REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ® A concentração empresarial vertical e sua influência na defesa da concorrência Sumário: 1. Introdução. 2. As concentrações verticais e a Escola de Chicago. 3. As maneiras de verticalização e suas conseqüências: os benefícios ao consumidor. 4. Os efeitos negativos dos atos de concentração vertical. 5. Considerações Finais. 6. Bibliografia. Resumo: Este trabalho trata dos principais aspectos relativos aos atos de concentração empresarial na forma vertical, demonstrando a importância da existência de normas efetivas de direito da concorrência como meio de preservação de nosso sistema econômico. 1. Introdução Hodiernamente as regras de defesa da concorrência, ou regras antitrust, são imprescindíveis a fim de permitir a preservação do funcionamento do sistema econômico brasileiro e internacional. Entretanto, para isso é necessário que se adote um mecanismo onde as empresas deixem de levantar barreiras com o fim de dividir o mercado, porque com a existência de tais barreiras dificilmente se conseguirá uma total aplicação das normas de defesa da concorrência ou normas antitrust. Tomando como referência a lei antitruste brasileira, verifica-se que a concentração esta intrinsecamente ligada ao aumento de poder econômico de um ou mais agentes econômicos que atuam no mercado relevante. Indubitavelmente, no momento em que dois agentes se unem, estes passam a ter uma maior vantagem competitiva sobre os demais. Entretanto, as concentrações verticais possuem certas peculiaridades. Verifica-se que elas podem com o passar do tempo ensejarem barreiras ao mercado, pois facilitam a monopolização[1], e por conta desse fator devem ser objeto de maior estudo e preocupação em nossa legislação antitruste pátria, já que como outras condutas restritivas do mercado, tendem a falsear a concorrência. 2. As concentrações verticais e a Escola de Chicago Nas décadas de 50 e 60, as concentrações verticais eram hostilizadas pelas autoridades antitrustes norte-americanas, pois achavam-nas aptas a privar os rivais de uma oportunidade leal de competição, estabelecendo ligação exclusiva entre agentes econômicos que atuam em mercados relevantes complementares.[2] Em meados de 70 surgiu uma nova visão, pois as concentrações passaram a ser aceitas quando favoreciam o aumento de eficiência no setor. A Suprema Corte Americana passa a nortear a política antitruste através dos valores sociopolíticos, envolvendo o retorno a um neoclassicismo econômico, defendendo um funcionamento adequado do mercado, sem necessariamente haver a intervenção do governo. Assim, como conseqüência, em 1980 foi consolidado definitivamente o poder da Escola de Chicago.[3] No Brasil o incentivo às concentrações passou a ocorrer na década de 60, o que acabou dando subsídios para a formação da Resolução 1, de 20 de agosto de 1971 da Comissão de Fusão e Incorporação de Empresas (Cofie), que propunha atingir através das concentrações, as economias de escala, redução de preços de venda no mercado interno, conquista dos mercados externos, e o fortalecimento do mercado de capitais.[4] Contudo, mesmo com a mudança de concepção ocorrida ao longo das décadas, no que concerne às concentrações verticais, ainda não existe um consenso sobre seus efeitos para a concorrência, sendo uma questão bastante controvertida hodiernamente, e objeto de inúmeras considerações. 3. Formas de verticalização e suas consequências: benefícios para o consumidor A concentração vertical se dá entre empresas que operam em diferentes níveis da mesma indústria, e que mantém relações comerciais na qualidade de comprador/vendedor ou mesmo prestador de serviços. Logo, podemos simplificar dizendo que ocorre a concentração vertical quando vários estágios de produção de um bem são integrados por um grupo ou empresa.[5] Existem dois objetivos básicos que a empresa tenta buscar através deste tipo de concentração, que são a independência tecnológica e a internalização da atividade que procura tornar prioritária, a fim de maximizar seus lucros por meio de políticas e estratégias próprias.[6] No que tange à posição da empresa no mercado, com as concentrações verticais, aumenta-se a segurança de escoamento da produção, há um controle das fontes de matéria-prima e a possibilidade de pratica de preço final inferior. Da mesma forma que a terceirização de certos serviços, a concentração vertical depende das estratégias dos agentes econômicos, os quais buscando melhores resultados, tentam de toda forma minimizar seus custos e maximizar seus lucros. Ora, é evidente que com o capital concentrado nas mãos de poucos agentes econômicos é mais fácil atingir um progresso que não teria viabilidade no caso do mesmo capital estar distribuído entre vários empresários. Além do mais, com o crescimento da competitividade como conseqüência da globalização do mercado, tornou-se mais notória a necessidade do processo de concentração de empresas, a fim de torná-las mais competitivas. Geralmente a integração vertical se dá de três formas: 1 - Através do ingresso direto da empresa no mercado na condição de nova concorrente, ou seja, a empresa abre seu próprio negócio e concorre então com suas antigas fornecedoras (ou prestadores de serviços); 2 - Adquire-se uma empresa já existente no ramo a que se quer dar prioridade; 3 - Ou então quando contrata-se exclusivamente uma outra empresa aproveitando-se desta seus bens e serviços. [7] De qualquer forma a verticalização poderá trazer inúmeros benefícios ao consumidor, pois possibilita a redução dos preços, por meio da simplificação das fases do processo, ocorrendo a redução dos custos. Também ocorre um maior controle sobre a qualidade de insumos ou dos meios de distribuição (verticalização descendente), ou mesmo da qualidade dos meios de produção (verticalização ascendente). 4. Efeitos negativos dos atos de concentração vertical Nas concentrações verticais não se verifica de imediato a diminuição da concorrência, pois a fusão ou aquisição de um distribuidor por um fornecedor, ou o contrário, nem sempre faz com que se reduza o número de distribuidores ou de fornecedores. Cria-se uma grande preocupação com relação a esse tipo de concentração, visto que seus efeitos só serão observados de forma mediata, pois de plano imediato, além de não ocorrer a diminuição do número de atuantes no mercado de distribuição, tem potencial para trazer ganhos, visto que elimina o pagamento da comissão ao comerciante, dando possibilidade de reduzir os preços do produto, inevitavelmente beneficiando o consumidor. Assim como os demais tipos de concentração[8], a concentração vertical segundo o direito brasileiro, está apta a restringir a concorrência, ou até mesmo resultar em uma dominação do mercado[9], tendendo à neutralização da concorrência entre os agentes econômicos. Portanto, as concentrações verticais podem objetivar a neutralização da concorrência, não naquele mercado da atividade principal do agente econômico, mas sim atingir essa neutralização em outro mercado relevante. Exemplo disso ocorre quando uma concentração vertical garante o fornecimento de uma certa matéria-prima, através do controle do fornecedor. Logo para a empresa adquirente é eliminada a concorrência a que esta estava sujeita, com relação à compra do produto, e para a empresa adquirida é eliminada a concorrência que havia pela venda daquele mesmo produto. Contudo, cada caso concreto deve ser examinado para verificar a abusividade da conduta, observando-se em especial os concorrentes existentes no mercado e também as condições dos produtos que a eles são vendidos. 5. Considerações finais Infelizmente, ao mesmo tempo em que a concentração vertical é vista como indispensável ao progresso do sistema de produção, é também um fator de grande instabilidade desse mesmo sistema, visto que concentrando o capital em mãos de poucos, estes podem agir de forma independente e indiferente dentro do mercado, prejudicando diretamente os demais concorrentes. Não podemos olvidar que apesar da defesa da concorrência repudiar as condutas que comprometam a livre concorrência e o livre acesso ao mercado, nem todos os atos de concentração e fusão são proibidos, pois somente a ilicitude de uma conduta empresarial será configurada como ofensa à livre concorrência. Portanto, neste sentido o CADE tem se baseado em um modelo de atuação que já fora utilizado pelos Estados Unidos da América, influindo na estrutura do mercado, e coibindo algumas concentrações a fim de evitar a criação ou consolidação de poderes econômicos negativos no mercado. [10] Assim, no que concerne aos atos de concentração vertical, conclui-se que apesar destes auferirem inúmeros benefícios ao consumidor, e aparentemente não oferecerem riscos no mercado, eles podem indiscutivelmente deturpar a defesa da concorrência, e, portanto merecem ser objeto de maior atenção por parte das autoridades competentes. 6. Bibliografia BELLO, Carlos Alberto. Uma avaliação da política antitruste frente às fusões e aquisições, a partir da experiência dos EUA. Revista do Ibrac, v.4, n.3. BULGARELLI. Waldirio. O direito dos grupos e a concentração de empresas. São Paulo: Universitária de Direito, 1975. COELHO, Fábio Ulhoa. Direito Antitruste brasileiro; Comentários à Lei n. 8.884/94. São Paulo: Saraiva, 1995. COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro, Forense, 1978. DUTRA, Pedro. A concentração do poder econômico e a função preventiva do CADE. Revista do IBRAC, v.4, n.1. DUTOIT, Bernard. O Direito da Concorrência Desleal e a Relação de Concorrência; Dupla Indissociável? Uma perspectiva comparativa. RT – 717 – Julho de 1995. FORGIONI, Paula A. Os fundamentos da Antitruste. São Paulo: Editora RT, 1998. MAGALHÃES, José Carlos de. A concentração de empresas e a Competência do CADE. Doutrina Cível, Editora RT– 763 – Maio de 1999. MALARD. Neide Terezinha. Integração de empresas: concentração, eficiência e controle, Revista do Ibrac, v.1, nº4. NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao direito econômico. São Paulo: Editora RT, 1997. PEREIRA, Ana Cristina Paulo. O novo quadro jurídico das relações comerciais na América Latina – MERCOSUL. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 1997. PRADO, Martha Asuncion Enriquez Prado. Direito da Concorrência e Posição Dominante na União Européia e Mercosul. Tese de doutorado em Direito das Relações Internacionais. Pontifícia Universidade Católica . São Paulo: 1999. PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração Empresarial e o Direito da Concorrência. São Paulo: Editora RT, 2001. SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial as estruturas. São Paulo: Ed. Malheiros Editores. 1998. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. São Paulo: Editora RT, 1986. Notas: [1] Segundo José M.M. Proença “De fato, no mercado a justante, pode-se verificar barreira em razão da recusa do fornecedor em entregar o produto aos distribuidores concorrentes, ou mesmo discriminação de preços entre os diversos distribuidores. Por outro lado, no mercado montante, o acesso direto aos canais de distribuição põe o fornecedor em evidente situação de vantagem perante os demais fornecedores daquele produto e desencoraja a entrada de novos produtores.” (Concentração empresarial e o Direito da Concorrência, cit., p. 69.) [2] FORGIONI. Paula A. Os fundamentos da Antitruste. São Paulo: Editora RT, 1998, p. 358. [3] Neide Terezinha Malard descreve da seguinte forma a posição da Escola de Chicago, no que tange às concentrações: “Segundo a Escola de Chicago, a concentração econômica não deve ser vista como uma presunção da ilegalidade, e sim da eficiência. Os agentes econômicos, atuando no mercado de forma racional, em busca da maximização dos lucros, combinam seus bens de produção de maneira mais eficiente. Se fracassarem, serão punidos pelas forças competitivas do mercado, adiciona a ele mais ineficiência ao invés de torná-lo mais competitivo”. (“Integração de empresas: concentração, eficiência e controle”, Revista do Ibrac, v.1, nº4, p. 49) [4] BULGARELLI. Waldirio. O direito dos grupos e a concentração de empresas. São Paulo: Universitária de Direito, p. 54. [5] NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.314. [6] José Proença exemplifica essa políticas e estratégias próprias tais como redução de custos, maior produtividade, controle de qualidade do produto, fornecimento adequado da matéria-prima, desenvolvimento de certa tecnologia, maior eficiência da distribuição ou contrato mais direto com o consumidor final. (in, Concentração empresarial e o direito da concorrência, São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 67.) [7] PROENÇA. José. Concentração empresarial e o direito da concorrência. cit. P. 68. [8] Paula Forgioni coloca que “As concentrações são classificadas em horizontais, verticais e conglomeradas. Assim como os acordos horizontais, as concentrações desse tipo envolvem agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante, estando, portanto, em direta relação de concorrência. Ao invés, é vertical se os partícipes desenvolvem suas atividades em mercados relevantes “a monte” ou “a valle”, ou seja, concatenados no processo produtivo ou de distribuição do produto. As concentrações conglomeradas dizem respeito, por sua vez, a empresas que atuam em mercados relevantes completamente apartados (...)” (“Os fundamentos da Antitruste. São Paulo: Editora RT, 1998, p.357-358) [9] Vide § 3º do art. 54 da Lei 8.884/94. [10] FORGIONI. Paula A. Os fundamentos da Antitruste. São Paulo: Editora RT, 1998, p. 375