Promovendo Saúde na Contemporaneidade: desafios de pesquisa, ensino e extensão Santa Maria, RS, 08 a 11 de junho de 2010 O PAPEL DE FARMACÊUTICO E OUTROS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO TRATAMENTO DE 1 ALCOOLISMO E PROBLEMAS RELACIONADOS 2 Goudochnikov, V.I. ; Barcelos, R.C.S. 3 1 Trabalho de Pesquisa Bibliográfica PhD em Bioquímica, Membro da Sociedade Internacional para DOHaD, Santa Maria, RS, Brasil 3 Farmacêutica, Mestre em Farmacologia, Ijuí, RS, Brasil E-mail: [email protected]. 2 RESUMO Atualmente o abuso e dependência de álcool estão entre os problemas mais importantes de saúde coletiva / pública. Portanto, é essencial avaliar a contribuição de vários profissionais da saúde no combate a estes distúrbios. No trabalho atual enfatizou-se o papel de farmacêutico neste combate. Analisou-se a literatura mundial em pelo menos 4 idiomas, usando no mínimo 3 bancos de dados, com a profundidade de aproximadamente 10 a 15 anos. No dia de hoje, a principal contribuição no tratamento de alcoolismo e distúrbios relacionados é de médicos psiquiatras, enfermeiros especializados em saúde mental e psicólogos. No que se refere a contribuição de farmacêutico, pode-se dizer que este profissional deveria se empenhar na avaliação de perfil do consumidor de farmácias comerciais, referente ao uso de álcool. Vale frisar que cabe ao farmacêutico alertar nas farmácias comerciais as consumidoras de idade fértil sobre os perigos do uso exagerado de álcool na gravidez e amamentação. Palavras-chave: Farmacêutico. Profissionais de saúde. Alcoolismo. 1. INTRODUÇÃO Atualmente, o abuso e dependência de álcool estão entre os problemas mais importantes de saúde pública no mundo inteiro. Por exemplo, a dependência de álcool na população geral de Inglaterra é aproximadamente 5%, aumentando até 21% nas pessoas sem-teto (Farrell et al., 2003). No Brasil a prevalência de alcoolismo está na faixa de 3 a 6%, de acordo com vários estudos. Em nossa pesquisa recente avaliou-se a morbimortalidade referente ao uso de álcool nos três estados brasileiros da região Sul, destacando a predominância do sexo masculino (Barcelos & Goudochnikov, 2008). Nos Estados Unidos da América (EUA) a mortalidade relacionada com abuso de álcool está na terceira posição, logo após o câncer e doenças cardíacas (Busto et al., 1994). Portanto, é essencial avaliar a contribuição de vários profissionais da saúde no combate ao alcoolismo. No trabalho atual enfatizou-se o papel de farmacêutico neste combate. 2. METODOLOGIA Avaliou-se a literatura mundial em pelo menos 4 idiomas, usando no mínimo 3 bancos de dados, com a profundidade de aproximadamente 10 a 15 anos. Além disso, foi realizada a busca de informações no Domínio Púbico de Internet, usando Scholar Google. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO No dia de hoje, a principal contribuição no tratamento de alcoolismo e distúrbios relacionados no Brasil é de médicos psiquiatras, enfermeiros especializados em saúde mental e psicólogos, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, 10ª versão (CID-10) que destaca distúrbios mentais e comportamentais devido a uso de álcool (Lima, 2001, p.188-189). Porém, segundo Ernst et al. (2007), nos EUA e na Inglaterra as pessoas que abusam de álcool, não querem procurar o serviço psiquiátrico especializado, mas procuram os médicos clínicos gerais nos estabelecimentos de atenção primária. Nestes locais, os médicos contam com apóio de enfermeiros e farmacêuticos 1 Promovendo Saúde na Contemporaneidade: desafios de pesquisa, ensino e extensão Santa Maria, RS, 08 a 11 de junho de 2010 clínicos. Entretanto, para fins de detoxificação, os mais apropriados são especialistas em tratamento de drogadição na atenção secundária (ERNST et al., 2007). De acordo com Fleming (1997), aproximadamente 20% de pessoas que procuram o atendimento nos estabelecimentos de atenção primária dos EUA, podem ter problemas com abuso de álcool. Mesmo assim, freqüentemente os pacientes são tratados de distúrbios relacionados com alcoolismo, mas não recebem o tratamento específico da dependência de álcool. De fato, o alcoolismo é a área de difícil manejo, inclusive, porque os planos de saúde não fazem dela uma prioridade. Apesar disso, a identificação do abuso de álcool deve estar entre as prioridades de profissionais de saúde do mesmo jeito, como doenças crônicas. Além disso, a detecção de alcoolismo deve ser direcionada para os grupos de alto risco, tais como mulheres grávidas e pacientes com lesões traumáticas (FLEMING, 1997). Os profissionais de atenção primária estão em posição única na identificação do abuso de álcool e intervenções. Entretanto, nos EUA aproximadamente a metade de pessoas atendidas nos estabelecimentos de atenção primária não recebem o tratamento de abuso ou dependência de drogas (FLEMING, 2005). Na Inglaterra, de todos os profissionais de saúde, os médicos e enfermeiros têm a contribuição maior no tratamento de comorbidade de doenças psiquiátricas com abuso de drogas, entretanto os fisioterapeutas e especialistas em terapia ocupacional têm menor contribuição neste tratamento (WILLIAMS, 1999). Na França, os farmacêuticos nas farmácias comerciais são envolvidos basicamente em três tipos de atividades relacionados com álcool: 1) detecção de interações entre álcool e medicamentos; 2) tratamento farmacológico da dependência de álcool; 3) prevenção de alcoolismo e educação sanitária. O farmacêutico pode ajudar na sensibilização da clientela aos problemas de alcoolismo, colocando os cartazes, anúncios e brochuras, etc. (POUYET-POULET et el., 2001). Na Inglaterra, o envolvimento de farmacêutico no tratamento de alcoolismo inclui as seguintes funções: a) identificar o perfil de cliente em relação com o uso de álcool, encorajando diminuir o seu consumo; b) promover campanhas para uso menor de álcool; c) encaminhar os pacientes para o serviço especializado; d) contribuir para elaboração de guia local do tratamento de alcoolismo; e) aconselhar sobre o uso adequado de medicamentos pelas pessoas que abusam do álcool; f) estar em alerta em relação com sintomas de alcoolismo e síndrome de abstinência; g) controlar a prescrição de benzodiazepínicos pelos médicos; h) promover a prescrição de complexos polivitamínicos (Mason, 2003). Segundo Baldwin et al. (1994), nos EUA a prioridade mais alta de farmacêutico é reconhecer o alcoolismo e outras drogadições. Um dos pontos mais sensíveis do problema de alcoolismo é a comorbidade com várias doenças psiquiátricas. De acordo com Farrell et al. (2003), a comorbidade de doenças psiquiátricas (principalmente, depressão e ansiedade) é bastante comum na Inglaterra, especialmente entre os sem-teto. Segundo Weaver et al. (2001), as comorbidades de doenças psiquiátricas com abuso de drogas resultam em menor adesão ao tratamento, maior taxa de hospitalização e maior risco de violência, automutilação e até o suicídio. Como destacam Shakeshaft et al. (2002), na Austrália existe uma considerável proporção de abuso múltiplo de drogas, mas principalmente, o álcool, tabaco e Cannabis. Podemos chegar a conclusão sobre a necessidade de preparo dos futuros farmacêuticos e outros profissionais de saúde para lidar com alcoolismo e outros tipos de drogadição. Infelizmente, justamente nisso permanecem ainda grandes lacunas. De fato, na França os farmacêuticos estão numa posição privilegiada de agentes da saúde pública em contato direto com os clientes, porém, estes profissionais sentem a falta de treinamento, no que se refere a identificação, tratamento e prevenção de alcoolismo (POUYET-POULET et al., 2001). Segundo Busto et al. (1994), nos EUA, apesar de alta prevalência do abuso de álcool, os farmacêuticos freqüentemente não reconhecem os pacientes com este problema na sua prática diária e portanto, não aconselham eles em relação com o uso correto de medicamentos. Isso pode ser relacionado com ausência de treinamento e programas de educação continuada sobre o abuso de álcool e outras drogas. De acordo com Kenna et al. (2006), muitos farmacêuticos nos EUA são pouco treinados em relação com o problema de abuso de drogas. De fato, neste país existem somente algumas universidades que tem as disciplinas adequadas de tratamento de drogadição nos cursos de farmácia. 2 Promovendo Saúde na Contemporaneidade: desafios de pesquisa, ensino e extensão Santa Maria, RS, 08 a 11 de junho de 2010 A situação inadequada está também em outros cursos da área de saúde, por exemplo, na enfermagem. Realmente, segundo Deehan et al. (2002), o papel de enfermagem no tratamento de alcoolismo recebeu pouca atenção de pesquisadores na Inglaterra. Parece que os enfermeiros se sentem mais preparados para identificar o alcoolismo, do que para tratá-lo. A prioridade de enfermagem está com doenças crônico-degenerativas e não alcoolismo. Isso é refletido no treinamento também. A situação na America Latina é semelhante. Por exemplo, no Peru verificou-se a falta no preparo de recursos humanos para educação relacionada com prevenção de abuso de álcool (DIAZ et al., 2005). Um dos pontos críticos na atuação de farmacêutico é o aconselhamento de clientes sobre interações de álcool com os fármacos. Segundo Tanaka (2003), o consumo de álcool pode diminuir o metabolismo de fármacos, entretanto, o seu consumo crônico pode aumentar a taxa deste metabolismo. Além disso, os pacientes devem ser alertados sobre o perigo de potencialização pelo álcool dos efeitos sedativos de vários fármacos, tais como amitriptilina e outros antidepressivos tricíclicos, benzodiazepínicos, anti-histamínicos do tipo de difenidramina, opióides e barbitúricos (Shoaf & Linnoila, 1991). Os pacientes que tomam ansiolíticos benzodiazepínicos para tratar a síndrome de abstinência, devem receber o alerta de não prorrogar o tratamento por conta própria, devido ao perigo da dependência de benzodiazepínicos. Afinal, os pacientes devem ser instruídos sobre a possibilidade do aumento pelo álcool de risco da hemorragia estomacal causada por aspirina e da lesão hepática sob influência de paracetamol. 4. CONCLUSÃO Um dos assuntos mais importantes no tratamento de alcoolismo é o uso de álcool na gravidez e durante a amamentação. É importante frisar que na disciplina sobre a drogadição no curso de farmácia da Universidade de Toronto no Canadá este assuntoi recebeu uma atenção especial (Busto et al., 1994). O perigo do uso de álcool e outras drogas na gravidez é bem conhecido, porém, os dados atuais apontam na possibilidade de efeitos do tipo de teratogenia funcional ou neurocomportamental, bem como dos fenômenos de imprinting / programação, com as conseqüências a longo prazo para a prole, às vezes, através das gerações (Weinberg et al., 2008; Goudochnikov & Barcelos, 2008). Portanto, é essencial organizar o treinamento de acadêmicos da farmácia e outros cursos da área de saúde, inclusive, com enfoque nos mecanismos de imprinting / programação farmacotoxicológicos (Goudochnikov & Mostardeiro, 2007; Goudochnikov & Petersen, 2009), destacando os assuntos de psiconeurofarmacologia e a comorbidade principal de alcoolismo com a depressão (CHICK, 2002). REFERÊNCIAS BARCELOS, R.C.S.; GOUDOCHNIKOV, V.I. Patterns of morbidity and mortality, related to mental and behavioral disorders due to alcohol use, in three brazilian states of southern region: age dependency and gender differences. In: 9. São Paulo Research Conferences: Drogas: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Eventus, 2008, p.22-23. BUSTO, U. et al. A problem-based learning course for pharmacy students on alcohol and psychoactive substance abuse disorders. American Journal of Pharmaceutical Education, v.8, p.5560, 1994. CHICK, J. Clinical depression in heavy drinkers of alcohol. 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