Filosofia e Vida
Como é bom, contagiante e sempre desejável ver e conviver com uma pessoa
feliz. A grande maioria dos filósofos afirma que o fim da vida humana é a eudaimonia
(termo grego que significa felicidade). A felicidade consiste no sabor alegre
proporcionado pelas realizações parciais, pelos acabamentos de nós mesmos, em escala
crescente , segundo os projetos eleitos como prioritários na história que decidimos
construir. A vida é feita de opções, de escolhas. Queiramos ou não, somos nós que
decidimos e, mesmo em condições adversas, marcadas pelas dificuldades e vicissitudes,
é sempre possível alimentar a esperança de ser feliz. Temos disso inúmeros exemplos e
testemunhos. O mais grave é que muitos de nós passamos o dia-a-dia construindo
labirintos e, de repente, não nos situamos mais e nem sequer sabemos para onde ir ou o
que fazer.
A filosofia tem sido para muitos um "fio de Ariadne", contribuindo efetivamente
para que se retome o caminho esquecido. A essência do ser humano, a razão, a natureza
própria, específica, que o distingue de todos os outros demais seres vivos, deve ser
colocada a serviço da evolução necessária desse ser perfectível que é o homem. Não
podemos parar no tempo e interromper o curso dialético da história. Ela, evidentemente,
será distorcida se a reflexão não prover o entendimento de que o tecido da existência
humana é caminho de mão dupla, feito também de contradições e contrariedades. Esse
exercício permanente é que o habilita a viver entre o desafio de se perder e o de
encontrar uma solução que também não é definitiva. O que não nos é permitido é
estacionar o projeto existencial na próxima vaga ociosa que aparecer. Aquele que se
solidariza com uma situação irracional, agride os fatos e perde o necessário alento para
desenvolver novas estratégias de superação. Nascer e morrer são extremos irrelevantes,
sobre os quais, outrora, não pudemos nem poderemos opinar, mas podemos escolher
como viver. Nascimento e morte são fatos puramente biológicos que não se relacionam
com a nossa liberdade mas, vida e morte, são modos diferentes de ser perante o convite
de existir. Ha pessoas felizes que vivem em condições desfavoráveis, enquanto, muitas
vezes, convivemos com oceanos de lamúrias no discurso de pessoas que se encontram
em condições francamente favoráveis. É um enigma que se revela quando entendemos
que cada ato humano implica uma escolha.
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, filho de uma lavadeira pobre,
estudava, à noite na rua, sob a luz de um lampião a gás. Não deveríamos cometer o
mesmo erro daquele que confessou publicamente em uma bela canção: "eu era feliz e
não sabia". Portanto, morrer não é apenas um fato biológico quando você diz: agora é
tarde... que pena...podia ter sido diferente... mas, de fato, o rumo da vida não pode ser
ditado sob as cataratas da ignorância. Condições sociais, estrutura psico-biológica,
ambiente familiar, educação, destino, oportunidades são algumas das desculpas para
negar a própria liberdade, enterrar de vez a auto-estima e fugir do compromisso de viver
com dignidade. Interrogue-se, com sinceridade: você lê (coisas boas) com freqüência?
Se não! Como pode esperar que o espírito sobreviva sem alimento? Se lê! Lê em
profundidade, pensando, refletindo e permitindo que as idéias organizadas e
sedimentadas manifestem-se agora num mundo criativo de valores sem ilusões e
incredulidades? Há até o absurdo daqueles que dizem crer em Deus, mas não crêem em
si próprios. Talvez, esquecidos do preceito bíblico: crescei! Portanto, crescer significa
fazer da sua vontade livre aquilo que permite o seu ser realizar da melhor maneira
possível o que lhe é peculiar, próprio e específico. O ser humano não é só o seu corpo e
suas vaidades, mas é, sobretudo, uma dimensão racional. Pensar é preciso porque, sem
essa opção interior, viver não é possível.
Mário José dos Santos - Professor do Departamento de Filosofia da UFJF
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