição de vem oferecendo este serviço de maneira bem sucedida é a ADEMI na República Dominicana. Uma outra tecnologia que vem sendo empregada por algumas IMFs é a dos cartões inteligentes. Estes cartões são semelhantes aos cartões de crédito, só que contam com um chip de memória instalado no seu interior. Este chip contém informações sobre a linha de crédito disponível para o cliente em uma determinada IMF. O Banco Swazi, em Swaziland, na África, começou a utilizar esta tecnologia de maneira bem sucedida em meados da década de 90. Além deste, o Banco Swayam Krishi Sangam (SKS), em Andrah Pradesh, e o banco PRODEM na Bolívia também vem empregado, com sucesso, os cartões inteligentes. Um outro serviço oferecido pelas IMFs é a possibilidade de realizar pagamentos e transferência de recursos financeiros. Neste caso uma taxa administrativa é geralmente cobrada, a fim de garantir a sustentabilidade da operação. Para oferecer estes serviços, as IMFs precisam ter uma grande capilaridade ou parcerias com um ou mais bancos comerciais ou com outras IMF. Conforme já mencionado anteriormente, as IMFs, em particular aquelas que têm uma postura mais integrada, não restringem suas operações aos serviços de intermediação financeira, oferecendo também serviços não financeiros, como intermediação social, capacitação técnica para a atividade produtiva e serviços sociais. Vale notar que um grupo considerável de IMF minimalistas tem incorporado em suas operações algumas atividades de intermediação social. Na maioria das vezes, as experiências bem sucedidas de intermediação financeira direcionadas para as camadas da população excluídas do sistema financeiro formal vêm acompanhadas por serviços de intermediação social. Evidências mostram que é mais fácil estabelecer um sistema de intermediação financeira sustentável para população de baixa renda em sociedades que encorajam esforços cooperativos através de clubes, associações religiosas ou grupos de trabalho – em outras palavras, sociedades com elevado nível de capital social. Mais do que qualquer outra transação econômica, a intermediação financeira é fortalecida pelo capital social, isto porque esta transação depende da confiança entre credor e tomador. Em locais onde nem a cultura nem as instituições existentes provêm uma base para essa confiança, será muito mais difícil observar o florescimento de um sistema de intermediação financeira. 14 Assim sendo, a intermediação social pode ser compreendida como o processo de constituição do capital social e humano necessário a uma intermediação financeira sustentável para as populações de baixa renda. Existe um grande leque de estratégias adotadas pelas IMFs para auxiliar o desenvolvimento e o fortalecimento do capital social. Algumas IMF investem no fortalecimento da coesão dos grupos com os quais trabalham, assegurando que seus membros irão continuar a usufruir do aval dos demais membros do grupo para seus empréstimos, e mostrando-lhes que estes podem se beneficiar de inúmeras outras formas desta interação. Outras IMFs que operam com produtos individualizados, promovem cursos que fornecem uma base mínima em contabilidade e gerência financeira e visam aumentar o grau de confiança dos seus clientes ao lidarem com a gerncia de seus respectivos negócios. Os serviços de intermediação social podem ser fornecidos pela IMF^s ou por alguma outra organização que tenha como objetivo aproximar clientes de baixa renda do sistema financeiro. Um outro tipo de serviço não financeiro oferecido pelas IMFs, ou pelo sistema de instituições do qual ela faz parte, refere-se aos programas de desenvolvimento do empreendimento. Quando esses serviços não são diretamente oferecidos pela IMFs, supõem-se que existam outras instituições públicas ou privadas capazes de fornecê-los, dentro do sistema de instituições às quais o cliente das IMF têm acesso. Este grupo inclui um enorme leque de intervenções não financeiras, tais como: (a) serviços de marketing e tecnologia; (b) capacitação empreendedora; (c) treinamento para produção; (d) análises e intervenções subsetoriais. Os fornecedores mais freqüentes destes serviços são: (a) IMFs com uma visão integrada; (b) institutos de treinamento; (c) redes; (d) universidades; (e) firmas privadas (companhias de RH, empresas subcontratadas por agências bilaterais); (f) grupos de produtores (câmaras comerciais); (g) agências governamentais; e (h) redes informais de aprendizes. Todos esses serviços, assim como as instituições que os fornecem, possuem o objetivo de melhorar a performance do negócio por elas atendido e, por conseqüência, melhorar as condições financeiras do seu proprietário ou operador. O quarto e último grupo de serviços fornecidos por algumas IMFs é de cunho mais estritamente social. Geralmente os serviços sociais, como saúde, educação e nutrição, são fornecidos pelo Estado, por ONGs locais (com ou sem apoio internacional), ou por organizações comunitárias. Contudo algumas IMFs também optam por fornecer alguns destes serviços, aproveitando-se da proximidade com os clientes para atender a estas e outras demandas existentes na comunidade. 3.4 - Fontes Alternativas de Recursos para as IMF Um outro aspecto importante na esfera das microfinanças é como estas instituições conseguem o seu financiamento e, principalmente, como o mercado de capitais e os bancos comerciais podem operar como fonte alternativa de financiamento para as IMFs. A maior parte das IMF financia suas atividades com recursos públicos ou provenientes de doadores ou de empréstimos privilegiados. No entanto, torna-se cada vez mais evidente que esses recursos são limitados. Ao expandirem-se, as IMFs alcançam seus limites críticos de crescimento, descobrindo que não podem sustentá-lo apenas com o apoio dos doadores. Algumas destas instituições começaram a acessar o mercado de capitais por meio de: (a) 15 endividamento, através de fundos de garantias, empréstimos e mobilização de depósitos; (b) equity; (c) fundos de investimento; (d) fundos de investimento socialmente responsáveis; e (e) securitização do portfólio. A forma mais simples de ampliar o capital das IMFs é a contratação de empréstimo ou o endividamento. Para isto, é necessário que ela seja financeiramente auto-sustentável de modo a acessar fontes comerciais de recursos e cobrir seus custos operacionais com receitas próprias. No entanto, uma prática muito comum é a constituição de fundos de aval para que as IMFs sejam capazes de alavancar seu financiamento através de empréstimos comerciais. Os fundos de aval são mecanismos financeiros que reduzem os riscos de uma instituição financeira ao assegurar o pagamento integral ou parcial de um empréstimo, no caso de inadimplência do tomador. São freqüentemente usados para encorajar os bancos comerciais a fornecerem empréstimos para microempreendedores. No entanto, este instrumento também pode ser utilizado para garantir um empréstimo contraído por uma IMF junto a um banco comercial, com o objetivo de alavancar as operações de crédito desta IMF. Ao reduzir o risco e o custo de transação da operação cobrado pelas instituições financeiras, os fundos de aval podem constituir um incentivo em termos de “Pesquisa e Desenvolvimento” para “emprestadores” comerciais que pretendam entrar em um novo mercado, como o de financiamento para IMFs. Em última análise, o objetivo de longo prazo do fundo de aval é transferir gradualmente o risco da operação para as instituições financeiras no mercado em questão, uma vez que estas acumulam experiência e informação a respeito deste novo cliente. A ONG Internacional ACCION possui o Bridge Fund, que fornece às IMFs a ela associadas o acesso a empréstimos comerciais, aos quais talvez, em outras circunstâncias, elas não pudessem tem acesso. O Bridge Fund deposita como garantia dinheiro ou letras de crédito junto ao banco comercial que aceita realizar empréstimos a taxa de juros de mercado para as IMF. Com o tempo, algumas IMFs associadas a ACCION começaram a ter os seus empréstimos aprovados sem a necessidade do fundo de aval, na medida que os bancos comerciais aprenderam a avaliálas. Uma outra forma de acesso das IMFs ao mercado de capital são as operações de equity, ou de venda de participações nas IMF. Para que estas operações sejam possíveis é necessário que a IMF seja uma instituição financeira formalizada com acionistas. Por esta razão, este tipo de captação de recursos ainda não é muito difundido. A captação através de fundos de investimento é outra possibilidade das IMF ampliarem o seu capital. O ProFund é um exemplo destes fundos, criado com o único propósito de investir nas IMFs em expansão na América Latina. Os fundos de investimento socialmente responsáveis constituem uma outra fonte de liquidez para as IMFs. Os dois principais exemplos destes tipos de fundos são: o fundo mútuo do grupo Calvert, no qual os gestores selecionam empresas em função da sua relevância social, e o DEVCAP, onde seus acionistas optam por doar uma parcela dos seus lucros a algumas IMFs. Uma última modalidade de captação de recursos é a das as operações de securitização que ligam as IMFs ao mercado de capitais através da emissão de debêntures corporativas lastreadas pela carteira das IMF. O objetivo das operações de securitização é aumentar a disponibilidade de fundos e, ao mesmo tempo, reduzir o custo de captação destes fundos. O Banco Grameen, a 16 ONG ACCION Internacional e sua afiliadas, e a Fundación Ecuatoriana de Desarollo (FED) no Equador, são algumas das IMFs que têm conseguido, com sucesso, securitizar suas carteiras de ativos. Recentemente o conselho monetário nacional autorizou as SCM a realizarem este tipo de operação15. 3.5 - O Público Alvo Outro aspecto fundamental para as microfinanças é a sua demanda, ou seja, o público alvo da instituição. Toda IMF deve ter um público alvo muito bem definido: um grupo de clientes potenciais que compartilha certas características, tende a se comportar de maneira semelhante e, provavelmente, é atraído por uma combinação específica de produtos e serviços. O público alvo representa a demanda potencial de um segmento de mercado definido, que contém clientes identificáveis. Ao selecionar um nicho de mercado, a IMF precisa determinar os seus próprios objetivos, compreender o que motiva seus clientes e descobrir se o seu público alvo pode ser alcançado de maneira que seja financeiramente sustentável. Mais importante: o mercado dever ser escolhido com base em demandas efetivas de serviços financeiros e na capacidade de endividamento dos empreendedores. Públicos alvos podem ser definidos através das características dos clientes (nível de pobreza, gênero, etinicidade, casta, religião, etc), que as IMFs têm interesse em servir e/ou o tipo ou nível de negócio (negócios já constituídos, negócios dinâmicos, ou setores econômicos específicos) que a instituição deseja apoiar. Além disso, o fluxo de caixa do cliente e a sua capacidade de endividamento devem ser condizentes com os serviços oferecidos. A seleção do público alvo da instituição de microfinanças depende dos objetivos e da demanda identificada por serviços financeiros. Em qualquer país existe uma parcela de estabelecimentos e domicílios não atendidos ou apenas marginalmente atendidos por serviços financeiros. Vão desde os indigentes – que podem nem mesmo ser economicamente ativos -, até os pequenos estabelecimentos que provêem emprego nas suas respectivas comunidades. Este continiuu de perfis constitui o lado da demanda por serviços de microfinanças. Freqüentemente o lado da oferta de serviços financeiros não oferece um continiuu de serviços correspondentes à enorme variedade de perfis dos demandantes. Isto posto, as instituições de microfinanças devem oferecer serviços que possam preencher as lacunas existentes, integrando assim os grupos tradicionalmente excluídos ao mercado de crédito e de outros serviços financeiros. 4 - Conclusão Um dos caminhos naturais para amenizar a escassez de capital que tanto afeta as MPEs é o crédito – uma das mais fundamentais formas de intermediação financeira. 15 Resolução no. 2874 de 26-07-2001. 17 No campo do crédito, uma das grandes inovações é o recente desenvolvimento das instituições e instrumentos financeiros ligados às microfinanças. Uma das mais marcantes características destas instituições foi ter incorporado à sua prática o conceito de colateral substituto, ou seja, aceitar formas alternativas para garantia do empréstimo. Estas instituições oferecem produtos como crédito, poupança, depósito, transferências e seguro, além de muitos outros serviços financeiros desenhados especialmente para atender, de maneira sustentável, os micro e pequenos empreendedores. A partir das principais características das instituições e instrumentos de microfinanças encontrados na literatura, o presente trabalho propõe-se a elaborar um conjunto de proposições de política, com o objetivo de utilizar as microfinanças para apoiar o desenvolvimento de micro e pequenas empresas que façam parte de arranjos e sistemas produtivos. Estas propostas encontram-se divididas em três grupos, são eles: desenvolver e difundir formatos institucionais de microfinanças voltados para arranjos e sistemas produtivos; desenvolver e difundir instrumentos de microfinanças para arranjos e sistemas produtivos locais; e informar, sensibilizar e capacitar os potenciais empreendedores e aqueles já atendidos pelas instituições e programas de microfinanças. No primeiro destes objetivos encontram-se quatro ações. A primeira delas visa estimular instituições de microfinanças (OCIPS e SCMs), através de cursos e cartilhas para fortalecimento institucional e disponibilização de recursos, sob a forma de linhas de crédito e fundos de aval, para estas instituições. A segunda ação pretende criar um conjunto de indicadores de performance padronizados para as instituições e programas de microfinanças. A terceira ação se propõe a estimular a formação de redes integradas entre as instituições de microfinanças, um dos principais instrumentos para a viabilização desta proposta é a possibilidade de constituição jurídica destes empreendedores. A quarta e última ação dentro deste primeiro objetivo visa disponibilizar de maneira sistematizada as informações sobre as experiências em microfinanças no Brasil, através da publicação de um boletim informativo e a constituição de um portal das microfinanças no Brasil. O segundo objetivo propõe-se a desenvolver e difundir instrumentos de microfinanças para arranjos e sistemas produtivos locais, tendo quatro ações específicas. A primeira ação busca ampliar o leque de produtos financeiros oferecidos pelos bancos públicos para empreendedores que atuam em arranjos e sistemas. A segunda ação tem como meta priorizar o atendimento de grupos que contenham atividades complementares e clientes individuais inseridos em um arranjo ou sistema produtivo. A terceira ação pretende permitir que as instituições de microfinanças possam intermediar as operações de depósitos, poupança e pagamento de contas dos seus clientes. A quarta e última ação, visa sensibilizar os Bancos Públicos para a importância das microfinanças e para a promoção e fortalecimento dos arranjos e sistemas produtivos. O terceiro e último objetivo – informar, sensibilizar e capacitar os potenciais empreendedores e aqueles já atendidos pelas instituições e programas de microfinanças, é composto por duas ações. A primeira delas visa informar os empreendedores de baixa renda sobre as vantagens e os produtos de microfinanças existentes, enquanto a segunda delas terá a meta de capacitar os microempreendedores atendidos pelas instituições de microfinanças, em particular no tocante à chamada alfabetização financeira dos mesmos. 18 Quadro resumo dos objetivos, ações e instrumentos propostos: Objetivos 1 - Desenvolver e difundir formatos institucionais de microfinanças voltados para arranjos e sistemas produtivos Ações Instrumentos 1.1.1 - Cursos e cartilhas sobre a criação e o funcionamento de instituições de microfinanças 1.1.2 - Cursos e cartilhas para gerentes e agentes de crédito 1.1 - Estimular Instituições de 1.1.3 - Construção de fundos de avais Microfinanças (OCIPS e especiais para OCIPS E SCMs de SCMs) microcrédito que atuem junto a arranjos e sistemas produtivos 1.1.4 - Criação de linhas de crédito especiais em bancos oficiais para instituições de microfinanças 1.2 - Criar indicadores de performance padronizados para as Instituições e Programas de Microfinanças 1.2.1 - Workshops 1.2.2 - Intercâmbios 1.3.1 - Boletim informativo 1.3 - Estimular a formação de 1.3.2 - Intercâmbios redes integradas entre as 1.3.3 - Concessão de personalidade Instituições de Microfinanças jurídica para a rede 1.3.4 - Portal das Microfinanças 1.4 - Disponibilizar de 1.4.1 - Boletim informativo maneira sistematizada as 1.4.2 - Portal das Microfinanças informações sobre as experiências em 1.4.3 - Bolsas para elaboração de microfinanças no Brasil monografias, dissertações e teses 19 Objetivos Ações 2.1 - Ampliar o leque de produtos financeiros oferecidos pelos Bancos Públicos para empreendedores que atuam em arranjos e sistemas Instrumentos 2.1.1 - Disponibilização de seguro para o empreendimento; saúde; de máquinas e equipamentos; vida; e etc... 2.1.2 - Disponibilização de Cartões de Crédito 2.1.3 - Utilização de Smart Cards 2.2 - Priorizar o atendimento de grupos que contenham atividades complementares e clientes individuais inseridos 2 - Desenvolver e em um arranjo ou sistemas difundir instrumentos de produtivos microfinanças para arranjos e sistemas produtivos locais 2.3 - Permitir que as Instituições de Microfinanças possam intermediar as operações de depósitos, poupança e pagamento de contas dos seus clientes 2.4 - Sensibilizar os Bancos Públicos para a importância das microfinanças e para a promoção e fortalecimento dos arranjos e sistemas produtivos 2.2.1 - Cursos e Apostilas sobre arranjos e sistemas produtivos 2.2.2 - Uso do aval solidário e/ou de um aval do arranjo ou sistema produtivo 2.2.3 - Fundo de aval para as instituições que operarem nestes termos 2.3.1 - Promoção de parcerias entre as Instituições de Microfinanças e os Bancos Públicos Comerciais, através das agências dos correios e/ou casas lotéricas para que estes fins 2.3.2 - Mudança na legislação 2.4.1 - •Seminário e cartilhas sobre as microfinanças 2.4.2 - Cursos sobre arranjos e sistemas produtivos 20 Objetivos Ações Instrumentos 3.1.1 - Campanhas publicitárias e informativas na mídia 3.1 - Informar os empreendedores de baixa 3.1.2 - Projetos de demonstração 3 - Informar, sensibilizar renda sobre as vantagens e os e capacitar os potenciais produtos de microfinanças 3.1.3 - Portal da MPE existentes empreendedores e 3.1.4 - Reunìões aqueles já atendidos pelas Instituições e 3.2 - Capacitar os Programas de 3.2.1 - Cursos microempreendedores Microfinanças atendidos pelas instituições de microfinanças (Alfabetização 3.2.2 - Cartilhas financeira) 21 Bibliografia Balkenhol, Bernd e Schütte, Haje. 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