LOUVADOS SEJAM José Mário Rodrigues No dia do lançamento de “ Fernando Pessoa – Uma quase biografia,” na Academia Pernambucana de Letras, um mar desabou do céu. Não consegui chegar ao local para receber o autógrafo de José Paulo Cavalcanti. Pior ainda, logo que comecei a leitura e já estava bem adiantado, levei o livro numa viagem de ônibus a Maceió e o esqueci num banco da Rodoviária: uma notícia triste de jornal me desconcertou. Sempre estou a me desconcertar. Há poucos dias li: “gêmeos recém-nascidos achados num depósito de lixo, estavam mortos.” Não dá para ficar indiferente a tanta barbaridade. E me vem à cabeça os versos de Pessoa - “estou hoje perplexo como quem pensou, achou e esqueceu”. O que há de especial, além da própria biografia, é a forma usada para contar as coisas: José Paulo usa os versos do poeta. As vezes não distinguimos se é o poeta português ou o biógrafo que está escrevendo. Quando há intimidade com a obra, a biografia e o biografado se mimetizam. E a gente vai lendo atentamente - “Fiz de mim o que não soube/ o que poderia fazer de mim não fiz.../ Quando quis tirar a máscara/ estava pregada a cara.” Viveu Fernando Pessoa apenas 47 anos. Escreveu muito. “Minha vida gira em torno de minhas obras literárias. Tudo o mais tem para mim um interesse secundário.” Imagine se tivesse chegado, pelo menos, aos 60 anos. Só a obra imortaliza o nome. Em poesia de língua portuguesa é o poeta a voz mais definitiva. “Fui até o campo com grandes propósitos/ mas lá só encontrei ervas e árvores./ E quando havia gente, era igual à outra.” Não é fácil escrever sobre um livro de quase 800 páginas, muito bem escrito e sobre uma vida minuciosamente pesquisada, fortalecido pela descoberta de 147 heterônimos. Nem sabia que eram tantos. O gênio português não é assunto para um artigo de jornal. Tamanha grandeza me inibe e tenho medo de descambar para a obviedade. Por isso recito “Não sou nada/ Nunca serei nada. Não posso querer ser nada/ À parte isso tenho em mim todo os sonhos do mundo.” Limitando-me ao espaço, quero louvar sem limite a obra de José Paulo Cavalcanti, que se consagra como um dos maiores biógrafos do país. Bastaria ter escrito o poema “ A Tabacaria”, - o mais belo do século XX para mim e para outras pessoas também - e nunca mais esqueceríamos o nome de Fernando Pessoa, a quem o destino traçou um caminho de desassossego. “Ser poeta não é uma ambição minha/ É a minha maneira de estar sozinho.” Louvados sejam Pessoa e José Paulo Cavalcanti. Amém.