MARIA LUZIMAR FERNANDES DOS SANTOS
A DIMENSÃO ESTÉTICA NA DOCÊNCIA: NARRATIVA DOCENTE SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO NO CURSO DE LETRAS
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO 2014
MARIA LUZIMAR FERNANDES DOS SANTOS
A DIMENSÃO ESTÉTICA NA DOCÊNCIA: NARRATIVA DOCENTE SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO NO CURSO DE LETRAS
Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós­Graduação Mestrado em Educação, Universidade Cidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Profa. Dra. Margaréte May Berkenbrock­
Rosito.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2014
Banca Examinadora
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Profa. Dra. Margaréte May BerkenbrockRosito ­ Orientadora
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Profa. Dra. Luiza Christov – Membro Externo da Banca Examinadora
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Prof. Dr. Julio Gomes Almeida – Membro Interno da Banca Examinadora
Dedico este trabalho a todos que sempre estiveram ao meu redor, incentivando­me a traçar todo o percurso com serenidade. Ao meu sobrinho, Jorginho, pela mão amiga que me guiou pelos mistérios da informática.
AGRADECIMENTOS
Meu agradecimento especial ao meu companheiro pelo amor, como ele próprio afirma, sem condicional nem subjuntivo, mas que vai do imperativo ao infinito.
RESUMO
Este estudo tem como objeto a dimensão estética no espaço da sala de aula durante a disciplina Análise de Discurso, no Curso de Letras, do Centro Universitário CESMAC, em que se propõe um diálogo entre a matéria Análise do Discurso e Educação Estética com a finalidade precípua de lançar um olhar que abarque, a um só tempo, a razão e o sensível. Eis então, o objetivo desse trabalho: A dimensão estética no espaço da sala de aula durante a disciplina Análise do Discurso. O problema de investigação desse estudo está centrado em como a Educação Estética, procedida como leitura de mundo, nos matizes diversos: verbal e não verbal, consubstanciada à Analise do Discurso pode contribuir para a formação de professores de linguagem e produtores de linguagem, aptos a uma leitura homem/mundo com potencial para transformar e se assentar como sujeito de sua própria história. A questão, que dá norte a esse trabalho, tem como base a indagação do pressuposto de que a Educação Estética e sua junção à Analise do Discurso poderá propiciar benefícios à formação de um profissional da educação capaz de promover um dueto entre a cultura escolar e as necessidades dos novos tempos, promovendo uma educação de qualidade. A hipótese apresentada é que o desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos ocorre via dimensão estética, numa simbiose entre artes, literatura e linguagem. A metodologia utilizada nessa pesquisa toma por base as aulas de Análise do Discurso no Curso de Letras do CESMAC. Adota­se como referencial teórico Gadamer(2007) para as questões de linguagem, como também Orlandi(2010), Maingueneau(1997), Santos(1999), Brandão(2004) e Mazière(2006), quando se tratar da Análise do Discurso e ainda no que concerne à Educação Estética, Adorno(2004), Freire(1996), Schiller(2002 e Berkebrock­Rosito(2010). O estudo empreendido permitiu compreender que o processo formativo à luz da dimensão estética, constitui­se em recurso pedagógico capaz de transpor os espaços hierarquizados e reformular pensamentos em benefício da condição de autonomia do futuro educador.
PALAVRAS­CHAVE: Educação Estética; Análise do Discurso; Docência.
ABSTRACT
This study has as its object the aesthetic dimension in the classroom space during the course Discourse Analysis in the Course of Arts, at the Centro Universitário Cesmac in proposing a dialogue between the subject Discourse Analysis and Aesthetic Education with the primary aim to cast a look that encompasses, at one time, reason and sensible. Behold, then, the goal of this work: The aesthetic dimension in the classroom space during the course of Discourse Analysis. The research problem of this study is focused on how the Aesthetic Education, proceeded to read the world in many forms: verbal and nonverbal, embodied at discourse analysis can contribute to the training of language teachers and producers of language, able to a reading man / world with the potential to transform and settle as subjects of their own history. The question, which gives the north this work, is based on the assumption that inquiry Aesthetic Education and its junction discourse analysis can provide benefits to the formation of a professional of education that promotes a duet between the school culture and needs of the new times, promoting a quality education. The hypothesis presented is that the development of autonomy and emancipation of individuals occurs via aesthetic dimension, a symbiosis between art, literature and language. The methodology used in this research is based on the lessons of Discourse Analysis in the Arts Course at the Centro Universitário Cesmac. The adopted theoretical framework Gadamer (2007) for the language issues, as well Orlandi (2010), Maingueneau (1997), Santos (1999), Brandão (2004) and Mazière (2006), in the case of Discourse Analysis and even with regard to aesthetic Education, Adorno (2004), Freire (1996), Schiller (2002 and Berkebrock­Rosito (2010). The study undertaken allowed to understand the training process in light of the aesthetic dimension, is in appeal pedagogical able to transpose the hierarchical spaces and reshape thoughts for the benefit of the condition of autonomy of future educator. KEYWORDS: Aesthetic Education; Discourse Analysis; Teaching.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................09
1. A ESTREITEZA DOS CAMINHOS E A IMENSIDÃO DA ESPERANÇA............13
1.1 Episódios do caminho: o delinear do percurso formativo da pesquisadora.........13
1.2 Episódios do caminho: um encontro com o objeto deste estudo........................20
1.3:Processo Narrativo: O enfoque hermenêutico na do constituição dos processos formativos.......................................................................24
2. EDUCAÇÃO ESTÉTICA: UMA COMPREENSÃO DA LINGUAGEM COMO PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA COMTEMPORANEIDADE.................................27
2.1 Educação Estética o mundo contemporâneo: um fenômeno de humanização ...................................................................................................................................27
2.2 A estética do discurso: o feio na arte ou a arte do feio
37
2.3 A estética dos processos pedagógicos: a estética e o pensamento
contemporâneo................................. 43
3.ANÁLISE DO DISCURSO E SUA CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DOCENTE.......................50
3.1Análise do Discurso: uma questão de linguagem ..........................................50
3.2Análise do Discurso: a estética do discurso: desafios e possibilidades de desenvolvimento da autonomia e emancipação ............................................55
3.3Análise do Discurso: a estética dos processos pedagógicos em meio à análise de discurso .......................................................................................65
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................75
REFERÊNCIAS...................................................................................................79
9
INTRODUÇÃO
Os cursos de graduação, em consonância com os anseios da sociedade vigente, perceberam que se faz necessária a formação de profissionais da educação engajados às novas tendências. Viu­se, então como fator imprescindível, a formação de professores capazes de articular seus saberes, planejarem e efetivarem o fazer pedagógico de forma consciente e responsável, visando, sempre ao aprendiz que lhe foi confiado, mas também ao outros membros integrantes do tecido social. Nessa consciência, o Curso de Letras do CESMAC, por meio da disciplina Análise do Discurso propôs uma forma especial de olhar e mediar essa formação, travando um diálogo eficaz entre a Análise do Discurso e a Educação Estética. Por esse viés, Os novos profissionais da educação passaram a ser capacitados nas habilidades de estabelecer relações, separações, análises e sínteses e, ainda compreender os silêncios, que estão entre os não dito do discurso, penetrar na sonoridade das entrelinhas, entender a organicidade da linguagem e a pluralidade de significados de que são compostos os diversos enunciados. Do que se expôs, surgiu então o objeto desse trabalho: a dimensão estética no espaço da sala de aula durante a disciplina Análise de Discurso, no Curso de Letras. O casamento perfeito entre as duas disciplinas citadas aproxima os cursos de formação de professores e a situação da realidade social em que mergulharão os novos profissionais da educação que precisarão enxergar os sentidos das coisas sem assujeitamento, mas com atitude emancipada, independente e capaz. Justifica­se, assim, a junção das duas disciplinas pela percepção de que a formação de professores não pode mais ser simplesmente acadêmica, mas deve contar com o implemento da Educação Estética para estabelecer uma relação sensível e harmônica entre professor e aluno, assegurando uma nova forma de olhar para a razão, com poderes e saberes para gerenciar seus próprios conhecimentos. A Análise do Discurso na dimensão estética possibilita a leitura e compreensão de múltiplas formas de expressão textual, tendo­ se em mente que o olhar do homem é o constitutivo da forma como ele lê a si mesmo e ao mundo, é tarefa dos cursos de graduação municiar esses aprendizes com uma variedade de gêneros textuais que lhe permitam a compreensão em variados matizes. Ampliar esse olhar é um processo demorado e difícil, mas, leva ao redimensionamento das 10
fronteiras da consciência e da percepção. O filósofo Edgar Morin, em A Cabeça bem­feita( 2003), afirma que:
A educação responsável precisa centrar seus objetivos e seus fazeres pedagógicos na ação de promover um movimento inverso no quadro educacional ora apresentado, a fim de possibilitar a formação do sujeito apto a lidar com a complexidade das relações mundanas e capaz de se deixar provocar e, a partir disso, promover revoluções íntimas, transformando a sua realidade individual, bem como adquirindo mobilidade para promover as outras revoluções culturais e até mesmo históricas. No diálogo com Morin, fica evidenciado que um perfil profissional que atenda a todos esses requisitos, não se forma naturalmente, é impossível tornar­se esse tipo e educador sem a intervenção de uma sólida formação universitária, que privilegie a práxis, isto é, um ensino que não distancie a teoria e a prática, que não veja o ensino aprendizagem como dual, dicotômico, mas que promova a conciliação da relação entre a teoria e a prática, numa unicidade produtiva e benfazeja levando em consideração o contexto social e humanístico, harmonizando o processo de ensino­aprendizagem concebido sobre as bases fundamentais da consciência, responsabilidade e conteúdo. Esses são, pois, os pilares em que se assentam os fundamentos da disciplina Análise do Discurso do Curso de Letras, CESMAC, processo que se mostra evidente no trabalho desenvolvido pelo professor na relação com os alunos, como também na forma de abordar os conteúdos, mesclando­os à educação estética favorecendo a produção de saberes integrados e desfragmentados, o que possibilita uma maior amplitude de conhecimentos, ou como afirmou Edgar Morin(2003): polidisciplinares, transversais, multidimensionais. Essa nova forma de abordagem traz, para a sala de aula, o texto nos mais variados gêneros, desde o literário à obra de arte, com o propósito de pensar a formação de professores. Prática que tem surtido efeito positivo na disciplina Análise do Discurso do Centro Universitário CESMAC. O que, talvez, explique o êxito da abordagem estética na Análise do Discurso é o fato de ser bem mais fácil a leitura através de imagens verbais e visuais, o que faz o saber extraído desse tipo de leitura fixar­se na memória como traço do pensamento rearticulado. A leitura imagística é um procedimento estético/didático que remonta à antiguidade. Segundo, Manguel(2001),muito antes da popularização da leitura de textos verbais, já era prática corrente nas igrejas, a leitura de textos visuais como meio eficaz de ensino do que estava registrado nas Escrituras Sagradas. 11
Com isso, ao explorar o uso das diversas linguagens, os futuros professores adquirem a consciência de que o espaço que lhe foi destinado como mero transmissor de conhecimento já não tem respaldo na nova realidade social, porque, como afirma Rios( 2001), “ estamos vivenciando um momento peculiar no ensino, na medida em que temos um mundo que demanda algo mais complexo do que aquilo a que ele estava habituado.” A constatação dessa nova realidade social proporcionou a busca de uma forma especial de avaliar a formação do professor contemporâneo, na crença de que a adição da educação estética à Analise do Discurso é o meio eficiente de harmonizar o relacionamento pela implantação da beleza e harmonia, resultando profissionais com senso crítico e autonomia propensos a gerenciar seus próprios conhecimentos. Por essas alegações, percebe­se a importância da Educação Estética no desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos, como maneira de intervir e promover uma melhoria do curso de formação de profissionais da educação. Entende­se, de igual maneira, a busca da construção de um olhar estético, no próprio processo de aprender a Análise de Discurso, na formação de professores no Curso de Letras.
Esse trabalho versa, ainda, sobre os conceitos de autonomia e de emancipação, respectivamente, em Freire e em Adorno, pois o que se pretende é a instituição da educação como instrumento libertário e desumanização do indivíduo, num confronto com o conceito de Educação Bancária, Nesse enfrentamento, para ter uma experiência que leve ao sucesso, os professores do curso de formação devem atentar para o que declara Paulo Freire(1983) " na medida em que essa educação sem práxis nega a criatividade, não há transformação, não há saber, os homens não podem tornar­se autônomos”.
Diante do exposto, o problema de investigação desse estudo está centrado em como a Educação Estética, procedida como leitura de mundo, nos matizes diversos: verbal e não verbal, consubstanciada à Analise do Discurso pode contribuir para a formação de professores de linguagem e produtores de linguagem, aptos a uma leitura homem/mundo com potencial para transformar e se assentar como sujeito de sua própria história. A questão, que dá norte a esse trabalho, tem como base a indagação do pressuposto de que a Educação Estética e sua junção à Analise do Discurso é um procedimento benéfico na formação de um profissional da educação capaz de 12
promover um dueto entre a cultura escolar e as necessidades dos novos tempos, promovendo uma educação de qualidade. A hipótese apresentada é que o desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos ocorre via dimensão estética, numa simbiose entre artes, literatura e linguagem. A dissertação foi dividida em três capítulos, sendo que o primeiro capítulo aborda a trajetória formativa da autora e descreve caminhos empreendidos pela autora deste trabalho, nos aspectos pessoal e profissional, a partir do dispositivo da Colcha de Retalhos. As experiências foram tecidas no retalho, fragmentos que constituíram sua experiência profissional e pessoal.
O segundo capítulo conceitua e discorre sobre a Educação Estética tendo a visão Schilleriana, como ponto de partida, porém sem deixar de refletir sobre os ensinamentos empreendidos por autores como Suassuna, Azevedo, entre outros. No âmbito da Educação Estética, a formação de professores no curso de letras visa à transformação dos sujeitos, a partir do desenvolvimento da autonomia e emancipação.
O terceiro capítulo traz à baila as leituras de textos verbais e não verbais durante as aulas de Análise do Discurso do curso de Letras do CESMAC enfatizando­se a dimensão estética como possibilidade de formação de profissionais da educação que reformulem o seu pensamento, reinventem­se e transponham os espaços hierarquizados, em benefício de sua própria condição de futuro educador. 13
1 A ESTREITEZA DOS CAMINHOS E A IMENSIDÃO DA ESPERANÇA
Não sou eu quem descrevo.
Eu sou a tela
E oculta mão colora alguém em mim.
Pus a alma no nexo de perdê­la
E o meu princípio floresceu em fim.
(PESSOA, 2000, p. 37)
Neste capítulo, descrevem­se os caminhos empreendidos pela autora desse trabalho, nos aspectos pessoal e profissional. Narram­se os meandros que constituem a trajetória de vida da autora deste estudo, aderindo ao processo metodológico e epistemológico do dispositivo “Colcha de Retalhos”, aperfeiçoado por Berkenbrock­Rosito, que visa a transfazer a história de cada um, em material empírico a ser investigado e transformado em conhecimento, o que se efetiva, dessa maneira, em documento dentro da abordagem da pesquisa (auto) biográfica. Esse trabalho se enseja em torno de histórias de vida centradas na formação, na perspectiva de evidenciar e questionar as heranças, a continuidade e a ruptura (JOSSO, 2010).
A narrativa da trajetória pessoal e profissional é o que moverá o cerne desse capítulo que se assenta nos elementos da pesquisa autobiográfica, tendo como suportes teóricos Delory­Momberger, articulando­se Gaston Pineau, Pierre Dominicé e Berkenbrock­Rosito, bem como os ensinamentos de Josso.
1.1 Episódios do caminho: o delinear do percurso formativo da pesquisadora
Revisitar sua história, juntamente com o que guia, no momento presente, esta retrospectiva, por extrair dela o que pensamos ter contribuído para nos tornarmos o que somos, o que sabemos sobre nós mesmos e nosso ambiente humano e natural e tentar compreender melhor, é o primeiro desafio da pesquisa dos elos que nos deram forma (JOSSO, 2004, p .44).
Nasci em uma cidadezinha do interior de Alagoas – Murici, o ano era 1955, ano da eleição de Juscelino Kubistchek. Excetuando­se a eleição, nenhum fato que viesse a interferir diretamente na minha trajetória de vida, aconteceu naquele ano.
Minha infância foi marcada por muita liberdade: delícias de banho de rio, num descompromisso pueril à sombra da ingazeira, às margens do rio Mundaú, rio 14
controverso que dá vida, cria, mata, desabriga e causa angústia, em suas inundações periódicas, enquanto minha mãe trabalhava para prover o mínimo de sustento, já que fui criada sem pai. Quando atingi a idade escolar, fui matriculada em uma escolinha de periferia, onde fui alfabetizada. Circunstâncias fizeram­nos mudar para a capital, Maceió, lugar onde estudei até o quarto ano, o que seria hoje o Ensino Fundamental I. Contudo, a vida na capital tornou­se insuportável para uma senhora e uma criança, sem as mais mínimas condições financeiras. Esse fato nos reconduziu a Murici, onde conclui o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Tornei­me professora Primária. Sempre fui fascinada pelo magistério, mas a consolidação dessa vocação me veio através da Professora Josete Carneiro que me revelou o sentido da profissão, por sua dedicação, segurança e propriedade no trato com os alunos, nunca se recusando ao diálogo, de maneira aberta e sincera. Essa figura marcou minha trajetória e solidificou minhas aspirações pelo magistério. Embora ser professora, naquela época se afigurasse, quase como opção única para uma jovem pobre, sempre esteve dentro de mim, o desejo de lecionar, de poder dividir com alguém os conhecimentos adquiridos e poder proporcionar aos alunos a satisfação que a profissão me inspirava. Por essa razão, fazer o Pedagógico­ nomenclatura com que se designava o curso de formação de professores à época aludida­foi uma grande vitória, posso afirmar, com certeza, ser esse o meu primeiro momento charneira.
Foi, assim, uma guinada na minha história. O divisor de águas. Alcancei um status invejável para os padrões muricienses. Em 1970, passei a lecionar na única escola particular, cuja clientela era composta pela elite do município. Entretanto, minha determinação era a de ser bem sucedida na profissão, e nessa visão, eu não poderia quedar satisfeita pela conquista, tinha novos horizontes a desvelar. Na época, a Universidade Federal de Alagoas só ofertava cursos no período diurno, o que se configurava um impedimento para a minha ambição. Em 1979, o CESMAC surge para concretizar os meus propósitos: prestei vestibular para Letras, com habilitação em Língua Portuguesa, Língua Francesa e respectivas literaturas. O fato de ter passado no vestibular, trouxe­me a outro impasse, talvez o maior deles: como pagar a matrícula e as mensalidades? Como se fora uma ópera bem ensaiada, veio em meu socorro o plano do Governo Federal, para auxiliar estudantes pobres: o Crédito Educativo. Inscrevi­me nos dois créditos 15
anuidade e manutenção e passei a estudar custeada pelo Governo Federal. Cumpri toda minha graduação, destacando­me pelas notas obtidas. No ensino superior, merece destaque a professora Isa Nery, que lecionava Língua Portuguesa, cuja simplicidade e acessibilidade visavam unicamente à autonomia dos alunos. Quando procuro uma referência na educação, é ela que reflito e que me serve de norte. Essa professora/educadora demonstrava um carinho especial pela aluna interiorana, tão atenta os seus ensinamentos, a ponto de ficar, após a aula, para esclarecimentos adicionais e dúvidas que eram trazidas da minha prática em sala de aula.
Minha atuação como estudante universitária foi sempre a de uma postura questionadora. Agora, já professora tinha, em mim, a necessidade de ser mais centrada e reflexiva, pois tinha compromisso com os alunos que se espelhavam em mim. Minha conduta sempre foi de autoria, buscando nos professores subsídios para desenvolver minha própria aprendizagem, pus­me como sujeito, apropriando­me de conhecimentos para a minha formação. Entendendo por formação o processo de transformação em que as relações que o sujeito estabelece com o mundo, com os outros e consigo mesmo são afetadas de modo proposital.
Meu propósito era crescer, e tornar­me uma bom profissional, pondo­me à altura daquela que era minha referência como professora, por isso entrei no curso de pós­graduação Lato­Sensu, e por esse viés tornei­me especialista em Língua Portuguesa, em 1990. A especialização, em que pese ser ofertada por professores­
mestres da Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestres da PUC, não tratou da pesquisa. Não me instigaram a buscar o conhecimento. Eles, os professores, já o traziam pronto para ser assimilado e depois repetido. Quero dizer, nada foi acrescentado à minha prática pedagógica. Eu não tinha como despertar para novas maneiras de encarar o ensino­aprendizagem, se nem os grandes centros do saber expuseram essa prática ou aventaram essa possibilidade.
Com a conclusão da pós­graduação, senti­me envolvida num turbilhão de novos empregos, um número infindo de aulas durante todo o dia. Não me restando, portanto, horário para novos cursos e preparação adequada para a profissão, razão pela qual continuei a ver o meu aluno como um ouvinte domesticado nos moldes já mencionados.
Na sequência dessa trajetória, recebi um convite para integrar o quadro docente do CESMAC. Submeti­me aos procedimentos legais e iniciei minha carreira 16
como professora do curso superior. A vivência acadêmica me fez estudar muito, buscando suprir as minhas carências de conhecimento, objetivando, naturalmente, equilibrar­me num contexto permeado por profissionais mais e melhores qualificados do que eu. Fui modificando, pouco a pouco, a minha práxis, buscando a parceria do aluno no trabalho desempenhado. Por ter consciência de que o ser humano sempre é passível de superação, foi buscando explicações para as minhas inquietudes e transpondo as minhas ignorâncias que assumi e permaneço como professora dessa Instituição.
Assinei um contrato com duração de seis meses, porém minha determinação marcou e consolidou minha permanência ali até os dias atuais. Passei a pôr em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do período de formação. Ser professora de Língua Portuguesa no ensino superior, nisso pus todo o meu denodo. Nesses 22 anos, tenho conseguido me destacar na comunidade cesmaquiana, principalmente entre o alunado, procurando tornar­me reflexo dos professores que marcaram minha vida profissional. Sei que estou no caminho certo. Em 2002, um acontecimento muito triste me fez perder um pouco a noção de trajetória, fez­me desviar do foco a que me obriguei a seguir. Minha mãe faleceu, após muito e doloroso sofrimento. E mais uma vez, minha fortaleza foi recomposta, porque meu companheiro estava ao meu lado, dando­me energias e mostrando­me o caminho certo a trilhar. Vislumbrei um novo horizonte, quando me foi feito o convite para participar do Programa de Pós­Graduação Mestrado em Educação, oferecido pela UNICID em parceria com o CESMAC. As oportunidades não vão e voltam ao nosso prazer e temos que enlaçá­las assim que despontam. Dessa maneira, embora tendo que me deslocar para São Paulo, não tergiversei. Afugentei meus medos e, hoje, sou aluna do curso regular do Mestrado em Educação. Esse, eu reputo o meu segundo “momento charneira”. Finalmente eu me deparava com um ambiente acadêmico que me ensinaria a ser professor/pesquisador.
Ingressar em um programa de Mestrado em Educação é, por assim dizer, um momento singular para um educador. É dar­se conta de que, de repente, você está entre as cabeças pensantes desse país, e isso fará a diferença na maneira de se encarar a pesquisa, que será, agora, um espaço aberto para o desenvolvimento e consolidação do conhecimento que se irão refletir nas aspirações profissionais e pessoais.
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Esse encontro com a pesquisa ganhou concretude no encontro com a orientadora deste estudo, que demonstrou ser possível aprender a pesquisar a partir da própria trajetória pessoal, acadêmica e profissional. A minha narrativa da história de vida foi um processo que teve como ponto de partida o dispositivo formativo do professor e pesquisador da “Colcha de Retalhos”, desenvolvida por Berkenbrock­
Rosito (2009) desde 2001, concretizada dentro da abordagem da pesquisa (Auto) Biográfica, produzida pela narrativa escrita, narrativa pictórica e narrativa oral.
A narrativa escrita é desenvolvida através de duas estratégias. A primeira parte trata da narrativa biográfica, atendo­se, porém aos episódios que marcaram sua trajetória no ensino superior, analisando­se o posicionamento diante de diversos momentos, respondendo­se aos questionamentos; como foi a sua relação com as disciplinas no Ensino Superior? De autoria ou submissão? Que aluno você foi? Como foi a sua relação com os professores?
Em uma segunda parte, é delineado o “Quadro da linha da Vida”, revivendo e reconhecendo os momentos que se projetarem como “divisores de água,” acontecimentos da vida que fizeram a diferença que, embora restem esquecidos no fundo da memória, fundamentaram a nossa existência, forjaram nossas atitudes, e impulsionam decisões. Esses são os “momentos Charneiras” (JOSSO, 2004). Para Josso o momento charneira é assim definido:
Momentos ou acontecimentos­charneira são aqueles que representam uma passagem entre duas etapas da vida, um “divisor de águas”, poderíamos dizer. Charneira é uma dobradiça, algo que, portanto, faz o papel de uma articulação. Esse termo é utilizado tanto nas obras francesas quanto portuguesas sobre as histórias de vida, para designar os acontecimentos que separam, dividem e articulam as etapas da vida. (JOSSO, 2010, p.90).
O quadro da linha da Vida objetiva fazer o levantamento desses acontecimentos, delimitando os espaços e tempos, focando a vida familiar, escolar, vida acadêmica, profissional e pessoal. Assim, o Quadro Linha da Vida permite­me sintetizar os momentos que eu considero “charneiras”, isto é, momentos que marcaram o meu percurso e decidiram a trajetória na minha experiência formativa.
Partindo­se dessa assertiva são, também, considerados de extrema relevância filmes, livros, laços afetivos e deslocamentos geográficos que possam ter contribuído para tecer esteticamente a colcha de retalhos na qual, ao cabo do processo, estará impressa a trajetória da sua existência.
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A narrativa pictórica emerge desse vasculhamento na memória em busca de cenas marcantes no ensino superior e acontecimentos dentro e fora do mundo acadêmico que provocaram transformações profundas no modo de vida do indivíduo. A narrativa escrita transforma­se em uma história tecida no retalho. A narrativa oral é o momento em que cada um conta sua história e depois as histórias são costuradas formando a Colcha de Retalhos. Esse proceder, na visão de Berkenbrock­Rosito (2010) é assim descrito:
A história tecida em retalhos é um convite para adentrar no mundo do imaginário, habitar o mundo das incertezas, a epifania de um mistério, a coisa fora do ato da percepção. A palavra fora significa que não se sabe explicar a razão de porque um gesto pode ser mais significativo do que um discurso feito de muitas palavras. (BERKENBROCK­ROSITO, 2010, p. 20).
Nesse vasculhamento pelos subterrâneos da alma, o sujeito/ ator recolhe os fragmentos que comporão o sentido da vida, num procedimento descrito por Berkenbrock­Rosito como: mergulhar nos retalhos da sua vida para construir a narrativa de sua própria história (BERKENBROCK­ROSITO, 2010). Todavia, esse processo leva a um embate que o sujeito/ator empreende consigo mesmo, na decisão do que deve ser narrado e o que deve permanecer oculto.
A narrativa pictórica de minha narrativa de vida é a imagem­metáfora da estrada que simboliza toda a minha vontade de vencer, de afirmação pessoal e como profissional da educação. O caminho começa estreito, pelos percalços contundentes que sempre marcaram o meu caminhar: uma vida sofrida, criada sem pai, mas que mantinha a dignidade graças à minha mãe e seu ao trabalho incessante para me possibilitar estudar. Continua estreito durante a adolescência e até metade do caminho, onde se abre em expectativas e oportunidades e desemboca na realização profissional e pessoal. Essa trajetória que parece comum a tantos, é o que constitui a minha ficção verdadeira. Foi nesse construir e reconstruir que me fui formando como autora de minha própria história, forçando a abertura dos caminhos, projetando­me esperançosa para uma amplidão cujos limites estão inseridos em mim mesma, pois, somente o sujeito é senhor do seu tempo e de sua história.
A metáfora ganha concretude na imagem da estrada. Visualiza­se a estreiteza do caminho que coincide com a minha infância e metade da adolescência. Até o momento do primeiro emprego. Contudo, a estrada é uma reta, como a indicar que eu só preciso ter determinação e atitude para alcançar a sua largura plena. 19
Nesse espaço ilimitado, foram inscritas as trajetórias de minha formação profissional e pessoal. Narrei minha história de vida, portanto, assenhoreei­me dela. Sou autora e atriz do meu próprio papel.
Ilustração 1 Metáfora que simboliza a estreiteza do caminho e a imensidão da esperança.
Rio contorverso
Rio Mundaú benéfico, fonte de criação e sobrevivência dos ribeirinhos.
Ilustração 2‐ Rio Mundaú ao passar por Murici – AL em época de normalidade.
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Rio Mundaú Mortal, fonte de destruição e medo constante.
Ilustração 3 – Rio Mundaú e seu efeito nefasto por ocasião das enchentes.
1.2 Episódios do caminho: um encontro com o objeto deste estudo Revivo, existo, conheço;
E, inda que seja ilusão
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço: Entrego­lhe o coração (Fernando Pessoa, 2000).
A narrativa de vida é estruturada em torno de uma sucessão temporal de acontecimentos, situações, projetos e ações que constituem a “coluna vertebral”, que dão sustentação e equilíbrio, mas que deixam a narrativa flexível para oscilar ao sabor dos acontecimentos e fatos que sedimentaram e ditaram a trajetória de vida do narrador, num processo, as mais das vezes, imprevisível e incontrolável, composto por um material instável e transitório que ganha concretude, apenas, no momento de sua enunciação. A esse respeito, Delory­Momberg (2009) declara que a narrativa da vida nunca é definitiva e que sempre se reconstrói e também reconstrói junto a ela, o sentido da história que anuncia.
Conforme Josso (2004), estamos na vida por existimos mediante uma infinidade e diversidade de laços simples e complexos. Na sequência de minha trajetória, muitos laços sucederam­se, numa gradação de maior ou menor 21
importância. No entanto, alguns se destacam pela relevância e pelo modo salutar como preencheram os espaços vazios, direcionando e norteando os acontecimentos vindouros. Criou­se o “meu nó górdio”, o que não é possível desnodar, aquele que minha vontade quer preservar como um bem precioso, como uma dádiva, pois foi tecido pelos mais puros dos sentimentos: amor e respeito mútuos. Meu companheiro, que me cativou e criou entre nós liames que eu quero indestrutíveis. Esse movimento de construir e reconstruir a sua própria história permite ao narrador aferir o verdadeiro sentido que ele imprimirá à narrativa, revendo acontecimentos e direcionando os caminhos, pondo em prática o “nó de Cabestan” o que lhe faculta girar em torno de fatos fixos e verídicos, tendo, porém, o controle total dos fios que ele deseja que sejam expostos, da forma que melhor lhe convierem.
A narrativa, assim, empreendida ganha uma versão a cada trajetória narrada, ressignificando fatos, acontecimentos e personagens, deliberando sobre o grau de importância atribuída ao sentido de tudo, no instante mesmo da enunciação, em outras palavras, dá­se vida aos personagens e aos fatos narrados. Desta maneira, Delory­Momberger (2009) esclarece que a narrativa é o espaço em que o indivíduo toma forma, onde ele pode elaborar e experimentar a história de sua vida.
As práticas narrativas atuais seguem o modelo de formação que podem ser enfocados sobre dois prismas: pode­se proceder à narrativa objetivando a reapropriação da história de vida ou buscar­se sua própria identidade. A reapropriação pressupõe uma história já sabida, mas que algo lhe serve de entrave, impedindo­a de desvelar­se. Nesse sentido, o relato servirá para quebrar os obstáculos e fazê­la submergir. Havendo, então, a unicidade entre sujeito/ história/ autor, pois essa dimensão permite “tornar­se sujeito de sua própria história.” E, como tal, reconhecendo­se em uma história, torna­se uno com os traços temporais e espaciais, que o distinguem dos demais seres. A imersão em si mesmo, na busca de um momento, cuja força seja capaz de eclodir do mais fundo de sua consciência, desvendando fatos e acontecimentos que sua memória insiste em ocultar, é, no mínimo, uma tarefa hercúlea. Todavia a perspectiva é fascinante. Descobrir dentro de si mesmo, a sua tela oculta e o colorido ou negritude que forjaram a pessoa em que você se transformou é desvendar os liames que lhe prendem irremediavelmente ao passado, mas que determinam as suas ações presentes num desvelamento que o fará compreender­se 22
e assenhorear­se como autor de sua própria história, passando a ouvir e interpretar o diálogo íntimo entre destoantes momentos de que se formam a sua identidade, ressaltando, no dizer de Gaston Pineau (2006, p. 337): “a legitimidade de seu poder de refletir sobre a construção de sua vida”.
No dizer de Josso (2004), durante essa reflexão intersubjetiva institui­se um elo consigo mesmo que ela denomina Nó de Cabestan, que simboliza uma breve parada para a análise, necessária, que pode ajudar a desatar os laços que entravam o caminhar.
Essas ponderações levaram a autora desse trabalho instituir a (re) significação de episódios e pessoas que se acham, de maneira imponderável, ligados à memória dos fatos e que o momento de atracação faz jorrar. Em que pese terem surgidos dos lugares mais ermos da memória, ganham força e amplitude, preenchendo a tela da vida, como se fora amigos ausentes que, de repente, reencontram­se para serem abraçados, (re)integrados e reconhecidos como partícipes de uma única e mesma história. Livres, enfim, dos entraves, desatam­se os Nós de atracação, fazendo irromper a narrativa que constitui a performatividade de uma vida. Compõe­se, assim o que foi descrito por Delory­Momberger (2009): É a narrativa que faz de nós o próprio personagem de nossa vida, é ela enfim que dá uma história à nossa vida; nós não fazemos a narrativa de nossa vida porque nós temos uma história; nós temos uma história porque nós fazemos a narrativa de nossa vida. (DELORY­MOMBERGER, 2009, p. 9)
É­se, então, sujeito/autor e ator de sua própria história, num processo de autorretrato dinâmico (JOSSO, 2004), que ganha concretude à medida que a narrativa evolui. Convém, no entanto, que se esclareça que o 'objeto' sobre o qual trabalham as linhas de formação pelas histórias de vida não é 'a vida', mas, apenas, construções narrativas. O efeito­narrativa tem sido descrito, segundo a análise e os termos de Paul Ricoeur(2002), como uma reconfiguração, uma síntese do heterogêneo, obedecendo a um movimento de discordância­concordância.
Tem­se, portanto que a narrativa que o sujeito/autor empreende é, tão somente uma reconfiguração dos fatos, um ato de passagem, filtrando e resguardando­se as conveniências que a história toma no momento presente, no instante, mesmo, de sua enunciação. “Após essa filtragem, os acontecimentos tomam forma, pessoas surgem, dando­nos a dimensão da importância exercida na 23
formação do que somos e o do que sabemos sobre nós mesmos” (JOSSO, 2004, p. 337).
Vale aqui destacar que a concepção de formação adotada neste trabalho engloba a narrativa de vida, antes de o sujeito ser pesquisador, ele é detentor de trajetórias, experiências e memórias. Nesse sentido, relações são estabelecidas e proporcionam uma reflexão ampla e produzem uma consciência crítica, através da pesquisa na abordagem autobiográfica. A respeito disso, Santos­Neto ressalta que:
As observações de Freire nos permitem pensar o que venho sugerindo: o trabalho de autoconhecimento, de mergulho na própria subjetividade, desde que feito sem dicotomizar­se da objetividade, é sim também uma forma de desenvolvimento da consciência política e, portanto, não é despolitizador. Seria despolitizador se, como afirma Freire, terminasse num psicologismo que supõe a existência de ‘homem sem mundo’ e, portanto, a afirmação de que tudo é criado apenas a partir da consciência individual, do desejo pessoal, das ideias próprias, da subjetividade de cada um. (SANTOS­
NETO, 2009, p. 124)
Nesta perspectiva, Freire dá ênfase à historicidade humana e a capacidade do ser humano em verbalizar sua condição, pois conseguirá encontrar as respostas, tão almejadas durante sua vida, a partir da reconstrução de sua história. Já Nóvoa (2003) aborda como a dimensão pessoal na dimensão profissional viabiliza a compreensão que a experiência da liderança não separa a pessoa do profissional. Conforme Nóvoa(2003):
apreocupaçãocomapessoadoprofessorécentralnareflexãoeducacionalepedagógica.Sabem
açãodependedotrabalhodecadaum.Sabemostambémquemaisimportantedoq
ueformaréformar­
se;quetodoconhecimentoéautoconhecimentoequetodaformaçãoéautoformaç
ão(NÓVOA, 2003, p.47).
Ainda Nóvoa (2003) destaca que a formação constitui­se num processo identitário, perpassado por uma abordagem autobiográfica, em que a história de vida é contada, resgatando e ressaltando o professor como um ser ontogênico. Sendo assim, é essencial observar que o propósito da narrativa é o de estabelecer parâmetros sobre a dimensão pessoal, como também para a profissional, a fim de embrenhar­se no campo de significações dos sujeitos da pesquisa, buscando extrair de sua perspectiva a importância da dimensão da Educação Estética nos processos formativos. 24
1.3 Processo Narrativo: O enfoque hermenêutico na constituição dos processos formativos
O processo ontogênico desencadeado pelo dispositivo “colcha de Retalhos” permite que se chegue ao ponto exato, onde estava adormecida ou amordaçada a compreensão dos fatos que impulsionaram os caminhos ou os descaminhos da existência. A partir desse processo há o desvelamento do que o transformou em si mesmo. Dá­se o encontro com a motivação das escolhas empreendidas ao longo da vida, que, ao primeiro olhar, se afigura como fruto do acaso, imotivado.
Esse trabalho de reflexão a partir da narrativa da formação de si mesmo permite, segundo Josso (2007), estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná­las com a evolução dos contextos de vida profissional e social. Nesse proceder, o sujeito, então, passa a interpretar a si e aos circundantes, atentando para os sinais que o interligam com os dois polos da existência, o lugar do presente como resultado do passado, com vistas ao futuro e, é nessa movência que se estabelece a subjetividade, o eu plural como o individuo/sujeito capaz de escolhas já escritas na realidade, mas que, a partir dos valores atribuídos, podem ser por ele ampliadas, reformuladas, renovadas ou revolucionadas.
Dito assim, resta a sensação de que o processo narrativo, por ir fundo no inconsciente, resolveria os problemas existenciais do sujeito, como se num instante, ao revolver a memória, o homem se achasse inteiro e completo, tendo a compreensão integral dos meandros que o formaram como indivíduo. Buzzi (1973), em Introdução ao Pensar, afirma que: “O concreto vivido, e porque vivido intensamente, em vez de nos encher, cria em nós um vazio.” Essa construção/desconstrução poderá desencadear vozes diversas, desconhecidas ou esperadas, instaurando uma ciranda dos indivíduos/sujeitos que falam em nós, com as nossas emoções e se apropriam da nossa história. Esses fatos, por mais conturbados que possam parecer, forçam o homem a uma tomada de posição diante do processo de conhecimento. Nascem, daí, as opções por um ou outro modo de ver, de ler o mundo que o cerca, promovendo uma interação entre o sujeito que ele é e o sujeito que ele acaba de conhecer. Isso nos remete ao que pontua Josso (2007): “O ser­sujeito é levado, em consequência, a gerenciar essa coexistência de lógicas de evolução e a viver, dessa maneira, uma tensão mais ou menos forte entre 25
identidade para si e identidade para os outros.” Tem­se, então, que o processo de formação que caracteriza o percurso de vida de cada um, permite trazer à flor­
d’água o ser­sujeito da formação, permite, ainda, vê­lo tomar forma, juntando todas as suas partes em um único ser. Isso, no dizer de Josso(2007), acontece quando:
A consciência de ser (ativamente ou passivamente) sujeito de sua história, através de todos os ajustes que foram preciso fazer, permite ter a medida do que está em jogo em toda formação: a atualização do sujeito num querer e poder ser e vir­a­ser e sua objetivação nas formas socioculturais visadas, as que já existem ou as que ele tiver que imaginar.
Infere­se, assim que todas as expectativas do ser humano estão na busca do sentido das coisas e de si mesmos, diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico somos instados a interpretar, havendo, mesmo, uma injunção a interpretar é nessa busca pela elucidação que a Hermenêutica embasará este trabalho na perspectiva da experiência formativa, como recurso para o entendimento de diversas possibilidades de ler, compreender e perceber o ser­sujeito no contexto singular e coletivo e nas situações que ele considera relevantemente formadoras.
Gadamer (2000) esclarece que este processo de construção assemelha­se a seguir uma trilha e experimentá­la e também provar da sensação de que esta trilha estava certa e transforma­se em caminho sob os pés do pesquisador. Gadamer (2000) também elucida que o poder da linguagem não está na estética do bom estilo, pois se trata de uma questão de hermenêutica. A arte de escrever de maneira que as ideias do leitor se vejam estimuladas e se mantenham produtivamente em movimento, têm pouco a ver com os demais meios usuais das artes retóricas ou estéticas. Ao contrário, consiste, por inteiro, em que nos vejamos, também nós, conduzidos a pensar o pensado. A arte de escrever não pretende ser aqui entendida e considerada como tal. A arte de escrever, tal como a de falar, não representa um fim em si e não é, portanto, objeto primário do esforço hermenêutico. A compreensão ganha encaminhamento por completo através do próprio assunto. Esta é a razão pela qual os pensamentos confusos e o que está ‘mal’ escrito não são, para a tarefa do compreender, casos paradigmáticos nos quais a arte hermenêutica brilharia em todo seu esplendor, mas, pelo contrário, casos­limite, nos quais começa a balançar o pressuposto sustentador do êxito hermenêutico, que é a univocidade do sentido entendido. (GADAMER, 2000, p. 97)
O poder da linguagem está, portanto, na hermenêutica, na clareza e no alcance da do outro. As obras dos autores Heidegger, Ser e Tempo, e de Gadamer, Verdade e Método, consideram a linguagem como um meio de acesso ao mundo, ao universo, de quem as profere. Contudo, antes de ser articulada, há uma estrutura que abrange o sentido e auxilia a compreensão. Para esses autores, essa estrutura seria 26
anterior ao sentido e à compreensão, constituída como uma aquisição prévia, surgindo da estrutura dentro da própria hermenêutica. Gadamer ainda afirma que “a linguagem é “a casa do ser”, o mundo dentro dessa casa é o da linguagem.” (GADAMER, 2000, p. 120).
Partindo dessa assertiva, é importante lembrar que o ser humano não é composto apenas da língua, mas das linguagens e de sua cultura, também prévias, ou seja, anterior à sua interpretação. Para Gadamer (2000) a interpretação principia­
se com conceitos prévios que acabam sendo substituídos por outros mais cabíveis e esse processo acaba instituindo um constante reprojetar que expande o sentido da compreensão e da interpretação. Assim, os discentes são os intérpretes que já vêm, para a sala de aula, formados por fatores biológicos, psíquicos, sociais e culturais, que interagem, são opinativos, sempre retomando, reprojetando sua realidade e a do contexto para interpretar. A respeito disso, Heidegger (2002) defende que o universo no qual interagimos tem base na hermenêutica como referência ao mundo de experiências, anteriores ao da compreensão, ou seja, o indivíduo sabe o que é e como é devido ao sentido que as estruturas lhe oferecem. Assim sendo, compreender é essencialmente uma habilidade operatória atrelada ao contexto de vida do humano. Especificamente nesta pesquisa, observar o docente não é um foco pelo método apenas, mas o foco está na compreensão do que ocorre, na interpretação. A construção desse trabalho procura harmonizar a razão e o sensível, tendo em vista a busca da compreensão como percurso formativo, numa proposta de reflexão sobre o sujeito, sobre a linguagem, na perspectiva da Análise do Discurso o que será efetivado com exemplos de aulas desenvolvidas no Curso de Letras do CESMAC. Esse proceder conduzirá à compreensão da Análise do Discurso, numa visão ampliada pelos discursos literário­artísticos, possibilitando o alcance de novos horizontes, seguindo as pistas do sentido da Educação Estética presentes nas obras analisadas. Por fim, com a promoção desse dialogo entre arte e o fazer pedagógico, esperamos ter contribuído para a melhoria do processo formativo do profissional da educação.
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2­ EDUCAÇÃO ESTÉTICA: UMA COMPREENSÃO DA LINGUAGEM COMO PRODUÇÃO DE SENTIDOS NA CONTEMPORANEIDADE A única beleza de que poderíamos falar, só existe em nós, por nós e para nós. (Kant)
O objetivo deste capítulo é abordar a Educação Estética como descoberta de novas formas de olhar, ouvir, perceber, mover e falar de suas experiências cotidianas, através da estética do discurso e do poder da linguagem; a estética das relações professor/alunos como fator de desumanização ou humanização; será lançado um olhar especial sobre a estética dos processos pedagógicos, como uma possibilidade de desenvolvimento da autonomia e emancipação. 2.1 Educação Estética no mundo contemporâneo: um fenômeno de humanização A Educação Estética, em Schiller (2002), é adotada, neste estudo, em função de sua preocupação com o sensível e o racional da arte, visto como uma possibilidade de produzir um conhecimento novo por meio da educação do olhar, num processo de descoberta e dialogo entre processos pedagógicos e arte. Etimologicamente, a palavra estética encontra sua raiz no grego aisthésis, adotada pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten (1714­1762), a Estética é considerada uma disciplina científica, ciência da estética, ciência da percepção, que significa doutrina do conhecimento sensível. Perissé (2009) explana que a estética busca a compreensão das sensações confusas, obscuras e desconcertantes, experimentadas diante das artes, como poesia, pintura, música, enfim, das artes em geral. O que para Abbagnano (2007) pode ser conceituado como:
Estética é um ramo da filosofia que tem por objeto de estudo a natureza do belo e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como: as diferentes formas de arte e da técnica artística; a ideia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar­se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo. (ABBAGNANO, 2007, p. 452)
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Abbagnano (2007) ainda afirma que, para os antigos filósofos, a arte e o belo não seriam objetos de uma única realidade e que haveria uma distinção entre eles.
Dissemos arte e belo porque as investigações em torno desses dois objetos coincidem ou, pelo menos, estão estreitamente mesclados na filosofia moderna e contemporânea. Isso não ocorria, porém, na filosofia antiga, em que as noções de arte e de belo eram consideradas diferentes reciprocamente independentes. A doutrina da arte era chamada pelos antigos com o nome de seu próprio objeto, poética, ou seja, arte produtiva, produtiva de imagens (Platão, 265ª; Aristóteles, Ret., I, 11, 1371 b 7), enquanto o belo (não incluído no número dos objetos produzíveis) não se incluía na poética e era considerada a parte. Assim para Platão, o belo é a manifestação evidente das Ideias (isto dos valores) sendo por isso, a via de acesso mais fácil e óbvia a tais valores (fed., 250e), ao passo que a arte é imitação das coisas sensíveis ou dos acontecimentos que se desenrolam no mundo sensível, constituindo, antes, recusa de ultrapassar a aparência sensível em direção à realidade e aos valores (Rep. X, 598c). Para Aristóteles, o belo consiste na ordem, na simetria, numa grandeza que se preste a ser facilmente abarcada pela visão em seu conjunto (Poet. 7, 1450b35 ss; MET, XIII 3, 1078 b 1), ao mesmo tempo que retoma e adota a teoria da arte como imitação, apesar de, com a noção de catarse, retirá­la daquela espécie de confinamento à esfera sensível a que fora condenada por Platão. A partir do século XVIII, as noções de arte e belo mostram­se vinculadas, como objetos de uma única investigação, esta conexão foi fruto do conceito de gosto, entendido como forma de discernir o belo, tanto dentro quanto fora da arte (1741). Kant estabelece uma identidade entre artístico e belo, ao afirmar que “a natureza é bela quando tem a aparência da arte” e que “a arte só pode ser chamada de bela quando nós, conquanto conscientes de que é arte, a consideramos como natureza. Finalmente, Schelling invertia a relação tradicional entre arte e natureza, fazendo da arte a norma da natureza e não o contrário. (ABBAGNANO, 2007, p. 365). Esse pensar é reiterado por Amorim (2007, p. 84), quando afirma que: “uma Educação Estética se presta a abordar a beleza em cada aspecto da vida ordinária, seja ou não um grande acontecimento [...]”. Assim, a Educação Estética é, basicamente, caracterizada como a educação através capacitação do olhar para entender as manifestações artísticas, aguçando a sensibilidade, para perceber a ‘beleza’ como expressão da autonomia de pensar e descobrir­se sujeito, Atentando para todos os matizes em que a arte ousar se metamorfosear. No dizer de Duarte Júnior (2006 apud AMORIM, 2007), a Educação Estética constitui uma atitude do sujeito frente ao mundo; ao estabelecimento de uma relação sensível, de beleza, de harmonia com o mundo – e, logicamente, essa relação se amplia para outros campos que não apenas à obra de arte. Com isso fica patente que a experiência estética pode promover um rearranjo subjetivo. O homem moderno sofre um processo de desfragmentação, em virtude de suas atividades cotidianamente rotineiras, o que o impede de olhar em volta de contemplar um belo 29
pôr­do­sol, de sentir sensações novas, havendo uma dissociação entre ele e a realidade circundante que lhe tolhe a sensibilidade. A razão, tornada forte, passa a dominar a mente, apartando­o, fragmentando­o. Porém, Schiller(1995) propõe uma ‘educação da faculdade de sentir’, pontuando que:
Tudo o que seja de algum modo passível de manifestar­se como fenômeno pode ser pensado sob quatro aspectos. Uma coisa pode relacionar­se diretamente com o nosso estado sensível ( a nossa existência e bem­estar); isto é o seu caráter físico. Ou pode relacionar­se com o entendimento, e proporcionar­nos um conhecimento; isto é o seu caráter lógico. Ou pode relacionar­se com a nossa vontade e ser considerada como objeto de escolha para um ser racional; isto é o seu caráter moral. Ou, finalmente, pode relacionar­se com o todo das nossas diversas faculdades, sem ser um objeto determinado para uma só delas, e isto é o seu caráter estético.
Depreende­se, então desse último sentido, que a educação estética aglutina as necessidades e possibilidades humanas em um só conjunto, cujo exercício se desenrola de modo integrado e o sujeito torna­se autossuficiente, autônomo, portanto, harmônico.
O princípio norteador do trabalho de Schiller é o princípio da dignidade humana, vista como a verdadeira realização da natureza humana, por intermédio do artifício, do livre jogo e da reflexão. O desenvolvimento de suas investigações está direcionado para o entendimento, afastando­se assim do meramente sensível. A respeito desta questão, Azevedo assegura que:
Para Schiller a construção da liberdade política é a mais perfeita de todas as artes, de modo que voltar os olhos ao campo da moral constitui um objeto de estudos de interesse mais imediato e dominante em sua época. Schiller não busca dar voz ao gosto do século e embrenha­se no caminho do extemporâneo. Seu maior objetivo é demonstrar que a arte é consequência da liberdade, mas chegar à liberdade envolve guiar­se pela beleza. E é mediante a experiência do belo contida na Educação Estética que os homens ascendem progressivamente à liberdade. O princípio que dá garantia para esse argumento diz que tudo o que é válido par ao âmbito da moral é válido em grau superior para o âmbito da estética. (AZEVEDO, 2010, p. 26).
Schiller (2002) destaca o que ele vê como as falhas do dualismo kantiano, propondo mudanças sutis, mas radicais para o modo como entendemos a liberdade, a experiência estética, e (talvez o mais importante) a moralidade. Alternadamente abraçando e lidando com noções de Kant sobre o ser humano e sua capacidade de experimentar a beleza e alcançar a visão moral, Schiller demonstra o potencial interior do indivíduo que reúne os princípios morais e estéticos. Ao longo de seu trabalho, Schiller sublinha “jogo”, “prazer” e “imaginação”, três conceitos que ele persegue em seus escritos estéticos. Em suas notas, Schiller 30
relaciona essas palavras ao movimento e mudança, e, na verdade, ele está profundamente interessado em transformar o indivíduo em primeiro lugar e, finalmente, a sociedade através de sua noção de educação. A necessidade de mudança no homem está nos tempos modernos, onde sua própria natureza tem­se deteriorado. Assim, Schiller vê a necessidade de reforma, não só para o social individual, mas, também, para a comunidade como um todo. Conforme Azevedo (2010),
Parafraseando Schiller podemos afirmar que o espírito do tempo faz com que a arte se afaste de sua busca da idealidade e imprima nos homens o sentimento da necessidade do princípio da utilidade. A verdadeira estética é dissolvida na estesia da parafernália onipresente do mercado e quando o instrumentalismo do entendimento, na forma da ciência, faz a arte romper a fronteira de seus domínios (razão estético­expressiva) faz também com que ela atue como uma forasteira entre os homens. Desta forma, o espírito humano debruça­se sobre a política e lega a ela as rédeas da condução do destino da humanidade. E crê­se que tal debate faz a humanidade avançar em seu aprimoramento enquanto espécie. Na esfera política, no entanto, é o interesse que está em jogo e isto pede a participação na forma do interesse daquele que pensa por si próprio, o do homem que já atingiu a maioridade intelectual definida como horizonte do projeto do esclarecimento. Abandonar a menoridade e servir­se de seu próprio entendimento pressupõe a ideia de liberdade individual e se seguimos a argumentação de Schiller devemos expor a condição de possiblidade desta liberdade. Nas suas palavras “é pela beleza que se caminha para a liberdade” (AZEVEDO, 2010, p. 27)
Em seu estudo Schiller (2002) argumenta, ainda, que os gregos antigos tinham uma humanidade natural, que acabou sendo perdida pelo homem. Eles viveram em uma época em que a arte, a religião e a ciência eram unificadas e compreendidas em virtude de sua interconectividade. Enquanto os gregos possuíam uma espécie de unidade divina entre a imaginação e a razão, Schiller afirma que nossa alma tornou­se fragmentada e lados diferentes de nossa natureza agora estão em desacordo um com o outro. Desta maneira, a coerência interna da natureza humana foi dilacerada, contenda interrompida a unidade harmônica e raciocínio intuitivo e especulativo foram divididos. Ele percebe que a reforma da sociedade deve começar com os seus cidadãos, e ele leva o seu objetivo estético, como a reintegração dos aspectos opostos do nosso ser. Neste sentido, Azevedo (2010) esclarece que:
O resultado da leitura da humanidade feita por Schiller é o quadro de crise de valores e de perspectivas. A ferida aberta da humanidade moderna encontra sua causa na cultura. Ao contrastar ao homem moderno o homem grego, temos talvez a visão mais clara do caminho sem norte que o ser humano percorre em busca de respostas que não obterá se não souber por elas perguntar da maneira adequada. O homem grego é sempre um 31
indivíduo de seu tempo, o homem moderno, imerso no turbilhão da pretensão de totalidade e universalidade a que foi levado pelo antropocentrismo, sempre extemporâneo. E sendo assim, se este último quiser olhar para o que acontece consigo, terá de fazê­lo sob a forma do esforço de erguer­se do chão suspendendo suas próprias tranças, ao estilo do Barão de Münchausen. O homem moderno deve afastar­se se quiser contemplar o mundo no qual se insere, deve ser homem extemporâneo, no entanto, ao modo de uma reação em cadeia, o homem moderno diagnostica a causa mais remota de sua crise na dicotomia entre sentidos e espírito iniciada pela sofística grega. (AZEVEDO, 2010, p. 35)
A educação estética surge como possibilidade de reintegração do ser, visando ao desfazimento das dualidades, o que nos leva a considerar a proposta Schilleriana em seu alcance pedagógico e no seu modo de conceber a prática pedagógica. Segundo o que registra Santos (1996),tomando por suporte as Cartas. A citada proposta é composta por dimensões que vão desde o conteúdo da educação até as considerações sobre a forma e o espírito da educação.
A primeira dimensão intitulada como o próprio conteúdo da educação evidencia a educação estética como primordial e inerente ao homem, qualquer homem, não sendo privilégio exclusivo de alguns artistas, uma vez que englobao julgamento do belo, o gosto e o sentimento, que são matérias subjetivas, que vão fazer aflorar a sensibilidade. Os objetos despertam os sentidos pela sensação de agradabilidade, pela emoção que são capazes de despertar e esses são sentimentos originários no ser humano, que podem ser desenvolvidos ou aguçados, mais em uns do que em outros, mas, nem por isso, atributos inerente somente a alguns. Ainda no dialogo com Santos (1996),destaca­se que: “A estética é da ordem do excesso e do transbordante. Ela brota da pujança do ser e da vida. É manifestação da liberdade da natureza e do espírito.” Assenta­se, desse modo que a dimensão estética já vem inserida como pendor nas faculdades humanas, sendo agente de desenvolvimento e harmonia dessas outras faculdades do espírito humano.
A segunda dimensão: o ambiente envolvente do processo educativo dá conta dos espaços, dos objetos, dos instrumentos, enfim, do meio pedagógico visto como um todo, ambiente que harmonize a qualidade estética com o meio cultural e humano, adverte, no entanto que esse não poderá ser entendido como um processo incondicional do estético, esteticização da vida, em que tudo seja reduzido e limitado, pois essa condição levaria a morte à estética que, somente, pode mostrar a sua pujança na multiplicidade, na diversidade.
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Por sua vez, a terceira dimensão, mediador pedagógico, destaca o principio da simplicidade e da singeleza, mostrando que o grande mérito de um gênio e fazer­
se compreender por uma criança, despindo­se da afetação para resgatar o valor estético e pedagógico da imagem, da metáfora, do símbolo. Essa dimensão traduz­
se na capacidade de exibir no sensível a forma e a liberdade exigidas por uma educação intelectual e racional. (Santos,1996).
Em sua quarta dimensão, a própria finalidade e horizonte da educação, Schiller propõe o desenvolvimento integrado das potencialidades do espírito humano. Chama a atenção para os perigos da evolução de uma das faculdades em detrimento das demais, o que resultaria em prejuízo para a coletividade. Propõe que se faça uma inversão que venha a contemplar o jogo livre e harmônico de todas as dimensões humanas. No dizer de Schiller, apud Santos(1996): “um intenso desenvolvimento de determinadas faculdades espirituais pode gerar homens extraordinários, mas só a harmonia das mesmas dará lugar a homens felizes e perfeitos. Essa totalidade destruída pela cultura, ainda no diálogo com Santos, somente será restabelecida com o advento de uma nova mais elevada cultura. Educação estética é por certo também educação para a arte e pela arte assim se nomeou a quinta dimensão schilleriana como proposta pedagógica. O que se observa nessa proposta é a busca da correção da arte e da prática da educação artística que contemplam faculdades isoladas, para Schiller as artes deveriam metamorfosear­se em todas as outras.
Finalmente, chega­se a sua sexta dimensão pedagógica, como a forma mesma e o espírito de toda a educação. O filosofo discorre sobre as atitudes do agir pedagógico, evidenciando que a estética é o domínio da liberdade, da livre liberdade, da liberdade sem coação.(1996). Tem­se nessa dimensão mais uma vez a reiteração da integração dos objetos e sentido. Schiller nos mostra que a conduta humana será sempre o resultados de concepções políticas pré­estabelecidas, assim a educação atenderá à noção que se vivencia, nesse pensar o que for regido por princípios éticos; ético será, se mecânica; forçosamente herdará tal qualidade; se estética, como pretendia Schiller, o homem seria o fruto da premissa: “Dar liberdade mediante liberdade.” Lógico está que, esse princípio não rege uma educação concebida no sentido tradicional com instrutores e currículos de estudo, a noção de educação de Schiller pretende ter um efeito igualmente esclarecedor sobre a humanidade. Não 33
pode ensinar conceitos científicos, mas cultiva a sensibilidade do indivíduo para compreender essas e outras ideias mais profundamente e com uma consciência mais equilibrada. Homens são transformados de forma sensata e moralmente, o efeito coletivo do qual é, ao mesmo tempo, social e político. De tal modo que o efeito da obra de arte ou do cultivar da modulação estética da psique é transformar o indivíduo para fora em direção ao mundo, para libertá­lo por seu papel na sociedade.
Logo, para um estado racional, moral de vir­a­ser, seus componentes individuais devem ser submetidos a certo tipo de experiência estética e a beleza deve ser mostrada como uma condição necessária para o ser humano. Em sua teoria da Educação Estética, Schiller procura definir beleza como essencial para nossa própria humanidade, apontando para o seu poder potencialmente redentor de unificar o nosso ser e, finalmente, reconstruir a comunidade social e política.
Schiller empresta muito de Kant na formação de suas ideias sobre Estética, emoldurando seu argumento com a terminologia kantiana de entendimento, a razão e a imaginação. No entanto, ele também modifica visivelmente muitas das teorias de Kant para se encaixar ao objetivo final da Educação Estética: a promoção da autonomia e emancipação dos sujeitos. No desenvolvimento de um programa desse tipo, Schiller tenta adaptar algumas das noções abstratas e teóricas de Kant, tornando­as mais práticas. Ele se conecta ao belo mais próximo da vida do que Kant, quanto à definição da beleza, como muito abstrata, muito distante de nossa experiência como seres humanos kantianos. Segundo Schiller (2002), a beleza deve nos tocar, envolvendo­se em nossa própria existência, pois só pode trazer harmonia e ordem, implicando­se em desequilíbrio e desordem.
Schiller ainda sugere a abolição do conceito de Kant na contemplação da beleza, pois ele valoriza, também, a liberdade e a autonomia. O objeto deve ser um fim em si mesmo e devemos desfrutar de sua beleza, independente de qualquer coisa externa a ela. Compreender a beleza desta forma sugere ainda um acordo com a noção kantiana de beleza como uma qualidade inerente ao objeto em estudo. Schiller demonstra muita preocupação com o que ele chama de “aparência” de um objeto. Sobre esta questão Azevedo (2010) esclarece que para Schiller,
a abstração, quando levada ao grau máximo, irá mostrar duas situações­
limite no humano e que o constituem simultaneamente como algo que permanece o mesmo e como algo que muda sem cessar. Ao primeiro 34
chama­se pessoa (ente), que se define pelo que é. Ao segundo chama­se estado, que se mostra como está. Aquele designa o sujeito, este as suas determinações. Ao permanecer o que é, altera­se o modo como está, e ao mudar o estado há a permanência do que é. No plano do absoluto os dois fatores coincidem, mas na perspectiva da finitude humana eles se distinguem, resultando no fato de nem a pessoa ser fundada no estado e nem o estado na pessoa. (AZEVEDO, 2010, p. 42)
Nesta perspectiva, para Schiller, os princípios orientadores da formatividade são dois: o princípio da manifestação absoluta da capacidade, que visa a tornar realidade e efetividade tudo o que é possível na natureza humana; o princípio da absoluta unidade de manifestação, que dá o caráter de necessidade a tudo o que é real, como afirma Azevedo (2010).
O objetivo de Schiller é preservar a sensibilidade do ataque da liberdade e, concomitantemente, assegurar a proteção da personalidade contra o poder das sensações. Para ele o objetivo comum é a formação, seja da capacidade de sentir ou da capacidade racional, contemplando a primeira e a segunda tarefa da cultura respectivamente.
Nesse sentido, Laponte citado por Amorim (2007) afirmou que a educação universitária brasileira está imbricada com um racionalismo ocidental, necessitando de uma intervenção de Educação Estética no interior acadêmico. Assim, a formação docente não visa à consciência ética e estética, ao contrário, está voltada apenas para a eficiência e eficácia orientadas para a gestão do poder social.
Segundo Duarte Júnior (2006 apud AMORIM, 2007, p. 58), Uma proposta de Educação Estética na universidade, em qualquer área, seria a formação básica para todos os cursos da universidade, em matérias, em disciplinas, em experiências com arte, porque não se vai botar as pessoas para ir à horta – embora eu ache que até se possa fazer isto, mas seria por demais revolucionário. Não proponho que as pessoas tenham aula de Estética no sentido de “vamos estudar Hegel, o que Hegel falou sobre arte, o que Platão falou acerca do belo”. Não é isso, não. Mas uma disciplina em que as pessoas assistam a filme, a peças de teatro, a partir disso discutam. Possível é. Mas há um monte de barreiras a se suplantar. É um caminho longo, bastante longo [...] (DUARTE JÚNIOR, 2006 apud AMORIM, 2007, p. 58)
É importante considerar que as peculiaridades do homem moderno decorrem da crise social, existencial e cultural, que possui raízes nos meados do século XIX. Culturalmente, passa­se a aceitar a ciência como única exclusiva fonte de explicação dos fenômenos e inovações, tanto que o intenso desenvolvimento industrial está aliado ao desenvolvimento científico.
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A era contemporânea começa aí: crescem a produção e o consumo dos bens manufaturados, o homem cria a ilusão de que o mundo se tornou menor, graças à velocidade dos meios de locomoção. A obsessão com o progresso resulta na intensa euforia, somada à crença na onipotência do homem, que se deixa guiar quase que exclusivamente pela razão. (TELLES, 2007, p. 327)
Nesse contexto, a concepção de que a razão era o fundamento do ato de conhecer, era defendida pelos positivistas, desconsiderando o fato das limitações existentes para o conhecimento da realidade. Os positivistas ainda defendiam a concepção de que o homem era impulsionado cegamente pela razão à conquista do mundo, contudo sabe­se que o motivador das conquistas é a vontade e não a razão. Considerando, inclusive que a realidade é mera ilusão, conclui­se que não há nada a conquistar.
Junto a essa concepção científica e materialista das coisas, que pretende explicar o sentido do universo quase que exclusivamente através da razão, se dá o desprezo da metafísica, privilegiando o conhecimento experimental da realidade. Logo, o conhecimento do real ocorre através de uma atitude eminentemente racionalista.
Conforme destaca Telles (2007), fundamentando­se em afirmações de Octavio Paz, filósofo e poeta mexicano, o mundo moderno se vê desprovido de sentido e o exemplo mais claro desta ausência de direção seria o automatismo da associação de ideias, que não está regido por nenhum ritmo cósmico ou espiritual, mas pelo acaso. Como o artista moderno, o poeta e o tradutor moderno é um iludido. Ele, no entanto, persegue esta ilusão, pois sabe que as inadequações entre a sua condição e a da sociedade negam­lhe o direito do vaticínio e da intemporalidade. (BARBOSA, apud TELLES, 2007, p. 329)
Sendo assim, o homem, inserido neste processo de perda de direção, acabou por se distanciar de si mesmo e se perdeu no mundo.
Não obstante, só à luz da tradição do verso inglês pode entender­se cabalmente a significação deste poema. Seu tema não é simplesmente a descrição do gelado mundo moderno, mas a nostalgia de uma ordem universal cujo modelo é a ordem cristã de Roma. Daí que o seu arquétipo poético seja uma obra que é a culminância e a expressão mais plena deste mundo: A divina comédia. À ordem cristã – que recolhe, transmuta e dá um sentido de salvação pessoal aos velhos ritos dos pagãos – Eliot opõe a realidade da sociedade moderna, tanto em suas brilhantes origens renascentistas, como em seu sórdido e fantasmal desenlace contemporâneo. (PAZ, apud TELLES, 2007, p. 329)
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Considerando esse contexto, não é de se admirar que o tratado de Schiller sobre a Educação Estética do homem foi ignorado após as críticas iniciais à sua publicação. Até meados do século XIX, as cartas foram discutidas principalmente em termos de suas implicações políticas. Uma das razões para a atenção da crítica esparsa às cartas foi a de que a familiaridade do público com obras poéticas e dramáticas de Schiller tendia a obscurecer seus escritos estéticos e filosóficos. Assim, o trabalho era visto como uma tentativa fracassada de Schiller para combinar princípios kantianos com sua própria terminologia, linguagem poética e retórica. Na década de 1820, em suas palestras na Universidade de Berlim, Hegel tentou libertar o discurso de Schiller a partir do contexto kantiano ao qual seu trabalho era até então discutido e comparado desfavoravelmente. Hegel insistia em que Schiller tinha superado as limitações advindas de Kant, e o mais importante era a concepção da estética como a execução de uma função meramente reguladora da união da natureza e da razão (TRIFONOVA, 2004; HEGEL, 2012). Como Kant, Schiller liga a autonomia da beleza com o conceito de jogo, embora ele desenvolva a noção mais profundamente do que Kant fez. Na verdade, o jogo é uma ideia muito mais rica na obra de Schiller que em seu predecessor, assumindo um papel fundamental no processo de desenvolvimento humano. Nesse sentido, Suassuna (2008) afirmou que:
A beleza é, assim, não uma propriedade do objeto, mas uma certa construção que se realiza dentro do espírito do contemplador, uma certa harmonização de suas faculdades. Entre estas, destacam­se a imaginação e o entendimento, e a harmonização entre elas é governada pelo sentimento de prazer ou desprazer. A beleza de um objeto não decorre, então, de qualidades do objeto: é obra pura e exclusiva do espirito do sujeito, que a fabrica interiormente, diante do objeto estético. (SUASSUNA, 2008, p. 31)
Levando­se em conta que os sentimentos, a imaginação são frutos do entendimento e que a beleza não é inerente ao objeto observado, mas faz parte da maneira de olhar de cada um, nasce dos sentimentos de prazer ou desprazer despertados no espírito do contemplador, e por entendermos como legítima a fronteira do belo, é que podemos classificar algo como feio, descomunal, horripilante. Passaremos a tratar, então de algumas obras incrivelmente belas em sua feiura, mostrando que, dependendo do espírito de quem as criou e do olhar de quem as reverencie, haverá sempre encantamento nas formas ásperas e contundentes do feio. 37
2.2 – O FEIO NA ARTE OU A ARTE DO FEIO
Formalmente, podemos definir o feio como o oposto visual do belo, como o que se apresenta em suas deformações, o que não segue uma ordem, ou o que resta desproporcional. Contudo, dependendo do olhar, as asperezas, as irregularidades é que se constituem na beleza, uma vez que o próprio Schiller afirma que só há beleza na multiplicidade. Aristóteles já se apercebia da preferência de alguns artistas pelo que é considerado feio, em seu texto Poética, ele destaque que:
“Nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, como, por exemplo, as representações de cadáveres”. (Aristóteles, Poética­ apud – Sussuna,2004)
Algumas obras de arte consagradas pela opinião pública dão conta dessa assertiva, a exemplo do poema de Jean­Nicolas Arthur Rimbaud, na paráfrase da célebre pintura de Sandro Botticelli, O nascimento de Vênus. A pintura representa a deusa Vênus emergindo do mar em uma concha, como mulher adulta, conforme havia sido descrito na mitologia romana, sendo empurrada, para a margem por Zéfiro e Clóris, o vento, e recebendo um manto bordado de flores. Visualizando a famosa obra de Botticelli ­1483.
Ilustração 4 – Quadro pintado por Botticelli­1483.
Já Rimbaud escreveu um poema, em que dá um colorido negro e amargurado e quase debochado ao quadro. Demos voz a imaginação de Rimbaud, em cuja concepção a Virgem se transforma em uma mulher que se constitui na antítese da visão de Botticelli.
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Ilustração do poema de Rimbaud ­ Vênus Anadiomene
Figure Ilustração da Vênus Anadiomene na visão de Rimbaud
Ilustração 5­ Paráfrase do quadro de Botticelli, na visão de Rimbaud
Poema parafrástico ao quadro de Botticelli – O Nascimento de Vênus
Vênus Anadiomene
Qual de um verde caixão de zinco, uma cabeça
Morena de mulher, cabelos emplastados, Surge de uma banheira antiga, vaga e avessa, Com déficits que estão a custo retocados.
Brota após grossa e gorda a nuca, as omoplatas Anchas; o dorso curto ora sobe ora desce; Depois a redondez do lombo é que aparece;
A banha sob a carne espraia em placas chatas;
A espinha é um tanto rósea, e o todo tem um ar
Horrendo estranhamente; há, no mais, que notar
Pormenores que são de examinar­se à lupa...
Nas nádegas gravou dois nomes: Clara Vênus;
E o corpo inteiro agita e estende a ampla garupa
Com a bela hediondez de uma úlcera no ânus.
A obra reflete o artista. Rimbaud era conhecido por sua alma inquieta e libertina, quando adolescente, fugia frequentemente de casa, viajou por três 39
continentes sem achar morada fixa, mantinha­se permanentemente embriagado e escandalizava a burguesia por seus trajes e aparência física descuidados. Esse espírito rebelde concebe, para a obra de Botticelli, uma paráfrase que horripila. A Vênus bela que encarna o amor, a fertilidade, a beleza é vista por Rimbaud como uma mulher feia e doente num contraste gritante e depreciativo com a Vênus original. Rimbaud choca o leitor, logo à primeira imagem, quando faz uma mulher morena surgir de uma espécie de caixão/ banheira de zinco pintado de verde, deixando entrever seus cabelos descuidados e sujos. Na sequência, a visão trazida é de uma mulher gorda, erguendo­se da banheira em uma espécie de dança, em que primeiro visualizamos sua nuca gorda, em seguida as omoplatas, as costas, há a sugestão de que a mulher é pequena e a marca pejorativa das banhas caindo amolecidas sobre a pele. Nos últimos versos, Rimbaud faz uma descrição do corpo nu que pode despertar repulsa. As palavras ampla garupa evoca uma dança erótica produzida por um animal e para culminar ele reproduz a imagem “a bela hediondez de uma úlcera no ânus.” numa clara evocação de práticas sexuais pervertidas. O uso da rima Vênus/ ânus aproxima o sagrado e o profano. O jogo das palavras nos leva a refletir sobre a intencionalidade do autor. O uso da antonímia bela/hediondez sugere repulsa e encantamento, como se, ao tempo que afasta, chama para si. O termo: examinar­se à lupa, em uma leitura mais detalhada surge como um convite para o leitor ler o poema e enxergá­lo além das primeiras impressões da linguagem. Com o uso da lupa o leitor será capaz de detectar a feiura lírica, isto é, a feiura transmutada pelo tratamento poético. Donde se conclui que durante uma leitura adicional do poema, o leitor irá se deparar com um novo caminho poético, um novo caminho estético em que o feio é o verdadeiro sujeito poético.
Esse mesmo caminho é trilhado por Edvard Munch, que em 1893, expôs em tela, o seu drama pessoal com a obra O Grito. A obra representa uma figura andrógina num momento de profunda angústia e desespero. O que, segundo sua biografia, seria o reflexo de seu estado de espírito. O artista foi educado por um pai repressor, órfão de mãe desde a infância. Decidido a se tornar pintor, afastou­se do pai, envolveu­se com uma mulher casada, sua irmã preferida foi interna em um asilo psiquiátrico. Um trecho do diário de Munch é a comprovação da carga emocional vivida por ele e refletida em sua obra.
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Passeava com dois amigos ao pôr­do­sol – o céu ficou de súbito vermelho­
sangue – eu parei, exausto, e inclinei­me sobre a mureta– havia sangue e línguas de fogo sobre o azul escuro do fjord e sobre a cidade – os meus amigos continuaram, mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade – e senti o grito infinito da natureza.
Munch imortalizou seu estado de ânimo no quadro O Desespero, que representa um homem de cartola e meio de costas, inclinado sobre uma vedação, o que retratava toda sua experiência pessoal. O artista, não contente com o resultado da pintura, idealizou outra figura que estivesse mais semelhante a si mesmo, buscou, então, uma figura andrógina, posicionou­o de frente para o observador, numa atitude mais desesperada, o quadro fazia parte de uma coleção de seis peças, intitulada Amor, representando as diversas fases dos casos amorosos, desde o encantamento inicial ao trágico final. O Grito, logicamente representava a última fase, daí o desespero, a angústia demonstrados na figura.
O Grito
Ilustração 6‐ O Grito, obra de Edvard Munch – 1893
No quadro, o céu é retratado com cores quentes em contraste com o rio azul que sobe e emenda com o horizonte, formando um todo confuso, conturbado, a figura também se veste de azul, não tem cabelos como a demonstrar um estado de saúde precário, os elemento como céu, rio e figura estão tortos refletindo a desarmonia do conjunto causada pelo urro de dor emitido pela figura central, como se tudo tivesse sofrido o impacto do grito, tudo o que se abalou com o grito está torto. Continuam retos, apenas, a ponte, por ser de concreto e os supostos amigos, que não se abalaram com o impacto do grito porque não se sensibilizaram. O que 41
leva a supor que a amizade é duvidosa e que o humano pode ser insensível à dor do próximo e somente a natureza é solidária.
A dor do grito que rasga o rosto vazio da figura solitária e reverbera incessantemente em volta da tela( EAGLETON,1993), está presente na natureza para deixar registrado que a dor para quem sofre é tão pungente que chega a mudar a paisagem. Isso promove uma interação entre o espectador e o quadro, que passa a ver o mundo disforme tal qual o quadro sugere. Nessa obra é possível a constatação de que o feio é o sujeito estético capaz de expressar toda a beleza na sua estranheza.
Kant percebeu em suas pesquisas que o campo estético não se esgotava com o Belo. Mas a Beleza era passível de ser apresentada por dois tipos diferentes: o Belo e o Sublime. Ele então traduz que o Belo era uma sensação desinteressada, serena e pura. O Sublime, ao contrário seria um sentimento estético misturado de sensações agradáveis e de terror, experimentado contra o interesse dos sentidos, mas que exerce uma atração irresistível, segundo Suassuna(2008) é como se o espírito experimentasse um estranho agrado ao captar o terrível, o indeterminado, aquilo que se baseia num conflito entre a natureza e a razão. Daí, a afirmação de Kant: ( Apud, SUASSUNA, 2008)
A disposição de experimentar o sentimento do sublime consiste numa receptividade do espírito a respeito das ideias, porque é precisamente nessa inadequação da natureza e das ideias que consiste, para a sensibilidade, esse terror mesclado, no entanto, de atração.
O poema de Rimbaud, a Vênus Anadiomene, e a Obra de Munch são a representação do sublime, pois encantam pela inadequação que estampam aos olhos do observador. Quando o feio é mostrado em uma obra de arte é um meio de constatarmos a vitória do gênio criativo e de nos fazer captar os fatos da vida e do mundo. Lógico que o mundo não é composto somente por partes belas, portanto a arte que se ocupa, apenas do Belo, pode ser pura, mas menos forte que a representação do Feio, que em sua aspereza é mais parecido com a realidade e mais palpável aos nossos olhos.
Os gregos adeptos de Platão excluíram de suas obras o que eles denominaram de Arte Feia ou tudo que partisse do feio para chegar à beleza, Isso parece lógico, uma vez que eles concebiam a arte como um modelo do ideal de 42
todas as coisas. Nesse pensar, o feio era preterido, pois somente o belo seria capaz de refletir com mais intensidade a Beleza ideal, mais absoluta. Na contramão dessa corrente, está Santo Agostinho que, mesmo sendo discípulo de Platão, tratou da presença do Feio e do Mal nas obras de arte e na vida, de modo claro e preciso, esclarecendo, entre outros pontos, que ambos são legítimos e necessários para que o Belo e o Bem se estabeleçam e sejam valorizados através do contraste evidente entre eles.
Sem negar suas bases platonianas, Agostinho, no entanto, serviu­se dos fundamentos do pensamento aristotélico para legitimar seu entendimento sobre a questão do Feio e do Mal nas obras de arte. Segundo a fórmula de Aristóteles a Beleza estava na “unidade na variedade”. Algo só seria considerado belo se o seu conjunto refletisse a harmonia, ordem e a unidade em todas as suas partes. Embora alguns pensadores tenham entendido que as variedades de partes eram, tão somente, as partes belas, Agostinho afirmava que a fórmula aristotélica deveria ser revista e ampliada, pois em sua concepção uma obra de arte era bela quando o artista dava unidade a uma variedade que, na natureza podiam ser belas e feias, sugeriu que fosse instituindo a unidade de contrastes, como oposição de contrários. Dessa forma as partes feias entrariam no conjunto como elementos valorizadores das partes feias. Bernard Bosanquet, em História de la Estética reitera o que foi afirmado, quando diz que:
A variedade correlativa à unidade na Estética formal antiga é aprofundada por Agostinho na oposição dos contrários, que ele considera essencialmente incluída na harmonia do universo, como num belo canto, ou nas antíteses da Retórica, ou nas partes sombrias de um quadro, que não o enfeiam, se estiverem colocados no lugar devido. A essência dessa teoria estriba­se em reconhecer o Feio como elemento subordinado ao Belo, ao qual serve de fundo para que ele ressalte; contribuindo, porém, para produzir, no conjunto, um efeito que é harmonioso ou simétrico, totalmente ou quase, no sentido tradicional.
Esse modo de pensar a relação entre o Feio e o Belo nas obras de arte, tem aquiescência na Estética Contemporânea, mas não respaldam as obras apresentadas: Vênus Anadiomene de Rimbaud e o Grito de Edvard Munch são exemplos de obras cujas partes belas estão justamente na estranheza de sua origem. O Feio não as compõe para realçar o Belo, mas para se fazer sujeito da 43
obra. O trágico, o sublime se faz do horrendo, do repugnante. “a Arte do Feio é a Arte da Beleza tanto quanto a Arte do Belo, é tão legítima quanto esta última”. (SUASSUNA, 2008).
A Estética é, portanto, como defende Suassuna (2008), uma reformulação da filosofia inteira no que se refere à beleza e à arte, exercendo um papel importante e dominante no pensamento contemporâneo. 2.3 – A ESTÉTICA E O PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO
A modernidade é marcada por uma virada profunda nos conceitos arraigados: o conhecimento vira Ciência, desliga­se das restrições éticas e, num voo solo, passa a operar, tendo por amarras as suas próprias leis internas e autônomas. O mesmo se dá com a investigação ética que se desvincula do julgo eclesiástico e passa a visar às questões de justiça e à dignidade humana. Nesse contexto a arte se torna parte integrante da produção, uma mercadoria à disposição de quem as possa comprar. Ganha a liberdade de mercado. Eagleton (1993) pontua que:
A arte é agora autônoma em relação ao cognitivo, ao ético e ao político; mas isso aconteceu por um caminho paradoxal. Ela se tornou assim ao se integrar ao modo capitalista de produção. Quando a arte se torna uma mercadoria, ela se libera de suas funções sociais tradicionais no interior da igreja, do tribunal ou do estado, ganhando a liberdade anônima do mercado.
Na contramão da arte está a estética que nasce desse caos como força integradora, com poder político, transmitindo à arte um modelo ideológico capaz de subverter a ordem das coisas postas e juntar o prazer, a razão e a moral como os três princípios das ações humanas. A estética passa a englobar os três discursos, mas anulará dois deles e é nesse ato que a verdade, o cognitivo, tornam­se aquilo que satisfaz a mente; a moral é convertida numa questão de estilo, de prazer ou de intuição.(EAGLETON,1993).
O início da Modernidade foi marcado por rupturas de valores consolidados. Os artistas reagiram às formas tradicionais, não só das artes plásticas, mas também dos diversos setores da sociedade. Esse movimento baseou­se na crença de que se fazia imprescindível a dissolução de valores assentados e arcaicos. Idealizou­se um movimento que fosse capaz de romper as diversas ordens vigentes, instituindo, em seu lugar, uma nova cultura. Os criadores do movimento propuseram­se a reexaminar cada aspecto da existência, do comércio da filosofia, com a finalidade de 44
erradicar as marcas antigas e substitui­las pela nova maneira de pensar e de ver o mundo. Tinha­se a consciência de que as novas realidades trazidas pelo século XX, o automóvel, o cinema e as máquinas voadoras, eram permanentes e resultariam num progresso material espantoso, como arma de convencimento, argumentavam que as pessoas deveriam aceitar o que era novo que, de igual maneira, era bom e belo. Os artistas mobilizados aderiram a uma forma agressiva de cultura, adotando uma nova linguagem estética. Assim, na área da poesia recusam­se os temas poéticos já gastos, as estruturas vigentes da poética ultrapassada. A arte ganha nova dimensão pela adoção de objetos não estéticos e o dia­a­dia, na sua pluralidade, passa a se constituir no novo tema das artes. No Brasil, essa fase da litero­social ecoa no modernismo, trazendo à tona toda a irreverência de grandes poetas representativos desse movimento, a exemplo de Manoel Bandeira que, em 1930 consolidou a ideia de liberdade estética, com o volume Libertinagem. A obra é composta por poemas triviais, abordando a temática existencial e grande exploração de cenas e imagens brasileiras. Em Poética, Bandeira(1922) compôs um verdadeiro manifesto à liberdade estética. Vejamos:
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo
[e manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho
[ vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxe de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co­senos secretário do amante exemplar
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[ com cem modelos de cartas e as diferentes
[ maneiras de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clown de Shakespeare ­ Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Deparamo­nos com um Manoel Bandeira cáustico, com um texto de propostas modernistas e críticas mordazes ao tradicionalismo e a tudo que a velha linguagem estética preconizava. As críticas que fundamentam o 1º., 2º., 4º. e 5º. versos dirigem­se aos poetas parnasianos pelo excesso de formalismo, a burocracia exacerbada e a absoluta falta de espontaneidade. Já nos versos 3º. 6º. e 7º. o poeta apresenta a sua proposta para a liberdade de expressão e autenticidade. Há no poema, uma rejeição ao código linguístico convencional dando vida a novas linguagens literárias. É o renascimento de nova concepção da estética. Segundo Eagleton(1993): A construção da noção moderna do estético é assim inseparável da construção das formas ideológicas dominantes da sociedade de classes moderna, e na verdade, de todo um novo formato da subjetividade apropriado a esta ordem social. É em função disso, e não de um súbito despertar de homens e mulheres para o valor superior da poesia e da pintura, que a estética assumiu um papel tão oportuno na herança intelectual do presente. Porém minha tese é de que a estética, entendida um sentido determinado, coloca igualmente um desafio e uma alternativa poderosos e estas mesmas formas ideológicas dominantes. Trata­se, assim, de um fenômeno especialmente contraditório.(EAGLETON, 2010, p.8)
Inegavelmente, uma das consequências sociais da Revolução Industrial foi a disseminação do individualismo, o que significou uma desconstrução das antigas visões de mundo, que eram comunitárias. Através delas, o valor do homem estava contido em sua participação no coletivo – o clã, a tribo, o feudo. O individualismo pode ser considerado, ainda, como a mola propulsora para a transição para uma nova ética e uma nova política, uma nova estética descentrada, emancipada do coletivo, na qual o homem vale por si só e não pelo estatuto que a comunidade lhe outorga. Vale aqui destacar que a emancipação provoca o individualizar, o que acaba por desprender o homem das malhas do todo social.
Nesse contexto, a idolatria do “Eu” prevalece, o que consequentemente leva à idolatria da propriedade. Telles (2007, p. 328) defende que uma das marcas do 46
mundo contemporâneo é a “obsessão pela produção desenfreada de novidades”. Essa atitude em busca contínua pelo novo conduz ao modismo e, consequentemente, ao princípio de que tudo é transitório e descartável. Na sociedade contemporânea, os objetos artísticos e as mercadorias são consumidos tão vorazmente que acabam por ter curta duração. A movimentação desenfreada da tecnologia gera a rápida mudança de valores, ocasionando a sensação de fragmentação, que ocorre também com o homem, como uma consequência da movimentação ininterrupta dos fenômenos vinculados à ciência. Logo, considerando o que já foi exposto, podemos observar que o mundo moderno contemporâneo é um mundo adverso e transitório, que aponta para a fugacidade.
Adorno (2004) colabora para a compreensão desta sociedade quando aponta que um prazer momentâneo e supérfluo é oferecido aos indivíduos pela visão estética advinda da indústria cultural. Um exemplo extremamente presente em nosso cotidiano é a questão da tecnologia, já que basta observar a situação dos aparelhos adquiridos que, em pouco tempo, se tornam obsoletos. Além disso, existe a exigência de que os indivíduos consumam outros aparelhos que trazem o apelo das novidades. Entende­se que a técnica está, sem dúvida, a serviço do capital, o que, para Adorno, demonstra como o pragmatismo tem um sentido negativo, pois tende a impedir a emancipação do indivíduo, servindo apenas à semiformação. A expressão indústria cultural é cunhada por Adorno (2004) para designar o que tende a impedir a emancipação dos sujeitos, pois os transforma em consumidores, padronizando. Segundo o autor, o problema da Educação é o afastamento de seu objetivo essencial: a promoção do domínio pleno do conhecimento e a capacidade de reflexão do indivíduo. Desta forma, podemos perceber que a escola tornou­se num mero instrumento a serviço da indústria cultural, que concebe o ensino como uma mera mercadoria pedagógica em prol da "semiformação". Essa perda dos valores, ainda conforme Adorno (2004), anula o desenvolvimento da autorreflexão e da autonomia humana. O autor critica a escola de massa porque ela, segundo ele, instala e cultua a massificação. Em consonância, Freitas afirma:
Que a cultura de massa como um todo é narcisista, pois ela vende a seus consumidores a satisfação manipulada de se sentirem representados nas telas do cinema e da televisão, nas músicas e nos vários espetáculos. Todos os heróis da indústria cultural são sempre pensados para refletir algo do que as pessoas já percebem em si mesmas, só que engrandecido pela 47
elaboração dos meios técnicos cada vez mais refinados da indústria da diversão. (FREITAS, 2008, p. 19).
Assim, é possível compreender o pensamento de Adorno: ele procura enxergar o presente, pois anseia se posicionar diante da sociedade e, ao mesmo tempo, tenta buscar estratégias que possam gerar rupturas com as ideologias consequentes da indústria cultural. Portanto, a palavra Estética deveria ser distanciada daquela concepção que carrega a ideia de leveza ou docilidade. Conforme Adorno, esta palavra precisa ser incorporada com o significado de “um modo de existir no mundo”, que auxiliasse o indivíduo a compreender a própria vida e o outro, sempre levando em conta as inclinações, as possibilidades e as limitações desse outro e, ainda mais, reconhecendo­lhe o valor. A teoria estética proposta por Adorno (1970) é, ao mesmo tempo, crítica e filosófica. O autor avalia que a arte encontra­se em estado de paralisia e que a própria autonomia da arte tem se voltado contra ela. Adorno (1970) ainda alerta que a arte se encontra na esfera das mercadorias e servindo como veículo ideológico ao poder social.
Apenas no estado ético, o homem transformado seria capaz de transformar a sociedade em que vive, já que seria possível revolucionar e perpetuar o estado ideal de liberdade, fraternidade e igualdade, pois este estará a favor da vida. Schiller é um pensador que, apesar de sua aparência utópica, inova por apresentar um ideal de superação humana, compreendendo esse ideal como um devir, como uma finalidade para a existência humana e com uma meta possível de ser alcançada. Paulo Freire (2000) também mantém a unidade entre ética e estética, por ele denominadas como decência e boniteza que devem sempre andar de mãos dadas. Para Freire (2000), como o homem cria sua existência e também a si próprio através da educação, entendida aqui como processo contínuo, o resultado desta criação pode enfear ou embelezar o mundo, por isso apresenta­se a impossibilidade de eximir­se da ética, apesar do homem fazer seu mundo a partir de sua liberdade. Desse modo, Freire defende a ligação entre ética e estética, já que a obra humana pode embelezar ou enfear o mundo, portanto, a ação humana é estética e implica em responsabilidade ética, o que converge para as ideias defendidas por Schiller e o que os faz cada vez mais próximos.
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A principal semelhança entre as visões defendidas por Freire, Schiller e Adorno está na concepção de autonomia, pois todos percebem o homem em sua totalidade, superando o pensamento kantiano entre homem racional e homem irracional, enxergando o homem ontológico, suas relações com o mundo externo e interno, seu sentir, pensar, viver.
Considerando que a estética está no campo do sentir, é possível perceber que quando o indivíduo vê algo que lhe causa arrebatamento, consequentemente lhe traz do lúdico para a razão, o que significa sua compreensão acerca da Educação Estética, pois, a partir desse momento, é capaz de entender e usar a razão para traduzir algo que lhe causou uma sensação.
É importante ressaltar que a Educação Estética prioriza a imaginação, o lúdico, a estética do cotidiano, que podemos considerar o design, a arquitetura, o artesanato, a música popular, a comunicação audiovisual e a arte da rua, além de todas as outras expressões artísticas e os estilos da sociedade. O que neste mundo cada dia mais embrutecido, onde as relações humanas estão “coisificadas”, pode servir de alento para dar visibilidade às diversidades sociais, já que a Educação Estética coloca em prática a educação e a formação, considerando o racional e o sensível como faculdades do homem que ao mesmo tempo o tornam humanidade. Na contemporaneidade, as perplexidades e conflitos tornam­se pano de fundo para refletir sobre a estética do discurso diante das particularidades das características culturais específicas do ethos da sociedade de nosso tempo: a velocidade das transformações provocadas pelo poder hegemônico das tecnologias e suas repercussões para a vida humana no presente e no futuro.
Nesse tocante, Santos­Neto (2010) colabora com seus esclarecimentos acerca do mito de Cronos, que pode auxiliar para a compreensão da fragmentação e desumanização do ser humano. Cronos é o tempo que devora, num processo frenético, sem proporcionar tempo para pensar, refletir, sem opções a fazer. Desta forma, sistematicamente são negados ao sujeito a tomada de decisões e as escolhas, o que acaba sendo realizado tomando como único horizonte atender os interesses alheios. Santos­Neto (2010) ainda nos desafia a nos tornarmos Zeus, ao ressaltar que a narrativa mítica contempla astúcia, transgressão como atitudes de Zeus que possibilitaram a mudança da situação de opressão de Cronos, rompendo com uma leitura de mundo fatalista e determinista da realidade. O autor ainda defende que o 49
primeiro passo de ruptura seria o sujeito compreender o mundo das relações sociais, econômicas e culturais da contemporaneidade. Assim, Santos­Neto (2010) esclarece acerca dos cinco princípios básicos do neoliberalismo: A naturalização do mercado: deixa de ser um construto histórico e ganha estatuto de realidade natural; seguindo vem a epistemologia da verdade única, o sujeito contemporâneo é dispensado de pensar por si, alguém pensa por nós a verdade de que o neoliberalismo é a verdade última, em terceiro lugar a homogeneização das consciências, onde as diferenças, singularidades, conflitos e contradições são abolidas (reforça a ideia anterior), a quarta é o ataque ao vínculos, esta dinâmica nega a disposição de construir juntos, da solidariedade, do encontro, do diálogo com o outro. O neoliberalismo estimula o individualismo e cria o hiperindividualismo e por último a fragmentação e formalização do conhecimento que determinam a separação entre sujeito e objeto, ser e fazer, conhecer e ter, mundo externo e mundo interno, o eu e o outro, o que provoca a perda da realidade e de nós mesmos. (SANTOS­NETO, 2010, p. 118) Nesse sentido, a fragmentação e desumanização ocorrem quando o indivíduo:
Deixa­se enredar pelas dinâmicas expressas nos pressupostos anteriormente mencionados ele termina por renunciar à própria autoria, à capacidade de leitura crítica do mundo, à possibilidade de defender um projeto alternativo à visão dominante dentro da sociedade e à possibilidade de constituir­se como sujeito livre. Este é um processo de desumanização que se alastra e torna ainda mais cativo os seres humanos que vivem nesta sociedade. (SANTOS­NETO, 2009, p. 121)
Ainda na perspectiva de Santos­Neto (2010), o processo de consciência de si e da consciência política ocorre por meio do autoconhecimento. Em consonância, Dubar (2009) defende que:
A forma “biográfica para si” é aquela que implica o questionamento das identidades atribuídas e um projeto de vida que se inscreve na duração. É “aquela história que cada um conta de si mesmo sobre o que ele é”, aquele si narrativo que cada um tem necessidade de fazer reconhecer não só por outros significativos mas também por outros generalizados. É o início de uma busca de autencidade, um processo biográfico que se acompanha de crises. É a continuidade de Eu projetado em pertencimentos sucessivos, perturbado pelas mudanças exteriores, sacudido por eventualidades da existência. A continuidade é a de um ethos, ou melhor, um olhar ético que dá sentido à existência inteira. (DUBAR, 2009, p. 73). Do quer se disse, conclui­se que, enquanto na modernidade predominou a exclusão de tudo que fosse considerado arcaico, ultrapassado, foram negados valores, na contemporaneidade agregam­se todos os estilos estéticos, convivemos harmonicamente com o híbrido, aceitando­o com naturalidade e, às vezes não nos damos conta da mistura que nos rodeia, porque esse processo também habita em 50
nós. Vivemos a pluralidade, inexistindo a beleza ou a verdade únicas, o mundo tornou­se polissêmico e polivalente o que nos permite maior liberdade de viver e conhecer novas possibilidade do nosso ser, com novos experimentos e expectativas estéticas.
3. ANÁLISE DO DISCURSO E SUA CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DOCENTE
Nesse capítulo, Aborda­se o fazer da Análise do discurso nas aulas do Curso de Letras CESMAC, atestando o poder da linguagem e a relação entre professor e aluno em situação de aprendizagem a partir da Educação Estética como proposta para o desenvolvimento da sensibilidade.
3.1 A Questão é a Linguagem
Sabe­se que a linguagem extrapola a mera condição de comunicação e de transmissão de informações, pois é dotada de mecanismos naturais que abarcam elementos ideológicos e sociais. Torna­se impossível, portanto, perceber a linguagem, sem que esta esteja vinculada ao sentido ideológico e vivencial, seu modo de ser está, indissociavelmente, atado ao contexto imediato e às condições de comunicação. Através desse processo simbiótico é permitido o acesso à realidade, da qual ela se faz mediadora, de forma tão intrínseca e essencial, que podemos afirmar que a realidade circundante é a tradução que dela nos faz a linguagem. Ser humano é ser linguagem (BAGNO, 2010). A linguagem, assim pensada, carrega um conjunto de significados que, socialmente, foram dados a ela. Desse modo, uma palavra toma a feição intencional do sujeito falante, e seu conteúdo semântico passa a apresentar diferentes significados, para atender às necessidades de comunicação desse usuário. Diz­se, então, que o enfoque da linguagem é constituído por um conjunto heterogêneo sem limites predefinidos e marcados por regras vinculadas ao contexto e aos sentidos dados pelo sujeito.
A linguagem, como processo histórico, tem sido entendida, sob variados aspectos, segundo Koch,(2010), há três princípios basilares que podem sintetizá­la: Na primeira concepção, a linguagem é vista como “espelho” do mundo e do 51
pensamento. O homem representa para si o mundo através da linguagem. Esta seria a função representativa, a linguagem seria o reflexo do pensamento e do conhecimento humanos.
A segunda concepção considera a língua como um código capaz de transmitir as mais variadas mensagens. Nesse sentido tem­se que a linguagem é tão somente uma ferramenta da comunicação.
A terceira concepção de linguagem encara a língua como uma atividade, uma forma, um lugar de ação interindividual finalisticamente orientada, possibilitando aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de ações discursivas. As muitas maneiras de se significar. Foi pensando essa variedade que os estudiosos começaram a travar um interesse particular, surgindo, daí, a Análise de Discurso.
O que se ressalva dessa concepção é o nascimento de uma nova maneira de encarar os fatos linguísticos, que não se prende no trato com a língua, não lida com a gramática, embora mantenha por ambas um profundo interesse, mas visa ao discurso, procurando o ponto exato em que a língua faz sentido, estabelecendo a mediação necessária entre o homem e a realidade natural. Essa nova concepção está assim definida por Orlandi(2007):
A palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é, assim, a palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa­se o homem falando.
Para maior esclarecimento convém atestar que a gramática trabalha com frases como: “o homem destrói a natureza”, baseando­se em sua estrutura sintático­
semântica, analisando­a em sintagma nominal­ sintagma verbal, ou sujeito­ verbo­
complemento. Observemos a estrutura através do diagrama arbóreo:
SO
SV
SN V SN
O homem destrói a natureza.
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Sujeito verbo complemento
Quaisquer que sejam as nomenclaturas atribuídas aos componentes da frase, o que se percebe é que os elementos não possuem referentes no mundo, a junção das palavras não forma um sentido, os signos constitutivos da frase são significantes destituídos de significado. O discurso leva em conta o enunciado atestado, produzido sob determinadas condições em que essa relação frástica passa a fazer sentido por meio da discursividade datada, específica e atualizada, ou seja, dentro das condições de produção do enunciado, num contexto imediato, seja um título de uma fábula “o homem destrói a natureza”, uma manchete de jornal,“ O homem destrói a natureza.” O grito de alerta de um ecologista, “O homem destrói a natureza!” O sentido é efetivado pela interdiscursividade, o que leva a rotular o homem como o ser capaz de destruir, matar ou imprimir maus­tratos a outros seres.
A Análise de Discurso para estabelecer sentido ao discurso leva em conta o tempo, lugar, papéis representados pelos interlocutores, imagens recíprocas, relações sociais e objetivos visados na interlocução, pois esses elementos são constitutivos do sentido do enunciado: a enunciação vai determinar a que título aquilo que se diz é dito. (KOCH,2010).
Fica evidente que a Análise de Discurso não trabalha a língua enquanto um sistema de signos abstratos, mas com a língua situada no mundo, observa as diversas maneiras de significar, detém­se no homem falando, considerando o sentido vinculado aos processos históricos, à historicidade e as condições de produção da linguagem. Tem­se então que a linguagem se assenta na ideologia e esta, por sua vez, está assentada na língua, tendo sempre em vista que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua, adota o tripé língua­discurso­ideologia que se consistirá na base para o trabalho desenvolvido por ela. Pêcheur (1975) deixa bem claro esse fato, quando afirma que não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia : o individuo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido.
Nesse ponto faz­se necessário que se distinga a inteligibilidade, a interpretação e a compreensão. A inteligibilidade está ligada a língua: “ele disse isso” é inteligível, pois basta saber português para que o enunciado seja inteligível; mas não é interpretável, uma vez que não está claro quem é o sujeito nem o que ele disse. A interpretação está ligada ao co­texto, ou seja, às outras frases do texto e ao 53
contexto imediato. Assim em uma determinada situação Maria diz que Antônio vai ao cinema. João pergunta como ela sabe e ela responde: “Ele disse isso”. Assim já nos é possível interpretar, pois a ação está voltada para Antônio que é o enunciador e o que ele disse se constitui em enunciado. Em contra partida, a compreensão do que ele disse perpassa pelo contexto imediato e pelas condições de produção do enunciado, permitindo que se escutem outros sentidos “não ditos” e “já ditos” que são evidentes no instante da enunciação. Nas palavras de Maria pode­se compreender que ela não quer ir, ou que Antônio é quem decide tudo, ou ela está indo a outro lugar. Os “não ditos” e “os já ditos” levam à compreensão de como um enunciado está pleno de significância para e por sujeitos, é nessa relação sujeito e sentido que são produzidas as novas práticas de leitura.
Orlandi, (2007) esclarece que as condições de produção podem ter duas direções: em sentido estrito que se constitui das circunstâncias da enunciação, é formado pelo contexto imediato, ou seja, espaço físico, os sujeitos envolvidos e o momento mesmo em que está se processando o enunciado. Ou em seu sentido amplo que inclui o contexto sócio­histórico, ideológico. É formado pelos elementos que derivam da forma da nossa sociedade e pela história. Acrescidas, ainda, da Memoria que se efetiva no interdiscurso, ou memória discursiva o que permite todo dizer e que se acha em nós sobre a forma de pré­construído, “o já dito” indispensável para sustentar cada tomada de palavra. Orlandi (2007), nos diz que:
Essa nova prática de leitura, que é a discursiva, consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não­dito naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária.
Nessa acepção é difícil traçar os limites entre o mesmo e o diferente, quando falamos mexemos em uma rede de filiação dos sentidos, mas falamos com palavras já ditas e desse jogo entre o mesmo e o diferente que se chega a conclusão de que o processo discursivo tem como base o processo parafrástico que se assenta no retorno aos mesmos espaços do dizer, produzindo diferentes formas de um mesmo dizer solidificado pelos fatores sócio­histórico e ideológico e o processo polissêmico que se forma em torno da ruptura dos processo de significação. Ao fazer irromper o novo, faz nascer novas significações.
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A tensão entre a paráfrase e a polissemia é melhor compreendida, quando atrelada à dimensão estética, conforme se pode constatar na peça de publicidade de um produto de uso domiciliar. Ilustração 7­Processo mesclado entre paráfrase e polissemia
Pela observação do apelo publicitário evidencia­se o processo parafrástico da peça. O “já dito” fica por conta da imagem em que se faz uma clara alusão ao famoso quadro de Leonardo Da Vinci, numa reiteração do dizer já cristalizado, promovendo um retorno, embora variado, do mesmo espaço dizível. Tem­se aí a produtividade, pois mantém o homem dentro do “mesmo”, ainda que sejam consideradas suas variações.
No entanto, na mesma peça, é possível a escuta de outras vozes, além da voz de Da Vinci. É possível entender o processo de ruptura, de subversão da arte para atender às necessidades imediatas da publicidade. Assim irrompe o processo de criatividade que se constitui na polissemia, damos novos significados ao “já dito” através das outras vozes como: do designer, da agência de publicidade, dos detentores do produto, do ator que incorporou a Mona Lisa, e as vozes a quem se destina o produto veiculado.
A dimensão estética em meio ao discurso é um processo necessário para o aguçamento da sensibilidade para a percepção dos “não­ditos” em qualquer formação discursiva. Através dela pode­se concluir que o apelo publicitário, ao destacar a mensagem – “Deixa sua roupa uma perfeita obra prima”­ procura passar a ideia de que o produto é tão perfeito, quanto à famosa obra de arte. As palavras “perfeita” e “obra­prima”, ao tempo em que caracterizam a roupa lavada com o 55
produto, também o vinculam à obra pela perfeição, pela condição de sofisticação e plenitude da arte de Da Vinci.
Percebe­se, também que os diversos sujeitos serão afetados de diferentes modos pela propaganda: os que não reconhecerem a voz de Da Vinci, por não terem acesso à cultura, notarão, apenas a figura hilariante de um homem vestido de mulher, aparentando um meio sorriso. Serão afetados pela comicidade da figura e pelo logotipo característico da marca popular. Apenas os que reconhecerem a Voz de Da Vinci serão afetados pela ideia de perfeição veiculada na peça publicitária. Os idealizadores da propaganda serviram­se de um gesto intencional, cujo objetivo era atingir a uma camada da sociedade elitizada culturalmente que fosse afetada pela noção de perfeição que liga o produto à obra de arte e, ainda com poder aquisitivo para o tipo de produto apresentado.
Dessa maneira, a interação Educação Estética e Análise de Discurso é capaz de empreender um olhar mediador entre a realidade e a sensibilidade, despertando no aluno os princípios que o levam a compreender o eco das entrelinhas, a reconhecer as diversas vozes e a dialogar com elas, entendendo a pluralidade de significados presentes em uma formação discursiva. 3.2 – A estética do discurso: desafios e possibilidades de desenvolvimento da autonomia e emancipação
A estética do discurso percebida em todas as expressões: escrita, falada ou outras formas de expressão, que tomam como objeto o que se acredita ser uma qualidade, uma dimensão, ou um aspecto da realidade, ou seja, “qualidade estética”, “dimensão estética”, “aspecto estético”. Portanto, como geralmente ocorre dentro do discurso, não é nem redutível a teorias individuais, ideais ou escolas de pensamento, não se detém a períodos históricos, estilos ou a expressão e preferências culturais.
O discurso estético não é divisível em linhas disciplinares ou profissional. É uma formação que é difundida na filosofia, tanto quanto na prática de arquitetura, literatura, quanto política, religião ou toda a vida.
Constitui­se por um conjunto de conceitos e termos (objetos discursivos) que se referem a alguns outros fenômenos físicos ou discursivos. Uma forma específica de formação de conceitos no discurso estético compreende conceitos ou termos de 56
outras disciplinas e discursos que têm pouca ou nenhuma conexão com a arte. Esta operação pode ser chamada de “transposição estética”. O que é específico para a Estética é que expressões metafóricas têm que estabelecer sua referência a algo como uma manifestação, assim, a transposição estética envolve olhar para algo como se fosse apenas a si mesmo.
Nessa reflexão a estética do discurso pode estar presente no discurso ideológico, que é um tipo de discurso que atua como meio de expressão para determinadas ideologias, ou seja, maneiras particulares de representar as condições reais para os envolvidos. A tarefa principal é a expressão de formas particulares de ver a realidade, experimentar, responder e avaliar o mundo. Portanto, o discurso estético está relacionado a objetos reais sobre os quais ele fala.
Assim, a estética do discurso é a escrita imaginativa, que exige dos escritores formas únicas de expressar suas ideias através da poesia, ficção, drama, etc. Esse tipo de escrita permite a expansão dos pensamentos e a expressão das ideias que poderiam ser consideradas como irreais ou inventadas, mas, ao mesmo tempo, permite­nos apresentar temas e emoções que podem beneficiar não apenas a mim, mas a todos os envolvidos.
Segundo Maingueneau (1997), atualmente, a Análise do Discurso praticamente pode designar qualquer coisa, uma vez que toda produção de linguagem pode ser considerada discurso, devido à própria organização do campo da linguística. Trata­se de um campo que alguns consideram rígido a uma periferia, cujos contornos instáveis estão em contato com as disciplinas vizinhas. A primeira região é de propriedades formais, e a segunda faz referência à linguagem apenas à medida que esta faz sentido para os sujeitos inscritos em estratégias de interlocução, em posições sociais ou em conjunturas históricas. A Análise do Discurso está relacionada a este último às conjunturas históricas.
No momento em que “a escola francesa de Análise do Discurso” constitui­
se, a conjuntura teórica era bastante diferente e o trabalho de explicitação de suas fronteiras não se revestia da mesma urgência que se apresenta agora. Em seguida, ela viu, sem desagrado, expandir­se o campo de sua dominação, sem perceber, de imediato, o perigo a que isto representava para o reconhecimento de sua especificidade. Se durante um longo período, foi­lhe dado condições de produção de um enunciado, hoje parece necessário precisar melhor os critérios para analisar a experiência que realiza. Caso contrário, a ausência de critérios um pouco drásticos de exclusão, em breve ela será apenas uma etiqueta desprovida de qualquer sentido (MAINGUENEAU, 1997, p. 13).
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Segundo Maingueneau (1997), a Análise do Discurso está relacionada com textos produzidos: ­ No quadro de instituições que restringem fortemente a enunciação;
­ Nos quais se cristalizam conflitos históricos, sociais, etc.;
­ Que delimitam um espaço próprio no exterior de um interdiscurso limitado. (MAINGUENEAU, 1997, p. 13­14)
Deste modo, os objetivos que interessam à Análise do Discurso são as formações discursivas, que segundo Foucault são:
Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica, geográfica ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT apud MAINGUENEAU, 1997, p. 14).
Neste sentido, a Análise do Discurso está relacionada com o entrelaçamento irrepresentável de textos onde apenas hipóteses heurísticas e pressupostos de ordens diversas permitem recortar unidades consistentes (MAINGUENEAU, 1997).
O quadro abaixo apresentado por Maingueneau compara a Análise do Discurso da escola francesa e da escola anglo­saxã.
Quadro 1: Comparação Análise do Discurso escola francesa e anglo­saxã
Escolas Æ
Tipo de discurso
Objetivos determinados
Análise do Discurso francesa
Análise do Discurso anglo­saxã
Escrito
Oral
Quadro institucional
Conversação cotidiana
Doutrinário
Comum
Propósitos textuais
Propósitos comunicacionais
Explicação – forma Construção do objeto
Método
Origem Fonte: Maingueneau, 1997, p. 16.
Descrição – uso
Imanência do objeto
‘Estruturalismo’
Interacionismo
Linguística e história
Psicologia e sociologia
Linguística Antropologia
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Maingueneau (1997) afirma que a comparação é eloquente e demonstra que, excluindo­se seus títulos, nada têm em comum. O domínio da Análise do Discurso, mesmo restringido desta forma, permanece ilimitado. Costuma­se recorrer a tipologias funcionais (discurso jurídico, religioso, etc.) ou formais (discurso narrativo, didático, etc.), mas o estudo destes últimos constitui apenas uma etapa preliminar para a Análise do Discurso, não seu objetivo. Ela cruza­os uns com os outros, especificando­os espacial e temporalmente, associando­os necessariamente a condições de produção particulares: o discurso jurídico didático de tal época e de tal lugar, o discurso polêmico filosófico em tal contexto, com todas as especificações ulteriores que se desejar, etc. A Análise do Discurso pode também, e é o caso mais frequente, realizar o movimento inverso a partir de uma ou várias formações discursivas (a imprensa socialista, os manifestos feministas, o discurso de determinada corrente crítica literária, etc.). (MAINGUENEAU, 1997, p. 16.)
A Análise do Discurso visa à ruptura ideológica entre os diferentes textos estudados, valendo­se mais do estudo das atitudes e comportamentos do que da temática. Entretanto, não se pode esquecer a relação essencial entre a Análise do Discurso e a finitude ou raridade, pois mesmo que se consiga uma competência para associá­la a este ou aquele discurso, de forma alguma será possível considerá­
la como uma gramática da língua, uma vez que a Análise do Discurso se relaciona com arquivos e não com exemplos de gramática.
O discurso considerado como um espaço de regularidades, onde as diversas posições de subjetividade podem manifestar­se, apresenta um redimensionamento do papel do sujeito no processo de organização da linguagem, eliminando­o como fonte geradora de significações. Com base nas ideias de Foucault, Brandão (2004) destacou a contribuição destas concepções para o estudo da linguagem, sendo a primeira a concepção do discurso considerado como prática que provém da formação dos saberes, e a necessidade, sobre a qual insiste obsessivamente, de sua articulação com as outras práticas não­discursivas.
O conceito de ‘formação discursiva’, cujos elementos constitutivos são regidos por determinadas ‘regras de formação’ também colabora para esta compreensão mais ampla, considerando que dentre esses elementos constitutivos uma formação discursiva, ressalta­se a distinção entre enunciação (que em diferentes formas de jogos enunciativos singulariza o discurso) e o enunciado (que passa a funcionar como a unidade linguística básica, abandonando­se, portanto, a noção de sentença ou frase gramatical com essa função).
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Além disso, é bastante importante a concepção de discurso como jogo estratégico e polêmico, sendo que o discurso não pode mais ser analisado simplesmente sob seu aspecto linguístico, mas como jogo estratégico e de reação, de pergunta e resposta, de dominação e de esquiva e também como luta. Portanto, o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador de poder. Vale ainda destacar que a produção desse discurso gerador de poder é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certos procedimentos que têm por função eliminar toda e qualquer ameaça à permanência desse poder.
O processo discursivo tem como premissa a produção de sentido, onde são criadas significações. A formação discursiva, juntamente com a condição de produção e formação ideológica, vai constituir uma tríade básica nas formulações teóricas da Análise do Discurso. Courtine (1981 apud BRANDÃO, 2004) apresentou as condições para a produção do discurso que seguem três ordens:
­ Origina­se em primeiro lugar da análise do conteúdo tal como é praticada sobretudo na psicologia social;
­ Origina­se diretamente da sociolinguística na medida em que esta admite variáveis sociológicas como responsáveis pelas condições de produção do discurso;
­ Tem uma origem implícita no texto de Harris, Discourseanalysis(1952): nele não figura o termo condições de produção, mas o termo ‘situação’, colocando em correlação com o de ‘discurso’ ao referir­se ao fato de se dever considerar como fazendo parte do discurso apenas as frases “que foram pronunciadas ou escritas umas em seguida das outras por uma ou várias pessoas em uma só situação” ou de estabelecer uma correlação entre as características individuais de um enunciado e “as particulares de personalidade que provêm da experiência do indivíduo em situações interpessoais condicionadas socialmente” (COURTINE, 1981, p. 20 apud BRANDÃO, 2004, p. 43).
O discurso possibilita a concretização da materialidade ideológica, assim, “a formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são governados por formações ideológicas” (BRANDÃO, 2004, p. 47).
Orlandi(2007) afirmou que a Análise de Discurso não está relacionada à língua ou a gramática, apesar desses fatores lhe interessarem, ela trata especificamente do discurso, ou seja, a palavra em movimento. “Na análise de discurso, procura­se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho 60
simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história”. (ORLANDI, 2010, p.15)
Na Análise do Discurso, a linguagem é concebida como mediadora entre o homem e a realidade natural e social. Deste modo, a Análise do Discurso trabalha com os significados, com as relações de poder inerentes ao discurso. Segundo Orlandi(2007):
A noção de discurso, em sua definição, distancia­se do modo como o esquema elementar da comunicação dispõe seus elementos, definindo o que é mensagem. Como sabemos esse esquema elementar se constitui de: emissor, receptor, código, referente e mensagem. Temos então que: o emissor transmite uma mensagem (informação) ao receptor, mensagem essa formulada em um código referindo a algum elemento da realidade – o referente. (ORLANDI, 2010, p. 20)
A Análise do Discurso não compreende apenas a transmissão da informação, mas, sim do processo de significação: São processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de construção da realidade etc. Por outro lado, tampouco assentamos esse esquema na ideia de comunicação. A linguagem serve para comunicar e para não comunicar. As relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é efeito de sentidos entre locutores (ORLANDI, 2010, p. 21).
Segundo Brandão (2004), o papel da Análise do Discurso, portanto, é trabalhar seu objeto (o discurso) inscrevendo­o na relação da língua e da história, buscando na materialidade linguística as marcas das contradições ideológicas.
De acordo com Guimarães (2009, p. 90), aquele que discursa – pela escrita ou pela fala – manifesta­se através do enunciado; inscreve­se no enunciado, aí deixando sua marca na revelação, dos protagonistas do discurso (emissor/destinatário); da situação de comunicação (as circunstâncias espaço­
temporais, as condições de produção/recepção do discurso); dos propósitos explícitos do discurso (informar – explicar – convencer – propiciar entretenimento etc.); de sua condição de acontecimento discursivo que supõe um significado independente – em grande medida – da consciência e interações e do leitor.
Deste modo, o discurso é considerado o ponto de articulação dos fenômenos linguísticos e dos processos ideológicos – como um conjunto regular de fatos linguísticos em determinado nível, questionáveis em outro. O discurso é uma prática. De acordo com Koch(2000):
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Cada ato de linguagem é, pois, constituído dos três atos mencionados: falar, dizer e mostrar. O falar consiste na produção de frases, decorrentes da capacidade do falante de produzir determinados sons de acordo com determinadas regras gramaticais, isto é, de comportar­se gramaticalmente de acordo com essas regras. [...] O dizer consiste em produzir enunciados, estabelecer relação entre uma sequência de sons e um estado de coisas. O enunciado é uma entidade semântica. O mostrar está ligado à enunciação. Visto à luz do processo de enunciação, o enunciado passa a ter um sentido, que incorpora o processo de significação e mostra a direção para a qual o enunciado aponta, o seu futuro discursivo. (KOCH, 2000, p.30)
O uso correto da linguagem e o apelo emocional no discurso podem garantir a obtenção de resultados expressivos. Como bem explicou Chalita(2012): Frases bem articuladas podem garantir que os significados sejam transmitidos corretamente, no que diz respeito à objetividade. A palavra é importante, sem dúvida, para comunicar fatos, ideias, pedidos ou ordens, raciocínio; em suma, um significado objetivo, que possa ser compartilhado, por meio dela, entre diferentes pessoas. No entanto, a comunicação propiciada pela palavra e os efeitos produzidos por ela não se restringem aos conteúdos objetivos: os significantes, em especial no âmbito da oralidade, fazem toda a diferença entre umas e outras consequências que a palavra pronunciada possa produzir. Dessa maneira, é fundamental levarmos em consideração o tom de voz, o ritmo das frases e o modo como elas são articuladas pelo falante – tudo contribui para emprestar à palavra alternativas diferentes de entendimento por parte do auditório. (CHALITA, 2012, p. 75­76)
Sendo assim, a linguagem é um instrumento de produção e delimitação de sentidos, e é de suma importância nos processos formativos dos sujeitos. A partir de um marco inicial do discurso, uma referência é processada, e passa a orientar e fixar os limites dos sentidos que serão produzidos. A produção de sentido quer seja de um texto, quer seja de um fato, nunca deixa, de incluir, no processo, a noção de que os objetos e os fatos são produzidos e ocorrem sempre em determinado contexto sociocultural e histórico. Ainda segundo Chalita(2012): A grande importância da linguagem pode ser constatada por meio do estudo de diversos aspectos do patrimônio cultural da humanidade, [...] A fala é produzida por meio de complexas operações processadas pelo cérebro humano. Ela tem origem num processo físico e psicológico, na medida em que depende de contrações e relaxamentos musculares cuidadosamente articulados, por um lado, e de um fluxo de pensamento organizado, por outro. De certa maneira, pode­se considerar a fala um evento que se inicia no sistema nervoso de um indivíduo e provoca alterações nos estados do sistema nervoso de outra pessoa, fazendo com que esta responda ou aja de maneira correspondente àquilo que foi mobilizado nela. (CHALITA, 2012, p. 77)
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Além disso, o discurso pode ser um modo de interação, como um evento comunicativo, que é, por sua vez, encaixado em estruturas sociais, políticas ou culturais mais abrangentes. Daí considerar­se o discurso como efeito de sentido construído no processo de interlocução, enquanto parte do funcionamento social.
A Análise do Discurso é o exame do uso da linguagem. Trata­se de olhar para as formas de linguagem e a função da linguagem e inclui o estudo da interação tanto falada como de textos escritos. A Análise do Discurso identifica aspectos linguísticos que caracterizam diferentes gêneros, bem como fatores sociais e culturais que ajudam a nossa interpretação e compreensão de diferentes textos e tipos de conversa. A Análise do Discurso de textos escritos pode incluir um estudo de desenvolvimento do tema e coesão através das sentenças, enquanto uma análise da linguagem falada pode concentrar­se em aspectos mais práticos, abrindo e fechado sequencias de encontros sociais ou estrutura narrativa.
O estudo do discurso se desenvolveu em uma variedade de disciplinas – sociolinguística, antropologia, sociologia, e psicologia social. Assim, a Análise do Discurso assume diferentes perspectivas teóricas e abordagens analíticas: teoria dos atos de fala, sociolinguística interacional, etnografia da comunicação, pragmática, análise de conversação, e análise de variância. Embora cada abordagem enfatize diferentes aspectos do uso da língua, tudo caracteriza a linguagem como interação social.
Dijk (2008) contribui para esta explanação, esclarecendo que:
O discurso não é analisado apenas como um objeto ‘verbal’ autônomo, mas, também como uma interação situada, como uma prática social ou como um tipo de comunicação numa situação social, cultural, histórica ou política. Assim, em vez de simplesmente analisar uma conversação entre vizinhos, talvez seja necessário fazer o trabalho de campo em uma vizinhança, observar como as pessoas falam em bares ou outros aspectos relevantes desses eventos comunicativos, tais como a situação temporal ou espacial, circunstâncias especiais, os participantes e seus papeis comunicativos e sociais, as outras várias atividades que se realizam ao mesmo tempo, e assim por diante. (DIJK, 2008, p. 12)
A noção de crítico na Análise do Discurso implica no estudo das questões sociais. Trata­se de um aspecto normativo envolvido, uma pesquisa, uma atitude, uma maneira especial de fazer pesquisas sociais relevantes. Os estudos de discurso, mais especificamente podem ser definidos como ‘críticos’ se satisfazem um ou vários dos seguintes critérios, em que ‘dominação’ significa ‘abuso de poder social por um grupo social’:
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­ Relações de dominação são estudadas principalmente da perspectiva do grupo dominado e do seu interesse.
­ As experiências dos (membros de) grupos dominados são também usadas como evidências para avaliar o discurso dominante.
­ Pode ser mostrado que as ações discursivas do grupo dominante são ilegítimas.
­ Podem ser formuladas alternativas viáveis aos discursos dominantes que são compatíveis com os interesses dos grupos dominados. (DIJK, 2008, p. 15)
Todos os pontos supracitados fazem parte da Análise do Discurso, demonstrando que não se trata de uma postura neutra, mas comprometida com um engajamento em favor dos grupos dominados da sociedade. Eles assumem uma posição e fazem isso de modo explícito. Os estudiosos da Análise do Discurso, ou dos estudos críticos do discurso como denominado por Dijk, são conscientes de que os estudos discursivos de problemas sociais que podem efetivamente beneficiar grupos dominados e que podem contribuir para o abandono ou para a mudança de práticas discursivas ilegítimas das elites simbólicas normalmente requerem programas de pesquisa, teorias e métodos que são complexos e multidisciplinares. Neste sentido, Dijk (2008) alerta que o discurso tem o poder da linguagem e, consequentemente, pode controlar mentes, que controlam ações, sendo crucial para aqueles que estão no poder controlar o discurso em primeiro lugar.
Se os eventos comunicativos consistem não somente de escrita e fala ‘verbais’, mas, também, de um contexto que influencia o discurso, então o primeiro passo para o controle do discurso é controlar seus contextos. Isso significa que é preciso examinar em detalhe as maneiras como o acesso ao discurso está sendo regulado por aqueles que estão no poder, como é tipicamente o caso de uma das formas mais influentes de discurso público (Dijk, 2008).
Uma vez estabelecido como os parâmetros do contexto e da produção de discurso são controlados, é possível investigar como as próprias estruturas do discurso estão sendo controladas. O que (desde tópicos globais a significados locais) pode ou deve ser formulado (com palavras, de modo mais ou menos detalhado, preciso, em que tipo de oração, em que ordem, em primeiro ou segundo plano, etc.). De acordo com Dijk(2008):
Para cada fase do processo da reprodução precisamos de uma análise discursiva, social e cognitiva detalhada e sofisticada. [...] o discurso está sendo tratado, mas ainda falta muito para compreendermos como tal entendimento leva às várias formas de ‘mudança de mentalidade’: 64
aprendizagem, persuasão, manipulação ou doutrinação. O ‘controle da mente’ envolve muito mais do que apenas a compreensão escrita ou da fala; envolve também o conhecimento pessoal e social, as experiências prévias, as opiniões pessoais e as atitudes sociais, as ideologias e as normas ou valores, entre outros fatores que desempenham um papel na mudança de mentalidade das pessoas.(DIJK, 2008, p. 20)
A partir da visão desses complexos processos e representações cognitivas do discurso, é possível afirmar que o discurso exerce influência sobre os ouvintes e falantes, nesse tempo presente torna­se pano de fundo para refletir sobre o tipo de educação e formação, frente às preocupações das características culturais específicas da contemporaneidade. O desafio para a Educação, nestas mudanças paradigmáticas, encontra­se em redescobrir o lugar da autonomia dos sujeitos, como valor estético, um uso peculiar da razão e sensibilidade e uma ética comprometida com a responsabilidade perante o poder e o alcance das tecnologias.
A Educação tem sentido a repercussão do poder hegemônico tecnológico, já que a busca por informação tem se constituído em uma tarefa crescente, diante dos computadores, enfatizando a racionalidade instrumental. Este processo seria o responsável por cisões que impedem a consciência crítica da noção de complexidade da organização do mundo, minimizando a compreensão da realidade como fatos encadeados na própria realidade, vivenciada pelos sujeitos, considerando o valor da formação humana, voltada para a sensibilidade e para o pensamento reflexivo, crítico e criativo. Assim, o homem, inserido no mundo contemporâneo, tem vivenciado a experiência da inadequação, tendo em vista que as relações humanas são vazias e resultam no surgimento de fenômenos como o tédio, a incomunicabilidade, o exílio, a solidão, o isolamento.
Neste contexto, o papel da Educação é fundamental, quando se almeja o pleno desenvolvimento do indivíduo e das sociedades. No século XXI, a relevância do papel da Educação foi ampliada, o que denota a necessidade de construção de uma escola voltada para a formação do sujeito. A evolução científica e tecnológica define novas exigências para os indivíduos que ingressarão no mundo do trabalho. Estas demandas impõem uma revisão dos currículos, que busquem orientar o trabalho cotidiano realizado pelos professores, no Brasil. A educação tem como foco a formação do sujeito na contemporaneidade, por isso, os desafios, os significados e os sentidos da docência devem ser repensados.
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3.3­ A estética dos processos pedagógicos em meio à Analise de Discurso
A proposta de ensino da Análise de Discurso, tendo por parâmetro a Educação Estética é, no mínimo, ousada. É promover o aluno a investigador dos processos de construção e desconstrução que o consolidarão como cidadão autônomo. Para Schiller a formação estética está de mãos dadas à formação moral, à medida que a formação estética engloba também esse tipo de formação. Donde se conclui que o desenvolvimento do impulso lúdico aciona a possibilidade de ser espontaneamente moral e também autônomo.
Nossas aulas se propõem a uma forma de ensino que não engesse o aluno em um só olhar, em uma mesma rota, mas que ele possa passear livremente por outras áreas do conhecimento, por essa razão buscamos referências na História, na Literatura, nas artes e na própria realidade circundante, reconhecendo que a prática do ensino­aprendizagem assimétrica, em que somente o professor é o dono absoluto do conhecimento não cabe na realidade atual e que só a parceria se constitui em instrumento de crescimento e libertação. As aulas que serão apresentadas têm como ferramentas um quadro de Van Gogh, “A Noite Estrelada”, O Poema de João de Melo Neto, “Rios sem Discurso,” e, ainda, o poema de Manuel Bandeira, “Poema tirado de uma notícia de jornal”. Essas obras serviram de fundamentação teórica para o desenvolvimento das aulas de Análise do Discurso na perspectiva da Educação Estética. 1ª. aula – Terceiro Período de Letras, CESMAC:
Observemos a obra de Van Gogh, cujo título é A Noite Estrelada(1889), óleo sobre tela.
Noite Estrelada­ Van Gogh 1889­ óleo sobre tela
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Situando­se na História Quadro pintado quando de sua estadia em Saint­ Rémy­ de – Provence, França, época em que esteve internado em um asilo psiquiátrico, onde realizou cerca de 150 obras.
Informações gerais sobre o quadro
A tela é dividida horizontalmente pela linha do horizonte e verticalmente pelo cipreste. A cidade, ao longe, é composta por pequenas casas, com destaque para a pequena igreja que alcança o céu, através de sua torre fina, estilo holandês, formando um contraste forte com o cipreste, que quase domina a paisagem. Céu, cipreste e cidade se integram em um movimento sinuoso de luz.
A paisagem retratada é um misto do real e do imaginário, mas é notável o contraste entre a calma da pequena vila e o caos celestial. Extrapolando a simples visão do quadro e viabilizando­o como prática do ensino­aprendizagem vislumbra­se a passividade dos professores, que tal a calma da cidade adormecida, quedam­se na imobilidade pedagógica de quem sabe a lição a ser dada de cor e salteada, sem atentarem às mudanças turbilhonantes que se processam nos anseios de quem não compactua com a condição de receptáculo, mas que quer se assenhorar de todos os seus atos, imprimindo uma revolução que se assemelha ao céu de Van Gogh que explode em luminosidade e cujas estrelas são minissóis. 67
Assim como o despertar pela estética os alunos se configuram nas ondas luminosas que têm vida própria, isto é, aprendem a ação de reinterpretação e ajuizamento do gosto mesclados à racionalidade, à sensibilidade e a força volitiva que levam o sujeito à tomada de posição diante de uma obra de arte, mas, também diante da vida. Van Gogh une a calmaria da cidadezinha ao caos celestial através do cipreste que dá equilíbrio e harmonia a composição. Então, Pela Dimensão da Educação Estética é possível a formação de novos profissionais da educação que mesmo sendo lua, ganhem feição de um sol que transforma a treva em que mergulha o fazer pedagógico, em um novo dia para a educação. O diálogo com Van Gogh é salutar Para a compreensão de que o processo formativo, também se consubstancia em um processo artístico. Professores deverão rever os currículos para transmutá­los em ciprestes empreendendo um elo entre o racional e o sensível, conciliando­as, objetivando a uma vida autorresponsável. Afinal não se pode permanecer adormecido, alheio ao céu estrelado cheio de explosões emocionais.
2ª. Aula­ Terceiro Período de Letras, CESMAC
Essa aula, fundamente­se no Poema de Manoel Bandeira, “Poema tirado de uma notícia de jornal” (poesia completa e Prosa,1986. p. 214)
Poema tirado de uma Notícia de Jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro
da Babilônia num barraco sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Sobre o poema:
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Bandeira transforma uma simples notícia de jornal em um poema com versos totalmente livres. A morte é o grande tema. Tem­se a morte anunciada de um favelado, que desempenha várias ações que são descritas em imagens rápidas e precisas conservando a praticidade do noticiário. João é um ser anônimo, quase invisível, salvo apenas pelo apelido que a aponta a sua singularidade, “Gostoso”, que atesta sua sensualidade. A miséria que o caracteriza faz um contraponto com o lugar onde mora, Morro da Babilônia, alusão aos jardins bíblicos, em um barracão sem número, como a consolidar sua condição de invisibilidade social, sem profissão definida, igual em tudo a tantos brasileiros. Num gesto de extrema ironia, João escolhe para morrer a Lagoa Rodrigo de Freitas, lugar da classe alta do Rio de Janeiro. O ritmo do poema é o reflexo da existência do personagem, Bandeira se serve de versos longos na introdução e no desfecho e versos curtos, dissílabos quando se trata do prazer.
Relacionando esse poema de tema tão trivial, às nossas reflexões sobre a libertação e autonomia do sujeito vemos que essa tortuosidade da existência do personagem está relacionada à sua maneira de ler o mundo e a si mesmo. Não há liberdade e autonomia na ignorância e na miséria. O sujeito, sem perspectiva demudança de vida, tende a cometer atrocidades contra si mesmo e a angústia dificulta o confronto com a realidade, havendo, até mesmo, a fuga pelo suicídio. Aformação profissional, o que lhe abriria uma luz no final do túnel, somente se daria através da educação e da ação de educadores responsáveis que centrassem seu fazer pedagógico no movimento inverso ao atual quadro educacional, resultando, então em um cidadão apto a lidar com as vicissitudes e promover revoluções íntimas, e crescimento individual. A estrutura que delineia o poema permite que se faça uma ponte com a Análise de Discurso. A voz ouvida nos versos introdutórios denuncia a violência social a que é submetida uma parte substancial da população brasileira: a falta de moradia e emprego. Bandeira utilizou, para marcar essa delação, versos mais longos. A voz da história nos chega pelo nome do bar que o personagem escolheu para os seus últimos atos: “Vinte de Novembro”, data reservada à comemoração do aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, tido como símbolo da liberdade, por sua luta contra a escravidão. A escolha pode ter sido intencional, sinalizando a crença de que esse bar seria a remissão dos problemas vividos. 69
O poeta opta por versos curtos, palavras dissílabas, quando marca os instantes de lazer do personagem, atestando o quanto, na vida dos destituídos, os prazeres são efêmeros. É possível ouvir a voz do personagem na sequência de verbos que nomeiam os atos empreendidos ao chegar ao bar, numa dicção perfeita de que ele é senhor, ao menos do seu próprio corpo, e possui domínio pleno sobre a forma escolhida para morrer. O reflexivo “atirar­se” evidencia o fato.
A voz denunciadora de Bandeira faz­se ouvir claramente pelo atestado de que pessoas como João Gostoso, que vivem no anonimato, tendo somente como referência um traço de sua personalidade, o sensualismo, são invisíveis para os poderes constituídos. João tornou­se perceptível ao afogar­se na Lagoa Rodrigues de Freitas e virou notícia de jornal, talvez porque seu corpo inerte tenha manchado o bairro nobre.
A dimensão Estética contempla essa aula, à medida que chama a atenção dos alunos para o grotesco da situação de miserabilidade, e, ao tempo em que procura despertar a sensibilidade, propõe uma tomada de atitude que indique caminhos que capacitem os sujeitos para guiar os seus próprios passos, ganhando a visibilidade que a ignorância lhes nega.
Ilustração 9‐ Origem do poema – Notícia Tirada de uma Notícia de Jornal
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3ª. aula – Terceiro Período de Letras CESMAC
Esta aula tem como referência o poema de João Cabral de Melo Neto “Rios sem Discurso” (Poesias Completas, 1986. p.26)
Rios sem Discurso Quando um rio corta, corta­se de vez
O discurso­rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estanque, estancada;
mais: porque assim estancada, muda, e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou­se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. O curso de um rio, seu discurso­rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloquência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase a frase, até a sentença­rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate.
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Rio do Nordeste – Imagem do rio descrito no poema. Sem voz para a comunicação, sem fios d’água para retomar seu curso.
Ilustração 10 – água em situação de poço
Sobre o poema
O poema ”Rios sem discurso” estabelece uma imagem comparativa entre o fluxo dos rios e o fluxo das palavras. Numa referência aos rios sazonais do Nordeste que secam durante o período da estiagem. Numa belíssima linguagem metafórica o poeta mostra como a fragmentação do curso da água se assemelha ao isolamento das palavras: Um rio fragmentado, cortado e a palavra solta, isolada não estabelecem comunicação. Ambos terão que estabelecer relação com outros pares para ter voz. Cessado o inter­relacionamento, cessará, de igual maneira, o discurso, restando apenas a mudez.
É de fácil percepção a importância do “enfrasamento” para reatar os fios de água e das palavras, para restabelecer a voz do rio e o sentido do discurso. Saussure, o linguista suíço, considerado o pai da Linguística moderna, afirma que uma palavra em estado de dicionário existe, mas não comunica. Assim, a palavra 72
não pode estar estancada, paralítica, pois, uma vez paralítica, terão cessados os movimentos que levam ao restabelecimento da intercomunicação. Nessa situação o rio perece e a palavra emudece. Ouvindo a voz da História
Ao longo da história, o estudo sobre a linguagem, tal qual as águas de um rio, vem se renovando e se adequando ao sabor das novas tendências sociais. Nos primeiros tempos a língua era tida como um sistema de normas, abstrato e fechado que não levava em conta a interferência do social. Considerava­se, apenas a variedade padrão ou culta, ignoravam­se as outras formas de uso da língua. A língua era estanque em si mesma, não estabelecendo relação com a língua viva.
Na segunda concepção a língua ainda permanece estanque, porém marcada por um certo “enfrasamento”. O texto é elaborado entre o emissor que emitia o código e o receptor, decodificador da mensagem. Ainda se encontra paralítica, pois não exigia a elaboração do pensamento, uma vez que tudo já estava explicitado e o entendimento exigia, tão­somente, que se entendesse o código utilizado pelo emissor.
O “discurso­rio” vai se restabelecer com a concepção interacionista que situa a linguagem como lugar da constituição das relações sociais, o sujeito se coloca como centro das realizações da linguagem, proporcionando o que Cabral chamou de “Grandiloquência”, “enfrasando” todos os poços: sujeito da linguagem, as condições de produção do discurso, o social, as relações de sentido estabelecidas pelos interlocutores, a dialogia, a argumentação, a intenção, a ideologia, a historicidade, formando finalmente a “sentença­rio” que dá voz e vez aos sujeitos.
A dimensão da Educação Estética comunga com essa última concepção de linguagem, uma vez que, para ambas o inter­relacionamento proposto é visto como forma de autonomia na aquisição do conhecimento. Por esse viés, o professor desce do pedestal em que se colocara desde a antiguidade, como única fonte do saber, e passa a efetivar seu fazer pedagógico no dialogismo, partilhando conhecimentos que são elaborados no próprio curso do processo de ensino­aprendizagem. Não há o rigor de trabalhos preestabelecidos. As ações são realizadas atendendo às reais necessidades dos alunos na produção do conhecimento, refazendo o discurso único, num combate à aridez do conhecimento unilateral. 73
Numa abordagem discursiva, encontramos no texto de João Cabral duas isotopias figurativas, constituídas por água e palavra que se atam pela palavra discurso. Numa metáfora discursiva que caracteriza a água “enfrasada” no curso ou no discurso do rio e a palavra em “fio no discurso”. Os “não­ditos” no texto, nos levam a leitura dos rios do Nordeste, interrompidos pela seca, e a luta travada para se refazerem: rio dis(curso), corta, água, poço, estanque, estancada, com nenhuma comunica, reatar, fio de água, cheia, água em fio, seca. No que concerne à palavra desenrola­se o fazer discursivo, o tomar a palavra e construir o discurso com a voz retomada: discurso, situação dicionária, muda, com nenhuma comunica, sintaxe, discorria, grandiloquência, linguagem, enfrasem, frases curtas, frase a frase, sentença, voz.
Assim, no estudo do poema, a Análise de Discurso vai descobrir a polifonia em que é possível detectar as vozes da natureza, simbolizada pela água que, num trabalho incessante, recobre a produção da vida, e a voz da palavra que atesta a criação operada pelo homem no mesmo esmerado trabalho, dando forma à sentença­rio.
As aulas apresentadas foram desenvolvidas no Curso de Letras do CESMAC e objetivaram promover um diálogo entre Educação Estética e Análise de Discurso, na busca incessante por uma educação de qualidade pautada na autonomia do sujeito­aprendiz, num compartilhamento de conhecimentos, assumindo a postura do mediador da aprendizagem, em que as vozes: professor/aluno têm força e poder iguais. Adotamos um relacionamento interativo que para Marcuschi( 1995) pode ser definida como uma questão de adaptabilidade, ele afirma que: “produzir interações adequadas nada mais é do que adaptar­se sintomaticamente às condições requeridas pela interação em curso”. Considerações Finais
Ensinar Análise do discurso é refletir sobre as relações significativas fundamentais entre o homem, a natureza e a sociedade na história. O discurso é essencialmente lugar de movimento dos sentidos, no qual as palavras vestem­se de significados e, ao sabor do intercâmbio da vida social, mesclam­se, rodopiam, contagiam­se com outras palavras, e surgem renovadas ou reafirmadas na antiga significação. Nesse pensar, tem­se que o discurso não é um mero ritual da palavra, 74
da produção de sentidos e dos processos de identificação dos sujeitos, mas é, principalmente, um espaço de negociação no qual os sujeitos envolvidos podem exercer a capacidade de produção e reprodução de palavras, na procura de caminhos que indiquem a construção de sentidos novos e/ou a reafirmação de velhos sentidos.
Pretendendo dar um sentido novo as significações das aulas de Análise de Discurso, nasceu a proposta de vinculá­las à Educação Estética. O pensamento inicial foi o de estimular a visão de arte que está contida em cada sujeito, como fruto de experiências estéticas, convidando­o a olhar os espaços e os acontecimento, adotando um novo ângulo, procurando ver além do visível, com os olhos da sensibilidade. As aulas passaram a ter componentes textuais que retomassem a obra de arte como suporte. Os textos deveriam ser aptos à exploração do conteúdo a ser ensinado. Assim, é que serviram a esse propósito, o texto publicitário, as obras pintadas por renomados artistas, os poemas e as paráfrases. O Nascimento de Vênus, quadro pintado por Botticelli e a ilustração do poema paráfrase de Rimbaud formaram o conjunto demonstrativo da abordagem da sátira no discurso visual, junto com O Grito de Edvard Munch foram subsídios, para a exploração entre as vozes do Belo e do Feio, numa nova dimensão de sentido, vistos como sujeito estético.
Poética de Manoel Bandeira ilustrou as aulas em que se abordou o pensamento formal contemporâneo, como linguagem libertária das amarras burocráticas e rejeição da linguagem medida e pesada do Parnasianismo. Liberdade estética em todos os matizes.
Na variante de tipos textuais, para dimensionar a liberdade estética que se adotou na contemporaneidade, para explorar os processos polissêmicos, polifônico e parafrástico, utilizou­se da peça publicitária que faz uma subversão da obra de arte de Leonardo Da Vinci, na qual foram explorados, ainda, os conceitos de produtividade e criatividade na visão da Análise de Discurso.
Quando se pretendeu confrontar as concepções de poder na figura do professor, e as novas tendências do processo formativo, o quadro de Vicent Van Gogh – A Noite Estrelada­ deu respaldo aos debates pela observação dos alunos, comparando a cidade adormecida a professores passivos e os alunos, à lua­quase­
sol que brilha intensamente no referido quadro, simbolizando a inquietude, a busca por novos parâmetros, capazes de atender às exigências atuais.
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Já com Poema tirado de uma Notícia de Jornal, Manoel Bandeira, a aula explorou a fronteira tênue dos gêneros literários, que são cambiáveis, isto é, são passíveis de transformação em outros gêneros sem perderem a propriedade comunicativa. O texto trouxe, também, o problema social da invisibilidade, causado, principalmente pela falta de uma política social que assegurasse ao cidadão uma educação que lhe restaurasse a voz e a visibilidade perdidas na miséria. Não deixando para proceder a essa restauração, quando o sujeito vira manchete negativa nos jornais.
João Cabral de Melo Neto em seu poema Rios sem Discurso fecha o círculo de abordagens, trazendo em seu poema a temática do entrosamento e a concepção interacionista da linguagem. Os alunos passaram a se posicionar diante da obra, demonstrando a compreensão das metáforas e o uso das isotopias figurativas como meio de dizer, o que, de fato, se quis dizer.
A Educação Bancária é a metáfora concebida por Freire para caracterizar as formações aligeiradas, sem profundidade e consistência, em os alunos repetirão ou devolverão o “depósito” realizado por seus professores, sem a preocupação com a formação do pensamento e da reflexão. Sem atentar para o princípio da autonomia e emancipação dos sujeitos envolvidos nos processos pedagógicos. Na perspectiva Freiriana, a Educação seria um processo no qual o sujeito constrói seus valores estéticos, à medida que vai, por si mesmo, fortalecendo a sua autonomia no desenvolvimento da capacidade de decidir. Esse processo acontece por meio da inserção de atividades que consigam desenvolver a capacidade de fazer escolhas, então se dá o fortalecimento da capacidade de reflexão, de crítica, permitindo educar para que o indivíduo tenha uma atitude de responsabilidade perante o mundo e uma visão mais ampla e abrangente do fenômeno da vida.
Sendo assim, dimensionar e anexar a estética à Analise de Discurso foi uma experiência benfazeja. Surgiu, daí o equilíbrio necessário devolvendo a “voz” e a “vez” aos alunos. É essencial destacarmos que a Educação de hoje precisa ir à procura de soluções e respostas para romper com a semiformação na perspectiva de Adorno (2000), que percebe um distanciamento entre o plano educacional e o plano cultural. O autor ainda esclarece que, nas sociedades modernas, a educação tem deixado de voltar­se aos fins da emancipação para gerar um processo educativo com bases na disciplina e ordenação, buscando formar indivíduos resignados, 76
conformados, aptos para o mundo produtivo e prontos para serem bons consumidores. Desta forma, a compreensão da dimensão estética na educação permite que alunos e professores adquiram conhecimentos por meio do debate, amparados pelo suporte estético em que suas relações são fundamentadas. Caso se pretenda formar profissionais, que além de tudo sejam cidadãos engajados e respeitadores de valores recomendados por uma educação voltada para a formação de sujeitos autônomos, o atual processo educacional precisa ser revisto e deve passar a oferecer estruturas coerentes com o tipo de formação que se deseja e atenda aos anseios profissionais e pessoais. Isso porque a qualidade estética é um aspecto de toda a atividade, além da percepção e reflexão, a Educação Estética auxilia os alunos a descobrirem novas formas de olhar, ouvir, perceber, mover, e falar de suas experiências cotidianas. As questões percebidas, pelos alunos durante as aulas, podem e devem ser conduzidas de modo que os próprios aprendizes formem os seus próprios conceitos. Assim o professor será tão somente o facilitador e não o dono único de toda a sabedoria. Sabe­se que o professor/educador é aquele que facilita o encontro com o difuso, com o estranho, com o sensível, com a razão e encaminha seus alunos na busca de conhecimentos que sejam o reflexo de suas próprias descobertas.
Convém destacar que a Análise do Discurso é, neste estudo, um caminho de compreensão da linguagem em que se estabelece a relação dos processos pedagógicos: aprender, ensinar e formar que ocorrem no contexto da prática pedagógica, em sala de aula, envolvendo: a relação alunos, professores de uma maneira simétrica, em que há um enriquecimento na interação. Não se reconhece o poder do professor, pois o conhecimento passa a ser dúctil e está presente na maneira como é conduzido pelo professor, que, nesse contexto fala do lugar de orientador da aprendizagem, e os alunos são partícipes de toda a realização pedagógica. Enfim, esse trabalho apresenta um diálogo harmônico, não poderia ser de outro modo, entre a Dimensão da Educação Estética e a Análise de Discurso, entre a arte e a realidade do ensino, entre o homem e sua criação. As aulas, por esse viés tornaram­se mais dinâmicas, a compreensão dos aspectos semântico­pragmático­ textuais foram reconhecidos e debatidos durante as aulas, num clima de interação 77
em que todos tinham voz, havendo “enfrasamento” de todas as situações discursivas. Formamos, então, a “sentença­rio” e o rio correu e o discurso fluiu.
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