ISABEL CRISTINA ROSSI SIVAM: um caso de dependência tecnológica 1990-96 Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP) “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Araraquara, para obtenção do título de Mestre em Sociologia sob orientação do Professor Adjunto Enrique Amayo Zevallos, PhD. Araraquara 2003 2 AGRADECIMENTOS Da frase de Saint-Exupéry: “Se tu vens, por exemplo, as quatro da tarde desde as três horas eu começarei a ser feliz”, lembro-me sempre que a imagem de um amigo me vem a cabeça. Agradeço aos meus melhores amigos Francisca e Lúcio, meus pais, que mesmo sem terem a oportunidade de estudar sempre o valorizaram, ensinando-me a respeitar a pessoa do Professor. Especial agradecimento a FAPESP, pois seria impossível realizar este trabalho sem seu financiamento. Uma pessoa que merece meu respeito e admiração é o Professor Dr. Enrique Amayo Zevallos, meu orientador. Obrigada pela paciência, pelo apoio, por acreditar e valorizar meu potencial. Luiz Antonio dos Santos Alcides, obrigada por existir. Devo-lhe muitas coisas e, agora também os cálculos que fez, como Economista, para determinar o custo real total do projeto SIVAM; sem sua valiosa ajuda não seria possível, para mim, determinar o que o Brasil deve pagar por esse projeto. Muiiiito obrigada. Você é um excelente Economista. Israel Roberto Barnabé e Clóvis Santa-Fé Júnior, as incontáveis noites e madrugadas de estudo nos fizeram irmãos. Cumpri a primeira parte do nosso trato: fiz Mestrado e fui bolsista FAPESP. Licilda obrigada pela formação. 3 Obrigada especial à Sandra Márcia Campos Pereira e Marta Loza Vásquez, pela ajuda em um momento que necessitei de muita força em minha vida. Fabíola Gaspar das Dores, Mônica do Amaral, Milton Lahuerta, agradeço-os pelas oportunidades: minha primeira bolsa e meu primeiro congresso. Liza Aparecida Brasílio, Maria de Fátima Ferreira, Eliane de Leão, Edmundo Alves de Oliveira, Rilmara Rôsy Lima, Mônica da Silva Cruz, Nilton Milanez, Geny Cemin Amayo, Juliana Fogaça, José Carlos Tartaglia, Reis, Ieda Magalhães Ramon, Fátima Fonseca, Ary, Fábio Borges, Marcos Alan Ferreira, Sônia Pascolati, Adriana Portari agradeço-os por tudo. À banca de qualificação composta pelos professores Milton Lahuerta, Luís Fernando Ayerbe. Obrigada aos entrevistados e aos funcionários da FCL. Agradeço á Vida a oportunidade de repensar valores e atitudes. 4 RESUMO O objetivo deste trabalho consiste em analisar o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) no período de 1990 a 1996. O SIVAM é um megaprojeto da Amazônia Brasileira Legal, para conhecê-la, visando minimizar seus problemas, bem como avaliar e explorar suas riquezas. Constituindo-se como estrutura operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), o monitoramento da região objetiva também à atuação, pelas instituições públicas, de forma coerente na área. O interesse em desenvolver uma pesquisa sobre um tema como o SIVAM orientou-se, entre outros fatores, porque este parece somar-se às situações de dependência, salientando a questão da dependência tecnológica, que limitam as possibilidades de desenvolvimento autônomo do Brasil. A rigor, o intuito de nossa pesquisa é, dentro da visão centro-periferia, analisar o projeto SIVAM via dependência tecnológica. E também apontar algumas questões pertinentes para a análise da complexidade da fronteira amazônica. A Amazônia sul-americana é uma região multinacional e a Amazônia brasileira é macrofronteiriça nos leva a indagar, por exemplo, se os radares do SIVAM irão "invadir" outros territórios e, caso tal fato seja verídico, qual o possível alcance e impacto nos demais países amazônicos. Palavras Chave: SIVAM, Amazônia região sul-americana compartilhada, dependência tecnológica. 5 ABSTRACT The System of Vigilance of the Amazonia (SIVAM) is analyzed here during the period 1990-1996. SIVAM is a megaproject built in the Brazilian Legal Amazonian area to gather information on this region in order to evaluate and exploit its richness, and then minimizing some of its problems. The monitoring of this region is included in the operational structure of the Brazilian System for the Protection of the Amazonia, and therefore it is also directed to allow the achievement of consistent interventions on this area by the public institutions. One of the many interests brought by this subject is the fact that SIVAM has similarities with other situations of dependence that inhibit the possibilities for Brazil to have an autonomous development, highlighting the technological dependence. The main objective of this research is to analyze the SIVAM PROJECT via the technological dependence, based on the center-periphery view. It also points out some issues relevant to the analysis of the complexities of the Amazonian border. This South American region is multinational and the huge borderland of the Brazilian Amazonia leads to questions like whether the radars used in SIVAM will “invade” other territories. And if this is so, to what extent this may impact the remaining Amazonian countries? Keywords: dependence. SIVAM, shared South-American Amazonia, technological 6 RESUMEN El objetivo de este trabajo consiste en analizar el llamado Sistema de Vigilancia de la Amazonía (SIVAM), durante el periodo 1990-1996. El SIVAM se constituye como una de las estructuras operacionales del Sistema de Protección de la Amazonía (SIPAM), que permite el monitoramiento de la región. Facilita también la actuación de las instituciones públicas de forma coherente en el área, ya que SIVAM es un megaproyecto oficial de la Amazonía Brasileña (Amazonía Legal), para conocerla, teniendo como fin minimizar sus problemas, así como evaluar y explorar sus riquezas. El interés en desarrollar una investigación sobre un tema como el SIVAM, se orientó entre otros factores, porque éste parece sumarse a las situaciones de dependencia, destacándose la cuestión de dependencia tecnológica, que limita las posibilidades de un desarrollo autónomo de Brasil. En rigor, a partir de la visión centro-periferia, la Intención de nuestra investigación es analizar el proyecto SIVAM vía el análisis de la dependencia tecnológica y también así, apuntar algunas cuestiones pertinentes sobre la complejidad que presenta el estudio de la frontera amazónica. La amazonía sudamericana es una región multinacional y la Amazonía Brasileña es macrofronteriza, lo que nos lleva a indagar, por ejemplo, sí los radares del SIVAM irán a “invadir” otros territorios, y en caso de que este hecho sea verídico, cuál sería el posible alcance e impacto en los demás países amazónicos. Palabras clave: SIVAM, dependencia tecnológica. Amazónia, región sudamericana compartida, 7 SIGLAS USADAS NA DISSERTAÇÃO ALCA: Área de Livre Comércio das Américas BID: Banco Interamericano de Desarrollo C&T: Ciência e Tecnologia CCG: Centro de Coordenação Geral CCSIVAM: Comissão para Coordenação do Sistema de Vigilância da Amazônia CEPAL: Comissão Econômica para a América Latina CIA: Central Intelligence Agency CISCEA: Comissão de Implantação do Sistema de Controle do Espaço Aéreo CNPq: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COPPE: Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia CRV: Centro Regional de Vigilância EMBRAER: Empresa Brasileira de Aeronáutica ESG: Escola Superior de Guerra EUA: Estados Unidos da América do Norte FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FMI: Fundo Monetário Internacional G7: Grupo dos Sete IGE: Instituto de Geociências 8 INPA: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPE: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais MERCOSUL: Mercado Comum do Sul OMC: Organização Mundial do Comércio OTAN: Organização do Tratado do Atlântico Norte P&D: Pesquisa e Desenvolvimento PNUD: Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo SAE: Secretaria de Assuntos Estratégicos SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SIPAM: Sistema de Proteção da Amazônia SIVAM: Sistema de Vigilância da Amazônia TCA: Tratado de Cooperação Amazônica UCAM: Universidade Cândido Mendes UFBA: Universidade Federal da Bahia UFRJ: Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSCar: Universidade Federal de São Carlos UNESP: Universidade Estadual Paulista UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas URSS: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 9 SUMÁRIO MAPAS .....................................................................................................................10 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................15 CAPÍTULO. I: A macrofronteira amazônica: sua posição geográfica e estratégica ...............................................................................................................21 Amazônia: a região sul-americana e a biodiversidade ........................................21 Desfazendo mitos....................................................................................................26 Os ciclos da Amazônia brasileira ..........................................................................30 CAPÍTULO II: A abordagem da dependência: um paradigma para as sociedades latino-americanas....................................................................................................34 A dependência tecnológica ....................................................................................47 A tessitura atual ......................................................................................................57 CAPÍTULO III: SIVAM: um caso de dependência tecnológica .............................70 A concepção do SIVAM ..........................................................................................77 CAPÍTULO IV: SIVAM: interesses, contradições, contrato com a Raytheon e cifras.........................................................................................................................88 Nota sobre mentalidade militar ............................................................................101 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................106 ANEXOS .................................................................................................................115 ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr. AZIZ AB’SABER ........................................115 ENTREVISTA AO PROFESSOR CLOVIS BRIGAGÃO ........................................118 ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr DOMÍCIO PROENÇA JÚNIOR.....................122 ENTREVISTA AO CEL.-AV. FRANCISCO LEITE ALBUQUERQUE NETO..........135 ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr. JOÃO ROBERTO MARTINS FILHO ...........147 ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr. RENATO PEIXOTO DAGNINO ...................150 SIMULAÇÃO I .........................................................................................................162 SIMULAÇÃO II ........................................................................................................165 FÓRMULAS ............................................................................................................170 10 MAPAS 11 12 13 14 15 INTRODUÇÃO Esta é uma pesquisa sociológica interessada em analisar o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) no período de 1990 a 1996. O SIVAM é um megaprojeto da Amazônia Brasileira Legal, que tem por objetivo conhecê-la, visando minimizar seus problemas, bem como avaliar e explorar suas riquezas. Constituindo-se como estrutura operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), o monitoramento da região possui por finalidade também à atuação, pelas instituições públicas, de forma coerente na área. O SIVAM integra radares, satélites, aviões e estações de monitoramento para rastrear 5,2 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal. No Brasil, a chamada Amazônia Legal abrange os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. O SIVAM foi inaugurado, parcialmente (75%), em 25/07/2002, exatamente cinco anos após a assinatura do contrato entre o governo brasileiro e a Raytheon, como previa a execução acordada. A previsão da cobertura total pelo projeto é para o segundo semestre de 2003. O interesse em desenvolver uma pesquisa sobre um tema como o SIVAM orientou-se, entre outros fatores, porque este parece somar-se às situações de dependência, salientando a questão da dependência 16 tecnológica, que limitam as possibilidades de desenvolvimento autônomo do Brasil. A rigor, o intuito de nossa pesquisa, no campo sociológico, é, dentro da visão centro-periferia, analisar o projeto SIVAM via dependência tecnológica. E também apontar algumas questões pertinentes para a análise da complexidade da fronteira amazônica, já que, por exemplo, é uma região compartilhada por vários países, além de ser cobiçada pelas potências mundiais. Dessa forma, interessa-nos responder as seguintes questões: por que o SIVAM não é desenvolvido por cientistas brasileiros? Por que renunciar a desenvolver a nossa própria tecnologia? Por exemplo, como nossa pesquisa evidencia, os recursos humanos dos quais dispomos não estão sendo utilizados para gerar um desenvolvimento auto-sustentado. São indagações que necessitam de um maior esclarecimento. A Amazônia sul-americana por ser uma região multinacional e a Amazônia brasileira macrofronteiriça permite-nos indagar, por exemplo, se os radares do SIVAM irão "invadir" outros territórios e, tal fato sendo verídico, qual o possível alcance e impacto nos demais países amazônicos. Assim, no primeiro capítulo estudamos a Amazônia como região sulamericana, enfatizando que o Brasil, maior país amazônico e da América do Sul, compartilha uma macrofronteira. A megadiversidade de seus recursos suscitam uma visão mítica da região amazoniana. Desfazemos, então, alguns desses mitos, que julgamos os mais importantes, mostrando os 17 diversos expedientes utilizados para ressalvar os interesses dos vários atores sociais. Apesar da visão de conjunto da região amazônica, ressaltamos especificamente as características da Amazônia brasileira, pois o SIVAM, nosso objeto de estudo, é um projeto do Governo do Brasil concebido levando em consideração a Amazônia Legal. No segundo capítulo abordamos o conceito de dependência, como paradigma para as sociedades latino-americanas, juntamente com o de dependência tecnológica; esta última tem dimensão própria, possuindo um acúmulo teórico e de estudos de caso. Para uma melhor compreensão, faz-se necessário capitular a atmosfera do enfoque específico do conceito de dependência, visto que esse, é um dos momentos de grande independência intelectual da Ciência Social latino-americana. Os Cientistas Sociais da dependência, na sua maioria Sociólogos, utilizando o aporte teórico marxista, estabeleceram as bases de uma análise original da América Latina. Nesse contexto, correlatamente, temos a concepção de dependência tecnológica para analisar questões de Ciência e Tecnologia. Essa definição, como evidenciamos em nossa pesquisa, não pode ser entendida sem levarmos em importações. consideração a industrialização via substituição de 18 Além desse enfoque da dependência e dependência tecnológica, falamos ainda do contexto em que foi concebido o Sistema de Vigilância da Amazônia. A concepção do SIVAM data do início dos anos 90, um momento chave de mudanças no âmbito internacional. A queda do Muro de Berlim (1989), maior símbolo da Guerra Fria, trouxe consigo uma Nova Ordem Mundial e, esse reordenamento do sistema mundial, se caracterizou pela tendência a homogeneidade imposta pelos Estados Unidos da América do Norte (EUA). A bipolaridade, capitalismo X socialismo, deixa de existir e, com isso “novos inimigos” ou ameaças passam a ser enfocados. Dessa forma, por exemplo, as guerrilhas, o terrorismo, o tráfico de drogas, são caracterizados como aqueles “novos inimigos” potenciais a serem combatidos. A dinâmica do novo contexto mundial obriga-nos a repensar a inserção do Brasil no capitalismo mundial, neste período de globalização, tendo em vista a possibilidade de intensificação da dependência tecnológica. No Brasil, saíamos de 21 anos de ditadura militar; sabemos que foram diferentes militares no poder durante esses vários anos, porém, nesta pesquisa, não os diferenciamos porque, então, teríamos uma outra abordagem do tema. O primeiro governo eleito por sufrágio universal após esses anos, Fernando Collor de Melo, abriu o mercado interno para inserir o país na era da globalização. O SIVAM foi concebido dentro dessa conjuntura, aliado ainda à percepção militar da Amazônia - que perpassa a Doutrina de Segurança 19 Nacional, Brasil grande potência e, no pós Guerra Fria, à ameaça de internacionalização advinda das questões ambientais, demarcação de terras indígenas e tráfico de drogas, acirrados no quadro do conflito entre Norte e Sul. Em meados dos anos 90, como veremos posteriormente, alguns autores repensam o conceito de dependência para analisar essa inserção do Brasil no mundo globalizado, assim como, a crise que assolou o país na década de 80. Repensar esse conceito traz novos elementos, principalmente, para nosso caso, com questões referentes à tecnologia, enfatizando a necessidade de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e Ciência e Tecnologia (C&T), pois as inovações tecnológicas se tornaram armas poderosas de competição na nova tessitura. Esse quadro ajuda a explicar porque o SIVAM foi, e é um projeto de inspiração militar, controlado pelas forças armadas brasileiras. Nesse sentido, utilizamos com freqüência os textos da Revista da Escola Superior de Guerra e, consecutivamente, prestamos atenção ao pensamento militar vinculado ao SIVAM, conduzindo-nos pelo seguinte raciocínio: a importância estratégica (do ponto de vista dos recursos naturais da Amazônia), seguido do conceito de dependência (para compreender como se deram os nexos do capitalismo na região) para conseqüentemente, argumentar o SIVAM sob a óptica da dependência tecnológica. 20 Os textos, à luz de nossa formação de Cientista Social, direcionavamnos, cada vez mais, a ver a dependência tecnológica em relação às questões de ordem social e política, tendo como grande ator o Estado e seus interesses. Esse aguçamento sociológico levou-nos, simultaneamente, a ver a dependência tecnológica cada vez menos em termos de detalhamento no campo estritamente tecnológico, como por exemplo, a eficiência do sistema de engenharia escolhido para o SIVAM – assunto diretamente ligado àqueles que trabalham disciplinas correlatas. Desta maneira chegamos ao terceiro capítulo, onde optamos por expor a concepção de SIVAM do ponto de vista dos entrevistados. São eles: Professor Dr. Aziz AB’Saber, Professor Clovis Brigagão, Professor Dr Domício Proença Júnior, CEL. -AV. Francisco Leite Albuquerque Neto, Professor Dr. João Roberto Martins Filho e Professor Dr. Renato Dagnino. E, para o quarto capítulo, argumentamos sobre os interesses que poderiam estar envolvidos no SIVAM. Para isso, utilizamos sucintamente, alguns conceitos das Ciências Sociais, importantes nesta parte de nossa pesquisa: geopolítica, hegemonia, sub-hegemonia. Aqui consideramos as cifras, ou seja, o cálculo dos juros pagos por todos nós brasileiros, para termos uma idéia do custo real do projeto tendo por base a média anual do dólar compreendida entre julho de 2002 e julho de 2003. À guisa de conclusão obtivemos algumas considerações finais. 21 CAPÍTULO. I: A macrofronteira amazônica: sua posição geográfica e estratégica Amazônia: a região sul-americana e a biodiversidade Conforme Clóvis Brigagão1, a região amazônica é distribuída ao longo de oito países independentes - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela - e de uma colônia - Guiana Francesa. Esta última não participa do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), acordado entre os países amazônicos, por sua condição colonial. (Ver mapa América do Sul) Para melhor compreender essa macrofronteira2 compartilhada, faz-se necessário observá-la no todo. De acordo com Amayo Zevallos3, estudar a Amazônia em sua totalidade implica em recuperar a história comum dessa região, principalmente os aspectos que mais influenciaram o conjunto como, também, as histórias específicas, tanto no período de colonização ibérica, quanto na estruturação de cada Estado nacional independente. Os fenômenos que influenciaram o conjunto foram chamados pelo autor de impactos diretos e, aqueles que influenciaram partes específicas, de impactos indiretos. 1 BRIGAGÃO, C. Inteligência e marketing: o caso SIVAM, 1996, nota 21. A macrofronteira é compartilhada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela, pois o Equador, país amazônico também, é um dos países da América do Sul que não faz fronteira com o Brasil. 3 AMAYO ZEVALLOS, E. ¿Porqué estudiar la formación histórica y la problemática actual de la 2 22 Assim, fazem parte dos impactos diretos: a chegada dos europeus na região; o descobrimento do Rio Amazonas pela história européia e, por conseguinte, o contato com os povos nativos e as conseqüências trazidas a eles por essa ocasião; o ciclo da Borracha (Brasil) ou Caucho (América Espanhola) e consecutivamente a destruição de parte da floresta, bem como da diversidade amazônica e o seu significado para a economia nacional, regional e internacional. Os impactos indiretos ocorreram em áreas específicas dentro da Amazônia, trazendo maiores conseqüências em algumas partes mais que em outras. Nesse sentido, Amayo Zevallos, por exemplo, menciona o ciclo do Quinino4, ocorrido principalmente, nos países andino-amazônicos; o garimpo questão mais premente no Brasil; e mais recentemente o tráfico de drogas, com produção nos países andinos visto que a matéria prima, a coca, é uma planta nativa dessa região amazônica.5 Conforme Becker6, a Amazônia abarca amplo território do continente sul-americano, apresentando fantástica vegetação florestal, aproxima-se dos domínios do Caribe e dos Andes, vinculando-se ainda ao Atlântico por sua fabulosa massa de água. Amazonia? Espiral: estudios sobre Estado y Sociedad, maio/ago. 1999, v. V, p. 73 – 105. 4 Essencial para a cura da malária e outras doenças tropicais. 5 Salientamos, entretanto, que a produção da coca impacta os países andino-amazônicos, porém, do ponto de vista da distribuição pelo tráfico de drogas, as ramificações estão pelo Brasil e por todo o planeta, pois é um negócio em ascensão com peso no mercado mundial. Países como Colômbia em suas áreas amazônicas são também impactadas pela produção de papoula, planta original da Ásia e matéria prima da heroína, ópio e morfina. 6 BECKER, B. Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 58. 23 Essa posição geográfica poderá ter um significado estratégico e econômico maior quando a bacia Amazônica ligar-se diretamente à Bacia do Pacífico, integrando o Atlântico com o Pacífico e, conseqüentemente, as massas territoriais mais importantes da América do Sul. Nesse processo de integração sul-americano a margem de dependência poderia ser reduzida utilizando os recursos naturais de forma racional.7 O Pacífico possui grande importância nas relações econômicas, tendendo a ampliá-las. Se pensarmos, por exemplo, nos EUA antes e depois da ferrovia, observaremos que a consolidação como nação e a transformação em potência internacional está diretamente relacionada com a comunicação do Atlântico com o Pacífico. 8 Segundo autores como Enrique Amayo e Bertha Becker 9, essa região, compartilhada entre os países do TCA, é extremamente importante como fonte de vida, principalmente, pelos seus recursos biológicos e hídricos. A região sul-americana, que é a Amazônia, corresponde mais ou menos aos sete por cento da superfície terrestre; possui uma bacia hidrográfica, representando um quinto da água doce, corrente de superfície, existente no planeta. Um patrimônio florestal que cobre um terço das regiões latifoliadas do globo, além de recursos hidrelétricos capazes de gerar 100 milhões de quilowatts de energia10. 7 AMAYO ZEVALLOS – Porqué estudiar la formación histórica y la problemática actual de la Amazonia? Espiral: estudios sobre Estado y Sociedad maio/ago. 1999, v. V, p. 73 – 105. 8 ibid 9 AMAYO ZEVALLOS, E. Da Amazônia ao Pacífico cruzando os Andes. Revista Estudos Avançados, n. 17, 1993; BECKER, B. K. Amazônia, 1990. 10 GOMES, S A cobiça internacional. Cadernos do Terceiro Mundo, n, 214, novembro de 1999, p. 40-4. 24 Riqueza que certamente instiga a cobiça das potências tecnológicas, quanto às possibilidades de exploração em benefício próprio. Conforme Amayo, a Amazônia brasileira, do ponto de vista da Bacia Amazônica, corresponde a 3.872.000 quilômetros quadrados, detendo grandes reservas minerais.11 Para Ruellan, o potencial mineral dessa área apresenta reservas de ferro de alto teor, bauxita, cobre, manganês, estanho, cassiterita, chumbo, zinco, alumínio, níquel, titânio, tungstênio, urânio, sal-gema, diamante, nióbio, ouro, gás natural e petróleo; diversificados ecossistemas terrestre e aquático com dezenas de milhares de espécies, mais plantas alimentares e medicinais12. Região que, no imaginário do mundo, é o último reduto do paraíso terrestre. Ocupando sete por cento da superfície do planeta, a Amazônia abriga a metade do patrimônio biológico da Terra; em poucos hectares têm mais espécies de árvores nativas do que em toda América do Norte; é nessa área que a mais antiga cerâmica do ocidente foi encontrada, mais precisamente em Santarém, estado do Pará, Brasil.13 Assim, além da importância estratégica da Amazônia por sua condição geográfica, temos também a biodiversidade que gera interesses nas grandes potencias mundiais, especialmente dos EUA e Japão, como evidencia o já mencionado trabalho de Amayo de 1993. 11 AMAYO ZEVALLOS, E. Da Amazônia ao Pacífico cruzando os Andes. Revista Estudos Avançados, n. 17, p.128, 1993. 12 RUELLAN, A. Amazônia: questões e responsabilidades. Revista Estudos Avançados, n.13, 1991, p.202-3. 13 AMAZONIA Sin Mitos. Comisión Amazónica de Desarrollo y Medio Ambiente BID/PNUD/TCA, 25 Esse interesse revela-se ao percebermos a Amazônia como uma fronteira de recursos, aliás, conforme Bertha Becker14, há de se ver o Brasil e a América Latina como fronteira de recurso. Nesse sentido, a argumentação de Becker considerando-a uma fronteira nacional e mundial, para os que buscam novos recursos para a expansão da sociedade urbana e industrial. Segundo a autora, A fronteira é, pois, para a nação, símbolo e fato político de primeira grandeza, como espaço de projeção para o futuro, potencialmente alternativo. Para o capital, a fronteira tem valor como espaço onde é possível implantar rapidamente novas estruturas e como reserva mundial de energia. A potencialidade econômica e política da fronteira, por sua vez, tornam-na uma região estratégica para o Estado, que se empenha em sua rápida estruturação e controle.15 Conforme Becker, as fronteiras de recurso são definidas como zonas de povoamento novo em que o território virgem é ocupado e tornado produtivo, passando a existir com a descoberta de recursos naturais importantes e o comprometimento do governo, e das firmas privadas, no sentido de explorar as oportunidades comerciais que se apresentarem. Para atraí-los, esses recursos têm que ser em grande escala e economicamente atraentes, principalmente para a iniciativa privada, visto que para o Estado a preocupação é mais complexa. O Estado visa a ocupação permanente da região, criando bases para o desenvolvimento. 1992. 14 BECKER, B. Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982. 15 BECKER, B. K. Amazônia, 1990, p.11. 26 Becker16 aponta que, a característica fundamental da fronteira de recursos, é à distância em relação aos centros, indício de que no passado eram consideradas regiões inóspitas. Conforme a autora, o sistema espacial se integra por meio de uma estrutura de relações de autoridade-dependência exercidas a partir das grandes cidades. Temos, então, caracterizado a estrutura espacial do tipo centro-periferia. Assim, o centro organiza a dependência de sua periferia, capturando seus recursos. De acordo com Becker, para se estabelecer uma política nacional de desenvolvimento, os interesses do centro precisam convergir com os da periferia. Essa situação ocorre quando a industrialização do centro, freada pelas limitações do mercado interno, necessita de uma expansão geográfica e, conseqüentemente, necessita do aproveitamento dos recursos naturais da periferia. Desfazendo mitos Segundo Dourojeanni17 houve mudança considerável nos enfoques teóricos sobre o desenvolvimento amazônico. Passou-se do conceito de conquista, ocupação e exploração, freqüentes nos anos 50 do século XX, ao desenvolvimento racional dos anos 60, ecodesenvolvimento nos anos 70 e 80 16 BECKER, B. Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982. 17 DOUROJEANNI, M J. Medio siglo de desarrollo en la Amazonía: Existen esperanzas para su 27 e, atualmente, ao desenvolvimento sustentável. Porém, a mudança no discurso não refletiu uma prática efetiva por parte das autoridades locais. Para o autor, a visão de uma Amazônia como um território a ser conquistado, ocupado e explorado, está ligada às teorias geopolíticas de cunho militar, as quais construíram alguns mitos sobre a Amazônia que necessitam ser esclarecidos; entendendo por mito uma idéia sem correspondência na realidade. Com o propósito de esclarecer esses mitos, utilizaremos o documento Amazônia Sin Mitos18. O TCA solicitou que se organizasse uma comissão com integrantes dos vários países amazônicos, para elevar o nível do debate político nacional e internacional sobre desenvolvimento e meio ambiente na Amazônia. Elaborou-se, então, um documento visando contribuir para os debates da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente em 1992. Nesse documento alguns mitos são desfeitos, entre eles: o mito da Amazônia “virgem”, “vazia”; o mito da homogeneidade; da riqueza; da pobreza; do “Pulmão da Terra”; dos indígenas como obstáculos ao progresso e da internacionalização da região. Passaremos, à discussão rápida dessas crenças, tendo como base o referido documento. Habitualmente, as referências à Amazônia consideram-na como uma região intocada, virgem, um espaço vazio a ser ocupado. Todavia, antes da chegada dos europeus, à região já era habitada, sendo que numerosas e desarrollo sustentable? In Estudos Avançados, São Paulo, v.12, n. 34, set/dez 1998. 18 AMAZONIA Sin Mitos. Comisión Amazónica de Desarrollo y Medio Ambiente BID/PNUD/TCA, 28 diversificadas culturas nativas desenvolveram arte notável, respeitando o ambiente em uma relação harmoniosa com a natureza. Aponta-se, freqüentemente, que a floresta é um imenso manto verde homogêneo, recortado por grandes e sinuosos rios. Contudo, a Amazônia possui diversidade natural, política e social existindo, dentro da região, grande heterogeneidade de clima, formação geológica, altitudes e paisagens. E também por ser compartilhada, como exposto acima, já que cada país amazônico tem seu estilo de governo sobre sua porção. Usualmente, no hemisfério norte, o Brasil é sinônimo de Amazônia, sendo considerado o único responsável pela destruição da floresta. No entanto, o exagero de tal afirmação deve-se ao fato do Brasil possuir a maior parte da bacia amazônica. De acordo com Amazônia Sin Mitos, o Brasil tem sob sua jurisdição 67,79% da bacia amazônica, correspondendo a 58,5% do seu território. Aos demais países cabem 32,21%, porém, nesses outros territórios a porcentagem nacional, em relação à bacia, é mais importante. Por exemplo, o Peru, por extensão o segundo país amazônico, possui 13,02% da bacia, mas, essa porcentagem equivale a 74,44% do seu território. Já a Bolívia, o terceiro, possui 11,20% da bacia o que corresponde a 75% do seu território. Outro mito a ser desfeito é o da exuberante vegetação tropical ser sustentada por um solo rico, uma dádiva, um paraíso terreno no qual para viver é só estender a mão e pegar. Porém, essa asserção decorre do desconhecimento da forma de produzir e viver dos povos indígenas nativos. 1992. 29 Essa asseveração mítica da riqueza amazônica foi utilizada como solução dos problemas periféricos existentes. A pobreza, a miséria das populações de áreas menos desenvolvidas foi ‘exportada’ para a Amazônia. Com a emigração dessas regiões periféricas internas, diminuiu a qualidade de vida da região amazônica. Como exemplo, podemos citar as populações pobres dos Andes e também do nordeste brasileiro que foram em busca de melhores condições de vida. Atualmente se reconhece que a riqueza da Amazônia está na sua biodiversidade, nos ecossistemas, na flora e na fauna já valorizados pelos povos nativos da região. Após quatro séculos de ocupação desrespeitosa, a Amazônia mostrou a necessidade de uma nova forma de desenvolvimento. Paralelamente ao mito da riqueza surgiu o da pobreza, cuja argumentação é que a região não desenvolvimento, pois é extremamente pode ter frágil. qualquer Mas, essa forma de discussão desconsidera a necessidade da população do local de assegurar sua sobrevivência. Entretanto, a Comissão Organizadora do Amazônia Sin Mitos assegura que a região oferece verdadeiras possibilidades para um desenvolvimento sustentável. Outro mito muito difundido é o de “Pulmão da Terra”, alegando que a floresta produziria 80% do oxigênio do planeta. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)19, a produção líquida de oxigênio 19 Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Responsável: Dr. Carlos R. Bueno. Coordenacão de Extensão. http://www.inpa.gov.br 30 (saldo positivo) representa 0,000008% do total da atmosfera da terra, indicando, dessa forma, uma pequena participação global. Ainda assim, fazer tal afirmação indica o desconhecimento da importância dos mares na produção de oxigênio e, também, que a floresta madura consome praticamente todo o oxigênio produzido por ela. Outro mito: os povos nativos amazônicos foram colocados como obstáculos à conquista, à colonização e ao desenvolvimento da Amazônia. Assim, desconsideraram sua sabedoria. O desrespeito à alteridade levou a destruição da floresta, pois esses povos conhecem muito bem seu habitat e sabem aproveitar o que a natureza tem a oferecer sem, agredi-la e muito menos destruí-la. E, quanto ao mito da internacionalização, conforme a Comissão, a Amazônia não é a única região que tem importância ecológica no planeta. Para eles, internacionalizar cada parte do mundo com importância ecológica global é absurdo e exprimir tal intento seria prova de ignorância e má fé. Os ciclos da Amazônia brasileira A Amazônia Legal Brasileira abrange os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Foi criada por lei em 1953, sendo regulamentada pelo art. 199 da Constituição de 1946. (Ver mapa Amazônia Legal) 31 De acordo com a análise de Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Müller20, a região amazônica guarda as características de frentes pioneiras e incorpora, em sua expansão as mais variadas formas sociais, abarcando desde formas compulsórias de trabalho a relações puramente assalariadas, uma vez que a expansão capitalista não se efetiva de modo homogêneo e retilíneo. Esses autores argumentam que, até a década de quarenta, a Amazônia se integrava ciclicamente à divisão internacional do trabalho. Durante os séculos XVII e XVIII as drogas do sertão, utilizadas na alimentação, condimentação e farmacopéia da Europa, desempenharam a função de alavancar a acumulação primitiva do capital. Na busca por essas drogas ocorreu a primeira devastação da floresta. No ciclo da borracha, o látex funcionou como matéria-prima para a indústria automobilística norte-americana e européia. Esse ciclo trouxe a histórica devastação entre as últimas décadas do século XIX e as duas primeiras do XX e, a partir de 1920-1930, as frentes pioneiras da agropecuária e dos minérios, juntamente com o extrativismo do látex e da castanha, continuaram a depredação. Conforme Cardoso e Müller, até a década de 1940, não houve um povoamento destinado exclusivamente à colonização, ou seja, tendo em vista os interesses do colono. O povoamento só ocorria se houvesse na terra algum produto natural que pudesse ser trocado, mas, ao término da demanda externa do 20 CARDOSO, F. H; MÜLLER, G. Amazônia: expansão do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1977. 32 extrativismo os “mais fortes” emigravam e os demais aguardavam o próximo ciclo. A expansão da mais recente fronteira do Brasil ocorreu mediante o incentivo e a direção do Estado Autoritário (1964 1985), que segundo o pesquisador Raymundo Garcia Cota21 é um fato novo no caso amazônico. Seus mecanismos fiscais e monetários transformam completamente os espaços econômicos e sociais, verificando-se a predominância dos processos políticos sobre a organização do espaço no âmbito das motivações e também da ação. Cardoso e Müller salientam ainda que, a partir de 1967–70, interesses estratégicos e militares passaram a motivar mais consistentemente algumas políticas da área. Para os autores, A ocupação da Amazônia, obedecendo às razões da ideologia militar, não contemplava no início a forma que a expansão do capitalismo adotou. Mas não conflitava com ela, nem com a grande empresa que é sua mola. Como, por outro lado, o Estado expressa também uma dimensão ideológica e precisa autoconceber-se como ligado à Nação – ao povo – e, como cada avanço efetivo da forma de penetração capitalista na Amazônia revela-se os custos sociais do processo, de tempos em tempos novos planos são concebidos (sempre abandonados posteriormente), que apenas desenham no nível da boa vontade a visão idílica de uma Amazônia posta a serviço do homem e da região...22 Essa dimensão ideológica esteve relacionada com a questão da segurança nacional que, segundo Becker, não se colocou somente pela 21 COTA, R. G. Carajás: A invasão desarmada. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984. ibid p. 15. Esses raciocínios devem ser levados em consideração para compreender as razões pelas quais, no governo FHC, o SIVAM, um projeto controlado pelas Forças Armadas, transformou-se em realidade. 22 33 presença de um imenso espaço desocupado, suscetível aos interesses estranhos à nação e ao continente sul-americano, mas refere-se igualmente ao dinamismo interno da organização econômica e social dos países sulamericanos. No Brasil, durante os anos 70, as frentes de colonização e povoamento da região amazônica trouxeram resultados danosos ao meio ambiente e às populações indígenas em virtude da depredação praticada; podemos mencionar como exemplo a invasão das terras ianomâmi por garimpeiros. Tal situação fez com que, na década de 80, houvesse intensa pressão internacional para a preservação da floresta com a maior biodiversidade existente no planeta. 23 Conforme afirma Brigagão, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), chegaram a negar créditos a projetos que poderiam causar danos ecológicos na Amazônia. A essas sanções o governo brasileiro respondeu que a região era assunto de soberania nacional e, assim, responsabilidade do Brasil.24 A finalidade de reconstituir brevemente a história amazônica foi para aprofundar nossa compreensão do atual desenvolvimento/expansão da região. 23 PROJETO Amazônia. Revista Problemas Brasileiros, n. 314, 1996, p.14. BRIGAGÃO, C. p. 28-9. 24 estágio de 34 CAPÍTULO II: A abordagem da dependência: um paradigma para as sociedades latino-americanas O tema da dependência é um marco da cultura latino-americana. As reflexões sobre as causa do atraso latino-americano terminou conformando a chamada Dependência que é um grande tema configurador do pensamento na América Latina. A dependência estrutural da América Latina, segundo Luis Fernando Ayerbe,25 tem seus laços fortalecidos com a “grande depressão” da economia internacional entre os anos 1873-1895, que reorganizou o sistema mundial vigente na época. A Inglaterra manteve o Livre Comércio e os demais Estados europeus adotaram políticas protecionistas, principalmente em relação a importar matérias primas e a indústria têxtil. Os ingleses se especializaram na produção e exportação de produtos industriais, gerando a necessidade de importar matérias-primas. O desenvolvimento da tecnologia aumentou a produtividade, provocando o expansionismo de mercado e investimentos. Dessa forma, a América Latina se tornou estratégica para a nova economia mundial, sendo que a base da dependência estava plantada.26 Ayerbe destaca ainda que, no final do século XIX, a Inglaterra, principal potencia econômica, então, vai, paulatinamente, sendo substituída pelos E U 25 AYERBE, L. F. Imperialismo e dependência estrutural. In ______ Estados Unidos e América 35 A. Assim, o solo se enriquece para dar vida a teoria da dependência. Contudo, existem diferenças, às vezes profundas, entre seus principais expositores, tornando difícil a sistematização de uma “Teoria”. De acordo com Belluzzo27, o rótulo de teoria da dependência obrigou a hipóteses e investigações sobre a dinâmica das articulações econômicas, sociais e políticas das regiões incorporadas ao espaço criado pela expansão do capitalismo “originário”. Enfatiza que a idéia de dependência surge no debate dos anos 60, como desdobramento crítico das teses da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) acerca das relações centroperiferia e, também, como crítica ao ideário “desenvolvimentista”. Belluzzo afirma ainda, os estudos que cuidaram de desvendar as especificidades do subdesenvolvimento ou revelar o caráter dependente da industrialização na periferia devem ser entendidos como produtos desta circunstância histórica e também como reflexão crítica sobre seus limites e possibilidades. Por isso, repensar a dependência neste momento significa, antes de mais nada, avaliar as conseqüências das transformações em curso na economia capitalista. Estas transformações parecem desenhar uma nova arquitetura das articulações entre mercado-estadosociedade...28 A rigor, não existe uma “Teoria” da dependência. Entretanto, os autores que trabalharam essa concepção, com o intuito de descobrir as características dessas sociedades, bem como as relações que permeavam essas Latina: a construção da hegemonia, São Paulo, Editora UNESP, 2002. 26 ibid 27 BELLUZZO, L. G. M. Prefácio. In GOLDENSTEIN, L. Repensando a dependência, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. 28 ibid p. 14. 36 características, o fizeram de forma consistente do ponto de vista de seus referenciais teóricos e conceituais. Nesse sentido podemos mencionar Rui Mauro Marini29 A difícil gestação de uma ciência social crítica, centrada na problemática de nossas estruturas econômicas, sociais, políticas e ideológicas, havia finalmente concluído. A partir dali, a produção teórica latino-americana impressionará, por sua riqueza e originalidade, aos grandes centros produtores de cultura, na Europa e nos Estados Unidos, revertendo o sentido do fluxo das idéias que havia prevalecido no passado. Novas e ricas correntes de pensamento surgirão em seguida sobre solo fertilizado, abrindo amplas perspectivas para a compreensão de nossa realidade. A definição de dependência teve vários expositores, bem como diversificada abordagem. Por conseguinte, nesse trabalho vamos limitar a expor sucintamente o pensamento de alguns dos mais conhecidos dependentistas, a saber: o alemão André Gunder Frank, os brasileiros Rui Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Paul Singer, Fernando Henrique Cardoso, o chileno Enzo Faletto, e o peruano Aníbal Quijano. É importante evidenciar nesse momento que a dependência foi concebida na América Latina, especialmente na sede da CEPAL em Santiago do Chile, por pesquisadores de diversas nacionalidades. André Gunder Frank30 trabalha os conceitos centro-periferia em escala planetária, pois, segundo ele, a expansão capitalista no globo cria relações para uma exploração em cadeia, mantendo a estrutura fundamental do 29 MARINI, R. Dialética da dependência, Emir Sader organizador. Petrópolis, RJ: Vozes; Buenos Aires, Argentina: CLACSO, 2000, p. 265. 30 FRANK, A. G. Capitalismo y subdesarrollo en América Latina. Buenos Aires: Signos S.R.L., 1970. 37 sistema capitalista e sua reprodução. Essa relação vincula às metrópoles capitalistas mundiais e nacionais aos centros regionais e estes, aos centros locais e, assim, aos latifundiários ou comerciantes que expropriam o excedente dos pequenos camponeses e arrendatários. Em cada escala da cadeia, os capitalistas que estão acima exercem um poder monopolista sobre os que estão abaixo. Nesse sentido, o sistema capitalista internacional, nacional e local, gera desenvolvimento para poucos e subdesenvolvimento para muitos. As nações satélites não tendo acesso a seu próprio excedente mantêm-se subdesenvolvidas e, concomitantemente, a exploração interna dentro dos países periféricos reforça essa situação. André Gunder Frank argumenta que a diminuição dos vínculos entre metrópole e satélite, situação temporária ou permanente, pode propiciar uma “involução ativa” na primeira sendo que, nessas circunstancias, no satélite pode se iniciar o desenvolvimento da industrialização aproveitando justamente a existência desses laços frágeis. Um bom exemplo seria períodos de confrontos bélicos, como as Guerras Mundiais. Frank salienta ainda como o centro, após a segunda metade do século XX, monopoliza a periferia por meio da tecnologia, aliada à penetração das corporações internacionais. Para Rui Mauro Marini31, o conhecimento da forma particular do capitalismo dependente latino – americano esclarece o estudo de sua 31 MARINI, R. M. Dialética da dependência. Organização e apresentação de Emir Sader. Petrópolis, 38 formação, bem como analisa o porque de seu resultado. O autor salienta que esse capitalismo sui generis possui sentido a partir de sua observação no âmbito nacional e, principalmente, no internacional. A dependência para Marini é entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. O fruto da dependência só pode assim significar mais dependência e sua liquidação supõe necessariamente a supressão das relações de produção que ela supõe.32 Dentro da perspectiva das relações entre interno e externo, Theotônio dos Santos33, considera a necessidade de se analisar os níveis em que ocorrem tais relações. O autor aponta três elementos, como sendo essenciais, inclusos no conceito de dependência, a saber: as estruturas do capitalismo no âmbito internacional, as relações que se estabelecem entre os países dependentes e a economia internacional, e as estruturas internas dos países dependentes. Assim, Theotônio dos Santos discute Se entendermos por dependência uma situação condicionante em que o desenvolvimento de alguns países afeta e modifica o funcionamento de outros países ou unidades sócioeconômicas; dentro do desenvolvimento desigual e combinado do modo de produção capitalista em escala mundial podemos estabelecer, em geral, que este fenômeno deve ser analisado em níveis distintos para captar toda a riqueza de determinações que encerra.34 RJ: 2000. 32 Id p. 109 33 SANTOS, T. Democracia e Socialismo no capitalismo dependente. Petrópolis, RJ: 1991. 39 Segundo Aníbal Quijano35, a formação histórico-social das atuais sociedades latino-americanas, desde o período colonial, originou-se dentro do processo de desenvolvimento do sistema capitalista. A dependência colonial deu passagem à dependência imperialista, constituída dentro do sistema capitalista industrial. Essa só ocorre quando as sociedades fazem parte de uma mesma unidade, onde um setor é dominante, definindo o sistema total de produção e o mercado. Entretanto, Quijano salienta que as classes dominantes, dentro dessas sociedades dependentes, possuem interesses básicos semelhantes. Segundo o autor, En otros términos, los intereses dominantes dentro de las sociedades dependientes corresponden a los intereses del sistema total de relaciones de dependencia y del sistema de producción y de mercado, en su conjunto.36 Dessa forma, a dependência seria um sistema de relações desiguais no sistema capitalista, dentro do qual uma classe é dominante sobre as demais, não se tratando, assim, de ações unilaterais de determinados países poderosos já que nos países débeis encontram colaboradores constituídos ali pelos membros da classe que compartilha dos mesmos interesses da classe dominante dos primeiros. Já para Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto A noção de dependência alude diretamente às condições de existência e funcionamento do sistema econômico e do sistema 34 Id p. 28 QUIJANO OBREGON, A. Dependencia, cambio y urbanización in Latino-América, p. 96 a 140, v. p. 99-100. 36 Id. 98 35 40 político, mostrando a vinculação entre ambos, tanto no que se refere ao plano interno dos países como ao externo.37 Eles ressaltam ainda como a dependência econômica possui vinculação histórica com o mercado mundial, remontando à expansão capitalista dos países originários, tendo de um lado as economias centrais, e de outro as economias periféricas: “... desigualdade de posições e de funções dentro de uma mesma estrutura de produção global”38. Acreditam, além disso, na possibilidade de um capitalismo associado dependente, ou seja, haveria desenvolvimento mesmo mantendo nexos dependentes com o centro.39 Em texto posterior Enzo Faletto,40 ao repensar a teoria da dependência possui o intuito de recuperar o momento histórico para dimensionar o significado deste conceito. O autor faz breves menções para recordar a atmosfera dos anos correspondentes às décadas de 50 e 60, argumentando como o tema da dependência surge em meio a uma experiência política complexa com muitos conflitos, frustrações e momentos de expectativas e esperanças. Segundo Faletto, no final da década de 60 e início da de 70, a mudança histórica e a transformação social se plantaram firmemente, de tal maneira que as opções políticas e econômicas se apresentavam cada vez 37 CARDOSO, F.H., FALETTO, E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina. 1970. p. 27. 38 Id. p. 26. 39 Essa é uma consideração importante para entendermos a política de FHC como Presidente, mas esse é um assunto para uma outra pesquisa. 40 FALETTO, E. Los años 60 y el tema de la dependencia. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 12, n.º 33, p.109-117, maio\ ago. 1998. 41 mais complexas. A alternativa de uma ampla aliança desenvolvimentista não encontrava possibilidade de viabilidade. Assim, para ele De hecho, el desarrollismo de los años 50 y 60 había intentado conjugar dos dimensiones: el impulso a procesos de modernización con propuestas políticas y económicas de un cierto nacionalismo. No obstante, conjugar las dos dimensiones no era tarea fácil, una serie de hechos conspiraban contra esa posibilidad. El propio proceso de cambios actuaba a veces en sentido contrario al esperado. Por ejemplo, el desarrollo industrial, que se había concebido como la oportunidad de creación de una industria nacional, al hacerse más complejo, implicaba mayor dependencia tecnológica, necesidad de insumos externos y muy a menudo financiamiento extranjero. Además, se estaba produciendo un movimiento internacional de capitales en donde hubo una cierta transferencia desde el centro a la periferia. El hecho significativo era que las propias corporaciones industriales internacionales actuaron como inversores. La asociación entre empresarios extranjeros y nacionales pasó a acentuarse.41 E, mais recentemente, refletindo sobre essas formulações, Paul Singer argumenta que sempre haverá situações de dependência “enquanto nações desiguais em desenvolvimento, tamanho, força, etc. se mantiverem em estreito relacionamento mútuo”.42 De acordo com esse autor, trata-se de dependência econômica de países independentes politicamente, porém subdesenvolvidos, condicionando suas decisões “à dinâmica das economias desenvolvidas” das quais dependem. Para Singer, A dependência surge dum complexo jogo de conflitos e acordos entre classes e frações de classe, do qual resultam processos de desenvolvimento que recolocam, de tempos em tempos, os seus próprios fundamentos. Transformações do capitalismo, que em geral se originam no centro, ensejam o 41 Id. p. 115 SINGER, P. De dependência em dependência: consentida, tolerada e desejada. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 12, n.º 33, p.119-130, maio\ago. 1998, p.119. 42 42 surgimento de novas situações de dependência, à medida que elas são incorporadas pela periferia.43 Partindo dessa premissa, o autor descreve três momentos de dependência, os quais denominou dependência consentida, dependência tolerada, dependência desejada. Conforme Singer, a dependência consentida se caracterizou pela ausência de qualquer dinâmica interna capaz de impulsionar o desenvolvimento. Nesse sentido, a classe dominante via na dependência de seus países o elo com a civilização, concebendo como progresso à expansão das atividades de exportação. Assim, as melhorias na infra-estrutura foram feitas somente nas regiões cuja produção para o mercado externo proporcionava excedente monetário. A “dependência não era sentida nem ressentida como uma forma de subordinação, mas como um estágio pelo qual todos os retardatários tinham de passar”. 44 Segundo Singer, a partir da Primeira Guerra Mundial, ocorreu uma desglobalização da economia internacional. Entre 1914 e 1945, a crise econômica deflagrada e as duas guerras mundiais destruíram as bases da divisão internacional do trabalho e do mercado mundial, O fato que interessa, do ponto de vista da discussão da dependência, é a desglobalização ter atingido gravemente a dependência consentida ao contrair o mercado para os produtos exportados pelos países menos desenvolvidos. Estes foram praticamente coagidos a seguir o exemplo dos países industrializados, lançando-se também à substituição de importações. 45 43 ibid. ibid. 45 ibid p.121 44 43 Essa desglobalização ofereceu à burguesia incipiente dos países menos desenvolvidos uma oportunidade única, pois não lhes restou outra alternativa a não ser proclamar a industrialização como via mestra para o desenvolvimento e, não mais, a exportação. O desenvolvimento nesse momento estaria embasado por decisões políticas de longo prazo, visando “tornar os países dependentes não mais dependentes, mas plenamente industrializados”46. Dessa forma, os países em desenvolvimento passaram a depender dos industrializados para obter equipamentos e tecnologia. Tem-se assim a chamada dependência tolerada. No final da década de 80, o desenvolvimentismo foi abandonado por países como, por exemplo, Argentina, Brasil e Peru, sendo o mercado interno aberto às importações de mercadorias e a economia à entrada incondicional dos capitais estrangeiros. Assim, retomando as reflexões de Singer, Do ponto de vista da situação de dependência, esta deixou de ser tolerada para se tornar desejada. Os governos de todos os países – desenvolvidos, semidesenvolvidos ou pouco desenvolvidos -passaram a depender crescentemente do capital privado globalizado. Esta dependência é algo menor apenas nas grandes potências, cujas autoridades monetárias dispõem de algum controle sobre a taxa básica de juros e sobre o montante de crédito bancário e extrabancário, podendo com tais instrumentos condicionar a movimentação dos capitais privados. Além disso, os governos das grandes potências têm por obrigação impedir que o grande capital, em sua corrida desvairada à centralização, ponha em perigo a própria existência do capitalismo pela completa monopolização dos mercados. 47 46 47 ibid p. 123 ibid p. 121 44 Conforme Singer, essa nova dependência do grande capital é desejada porque é vista como “ingrediente indispensável num mundo em que as nações perdem significado econômico e em que impera a liberdade de iniciativa das empresas e dos indivíduos.”48 A consolidação da dependência esteve diretamente relacionada com o período de 1914 a 1945. Dentro desse contexto, de entre - guerras e ou depressões, os países latino-americanos sendo monocultores e exportadores sofreram grandes impactos com esses desequilíbrios externos. Esses impactos, causados pelo setor externo, fez com que os governos adotassem várias medidas (restrições e controle das importações, elevação da taxa de câmbio e compra de excedentes ou financiamento de estoques), visando a defesa desses desequilíbrios e não para estimular a atividade interna. Porém, a diminuição dos laços entre os países centrais em relação aos periféricos,49 mais essas medidas mencionadas acima, propiciaram o início da industrialização. Portanto, esse cenário, com o acréscimo do preço das importações, resultou na produção interna substitutiva: importando bens de capital, matérias primas indispensáveis à instalação de novas unidades para continuar o processo de substituição. Optamos, para explicar esse conceito, pela definição de Maria da Conceição Tavares. 48 ibid p.127 Essa argumentação vai ao encontro do pensamento de André Gunder Frank quando explana que a ausência de vínculos entre a metrópole e o satélite gera desenvolvimento na periferia. 49 45 Em suma, o processo de substituição das importações pode ser entendido como um processo de desenvolvimento ‘parcial’ e ‘fechado’ que, respondendo às restrições do comércio exterior, procurou repetir aceleradamente, em condições históricas distintas, a experiência de industrialização dos países desenvolvidos50 A autora aponta que o processo de substituição não visa diminuir o quantum global de importações; quando ocorre essa diminuição ela é imposta pelas restrições do setor externo e não desejada. Tavares evidencia ainda que, no lugar desses bens substituídos, aparecem outros, acarretando uma demanda de produtos intermediários e bens de capital que podem resultar numa maior dependência do exterior à medida que esse processo avança. As transformações desses países latino-americanos pautavam-se na industrialização por via da substituição de importações, porém, orientada para certos ramos da indústria e tecnologia, que visavam principalmente a satisfação da demanda consumista das classes média e alta. Consecutivamente, houve o estabelecimento de firmas estrangeiras limitando a ação, dos Estados, com relação à formação de um desenvolvimento nacional independente. Conforme Cardoso e Faletto, o conceito de dependência caracteriza a estrutura dessa situação de desenvolvimento, sendo a ação política delimitada pela econômica. 50 TAVARES, M. da C Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Ensaios sobre Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972. 46 Outro autor, Renato Peixoto Dagnino, comenta sobre a abordagem da dependência e da substituição de importação. O autor alega Another important assertion made by dependency approach was that import substitution could not be considered as a "natural" process in Latin America. In spite of its negative aspects, import substitution had been transformed in a development model. Powerful political alliances had been formed aiming to stimulate it as a manner to capture the economic surplus traditionally absorbed by the agrarian oligarchy. Latin American states had been coopted in the implementation of this model. It was generally perceived not only as a better alternative in relation to the anti-industrialization traditional schema. It was considered as the only open door through which Latin American countries could escape from the adverse international scene and achieve economic development and social progress.51 Dessa forma, o nacional desenvolvimentismo adotado pelos países latino-americanos, intensificou a dependência tecnológica desses países, interessando-nos, especificamente, para nossa análise o Brasil. O desenvolvimento que acometeu o Brasil, nos fins dos anos 60 até fins dos anos 70, favoreceu análises que apregoavam a autonomia do país. Para Lídia Goldenstein, 52 o que se tinha era a ilusão da autonomia, seguida de uma percepção equivocada do movimento do capital internacional e de nossa subordinação a ele. Com a crise dos anos 80 é que se questiona essa autonomia, atentando ainda para nossos nexos de dependência cujos laços apareciam mais estreitos do que se imaginava. 51 Dagnino, R. How European science policy researchers look at Latin America? Texto para discussão, UNICAMP, IGE, 1994. 47 A dependência tecnológica Antes de expormos o conceito de dependência tecnológica faz-se necessário apontar outros conceitos que estão diretamente relacionados; são eles: o Conhecimento, a Ciência e a Tecnologia. Do ponto de vista sociológico, o Conhecimento é o entendimento teórico e prático adquirido acerca de um fenômeno considerado como real e verdadeiro, norteando nosso senso de realidade53; assim, socialmente criado, tem na Ciência sua sistematização. Já a Ciência é o sistema organizado de conhecimentos que se referem à natureza, a sociedade, ao pensamento e, até certo ponto, é universalmente válida.54 O processo de geração científica visa dominar a Natureza, modificando-a em benefício dos seres humanos, sendo a questão prática para a utilização dos recursos materiais disponibilizada pela Tecnologia. E a Tecnologia é o conjunto de conhecimentos e métodos para o desenho, produção e distribuição de bens e serviços incluindo os incorporados aos meios de trabalho, processos, produtos, organização e mãode-obra. Uma prática comum é a restrição ao conhecimento tecnológico, bem como sua privatização. Ciência e Tecnologia historicamente estiveram 52 GOLDEINSTEIN, L Repensando a dependência, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. MARTÍNEZ, E. Glosario, Ciencia, Tecnologia y Desarrollo. In ______; ALBORNOZ, M. Indicadores de ciencia y tecnología: estado del arte y perspectivas. Caracas, Venezuela: Nueva Sociedad. UNESCO, 1998, p. 269-88. 54 ibid 53 48 separadas, mas à medida que, a Ciência impactou a tecnologia, elas interagiram estreitamente.55 As ciências humanas se ocupam, então, de investigar as formas de geração, apropriação e aplicação do conhecimento tecnológico na sociedade, indagando sobre pesquisadores, os atores empresa sociais: Estado, transnacional, governo, profissionais, empresários, sindicatos, trabalhadores. Além, é claro, da Política de Ciência e Tecnologia e do impacto da mudança tecnológica.56 Vale salientar que, no cerne desses processos, está a mente humana com o processo de apropriação do conhecimento das gerações predecedentes, sendo o mundo, a indústria, as ciências, as artes, expressões verdadeiras de sua natureza. Dessa forma, é de vital importância o domínio geral desse conhecimento teórico e prático para que sejam usufruídos pelos seres humanos. Na América Latina, a partir da década de 60, aparecem os primeiros trabalhos sobre Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT). Estudos esses que versavam sobre as estratégias de industrialização e suas implicações tecnológicas, a profissão de engenheiro, o desenvolvimento, e a emigração de cientistas e tecnólogos no marco do sistema centro-priferia, a transferência de tecnologia na perspectiva da transnacionalização e o impacto das novas tecnologias, entre outros.57 55 ibid OTEIZA, E; VESSURI; H. M. C. Estudios de la ciencia y la tecnología en América latina. Buenos Aires, Argentina: Centro Editor de América Latina, 1993. 57 ibid 56 49 Já no final da década de 60, o enfoque dependentista se configurava como conceito que jogava luz sobre as questões latino-americanas, correlatamente, a dependência tecnológica analisava, especificamente, a problemática científica e tecnológica. A concepção de dependência tecnológica não pode ser entendida sem levarmos em consideração a industrialização, via substituição de importações. Conceito que expusemos anteriormente com a definição de Maria da Conceição Tavares. Renato Dagnino, importante pesquisador brasileiro desses temas, também argumenta sobre a relação direta entre o processo de substituição de importações e a dependência tecnológica The described process created a functional relation between imports substitution and "technological dependence"; an always-recreated need to import equipments and other inputs, as the substitution process was oriented to increasingly sophisticated goods. The counterpart of import substitution was technological dependence. The second aspect is related to the fact that the technology used to produce the goods that were "substituted" in Latin America had been generated and dominated by the advanced countries. This gave them a significant comparative advantage to establish the whole production capacity that began to be demanded. The process of expansion of advanced countries big firms rapidly encompassed the promising Latin American markets. This trend enlarged the role of foreign capital that became to went further the mining and infrastructure sectors where it had been present since the middle of last century. Latin American industrialization by import substitution was settled as a dominant economic dynamic upon this kind of ground. Therefore, the counterpart of import substitution was also a trend to rely on foreign investment. 58 Sendo Socióloga e não da área tecnológica, com o intuito de uma melhor compreensão do conceito de dependência tecnológica, que é 50 essencial para nosso trabalho pensamos ser melhor expor a seguir alguns pesquisadores sobre o tema. Para Meir Merhav59, a dependência tecnológica ocorre porque o desenvolvimento torna-se quase que totalmente dependente das importações de bens de capital. Para o autor, O subdesenvolvimento é caracterizado, contudo, por uma incapacidade estrutural para produzir os bens de capital requeridos pelo crescimento, pois, como Celso Furtado apontou, o desenvolvimento não é a transformação endógena de uma economia pré-industrial, mas a implantação de um processo de crescimento acelerado pela adoção de técnicas estrangeiras. Estas técnicas estão incorporadas fisicamente nos bens de capital que não podem ser produzidos internamente. Esta incapacidade é o que se chama de Dependência Tecnológica no título deste ensaio. Tem duas conseqüências importantes. Primeiramente, por consistir necessariamente na imitação de técnicas desenvolvidas nas economias avançadas, com seus mercados muito mais vastos, é um determinante decisivo da estrutura de mercado. Em segundo lugar, pelo fato de os bens de capital necessários precisarem ser importados, tende-se a se criar uma constante insuficiência de demanda efetiva, através do escoamento de poupança doméstica, via importação de bens de produção.60 Merhav considera ainda como a noção de subdesenvolvimento implica, além de um conceito explicativo da realidade, uma situação indesejável. A conotação se refere a uma unidade política que, ao autodenominar-se subdesenvolvido, enuncia uma meta política. Em cada país, o subdesenvolvimento representa um conjunto de demandas exercidas sobre a estrutura social vigente. 58 Dagnino, R. How European science policy researchers look at Latin América? Texto para discussão n 14, UNICAMP, IGE, 1994. 59 MERHAV, M. Dependência Tecnológica: Monopólio e crescimento. Maria Sílvia Possas (tradutora). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ed. Vértice, 1987. 60 Id. p. 42 51 Esse mesmo autor salienta que, quando uma nação é emergente, em linhas gerais, o modelo, a estrutura e a taxa de desenvolvimento econômico estão determinados pelo sistema político e não vice-versa. Dessa forma, quando as unidades de referência são entidades nacionais distintas, esta especialização – que é característica definidora e atributo exclusivo dos países avançados – acarreta uma dependência que, longe de promover o desenvolvimento autônomo dos países subdesenvolvidos, milita contra ele....61 Amílcar Herrera · argumenta que nos países avançados, grande parte da ciência e tecnologia é desenvolvida tendo em vista os temas ligados aos seus próprios problemas. De forma oposta, a América Latina desenvolve sua ciência e tecnologia de maneira a não relacioná-la com suas necessidades mais urgentes. Dois mitos, conforme o autor, foram as argumentações mais comuns utilizadas para explicar o não desenvolvimento latino-americano. O primeiro, seria uma condição inerente que os incapacita para o progresso material, uma não predisposição para a técnica, já que esta característica seria dos países de origem anglo-saxã. Já a segunda, veiculada entre os cientistas, diz respeito à falta de fundos, por incompreensão e ignorância dos governos, entraves burocráticos e incompreensão da sociedade latino-americana sobre a importância da ciência. Esses mitos foram usados, por meio da história, para ocultar as verdadeiras causas da miséria e da opressão. 61 Id. p. 48 52 Segundo esse pesquisador, a idéia de transplantar tecnologia proveniente dos países desenvolvidos para que, com isso, possam se resolver os problemas materiais do subdesenvolvimento, diminuindo a subordinação intelectual, é errada porque a América Latina importa tecnologia desde sua colonização e o atraso perdura.62 O progresso científico e tecnológico, além de ser um elemento essencial para o desenvolvimento, de acordo com Herrera, não pode ser produzido isoladamente, independente dos fatores sociais e políticos que condicionam uma comunidade. O autor discute ainda, como a superioridade científica e tecnológica é uma nova dependência, sendo, dessa forma, desnecessário que os grandes poderes utilizem diretamente o sistema de dominação militar e político, característico do imperialismo do século XIX. O novo instrumento de dominação mais sutil, mas não menos efetivo, é a superioridade científica e tecnológica dos países desenvolvidos 63 . Nesse sentido, Herrera afirma que, ...Renunciar então à criação científica, uma das manifestações básicas da vontade criadora de uma sociedade, para converterse em meros apêndices intelectuais dos países adiantados, é renunciar à própria possibilidade do desenvolvimento.64 62 Faz-se necessário lembrar que a História da América pré-colombiana foi produtora de sua própria tecnologia, principalmente agrícola e mineira. Tecnologia muito importante para a Europa não somente no período que antecede a Revolução Industrial. Ver textos de Amayo Zevallos, especialmente os de 1999. 63 ADLER, E. The power of ideology: The Quest for technological Autonomy in Argentina and Brazil. California: University of California Press, 1987, p. 71. 64 HERRERA, A. O. A ciência no desenvolvimento da América Latina. In Dependência Tecnológica e Desenvolvimento Nacional. Fanny Tabak (Org.) Rio de Janeiro: Pallas, 1975. Coleção América: Economia e Sociedade, p. 121-2. 53 Herrera ressalta também como as forças de mudança de uma sociedade não se desenvolvem em todos os setores concomitantemente e, consecutivamente, se em um ocorrer relativo avanço, pode estimular os demais. As colocações de Dario Arango65 vão ao encontro dessa alegação de Herrera. Conforme Arango, o desenvolvimento tecnológico é um processo contínuo que inclui as etapas de criação do conhecimento (investigação), difusão deste conhecimento (transferência de tecnologia) e a utilização prática do novo conhecimento (inovação). E, para que um novo conhecimento tenha valor, é necessária sua assimilação no sistema produtivo sob a forma de inovação tecnológica promovendo, assim, o desenvolvimento econômico. Existem três tipos de inovação: a de produto, a de método de produção e a organização gerencial.66 Nesse sentido, outro autor, Juan Carlos Del Bello67, argumenta que a tecnologia tem valor de uso e valor de troca. Para ele, o valor de uso estaria relacionado à tecnologia como composto instrumental de conhecimentos aplicados na produção e comercialização. Já o valor de troca, dar-se-ia por a tecnologia apresentar diversas formas, ou seja, máquinas, equipamentos, planos, desenhos, fórmulas, 65 ARANGO, D. A. Tecnologia e Dependência. In Dependência Tecnológica e Desenvolvimento Nacional. Fanny Tabak (organizadora). Rio de Janeiro: Pallas, 1975. 66 MARTÍNEZ, E. Glosario, Ciencia, Tecnología y Desarrollo. In ______; ALBORNOZ, M. Indicadores de ciencia y tecnología: estado del arte y perspectivas. Caracas, Venezuela: Nueva Sociedad. UNESCO, 1998, p. 269-88. 67 DEL BELLO, J. C. Dependencia tecnológica en una economía centroamericana: convenios de licencia y patentes de invención en Costa Rica, p. 19. 54 patentes, etc. Portanto, a tecnologia cristaliza-se de forma tangível e intangível. Del Bello argüí, Pero a su vez, en tanto mercancía, la tecnología es también un activo de propiedad privada que confiere poder de mercado y con ello capacidad para generar rentas monopólicas a aquellos que la controlan y explotan. Sin embargo, el conocimiento científico aplicado a la producción (tecnología), parcialmente es libre, fundamentalmente es un activo apropiado privadamente. No entanto, de acordo com José Claudino Cardoso68, A tecnologia vem sendo, sistematicamente, vinculada a um bem de natureza privada passível de ser negociada e amparada por leis próprias contra transações indesejáveis, e por isso ela pode gerar riquezas e associar-se a um bem tangível. Essa colocação é oportuna para podermos expor sobre a ilusão de se qualificar tecnologicamente mediante a compra de tecnologia. A compra torna-se relativamente barata porque não há investimentos com pesquisa. Todavia, ao comprar um produto terminado se estabelece uma dependência tecnológica com o fornecedor, pois se é o dono do produto comprado e não da tecnologia que levou a sua geração. Assim, Paulo Afonso de Oliveira Soviero69 explana sobre a questão, ao comprarem o projeto de uma fábrica, por exemplo, pensam estar adquirindo tecnologia, quando na realidade estão comprando receitas tecnológicas que, na falta de assistência técnica, ou com a evolução dos processos tecnológicos, tornam-se rapidamente obsoletas, retirando dos seus 68 CARDOSO, J. C. Estratégias para Capacitação Tecnológica visando o desenvolvimento nacional, p. 80. O autor é Coronel Engenheiro do Exército Brasileiro. 69 SOVIERO, P. A. de O. Avaliação da dependência tecnológica do Brasil, no setor aeroespacial, com vista ao desenvolvimento e à segurança do país, p.13. 55 possuidores qualquer possibilidade de competição. É, portanto, a detenção do conjunto organizado de conhecimento acima referido que se traduz pelo conceito de independência tecnológica em relação a um bem ou serviço. Partindo dessa premissa podemos inserir o conceito de dependência tecnológica, salientando que é um dos aspectos mais importantes das várias manifestações da dependência atualmente. Ao importar a tecnologia necessária para a expansão da industrialização, observamos que esse comércio de tecnologia, a nível internacional, torna-se rotineiro. A pesquisa básica encontra-se no país exportador de tecnologia, propiciando-lhe a inovação técnica sobre seu acúmulo científico. Entretanto, a tecnologia importada não é a mais sofisticada, pois para manter esse ciclo de dependência tecnológica, se repassa a periferia não a tecnologia de última geração, mas sim, a inferior à tecnologia de ponta. Conforme Júlio Sérgio Dolce da Silva70, As grandes potências estão protegendo as suas invenções e seu desenvolvimento tecnológico gerando uma crescente dependência dos países em desenvolvimento e um protecionismo tecnológico dos países desenvolvidos. Principalmente porque estão surgindo tecnologias com grande poder de mudar a sociedade, que são chamadas de tecnologias de maior valor agregado, maior potencial estratégico e maior poder de impacto na segurança e desenvolvimento das nações. Trata-se das tecnologias do campo da informática, biotecnologia, novos materiais, química fina e mecânica de precisão. Essas são as tecnologias de ponta que estão no limiar do conhecimento e que podem resultar em grande impacto para o homem e a sociedade. Os países desenvolvidos estão interessados e desenvolvendo rapidamente essas tecnologias de alto valor agregado, 70 SILVA, J. S. D. Tecnologia, Ciência e Democracia, p. 214-15. O autor é Professor Coronel R/1 do Exército brasileiro, Adjunto da Divisão de Ciência e Tecnologia e membro do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG). 56 repassando aos países periféricos as outras tecnologias, normalmente as intensivas em mão-de-obra e algumas vezes poluentes. Dessa forma, Jorge Calvário dos Santos71 utiliza-se da expressão Apartheid Tecnológico, para designar o monopólio do conhecimento científico e tecnológico de ponta pelas nações desenvolvidas, bem como as restrições à sua transferência, procurando inibir seu desenvolvimento nos países periféricos. Segundo o autor, essa expressão foi utilizada pela primeira vez por Jean Villars em um artigo de 7 de setembro de 1990 do jornal conservador francês L’Express. A contundência do pensamento Villars verifica-se na frase: “Devemos negar ao terceiro mundo todas as tecnologias avançadas, excetuando-se apenas aquelas apropriadas a estes países”. Além dessas considerações, temos que apontar também que as tecnologias importadas foram desenvolvidas por países avançados, buscando resolverem seus problemas e, quando são utilizadas, por exemplo, dentro da realidade latino-americana verificam-se, muitas vezes, inadequadas. Por conseguinte, a tecnologia dentro do processo de globalização, é de fundamental importância no que tange à manutenção da supremacia das nações mais desenvolvidas. O contraponto expressando uma da dependência capacidade de tecnológica escolher, é a autonomia, projetar, programar, instrumentalizar e, acima de tudo, realizar a própria Política Científica e 57 Tecnológica. Escolher qual tecnologia importar, qual desenvolver, levando em conta as características estruturais específicas de cada sociedade latinoamericana, conforma a autonomia. Entendemos por Política de Ciência e Tecnologia o conjunto de meios e mecanismos (inter-relação de procedimentos, recursos e instituições) que buscam o desenvolvimento científico e tecnológico a médio e longo prazo.72 Salientamos, tendo por base a entrevista realizada com o Professor Dr. Renato Peixoto Dagnino que no Ocidente (Era Moderna) a Inglaterra, com a Primeira Revolução Industrial, foi o único país a deter, naquele momento, a total independência tecnológica. Tendo em vista que a evolução tecnológica ocorre mediante associação de produtos e processos de conhecimentos anteriores, agregados a outros novos, alimentados por investigação básica e aplicada autônoma, podemos considerar que o projeto SIVAM, nesse sentido, torna-se um exemplo de dependência tecnológica. A tessitura atual 71 SANTOS, J. C. Ciência e técnica como instrumento de dominação e controle social, p.135. MARTÍNEZ, E. Glosario, Ciencia, Tecnología y Desarrollo. In ______; ALBORNOZ, M. Indicadores de ciencia y tecnología: estado del arte y perspectivas. Caracas, Venezuela: Nueva Sociedad. UNESCO, 1998, p. 269-88. Entrevista feita por nós a Dagnino. 72 58 Em meados da década de 90 alguns autores retomam o conceito de dependência, elaborado essencialmente nos anos 60, repensando-o na atualidade. A tessitura apresentada pela nova configuração mundial, que se habituou chamar de globalização, fez com que as reflexões se voltassem para compreender como estaria ocorrendo a inserção brasileira e, também da América Latina no atual contexto. Como estaria se dando nossa interdependência no mundo globalizado? Em que posição estávamos para negociar nossas questões mais prementes? Segundo Goldenstein, no final da década de 80, o Brasil, após dez anos de crise e todas as tentativas de estabilização fracassadas, estava próximo de uma hiperinflação. Para ela, compreender as características próprias do processo de desenvolvimento capitalista brasileiro é compreender sua crise. Goldenstein salienta como esse processo, juntamente com as elevadas taxas de crescimento, levou a uma avaliação incorreta da dinâmica capitalista, necessitando, assim, resgatar a discussão dos laços de dependência, entendidos como relação de ordenação-subordinação fundamental na dinâmica brasileira.73 Conforme afirma essa autora, as profundas modificações ocorridas no âmbito do capitalismo internacional, nos obrigou a repensar a inserção do Brasil no sistema. A interligação das transformações produtivas, tecnológicas, comerciais e financeiras, vem revolucionando os países centrais bem como 73 Ibd. cap. 3 59 sua relação com a periferia. Este processo foi chamado globalização, levando à integração dos mercados de bens, de serviços e de capital. Para ela, a globalização intensifica a dependência na medida em que elimina a possibilidade dos países tentarem um desenvolvimento autônomo. A autora argumenta, Entendida como o aprofundamento do processo de internacionalização do capital, a globalização traz algo de novo na sua intensidade, na sua velocidade e, mais do que tudo, na revolução tecnológica que a sustenta e impulsiona. É a revolução tecnológica principalmente no campo da telecomunicação que permite o brutal desenvolvimento do sistema financeiro internacional e, com ele, não só o aumento do volume dos fluxos financeiros internacionais, mas também de sua volatilidade. 74 De acordo com Goldenstein a complexidade vivida atualmente exige a necessidade de investimentos tanto em recursos quanto em pesquisa e desenvolvimento (P&D), pois as inovações tecnológicas tornaram-se armas poderosas de competição. A importância dessas inovações nos remete novamente a Bertha Becker quando expõe, O controle exercido pelos detentores do poder científicotecnológico moderno configura o contexto contemporâneo da gestão do território como a prática estratégica, científica e tecnológica do poder no espaço: ela envolve a formulação das grandes manobras e das táticas e técnicas, e instrumentaliza o saber de direção política.75 74 GOLDENSTEIN, L. Repensando a dependência após o Plano Real. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v.12, n º 33, p.131-5, maio/ago. 1998, p.131. 75 BECKER, B. K. Amazônia, 1990, p. 63. 60 Assim, a tecnologia de informação76 estabelece novas formas de se inserir na atual conjuntura, fazendo com que, às vezes, a força comercial e não a militar torne-se preponderante. Dessa forma, conforme Francisco Antônio Cavalcanti da Silva77, a tecnologia de informação estabelece laços de dependência, despertando nas sociedades a consciência de que a geração tecnológica deve ficar sob o seu próprio domínio, tendo em vista as melhorias do setor produtivo e a elevação dos padrões sociais. Essas reflexões ajudam-nos a pensar nosso objeto de estudo, pois o SIVAM foi concebido exatamente dentro dessa tessitura de mudança. Renato Dagnino coloca que evitar a dependência tecnológica ou fechar o hiato tecnológico existente entre países em desenvolvimento e países centrais seria ingênuo e falacioso. Contudo, se faz necessário atentar para as tendências das demandas tecnológicas e, então, desenvolver estratégias em C&T ou P&D para diminuir tal hiato.78 A compreensão dessa questão está diretamente relacionada com a conscientização, por parte dos militares, do caráter estratégico da ciência e da tecnologia. Esse caráter estratégico ficou mais claro após a Segunda Guerra Mundial, pois a C&T, além de ser considerada como elemento fundamental 76 “A tecnologia da informação é o conjunto de conhecimentos, técnicas e processos devidamente ordenados, aplicados na produção, guarda, recuperação, transmissão e utilização da informação, com o auxílio extenso e aprofundado de equipamentos, dispositivos e processos eletrônicos, dedicados ao aceleramento do desenvolvimento econômico e social de um país”. SILVA, F. A. C. Tecnologia e Dependência: o caso do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira 1980. 77 ibid 78 DAGNINO, R. Insumos para um planejamento de Ciência e Tecnologia alternativo. Texto para discussão, n 14, Campinas: DPCT/IG/UNICAMP, 1997. 61 para o desenvolvimento, então, adquire também um caráter de autonomia em relação a sua utilização e, por conseguinte, sua comercialização. Essa questão foi enfatizada por Dagnino na entrevista que nos concedeu O Brasil participa no final da 2a. Guerra Mundial e, o fruto dessa participação traz consigo, de volta da guerra, uma preocupação muito grande com P&D. Os militares brasileiros tomam contato com uma outra maneira de fazer guerra, com a qual eles não estavam acostumados, e vislumbram que era necessário ter capacitação tecnológica para conseguir fazer a guerra como ela deveria ser feita, a partir de então... há uma preocupação muito grande com a pesquisa científica-tecnológica, os militares voltam então com duas idéias basicamente: a marinha, uma força mais antiga e mais aristocrática, com a idéia de fazer um artefato nuclear [.....] O CNPq é criado justamente para fazer pesquisa na área nuclear e produzir uma bomba atômica [.......] A Força Aérea vem com uma outra idéia: a de produzir um avião. É criado o CTA e o ITA em 49. Já para o militar reformado Cavagnari Filho, no Brasil, o que impulsionou a P&D no campo militar foi à natureza política. Qualquer avaliação sobre a P&D militar deverá considerar, obrigatoriamente, a importância da construção da grande potência na reflexão estratégica dos militares; deverá, também, assinalar o significado que eles atribuem aos seus principais programas de desenvolvimento tecnológico e as pressões exercidas pelos Estados Unidos da América, permitindo identificar a dimensão do esforço científico-tecnológico militar e as premissas que devem ser consideradas na inferência das perspectivas da P&D militar.79 Assim, as posições desses importantes pesquisadores se complementam. 79 CAVAGNARI FILHO, G. L. Pesquisa e tecnologia militar. In SIMON SCHWARTZMAN (Coord.) Ciência e Tecnologia no Brasil: Política Industrial, Mercado de Trabalho e Instituições de apoio. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995. 62 Para Dagnino80, na tessitura da restrição das liberdades e de perseguição política na universidade brasileira, foi implantada a política científica e tecnológica, tendo em vista a execução da meta do regime militar do “Brasil-grande-potência”. O autor distingue a contradição entre Política Científica e Tecnológica com a Política Econômica e Industrial. A primeira visava, no longo prazo, certo grau de autonomia, instalando uma estrutura nacional de P&D. Já a segunda, tinha por escopo a realização de um rápido crescimento econômico baseado no capital e tecnologia estrangeiros. Por conseguinte, essa política econômica e industrial agravava a dependência tecnológica do país.81 Dessa contradição, o autor argumenta como a tecnologia desenvolvida internamente, mesmo nunca chegando ao setor produtivo ou permanecendo sem uso, não fez com que os militares abandonassem sua política em C&T. Dagnino expõe ainda, que em outros setores, foram formuladas estratégias de desenvolvimento científico e tecnológico sistemático e de longo prazo com formação de recursos humanos, fomento à P&D, subsídios de vários tipos, proteção do mercado nacional, negociação relativamente mais estrita com o capital transnacional. Cita, como exemplo, o setor de armamentos, ressaltando que “mesmo em áreas relativamente sofisticadas e competitivas, e num curto espaço de 80 DAGNINO, R. A produção de Armamentos e os Projetos de P&D Militar. In Domício Proença Júnior (Org.) Uma avaliação da Indústria Bélica Brasileira: defesa, indústria e tecnologia. Simpósio Indústria Bélica, p. 257-297. 81 Ressaltamos que o projeto SIVAM, desenvolvido principalmente durante o governo democrático de Fernando Henrique Cardoso, é um projeto militar que coincide com essa segunda linha. 63 tempo, é possível lograr um alto grau de autonomia tecnológica, desde que exista vontade política para tanto”.82 Seguindo a tônica, Martins Filho83 argumenta que as Forças Armadas consideram a defesa da Amazônia a prioridade estratégica do país no presente e no futuro, sendo que as principais ameaças à soberania nacional brasileira estariam situadas nessa região. O autor salienta ainda que o golpe de 1964 até a posse do general Ernesto Geisel (1974), corresponde à consolidação econômica e política do regime, bem como à aniquilação da oposição armada de esquerda. Nesse contexto, a visão militar quanto às ameaças que pairavam sobre a Amazônia estiveram marcadas pelo caráter teórico da Doutrina de Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra e, também pelo caráter relativamente potencial e secundário atribuído a essas ameaças. De acordo com Martins Filho, Aqui, vale lembrar que, na Doutrina de Segurança Nacional, a idéia de ameaças expressava-se nos conceitos de “óbices”, “antagonismos”, e “pressões”, caracterizados como “os elementos que possam criar obstáculos à Política Nacional, tanto na área do Desenvolvimento, como na da Segurança”. Podendo ser de ordem espiritual ou material, resultantes de forças da natureza como da vontade humana, esses elementos teriam características estruturais ou conjunturais. 84 Assim, nesse contexto, os óbices são definidos pelo autor como “obstáculos que se antepõem aos esforços da Comunidade Nacional para alcançar e/ou manter os Objetivos Nacionais”. Segundo sua intensidade, tais 82 Ibid p. 259 MARTINS FILHO, J. R. A visão militar sobre as “Novas ameaças” no cenário da Amazônia brasileira. Seminário “Argentina e Brasil frente às novas ameaças”. Organizado pelo Centro de Estudos Latino Americanos da Universidade Estadual Paulista (CELA) e pelo Núcleo de Estudos 83 64 óbices podem se transformar em antagonismos, “por manifestarem atividade deliberada, intencional e contestatória à consecução ou manutenção dos objetivos nacionais”. E, sendo dotado de poder capaz de contrariar o interesse do Estado, inclusive pela violência, coação, etc, o antagonismo pode transformar-se em pressão. Dessa forma, para Martins Filho, as “pressões são antagonismos que dispõem de Poder” exigindo medidas especiais, escapando ao comum da vida nacional, chegando até o recurso extremo da guerra.85 Tal visão de Segurança Nacional pautava-se no despovoamento e na ausência de desenvolvimento, considerados cruciais, em termos geopolíticos, pois o poder não pode permitir vazio geográfico ou demográfico86, sendo que esse abandono da Amazônia seria um convite à cobiça internacional. Essas tradicionais preocupações militares foram aguçadas sensivelmente na década de 90. Essa atenção ocorreu com a “queda do Muro de Berlim” e, por conseguinte, com o esvaziamento do conflito Capitalismo X Socialismo, representados, respectivamente, pelos EUA e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). As mudanças no âmbito internacional trouxeram consigo forte impacto não somente nas relações Leste (URSS) e Oeste (EUA), como também nas relações Norte (Centro) e Sul (Periferia). Estratégicos da Universidade de Campinas (NEE), Campinas, agosto de 2001. 84 Ibid, p. 3 85 ibid p. 4 86 Salientamos que o vazio amazônico é um mito, o qual expusemos no primeiro capítulo, orientados, como já salientamos, pelo valioso texto Amazônia Sin Mitos, documento que foi organizado pelo TCA, BID e apresentado, por essas instituições, como um de seus documentos oficiais na Eco 92 do Rio de Janeiro. 65 Esse momento, em que grande parte do aparato bélico construído ao longo da Guerra Fria foi colocado na inutilidade, fez com que as indústrias, antes voltadas para o mercado beligerante, empreendessem uma “guerra econômica” em busca de novos compradores para sua tecnologia, agora voltada ao mercado comercial. Para Renato Dagnino e Domício Proença Jr 87 , o reflexo no Brasil do término da Guerra Fria, e o conseqüente alinhamento com o Oeste, propiciam o desaparecimento da Argentina como ameaça à segurança nacional. A ênfase na segurança passou do sul para o norte, ou seja, para a Amazônia. A justificativa para tal mudança estaria pautada pela ambição das potências internacionais na região amazônica. E também porque a criação do MERCOSUL aponta para um novo relacionamento entre Argentina e Brasil, baseado na cooperação crescente.88 De acordo com Martins Filho e Daniel Zirker89, nesse momento de mudança e incerteza faz-se necessário encontrar outro inimigo e outras ameaças para garantir a hegemonia norte-americana. Assim, o tráfico de droga, a destruição ambiental, as guerrilhas, o terrorismo e as mudanças políticas, sociais e econômicas resultantes da imigração, configuram-se nas novas ameaças a serem combatidas. 87 DAGNINO, R; PROENÇA, D. The Brazilian arms industry and civil-military relations In Restructuring the global military sector, Volume II: the end of military fordism. London: United Nations University, 1998. 88 No momento em que escrevemos este texto, setembro de 2002, essa cooperação estava diminuindo devido às crises quase simultânea desses países. Entretanto, agora, agosto de 2003, momento que estamos terminando nossa dissertação, a tendência é a reversão dessa situação após a chegada ao poder de Lula no Brasil (01/03) e de Kirchner na Argentina (05/03). 89 MARTINS FILHO, J. R; ZIRKER, D. Nationalism, National Security, and Amazônia: Military Perceptions and Attitudes in Contemporary Brazil. Armed Forces & Society, vol. 27, no. 1, Fall 2000, p .105-129. 66 Essas novas ameaças fazem parte da “Nova Ordem Mundial”, que vai se constituindo no cerne do pensamento militar brasileiro, que, decorrente dessas ameaças, receia uma intervenção estrangeira na vasta região da Amazônia. Dessa forma, conforme Martins Filho, os processos nacionais e internacionais suscitaram no Brasil “novo quadro de percepções antigas”. Para o autor, temas como a vulnerabilidade das fronteiras, as campanhas internacionais sobre temas sensíveis, o tráfico de drogas, guerrilhas e sua compreensão como partes do tema mais amplo da “cobiça internacional” reapareceriam nos anos 90, articulados numa visão mais radical da ameaça de internacionalização da Amazônia, agora inserida nos quadros do conflito Norte/Sul. Assim, A nosso ver, para o surgimento desse novo quadro, contribuíram dois processos. De um lado, a percepção militar sobre os riscos de internacionalização da Amazônia, no quadro de ameaça geral à noção de soberania nacional vigente no pós-guerra fria. De outro lado, a desconfiança quanto às intenções dos governos civis, tanto com relação à Amazônia como no que tange às próprias Forças armadas. Na percepção militar, aquilo que outros analistas viram como “esgotamento dos projetos nacionais de modernização conservadora” na Amazônia, aparece como abandono e traição, por parte dos civis.90 O conflito Norte e Sul, segundo os autores Martins Filho e Zirker, foi percebido pelos militares brasileiros do ponto de vista das relações 90 MARTINS FILHO, J. R. A visão militar sobre as “Novas ameaças” no cenário da Amazônia brasileira. Seminário “Argentina e Brasil frente às novas ameaças”. Organizado pelo Centro de Estudos Latino Americanos da Universidade Estadual Paulista (CELA) e pelo Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas (NEE), Campinas, agosto de 2001, p. 11. 67 assimétricas de poder econômico que, sendo geradoras de disparidades e miséria, provocam a insegurança. Essa análise militar foi comum após 1991. Na visão dos analistas militares brasileiros, conforme esses autores, as questões relacionadas às populações nativas da Amazônia, bem como a demarcação de terras indígenas, transformou a região num campo de intenso interesse mundial, acentuando a vulnerabilidade para a intervenção internacional.91 Nesse sentido, os autores apontam que é dentro desta perspectiva que os militares consideram a Amazônia como principal área de “vulnerabilidade estratégica” do Brasil contemporâneo, sendo o SIVAM, no pós Guerra Fria, o mais importante projeto militar brasileiro. Brigagão e Proença Jr.92 apontam o SIVAM como uma ferramenta de cooperação no uso de recursos de segurança, visando a afirmação da liderança brasileira na integração sul-americana. Segundo os autores, recentemente, após a queda do Muro de Berlim e a mudança no enfoque das novas ameaças, o Ministro da Defesa93 destacou que a integração regional é prioridade na política de defesa do Brasil. Assim, de forma abrangente, dois grandes pactos permeiam as relações regionais brasileiras, orientando a dinâmica política para a 91 Os militares parecem ter uma maneira peculiar de perceber nossas populações indígenas, por exemplo, Martins Filho e Zirker, enfatizam que a vulnerabilidade do país é acentuada pelos indígenas. Essa percepção coincide com as declarações transcritas por nós, do coronel Albuquerque, considerando os indígenas como animais ou natureza. 92 BRIGAGÃO, C; PROENÇA JR, D. Concertação Múltipla. Inserção Internacional de Segurança do Brasil, 2002. 93 O Ministério da Defesa foi criado em 1999. Esse novo Ministério substituiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e, desde então, passou a ser a primeira instância do governo a quem está subordinado o contrato SIVAM-Raytheon por meio do novo Comando da Aeronáutica. 68 cooperação. Dessa forma, no Sul, um longo processo desembocou no MERCOSUL e, ao Norte no TCA, promovendo as articulações do Brasil com os demais países da América do Sul. Porém, esses autores salientam que a questão amazônica por seu dimensionamento, tráfico de drogas, questões ambientais, indígenas, problemas de fronteiras com os vizinhos “tem sido tomada como um termo que serve para justificar todo tipo de iniciativa no campo da defesa e da segurança”94. Outro apontamento está relacionado com a megadiversidade da região amazônica e o crescente interesse da indústria de fármacos pelo bioconhecimento. Assim, Sílvio Valle95 e Patrícia Longhi96 expõem que, desde a colonização, o Brasil tem sido vítima da “biopirataria de seu patrimônio genético, em especial de plantas com propriedades farmacológicas”.97 Com relação ao projeto SIVAM, eles argumentam que sua imposição se fez por meio de um discurso finalístico de controle do espaço aéreo, monitoramento do tráfico de drogas e mapeamento de recursos minerais. Porém, a prioridade fundamental seria a bioprospecção dos recursos genéticos da Amazônia, que são matéria-prima para a moderna biotecnologia. A biotecnologia está sendo considerada a “molamestra” do capitalismo norte-americano para meados do próximo século, prevendo a movimentação de bilhões de dólares. 94 Op. cit. p. 88. Pesquisador da Fiocruz 96 Arquivista do Poder Judiciário 97 SBPC apóia licitação para o SIVAM. Jornal da Ciência Hoje. Publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ano X, n.º 338, Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1996. 95 69 Os benefícios das informações de valor estratégicos são privilégio de um minoritário grupo de empresas entre as quais, a farmacêutica e a informática se destacam como as melhores estruturadas. De acordo com Valle e Longhi, as mudanças profundas na forma de dominação fazem com que exista uma necessidade latente de se rever às formas de atuação do poder público. Portanto, a partir das questões mencionadas, começou a se perceber certa vulnerabilidade ou falta de segurança na Amazônia brasileira, surgindo assim, internamente, a necessidade de realçar a atuação governamental na área. Tal atuação esteve pautada na idealização que caracteriza os grandes projetos.98 98 Becker compreende como características de um grande projeto quatro pontos: 1) escala gigante da construção, da mobilização de capital e de mão-de-obra; 2) isolamento, implantando-se geralmente como enclaves, dissociados das forças locais; 3) conexão com sistemas econômicos mais amplos, de escala planetária, de que são parte integrante; 4) presença de núcleos urbanos espontâneos ao lado 70 CAPÍTULO III: SIVAM: um caso de dependência tecnológica O exposto no capítulo anterior permite-nos pensar acerca do SIVAM como um produto terminado que o Brasil detém, mas não possui a tecnologia que levou a sua geração. Portanto, se estabelece desde seu nascimento uma relação de dependência tecnológica com seus fornecedores. O SIVAM, por suas características, é um megaprojeto do governo brasileiro para a Amazônia, controlado por militares. Integra radares, satélites, aviões e estações de monitoramento para rastrear 5,2 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal99, solucionando o problema tempo, ou seja, poupando meses a pé, dias de barco, horas de avião. A maior reserva natural do planeta será controlada por olhos eletrônicos: 17 antenas de radar para varrer o céu da região 24 horas, cada antena com alcance de 300 Km e em contato com três centros regionais, a saber: Manaus, para vigiar os estados do Amazonas e Roraima; Belém para controlar Pará, Tocantins, Maranhão e Amapá; Porto Velho para observar os estados do Acre, Rondônia e Mato Grosso. Além de 08 aviões Brasília100 com sensores, 06 radares móveis, 200 sistemas radiolocalizadores, 300 plataformas de coleta de dados, sendo o comando geral em Brasília101. do planejado, expressão da segmentação da força-de-trabalho, qualificada\não-qualificada. BECKER, B .K. Amazônia. 1990, p. 63-4. 99 A PROPOSTA Técnica do SIVAM. Revista Fator GIS, n. 12, 1996. 100 Esses aviões foram substituídos pelos EMB 145 da EMBRAER. 101 Revista Manchete, 29/04/1995, p.28-37 e 02/12/1995, p. 80-5; Revista Veja, 29/11/1995, p.30-41. 71 Esta parafernália tecnológica vai monitorar o tráfego aéreo, orientando aviões na área, fornecendo estimativas meteorológicas, estimando o que ocorre nas reservas indígenas, detectando queimadas, possibilitando a análise da contaminação do ar, oferecendo dados sobre a contaminação fluvial, ocupação do solo, permitindo combater o tráfico de drogas e o contrabando e fornecer informações a respeito dos recursos minerais e da biodiversidade102. Conforme Brigagão, o SIVAM constitui-se como estrutura operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). Este último integra representantes de todos os órgãos públicos brasileiros com responsabilidade política na região, tanto no âmbito federal como no estadual, em parceria também com as Organizações Não-Governamentais (ONGs). Nesse sentido, o SIVAM pretende fornecer informações, aprofundando o conhecimento sobre a região, para que as instituições públicas responsáveis, ao deter esses dados, possam atuar na região de forma coerente. 103 Dessa forma é importante nosso mapa sobre a posição geográfica do SIVAM. Segundo o artigo “Salvar o Sivam é prioridade do governo”, 104 a realização efetiva desse sistema remonta ao governo Collor com o planejamento do controle do espaço aéreo na região norte do país. O SIVAM saiu da fase de projeto no governo de Itamar Franco, 1993, que dispensou 102 Revista Fator GIS, op. cit. BRIGAGÃO, C. p.9. 104 Jornal Folha de S. Paulo, 20/11/95, p. 6. 103 72 qualquer licitação para contratar uma empresa nacional para gerenciá-lo. O mesmo procedimento foi adotado em relação às empresas internacionais fornecedoras de equipamentos: foram encaminhadas informações técnicas a 16 embaixadas estrangeiras, para estas repassarem às empresas de seus países. Atendendo o pedido do, então, Presidente Itamar Franco, onze empresas mandaram propostas para serem avaliadas; dessas, foram selecionadas apenas duas: Raytheon dos Estados Unidos da América do Norte e a Thomson105 da França. Iniciou-se a partir desse momento, uma trama internacional de espionagem que envolveu a Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana e o Serviço de Segurança do Território (DST) francês. Conforme artigo da Folha de S. Paulo, um grande jornal dos Estados Unidos publicou uma matéria em 19 de fevereiro de 1995, na qual a CIA havia descoberto que a Thomson tentara subornar autoridades brasileiras para ganhar a concorrência do SIVAM. De acordo com a matéria, No domingo passado, com base em informações da CIA, o jornal norte americano The New York Times acusou a estatal francesa Thomson-CSF de tentar fraudar uma concorrência no Brasil.106 O então, Vice-presidente dos EUA Albert Gore e o secretário norteamericano do Comércio Ron Brown, visitaram o Brasil deixando claro que havia interesse na vitória da Raytheon e que, simultaneamente, a Empresa 105 106 Atualmente Thales e sócia da Raytheon no SIVAM. Jornal Folha de S. Paulo, 24/02/1995. 73 Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) poderia ser beneficiada na concorrência com outras empresas - inclusive com a própria Raytheon - para o fornecimento dos aviões Super Tucanos à Força Aérea dos EUA. Aliado a esses fatores, o presidente Bill Clinton, em julho de 1994, enviou uma carta ao presidente Itamar Franco. A Raytheon foi escolhida no mesmo mês. 107 Conforme matéria veiculada na Folha de S. Paulo em 30/11/95, o presidente da Raytheon, Dennis J. Picard, em entrevista à revista Earth Observation disse que, com o projeto SIVAM, a empresa entrará em um mercado potencial de US$ 20 bilhões nos próximos 10 a 15 anos e promoverá a geração de 20 mil postos de trabalho nos EUA. Picard afirmou que o sensoriamento remoto para monitorar o meio-ambiente vai se tornar essencial ao mundo em desenvolvimento. Em 29 de agosto de 1998, o jornal O Estado de S. Paulo, publicou uma reportagem na qual Richard Bartnik, funcionário da Raytheon no Brasil e responsável pelo SIVAM, disse que se o projeto tiver êxito, outras regiões vulneráveis ou extensas como, por exemplo, a Sibéria e o Saara, poderiam receber o mesmo tratamento; suas palavras foram: “Esperamos que esse projeto seja o primeiro do gênero”. E, nós podemos argumentar que essas áreas não possuem a riqueza da Amazônia. A sociedade civil brasileira, ao tomar conhecimento do projeto SIVAM por meio de um escândalo108 divulgado pela grande imprensa, (a natureza 107 Jornal Folha de S. Paulo, 21/12/1995; Revista Isto É, 13/12/1995, p. 20-6 e 22/11/1995, p. 20-6; Revista Manchete, 02/12/1995, p. 82-5. 108 Foi “grampeada” uma conversa entre o assessor direto do presidente Fernando Henrique Cardoso, Júlio César Gomes dos Santos (1995), e José Affonso Assumpção, dono da companhia de táxi aéreo 74 deste trabalho informações. não Nesse permite sentido, aprofundar), pesquisadores reagiu e pedindo cientistas maiores brasileiros procuraram apresentar uma alternativa nacional, sendo ignorada por nossos dirigentes políticos. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sugeriu um SIVAM com tecnologia nacional, ou seja, uma alternativa que reativaria a indústria brasileira e o surgimento de novos postos de trabalho. Segundo a entidade, algumas empresas nacionais possuem condições técnicas para desenvolver um sistema de proteção ambiental, pois entendem desta questão, visto estarem trabalhando com imagens de satélites para identificação de queimadas e desmatamentos, interpretando-as para ver se ocorrem em área indígena, parque nacional ou propriedade privada nos estados de Mato Grosso, Goiás e parte da Amazônia, podendo ampliar suas experiências109. A SBPC apresentou a justificativa de sua proposta por seu presidente Sérgio Ferreira. Nessa justificativa, a organização diz estar consciente de que não se pode abdicar do controle, da inteligência e da tecnologia nacional, assegurando a soberania sobre o solo e a biodiversidade. Para os cientistas, sem dúvida, a América Latina seria a área ambiental mais sensível do ponto de vista estratégico. 110 Líder e também representante da Raytheon (vencedora da implantação do SIVAM) no Brasil. O senador Gilberto Miranda estava dificultando a aprovação do SIVAM no Congresso, durante a conversa Júlio César pediu a Assumpção para perguntar quanto Miranda queria em dinheiro para aprovar o projeto. O Estado de S. Paulo 21/11/95 e 22/12/95. 109 Revista Isto É, 17/01/1996, p.20-5. 110 UM SIVAM de vigilância territorial e outro de controle do meio ambiente. Jornal da Ciência Hoje. 75 O monitoramento ambiental traduzir-se-ia em desenvolvimento local de tecnologia internacionalmente competitiva, devido à extensão e a biodiversidade da região, representando, assim, vantagem considerável num dos mercados mais promissores do âmbito internacional. Seria nesta área que o país disporia de competência tecnológica consolidada. De acordo com esta proposta, o país possui 25 anos de experiência nesse ramo de monitoramento, reconhecida internacionalmente, colocando o Brasil como integrante do seleto grupo dos que dominam diversos segmentos da tecnologia espacial como sensoriamento remoto, rede de comunicação de dados, banco de dados ambientais e fabricação de satélites. Ferreira salienta ainda, que não se trata de discutir a proteção da Amazônia ou credibilidade do Brasil, mas sim, de defender o fortalecimento da capacitação técnico-científica instalada e a cooperação internacional para preservação e ocupação da Amazônia brasileira.111 Dessa forma, podemos argumentar como o SIVAM estaria adentrando em um novo setor: o de monitoramento ambiental. Uma nova demanda tecnológica no âmbito internacional, pedindo uma estratégia em C&T para conseguir novos mercados, contribuindo para o desenvolvimento do país. Publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ano X, n 341, Rio de Janeiro, 5 de abril de 1996. 111 FERREIRA, S. SIVAM: erros de inteligência nacional. Jornal da Ciência Hoje. Publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ano X, n 337, Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1996. 76 Tendo em vista que a evolução tecnológica ocorre mediante associação de produtos e processos de conhecimentos anteriores, agregados a outros novos, alimentados por investigação básica e aplicada, podemos considerar que o projeto SIVAM, nesse sentido, torna-se um exemplo de dependência tecnológica. Para clarear o apontamento referido acima, nos reportaremos ao artigo institucional Informe SIVAM112, refletindo sobre a seguinte questão: esse projeto é desenvolvido por uma empresa norte-americana, Raytheon Company, que, embora, seja especialista em projetos bélicos, assume a responsabilidade pelo SIVAM concebido como projeto de vigilância ambiental. A Raytheon, fornecedora de materiais bélicos ao Pentágono, atualmente centraliza seus negócios em três segmentos principais: eletrônica comercial e de defesa, aviação comercial e aeronaves para missões especiais, engenharia e construção. O segmento referente à eletrônica de defesa inclui mísseis, radares, eletroóticas, vigilância, monitoramento, aquisição de dados e processamento de informações e inteligência, treinamento, simulação e serviços, sistemas de controle de tráfego aéreo e naval. De acordo com o artigo Informe SIVAM, durante 75 anos de história a Raytheon Company lidera o desenvolvimento de tecnologia de defesa e sua conversão para uso em mercados comerciais. Assim, por exemplo, essa 112 INFORME SIVAM SP, Raytheon, artigo institucional, jun. 1996. mimeografado 77 empresa adaptou a tecnologia de radar desenvolvida na II Guerra Mundial para inventar o forno microondas e desenvolveu também os primeiros mísseis teleguiados. A concepção do SIVAM Rogério Cerqueira Leite113, aponta o SIVAM como uma ampliação do sistema de proteção ao vôo e vigilância aérea, existentes nas demais regiões do país. Aliás, necessidade incontestável para a região. Esse sistema, segundo o autor, além das funções de proteção ao vôo e vigilância sanitária, incorporaria o monitoramento ambiental, prospecção de recursos naturais e combate ao contrabando. De acordo com Gilberto Câmara114, a concepção do SIVAM está baseada no conceito de “vigilância ambiental” e na idéia básica de que o ponto central da questão ambiental para a Amazônia é a montagem de instrumentos de controle e atuação punitiva. O que seria, para o autor, diametralmente oposto a todas as perspectivas modernas de “gestão ambiental” e “desenvolvimento sustentável”, que apontam para a educação e 113 LEITE, R C. O SIVAM: uma oportunidade perdida. Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 46, p. 123-130, 2002. 114 Gilberto Câmara, engenheiro eletrônico (ITA, 1979), doutor em Computação (INPE, 1995). Trabalha na pesquisa e desenvolvimento de software para Tratamento de Imagens de Satélite e Geoprocessamento desde 1979. Coordenador da equipe que desenvolveu os sistemas SITIM/SGI e SPRING, que são utilizados em mais de 100 laboratórios de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento no Brasil. Gerente técnico do desenvolvimento do software METVIEW. É autor e 78 a participação ativa da sociedade em todas as decisões de políticas públicas que afetam o meio-ambiente. Salienta ainda que o SIVAM pretende realizar suas atribuições com maior competência por meio da “tecnologia de ponta”. Câmara argumenta que, o estudo da biodiversidade da Amazônia, não pode ser reduzido a soluções computacionais do tipo “turn-key”. E ainda, os “produtos” do SIVAM, em sua maioria, possuem descrições grandiosas para resultados simples com qualidade igual ou inferior aos realizados por instituições brasileiras. Para Câmara Tomemos alguns exemplos: os mapas de desflorestamento, queimadas, zoneamento e biodiversidade. O mapa de desflorestamento implementado pelo SIVAM utiliza técnicas de Processamento de Imagens da década de 70, em contraste com a solução no estado-da-arte desenvolvida e validada pelo INPE. O VA/SIVAM está entregando ao País (a um custo considerável) uma solução com mais de 20 anos de atraso com relação à tecnologia que já dispomos! No caso de queimadas, o País também já dispõe de solução inovadora, cujos resultados estão disponíveis na Internet (www.dpi.inpe.br/proarco) e que é considerada por especialistas internacionais da NASA e da ESA como o mais avançado produto deste tipo. Quanto ao zoneamento ecológico-econômico, os produtos do SIVAM são simples “mapas de violação”, correspondentes a produtos que poderiam ser realizados em qualquer sistema de informação geográfica do mercado. O mapa de biodiversidade que está sendo desenvolvido no SIVAM é simplesmente a capacidade de georeferenciar as informações de coleções, tecnologia já desenvolvida por instituições brasileiras como o Museu Paraense Emilio Geoldi (MPEG) para suas coleções, a custos muito inferiores. 115 co-autor de mais de 50 trabalhos sobre o assunto e do livro "Anatomia de Sistemas de Informação Geográfica". 115 Palestra proferida na 7 Reunião Especial da SBPC, Manaus, 2001. Obtivemos do autor o envio do texto da referida palestra por e-mail. 79 Gilberto Câmara ressalta também que, o segmento de Vigilância Ambiental do SIVAM será desenvolvido nos EUA, em Dallas, com a equipe da "E-Systems". Segundo Câmara, essa empresa é especializada no tratamento computacional de imagens obtidas por satélites espiões, sem nenhuma experiência anterior em aplicações ambientais. Afirma, Para os leigos, pode parecer tudo a mesma coisa. Mas os especialistas, como o autor deste artigo que trabalha há quase 20 anos no desenvolvimento de software de Processamento de Imagens e Geoprocessamento, sabem que há uma substancial diferença entre técnicas de detecção de alvos inimigos e metodologias para apoio ao zoneamento ecológico-econômico. Depois de 25 anos da implantação da tecnologia de Sensoriamento Remoto o Brasil adquiriu - a duras penas - uma competência única em aplicações ambientais e um respeito internacional. Esta competência deve ser vista como uma vantagem competitiva de que o Brasil dispõe num cenário de globalização e não há o menor sentido em realizar uma transferência de tecnologia às avessas. 116 O Vice-Presidente da Comissão para Coordenação do Sistema de Vigilância da Amazônia (CCSIVAM), Cel. – Av. Francisco Albuquerque,117 na entrevista que nos concedeu, faz a seguinte análise [A concepção de SIVAM seria de um] projeto integrado que até então não se tinha no país nem no mundo, em que nós entendíamos que os problemas da Amazônia vinham de várias fontes, de várias áreas, mas que se integravam,... eram interdependentes... contrabando está ligado a vigilância aérea porque não tem estrada e os rios são muito lentos, então o cara não quer correr o risco de fazer o contrabando num barco. É muito mais fácil ele fazer no avião, o risco é muito menor de ser pego. Então o grosso é contrabando de avião... se você fala contrabando, garimpo, que é coisa que está no chão, estão intimamente ligadas com a vigilância aérea... a maneira como 116 a Conferência proferida na 48 . Reunião Anual da SBPC. Grifo nosso, destacando o fato de que para Câmara, o SIVAM não significa apenas a não transparência de tecnologia para benefício do Brasil, mas sim exatamente o contrário. O texto da referida palestra nos foi enviado pelo autor por email. 117 Entrevista realizada na cidade do Rio de Janeiro em 11/10/2002. 80 aquilo sai ou entra é por avião, na sua grande maioria. Então nós vimos que quando o crime ambiental... é ligado à invasão de fronteira ou a invasão de área indígena, você tem a parte ambiental e a parte policial intimamente ligada. Então nós entendíamos que para ter sucesso era preciso que o projeto fosse integrado e nós víamos que os problemas da Amazônia tinham como base à falta de presença do Estado e, essa falta de presença do Estado era muitas vezes em função de ações extemporâneas não integradas umas com as outras, ações isoladas. Nessa entrevista, Albuquerque salientou que a solução teria que ser integrada, por isso foi feito um projeto integrado. Tal integração misturava a parte ambiental com a policial e a parte de vigilância do espaço aéreo. Igualmente explica que foi por razões essencialmente políticas e estratégicas, mas não técnicas, que foi estabelecido mais de um centro. Em suas palavras já que vem via Satélite, eu não preciso jogar em 3 centros, eu poderia jogar em um único centro. Só que hoje, se nós fizéssemos um único centro, nós queríamos de uma certa forma, não a população, mas digamos as autoridades, o pessoal da Amazônia eles tivessem contato e participassem. Então, estrategicamente é importante que tivesse algum espalhamento e não uma concentração em um único local. Porque poderia ser em Brasília só. Não precisava nem vir a Amazônia. Via satélite! Tanto faz. Se pensarmos que o grosso do contrabando é feito por aeronaves, como os radares identificariam esse contrabando? De acordo com a entrevista de Domício Proença Jr118 a Aeronáutica está trabalhando com 300 quilômetros para a vigilância, o que inclui as pessoas que devem ser vigiadas. Mas, existem alguns problemas como as árvores, já que tudo o que é orgânico “chupa” radar. Assim, com um quilômetro cúbico de árvores 118 Professor da COPPE/UFRJ e Coordenador do Grupo de Estudos Estratégicos da COPPE/UFRJ. Entrevista realizada na cidade do Rio de Janeiro em 09/10/2002. 81 mediando até ao objeto a ser vigiado, não se pode ver nada. O que seria resolvido com vôos a 50, 100 metros de altura acima das árvores. Essa questão não foi discutida. E por que não foi discutida? Dessa forma, Domício apresenta, na entrevista mencionada, suas razões, Aí tem uma dualidade. A vigilância da Amazônia é pensada dentro do SIPAM que é uma coisa para medir problemas em escala de semanas, meses ou anos. Mas a venda do SIVAM vale para perseguir traficantes e avioneiros que é uma questão de segundos, de janelas de ação no máximo de minutos. Então tem uma contradição no discurso porque as pessoas não estão interessadas, não é midiático você falar de uma coisa que vai produzir excelentes resultados na próxima década, ainda mais quando a questão é de Segurança Pública, envolvendo narcotráfico. Tem uma urgência midiática tão grande. Seríamos capazes de usar o SIVAM para interceptar tráfico de drogas? A resposta técnica é: possivelmente não. Não só porque nós não detectaríamos como, quando detectássemos, não teríamos aviões de caça para interceptar. Se interceptássemos com aviões de caça, não temos legislação que permita o abate de aeronaves no espaço aéreo do nosso país. São discussões do uso de força que nós estamos começando a ter. A nossa Constituição tem 14 anos. As declarações de Proença evidenciam as dificuldades para o cumprimento dos objetivos que justificam o SIVAM, por exemplo, caçar os traficantes de drogas. Atualmente, seria quase impossível atingir tais objetivos. O reconhecimento de jazidas de minérios, a instalação dos radares próximos a fronteira e, acima de tudo, a forma como os militares sempre referiram à região, levam-nos, a priori, propor que se trata de um sistema de defesa militar e não ambiental. Martins Filho, na entrevista que nos concedeu, argumenta nesse sentido. Para o autor, 82 desde o início esse projeto foi concebido como uma questão de defesa. As outras coisas são, vamos dizer, subprodutos que podem sair do projeto (por exemplo, vigilância ecológica, auxílio à aviação civil, localização de jazidas minerais, proteção das reservas indígenas). Mas, eu acho que o principal interesse das Forças Armadas, com relação ao Projeto SIVAM desde o início foi à questão de vigilância de fronteiras, de um ponto de vista de defesa e segurança nacional. Quer dizer a idéia de SIVAM foi, do meu ponto de vista, relacionada à questão das ameaças às fronteiras dentro do que eu tenho estudado, que não é especificamente sobre o SIVAM, mas em geral sobre a problemática da defesa da Amazônia. Esta visão é compartilhada por Aziz Ab’Saber119 na entrevista que nos concedeu, O fato é que bases de radar colocados na fronteira tinham uma possibilidade de gerenciar o território brasileiro e... o território dos países vizinhos. E isso a gente sabia desde há muito tempo porque a grande implantação, por exemplo, de radares existentes no aeroporto Ezeiza na Argentina, praticamente fica próximo da fronteira com o Uruguai. Então não é só a Argentina que é gerenciada, é o espaço aéreo do Uruguai também. E evidentemente nunca esse gerenciamento pode descer até o nível de verificar o problema da passagem de grandes recursos de Buenos Aires para Montevidéu em matéria de dólares. Não é missão deste tipo de implantação tecnológica gerencial. A mesma coisa a gente podia prever para as fronteiras do Brasil com as Guianas, do Brasil com a Venezuela, do Brasil com a Colômbia, do Brasil com o Peru e do Brasil com a Bolívia... E, curiosamente, os líderes do projeto SIVAM do lado do governo brasileiro não quiseram entender essa dificuldade. E ele podia ser um projeto mais bem elaborado com menor número de implantações dentro do espaço total amazônico, mas evitando as fronteiras no sentido de que isso precisava ser uma colaboração mais bem pensada, mais bem trabalhada entre os governos dos países vizinhos. Domício Proença Júnior discorda da análise que o SIVAM seria um projeto de defesa, argumentando que a história da Aeronáutica no Brasil gira em torno do aproveitamento. Dessa forma, nossos aeroportos são as nossas 83 bases aéreas, porém não significa que cada aeroporto construído no Brasil é uma base aérea e, muito menos, interpretar qualquer aeroporto no Brasil como fazendo parte do esquema de defesa aéreo-espacial do país. Na sua opinião, A Aeronáutica consciente de que esse é um país pobre acha que é uma solução para o Brasil que toda vez que alguma coisa é feita que envolva o ar, tenha que prever tanto o uso civil quanto o uso militar. O sistema integrado de Defesa Aéreoespacial hoje em dia e o controle de tráfego aéreo é um excelente exemplo. .... Os mesmos radares, as mesmas pessoas, em teoria, articulam o mesmo sistema unificado. Isso quer dizer que o Sistema Militar domina o centro civil? Não, quer dizer que você tem uma economia de escala...os mesmos radares, os mesmos aeroportos, que já são as bases aéreas ...., estão fazendo as duas tarefas. Há limites para (...) essas tarefas (...)? Claro que há. Isso é uma questão não tematizada. Por outro lado, qualquer discussão no campo de defesa deve ser pautada pela possibilidade do uso da força, especificamente como é um sistema basicamente de sensores, quais são os mecanismos que esses sensores ativam? Em termos de defesa o que importa é força contra força. Que força o SIVAM ativa? Resposta: Nenhuma. Posteriormente, Proença comenta o seguinte ... a minha impressão dessa questão é que na razão direta que o Brasil compartilha o acesso aos resultados do SIVAM com seus vizinhos, isso transforma cada vez mais uma medida de confiança mútua em cada vez menos uma ferramenta de utilidade para defesa. Se ambos os lados têm a mesma informação você precisaria inventar um cenário que o Brasil, de repente, arbitrariamente, feche o acesso a essas situações que, por si só, já seriam um gesto diplomático de distanciamento. Então fica meio complicado aceitar uma caracterização do SIVAM como principal ou, mais ainda, exclusivamente voltado para a defesa nacional. 119 Ex-presidente da SBPC, professor emérito da USP. 84 Que Proença tenha razão e o Brasil realmente compartilhe as informações do SIVAM com seus vizinhos. Os militares brasileiros, responsáveis pelo projeto, compartilhem suas informações com os militares dos demais países amazônicos e que, esses últimos, acreditem nas informações recebidas. Porque, nesse aspecto, há discordância entre Proença e o ex-Presidente da SBPC Aziz Nacib Ab’Saber que claramente expõe: “o SIVAM precisava ser uma colaboração mais bem pensada, mais bem trabalhada entre os governos dos países vizinhos”. Renato Dagnino120 inferiu que os militares dos demais países membros do TCA possuem receio do Brasil Quando você vai para esses países latino-americanos se você conversa com o “cara” da comunidade acadêmica: “Ah! Somos irmãos e tal, a gente é muito parecido”. Quando você fala com um militar o “cara” tem a maior “bronca” do Brasil, porque o Brasil roubou, ou coisa parecida, um pedaço de quase todo mundo. Você vai lá no Peru, no Equador, os “caras” te mostram mapas onde tem um pedaço da Amazônia que hoje é brasileira que era deles, e aí: “Eu não tenho culpa! Eu não era nem nascido”. Mas tem, mas isso ás vezes aparece só depois do 3o whisky, mas claro que têm, eu acho que esses países sentem que têm “que ficar espertos” com o Brasil. Qualquer comparação com o elefante, à formiguinha tem medo. Então, o Brasil tem essa característica inerente: ser maior que os outros, de ter uma vocação imperialista que durante o período militar ficou muito nítida, inclusive de participar de golpes. Uma atitude golpista no Chile, no Uruguai, no Paraguai sempre tinha um brasileiro lá mandando. Então, eu acho que esses países devem ter receio... Ainda pensando na fala de Proença. Parece-nos que se por economia a Aeronáutica fez de nossos aeroportos as nossas bases aéreas, o SIVAM, 120 Professor Titular Dr. Renato Peixoto Dagnino, departamento de Política científica e tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas. Entrevista realizada na cidade de Campinas em 16/04/2002. 85 para aproveitar pessoal e recursos, também teria a finalidade de defesa, visto ser uma prática comum que os radares utilizados na aviação civil sejam disponíveis para atuação militar. E também, em relação ao compartilhar dados do SIVAM, há de se observar que no período de 1990 a 1996, momento de gênese do projeto, nenhum membro do TCA foi convidado a participar dessa elaboração/discussão. Essa informação foi colhida por nós durante a entrevista realizada com o Vice-Presidente da CCSIVAM. Cel. Albuquerque quando ressaltou ainda que ele foi apresentar o SIVAM para os oito países membros do TCA em 1999 e 2000. E, para compartilhar esses dados, parece óbvio, é necessário que os radares alcancem os territórios vizinhos. Ou, vamos compartilhar dados da Amazônia Legal? Recentemente, com novas denúncias na Folha de S.Paulo, o governo brasileiro disse que a Colômbia será beneficiada com informações prestadas pelo SIVAM. O que significa: o alcance do radar na fronteira “invadirá” o território colombiano.121 Nesse sentido argumentou Clóvis Brigagão122 quando entrevistado Olha eu não sei assim te dizer exatamente qual é a extensão que os radares iam pegar. Mas eles podem atravessar as fronteiras nesses países todos, porque a Amazônia é muito grande. Esses radares são móveis, são aerotransportáveis, além disso, têm os satélites, as bases territoriais que transmitem para essas estações. Esse complexo de radares, sistema de captação, os aerotransportáveis... é capaz de dar uma cobertura talvez não menos que 70% de toda a Amazônia. 121 Portanto, é importante pensar qual vai ser a possível reação dos colombianos frente à ciência dessa “invasão” e qual, então, a reação que teremos. 122 Professor Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Cândido Mendes. Entrevista realizada na cidade do Rio de Janeiro em 10/10/2002. 86 Brigagão, quando apresenta suas razões sobre a eficiência do ponto de vista da vigilância e monitoramento ambiental, afirma que se todo o aparato estatal não estiver funcionando o SIVAM será ineficaz. Em suas palavras não será muito eficiente, não terá resultados, vamos dizer, melhores para a Amazônia, do ponto de vista de vigilância e monitoramento, se não for acompanhado pelo Sistema de Proteção da Amazônia [SIPAM]. Quer dizer, um sistema de proteção... (que trata de políticas públicas governamentais no plano Federal, Estadual e Local) é que vai dar sustentabilidade a médio e a longo prazo para que o SIVAM seja um instrumento tecnologicamente avançado e exercer o seu pleno desempenho. Se é o SIPAM quem dará sustentabilidade ao SIVAM porque não se investiu primeiramente nessa infraestrutura (leis, recursos humanos, educação ambiental, políticas públicas), para depois, então, comprar esse aparato tecnológico? Pois, de acordo com Lúcio Flávio Pinto123, o dinheiro disponibilizado para o projeto é vinte (20) anos da verba de ciência e tecnologia da Amazônia. Esse montante, segundo o autor, daria para os cientistas levarem o conhecimento produzido até o colono, que geralmente é predador da natureza. Assim, facilitaria o desenvolvimento sustentável da região colocando a disposição da população a Ciência e Tecnologia, visto que os seres humanos serem o fim último das mesmas. Lúcio Flávio Pinto explana, 123 PINTO, L. F. Três reflexões sobre segurança nacional na Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 46, p. 131-140, 2002. 87 No exame prático do lugar que este novo organismo vai ocupar é que surge a dúvida: por que não dar meios aos órgãos já existentes, especializados no trato policial, militar e científico dos problemas postos sob suas respectivas jurisdições? A Polícia Federal certamente se sairia muito mais satisfatoriamente se ficasse com um naco do bilionário orçamento do SIVAM. O DAC (Departamento de Aviação Civil) melhoraria o controle do tráfego aéreo com outra parcela desse dinheiro.124 Nesse sentido, outras instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o IBAMA, a Marinha também poderiam melhorar sua atuação na Amazônia. 124 Ibid., p. 136. 88 CAPÍTULO IV: SIVAM: interesses, contradições, contrato com a Raytheon e cifras. O Dicionário de Ciências Sociais125 conceitua como interesse qualquer objeto cuja importância para aqueles que o buscam é grande a ponto de determinar as suas normas de conduta e os seus julgamentos de valor, pois indica que promoveria seu bem estar de forma significativa. É também uma reivindicação digna de consideração, um direito na partilha de algo, de participar de uma atividade, qualquer objeto de lucro para um indivíduo ou grupo, recomendando ou justificando uma ação. Assim, um Governo pode obter concessões de outro Estado, porque tem em seu poder certos recursos materiais que se tornam instrumentos de pressão econômica ou militar. Há de se observar à existência de interesses comuns, propiciando acordos interestatais que podem vir a explicar ou prever comportamentos que gerariam conflitos, visto que o contato entre Estados pode acurar essa percepção. Buscando compreender como se engendraria o conceito de interesse precisamos entender a concepção de hegemonia, que ocorre a nível nacional e internacional. 125 DICIONÁRIO de Ciências Sociais. Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas, 1986. 89 Antonio Gramsci explicita as relações hegemônicas no âmbito nacional. Por conseguinte, expõe que a hegemonia é o principio organizador do poder de uma sociedade na qual, uma classe, se impõe sobre as demais, não apenas por meio da força, mas também pelas concessões, reformas, e influência sobre o modo de pensar das pessoas. Em suas palavras A supremacia de um grupo social manifesta-se de duas maneiras, como ‘dominação’ e como ‘liderança intelectual e moral’. Um grupo social domina os grupos antagônicos, que ele tende a ‘liquidar’ ou subjugar, talvez até pela força das armas, e lidera os grupos afins e aliados. Um grupo social pode, e a rigor, já deve exercer a ‘liderança’ antes de conquistar o poder governamental (essa é, de fato, uma das principais condições para conquistar tal poder); posteriormente, ele se torna dominante ao exercer o poder, mas ainda que o detenha firmemente nas mãos, também tem que continuar a ‘liderar’.126 A partir de Gramsci, o Sociólogo Arrighi127 define hegemonia no plano internacional, em suas palavras, É a capacidade de um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas. Em princípio, esse poder pode implicar apenas a gestão corriqueira desse sistema, tal como instituído num dado momento. Historicamente, entretanto, o governo de um sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo de ação transformadora, que alterou fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema. À luz do contexto das relações internacionais, a necessidade de segurança de cada Estado leva, em última instância, ao uso das armas ou ameaça da força para uma política expansionista ou mesmo de contenção de 126 GRAMSCI 1971 apud ARRIGHI 1996, p. 28. ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora UNESP, 1996, 408 p. 127 90 outras potências para a manutenção do equilíbrio da organização internacional.128 Pode levar também à busca de espaços vitais, garantindo acesso aos mercados e as matérias-primas de importância estratégica, bem como políticas protecionistas, com o firme propósito à obtenção de um grau de autosuficiência econômica.129 Determina ainda a adesão, em uma posição subordinada, a blocos hegemonicamente dominados por uma potência que restrinja mais ou menos fortemente a autonomia dos satélites, desde que lhe garanta a segurança.130 Considerando, as proposições anteriores, a hegemonia de um Estado perante outros se manifesta por meio da dominação e do consenso. A primeira refere-se a coerção, a utilização efetiva de um poderio militar ou sua ameaça. A segunda diz respeito à liderança moral e intelectual, necessitando de um continuo esforço persuasivo conduzido por agências de instância internacional para se estabelecer essa aquiescência.131 A priori, a preeminência de um Estado, especificamente capitalista, sobre um sistema de nações soberanas, implica na gestão do mesmo por meio de persuasão com organismos internacionais tais como o Grupo dos Sete (G7), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Fundo Monetário Internacional (FMI), 128 União internacional de Estados acordados entre si para a colaboração estável, disciplinada por normas de direito internacional, visando à realização de interesses comuns. OUTHWAITE, W. e BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. 129 Ibid. 130 Ibid. 131 91 Banco Mundial etc. Configurando assim a anuência de que as instituições capitalistas são as únicas existentes. A hegemonia, nesse momento histórico, obviamente, é os EUA. Encaminhamos nossa reflexão até o presente momento partindo do conceito de interesse, para aqui introduzir o SIVAM como interesse contraditório. Recentemente, novas informações veicularam pelo jornal Folha de S Paulo deixando claro que todas as informações obtidas pelo SIVAM seriam acessíveis, gratuitamente, também para os norte-americanos. Segundo essas mesmas informações, para governo estado unidense, construir o SIVAM foi uma conquista geopolítica.132 Dessa forma, questionamos: o que levaria o governo brasileiro a pagar um montante tão alto por esse projeto? O que permeia esse acordo? Como um projeto militar que visa a soberania nacional, pode estar sendo feito por uma empresa norte -americana de laços estreitos com o Pentágono? Essa posição dos militares nacionalistas é contraditória: se por um lado visam a soberania nacional, o cuidado com uma área estratégica, por outro compram o projeto de uma empresa dos EUA, que é fornecedora de materiais bélicos para o Pentágono. Assim sendo, sem dúvida, a Raytheon faz parte do sistema de segurança nacional dos EUA, gerando para eles, sem ônus, toda a informação coletada pelo sistema. 132 O referido jornal obteve os documentos por meio do Freedom of Information Act (FOIA) ou Lei sobre a Liberdade da Informação, de 1966, onde qualquer pessoa tem o direito de ter acesso aos arquivos do governo dos EUA, exceto os casos considerados Segredo Absoluto (TOP Secret). Ver Folha de S. Paulo dos dias 23, 24 e 25 de julho de 2002. 92 As estratégias oriundas dessas políticas norte-americanas no plano internacional foram abordadas por Hans W. Weigert133 quando definiu geopolítica: “geografía política aplicada a la política de poder nacional y a su estrategia de hecho en la paz y en la guerra”.134 Para chegar a esse conceito Weigert diferencia as características distintas de enfocar os temas tanto da geografia política, quanto da geopolítica. A primeira considera os Estados organizações estáticas, descrevendo seu espaço físico e investigando suas condições. Conforme o autor, a segunda abarca o conflito, a mudança, a evolução, a revolução, o ataque, a defesa e a dinâmica dos espaços terrestres e das forças políticas que lutam neles por sua sobrevivência. A geopolítica propõe as circunstâncias vitais de um Estado e as relações interestatais em suas conexões espaciais. De acordo com Weigert, o conceito de geopolítica foi desenvolvido na Alemanha e permeava o pensamento de Adolf Hitler. A força do pensamento geopolítico reside na ambição de poder que uma Nação dirige contra os conceitos de espaço de outros Estados. Conforme Hans W. Weigert, esses interesses estão relacionados com idéias políticas arraigadas na terra e desenvolvidas no espaço, sendo que inexistem espaços sem idéias, abordam a “idéia de mundo” (Weltanschauung) e “espaço vital” (Lebensraum) para aprender sobre o inimigo, sua mentalidade e seus propósitos atuais e futuros. 133 WEIGERT, H. W. Geopolítica: generales y geografos. México, Pánuco: Fondo de Cultura Economica, 1943. 134 Ibid., p. 25. 93 Segundo Weigert, a herança do pensamento geopolítico dos Estados Unidos está relacionada com a geopolítica hitleriana da Segunda Guerra Mundial, onde espaço e terra significam tudo e o ser humano quase nada. Weigert apontou, naquele momento, a necessidade de se pensar na alma humana e não somente no frio jogo de xadrez de interesses do poder político. É importante considerar essa visão de Weigert da geopolítica dos EUA, para entender seu interesse a ter acesso irrestrito às informações coletadas pelo SIVAM, o que seria semelhante a deter seu controle. Em relação ao Brasil, parece ser evidente, que com o projeto SIVAM, busca se consolidar como a potência sub-hegemônica do continente sul-americano. Para melhor visualização de quais interesses permeiam a compra desse projeto, a quem ele serve, temos que entender, sucintamente, o que é sub-hegemonia.135 O conceito de sub-hegemonia está sendo utilizado, principalmente, pelas Ciências Sociais mexicanas, visando compreender o papel do México na América Central e do Brasil na América do Sul, ou seja, pelas suas características, os sub-hegemônicos, possuem projeção continental ou mundial. Porém, fundamentalmente é em relação a seus Estados vizinhos. Assim, exercem hegemonia em âmbito regional, por meio de sua economia, política e ideologia. De acordo com Alberto Rocha136, é caracterizada segundo três aspectos, a saber: formação (posição estrutural no sistema interestatal); 135 Nossa pesquisa foi realizada antes da chegada de Lula a presidência, portanto, não inclui a política de seu governo, que poderia, em relação aos governos anteriores, ser diferente. 136 ROCHA, A. México y Brasil en el proceso de integración regional de América Latina y el Caribe: Rol de dos subhegemones? 94 projeção (alcance além de seus vizinhos periféricos, no continente, no planeta); e, aspiração (vocação geopolítica regional, continental e mundial). Para o autor, a formação brasileira se relaciona com sua posição privilegiada na América do Sul, visto possuir fronteiras com quase todos os países do continente, exceto Chile e Equador. Já a projeção do Brasil, está baseada em cinco eixos: 1 líder no MERCOSUL; 2 iniciativa de instaurar uma Zona de Livre Comércio entre MERCOSUL e Comunidade Andina (CAN); 3 vincular-se com a América Central, Caribe e México (esse, segundo o autor, é o mais frágil); 4 estabelecer vínculos com a União Européia (EU); 5 não está definida a relação que terá com a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).137 Conforme Rocha, a aspiração se revela ao tratar de impulsionar e formar um sistema regional de integração, convergindo para a cooperação de desenvolvimento autônomo na América do Sul. Essa integração sul-americana aparece nas razões apresentadas pelo autor brasileiro Lúcio Flávio Pinto. Ele aponta, em seu texto já citado, que o Brasil precisa considerar a “conquista” do oceano Pacífico, o mais importante do planeta, e que para isso é necessário vencer dois desafios: a “compreensão da questão amazônica” e a verdadeira latino-americanidade brasileira. O autor explana Para entender o que é a Amazônia é preciso colocar na lata do lixo o aparato geopolítico. Mata fechada pode ser indicador de soberania, tanto quanto o índio que cruza de um lado para o outro, ignorando essa formalidade chamada fronteira. Mesmo 137 Com Lula na presidência do Brasil, essa questão está sendo definida, já que Brasil e EUA são presidentes, da reunião chave em 2005 para definição dos alcances da ALCA. 95 porque o índio, com 20 mil anos de existência, é uma realidade muito anterior à organização do espaço imposta pelos europeus a partir do século XVI.....A Amazônia deixará de ser um empecilho para o alongamento da “corrida para Oeste”, até que ela desemboque no Pacífico, se os elementos dessa expansão deixarem de ser o desmatamento, novas estradas, fazendas de gado e toda a matriz de atividades supostamente produtivas, que se legitimam partindo da premissa de que, ao substituir a floresta compacta e a inanição demográfica, afirmam a soberania nacional, a qualquer preço. Desde que a faixa de fronteiras não seja colonizada pelos padrões da selvageria estabelecida nos eixos rodoviários, não haverá incompatibilidade alguma entre essa nova frente e o melhor conhecimento acumulado sobre a região.138 Pinto alega ainda que a “fonte do saber amazônico” está arraigada na matriz da doutrina de segurança nacional por ser, o SIVAM, um programa militar e geopolítico em pleno regime civil. O autor indica caminhos em seu texto para que haja integração intercontinental via economia, para assim ser desejada, estável e definitiva. Aborda que o Brasil, para desempenhar o papel de líder “que lhe cabe, sem veleidades sub-coloniais ou sub-imperialistas”, necessita prestar atenção as questões referentes à fonte energética e a rede de transportes. Portanto, [a] via preferencial de transporte está nos rios, um elemento de harmonia na paisagem, capaz de amoldar a ocupação a esse gigantesco organismo biológico que é a Amazônia. A matriz energética está no petróleo, ou no gás natural, mais especificamente, abundante em alguns países andinos e do Caribe.......Na perspectiva de uma ação integradora continental, fomentar hidrovias internacionais, sobretudo na calha do maior rio do mundo, o Amazonas, e integrar os países por uma teia de gasodutos ou abastecidos por balsas de gás liquefeito (sem falar no carvão colombiano e na hidreletricidade venezuelana), significa substituir mecanismos inoperantes por ferramentas que não só permitirão formar um verdadeiro mercado interno latino americano, como lhe darão condição de competitividade 138 Id. Ibid. p. 138. 96 em escala mundial, sem que essa equação dependa de capitais voláteis ou de endividamento além-mar.139 Contudo, ao fazer essas considerações, ele reafirma a questão da subhegemonia para o Brasil. Algo que o SIVAM vem corroborar dentro do que já vimos sobre esse conceito. Obviamente que, no caso, a questão geopolítica não foi deixada de lado como sugeriu Pinto. Segundo Arrighi, a hegemonia mundial é dos EUA, e, especificamente em relação ao SIVAM essa questão fica clara, com a compra, pelo Brasil, de todo o sistema tecnológico do projeto de uma empresa diretamente ligada ao Pentágono, sem consultar os demais países amazônicos, apresentando, nesse sentido, uma tendência a influir no continente sul-americano. Dessa forma, o Brasil adota uma postura subalterna em relação aos EUA e, ao mesmo tempo, não leva em consideração a opinião de seus vizinhos, com os quais compartilha a Amazônia, colocando-se assim, em uma posição clara de sub-hegemonia na América do Sul. Além dessas reflexões, faz-se necessário, nesse momento, entrar na questão contratual do SIVAM e suas cifras. De acordo com o Relatório SIVAM do Senado Federal, o Poder Executivo foi autorizado a contratar empréstimos no valor total de US$ 1.771.527.038,50 sendo que, US$ 1.395.100,00 seriam destinados ao financiamento 139 Id. Ibid. p. 139-40. do Projeto SIVAM enquanto a diferença, de US$ 97 376.527.038,50, seria relativa aos juros e as comissões de risco das operações de crédito externo contratadas. Cerqueira Leite, em um artigo recente, expõe que ele foi escolhido pela Comissão do Senado para argumentação contrária ao projeto, tendo assim, acesso aos contratos de empréstimos do programa. O autor argüi ... a leitura dos contratos mostra que muito do que diziam os porta-vozes do governo federal sobre o SIVAM não era exatamente correto. Em primeiro lugar, o conjunto de contratos (cinco)....globalizavam US$ 1.771.527.038,00 e não US$ 1,4 bilhão. Desse total, US$ 110 milhões eram destinados a obras civis e US$ 150.500.000,00 para o pagamento de bens e serviços realizados no Brasil... O contrato também estipulava que, caso um equipamento ou serviço não pudesse ser oferecido pelos EUA, ele poderia ser adquirido de qualquer outro país, exceto o Brasil.140 Já o ex-Ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Almirante de Esquadra Mário César Flores, em esclarecimento prestado a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara Federal afirma que o financiamento é externo e integral. Assim, US$ 1375000,00 bilhão divididos da seguinte forma: 73,1% do Eximbank, 6,5% do banco sueco o EKN, 17,3% da Raytheon e 3,5% de outros fornecedores. E, no site da Raytheon, um documento de 1997, o Contract and Financing Agreements Signed for the Brazilian System for the Vigilance of the Amazon (SIVAM) estabelece o seguinte, The value of the SIVAM contract is US$1.285 billion. The four sources providing financing for the program are the United States Export Import Bank, AB Svensk Exportkredit (the Swedish export bank), Raytheon and the SIVAM Vendor Trust. The U.S. Export Import Bank is providing the majority of the financing for the program, with loans totaling just over US$1 billion. 140 Id. Ibid., p. 125. 98 Work on the program will begin with a combination of activities, including site surveys, finalization of requirements for the civil works associated with the project, development of the system software, and the procurement of equipment. The SIVAM system is scheduled to be fully operational in five years.141 É importante salientar, a pouca precisão desse documento, por exemplo, o que significa realmente a frase “with loans totaling just over US$1 billion” (com empréstimos totalizando um pouco mais de US$ 1 bilhão). O que é esse “um pouco mais”? Dez, cinqüenta, cem milhões? As informações postas acima evidenciam que os montantes são diferenciados. Portanto, escolhemos trabalhar com a cifra aproximada de US$ 1,77 bilhão de dólares norte-americano. Vamos trabalhar com esse número porque conforme as resoluções (91, 93, 95, 96 e 97 de 1994) do Senado Federal, listadas no “site” do Senado brasileiro, indicam crédito externo de US$ 91.025.000,00 destinados ao financiamento parcial do projeto SIVAM, bem como mais US$ 105.046.668,50 para repasse de recursos obtidos com garantia do EXIMBANK. Além desses empréstimos foi liberado mais US$ 48.000.000,00 para crédito externo com a SIVAM Vendor Trust também para financiamento parcial do projeto. E, US$ 1.288.255.370,00 com EXIMBANK equivalente a repasse de recursos e, com a Raytheon Company mais US$ 239.200.000,00 para financiamento parcial. A soma dessas cifras corresponde aos US$ 1.771.527.038,50. Abaixo no quadro temos as condições de financiamento. 141 http://www.raytheon.com/press/1997/mar/sivam.html 99 CONDIÇÕES DE FINANCIAMENTO Fonte de Prazo de Prazo de Taxas de % do total financiamento carência pagamento financiamento Eximbank-USA 8 anos 18 anos 6,92 73,1 Eximbank- 3,5 anos 13 anos 8,37 6,1 Subfornecedores 10 anos 10 anos 9 3,5 Raytheon 2,5 anos 10 anos 9 17,3 Suécia Fonte: Aviso No. 292/GAB-SAE-PR, Brasília, 25 out. 1994 apud Brigagão p. 65. Para nós, brasileiros, que pagamos nossas contas em reais os valores envolvidos no projeto SIVAM, que estão em dólares, não são palpáveis. Assim, para uma melhor aproximação de nossa realidade, convertemos os valores descritos para reais em relação à taxa de câmbio na época em que foi fechado o contrato (25/07/1997) em comparação com a taxa média entre julho de 2002 a julho de 2003. Em 25/07/1997 a moeda norte-americana foi cotada a R$ 1,08160 o que daria uma dívida no total de R$ 1.916.083.644,30. Devido à instabilidade do dólar em nosso país, a média anual entre os meses de julho de 2002 a julho de 2003 corresponde a R$ 3,2853. Portanto, a cifra correspondente, atualmente, seria de R$ 5.819.997.777,94. 100 O SIVAM é um tema polêmico e sua trajetória permeada de situações controversas. Por conseguinte, as formas de pagamento dos financiamentos não foram devidamente esclarecidas; as fontes citadas anteriormente, especialmente, as oficiais, assim o evidenciam. Nesse sentido, optamos por realizar duas simulações de amortização para termos uma idéia das cifras do projeto. Essas simulações não são diferentes das formas praticadas no mercado, diante de financiamento desse vulto. Dessa forma, a primeira simulação de condição de pagamento seria com prestações fixas sem amortização de juros durante o período de carência e parcelamento semestral.142 (Ver planilhas explicativas em anexo Simulação I) Ao final do financiamento, dessa primeira simulação de amortização, com toda a dívida paga, em dólar teríamos US$ 5.504.895.019,30. Isso significa uma soma em reais do montante total de R$ 18.085.231.606,81. Ressaltamos, que esse montante tem por base a média do dólar entre os meses de julho de 2002 e julho de 2003 e que, sendo atualizada, ano a ano pode aumentar ou diminuir, mas a história indica que esta possibilidade é pequena. Na outra simulação consideramos que, durante o período de carência, foram pagos os juros, embora não tenha sido feita nenhuma amortização em 142 Assessoria Técnica do Bacharel em Ciências Econômicas Luiz Antonio dos Santos Alcides. Teria sido impossível para nós fazer esta parte do trabalho, já que se precisa de conhecimento especializado. Por isso, e pelo grande empenho de Luiz, que trabalhou por uma semana fazendo esses cálculos, nosso eterno agradecimento. Para seus cálculos, Luiz se orientou pelo trabalho de Matemática Financeira de Alexandre Assaf Neto (Matemática Financeira e suas aplicações). As fórmulas utilizadas constam do anexo. 101 relação ao valor principal, também com prestações fixas, variando devido à incidência de juros. (Ver planilhas em anexo Simulação II) Por conseguinte, obtivemos esses valores, primeiro em dólar: US$ 3.591.680.130,42, em seguida as cifras em reais R$ 11.799.732,48. Nota sobre mentalidade militar A mentalidade etnocêntrica, no sentido eurocêntrico ou ocicêntrico,143 presente na cultura brasileira, herdada da colonização européia, possui raízes arraigadas. Porém, a presença dessa mentalidade em um administrador público, seja funcionário militar ou civil, de alto escalão, conformam um grave problema para as instituições públicas de nosso país, que oficialmente é democrático. Aqui queremos registrar algumas considerações que podem ser úteis para conhecer a mentalidade militar. Nossa principal fonte é uma entrevista por nós realizada. O militar entrevistado é alguém muito bem articulado, apto a fazer esclarecimentos sobre seu ofício, bem como o cargo que ocupa obriga-o a ter muito discernimento. Sabemos, que a partir de um exemplo, não podemos generalizar, mas pode ser ilustrativo. Pois, o entrevistado em 143 Para uma aproximação dessa problemática, ver os trabalhos de Amayo Zevallos na bibliografia, especialmente: La Amazônia y el Pacifico em La Jangada de Julio Verne: una vision eurocentrica. 102 questão é o segundo na hierarquia de comando do projeto SIVAM e virá a ser o primeiro. Assim apontamos, porque suas palavras são contundentes e poderiam sugerir que é conseqüência da formação da mentalidade de todo um setor de militares. Passemos, como ilustração, a alguns trechos da entrevista concedida. Primeiramente sobre a descentralização do projeto SIVAM Agora essa concepção você pode dizer assim: mas porque 3 centros e não 2 ou não 1? Porque se queria de uma certa forma, que isso gerasse uma capilaridade. Nós poderíamos fazer com 1 centro só. Porque a maioria dos dados do SIVAM são tele. Então, já que ele vem via Satélite, eu não preciso jogar em 3 centros, eu poderia jogar em 1 único centro. Só que hoje, se nós fizéssemos um único centro, nós queríamos de uma certa forma, não a população, mas digamos as autoridades, o pessoal da Amazônia eles tivessem contato e participassem. Então, estrategicamente é importante que tivesse algum espalhamento e não uma concentração em um único local. Porque poderia ser em Brasília só. Não precisava nem vir a Amazônia. Via satélite! Tanto faz. Se não é para a população participar e ser beneficiada, como esse projeto pode ser considerado essencial para os amazônidas já que todos nós, brasileiros, vamos pagar essa conta? Estratégico para que ou para quem? Em seguida temos, na fala do Coronel, a resposta do que é a população para os que conceberam o projeto SIVAM. Então hoje a Amazônia 60% do território nacional, não tem estrada, não tem população. A pouca população que tem é concentrada em alguns poucos grandes centros e é uma população que, na sua maioria, não está preocupada com a 103 preservação. Por que? Qual é a história da população da Amazônia? Quem é que foi para a Amazônia? Mortos de fome, nordestinos, sobreviventes. Estavam preocupados em sobreviver e não com o meio-ambiente. E quem está pensando se vai viver ou vai morrer não tem a menor preocupação com o meio ambiente. As outras pessoas que não foram os nordestinos, mortos de fome que foram para a Amazônia eram os índios que estavam lá que não somam nem subtraem, que ainda estão na idade da pedra lascada. Então eles não são considerados nem pró e nem contra, estão lá mais ou menos como os animais ou as árvores, eles não tem um processo, vamos dizer, de reconstrução ou de destruição, colocando a parte um pouco o índio não aculturado. Quando eu falo população não incluo o índio, a não ser o índio aculturado. Então, você tem aí os sobreviventes nordestinos e o outro é aquele oportunista ganancioso que foi lá para arrancar o que tinha porque para esses lugares inóspitos quem vai tem esse espírito, matar ou morrer. Vai para pegar o máximo que ele pode no menor tempo possível e ir embora. Então, você há de convir comigo que a grande maioria da população brasileira, brasileira que eu digo são os descendentes de europeus que foi colonizar a Amazônia eram predadores ou são predadores na sua maioria. É difícil acreditar o nível de preconceitos evidentes nessa declaração. Por exemplo, os índios, considerados “animais, árvores ou que ainda estão na idade da pedra lascada”, dificilmente poderiam obter um tratamento minimamente humano de pessoas que tomam decisões em relação a seus destinos. E, como todos os preconceitos, eles evidenciam arrogância e ignorância. Salientamos, aqui, que os entrevistados civis jamais expressaram conceitos similares, como pode ser comprovado por nossos anexos. 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desses quatro capítulos, procuramos apresentar os dados que foram coletados, as reflexões que foram desencadeadas, as observações que foram emergindo durante nossa pesquisa. Nesse sentido, o SIVAM é um projeto intensificador da dependência tecnológica no país, com reflexos no não investimento em C&T e P&D. E, igualmente é um projeto militar de defesa em pleno regime civil. Para isso, nossas entrevistas se revelaram riquíssimas. A pesquisa levou-nos a refletir sobre a questão fronteiriça, dentro da perspectiva dos radares do SIVAM, instalados próximos a macrofronteira compartilhada, monitorando os territórios vizinhos e fornecendo informações da Amazônia no seu conjunto. A penetração em territórios vizinhos evidencia tendências sub-hegemônicas e pode vir a ser fonte de reclamações e problemas futuros. Ao pensarmos a Amazônia em seu conjunto, teríamos as dimensões de um país com sete milhões de quilômetros quadrados, rico, de proporções continentais e quase bi-oceânico. Sendo, essa a região que tem o melhor caminho para ligar o Brasil ao Pacífico. O projeto SIVAM não foi discutido, pelo Brasil, com os outros países membros do TCA, e sendo, financiado pelos norte-americanos e, construído 105 com a compra da tecnologia de uma empresa diretamente vinculada ao Pentágono, mostra um comportamento contraditório ao se pensar na defesa nacional da região amazônica. Dessa forma essa contradição, de militares que se declaram nacionalistas em termos de soberania nacional, mas que com práticas como o SIVAM não coincide com essa postura, nos apresenta um campo onde outros interesses estejam em jogo, a saber: uma potência “sub-hegemônica” na América do Sul. O projeto SIVAM suscitou as questões acima de forma nítida. Foi construído em detrimento dos cientistas brasileiros, com um simultâneo incremento da dependência tecnológica do Brasil frente aos Estados Unidos. Esse poderia ser o custo pago para ser aceito pelos EUA, como a potência hegemônica da América do Sul. Essa questão necessitaria de um maior aprofundamento em outra pesquisa. Ao mesmo tempo, o período do Presidente Lula poderia mudar toda esta situação. O tempo e mais pesquisa o dirão. 106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A PROPOSTA Técnica do SIVAM. Revista Fator GIS, n. 12, p. 11-16, 1996. ADLER, E. The power of ideology: the quest for technological autonomy in Argentina and Brazil. 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Não porque haja países que queiram invadir o Brasil, mas porque existe o narcotráfico que sempre pretende passar pelo território brasileiro através dessas fronteiras. Então, o SIVAM foi elaborado no sentido de ter uma atuação mais fiscalizadora sobre o conjunto da Amazônia e, além disso, pretensamente defender o país em relação à passagem de traficantes de drogas. A primeira parte, de fiscalização do conjunto espacial da Amazônia, é legítima. A Amazônia é tão grande que equivale ela sozinha, a alguns dos maiores países do mundo e precisaria ter um sistema de gerenciamento aéreo já que predominam florestas densas, biodiversas com grandes espaços e ao mesmo tempo, através dos rios, dos grandes, dos riozinhos e até dos igarapés, existe a possibilidade de tráfico bastante variável. Só que, os que imaginaram esse projeto relacionado à Aeronáutica, perceberam que era importante para obter recursos, num momento de crise, fazer um projeto aparentemente muito polivalente. Quer dizer: fiscalizar o espaço aéreo, fiscalizar o narcotráfico, defender o meio ambiente etc. E aí eles erraram muito porque existem fatos em áreas muito grandes, mas os fatos pontuais não podem ser controlados pelo sistema SIVAM. E os líderes da Aeronáutica insistiram que o projeto tinha valor para todas essas formas de fiscalização. Alguns de nós tentamos dissuadi-los, tentamos mostrar que o projeto era importante do ponto de vista do espaço aéreo da proteção geral da Amazônia, mas ele não devia lançar complementos para os quais ele não tem condição alguma de atuar. Eu compareci a uma reunião de discussão do SIVAM em São José dos Campos e com a maior lealdade e com o maior cuidado mostrei que não se trata de um projeto para ser trabalhado sob o prisma do sim ou do não. O problema é saber o que ele pode fazer e o que ele não pode fazer. E, ao mesmo tempo ser muito claro nisso porque no fundo se trataria mais de obter recursos para a própria Aeronáutica, para compra de aparelhos, de instrumentos especiais etc, etc. Mas, tem um outro problema cujo impacto não foi pensado. É que os que pressionaram os militares brasileiros da Aeronáutica a adotar o projeto, a conseguirem recurso para o projeto, pertencem a organizações empresariais americanas. E o período atual das relações entre Brasil e EUA é muito assimétrico. EUA estavam e continuam numa posição de controle dos espaços disponíveis no mundo para seu mercado financeiro e, no caso particular da Amazônia, tem um olhar diferente. Se interessam pela Amazônia quer por causa de seus recursos hídricos, quer por causa dos seus recursos em biodiversidade. E, além disso, vivem sempre fazendo críticas ao governo brasileiro pela sua incapacidade de pensar a Amazônia. Toda vez que acontece qualquer coisa na Amazônia de mais grave, por exemplo, os grandes incêndios da região da Roraima, algum militar nos EUA imediatamente diz: isto prova que os brasileiros não têm condições de realizar a Amazônia. E mais do que isto, eles fizeram uma campanha didática dividindo o Brasil entre Brasil e Amazônia a serviço de seu 144 NOTA. A entrevista ao Prof. Dr. Aziz Ab’Saber foi gravada por mim na Faculdade de Ciências e Letras do Campus de Araraquara - UNESP, no dia 05/08/2002 as 18:00 horas. Posteriormente fizemos a transcrição literal da entrevista mudando apenas, e muito excepcionalmente, repetições. Por razões de tempo esta e as outras transcrições não foram encaminhadas aos entrevistados. Mas caso alguém desejar consultar diretamente as entrevistas podem entrar em contato conosco já que temos guardadas as fitas em que foram gravadas. Por sugestão de meu orientador depois da defesa de minha Dissertação essas fitas serão entregues a Biblioteca da UNESP, Campus de Araraquara; ficando assim liberadas para consulta. E-mail para contato: [email protected] 116 ideário de conquista espacial futura. E passaram a falar nas escolas para os pobres dos alunos que entendem muito mal do mundo; o americano é talvez o aluno de curso secundário que menos tem capacidade de se impregnar de conhecimento mundial. Eles passaram a falar sobre Brasil e Amazônia porque já é uma prévia da vontade deles de abocanhar nosso território. E isso eu estou dizendo com a maior sinceridade porque tenho o maior respeito pelos cientistas americanos, pelos laboratórios americanos, pela capacidade de trabalho deles, mas não tenho nenhum respeito pelo seu imperialismo. E o imperialismo exposto não é incógnito. Bom, em função disso tudo, na reunião de São José dos Campos, eu tomei a palavra e expliquei que a discussão do SIVAM não era uma coisa simples que era uma coisa complexa que envolvia escala, que envolvia uma seleção daquilo que o projeto pode fazer e daquilo que ele NÃO pode fazer. E nos últimos meses ficou provado que eu tinha toda razão, sem que ninguém vá me dar à razão. Isso é típico do governo brasileiro. Porque já perceberam que não é como tinha sido imposto a eles pela companhia principal, que estava a testa do projeto de gerenciamento espacial aéreo. E eu e outros colegas chamamos também a atenção dos representantes do governo brasileiro para o fato de que bases de radar colocados na fronteira tinham uma possibilidade de gerenciar o território brasileiro e, da outra banda, o território dos países vizinhos. E isso a gente sabia desde há muito tempo porque grande implantação, por exemplo, de radares existentes no aeroporto Ezeiza na Argentina, praticamente fica próximo da fronteira com o Uruguai. Então não é só a Argentina que é gerenciada, é o espaço aéreo do Uruguai também. E evidentemente nunca esse gerenciamento pode ser, pode descer até o nível de verificar o problema da passagem de grandes recursos, de Buenos Aires para Montevidéu, em matéria de dólares etc. Não é missão deste tipo de implantação tecnológica gerencial. A mesma coisa a gente podia prever para as fronteiras do Brasil com as Guianas, do Brasil com a Venezuela, do Brasil com a Colômbia, do Brasil com o Peru e do Brasil com a Bolívia. O Enrique Amayo foi um dos que atentou bem para esse fato; como ele é peruano, mora no Brasil e é uma pessoa inteligente, muito cedo percebeu que as instalações fronteiriças tinham uma dupla finalidade. E curiosamente, os líderes do projeto SIVAM do lado do governo brasileiro não quiseram entender essa dificuldade. E ele podia ser um projeto mais bem elaborado, com menor número de implantações dentro do espaço total amazônico, mas evitando as fronteiras no sentido de que isso precisava ser uma colaboração mais bem pensada, mais bem trabalhada entre os governos dos países vizinhos. E nós viemos, a saber, depois que, pelas nossas observações a respeito dessa condição especial do SIVAM na fronteira, que alguns grupos de espionagem, ou de SNIs da vida, identificaram alguns de nós para poder nos identificar. E aí procuraram algumas pessoas que tinham falado contra o SIVAM. E isso é o que eu conheço até aqui. No entanto eu não acho de maneira nenhuma ruim que a Aeronáutica queira ter mais instrumentação, mais aviões, mais rapidez no controle do espaço aéreo. Eu disse isso de público em São José dos Campos. O General que estava presente veio me cumprimentar. Mas ao terminar a seção, que era uma seção da SBPC para discutir o SIVAM (que, aliás, não soube discutir de jeito nenhum), eu estava lá paralelamente, isoladamente e pessoalmente fiz a principal discussão. E aí fui cumprimentar o oficial que apresentou o SIVAM e fiquei parado por uns quinze minutos na frente dele; ele ficou conversando com um empresário e não me deu a mão. Estava nesse pé para quem criticasse o SIVAM, mesmo dentro de seu país. Eu fiquei extremamente triste e nunca vou me esquecer desse fato. No entanto o General que estava presente, e é bem conhecido lá em São José dos Campos, chegou para mim e apresentou seu cartãozinho, não ficou triste com as observações que eu fiz. Agora, quem melhor conhece o SIVAM é o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, lá de Campinas. Foi ele quem escreveu o primeiro artigo. Um artigo que é um monumento de tranqüilidade e de racionalidade e de crítica séria e justa. E depois disso ele fez outras observações e o jornal para o qual ele tem uma relação muito direta, que é a Folha de São Paulo, nos últimos dois meses colocou mais coisas sobre o SIVAM. Curiosamente, alguns jornais fizeram as críticas dentro da trajetória de observações de Rogério Cezar de 117 Cerqueira Leite. E outros tentaram minimizar essas críticas; parece que o Estado ficou noutra posição. Então, seria bom você consultar esses últimos artigos que saíram na Folha e por último eu quero dizer a você que nós estamos fazendo um dossiê amazônico no Instituto de Estudos Avançados da USP. Já ficou pronto o dossiê número um, que vai sair na Revista do IEA número 45, e para o número 46 eu estou fazendo todo o esforço de pedir uma a colaboração do Dr. Rogério Cezar de Cerqueira Leite para que ele, com toda a autoridade que tem desde o início da discussão, possa ter um artigo entre outros... Sairá na revista 46. Certo? Telefonei a ele, expliquei. Enfim tem que haver liberdade de avaliação e de crítica nesse país. Mas alguns, e nem sempre são os governantes, são pessoas do segundo ou terceiro escalão que gostariam de impor as coisas. Então é muito berrante essa questão do controle espacial de áreas vizinhas. Eu chamei atenção lá em São José dos Campos para um fato de que não existe nem controle nem direcionamento, nem atenção para navegação aérea de segunda e terceira escala. Porque um dia eu precisei ir de Rio Branco até Assis Brasil e o aviador, num avião pequeno, médio, esperou a gente subir; subimos várias pessoas. O então prefeito de Diadema, um líder de um partido democrático e eu. Na hora de partir o aviador disse assim para um colega que estava em baixo: “Venha comigo que eu vou até ali na fronteira em Assis Brasil e volto; assim a gente vai conversando”. E assim se fez; entrou uma quinta pessoa e eles foram conversando, conversando. E de repente o aviador vira assim para nós e diz: “Passei!!!!!!! Eu marquei trinta e cinco minutos, mas provavelmente o vento estava mais forte, eu não sei onde estou”. E não tinha rádio suficiente para falar com os aeroportos de fronteiras que eram muito ruins, muito pouco equipados. E não tinha também cartas topográficas e mesmo que tivesse não adiantava porque era um tabuleiro; só um mato denso por todos os lados sem nenhuma referência. Aí eu fiquei alerta. De repente eu avistei uma cidade com aeroporto bastante organizado. Era uma cidade do Peru na fronteira; eu falei para eles: “Estamos no Peru, porque aqui do lado brasileiro todos os aeroportos são de terra batida. E é uma base aérea peruana, é perigoso. Faz favor de voltar”. E aí ele fez a volta, mas também estava perdido. E continuei olhando para o chão a procura de algum pequeno aeroporto de terra batida de alguma fazenda, fazenda de selva. E vi alguns aeroportos pequenos, mas já fiquei menos preocupado, e de repente eu vi um avião baixinho andando em cima da floresta, nos procurando provavelmente; aí eu avisei o aviador. E ele, com rádio que não tinha força para grande raio de ação, mas teve força para avisar o colega e o colega subiu e nos conduziu até Brasiléia. Nós íamos para Assis Brasil, mas fomos para Brasiléia com auxílio desse avião que estava nos procurando porque lá, em Assis Brasil, eles pensavam, nossos colegas que chegaram depois, pensavam que nosso avião tinha caído. Então eu justifiquei assim a necessidade de ter mais cartas topográficas, mais rádios, mais instalações importantes para a navegação aérea num espaço de quatro milhões de quilômetros quadrados. A Amazônia não é a Amazônia localmente [estado do Amazonas] é o todo, a Amazônia Brasileira. Agora a Amazônia sul-americana tem mais, quase o dobro, são sete milhões de quilômetros quadrados. E a nossa tem quatro milhões. Então o SIVAM se justifica desde que se tenha esses cuidados e desde que não seja um meio pelo qual os brasileiros possam estar fazendo o gerenciamento e os americanos, a custa da companhia que instalou no Brasil, não fique usando para conhecimento do espaço total da Amazônia sul-americana. Só isso que eu posso te dizer. Isabel: Mais duas perguntinhas. E o TCA, não foi consultado? Aziz: Não posso te informar. Eu não tenho condições de informar. Todas essas observações eu fiz em função da leitura do primeiro trabalho do Rogério Cezar, de avaliar o que ele falou. E de ficar de acordo com algumas coisas e desacordo com outras. O certo é que a Aeronáutica precisa cuidar melhor da Amazônia. Mas não nesse nível de espionagem de fronteiras. Isabel: E o Brasil teria condições de fazer o SIVAM? Aziz: Nós não teríamos naquele e nem nesse momento, mas não é tão difícil assim. O problema de comprar equipamentos e fazer por conta própria um sistema de vigilância desse tipo é uma questão só de reconhecimento e de capacidade de um programa 118 progressivo de infrentações. Não é totalmente impossível não. Mas o Brasil aceitou a imposição daquele que teve a idéia. E aquele que teve a idéia tinha outras intenções dentro do seu ponto. A meu ver. E continua tendo. ENTREVISTA AO PROFESSOR CLOVIS BRIGAGÃO 145 Isabel: Eu queria saber a concepção de SIVAM para o Senhor Clóvis Brigagão: Bom, eu já tenho um livro, está no meu livro e eu fui claro; acho que você conhece o livro. Isabel: Inteligência e Marketing? Clóvis Brigagão: Inteligência e Marketing. Está ali, eu não tenho muito o que acrescentar. Mas só para te dar uma síntese, o SIVAM é um instrumento para tratar de duas questões fundamentais acho, para a Amazônia, no sentido macro. Então é um instrumento muito eficaz de vigilância, tanto no combate ao narcotráfico, aos ilícitos que os militares chamam, a viação clandestina, quanto também, dentro dessa área de vigilância que é mais natureza militar, também de vigilância de aviação civil porque o Amazonas não era coberto (supomos que isso aqui era no Brasil). Tinha os SINDACTAs e a Amazônia estava totalmente descoberta. A outra questão é que é um instrumento, um veículo de monitoramento ambiental, ecológico de zoneamento, certo? Tanto um quanto o outro confere um grau, vamos dizer assim, de eficiência, eficácia maior do que no campo da vigilância caso tivéssemos 10 calha nortes e no campo do monitoramento econômico ambiental caso tivéssemos danos, como tivemos nossa natureza.... Então essa é a importância do SIVAM. Mas o SIVAM, para finalizar ....não será muito eficiente, não terá resultados, vamos dizer, melhores para a Amazônia, do ponto de vista de vigilância e monitoramento, se não for acompanhado pelo sistema de proteção da Amazônia. Quer dizer, um sistema de proteção... (que trata de políticas públicas governamentais no plano Federal, Estadual e Local) é que vai dar sustentabilidade a médio e a longo prazo para que o SIVAM seja um instrumento tecnologicamente avançado e exercer o seu pleno desempenho. Isabel: Pensando nessas políticas públicas, então a gente não teria como combater a biopirataria?. Clóvis Brigagão: Sem o arranjo entre o instrumento tecnológico de vigilância que o SIVAM vai ter, com as políticas públicas do SIPAM que é o grande problema do Brasil. Quer dizer as políticas públicas do Brasil têm um tempo de maturidade, sem falar na questão da corrupção, sem falar na ineficiência, sem falar que o governo anda com as pernas bambas, sem falar nos recursos... quer dizer então nós esperamos que o SIPAM possa ser um enchimento para que o SIVAM seja um instrumento eficaz. Além disso, SIVAM e SIPAM devem também funcionar em ambiente sincronizado com o Tratado de Cooperação da Amazônia. Isabel: Aproveitando aí o gancho do TCA, como os demais membros do TCA vêem esse projeto? Porque não houve uma conversa prévia?, houve uma discussão? Clóvis Brigagão: Agora já está havendo. SIVAM, criado e praticamente instalado, 90%, 85% instalado, no dia que foi inaugurado o SIVAM, o Brasil já ofereceu os préstimos, os serviços do SIVAM para a Colômbia, adiantando uma certa colaboração com o governo colombiano no combate ao narcotráfico e etc né? Guerrilha, narcotráfico, como você quiser 145 NOTA. A entrevista ao Prof. Clóvis Brigagão foi gravada por mim no Centro de Estudos da América no dia 10/10/2002 as 16:00 horas, na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente fizemos a transcrição literal da entrevista mudando apenas, e muito excepcionalmente, repetições. Por razões de tempo esta e as outras transcrições não foram encaminhadas aos entrevistados. Mas caso alguém desejar consultar diretamente as entrevistas podem entrar em contato com nós já que temos guardadas as fitas em que foram gravadas. Por sugestão de meu orientador depois da defesa de minha dissertação essas fitas serão entregues a Biblioteca da UNESP, Campus de Araraquara; ficarão assim liberadas para consulta. E-mail para contato: [email protected] 119 e também vai oferecer serviços, prestação de serviço inicialmente pagos por aqueles membros do TCA que desejam ter o SIVAM como seu... como monitoramento e vigilância. Então ele vai estender. Penso que seria muito útil, muito aproveitável se o SIVAM fosse parte também do TCA. Isabel: Mas isso é agora, no momento da implantação? Por exemplo, 90, 95, 96 não houve nenhuma conversa? Clóvis Brigagão: Não. O TCA é o instrumento multilateral né? Ele é para um governo no Brasil e outros governos que pertence a Amazônia né? Os 8 países, Guiana, Venezuela... O SIVAM é uma política brasileira até a hora de estar havendo um desenvolvimento das ações, mas ainda não tem nada viável assim. Isabel: Aproveitando que o Senhor já falou também da macro-fronteira amazônica, compartilhada por esses 8 países e uma Colônia ultramarina, a Guiana Francesa. Porque são 8 países independentes e uma Colônia, quer dizer essa possessão ultramarina seria da Europa. Clóvis Brigagão: É, mas a Colônia não faz parte do TCA. Isabel: Mas faz fronteira com a gente. Clóvis Brigagão: Faz fronteira, mas não faz parte...tem um Estatuto jurídico que não é um Estado independente e soberano. É um estatuto de Colônia. Então infelizmente... Isabel: Qual o alcance desses radares nesses territórios, porque pelos mapas que saem pela internet, pelos jornais, a gente vê eles próximos a esses países? Clóvis Brigagão: Olha, eu não sei assim te dizer exatamente qual é a extensão que os radares iam pegar, mas eles podem atravessar as fronteiras nesses países todos, porque a Amazônia é muito grande. Esses radares são móveis, são aerotransportáveis, além disso têm os satélites, além disso têm as bases territoriais que transmitem para essas estações. Então esse complexo de radares, sistema de radares, sistema de captação, os aerotransportáveis, mas até... é capaz de dar uma cobertura talvez não menos que 70% de toda a Amazônia. Então compreendendo o TCA. Imagina. Mas eu não tenho... quero repetir, não tenho a noção exata de qual é a extensão que cobre o SIVAM. Isabel: Como minha pesquisa é muito centrada em 95 e 96 (foi um recorte que eu fiz) porque eu comecei a estudar em 96. Na verdade, seria de 90 a 96 que seria toda a gestação desse projeto? Houve uma discussão muito grande se teríamos ou não condições de estar desenvolvendo esse projeto no âmbito nacional... Clóvis Brigagão: Se tínhamos condições? O Brasil tem condições para fazer tudo que quiser, desde que faça, certo? Então vamos supor assim: o Brasil quer fazer um submarino atômico. Nós estamos há 20 anos, mais ou menos, desenvolvendo (...), pesquisa na USP, pesquisa com a marinha, e até hoje não fizemos. O Brasil também poderia ter feito a bomba atômica e não fizemos e, depois com a Constituição, com um ato soberano do Brasil, dizendo que não queríamos fazer. O Brasil tem condições. Só não tem condições de fazer qualquer coisa. Agora, ter condições não significa que nenhum país do mundo, mesmo os Estados Unidos, tenha condições absolutas de fazer tudo aquilo que quer. Ele tem que juntar peças e por isso há convênios, acordos para que você divida nesse âmbito de tecnologia mais avançada, mais sofisticadas. Algumas áreas do SIVAM, o Brasil teria condições, como teve; a EMBRAER entrou, outras companhias brasileiras também entraram na composição do hardware. Agora como empresário, o Brasil não tem esse acesso. Poderia vir a ter, desde que nós alocássemos, em vez de um ponto... do orçamento de ciência e tecnologia, nós deveríamos alocar no mínimo 3, 4. Nós tínhamos um país tipo Japão ou Coréia do Sul ou Índia talvez para que nós pudéssemos, através de uma grande mobilização científica, tecnológica, que compreenderia a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, todos os cientistas, engenheiros, o INPE, que são os grandes, e aí sem dúvida. Mas não significa que é vantagem absoluta o Brasil ter tudo. É preciso barganhar também. A aquisição de tecnologia como o Brasil está fazendo através da Raytheon pode ser vantajosa porque há uma transferência, não vai haver uma transferência de caixa preta (eu vou entregar essa daqui, a gente vai abrir (...) o que os americanos... e vamos fazer melhor e menor), mas sem dúvida nenhuma o Brasil vai adquirir um grau de aquisição tecnológica, científica que vai garantir um futuro melhor para as ciências e 120 tecnologias brasileiras; através dessa forma mista que o Brasil fez o SIVAM. Eu acho que o Brasil fez acertado. As condições de pagamento são favoráveis, a longo prazo, o EXIMBANK deu uma taxa muito vantajosa para o Brasil – 15 anos, 20 anos, 18 anos, não me lembro agora – e nós trouxemos a Raytheon. No início disseram: é, mas a Raytheon vai chegar aqui e vai dominar o mercado tudo. A Raytheon está saindo; só fez o SIVAM e não fez mais nada. Então eu acho que é vantajoso. Não sei se essa competência nacional para tudo, no mundo tal como nós vivemos hoje, é um índice de independência, soberania ou o que quer que seja. Eu acho que é a troca. Acho que é bom que, em termos ideais, um país possa ter o controle sobre ciência, tecnologia, saúde sobre tudo, mas o mundo não é assim. A China mesmo, nós não estamos fazendo um satélite com a China? Quer dizer, trocando. O Brasil dá um tanto, a China dá outro tanto. Ah, com a União Européia, muitas áreas nós compartilhamos. No caso dos Estados Unidos, houve aí também o fator político. O Brasil, antes do SIVAM, fez todo um caminho com a França, Thompson, não sei o que, os SINDACTAs, isso e aquilo, os aviões. O Brasil tinha um deferencial com os Estados Unidos. Os Estados Unidos viviam dizendo que o Brasil não cumpria isso, não fazia aquilo; foi uma maneira de dizer a eles: ó, tá aqui ó, o bom prato para a gente intercambiar é o SIVAM, vocês não tem aí a Raytheon? Então vem aqui, ajuda a gente a fazer isso. Os Estados Unidos vivia dizendo que o Brasil não tomava conta da floresta, que nós estávamos queimando a floresta, dispersando, que eles um dia iriam ocupar a floresta. Foi uma maneira de dizer, olha aqui ó, nós queremos controlar, monitorar, vigiar a floresta, então nos ajude. Traga a tecnologia. Foi uma marca política. Isabel: Mesmo com essas denúncias de que a Raytheon teria todas as informações? Clóvis Brigagão: Bom, as denúncias que eu fiz no meu livro são as mais contundentes. Acho que ninguém fez tantas denúncias quanto eu fiz no processo de licitação. Acho que foi muito mais a nossa falta de, vamos dizer assim, clareza na licitação (aí entra aquela ESCA de São Paulo, aquela coisa de Engenharia, junto com os militares) que trouxe esse tipo de confusão. A Raytheon entrou (...) 16 companhias ou (..). Claro, se você vai dizer que já houve corrupção aí... Eu inclusive denuncio tive até acesso a documentos que hoje está lá no livro. Eu não estou defendendo a Raytheon, não tenho nada a ver com a Raytheon, não sou pago pela Raytheon, pelo contrário; mas eu acho que ela vem com tudo. Agora, pressão, lobby, o Presidente Clinton mandou um secretário de comércio aqui fazer lobby, mas também o governo da França fez; isso é parte do jogo de licitação internacional. O melhor seria que não houvesse esse tipo de pressão, que houvesse uma transparência total, absoluta... mas sabe como é que é o jogo de poder internacional. Isabel: O impacto do SIVAM na região? Como seria? Clóvis Brigagão: Eu acho que vai ser um impacto positivo, mas esse positivo tem que ser qualificado. Ele é positivo porque ele traz um aparato tecnológico de última geração (...) você pode discutir esse aparato...., poderia ter sido diferente... na época se fez, inclusive viagens a Rússia, a Suécia, para saber se esse tipo de tecnologia era mais ou menos apropriada; enfim, toda essa discussão. Mas o impacto positivo que eu estou dizendo precisa ser qualificado. É o início da conversa. Não adiantará muita coisa. Se termos um grande aparato sofisticado de monitoramento e vigilância, se não tivermos a base melhorada. Essa base melhorada vai depender do SIPAM, de políticas públicas dos municípios, ajudados claro pelo Governo Federal, pelo PG 7, o plano das florestas do Grupo dos 7, pelos governos regionais, pela ação consertada do TCA. Quer dizer, isso é que vai fazer com que... o impacto do SIVAM não seja puramente tecnológico, mas seja tecnológico, ambiental, econômico e social. Agora... essa avaliação, infelizmente não pode ser feita agora. Ela só vai poder ser feita daqui há 2 anos para dar o mínimo de tempo para saber se isso está sendo... Porque não se sabe, por exemplo, se as próprias ferramentas do SIVAM, do ponto de vista físico (vamos supor que essa é uma ferramenta do SIVAM: vai botar lá no meio da floresta, lá no mato, se daqui há 2 anos não vai estar tudo enferrujado). Se vai ter que trocar, quem é que vai trocar? Como é que vai ser essa troca? Então tudo isso precisa ter um tempo mínimo, eu diria 2, 3 anos, para a gente saber além de coisas e questões... Quer dizer: lá no dia da inauguração se falou, se detectou no radar 13 pontos de aeroportos clandestinos, já é um grande feito. Agora mesmo eu tive a informação que já 121 tinha detectado não sei mais quantos campos de pouso clandestinos de narcotráfico. Muito positivo. Agora nós só vamos ficar nos campos de pouso clandestinos de narcotráfico, ou vamos fazer uma coisa maior, dentro de uma abrangência maior, detectar coisas de queimadas, o zoneamento que é fundamental para a Amazônia, para sua sustentabilidade? Quer dizer é um complexo, extremamente complexo, tecnológico, científico, de políticas públicas em todos as áreas. Talvez você que vai fazer essa tese, vai escrever essa tese (já há algumas teses que eu tenho aí (...), inclusive até nos Estados Unidos – já estiveram 2 ou 3 aqui – e um outro aí que é de Belo Horizonte), é preciso colocar ( ademais de toda a questão teórica, questão enfim de políticas e tal), que é um sistema que nunca foi feito na Terra. Antes do SIVAM não há nada comparável a ele. Você não pode ter um termo de comparação. Então esse é que vai servir de base para outros, como termo de comparação. Então é preciso analisá-lo com uma vista muito complexa. Se você for analisar assim (...), não. Se você for analisar ele assim, de uma maneira muito abrangente, demais, também não dá em nada. Então é preciso ver exatamente que essa relação SIVAM – SIPAM, TCA, porque (...) a complexidade da Amazônia, como o último ecosistema aí da biodiversidade do planeta, qual é o domínio do Brasil nisso, o que significou esse intercâmbio, como você chamou a atenção, aí de tecnologia (...) americana, qual é o lastro que o SIVAM vai deixar no campo e como é que isso vai poder ser atuado pelo processo de absorção tecnológica do Brasil, em termos de recursos humanos, se isto está formando uma nova geração de engenheiros, de técnicos, de até cientistas? É muita coisa. É muito complexo e por isso é muito interessante. Isabel: Eu acho que pelo que a gente conversou aqui, o professor acabou respondendo as minhas questões. Clóvis Brigagão: Eu acho que é um pouco isso. A parte interna assim, nem eu conheço. O meu interesse no SIVAM é nesse sentido geoestratégico. Acho que o SIVAM do ponto de vista geoestratégico, de monitoramento e vigilância é um produto, é um serviço, é um instrumento de grande valia para a Amazônia. Nada é melhor do que isto. Se isto vai ser eficiente, vai ser eficaz, vai trazer um impacto positivo na estruturação de uma Amazônia mais sustentável, vamos ver. É o preço que nós estamos pagando. Isabel: Essas opções tecnológicas a gente não tem certeza de que elas foram as mais adequadas, visto não ter nenhum projeto semelhante no planeta? Clóvis Brigagão: Houve contestação, inclusive da própria Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência, inclusive tem num livro algumas discrepâncias, algumas críticas muito boas, mas também algumas discrepâncias feitas pela Sociedade Brasileira parece um pouco de bravata: não! nós podemos fazer!!!!. Acho que... nós podemos fazer, vírgula. Nós não temos condições de fazer. Se é um projeto nacional de envergadura da ciência e tecnologia, eu acho que até poderíamos fazer, mas a um custo altíssimo de compra, de aquisição, de inovação, de internalização. Certo? O Brasil sempre fez esse movimento em toda a área. Eu que já estudei a indústria militar brasileira, um dos estudos que eu fiz também, o Brasil sempre teve esse movimento de fazer uma indução nacional, fazer uma absorção do exterior, sempre teve esse movimento. Diferente por exemplo do caso da Argentina, do programa nuclear argentino, ele operou, começou de lá, comprou gente, trouxe gente, montou não sei o quê, fez um processo endógeno e nós fizemos um processo endógeno e exógeno e mais ou menos deu o mesmo resultado, Não sei qual seria mais caro, qual seria mais proveitoso; seria muito interessante fazer uma análise. Mas aí no caso SIVAM você não tem como comparar. Claro que existia até na época aquele senador relator... Gilberto tarará Miranda; ele andou pelo mundo aí, pago pelo nosso dinheiro para dizer: não, porque a Rússia tinha um avião, que a Suécia tinha não sei o que. Que que deu? Não deu em nada. Eu não sei se ele fazia isso para mostrar um nacionalista ou se fazia isso para ver como pagá-lo mais, para cobrar mais alto. Isabel: O Gilberto Câmara do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais comenta, ele tem um artigo sobre o SIVAM, dizendo que a parte de zoneamento ambiental o INPE teria condições de fazer. Clóvis Brigagão: O INPE sempre fez. É uma grande instituição, eu conheço também, já fui lá, já conversei na época em que eu estava fazendo essas análises. Nem era tanto sobre o 122 SIVAM. Era mais sobre o monitoramento da Amazônia... sempre fez... eu tenho dados aqui que mostram que o INPE nessa coisa de desmatamento... mas com que tecnologia nós (...). O INPE também trabalha com satélites internacionais. Então é isso: é preciso ter um pouco de humildade. Não podemos ser subservientes, de maneira nenhuma, não é isso que eu estou dizendo; mas é preciso um pouco mais de humildade. Acho que, por exemplo, a EMBRAPA ela é capaz de fazer muita coisa; mas ela também tem um nível de cooperação internacional muito grande. E é nesse jogo, nessa sabedoria de aproveitar a competitividade, que o Brasil pode desenvolver para trazer para cá. Porque hoje no mundo começar a fazer um projeto absolutamente de inovação tecnológica é raríssimo. Não sei qual é o país que teria condições de poder fazer isso. Uma coisa é o trabalho do INPE no sentido do desmatamento através de um sistema de rastreamento de satélite e tal. Outra coisa é esse sistema todo, porque o sistema SiVAM é um sistema complexo e integrado. O INPE participa do SIVAM e tem que participar. Isabel: Está certo então, professor. ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr DOMÍCIO PROENÇA JÚNIOR146 Isabel: Qual é a sua concepção de SIVAM? Domício Proença Júnior: Uma pergunta mais específica do que isso. Eu não vou fazer um texto. Isabel: Então, eu coloquei aberta exatamente para que cada um pegasse um ponto, Domício: Você vai ouvir a mesma coisa que todo mundo. Que o SIVAM é a Componente de Vigilância de um sistema mais amplo chamado Sistema de Proteção da Amazônia que dá materialidade e tenta expandir várias preocupações tradicionais das Forças Armadas com relação à Fronteira Norte. Este programa está associado a um processo de acompanhamento ambiental, ao qual se subsidem questões de segurança, tanto no sentido de Defesa Nacional, quanto de segurança interna. É isso? Você lê isso em qualquer outro lugar. Pergunta melhor... Isabel: Então, eu queria estar vendo o SIVAM dentro dessa concepção dele, dessa.... Domício: O que você leu sobre concepção de SIVAM? Quem é sua fonte? Seu entendimento Isabeliano... Qual o seu sobrenome? Isabel: É Rossi. Domício: Rossi, Rossiano de SIVAM é de quem? Onde você leu: SIVAM é... Isabel: Então, eu peguei uns textos do Gilberto Câmara que ele foi o único que apontou para 90, 96, não agora em 2002 que o SIVAM não era um Sistema de Vigilância, mas sim um Sistema de Defesa naquela época. O que se colocava sempre? Que o SIVAM era um Sistema de Vigilância Ambiental, certo? De 90 a 96, 96 especificamente. 146 NOTA. A entrevista ao Prof. Dr. Domício Proença Júnior foi gravada por mim em sua residência no dia 09/10/2002 as 19:00 horas, na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente fizemos a transcrição literal da entrevista mudando apenas, e muito excepcionalmente, repetições. Por razões de tempo esta e as outras transcrições não foram encaminhadas aos entrevistados. Mas caso alguém desejar consultar diretamente as entrevistas podem entrar em contato conosco já que temos guardadas as fitas em que foram gravadas. Por sugestão de meu orientador depois da defesa de minha Dissertação essas fitas serão entregues a Biblioteca da UNESP, Campus de Araraquara; ficarão assim liberadas para consulta. E-mail para contato: [email protected] 123 Domício: Você leu o Plano Plurianual? Isabel: Eu comecei a ler. Domício: Tem que ler. Você está com cartas marcadas. Isabel: Então, aí outras pessoas: Aziz Ab’Saber, Dagnino, até mesmo o Brigagão, Inteligência e Marketing. Eles vão apontando em outros sentidos. E a minha concepção desde que eu fui para Manaus, para a Amazônia é de que é única e exclusivamente defesa e não tem como... Domício: Discordo frontalmente de você por que? Tenho três questões que eu acho que a gente pode utilizar para que eu aponte para você o seguinte: eu discordo da sua análise dos dados e não discordo da sua informação, discordo dessa sua análise dos dados. Toda a história da discussão da Aeronáutica no Brasil gira em torno do aproveitamento, de qualquer escala que possa aparecer. Então é por isso que nossos aeroportos são as nossas bases aéreas, por exemplo. Isso não quer dizer que cada aeroporto que foi construído no Brasil é uma base aérea que você deva tentar interpretar o significado de qualquer aeroporto colocado no Brasil como parte do esquema de defesa aéreo-espacial do país, quer dizer apenas que a Aeronáutica consciente de que esse é um país pobre acha que é uma solução para o Brasil que toda vez que alguma coisa é feita que envolva o ar, tenha que prever tanto o uso civil quanto o uso militar. O sistema integrado de Defesa Aéreo-espacial hoje em dia e o controle de tráfego aéreo é um excelente exemplo. Você não precisa ter o seu Sistema de controle de tráfego aéreo integrado ao sistema de Defesa Aérea. É só muito mais barato. Os mesmos radares, as mesmas pessoas, em teoria, articulam o mesmo sistema unificado. Isso quer dizer que o Sistema Militar domina o sistema civil? Não, quer dizer que você tem uma economia de escala, você ter os mesmos radares, os mesmos aeroportos que já são as bases aéreas mesmo, fazendo as duas tarefas.Há limites para (...) essas tarefas (...)? Claro que há. Isso é uma questão não tematizada. Por outro lado, qualquer discussão no campo de defesa deve ser pautada pela possibilidade do uso da força, especificamente como é um sistema basicamente de sensores, quais são os mecanismos que esses sensores ativam? Em termos de defesa o que importa é força contra força. Que força o SIVAM ativa? Resposta: Nenhuma. Então perceba que do ponto de vista de alguém que faz uma análise de estudos estratégicos, o SIVAM não é um sistema de defesa pelo simples fato de ele não ter meio algum para alocar. Ele pode saber (tudo o que a gente puder imaginar, dependendo de que papel você lê), ele pode detectar o que você quiser que ele detecta, mas ele não tem meio nenhum para dirigir contra o que seja percebido como sendo uma ameaça. Nesse sentido, quando o Brigadeiro Quírico faz sua apresentação no congresso em 96, enquanto o Plano Plurianual aloca (se a memória não me falha) o SIVAM, a Ciência e Tecnologia / Meio-Ambiente, do ponto de vista militar, ele está sendo honesto. Por que? Porque ele não pode fazer nada a respeito do que ele vai detectar. Então, do ponto de vista dele ele não tem a responsabilidade nenhuma de deter. Então tem um avião voando que cai na Cabeça do Cachorro no Amapá e não devia estar voando. O que nós vamos fazer a respeito? Nada. A gente registra, telefona para a Polícia Militar do Amapá e diz: olha, tem um avião voando ali para a direção de vocês viu? Onde? Aí você já não sabe mais porque você já saiu do radar e terceiro tem uma discussão real de que a política em defesa do Brasil precisa, tanto como ela existe no documento de 96, ela prioriza um espaço de cooperação da região amazônica, quer dizer, esse sistema, em meio a várias controvérsias, das quais o Brigagão sabe muito mais do que eu, mas a minha impressão dessa questão é que na razão direta que o Brasil compartilha o acesso aos resultados do SIVAM com seus vizinhos, isso transforma cada vez mais uma medida de confiança mútua em cada vez menos uma ferramenta de utilidade para defesa. Se ambos os lados têm a mesma formação você precisaria inventar um cenário que o Brasil, de repente, arbitrariamente, feche o acesso a essas situações que, por si só já seriam um gesto diplomático de distanciamento. Então fica meio complicado aceitar uma caracterização do SIVAM como principal ou, mais ainda, exclusivamente voltado para a defesa nacional. Isabel: Mas, pensando no Tratado de Cooperação Amazônica essa questão realmente é válida deles estarem passando, todo mundo estar compartilhando. Nós temos que pensar que a macro-fronteira ali é um negócio muito sério. São oito países. 124 Domício: Eu não vejo nenhum problema nessa direção. Temos políticos que acham que nós temos claramente um Brasil investindo uma quantidade substantiva dos nossos recursos de impostos na construção da infra-estrutura pela integração com países da região amazônica, particular com Venezuela, mas há outras iniciativas de igual corpus em pleno andamento. Isso é o primeiro. Segundo, político. Tática. A maioria dos sensores do SIVAM é inteiramente inútil para a condução das operações militares. Ah, os climatológicos, os biológicos, os de variação de pleonácia. O uso militar deles é, no mínimo marginal, no máximo nulo. Então me parece... Eu não acompanhei a última apresentação do (...) no Congresso, eu não pude estar lá, mas me parece que são 5100 sensores, se você tirar radar ficam 5100 sensores, porque na verdade os radares do SIVAM são os radares dos SINDACTAS, no caso seria o SINDACTA 4, SINDACTA 5, dependendo de como você queira numerá-los. Então fica complicado entender isso. Tem limites técnicos não discutidos (que havia um avião que a EMBRAER estaria fazendo), sob o qual havia muito pouca informação. Numa visita a EMBRAER eu não fiquei impressionado com os resultados que havíamos chegado, Há problemas de cobertura radastrófica, o que você quer controlar, afinal, uma coisa é você controlar o tráfego aéreo civil voando nas bandas de altitude de seus próprios vôos, uma outra bem diferente é você lidar com o vôo de aviões de contrabandistas ou traficantes e uma terceira ainda mais diferente é você ter o tipo de informação necessária para conduzir a interceptação aérea contra aviões desse tipo. São 3 coisas muito diferentes. Usa a mesma onda eletromagnética, mas as especificidades técnicas para cada um desses trabalhos é muito diferente. Então por exemplo, acho que nós só temos 1 radar 3D na Amazônia que é o que serve mesmo para interceptação, ele fica em Manaus com um alcance de 50 quilômetros, sobra uma certa quilometragem quadrada de área não coberta. Então eu acho que a discussão da tecnicalidade, da condição de possibilidade associada aos meios concretamente implantados ao SIVAM é uma discussão central para a sua tese. Inclusive você pode demonstrar que você está certa, que é defesa nacional mesmo. Só estou apontando que até aonde eu consigo enxergar a pergunta é: o que esses sensores informam? Muitos desses sensores estão com os fios pendurados, embrulhados em plásticos porque a outra parte do sistema que deveria estar lá, que é de responsabilidade de outra agência que não a Aeronáutica, infelizmente não pode acompanhar o cronograma originalmente decidido e, portanto essa é uma reclamação constante da Aeronáutica que tem coisas que estão gerando no Brasil porque ninguém colocou os outros receptores que deviam estar lá. Isso é mais uma questão a ser discutida, quer dizer, como é que isso encaixa? Qual é afinal a concepção de SIVAM? Eu diria a você hoje que a minha concepção de SIVAM é nebulosa. Ela é uma aquisição de equipamentos. Qual é o norte que esse equipamento vai ser utilizado, me pareceria ainda uma questão em aberto. Eu nunca li um documento que estruturasse afinal de contas o que é que o sistema de sensoriamento, reconhecimento e acompanhamento do SIVAM pretendem fazer em termos de produzir informação. Os sensores existem, mas eles sensoriam muito mais do que você pretende usar. Por exemplo, você poderia usar o radar no aeroporto internacional de Garulhos para monitorar o clima, aliás, muito bem. É um radar tridimensional, não digo de última geração, mas bem recente, então você iria medir camada de nuvem. Você não faz isso porque você está ocupado, evitando que os aviões batam uns nos outros, mas você poderia usar porque essa é uma ferramenta de pesquisa maravilhosa e há requisitos para enxergar aviões tão pequenos quanto um teco-teco, então para enxergar camada de nuvem ele é maravilhoso. Então essa é uma outra pergunta a fazer do SIVAM. Aí você vai ter (eles vão falar números absurdamente grandes, 10 a 8, 10 a 10 bites de informação por segundo, é uma quantidade boçal de informação). O que você vai fazer com isso? Não adianta você ter as informações, você tem que tabulá-las, organizá-las, sistematizá-las. Ciência. Você tem uma coisa que acompanha temperatura em 400 pontos diferentes do território da Amazônia. Parabéns. E agora você faz o que com isso? Eu não sei o que você faz com isso. Tem uma discussão real. Isso faz parte de um estudo de quê? Alteração de clima, monitoramento climático, causalidade, precisa de pressão. Eu me lembro das minhas aulas de metodologia, temperatura sem umidade, sem vento, sem pressão é mais ou menos nada. Então devem ter complexos de informação que devem ser agregados ao longo de meses, 125 anos, décadas, antes que você comece, do ponto de vista de climatologia a auferir benefício disso. Então eu acho que é uma questão, do meu ponto de vista uma questão em aberto. O que o SIVAM de fato virá a ser? Daí a minha curiosidade saber de onde você capturou a idéia de que ele é. Isabel: Existe um número real do alcance desses radares? São só os 50 quilômetros, são os 300 quilômetros que eles falam? Domício: Depende. Você já leu alguma coisa sobre radar? Isabel: Não. (explicação sobre radar – esboço) Domício: Discussões que a gente leva em estudos estratégicos o tempo todo. Então, a Aeronáutica está trabalhando com 300 quilômetros no tempo da função da vigilância que inclui as pessoas que querem ser vistas. Agora, tem outros problemas mais bobinhos, por exemplo, árvores. Como tudo que é orgânico, árvore “chupa” radar, pouquinho, mas chupa. Então você tem um quilômetro cúbico de árvores entre você e o objeto você não enxerga mais é nada, não volta onda nenhuma. Então talvez você não anda 50, 100 metros de altura acima das árvores você virtualmente é detectável pelo radar até literalmente você estar na linha de visão do radar. Problema: isso foi discutido? Não foi. Por que? Aí tem uma dualidade. A vigilância da Amazônia é pensada dentro do SIPAM. É uma coisa para medir problemas em escala de semanas, meses ou anos, mas a venda do SIVAM vale muitas vezes perseguir traficantes e avioneiro que é uma questão de segundos, de janelas de ação no máximo de minutos. Então tem uma contradição no discurso porque as pessoas não estão interessadas, não é midiático você falar de uma coisa que vai produzir excelentes resultados na próxima década, ainda mais quando a questão é de Segurança Pública, envolvendo narcotráfico. Tem uma urgência midiática tão grande. Seríamos capazes de usar o SIVAM para interceptar tráfico de drogas? A resposta técnica é: possivelmente não. Não só porque nós não detectaríamos como quando detectássemos não teríamos aviões de caça para interceptar. Se interceptássemos com aviões de caça, não temos legislação que permita o abate de aeronaves no espaço aéreo do nosso país. São discussões do uso de força que nós estamos começando a ter. A nossa Constituição tem 14 anos. Essas coisas demoram até você construir. Até lá, podemos olhar para as experiências no Sudoeste de São Paulo. Já em várias circunstâncias não foi permitido o abate. O que você pode fazer foi mandar uma força tarefa da Polícia Federal, da Aeronáutica, da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Defensoria Pública para o ponto provável de pouso da aeronave e ali realizar no nosso território uma prisão. O que você pode fazer na Amazônia foi explodir pista clandestina que tem outros usos além do narcotráfico, além do contrabando de jóias, diamante, ouro que seja. Aí tem uma discussão sociológica de que realidade eu estou encaminhando aqui? O que é que está acontecendo aqui? Quais são as dinâmicas sociais que estão associadas a estas pistas clandestinas e não estão associadas a esta outra? Análises de padrão. Provavelmente esta pista é de narcotráfico, já essa, provavelmente é de minerador. Isabel: Então, eu fiz essa pergunta dos radares porque os nossos radares eles são colocados bem próximos à região de fronteira. Domício: Você tem esses mapas? Isabel: Pelo menos os mapas que saíram sobre o SIVAM eu tenho. Domício: E você viu se eles são mapas mesmo ou se eles são ilustrações? Isabel: A (...) o Banco Schahin o que ele passou não seriam ilustrações, seriam mapas da onde estariam esses radares. Domício: Interessante. Você tem os modelos? Já foi na (...) olhar quais são os modelos de radar? Isabel: Não. Domício: Deve ir. Tem um anuário, (...) Control Systens. Não sei se existe na biblioteca de vocês, mas tem... (nós não temos atualizado na COPPE), mas com certeza a Aeronáutica tem. É questão de você ir a alguma Escola da Aeronáutica, CTA com certeza tem, ver quais são os modelos de radares que estão sendo colocados e você saberá de maneira cabal o que eles realmente são capazes de fazer. Eu pergunto, porque é quanto à eletricidade necessária para um radar tridimensional funcionar é muito grande. Então, a probabilidade de 126 você estar instalando um radar tridimensional de longo alcance numa vila fronteiriça da Amazônia é você estar instalando, ao mesmo tempo, oleoduto que vai abastecer o viradouro para manter esse treco funcionando o que é (...). Percebe? Então talvez sejam radares de aviso. Se você for entrar na discussão do radar você vai ter que entender um pouco mais. Tem radar de pulso, tem radar contínuo, tem o que varia pela interferência, tem o que bate e eco volta. Você vai ter que saber as diferenças entre eles e os diferentes desempenhos que você é capaz de obter. Só o fato de você estar colocando radar na fronteira já sinaliza que a função deles não é de defesa nacional. Se eles estão na fronteira evidente que vai acontecer no primeiro momento que houver um inimigo interessado em entrar fronteira adentro. Você coloca radar, tipicamente, a um terço do seu alcance para dentro do seu território como função de defesa. Espia dois terços do alcance. O território hostil, ou potencialmente hostil adentro e tem uma máquina de segurança da própria instalação radar. Mas ainda você usa radares aéreo-transportáveis. Aí você vai ter que entrar na discussão de faixa de patrulha, especificação. Problema: não sabemos hoje nada dessas coisas sobre o eventual radar aéreo-transportável brasileiro. Natural que a plataforma, a própria aeronave que vai transportá-lo tem variado ao longo dos últimos anos e deve variar ainda porque é um problema muito difícil. Não é fácil resolver, ainda mais se você prioriza o uso de uma plataforma brasileira, desenhada no Brasil, que foi desenhada para transportar passageiros e que não tem, necessariamente, a potência de um motor necessário para fazer um radar de verdade funcionar. Isabel: Então com isso você está me dizendo que a gente não sabe nada? Domício: Não. Eu estou dizendo a você que tem determinadas perguntas que uma investigadora que estiver fazendo tem que ter consciência que ela será a primeira ou a Segunda pessoa na história do país, a saber, fazer essas perguntas e obter uma resposta. Eu tenho consciência do que não sei. É diferente. Eu não sei. Eu nunca fui entrar fundo no SIVAM. Para mim, a discussão é qual é a capacidade real que esse treco dá? Ah, o sr acha que é 300 quilômetros? Curioso. Porque no anuário esse equipamento que é o SPSJ63523 ele tem essa e essa e essa especificação. Então eu queria saber como é que o sr chegou a essa cifra. Estudos estratégicos. Pelo que eu vi das instalações na floresta, ou o sr está devastando um círculo de 10 quilômetros de raio para não ter árvore no caminho em algum momento as árvores começam. Nós fazendo uma geometria simples, aquele ângulo que seria assim ele bate na árvore. Então tem uma zona de sombra que se estende, que tem tanto de altura, não sei o que. Por exemplo, eu não sei nada do ambiente climático radiológico da Amazônia. A Aeronáutica sabe. Tem o projeto RADAM. A Aeronáutica sabe. A gente sabe que tem horas que não dá para voar na Amazônia. Das 4 da tarde as 6 da tarde a gente sabe que é complicado porque tem tempestades de descarga. A quantidade de eletricidade no ar é uma loucura. Não pode decolar nem pousar porque não funciona nada. Percebe? São perguntas que não que a gente não sabe nada. Eu tenho claro onde eu não sei. Então eu não posso responder para você perguntas que são importantes para o seu trabalho, mas na medida do possível eu te aponto, olha, existem, assim como existe esse anuário aqui de munições que eu estou usando para um determinado trabalho que eu estou fazendo, que eu não tenho aqui, tem um livro com todos os equipamentos de radar do mundo, seu alcance efetivo, seu alcance máximo, desenho, faixa de absorção, potência. Você diante da lista dos equipamentos que o SIVAM e diante desse anuário, você construirá sua própria opinião ou TCA você mais disso do que eu, porque eu esqueci de radar tudo o que eu sei e vai dar uma resposta cabal para a sua pergunta precisa. Afinal de contas ela serve para quê? Isabel: Eu perguntei assim... que a gente não saberia porque são várias questões que o professor está levantando e aí eu comecei a pensar assim: então, mas isso tudo foi discutido? Domício: Claro que não. Não acontece nada no Brasil. Fazer pesquisa no Brasil, você não sabe como as coisas são? Dá um tempo! Tem um limite. No Brasil, muitas vezes nesse lance de (...) supõe essa parte técnica resolvida. No caso, como tantos outros a gente descobre que tem várias questões que tem significado político-social que precisam ser melhor esclarecidas. Isso é normal. E se isso acontecer com um radar de Força Aérea? É 127 uma questão de amadurecimento. Nós concluímos no Concertação Múltipla que o Congresso tem que descobrir qual é o papel do Congresso na ação executiva de Segunda. O Congresso é uma casa de discussão. Deveria ter tido, sido obrigado entre eles um debate técnico, um seminário técnico analisado no próprio Congresso para ouvir, os técnicos de radares, os técnicos da Amazônia e se aquilo que se propunha fazer era sequer inviável e a que custo? Não houve. Não sei se você se recorda, houve um clima nacionalista intensíssimo em relação à aprovação do SIVAM que fez com que essa discussão fosse politicamente secundária ou terciária. E muitas vezes você não tem sequer o interesse das pessoas de perguntar para a Aeronáutica: afinal de contas, o que as pessoas conseguiram fazer? Isabel: Porque é muito dinheiro envolvido né? Domício: Não. Quanto é um bilhão (...). Nosso país tem um trilhão de PIB. É um projeto grande. Para um projeto só é um projeto grande. Pelo amor de Deus! Comparado à eletricidade, comparado a Educação, comparado a Saúde, comparado à modernização das linhas telefônicas no Brasil é um projeto pequeno. A gente não gasta tanto assim com coisas de segurança. O orçamento inteiro, o orçamento atual dos três Poderes deve chegar a 900 bilhões, se a memória não me falha, o que sugere que o PIB real do Brasil é em torno de 2.7, que não vem ao caso agora. Que não é esse o número oficial. Tem todo um problema de economia. Vá conversar com o Dagnino que ele se preocupa com esse tipo de coisa, mas o orçamento oficial deve ser aprovado agora. Tá na base de 900 bilhões para os três Poderes Federal. Orçamento Federal. 20, Forças Armadas. Você somando todos os projetos especiais associados que eu acho (...), dificilmente você vai conseguir outros 20. Não deve chegar a outros 20. Então tem que ter proporção quando a gente fala de um projeto de um bilhão de dólares ao longo de cinco anos e o que ele representa de fato. Pra Ciência e Tecnologia é um grande volume de dinheiro. Levando em conta que o que a gente já gastou de (...) já foi um e meio porcento do orçamento federal. Colocando um trilhão para facilitar a vida (...) 15 bilhões. Hoje não chega a cinco o orçamento federal. Então você tem que ter proporção. É um grande projeto? É, mas comparado a ferrovia norte-sul, comparado a trans-amazônica é uma gotinha d’água no oceano. O que não é ruim, apenas que você pode conseguir resultados muito grandes com um dinheiro absolutamente pequeno. Isabel: Então, mas o grande questionamento é se o resultado efetivo de todo esse investimento de todo esse projeto pode ser um montante de dinheiro, se comparado, pequeno, mas dentro do que nós temos aqui, da miséria, do abandono da população esse dinheiro poderia ser, não sou contra, absolutamente... Domício: A minha história com o (...) é muito simples. Seria democrático. A função do parlamento é divisionar os impostos. Concorda com isso? Então se eu dividir honestamente os impostos, cada pessoa receberia de volta aquilo que tinha dado, mas justo que isso impossível. Então má divisão dos impostos, que é o papel dos parlamentos você ter a discussão propriamente política de que perigo que você acha que você enfrenta, que investimentos que você faz que não são diretamente orientados para a elevação do patamar / qualidade de vida das pessoas. Eu não estou tendo essa discussão. Eu só estou apontando: olha, pelo livro Democracia Clássica, página 2, recomendo federalista 51, em particular me parece que a questão é colocada de maneira definitiva, mas enfim é só minha opinião. Ando para o outro lado: equipe técnica, você vai avaliar o resultado do SIVAM. O problema não é avaliar o SIVAM, o problema é com que critérios, quais os critérios? O SIVAM está funcionando? Até onde eu sei ainda não. Como que eu vou avaliar? Ah, sem dúvida você tem, como toda organização, pelo menos a Aeronáutica tem suas panelinhas, suas facções, tem suas opiniões, de boa e de má fé, o resto da máquina pública federal também tem, você tem um período de ditadura militar que deixou seqüelas nas pessoas (...) com isso, mas de verdade de verdade eu não tenho critérios de comparação porque o SIVAM não funciona certo? Até onde eu sei ele não está oficialmente (...), ele no máximo na fase três de testes. Tem perguntas sérias, perguntas de Brasil, se algumas dessas instalações forma colocadas lá na Amazônia sobrevivem? Perguntas honestas, perguntas de gente séria. Chove, chove, chove. Aquela rolha de concreto encima da qual a gente colocou o medidor de não sei o quê está afundando, a gente vai e alarga a rolha de 128 concreto, aí volta um ano depois e ela continua afundando. Tem duas opções (uma vez eu estava conversando com um engenheiro militar que é responsável por uma dessas fronteiras do Bico do Papagaio, ele disse: pavimenta todo o Bico do Papagaio aí eu posso colocar minha estação, porque de resto eu não consigo), na primeira chuva pesada sai de prumo. Têm coisas que não faz a menor diferença, microondas (...) que é eco de radar, se sair um grau da posição, danou-se todos os números, ele está lutando contra o solo, ele já está a 15 metros de profundidade com a base de apoio dele e não fica em pé e a lama dança, não é terra, não é chão que nem aqui, é lama, é lama mesmo. (...) afunda mesmo, só madeira, palafita e palafita eles constróem de novo depois da estação das chuvas. Você sabe que na Amazônia não fica para sempre. Você faz, chove desaba tudo e depois você constrói outro. Essa que é a lógica da estação das chuvas. Ele colocou uma no meio de uma ilha, trabalhão, um lugar difícil. Qual é o problema? Aí ele voltou no ano seguinte e a ilha já quase não existia porque o rio desviou e comeu a ilha todinha. O que eu tinha colocado na (...) estava na ribanceira querendo cair. Aí teve que desativar, voltar atrás. Isso é um problema que o Brasil vai enfrentar em qualquer projeto, não é medida de falta de eficiência de forma alguma, muito pelo contrário, isso é construção de eficiência futura. Correto? Tem que fazer de madeira, conversa de colegas de Escola Superior de Guerra. Tem horas que dá vontade de... olha, vamos pegar um tema, desistir de fazer algumas coisas, vou começar a pesquisar madeira, porque aparentemente madeira dá mais certo do que o concreto. O concreto é muito denso, muito pesado e a lama amolece e ele dá uma mexidinha. Se tiver que fazer de madeira e tiver que trocar de dois em 2 anos não é mais negócio? A pergunta é (...) de alta tecnologia você voltar para a madeira... aí, as madeiras raras, não sei que. Tudo bem, mas olha... aí vira... deixa eu pegar uma faixa presidencial passar para a companheira Isabel que veio a importante cerimônia (...). A sra quer ou não quer o radar lá’? Se quiser radar é capaz de ser melhor se fizer com madeira viu moça? Porque com concreto não está dando muito certo em alguns lugares não, tem outros que deu. Perto de Manaus funcionou. Você já foi em Manaus? Isabel: Já. Domício: Viu os raios de concreto? Só existe na Amazônia aquele tipo de construção. Quiseram uma rolha bonitinha que tem os raios de concreto (...) e aí ficou, naquele solo, que é há das centenas de tipos de solo na Amazônia. Então minha pergunta é: com que critérios você vai avaliar o SIVAM? Uma bela proposta de dissertação que eu não estou propondo que você faça é: critérios para avaliação do SIVAM, que aí você vai ver: o que eu queria medir, quanto está custando medir, o que eu faço com essa informação? Você apresentar uma planilha com taxa de sucesso, custo, taxa de oportunidade. Isabel: É, mas isso é só depois de 100% dele instalado né? Domício: Conversa de engenheiro não. Eu posso começar avaliando o protótipo piloto, eu posso começar avaliando para uma determinada função, posso comparar com o que tinha antes. Tem várias circunstâncias que o SIVAM vai ser difícil de avaliar porque (...) não tinha nada. Por exemplo, quando que a gente tinha levantamento hidrométrico, gramático de toda Amazônia? Nunca. Agora temos. Pode ser o pior do mundo, mas antes não tinha nenhum. Já é alguma coisa. Vento (...)? Nunca tivemos nada do regime de ventos real da Amazônia, Daqui a um ano vamos ter pelo menos o primeiro ano em que algumas regiões a gente mapeou. E tem que começar com meteorologia. Então conversa de avaliação interdisciplinar é sempre assim: os dados que estão chegando são esses. Serve para alguma coisa ou é desperdício de dinheiro público? Aí vai dizer: olha, ele serve para isso, serve para aquilo, não sei quê... conversa de política nacional. Puxa, fantástico. Agora sim. Aí começa cada campo a validar o seu resultado. Então seria extremamente cauteloso uma (...) nacional contra o escândalo do SIVAM sem o projeto se dizer pronto que seria uma coisa bem politicamente (...), política pública, sem o projeto se dizer pronto, identificar quais são os resultados pelos quais ele quer ser medido, correto? Ele pode estar fazendo uma série de coisas que a gente pode acha ruim, feio, que não é eficiente, o que seja, mas é essas coisas que ele se propõe a fazer? 129 Isabel: Pensando no que você disse assim e nós, conseguiremos estar desenvolvendo esse tipo de equipamento, esse sistema por aqui? Teremos essa condição mesmo que for a longo prazo do que imediatamente? Domício: Um só planeta... Domício: Fazer uma discussão conseqüente com relação a dependência tecnológica se nós tomarmos o único valor positivo é a completa autarquia. A discussão não é quando conseguiremos fazer mais (...) menos sem a ajuda de ninguém porque isso é impossível. Então tem a discussão de política. Pegue aí os exemplos da Coréia do Sul, Cingapura, Índia, África do Sul, Canadá que tinham dinâmicas que são, por um lado alimentadas por um mercado orientado, associado ao setor privado que determinam determinadas competências específicas, nascidas dos produtos e serviços para determinada sociedade faz com mais facilidade – teoria de contagem comparativa – uma outra linhagem de discussão que eu acho... que eu esqueci o nome em francês, mas é um cara que está muito presente na UNICAMP, quando o Herrera era chefe de departamento dizia assim: a política da Ciência e Tecnologia de um país está escrita na sua Geologia, isto é: quais são as matérias primas minerais, vegetais e animais que você tem? É disso que você tem que entender, todos os outros assuntos não lhe são pertinentes. Dito isso, olha, se a função do SIVAM é orientada pela lógica da responsabilidade da União para a garantia das leis, da comodidade das pessoas no território nacional, nós acabamos respondendo, dentro da dicotomia, do binômio – eles sempre mudam de ano para ano segurança e desenvolvimento, mas próspero ao de guerra, que no fundo é um eco da discussão ESEB que neste caso a Segurança prevalece. Não prevalece absoluta? Também não. Na medida do possível você tenta encontrar maneiras de que, no provimento da segurança você encontre ganchos para o desenvolvimento. Aí eu vou fazer uma opinião de caráter pessoal: acho que levamos essa coisa longe demais. Nós hoje estamos assistindo a compra de 20 aeronaves de combate, que só são 20. É a produção de um mês de qualquer fábrica de aviões de caça decente do planeta Terra e os dois (...) se comportam como se eles fossem comprar um setor industrial de produção aeronáutica. Isso é inteiramente falso e vai acabar nos levando a não ter nem avião de caça nem setor aeronáutico nenhum. E nem falo isso (...) ciência no processo. Falo isso olhando para o caso do MX, que no final das coisas deixou 20 anos sem capacidade de ataque solo. Hoje é preciso acreditar nas mais otimistas análises da aeronáutica para crer que o Brasil é capaz de colocar seus aviões de combate atacando o solo onde é necessário e também não temos um setor aeronáutico, não aprendemos a fazer turbinas porque isso é muito difícil. Tem cinco fábricas de avião no planeta Terra. O Brasil quer ser a Sexta? Então não vamos nos enganar que isso vai custar um bilhão de dólares ao longo de 20 anos. Isso vai custar 50 bilhões de dólares ao longo de cinco anos e uma fração considerável dos recursos intelectuais nacionais. Isso é um projeto nacional. Trata-se de política séria. Então a resposta a questão da Amazônia eu nunca fui sensibilizado para que houvesse qualquer escala naquilo que nós pretendíamos fazer no SIVAM que justificasse essa corrida desesperada por uma capacitação nacional. Se são 5100 sensores, dos quais 50 são radares. 50 radares é produção semanal numa fábrica de radares. Você não vai conseguir justificar criar uma fábrica de radares em lugar nenhum do mundo para produzir 50 unidades. Aí entra análise de mercado para as quais eu me confesso, desde logo, incompetente. Existe um (.enorme..) de mercado para o radar tropical? Eu olho a nossa banda de latitude, 15 graus abaixo e acima do Equador? Corro o mundo? Eu não consigo ver um adensamento de renda e interesse em hiléia. Nós estamos correndo assim né? África do Sul? Nós. Nós vamos fazer tudo na verdade. Esses 50 (...) vão cobrir praticamente todo mundo da região, a Amazônia inteira. Então o mercado amazônida somos nós, não tem muito mais para quem vender nada. Corre para a África, tem a África Sul. Saara eu acho realmente que ali o argumento que você começou levantar que é a situação que o nosso país se encontra, gastar um bilhão e meio do que quer que seja que não seja balas de rifle e feijão é complicado, aí felizmente não tem hiléia na Península Arábica, não tem, aí é o oceano Índico, norte da Índia, também tem um tipo de floresta tropical, talvez se existisse um mercado para estar limpando, talvez o problema deles seja mais grave que o nosso por causa das monções. O problema deles seja infinitamente mais..., Mas eles sejam mais 130 competentes se eles quisessem fazer isso para fazer o radar tropical do que nós porque eles têm as monções, o que você tem concentrado 3 e 4 semanas a chuva do ano todo e Miramar, Vietnã eu também não consigo enxergar. Continuando nessa mesma banda, Indonésia, Nova Guiné, ilhas do Pacífico. Então é difícil imaginar que exista um mercado potencial para radares tropicais. É uma análise muito rasteira. Então é uma discussão de projetos. O que você quer afinal? Qual é a sua prioridade? (...) a faixa presidencial. A sua prioridade é vigiar a Amazônia ou a sua prioridade é permitir o desenvolvimento de uma indústria de radares nacionais? Isabel: Minha prioridade é vigiar a Amazônia. Domício: Então a gente senta, compra o melhor possível e tenta construir, no mínimo, uma autonomia e idealmente uma autarquia logística por determinados sinais. O radar precisa de uma pecinha, uma válvula x para funcionar, ela queima de 4 em 4 horas. Vamos discutir quantos milhões de dólares em depósito de válvula x e vamos treinar técnicos que sejam leais a bandeira do Brasil para fazer esse concerto. Aí vem discussões, propriamente de soberania, inclusive acordos de que você aceite um equipamento pior, desde que sejam garantidas essas opções de soberania. Esses é um dos assuntos que me deixa menos satisfeito na discussão atual de logística da defesa nacional brasileira. Por um lado, a gente tem pessoas que já tem uma posição (...), que normalmente não estão envolvidas no processo de negociação e que tem um anti... (preencha aqui o nome do país vendedor ), pode ser um anti-americanismo, um anti-jacoanismo, um anti-soequismo, por razões de pura paixão, não envolve nenhum raciocínio. São pessoas que começam assim: Ah, todo inglês isso, o francês aquilo, o americano aquilo outro, como se existisse um estereótipo racional fechado e completo e que a ação desses países fossem una e absolutas. Por outro lado, você tem numa situação que não foi prioridade do governo da União, determinadas linhas de investimento de chororô em relação a qualquer dinheiro que poderia estar vindo para a sua linha de investimento. Isso não é uma carta aberta a administração Fernando Henrique Cardoso, de maneira nenhuma, ainda mais porque eu sou carioca e você deve imaginar a opinião que eu tenho, uma opinião muito forte, mas neste caso em particular, tenho que saber distinguir o que é uma crítica substantiva e há tragicamente, infelizmente muito poucas, de simples chororô. Se a questão é vigiar a Amazônia, não faz sentido você usar esse dinheiro para fazer bio-tecnologia, porque entre outras coisas, apesar de ser um mérito (...) extraordinário (...) potencial para o futuro da humanidade, então são urgente, crescente a importância dos assuntos modernos para a humanidade, você estudando bio-tecnologia você não vigia a Amazônia que é (...), mas é a mesma região. Sim, tudo no planeta Terra né? É tudo no planeta Terra então você podia fazer... não, não dá. Não sei se respondi a sua pergunta. Isabel: É, respondeu e entrou numa outra questão que é a biopitataria. Se eu não vou investir em bio-tecnologia eu não posso vigiar, se eu vigio eu não invisto, mas o radar não me permite cuidar da biopirataria. Domício: Olha, aí eu acho que você chegou naquelas coisas por coincidências, já foi um assunto que já me interessou. Eu pensei em fazer minha tese de doutorado, há 15 anos atrás em Amazônia, tive o privilégio de ter o Gesiel (não me lembro do sobrenome). A monografia... (eu não sei nem dizer o nome daquilo), aquele treco que as pessoas têm (...) quando chegam ao final da (...) nome do Gesiel, cuja filiação é o Instituto Nacional de Patentes Industriais é um levantamento dos últimos 20 anos, 1 milhão e meio de patentes foram registradas no mundo ok? Com a seguinte pergunta: alguma delas foi registro de alguma coisa amazônica de maneira que tenha acontecido a tal da biopirataria? Recomendo que você procure na biblioteca da ESG essa monografia e olhe os resultados a que ele chegou. Nessa mesma linha você deve dirigir às pessoas que estão, sinceramente e diretamente engajadas nisso, USP< Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, o INPA, que vai lhe dizer com muita tranqüilidade qual é o número total, atual de patentes relativos aos produtos da Amazônia e sua existência no mundo, porque talvez ilumine a questão da biopirataria de maneira particular. 131 Isabel: Ainda tem uma questão sobre o TCA (Tratado de Cooperação Amazônica). Como você colocou, ele está funcionando, eles estão tendo um acordo esses países do TCA em relação ao SIVAM, claro?.... não dá Domício: Recomendo o ministro conselheiro que seja responsável pela sublinha da linha do quesito do INPA na nossa política no TCA, que certamente terá todo o prazer em compartilhar consigo uma opinião sobre isso. Eu sinceramente não tenho nem como saber. Isabel: Então eu acho que é isso. Acabamos conversando. As questões foram..., vamos dizer, se colocando de uma certa maneira respondendo a todas. Você teria mais alguma coisa para estar colocando? Domício: Eu acho que você corre um risco na sua Dissertação. Não sei se é um risco aceitável, mas é um risco de que ele seja vítima de (...), que ela se coloque na (...) da escola. Isso não seria um problema no meu programa, mas poderia ser uma problema em outros departamentos (cada um de nós segue uma tradição (...))que é a seguinte: a resposta do SIVAM causa dependência tecnológica? (...) um sim, é claro, como resposta. Nesse sentido, sofre de obviedade e eu não sei se você pretende qualificar esse sim, em termos de que tipo de dependência é essa. Se é uma dependência logística, se é uma dependência cognitiva, se é uma questão de que tipo de contrato foi assinado com os fornecedores dos equipamentos. Então, o meu receio é que a sua pergunta aponte uma direção de uma discussão que os meus colegas alemães chamariam de direito social, isto é, o direito no contexto da Sociologia, no sentido de verificar se... em que circunstância e que tipo de apoio, que tipo de arranjo concreto-real dentro do enquadramento legal, referencia a uma definição que você pegou, particular do que é dependência, particular do que é dependência científico-tecnológica. A gente usa computadores para fazer essas coisas todas, os chipes não são feitos aqui. Isso é um caso de dependência científico-tecnológica? O último fórum nacional, que no livro eu chamo a sua atenção, é uma discussão que eu não assisti, mas que está servindo muitos às pessoas que a assistiram, portanto eu falo com um certo grau de precisão da coisa é que, olha: existem 4 ou 5 fornecedores de chip no mundo. É ruim eles ficarem em acordo. Então, de fato você usar microprocessadores Intel, AMB, não implica em dependência tecnológica, porque você nunca vai conseguir, você não vai levar uma sinuca de bico com relação a essa comódete, tem outras comódetes que você pode levar uma sinuca de bico, exemplo (...). Petróleo você pode ser sinucado pelo cartel, mas não tem nem sinal de um cartel de microprocessadores. Então dentro dessa larga banda de variedade de desempenho, você não tem uma dependência tecnológica no sentido estrito, embora nenhum brasileiro que eu saiba possua, produza, esteja envolvido na produção local de microprocessador. Isabel: Mas dessa forma você poderia ter uma autonomia não uma independência, mas uma autonomia para estar escolhendo aquilo que seria o melhor, não comprar os pacotes fechados. Você pode estar pegando um radar da França, o outro norte-americano, o outro inglês, enfim e, com isso você ter um projeto, um sistema.... Domício: Concordo plenamente, É o desafio da nossa geração. A geração que eu (...) não tinha competência técnica anterior, eu falo com tranqüilidade (...). Não tinha densidade técnica no nosso país para conseguir bons compradores como esses que você quer ser. É o desafio da nossa geração. Isabel: Eu acho que a questão está mais... a dependência tecnológica está... fica óbvio é claro, sem investimento em ciência e tecnologia a gente realmente fica parado no tempo, mas aí a gente pode ter a autonomia de estar... e aí eu vou para a minha área que é a questão política no SIVAM foi muito disso. A gente não teve discussão nenhuma, mas essa de ser fechado, de ficar só com a companhia norte-americana é uma questão muito forte. Domício: Vamos lá. Eu acho que vale a pena. Você está tocando num assunto que é do meu interesse então vamos aproveitar. Tudo isso custa dinheiro. Você ter um departamento de compras, um estado maior de defesa que tem gabarito técnico e que está sendo pago, abre aspas, “para não fazer nada” por 3, 4, 5 anos a fio e tem 3 ou 4 pessoas que realmente sabem quais são os modelos de radar que existem, como eles conversam entre si, quais foram os problemas que eles deram. Então na hora que a idéia chega que você tem um quadro técnico para apoiar a iniciativa que a presidente Rossi desejava apresentar, isso é 132 uma coisa que talvez seja um dos pontos mais débeis de herança do governo Fernando Henrique Cardoso. Você não consegue tocar um país sem Estado. A ideologia neoliberal de enterrar Vargas é um problema. Quando você enterra Vargas você enterra o Brasil junto. O Brasil é uma idéia Varguiana. Não tem uma discussão substantiva, de política, de valores, de entendimento de como é que você vai construir a possibilidade (porque com certeza você não tem um governo Stalinista) a possibilidade de você ter esse tipo de decisão. Tem várias discussões políticas não triviais: como vai ficar o sistema de educação de nível superior no próximo país? Isso é uma pergunta boboca. Eu não falei do camarada Stalin? O camarada Stalin chegava num país, tinha 3 tipos de pessoa que ele mandava matar na lata: (...), os Oficiais das Forças Armadas porque sabem de umas coisas que não era bom estar disseminadas pela população local. Todo mundo que já teve cargo eletivo ou já participou do judiciário, que essas pessoas estão acostumadas a ter poder que é difícil de perder: professores universitários. Quando você menos espera tem questões que (...), eles acreditam... (...) seguindo o senso tático entendeu? Fazia um pacote de universitários, padres, poetas e não sei que. Essa gente tem que sumir. Então essa discussão não é uma discussão trivial por que? Porque a indolência da universidade que cria as coisas (...) da qual você edifica. Sejam coisas pragmáticas como a Medicina, a Sociologia, a Engenharia, o Direito não é brincadeirinha isso. Você ter pessoas que estão construindo uma estrutura jurídica, discutindo, comparando, aperfeiçoando, fazendo mecanismos, ou seja, isso faz um país melhor. Aí eu talvez arrogantemente diga a você : isso é melhor do que 3 tratores que é mais ou menos o preço de um departamento de Direito, é o que custa 3 tratores. A COPPE que, se você for fazer uma contabilidade já devolveu a nação o que? 170, 180 vezes o que a nação colocou. Só em petróleo, sem tirar nenhum mérito das pessoas da Petrobrás foram lá fazer a coisa, a gente hoje explora águas profundas, não é nem pela COPPE toda, que tinha 2 professores, 4 alunos e 10 anos de dinheiro. Ah, então se eu tivesse 10 de dinheiro em um ano eu conseguia. Não, Esse é todo o problema da universidade que não conseguiu. Você podia colocar 100 vezes o dinheiro que você não ia conseguir. Tem que ter 3, 4 pessoas. Aí vai, estuda. A COPPE que é a COPPE, ela custa um avião de combate por ano. Não é um caça, um caça não. Quem custa 2 caças por ano é a USP que também devolve ao país borbotões. Não é pouco. Essa discussão é delicada por que? Ao meu juízo? Porque você vai ter que encarar o fato de que existem no Brasil universidades de pesquisa, que são a ponta do desenvolvimento da concepção nacional e existem universidades, cuja tarefa principal não é isso. Vai formar gerações de pessoas (...). Então existem colégios, cuja função não é nem formar esses profissionais, mas sim, de dar um nível melhor de educação para a nossa população. Isso hoje é uma discussão proibida, um tabu no sistema federal de educação como é no sistema estadual de educação nos diversos estados da federação que tem mais universidades e é naturalmente a nátema completa naqueles estados que só têm ou uma estadual ou uma federal. E tem investimentos que vão para além das universidades, a definir qualquer uma dessas direções políticas materializadas em ciência e tecnologia que você manifestou tem que fazer uma coisa que o Brasil não sabe há quase 20 anos. Tem que criar um Instituto, colocar um dinheiro no fundo e esquecer por uma geração. Aí, talvez no final dê uma EMBRAPA, talvez dê o INCAFÉ. Já ouviu falar do INCAFÉ? É formidável. 40 anos para não fazer nada, é um cabide de empregos (...). Eu estou observando que você só vai saber mesmo 10, 20 anos depois. Tem coisas que começam bem e desandam. A propria Escola Superior de Guerra, ninguém vai tirar o valor do que a ESG fez de 49 a 59 por esse país. O que a ESG fez de 89 a 2002 já ultrapassou os limites de tolerância. Falo isso como um esguiano, falo isso como uma pessoa que foi lá, fez o curso, tentou contribuir tem vida útil tudo. Está na hora de dar uma mexida na fórmula de várias discussões. Então acho que esse é o problema do risco que você corre na sua dissertação. Com que grau de especificação você vai chegar ao seu resultado? Eu acho que sua pergunta ela admite uma resposta de bom senso. Bacana é quando você consegue contradizer o bom senso. No seu caso acho que você não consegue contradizer o bom senso nem é obrigatório (...) fazer pergunta que contradiga. Qual é o grau de especificação dessa discussão de independência tecnológica do SIVAM? Sem querer colocar um fardo em você. Sua Dissertação de Mestrado, de novo não sei como é a tradição da UNESP para nós hoje na COPPE, uma 133 excelente Dissertação tenha entre 10 e 20000 palavras que demonstra a capacidade da candidata de recortar um assunto (...) capacidade de juntar lé com cré tá? Tranqüilo. Ninguém... resolver o problema que você colocou é trabalho para um instituto e não para uma... nem para uma Tese de Doutorado de ninguém, mas a pergunta é: o que te satisfaz? Aí eu metendo a minha colher torta né? Lambida com limão que é azedo mesmo. Talvez você pegar um contrato, os radares... radares do SIVAM ou um estudo de caso de dependência tecnológica. Você pega toda essa discussão que você já fez e você vai realmente ver que equipamento a gente comprou, em que cláusulas, com que resultado, como é que se dialoga com o projeto do SIVAM apresenta, que isso permite fazer? Isso é juízo, ou seja, essa pessoa vai lá entender de cláusula, de compra de radar, percebe? Porque é uma maneira de você qualificar a sua resposta. Inclusive vai ser muito legal (estou falando como cientista mesmo) você mapear inclusive qual é... onde é que o sigilo começa mesmo. Eu tenho as minhas (...) você deve saber (...). Essas pessoas não estão mais vivendo aqui, tudo da década de 70, tem que ser paciente com elas. Normalmente eu controlo tudo. Tudo (...) fala com o chefe que o chefe sempre está um problema tá? Acho que são perguntas excelentes. Quando você pretende terminar a sua Dissertação? Isabel: Eu tenho que terminar lá para fevereiro do próximo ano com esses prazos malucos aí. Domício: É uma pena que você tenha vindo tão tarde para as suas entrevistas. É, eu não tenho muito o que te oferecer não. Não sei o que você vai acabar fazendo. Se você tivesse mais tempo de prazo, teria uma ou outra linha que eu poderia sugerir, mas com esse prazo, longe de mim, querer acrescentar trabalho na sua trajetória (...) para o teclado já!!!! Já!!! Isabel: Esses dias aqui já estão me custando muito. Domício: Telefona para a sua casa e dita a sua bibliografia na sua secretária eletrônica e quando você chegar você só tem que digitar. Você tem alguém em casa ou só a sua secretária eletrônica? Só você sozinha? Então você pode gastar a fita inteira só com o ditado de bibliografia. Diminui a sensação de agonia. Diante disso, o caminho crítico... pensei que você tinha bem mais tempo do que isso. Que você tivesse um ano para fazer. Isabel: Eu estou tentando desde o ano passado marcar estas entrevistas, nunca dava certo... Domício: Tudo é aprendizado. A tese do Diniz é essencial para o seu trabalho. Não sei que, Consciência Nacional Amazônica – USP – final da década de 90, Departamento de Ciência Política0 5. CCSIVAM, Conservação Múltipla você deve ler. Cara! Fevereiro? Isabel: É, com possibilidade de estender por 6 meses. Domício: Você tem... como é que chama, não sei qual que vocês estão usando... Qual é o buscador de periódico que vocês têm na UNESP? Domício: Você tem que descobrir. Estou fazendo você de mensageira ao seu orientador. Dada a premência do tempo eu nem sei qual é o periódico que você tem que rever dos últimos 6 anos. É um problema que eu não sei. Eu nunca fiz a sua pesquisa. Não me vem nenhum assim. Ah (...)? Eu não consigo. Periódico. Acabei de quebrar a perna no banquinho não sei te dizer periódico. Você tem que entender de radares. Como você vai fazer isso? Agora eu não sei mais. Tente entrar no estudo de caso de radares. Se você for entrar no radares tem que pegar (...). www.james. (...) e saber que os radares são capazes de fazer mesmo. Sei lá eu se isso agora é pertinente para o seu trabalho. Não tem estudo disso (...). A (...) ninguém pegou comprou (...). Cabe que nenhum aeronauta comprou essa fita. Sua entrevista com o Brigadeiro Quírico vai ser muito importante. Então seria essas 3 coisas que eu teria para te dizer: Eugênio Diniz e a tese de Mestrado dele na Ciência Política da USP, Brigagão você já leu, com Concentração Múltipla para você ter algum enquadramento distinto da revista da (...) dessa questão, você não está mais (...) com... Eu acho que você deve marcar uma entrevista com o Brigadeiro (...) que é o responsável pelo SIVAM, pode falar em meu nome, manda um abraço para ele, inclusive, diz para ele o que você está querendo e você vem com perguntas muito mais específicas sobre (...) e não é o acadêmico, ele (...) Brigadeiro. Então você tem que ter algumas (...) mais diretas, você (...) muito fortemente para uma discussão acadêmica e acabou! Não tem como eu te ajudar mais. 134 Isabel: Os apontamentos foram muito... me ajudaram já bastante a estar pensando essa questão. Porque eu aponto a questão do radar que não gira para um lado só. Então ele poderia estar invadindo a fronteira, estar entrando em outros territórios, esses territórios estão sabendo... Domício: O que você passa com as suas estratégias. Aí tem um discurso bem estético dos nacionais durante a convenção de (...) de 1969, a penetração do espaço aéreo de outro com ondas eletromagnéticas é consentida em determinadas bandas que não constituem sistemas de ideais (...), mas especialmente sistemas de detecção (...), mas não pode ser usado na fire control. Aí, engenharia. Dividir aspectos (...) com um monte de (...). Tem umas bandas, A,B, C, D, G e I que, normalmente, só servem para saber falar. Tem umas outras, E, F, J, K, L, M que é complicado M, N, O, P, Q só maldades. Só estou avisando você que o radar banda P só tem um uso: um míssel atrás dessa onda de radar indo na sua direção. Só serve para isso, porque ele fica muito fininho e pega uma área de um centímetro quadrado e só dá retorno (...). Então só sei iluminar você com isso para um propósito: quando um míssel vier correndo atrás dessa onda de rádio e explodir você. Então tem regras internacionais que tem que ter feito uma cadeira ou 2 de estudos estratégicos lá para você ter lidado com o acervo de discussões de defesa, mas todos nós somos membros de um pacto do Tratado do Rio e da OEA. Então, mesmo para além da Convenção da (...) de 69 – eu sou membro porque eu sou assessor da OEA para assuntos de segurança – o Tratado no Rio de Janeiro é extremamente devasivo em relação a isso. Isso não constitui, de forma alguma, uma violação de soberania entre aliados, de maneira nenhuma. Você tem livre passagem. Não base legal, minto. Tem base legal para que um avião espião brasileiro não seja um avião espião por definição. É diferente do caso China e Estados Unidos, por exemplo. A questão é onde o sensor está, inclusive o caso que eu estava buscando foi esse. Se o avião entrou ou não entrou nas águas territoriais da China. (...). O nosso caso é mais (...) ainda porque, pelo Tratado do Rio nós somos interaliados. Não tem o menor problema. Isabel: Nós temos aliados. Domício: Sim, mas são aliados formais. Não sei se você lembra da ação contra um é agressão contra todos, enfim. Isabel: A Argentina que o diga. Domício: Quando é que houve um caso que nós não acorremos a Argentina quando ela foi agredida? Isabel: E a Guerra das Malvinas? Domício: Ela agrediu. Não vamos confundir as coisas. Nós temos colete a prova de bala e não faca. (...), artigo 51, carta da ONU, recomendo sua leitura urgente. As pessoas que moram naquele pedaço de pedra gelada querem ser (...) certo? Eles querem ser inglês, independente do que a nobre e amistosíssima nação Argentina possa querer, o artigo 51 da carta das Nações Unidas me obriga a chamar de (...) que é o que eles querem. Se tivesse uma maioria de população de argentinos reclamando que iria voltar para a Pátria eu apoiaria imediatamente, não é questão de sacanagem. Ou a gente tem princípio multilateral para resolução dessas questões ou não. Se não tem, aí é fácil, ganha o mais forte. Você assistiu (...)? Tem uma hora que vai fazer uma briga de soco lá com outro cara que é muito maior e mais forte do que ele. Aí ele pede pros santos que se ele morrer na luta, que os santos matem o outro cara. Aí o cara chega todo fortalhão. Aí ele ah, então vamos pra briga? Daí o cara, calma, calma. Qual é regra dessa luta de faca? Aí o cara fala: Regra? Regra nenhuma. Aí ele dá um sapatão entre as pernas do cara, o cara cai. Ah, está bem, regra nenhuma. Tá ótimo. Foi um prazer recebê-la. Boa sorte... 135 ENTREVISTA AO CEL.-AV. FRANCISCO LEITE ALBUQUERQUE NETO147 Isabel: Qual a concepção de SIVAM? Coronel Albuquerque: foi a primeira coisa que aconteceu em 1990 foi feita uma exposição de motivos para o presidente da República propondo a criação de três sistemas: o único que tinha nome na época era o SIVAM que seria gerenciado pela Aeronáutica o outro pela Secretaria de Assuntos Estratégicos que veio a ser o SIPAM e o outro pela Polícia Federal que veio a ser o Pró – Amazônia que hoje está num processo de licitação e tal, que está integrado conosco no sentido de não haver duplicidade de esforços e de seus equipamentos e que o sistema seja compatível com o que nós temos. Foi em 1990 que surgiu oficialmente o SIVAM, o nome SIVAM. Pela primeira vez foi exposto os motivos ao presidente da República. Isso explica eu não sei bem porquê (você que está na área social sabe como política é importante né?) é... Eu não sei bem porque isso é uma coisa que nunca foi colocado publicamente porque o deputado Arlindo Chinaglia colocou em várias questões que ele levantou na CPI do SIVAM porque que a Raytheon em 92 tinha um contrato de intenções com a Líder Táxi aéreo para elas se associarem caso o SIVAM viesse a ser executado, se o projeto só começou em 1994? O deputado Arlindo Chinaglia ele queria fazer ver que o SIVAM foi uma coisa engendrada pela Raytheon, digamos. E por isso ela já falava em SIVAM quando ele ainda não existia. A verdade é que o SIVAM foi construído, pensado, concebido na SAE, pelo menos o seu conceito na SAE em 1990 e oficialmente colocado no diário Oficial da União, o nome, ainda em 1990 na disposição de motivos 192. Então, em 1992 já foi apresentado alguma coisa na ECO-92 que já falava sobre o SIVAM. Na verdade, ele foi realmente gerado no Brasil. Então o fato de em 92 haver uma carta de intenções entre a Líder Táxi Aéreo e a Raytheon no caso do SIVAM acontecer, de forma nenhuma leva ao que alguns colocam de que... uma prova de que o SIVAM não teria começado no Brasil, mas teria começado por interesse americano. Já que você começa em 90 né? Estou contando um pouquinho da história. Então pode me perguntar. Isabel: Então, a minha primeira questão era a concepção de SIVAM. Aí o Sr. contextualizou essa parte histórica desde 90. Agora, a concepção primeira ou a concepção de SIVAM nesse período. Coronel Albuquerque: Bem, nesse período da ECO-92, de 92 a 94 existe uma empresa chamada ESCA que ela tinha vários contratos com o então ministério da Aeronáutica. Contratos de SINDACTAS. Não se você sabe o que é: Sistema Integrado de Defesa Aérea e Complicatura Aérea, etc e tal, no qual o SIVAM, uma parte do SIVAM vai se transformar no SINDACTA 4, ou seja, vai fechar o país na parte aeronáutica, como se diz, na parte azul do SIVAM. O SIVAM a gente diz aqui que tem uma parte azul e outra verde. Uma parte ligada à área de controle do tráfego aéreo a área de aeronáutica de maneira geral e a outra parte verde, ligada a vigilância da área territorial, ambiental. Então, a ESCA ela prestava serviços aqui a CISCEA e aqui em parênteses nós temos duas comissões em uma: que é a CISCEA que é essa comissão que quer dizer Comissão do Sistema de Implantação do Controle de Espaço Aéreo, da qual sou vice-presidente e sou vice- presidente da CCSIVAM. CISCEA, ela existia, existe há 20 anos. Foi criada em 1980, 82 se não me engano, exatamente para ser o órgão gerenciador de implantação dos SINDACTAs. Tinham várias empresas que trabalhavam na execução das coisas com a CISCEA. Entre elas, a ESCA na parte de sistemas, software e francês na instalação de radares, a Andrade Gutierres na construção 147 NOTA. A entrevista ao Vice-Presidente da CCSIVAM foi gravada por mim no prédio onde é locada a comissão no dia 11/10/2002 as 16:00 horas, na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente fizemos a transcrição literal da entrevista mudando apenas, e muito excepcionalmente, repetições. Por razões de tempo esta e as outras transcrições não foram encaminhadas aos entrevistados. Mas caso alguém desejar consultar diretamente as entrevistas podem entrar em contato conosco já que temos guardadas as fitas em que foram gravadas. Por sugestão de meu orientador depois da defesa de minha dissertação essas fitas serão entregues a Biblioteca da UNESP, Campus de Araraquara; ficarão assim liberadas para consulta. E-mail para contato: [email protected] 136 de obras civis, o que eles chamam de sítio radares, parte predial. Então quando Silvio Gomes SAE o SIVAM, diz assim: quem vai fazer o SIVAM. Ah! Tem uma comissão que ela responsável pela implantação do controle do espaço aéreo e já foi feito SINDACTA 1, SINDACTA 2 e SINDACTA 3. Então entendeu-se que esse pessoal seria o pessoal mais adequado para digamos conceber e gerenciar a implantação do SIVAM. Só que como o dinheiro era um dinheiro de fora que foi contratado pela SAE, que não era uma coisa do ministério da Aeronáutica, mas que existia um acordo da SAE com o ministério da Aeronáutica, que esse ministério fizesse o gerenciamento, porque o dinheiro veio como se fosse dinheiro da SAE, ou seja, o Ministério da Aeronáutica estava agindo em favor da SAE, não era uma coisa própria do Ministério. Resolveu-se criar então a CCSIVAM pra ser uma coisa específica do SIVAM, mas na verdade as pessoas são as mesmas. As duas comissões residem neste prédio. Eu diria que 95% do nosso efetivo trabalho é para as duas comissões. Um pequeno grupo só trata de CISCEA e um pequeno grupo só trata de SIVAM. Em geral, todo mundo cuida das duas coisas. Então, nesse período de 92/94 começou-se então a conceber a ESCA junto com a CISCEA a concepção de SIVAM, tipo pra fazer o que nós chamamos de RFP, é uma sigla inglês que é um pedido de proposta para uma empresa, serviço, um contrato. Então, ali você especifica tudo que você quer. Eu quero radares assim, assim, assim, quero isso, quero aquilo. Então isso é uma concepção para explicar como aquilo funcionaria. Então é essa a concepção inicial. Ela foi colocada nesse documento, que em inglês chama-se RFP, que é uma instrução para contratação que você entrega às pessoas que como edital, quer dizer, faz parte do edital. Você conhece licitação pública né? Quando órgão público vai comprar alguma coisa de certo valor ele tem que seguir a lei 8666, a lei das licitações que diz que se o limite passa de um determinado valor, ele tem que fazer o edital, publicar no jornal e então as empresas que se interessam vão lá compram aquele edital ou pegam aquele edital e coletam todas as informações acerca daquilo que se quer comprar. No nosso caso essa concepção ela fazia parte desse edital que foi feita então uma concorrência pública internacional para a aquisição de tal coisa. Então o SIVAM foi concebido, de uma maneira mais detalhada, não a idéia, mas passar essa idéia para quantos radares, quantos aviões, pra fazer o quê? Por que 3 CRVs, porque não um centro só? Porque 3? Essa equipe de gerentes dessa casa e da ESCA e então foi concebido, foi em 94, foi entregue isso para as empresas e nós começamos então a receber as propostas que vieram desse pedido. Não sei se respondi sua pergunta sobre concepção. Isabel: É... cada um vai estar colocando de uma certa forma. Quando eu formulei essa questão da concepção ela estaria mais voltada para a vigilância ambiental e controle de espaço aéreo ou seria alguma outra concepção? Coronel Albuquerque: Não. A concepção ela tinha vários aspectos. Uma era a concepção única de um projeto integrado que até então não se tinha no país nem no mundo, em que nós entendíamos que os problemas da Amazônia eles vinham de várias fontes, de várias áreas, mas que eles se integravam, eles eram interdependentes, então o contrabando está ligado a vigilância aérea porque todo mundo tinha contrabando de avião porque não tem estrada e os rios são muito lentos, então o cara não quer correr o risco de fazer o contrabando num barco. É muito mais fácil ele fazer no avião, o risco é muito menor de pego. Então o grosso é contrabando do avião. Então se você fala contrabando, garimpo que é coisa que tá no chão ela tá intimamente ligada com a vigilância aérea. Se a maneira como aquilo sai ou entra é por avião, na sua grande maioria. Então nós vimos que quando o crime ambiental ele é ligado a invasão de fronteira ou a invasão de área indígena, então você tem a parte ambiental e a parte policial intimamente ligada. Então nós entendíamos que para ter sucesso era preciso que o projeto fosse integrado e nós víamos que (eu tenho uma palestra que depois eu posso mostrar para você) os problemas da Amazônia tinham como base a falta de presença do Estado e, essa falta de presença do Estado era muitas vezes em função de ações extemporâneas não integradas umas com as outras, ações isoladas. Então eles achavam que a solução ela teria que ser integrada, por isso ele foi feito um projeto integrado. Nessa integração se misturava a parte ambiental com a policial e a parte de vigilância do espaço aéreo. Não dá para separar. O que o cara faz por um, foge pelo outro, invade o outro. Agora essa concepção você pode dizer assim: mas porque 3 centros e não 2 137 ou não 1? Porque se queria de uma certa forma, que isso gerasse uma capilaridade. Nós poderíamos fazer com 1 centro só. Porque a maioria dos dados do SIVAM são tele. Então, já que ele vem via Satélite, eu não preciso jogar em 3 centros, eu poderia jogar em 1 único centro. Só que hoje, se nós fizéssemos um único centro, nós queríamos de uma certa forma, não a população, mas digamos as autoridades, o pessoal da Amazônia eles tivessem contato e participassem. Então, estrategicamente é importante que tivesse algum espalhamento e não uma concentração em um único local. Porque poderia ser em Brasília só. Não precisava nem vir a Amazônia. Via satélite! Tanto faz. Isabel: Mas quem estaria atuando seria, por exemplo, a polícia de Manaus, Belém, né? Coronel Albuquerque: Sim, mas é pactuação. Mas eu digo, pra coleta de dados e análise, eu poderia fazer em um único lugar que não precisaria nem estar na Amazônia, mas escolheu-se que os lugares estivessem na Amazônia exatamente para haver um comprometimento, digamos, de quem está na Amazônia. Para que não virasse uma grande máquina burocrática em Brasília. Então, isso fala um pouco talvez da concepção no sentido em termos de porquê tudo junto, integrado e quem diria que é o grande desafio do SIVAM, porque é muito difícil as coisas integradas no Brasil. Mas isso não é uma característica só nossa. Isabel: Pensando no SIVAM, houve uma discussão na época que a gente teria condições de estar fazendo isso aqui no Brasil, numa parte, não sei... Existia realmente uma alternativa assim pro SIVAM, em âmbito nacional? Coronel Albuquerque: Nós tínhamos várias alternativas, mas eu diria que nenhuma viável a nível oportunidades, ou seja, a tempo e a hora. Vou citar um exemplo que não tem nada haver com o SIVAM: radar metereológico. O Brasil tem tecnologia para radar metereológico? Tem. Nós passamos 20 anos desenvolvendo radar metereológico no CTA e esse radar metereológico foi passado para a iniciativa privada, foi construído, a Força Aérea comprou 10, recebeu 6 e a empresa faliu. 20 anos de desenvolvimento. Então foram 20 e tantos anos, quase 30 para que nós tivéssemos uma fábrica que fizesse radar metereológico e essa fábrica foi a falência e hoje eu tenho um contrato pela metade que eu tive que terminá-lo porque a empresa não conseguiu cumprir o contrato. Eu estou dando um exemplo pra você de que se a gente precisa de uma coisa a curto prazo e nós resolvemos fazê-la somente no âmbito nacional, a gente pode, teoricamente ter a capacidade, mas na prática aquilo pode levar um tempo superior a nossa necessidade de ter resultados. Então, nós não tínhamos em 1994 a mínima condição de conseguir 1 bilhão e 395 milhões de dólares do orçamento do governo. Então, eu não iria encontrar brasileiros para trabalhar de graça. O próprio INPE pediu 100 milhões de dólares para desenvolver o software ambiental do SIVAM. Então, não tinha como pagá-lo. E uma das propostas foi a do Dr. Gilberto Câmara que eu conheço pessoalmente. Então, eu tenho a proposta dele 100 milhões.... No Brasil!! Eu tinha um financiamento americano pra comprar produtos que tivessem, no mínimo, 85% de conteúdo americano que é como o BNDES faria (se der o financiamento, não é para eu comprar coisa na Itália, é para eu comprar coisa no Brasil). O financiamento do EXIMBANK americano é para comprar coisa no EUA, óbvio. Então eu não tinha como dar 100 milhões para o INPE fazer o softwarwe ambiental no Brasil, só o software ambiental, nós temos vigilância territorial, tem espectro eletro-magnético, tem o softwarwe das aeronaves, softwarwe da parte de tráfego aéreo. Não tinha como esse investimento aqui no Brasil. Mas nós tentamos. Quanto que você faz? Será que você pode fazer lá nos Estados Unidos? Que foi uma solução encontrada. Nós montamos um time nosso lá nos Estados Unidos e esse time desenvolveu software lá nos Estados Unidos, criamos uma empresa lá nos Estados Unidos. Chama-se Amazon Tec que existe até hoje, onde 100% de seus funcionários são brasileiros, mas é empresa americana, criada lá no Delawer e passou a se tornar uma empresa elegível para receber o dinheiro do financiamento do Eximbank americano. Igual as empresas fazem aqui, Telecon não sei que Brasil, só tem italiano, só tem português, francês. O cara vai no BNDES e consegue financiamento. É empresa brasileira. Nós fizemos a mesma coisa lá e desenvolvemos grande parte dos softwares por esta empresa e o que nós não desenvolvemos com esta empresa, essa empresa fez absorção de tecnologia. Então os técnicos brasileiros passaram 4 anos nos Estados Unidos 138 fazendo absorção de tecnologia e desenvolvimento de software. Foi a maneira que nós encontramos para dar dinheiro para brasileiro ou desenvolver coisas por brasileiros utilizando o dinheiro do Eximbank. Então, existe alternativa? Existem alternativas, mas elas são de curto prazo? Nós podemos esperar 20 anos para fazer o SIVAM? Será que em 20 anos nós faremos? Nós temos o dinheiro para fazer o SIVAM? Nós vamos pegar o dinheiro emprestado? Nós temos condições deste empréstimo? Então eu tenho que trilhar dentro de alguns pré-requisitos, que não adianta eu fazer beicinho. Então algumas áreas poderiam ser feitas mais aqui no Brasil e outras não. Por exemplo, radar de abertura sintética, queria se fazer o radar de abertura sintética aqui, lá em São José dos Campos. Sim, mas quantos anos para nós desenvolvermos o radar de abertura sintética? No mínimo 20 anos (dou minha cara a tapa se alguém fizer em menos). Nós não podíamos esperar por isso, ou seja, nós fizemos uma opção: é melhor eu comprar o microscópio e formar o biólogo para ele desenvolver os seus trabalhos num microscópio importado, do que eu perder um tempão com um biólogo a toa porque eu estou tentando construir um microscópio no Brasil. A ferramenta, ao meu entender, a máquina ela é descartável. Esse radar daqui a 5 10 anos ele vai ficar obsoleto, mas não o conhecimento que nós adquirimos com ele, não o trabalho que foi desenvolvido pelos técnicos brasileiros encima desta ferramenta. Eu compro outro radar, pode ser nacional, pode ser estrangeiro, acho que esse não é o problema. O problema é o seguinte: eu domino a integração, eu domino o conhecimento? O radar é descartável, cada vez importa menos, nós temos que ter inteligência no processo. Então, o que nós fizemos lá fora foi muito menos buscar inteligência e muito mais buscar equipamento. Isabel: E as opções tecnológicas feitas para o SIVAM são as mais adequadas? Coronel Albuquerque: Dentro, vamos dizer, das restrições que nós tínhamos foi o melhor que nós conseguimos. Eu tinha, por exemplo, muito mais conhecimentos do INPE do que lá fora. Sem dúvida da parte ambiental o INPE, não na parte de equipamento, mas na parte de soluções, de softwares, mas o INPE não quis trabalhar conosco sob as condições que nós tínhamos, não a que nós queríamos, mas a que nós tínhamos, queria que fosse feito lá com eles controlando tudo. E eu não tive como pagar o INPE daquela forma. Alguns funcionários do INPE nos prestaram consultoria particularmente, não através do INPE. A direção do INPE não entendeu que o INPE deveria participar do SIVAM como nós podíamos oferecer. Independente disso, nós fizemos upgrade do INPE no sistema de recepção satélite deles. Custou alguns milhões de dólares. Eu vou te passar uma palestra sobre SIVAM que eu tenho e a gente toca nesse ponto. Isabel: Como toda essa questão da integração é um caso sério. Como todo esse aparato tecnológico vai poder estar ajudando os órgãos públicos brasileiros atuarem de forma coerente na área, porque é necessária essa integração e precisa ter a presença efetiva da Polícia Federal, enfim, material humano. Coronel Albuquerque: Bom, você falou atuar. Atuar é agir, ação. Pra você agir você precisa conhecer. Onde que está o bandido? Você não pode sair dando tiro. Há! Tá ali. Bom aí sim você pode atuar. Se eu disser onde está o bandido. De muito pouco vai servir a sua arma, a sua vontade, a sua força para abatê-lo. Agora, a partir do momento que você tem a localização dele a coisa começa a ficar um pouco mais fácil. Então hoje para os órgãos atuarem na Amazônia falta conhecimento, dados, informações pertinentes, oportunas, ou seja, a informação na hora certa. Não informação estatística. Desmataram 200 mil não sei o quê nos últimos 10 anos. Sim e daí? O amigo cortou a árvore, adeus. Então você tem informações que elas são importantes em termos estatísticos e tem outras que tem que ter uma oportunidade de tempo para que elas sejam úteis em termos de ação. Umas têm que ser do tempo passado, outras do tempo presente. Tem que ser de um passado não muito distante para que você possa agir em cima. Então hoje a Amazônia 60% do território nacional, não tem estrada, não tem população. A pouca população que tem é concentrada em alguns poucos grandes centros e é uma população que, na sua maioria, não está preocupada com a preservação (já que você é socióloga). Por que? Qual é a história da população da Amazônia? Quem é que foi para a Amazônia? Mortos de fome, nordestinos, sobreviventes. Estavam preocupados em sobreviver e não com o meio-ambiente. E quem 139 está pensando se vai viver ou vai morrer não tem a menor preocupação com o meio ambiente. As outras pessoas que não foram os nordestinos, mortos de fome que foram para a Amazônia eram os índios que estavam lá que não somam nem subtraem, que ainda estão na idade da pedra lascada. Então eles não são considerados nem pró e nem contra, estão lá mais ou menos como os animais ou as árvores, eles não tem um processo, vamos dizer, de reconstrução ou de destruição, colocando a parte um pouco o índio não aculturado. Quando eu falo população não incluo o índio, a não ser o índio aculturado. Então você tem aí os sobreviventes nordestinos e o outro é aquele oportunista ganancioso que foi lá para arrancar o que tinha porque para esses lugares inóspitos quem vai tem esse espírito, matar ou morrer. Vai para pegar o máximo que ele pode no menor tempo possível e ir embora. Então você há de convir comigo que a grande maioria da população brasileira, brasileira que eu digo são os descendentes de europeus que foi colonizar a Amazônia eram predadores ou são predadores na sua maioria. Só agora, poucos anos para cá está começando a se criar uma consciência nos amazônidas. Hoje você vai ver que as destruições que você tem no Pará muitas delas são encobertas pelos próprios governantes, que são donos de madereiras. Então você vai ver que hoje, eu não vou generalizar, mas de certa forma, a massa governante da Amazônia é feita de descendentes ou de parte desses gananciosos que estão lá para arrancar e a população de baixa renda é feita de sobreviventes do nordeste que não têm nenhuma consciência ecológica porque está preocupado com outra coisa, se ele vai estar vivo no dia seguinte. Eles não estão preocupados se estão cortando cupuaçu, se não estão cortando cupuaçu, se estão ou não jogando dejetos no rio. Não estão nem aí e nem podem estar. Eles têm uma preocupação muito maior: permanecer vivo. Então, por isso é muito difícil fazer as coisas na Amazônia porque os próprios amazônidas não ajudam muito, por causa desse histórico de formação. Então os órgãos sérios precisam de informações. Essas informações eles não têm porque nós não temos. Então você veja, nós não temos estradas, nós não temos gente, não temos população e a pouca população que tem ela está concentrada e não é desejosa de ajudar, não tem vontade, não tem conhecimento para tal e é uma região inóspita. Então é muito difícil uma ação se você não tiver ferramentas que dêem conhecimento para saber onde agir. Quando você olha para aquele mundo ali de 5 milhões de quilômetros quadrados por onde que eu começo? Então eu tenho que transformar esses 5 milhões em alguns milhares para a gente poder fazer alguma coisa de efetivo. Então essas ferramentas de massa, a idéia delas é pegar esse mundo e dizer assim: esse ponto aqui provavelmente está acontecendo alguma coisa ruim, esse ponto aqui e esse ponto aqui, pra você então ao invés de olhar para aqueles 5 milhões se você começar olhar para determinados pontos. (pausa na gravação) ... Porque o pessoal da SBPC você sabe que a comunidade científica em geral aqui não vai uma crítica direta, mas socialmente falando ela tende a ser egoísta porque os egos são muito inflados. Então, muito mais importante do que o objetivo lá da frente é o objetivo dele, de conseguir implantar a sua pesquisa, torná-la realidade e isso, muitas vezes fecha os olhos a um objetivo maior. Então quando eu tenho urgentemente e se o doutor ou o mestre concorda com esse urgentemente ele há de convir que não há tempo para que ele transforme aquela pesquisa dele em produto confiável e utilizável pela sociedade, Então a visão estava muito mais focada no objetivo de desenvolver, digamos, aquela comunidade do que resolver o problema urgente, porque essas duas coisas eram incompatíveis porque você sabe que transformar o desenvolvimento científico em tecnologia aplicada eu tenho um tempo. Um tempo enorme. Quando sai no jornal que doutor fulano descobriu que a célula não sei o quê é isso assim, assim, assim, até aquilo virar um remédio são quantos anos? Aquilo é conhecimento científico e a tecnologia que a pílula que você toma com aquele ativo que ele descobriu quanto tempo teve de lá para cá? 10 anos? 15 anos? Então essa é uma coisa que complicou um pouco para a gente ter o apoio que nós precisávamos na comunidade científica. Talvez some-se a isso – e talvez eu possa estar sendo irresponsável – algum ranço que as vezes existe ainda na comunidade científica em relação aos militares, porque nós não pedimos mas o SIVAM foi jogado dentro da Aeronáutica, não é um projeto da Aeronáutica e queira ou não queira em 1964, eu posso falar porque eu não era daquela geração, eu tinha 10 anos, o que aconteceu? Houve uma polarização. A comunidade 140 científica se encastelou nas universidades defendendo a esquerda e formando então uma barreira contra as idéias do governo militar ditatorial que se instalou no país. Então ali, você virou água e óleo, uma coisa que não necessariamente precisaria ter essa separação. Eu fiz Psicologia numa universidade Federal e na parte de Sociologia, por exemplo, eu não tinha aula de Max Weber, eu só tinha aula de Karl Marx e eu perguntei para o meu professor: porque que você não ensina Max Weber?, Porque você não fala sobre o Positivismo de Comte? Porque na verdade houve uma doutrinação dos alunos em função daquele encastelamento. Eu não estou criticando. Isso é fato. E hoje boa parte dessa comunidade científica ela está embebida nesse ranço e viva ou alunos que, obviamente discípulos que eu e você o discípulo é a esponja e isso, por vezes eu senti que dificultou muito o nosso trabalho. Isabel: Mas de forma nenhuma a gente vê assim que era contra o projeto, assim, da necessidade do projeto. Coronel Albuquerque: Sim, mas eles queriam que ele fosse aplicado de uma forma que eles tivessem todo domínio e utilizando todo aquele pessoal o que contrariava toda... por em prática urgentemente um programa de governo. Não ia chegar lá. E até hoje estamos debatendo com egos como é que faz, se usa o mesmo método, se usa não sei o quê. Bom, vamos lá. Chega de falar mal dos caras. Ações estratégicas. O meu irmão é da comunidade científica. Não tenho nada contra a comunidade científica, mas eu sinto isso como um fato e não como uma opinião. Não estou falando de certo e errado, só digo que é. É isso. (interrupção na gravação) Com as informações desse aparato tecnológico podem ajudar os órgãos, dessa forma, quando eu junto, tenho essa massa de dados então eu posso realmente passar para os órgãos informações consistentes, mais refinadas para os órgãos poderem agir da melhor maneira. Então vamos dar um exemplo. O cara quer construir uma estrada, então ele tem vários vales lá. Então com as informações que você vai ver que nós temos, de fazer levantamento de bacias e de quanto cabe os rios, eu posso dizer assim o quanto vai ser alagado nessa área na época da chuva. Então a estrada passa por aqui ou passa por ali. Balbina tivesse tido outro fim se nós tivéssemos um SIVAM naquela época, porque não se tinha conhecimento para se dimensionar exatamente um levantamento que a gente chama de MNE (Modelo Numérico de Elevação) aonde você determina com precisão a quantidade de área que seria alagada e a área alagada de Balbina foi muito maior do que se pensava. Um crime ecológico dos grandes. Um exemplo prático tá? Isabel: Existe cláusula contratual que evite a defasagem tecnológica? Por que costuma veicular pela imprensa que estariam vindo computadores 486 que na época já eram obsoletos? Coronel Albuquerque: Essa foi uma luta que eu particularmente tive com o TCU. Nós somos auditados de 6 em 6 meses pelo TCU e quando nós começamos a fazer algumas trocas no SIVAM exatamente em função para nos proteger dessa obsolescência tecnológica que era inerente ao projeto de 5 anos, algumas coisas você não pode correr delas, outras você pode. Por exemplo, eu não posso começar um software aqui 5 anos atrás e querer que quando ele ficou pronto que seja o estado da arte porque ele começou com o conhecimento que se tinha há 5 anos atrás. O carro que você compra hoje ele é obsoleto porque a tecnologia de hoje não foi colocada no carro novo, porque tem um tempo de maturação como produto. Então algumas coisas elas serão obrigatoriamente defasadas tecnologicamente outras não, por exemplo, computador, eu posso atualizar. Tanto os 386, quanto os 486, tanto este quanto aquele. O 486 era o top de 95. Então 2 anos depois temos que rever esta lista. Aí o TCU: você está mudando o objeto contratado. Eu falei com a doutora Taís que era auditora. Como que eu vou comprar isso aqui? O sr está muito enganado, porque eu tenho um preço que vale esse computador. Eu vou dizer que eu não quero esse, porque por esse preço eu compro um novo e o fabricante vai querer trocar porque esse computador não está mais no mercado. Então eu vou dizer para a sra. Que nós vamos trocar isso sempre que for necessário e eu vou justificar todas as vezes para a sra porque que nós estamos trocando e conseguimos dobrar isso e eu diria que, na medida do possível, nós estamos tentando acompanhar. Algumas coisas nós ficamos para trás. Eu fiz vários desenvolvimentos em cima do sistema operacional não sei quê que o sistema 141 operacional novo não é totalmente compatível não posso jogar aquele software fora. Então algumas coisas estão defasadas. O que nós pudemos foi atualizado. Isabel: E como combater a biopirataria se essa pode ser uma das fontes de renda da população ribeirinha? Porque se a gente for pensar, nós estávamos conversando sobre isso de certa forma na outra questão? Coronel Albuquerque: Biopirataria é o seguinte: SIVAM não vai resolver o problema da biopirataria porque, no meu entender, a biopirataria só tem uma maneira de ser combatida: nós pegarmos antes do pirata, nós temos que chegar antes do pirata. Por que o pirata vai chegar? Como é que você com os milhares, os milhões de turistas que chegam no Brasil todo ano e podem ficar nesse país 6 meses. Você vai seguí-los? Manaus e a região Amazônica, cada vez mais, é uma área turística por excelência e o governo está ávido por estes turistas. Como você vai separar os biólogos ou os biopiratas dos turistas que chegam aos milhares neste país e nós queremos que eles cheguem aos milhões. Você vai seguí-los 1 a 1? Como é que você faz para controlar o biopirata que chega em Manaus com a máquina fotográfica, com uma bolsinha e vai, pega um guia e se embrenha na selva? Você vai controlar isso? O SIVAM vai controlar isso? Então não é por aí. Para mim, biopirataria se resolve da seguinte maneira: Nós temos que ter uma ação e isso o SIVAM pode ajudar para, mais rápido que os biopiratas, nós chegarmos às plantas, as informações que elas possuem, tirar delas as informações, o princípio ativo e patenteá-las. É assim que nós nos livramos da biopirataria. Vou dar um exemplo. Você mora aonde? Isabel: Araraquara. Coronel Albuquerque: Araraquara. Você está lá todo dia. Eu vou a Araraquara uma vez cada 6 meses e passo lá uma semana. Tem um monte de coisas a ser comprada e a ser pesquisada em Araraquara. Quem tem mais chances de pegar as coisas melhores, eu ou você? Você que mora lá porque eu só vou de vez em quando. Agora, se você não se organizar. Se você não estiver preocupada com isso e eu vou lá com tudo esquematizado, eu de repente pego mais coisas do que você. A Amazônia nossa é Araraquara. O biopirata vem de fora. Nós somos um número muito maior, temos todas as facilidades, temos que nos organizar para fazer. Não tem essa de temos que proibir a biopirataria. Sim, mas como? Vai proibir estrangeiros na Amazônia? Impossível! Sabe quanto o turismo ecológico gera na Amazônia? Dinheiro para caramba e pode gerar muito mais e tem que gerar muito mais que o turismo é o melhor investimento desse país. Ele não é mecanizável. Você dá oportunidade de emprego para um monte de gente de baixo nível que é o que mais tem nesse país, baixo nível de educação, entra dólar a vontade e não sai um puto de dinheiro. Não sainada. É o maior maná. Então nós temos que botar estrangeiro aqui dentro comprando. No meio disso tem os biopiratas. Não tem como. Então isso é papo, conversa, lorota de cara que vive no mundo da lua e quer levantar a bandeira de que é um absurdo. Absurdo como? Absurdo é a nossa comunidade científica, nossa sociedade brasileira estar de costas para a Amazônia. Isso que é absurdo. Atenção pessoal da UNESP da USP! Vamos todo mundo para a Amazônia fazer pesquisa. A conversa então não é botar a culpa no biopirata. A conversa é a seguinte: nós temos que ser mais rápidos que o biopirata. Temos que chegar na frente dele. Pode levar a plantinha amigo, ela já está patenteada, o princípio ativo dela é esse, quer levar a plantinha pode levar. Um parêntese: cana-de-açúcar, laranja, manga, café, jaca, biopirataria do século XVI, do século XVII, fizeram a fortuna desse país. Isabel: E a borracha foi levada daqui para outros lugares. Coronel Albuquerque: Foi levada e nós que temos o melhor clima. a melhor situação, não perdemos porque ela foi levada, perdemos pela nossa incompetência que até hoje nós não temos. As melhores fazendas de borracha são em São Paulo. Sabia? Então contra a nossa incompetência não há remédio, não adianta botar a culpa nos outros, nós temos que ser competentes. Não adianta colocar a culpa nos outros, nós temos que olhar e dizer: eu não estou fazendo, eu estou estático aqui, esperando que caia do céu. Não pode, a gente tem que fazer, estar preocupado com o biopirata. Vem cá! Que o governo está fazendo para patentear os princípios ativos dos remédios? Não vem com esse papo de que biopirata é pobre. Biopirata é quem pode. Conversa para boi dormir. 142 Isabel: Nós temos o TCA (Tratado de Cooperação Amazônica). Como esses membros do TCA nessa época de 90, 96, ou melhor, 95,96 viram esse projeto, se houve uma conversa entre os membros sobre o SIVAM? Como que foi isso? Coronel Albuquerque: Bom, 95,96 não viram. 95, 96 eu novamente vou permitir uma digressão. Até bem pouco todos esses países aqui eles estavam de costas uns para os outros porque os colonizados estavam basicamente de frente para os oceanos que eles países exportadores de riquezas, inclui nós também, o Brasil também. Então o que acontece? Esse povo olha para cá e esse povo olha para lá. Quem olha para cá? Ninguém. Estão todos de costas um para o outro, fazendo um círculo, uns de costas para os outros. Então, isso fez com que, tanto do lado de cá da fronteira, como do lado de lá da fronteira possui um grande vazio porque todos esses países estão olhando para fora. Então essa é a grande verdade. Aí agora estão começando olhar para dentro. Foi Juscelino Kubtisheck que era um cara visionário que percebeu que tinha que olhar para dentro e pôs a capital no centro do país. Não fora ele estaríamos todos aqui no Rio de Janeiro como capital ainda e olhando para fora. Bom, então aí alguns militares vão fazer a transamazônica, deram com os burros nágua. Fizeram algumas tentativas de olhar mais para dentro um pouco. Infrutíferas. Calha Norte transamazônica, etc foram grandes desastres como empreendimento e se não fosse, talvez tivesse hoje sido um desastre ecológico. Mas de qualquer maneira foi uma tentativa de dizer que se tinha que olhar para dentro. Também não é uma maneira correta, mas foi um alerta. Então esse povo todo estava olhando para fora. Eles não tinham conhecimento e hoje ainda têm muito pouco do que é o SIVAM e do que ele podia fazer por eles, porque o nível deles é muito baixo. Se nós estamos baixo, eles estão muito abaixo da gente. Vai a Venezuela. Hardware americano e software portátil. Os prédios são lindos. A Venezuela não produz nada. Um montão de desempregados, favelas a dar com pau. País rico em petróleo, só que petróleo não gera emprego. Uma máquina daquela sozinha fura, gera milhões de dólares e 3 caras tomando conta. Os caras não pegam esse dinheiro que o petróleo dele custa $2,00 reais e ele vende a $30,00. Isabel: E a época em que você fez estas palestras? Em qual ano assim para eu ter uma idéia. Coronel Albuquerque: 99, 2000, e alguma coisa em 2002, eles vindo aqui já para saber de coisas mais específicas. Isabel: Foi nessa época que houve algum contrato... Coronel Albuquerque: Antes disso tinha alguma coisa a nível presidente, o presidente tinha colocado que, até mais no sentido de que... mostrar a integração, de que o SIVAM não era nada do tipo que quisesse se assenhorar, nenhuma aventura imperialista, mas alguma coisa para melhorar o nosso meio ambiente, o nosso controle sobre o nosso país. O presidente tinha falado isso, sempre se colocou a disposição do SIVAM. Em 99, quando eu voltei dos Estados Unidos que eu passei 2 anos e meio lá e o projeto já era realidade, nós já tínhamos as coisas começando a ser implantadas, nós já sabíamos que aquilo não iria ser mais uma promessa, que o projeto ia acontecer, estava acontecendo. Então nós recebemos uma orientação do Itamaraty para irmos aos países e fomos acompanhá-los como parte de uma comitiva do Itamaraty para explicar, até para mostrar o que é, para eles, a princípio, primeiro se despreocuparem com uma coisa que pudesse ser uma agressão a eles e em segundo pudessem se interessar e se juntar a nós. Isso foi feito basicamente em 99 e 2000. Isabel: Esse convite para estar se juntando então foi feito, mas em 99, nada em 96 e 95? Coronel Albuquerque: 96, 95 nós estávamos muito preocupados com o nosso umbiguinho, tipo em fazer se tornar realidade, porque em 90, 95 e 96 nós estávamos numa briga no senado Federal porque o senador Gilberto Miranda tinha feito um relatório favorável a nós e ele acabou mudando o relatório dele e nós levamos de 95 até 97 para que o Ramez Tebet pudesse então tomar a frente e fazer o relatório para contratar o financiamento em 1997. Então, nessa época nós não tínhamos nem porque ir para lá porque na verdade nós não sabíamos o que ia acontecer. Nós não tínhamos nenhuma garantia de que o projeto iria acontecer. Só em 25 de julho de 1997 é que o contrato foi efetivado. Então 2 anos depois nós começamos a ter consistência. Até porque não faz sentido você falar de uma coisa que 143 não tem consistência. Em 95, 96 nós não tínhamos a mínima condição de fazer isso. Nós estávamos num embate com o senado Federal para aprovar o financiamento. Isabel: E nem anteriormente para a concepção não houve isso? Coronel Albuquerque: Não. Isabel: Aproveitando essa questão da macro-fronteira, qual é o alcance dos radares nos outros territórios? Vamos pensar na Bolívia, no Peru, na Colômbia. O quanto esses radares chegam, entram? Coronel Albuquerque: Isso aqui é uma coisa relativa. Nós temos 2 tipos de sensores: sensores aéreo embarcados e sensores de superfície. Os sensores de superfície, o radar, principalmente, ele sofre de um problema: curvatura da Terra, ele emite aqui bem rasteirinho com a Terra, mas a onda, a microonda, o radar não faz curva, ele anda só na reta. Então você há de convir que a partir de uma certa distância ele começa a fazer um buraco. Então quando eu vejo para o outro lado do país, ah, esse radar tem um alcance de 200 milhas que seria 360 quilômetros, mas a que altura eu vejo? Quando eu falo que o sensor que é aéreo embarcado aí ele vem assim para baixo, aí eu não estou nem aí para o aviãozinho (...). Então agora eu vou mostrar esses sensores para você para você ter uma idéia do que pega do que não pega. Aí você vai dizer: para que serve o radar e superfície se ele não pega aeronave à baixa altura? Ele serve porque você tem que fazer a segurança do tráfego aéreo e você precisa ter um sistema sistematizado, então ele te dá uma noção de tudo e depois os buracos você cobre com as aeronaves. Aí você começa determinar algumas rotas prováveis e ao mesmo tempo você começa a dar segurança a quem quer segurança que é importante na Amazônia que é uma área muito grande. Isabel: Sim, o professor Aziz na entrevista que me concedeu disse que eles se perderam lá no céu. Coronel Albuquerque: Então você começa a dar segurança a quem quer e começa a determinar apenas alguns caminhos para aqueles que querem se esconder e aí com as aeronaves você começa a patrulhar esporadicamente porque você não pode ficar patrulhando h 24 porque o custo é muito alto, mas de vez em quando você vai, igual polícia. Eu fico ali, no dia seguinte a patrulha já não está mais ali, está em outro canto. Onde que ela vai estar? Porque ela é muito móvel e aí você começa gerar uma insegurança, pega um, pega outro e o cara sabe que você não está em todos os lugares, mas ele também não sabe onde você está. É igual radar em rodovia. O cara não bota radar na rodovia toda, mas você não passa da velocidade. Por que? Porque o radar um dia está num canto, no outro dia está no outro. Aí você acaba andando numa velocidade mais baixa porque você vai estar com medo de onde vai estar o radar e o cara não precisa botar radar na rodovia toda. A rodovia tem mil quilômetros. Você colocou 1 radar! 2 radares! Isso não vai adiantar de nada. Depende, se o meu radar é móvel e eu cada dia posso trocar de radar e o motorista não sabe onde é que ele está eu acabo fazendo com que ele ande devagarzinho mesmo tendo só 2 radares. Então eu tenho 5 aviões. Você cobre todo? Não! Mas ele não sabe onde é que cada um está. Então é a mesma função. Ele age como o radar. O radar que eu estou falando é o radar da rodovia. Mesma maneira de pensar. E o traficante acaba tendo a mesma sensação do motorista. Aonde é que esse cara está hoje? E o radar de superfície eles fazem aquela cobertura para exatamente dar segurança a quem precisa, a sociedade. Bom, vamos voltar. Essa aqui é a estrutura do SIVAM. Tem o conselho, o CONSIPAM que fica na casa civil, tem o centro gestor que foi criado a pouco tempo, isso faz com que o SIVAM só venha a ter seu auge um pouco mais tarde, porque o centro gestor está um pouco embrionário ainda que não faz parte da gente. Eu na verdade só implanto, eu não opero. Hoje o pessoal tem curso, qualificação. Então tem uma defasagem entre o SIVAM estar inaugurado, estar pronto e estar operando. Você tem que qualificar essas pessoas, tem que integrar os órgãos parceiros. Isabel: Então ele está inaugurado, mas não está com a operação... Coronel Albuquerque: Ele gera informação, mas ainda não tem uma coisa sistematizada, com metodologia que gera a informação na velocidade que ele vai gerar. Isso ainda vai demorar um tantinho, 1 ano pelo menos. (demonstração da infraestrutura do SIVAM). 144 Agora eu vou falar para você dos sensores para você ter idéia do que chega de informação para cada centro daquele. Então o INPE, Instituto de Cuiabá, nós pegamos o INPE e fizemos esse up grade porque o INPE levava 3 horas para processar uma imagem LANDSAT. Aí nós botamos lá os computadores e hoje essa imagem ela é tratada em 15 minutos. Então o INPE tinha filas para o pessoal ter imagens. Isso até para nos atender também. Isabel: Esse material foi comprado para melhorar a infraestrutura do INPE e para fornecer tudo isso para vocês? Coronel Albuquerque: Isso. Está lá em Cachoeira Paulista. Por determinação nós temos 300 deste. Como você está vendo, essa pastinha, ele permite que o cara se comunique, mande texto, receba texto de qualquer lugar que ele estiver na Amazônia e use o satélite chamado LANDSAT. A equipe vai a campo e precisa mandar informações, receber informações, quer dizer se se perdeu. Então tem o GPS, se perdeu o que que faz, se alguém quebrou uma perna. Um apoio ao pessoal de campo, pesquisadores, biólogos, biopiratas (risos). Bom, nós temos 900 terminais de usuários que é o que dá uma capilaridade para o SIVAM. Cada terminal desse ele tem um fax, um telefone, um computador e tem uma estação via satélite que manda informações para o centro. Isabel: Esses terminais de usuários ficariam? Coronel Albuquerque: Todos os pelotões de fronteiras, todos os postos do IBAMA, todos os postos da FUNAI, todos os postos da Polícia Federal, todas as prefeituras com mais de 10 mil habitantes, nos 9 Estados da Amazônia Legal. São mais de 900, 940. Isso dá maior capilaridade para o sistema. Isabel: A gente indo fazer pesquisa, por exemplo, vou fazer uma visita a Amazônia, eu posso estar... Coronel Albuquerque: Pode. Vamos dizer, você está cadastrada. Aí eu já estou falando um pouco de futurologia porque como eu disse o processo ele ainda está em processo de normalização, mas eu entendo da seguinte forma: você é pesquisadora, vai lá no SIVAM e diz assim: olha eu quero fazer uma pesquisa lá em Maturacá e eu preciso passar alguns dados, mandar alguns dados para cá. Você pode me dar uma senha para eu entrar no sistema e passar algumas informações que eu preciso? Aí eu digo: posso. Está aqui a sua senha. Aí você chega lá em Maturacá, você sabe que tem um kit usuário que fica no pelotão de fronteiras de Maturacá. Você bateu na porta. Olha, eu queria falar aqui com o tenente. Tenente, eu sou uma pesquisadora do SIVAM e eu queria usar o kit usuário. Pois não. Você chega lá, entra no computador, bota sua senha, você acessa o sistema, manda o teu dado, recebe alguma coisa, manda um e-mail, recebe um e-mail. Você está em contato com o mundo mesmo lá em Maturacá. Seria essa uma das finalidades, ou seja, nós não queremos que ele tenha um dono, que ele seja da prefeitura e só a prefeitura utilize, Não sei se nós vamos conseguir isso. Essa idéia de comunitário. Bom, esse é o radar tridimensional transportável. Temos 25 radares já. Isso é como era o SIVAM antes da gente começar, como era a Amazônia antes da gente começar (explicação no mapa). Isabel: Atua essa parte também junto com o aeroporto, no sentido de orientação ligada ao aeroporto, essa parte de orientação ou não? Coronel Albuquerque: De uma certa forma sim, porque quando a gente faz isso você controla o fluxo de aeronaves que chegam nos aeroportos. Obviamente, quando as aeronaves descem a partir de um certo nível elas ficam ao controle visual que a gente chama, que é o cara pousar e ver se as rodas baixaram. Você passa. Você vai ver que a gente faz um rendof, vamos fazer uma passagem para esse operador de lá. Então você tem níveis, mas obviamente ele aumenta a segurança dos aeroportos também, pois as aeronaves com mau tempo são direcionadas para outros aeroportos, mas muitas vezes a aeronave tem que querer ser ajudada. Por exemplo, aquela a aeronave caiu agora em São Gabriel Cachoeira ela estava com o (...) desligado e não fez contato conosco. Fica difícil. Não teve jeito. ( explicação dos radares). Para ver a altitude é quando lança aquele balão, que vê cada de ozônio, velocidade do vento, altitude. Lança o balão, no balão tem um radiozinho que ele fica mandando informações para a estaçãozinha de terra, dizendo a posição do balão e a altura do balão. 145 Posição pelo GPSzinho que ele carrega e a altura. Aí ele vai dizendo e vai gravando aqui no chão e você vai vendo qual o deslocamento do balão, com isso você calcula o vento e tem uma sonda que vai passando informações sobre a quantidade de ozônio, oxigênio e tal. Geralmente o balão é lançado 2 vezes por dia. Essa aqui é uma estação que fica dentro do rio. Ela mede o nível de profundidade, temperatura, turbidez... algumas coisas. Nós temos um convênio com a ANEL que instala isso para a gente e opera. Elas na realidade ficam sozinhas, elas têm um painel solar, mandam informações para os satélites do INPE, mandam diariamente as informações e fica lá sozinho. O cara só vai lá cada 6 meses para ver se ela não está suja, parte de coleta de informações e, se ela pára de mandar dados aí o cara vai lá para ver o que aconteceu. Isabel: Deixa eu aproveitar e perguntar porque você é a única pessoa que vai poder me responder. E o material está se adaptando bem a questão da natureza? Coronel Albuquerque: Nós fizemos um convênio com a COPPE. E o professor Miranda que é especializado em corrosão, metalurgia. Fez um belíssimo trabalho em que eles simularam no laboratório o ambiente amazônico, vária áreas da Amazônia, porque são várias Amazônias. Simulou e pegou várias chapas e tratou de maneiras diferentes e viu para cada ambiente amazônico qual era o melhor tratamento de chapa que tinha para ser aplicado nos produtos do SIVAM para aquelas localidades. Isabel: Então isso foi desenvolvido na Universidade brasileira esse tratamento? Coronel Albuquerque: Foi, e depois nós pegamos essas placas e botamos no campo, nos locais que ele simulou. Ele simulou Rondônia, ele simulou não sei quê e nós botamos a placa lá e aí 2 anos depois nós fomos lá para ver o que tinha acontecido com a placa. Aí pegamos a placa de laboratório que simulou 2 anos no laboratório e vimos que deu tudo certinho. Que as simulações foram bem feitas. Nós fazíamos a proteção e depois riscávamos a placa para ver o risco, o que acontecia, como aquela proteção riscada... umas davam mais corrosão, outras menos. Então esse foi um trabalho que foi feito para que os equipamentos do SIVAM fossem tratados da forma mais eficiente. Isabel: Então para todos os equipamentos foi feito isso? Coronel Albuquerque: Não vou dizer todos, mas na sua grande maioria. Porque tem equipamentos que são tão baratos e tão simples de serem trocados, que se você exige esse tipo de tratamento ele fica num preço que é melhor você jogar fora quando ele estraga do que você fazer o tratamento. As vezes não vale a pena. As vezes o controle de qualidade é mais caro do que você trocar. Aí você não faz. Então, por isso que eu digo que não é para todos, mas para aqueles que isso é economicamente viável. Bom, mas aqui são as aeronaves de apoio. Elas são para... como nós compramos mais 25 radares, nós precisamos que esses radares estejam calibrados. Essas aeronaves são de calibração. Essa aeronave vigilância, aquela de alarde antecipado. Ela olha para baixo, ela tem só um buraco aqui embaixo dela porque ela não consegue, ela olha para o lado. A área tática seria um corte visto de cima (explicação de outros radares) Esse aqui é o (...) Satélite com a vantagem de que como ele está baixo eu posso as vezes estar a baixo das nuvens porque esse imageador ele não funciona se você tem nuvem. Então eu tenho locais que têm sempre nuvens, o satélites não conseguem me dar uma boa imagem. Então com o avião eu consigo voar a baixo das nuvens e eu capto imagens que os satélites não conseguem captar. Outra coisa é que os satélites dessa parte muito espectral eles são programados para passar naquele local numa determinada hora do dia, entre 10 e 11 horas da manhã porque é a hora que você tem maior luminosidade. Então o que acontece é que o satélite ele é programado para ter uma velocidade para que a cada ponto da Terra ele atinja entre 10 e 11 horas da manhã. Então ele vai meio contrariando o fuso, os horários para se manter sempre na mesma hora. Ele está sempre passando 10 horas em algum lugar. É assim que ele faz. Então o que acontece? Se você, por algum motivo, ou de umidade da Amazônia esse horário de 10 horas você tem sempre nuvens naquele local, ele nunca consegue fazer imagens daquele local porque ele sempre passa na mesma hora e é sempre aquela hora. Então com o avião você pode ir para lá, esperar a nuvem subir e fazer a passagem. Eu escolho a minha hora, chama-se resolução temporal. O satélite da resolução temporal que é pouco flexível, quando eu tenho a resolução temporal que é muito 146 flexível. Você tem que trabalhar com 3 tipos de resolução: temporal, espacial e espectral. A resolução temporal é essa: quantas vezes eu consigo revisitar o mesmo objeto. A resolução espacial é a seguinte: quantos metros por quantos metros eu consigo identificar, a minha resolução é um metro por um metro. Então, tudo que for mais de 1 metro separado eu consigo distinguir. Então nós usamos satélites LANDSAT de 30 metros. Nada do que esteja mais próximo do que 30 por 30 metros ele vai conseguir identificar como sendo 2 coisas diferentes. A célula mínima dele é de 30 por 30 metros. Aqui eu consigo 1 metro por 1 metro. Então se eu tiver 1 metro separado ele distingue. Então isso é resolução espacial. Resolução espectral é quanto eu consigo perceber de diferença de tonalidade de cor, de detalhes em termos espectrais e não em termos de tamanho, de forma. Diferenciar o que é grama do que é floresta. São essas diferenças. 3 resoluções constantes. (explicação dos radares e das imagens feitas pelas resoluções) Metodologia é a mesma coisa. Tem as funções, os produtos da metodologia. Então ele lança o espectro, intercepta missões. O planejamento controle para uma célula que a gente tem as funções. Você quer fazer uma operação, então você planeja rotas. Você levantou tudo isso, você vai arrumar (...). Aí eles se instalam lá, manda o pessoal do IBAMA, da Polícia Federal ir e planejar uma operação deles, fazer uma ação específica. Então eu acho que com esses produtos mostra bem tudo o que ele pode ajudar aos órgãos porque todos os produtos eles são produzidos lá. Isabel: Qual o impacto do SIVAM na região? Coronel Albuquerque: Bom, como você pode ver, o impacto ele vai ser grande no seguinte sentido: nós vamos poder ter uma melhor informação e ter ações, caso o governo queira – Estaduais, Federais – assim o desejem, eles vão ter informações suficientes para fazer ações muito mais efetivas, ou seja, menos gastos, menos gente e mais resultado por conta de todos esses produtos que um dia eu espero estarem disponíveis para toda a sociedade brasileira. Eu acho que isso vai gerar um impacto considerável na Amazônia. Na parte, vamos dizer, de desenvolvimento econômico sustentável, nós vamos poder, com essas imagens mais detalhadas, como você viu, definir melhor o isoneamento econômico e ecológico. Saber se os fazendeiros, as pessoas que têm terras, estão realmente preservando 80% e só desmatando 20% como é previsto na legislação. Vê se está produzindo, se tem fazenda de gado, aonde é para ter gado, aonde não é para ter gado, onde é para ter extrativismo natural e onde tem as leis, mas não tem quem as faça cumprir. Então isso Aí vai ajudar no conhecimento, por exemplo, do governo do Acre hoje está tentando fazer o povo da floresta fazer uma parte muito de recurso natural, dar informações para que eles realmente possam fazer esse tipo de coisa, ajudar a população, colocar as pessoas no lugar certo, dar maior apoio para as pessoas. Então, eu acho que dentro dessa área social de poder fazer projetos como na área de vigilância, mas policial para vigiar se aquilo que foi permitido, aquilo que é para ser feito realmente está sendo feito ou não está sendo feito. Você imagina se você tem um acampamento de sem – terra e você tem que fazer uma análise se uma fazenda é produtiva ou não e, ao invés de você ficar mandando os técnicos do INCRA lá para fazerem relatórios subjetivos, sendo ameaçados por sem – terras, você poder fazer isso utilizando esses equipamentos, onde você tem uma análise muito mais objetiva do que está sendo feita, sem expor o fiscal e, tendo coisas gravadas e guardadas que podem ser comprovadas em tribunais e ser colocadas numa negociação, numa coisa objetiva e não na palavra de um invasor, quanto a palavra de um fazendeiro, quanto a palavra de um fiscal. Então isso são ferramentas que podem minimizar em muito conflitos sociais. Não que vá resolver conflitos sociais, mas pelo menos torná-los mais confiáveis e mais objetivos que faz com que você tenha... está aqui a imagem. Então, como é que foi a invasão, houve invasão, não houve invasão? Então isso tudo são áreas que podem ser ajudadas. É fundamental que as organizações queiram a ajuda, se não isso vai ser um monte de informações que vão ficar guardadas num quartinho e não vai servir de nada. E aí não importa se foi feito por brasileiros, se foi feito por americanos. Se a sociedade brasileira não pressionar, se os órgãos não utilizarem o SIVAM não importa se ele nasceu certo se ele nasceu errado, se foi feito barato, se foi feito caro. Se utilizado, independentemente se ele ficou caro ou barato ele vai ficar baratíssimo. Utilizar 147 independente de quanto custou. Então eu diria que hoje a coisa está na mão disso, de fazer usar a ferramenta. É o fundamental. Está aí, mas se não for cutucado, se não for utilizado... é igual lá na sua casa. Se você bota um alarme que custou uma fortuna, mas você não liga ele, o que adianta? Se você não usar! Aí o cara diz: não, mas é muito complicado, tem ligar o alarme toda vez que entra em casa, toda vez que sai, deixa desligado. Ele jogou dinheiro fora, independente dele ter feito uma ótima compra. Então essa é a minha grande preocupação. Será que os nossos órgãos vão ter consciência e vão realmente utilizar essa ferramenta que está sendo colocada a disposição dele? Eu tenho uma grande interrogação na minha cabeça em relação a isso, principalmente por causa da estrutura que a gente tem. Nós temos a estrutura de quando se muda o governo, se muda alguma direção política, as mudanças elas descem muito em nível das organizações públicas. Então por exemplo, se muda o presidente da República, muda o presidente do IBGE, muda o diretor de GeoCiência do IBGE. Cara, essa mudança não pode atingir um nível tão baixo assim porque aí você desestrutura o sistema, ela tinha que estar restrita a um nível mais alto e ela desce até muito embaixo da estrutura governamental brasileira. Os DASs são os pragas. Sabe o que é DAS? É uma gratificação que é dada para os funcionários em cargos de confiança. Então, toda vez que muda o que o cara faz? Ele troca as pessoas que têm DAS, daí desce muito baixo na estrutura governamental. Graças a Deus com a exceção da estrutura militar. Temos um outro regime. Se o presidente mudar não tem nada a ver com eu sair dessa cadeira, não faz a mínima diferença para nós. Eu vou sair sim. O dia que eu for promovido, nós temos um fluxo... ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr. JOÃO ROBERTO MARTINS FILHO148 Isabel: A primeira questão que eu fiz é: Qual a concepção do Projeto SIVAM? Olha, o meu ponto de vista, eu não sou especializado no Projeto SIVAM, mas tendo a achar que desde o início esse projeto foi concebido como uma questão de defesa. As outras coisas são, vamos dizer, subprodutos que podem sair do projeto, por exemplo, vigilância ecológica, auxílio à aviação civil, localização de jazidas minerais, proteção das reservas indígenas, mas acho que o principal interesse das Forças Armadas com relação ao Projeto SIVAM desde o início foi à questão de vigilância de fronteiras, de um ponto de vista de defesa e segurança nacional, quer dizer, a idéia de SIVAM, foi uma idéia, do meu ponto de vista, relacionada à questão das ameaças às fronteiras dentro do que eu tenho estudado não especificamente sobre o SIVAM, mas em geral sobre a problemática da defesa da Amazônia. Isabel: Para você existiria uma alternativa para o SIVAM no âmbito nacional? Martins Filho: Eu não sou um especialista no SIVAM, mas eu acho, que houve manifestações da comunidade científica nacional dizendo que o Brasil teria condições de fazer o projeto. 148 NOTA. A entrevista ao Prof. Dr. João Roberto Martins Filho foi gravada por mim na Universidade Federal de São Carlos, no dia 09/04/2002 as 15:00 horas. Posteriormente fizemos a transcrição literal da entrevista mudando apenas, e muito excepcionalmente, repetições. Por razões de tempo esta e as outras transcrições não foram encaminhadas aos entrevistados. Mas caso alguém desejar consultar diretamente as entrevistas podem entrar em contato conosco já que temos guardadas as fitas em que foram gravadas. Por sugestão de meu orientador depois da defesa de minha Dissertação essas fitas serão entregues a Biblioteca da UNESP, Campus de Araraquara; ficarão assim liberadas para consulta. E-mail para contato: [email protected] 148 O problema é que as coisas que vêm das Forças Armadas são muito autoritárias, muito centralizadas, não existe nenhum hábito nas Forças Armadas, a não ser no nível do discurso, de discutir com a sociedade questões de defesa, então, são caixas pretas, e mesmo com a criação do Ministério da Defesa, isso não mudou. O Projeto SIVAM, muito dos percalços que ele teve que enfrentar estão relacionados a essa questão da forma de como são encaminhados esses projetos militares, existe uma noção nas Forças Armadas de que projetos militares só têm que ser cuidados pelas Forças Armadas. Isabel: E assim, pensando por aí, poderia dizer que houve uma renúncia a essa tecnologia nacional, ou não? Martin Filho: A versão da Aeronáutica é que a compra de uma empresa americana, que é a Raytheon, ela se justifica pelo fato de que o Brasil vai controlar o software, que os aviões vão ser brasileiros, o radar vai ser sueco, e já está em operação; os radares aéreos, porque há os radares também portáteis, vamos dizer assim, que podem ser mudados de lugar, e o que pesou muito, aparentemente, foi fato de que com o interesse do governo americano em que os Estados Unidos pegassem esse projeto, que é um dos maiores projetos nos últimos tempos em termos desse tipo de material. Os americanos proporcionaram, segundo, pelo menos a versão da Aeronáutica, eles proporcionaram um sistema de financiamento que foi muito interessante para o Brasil junto com o projeto eles venderam o financiamento do projeto também. Isabel: Essas opções tecnológicas seriam as mais adequadas para essa concepção que se tem do SIVAM. Martins Filho: As respostas anteriores de certa maneira respondem isso também, que dizer, nós nem temos clareza qual a concepção do SIVAM, porque a Aeronáutica é muito fechada, não houve um debate com a comunidade científica nacional que é propensa a apoiar o Projeto SIVAM. A comunidade científica nacional não é contrária ao SIVAM, existe uma certa consciência de que a Amazônia é um problema que tem que ser equacionado, e não existe, vamos dizer, opiniões contrárias à própria idéia de se fazer um sistema de proteção e vigilância, o problema é saber que parte dessa tecnologia podia ser desenvolvida aqui, e por outro lado, antes disso ainda, quais as funções do SIVAM que são prioritárias? Acho que também não há oposição na comunidade científica a idéia de que precisa proteger as fronteiras, a idéia de que o Brasil é vulnerável, isso não existe também. O problema é que certas funções do SIVAM, por exemplo, ecologia e indígena são justamente aquelas questões que as Forças Armadas consideram como ameaça a segurança nacional, e do ponto de vista, por exemplo, da comunidade científica as reservas indígenas não são uma ameaça à segurança nacional ou a proteção ecológica e a participação de ONGs internacionais não são ameaças à segurança nacional necessariamente. Enquanto que as forças armadas tem toda essa visão de que tudo que se relacione a indígena, a ecologia é ameaça a segurança nacional, a soberania nacional. O Projeto SIVAM envolve uma série de questões, que a única forma de equacionar com o apoio da comunidade científica e da sociedade brasileira seria discutir isso daí abertamente, uma vez que não é discutido abertamente, a não ser pró-fórmula, só para conseguir o apóio dos deputados e coisas assim. Então o que você tem? Você tem uma caixa preta, e todos os aspectos dela que você discute passou a ser difícil de relacionar com o conjunto, porque você não tem a noção do que é o conjunto. Isabel: Como que toda essa informação que esse projeto trás pode estar ajudando os outros órgãos, ou seja, os órgãos usuários públicos brasileiros, a estar atuando de foram muito coerente na região? É o que eles pretendem, não é? É o que eles falam. Martins Filho: Esse aspecto técnico de como é que vai se fazer a disponibilização e a utilização das informações eu não tenho condições de responder, eu sei que as forças armadas, e é esse o ponto de vista principal. O que as Forças Armadas pensam? Elas têm enfatizado muito, para efeito talvez de relações públicas, que elas podem disponibilizar informações para uso social, quer dizer, inclusive para outros países ela já ofereceram. Em uma dessas reuniões que tiveram no exterior elas ofereceram informações através do Projeto SIVAM. 149 Acontece, que um projeto desse tipo, ele foi muito pouco discutido. Nós não estamos nem no ponto ainda de saber como utilizar essas informações, se a gente ainda não sabe exatamente que tipo de informação que nós vamos ter. Eu sei que existe algum tipo de relação com o INPA, com organismos lá da Amazônia, mesmo porque, o pessoal da Amazônia está muito envolvido com projetos relacionados com a Amazônia internacional. Porque eu sei que as Forças Armadas desconfiam de qualquer projeto que tenham financiamento estrangeiro, embora elas tenham comprado da Raytheon o sistema de radar, mas elas desconfiam, existe essa tensão, que a comunidade científica tende a fazer convênios para conseguir dinheiro fora, e os institutos de pesquisa tendem a se integrar nesse projeto “Amazônia 21”, essas coisas estão muito ligadas ao financiamento estrangeiro e as Forças Armadas desconfiam disso. O problema das Forças Armadas é que elas têm um ponto de vista muito delas, elas são muito pouco permeáveis à sociedade, a não ser no nível do discurso. No nível do discurso elas se dizem permeáveis, mas, por exemplo, se você quiser saber um pouco qual é o ponto de vista dela sobre essas coisas, você pode ver um documento que tem aqui chamado “Manifestações sobre temas sensíveis”, que é como as Forças Armadas devem falar sobre cada tema. É um manual para como o oficial deve falar a imprensa de vários temas, e lá deve ter o SIVAM também. Isabel: Uma das questões que reforçam o SIVAM é de que ele combateria a biopirataria. Como que esse conjunto de radares poderia combater a biopirataria? Se de repente as populações ribeirinhas, e até os índios é a única fonte de renda para eles lá em algumas ocasiões é o bioconhecimento que eles têm. Então como conseguir combater a biopirataria? Martins Filho: Eu não tenho condições de responder a isso, teria que ser alguém especialista nessa questão entendeu? Mas de novo eu falo, que isso foi mais um lance de retórica do que uma intenção real de fornecer essas informações. Isabel: E como você disse mesmo a extensão da fronteira é muito grande lá. A Amazônia é uma região compartilhada por oito países, mais uma colônia, e existe o Tratado de Cooperação Amazônica, então, como é que Houve uma conversa nesse Tratado de Cooperação Amazônica? Os outros países estão cientes desse projeto? Martins Filho: Me parece que não, parece que o Tratado de Cooperação Amazônica está meio desativado, entendeu? Não está funcionado. Quem escreveu sobre isso é o Sheguenolli, tem um texto dele sobre quando foi feito e a importância que teve no governo Geisel o Tratado de Cooperação Amazônica na época do da Silveira, também tenho uma dissertação aqui que você pode dar uma olhada, sobre a política externa do governo Geisel, é uma dissertação de mestrado do Rio Grande do Sul, ali talvez você encontre essas informações, mas mais recentemente eu sei que houve uma reunião internacional entre o Brasil e o TCA que se disse disposto a divulgar essas informações para outros países, mas a verdade é que a questão Amazônica hoje ela está fugindo completamente a uma perspectiva do Tratado de Cooperação Amazônica, isso não está funcionado como, por exemplo, o MERCOSUL que está funcionado com todos os problemas. Que eu saiba, o Tratado de Cooperação Amazônica está no papel, ele não está sendo implantado, com toda essa questão da globalização, a coisa parece que perdeu se um pouco o controle dessa questão amazônica por parte dos países da Amazônia. Os Estados Unidos está muito mais interessado em militarizar essa questão com o negócio do Plano Colômbia, etc., e tal, o que só agrava os problemas, as percepções militares do Brasil. Isabel: Esses radares, por exemplo, poderiam estar alcançando esses outros territórios também, já que a gente pode ter além dos aéreos embarcados aqueles que mudam de posição, os terrestres, como você chegou a comentar, aí a gente poderia estar alcançando os territórios vizinhos ali. Martins Filho: Eu acho que sim, eu não sei qual é o alcance técnico, qual é raio de alcance de cada radar desse, mas isso teria que ser feita uma pesquisa para saber. Eles estão situados alguns deles muito próximos da fronteira, então sim, eles teriam, mas eu não sei até qual o raio disso. O que eu sei, é que os Estados Unidos tem no Panamá um centro de vigilância aérea, (e o Brasil sempre costuma participar desse centro), que afeta 150 principalmente a Colômbia, e deve afetar uma área do território brasileiro, mas isso existe informação por aí, isso na entrevista do Ferola tem. Isabel: Qual seria o impacto na região do Projeto SIVAM? Martins Filho: Olha, eu não sei. Eu volto a questão inicial, quer dizer, você tem mais condições de saber isso do que eu, o que exatamente vai ser o projeto SIVAM? Entendeu? O que exatamente ele vai ser, do ponto de vista prático, efetivo, real? Não do discurso. O projeto SIVAM ele já está em operação? Uma parte está. Você tem visto alguma notícia com relação à produção de dados? Isabel: Não. Martins Filho: Então, isso é uma questão a saber em seguida, e aí tem que ser uma abordagem multidisciplinar, porque um pesquisador de Forças Armadas não vai ter condições de dar conta de muitas das questões que você colocou, entendeu? Isabel: Obrigada ENTREVISTA AO PROFESSOR Dr. RENATO PEIXOTO DAGNINO149 Dagnino: Bom, porque o SIVAM? Acho que, como é que dá para entender o SIVAM? Eu acho que o SIVAM tem que ser entendido dentro de um contexto maior, que diz respeito às iniciativas dos militares brasileiros em relação à questão científico-tecnológica. Quem são os militares brasileiros em relação a isso? A preocupação dos militares brasileiros por Ciência e Tecnologia ela é algo quase que inerente a sua função, quer dizer, na medida que a sua função, que a função dos militares é... Interrupção Então essa preocupação dos militares com a Ciência e Tecnologia ela é genérica na medida em que a guerra se torna, sobretudo, a partir do final do século XIX, algo cada vez mais dependente da tecnologia, é normal que os meios de guerra na medida em que podem, digamos, aumentar a sua eficácia em função de um desenvolvimento tecnológico é normal que em um contexto como esse, que os militares tenham uma preocupação muito grande em relação à Ciência e Tecnologia. Na realidade até a 1a. Guerra Mundial existia um conceito de mobilização industrial, que queria dizer basicamente o seguinte: quando você estiver na guerra aí você mobiliza a sua indústria e sua capacitação tecnológica para produzir os meios de guerra. Depois da 1a. Guerra Mundial nasceu um outro conceito, bastante diferente, que era o conceito de estar preparado para a guerra a todo o momento, ou seja, de tal forma que não era só durante a guerra, ou no momento imediatamente anterior à deflagração de uma guerra, de um conflito, que os militares tinham de se preocupar com os meios de defesa, e, portanto, com a tecnologia. As partir da 2a.Guerra Mundial a preocupação com a guerra e com os meios de defesa passou a ser algo permanentemente ao longo do tempo. Isso deu um impulso enorme à questão do P&D militar. A P&D militar passou então a ser um objetivo e uma tarefa de qualquer força armada. A 2a. Guerra Mundial, ela marca o início da Guerra Fria, quer dizer, 149 NOTA. A entrevista ao Prof. Dr. Renato Peixoto Dagnino foi gravada por mim no Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências (IGE) da Universidade de Campinas (UNICAMP), no dia 16/04/2002 as 14:00 horas. Posteriormente fizemos a transcrição literal da entrevista mudando apenas, e muito excepcionalmente, repetições. Por razões de tempo esta e as outras transcrições não foram encaminhadas aos entrevistados. Mas caso alguém desejar consultar diretamente as entrevistas podem entrar em contato conosco já que temos guardadas as fitas em que foram gravadas. Por sugestão de meu orientador depois da defesa de minha Dissertação essas fitas serão entregues a Biblioteca da UNESP, Campus de Araraquara; ficarão assim liberadas para consulta. E-mail para contato: [email protected] 151 quando termina a 2a. Guerra Mundial com as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki os Estados Unidos está mandando um recado para seus aliados: “Olha! Tudo bem! Fomos aliados, ganhamos a guerra, União Soviética. Só que vocês são socialistas e nós somos capitalistas. E cuidado comigo que eu tenho a bomba”. Essa situação permaneceu até 50 e poucos quando a União Soviética passou também a ter uma bomba atômica, mas isso desencadeou, no interior da Guerra Fria uma corrida armamentista, que você conhece bem, e que teve como um de seus pontos importantes, justamente a Pesquisa e Desenvolvimento na área militar. Até aí eu acho que é suficiente para entender o que acontece no mundo inteiro e podemos passar para o Brasil. O Brasil participa no final da 2a. Guerra Mundial e, o fruto dessa participação traz consigo de volta da guerra uma preocupação muito grande com P&D. Os militares brasileiros tomam contato com uma outra maneira de fazer guerra, com a qual eles não estavam acostumados, e vislumbram que era necessário ter capacitação tecnológica para conseguir fazer a guerra como ela deveria ser feita, a partir de então. Então, há uma preocupação muito grande com a pesquisa científica-tecnológica. Os militares voltam então com duas idéias basicamente: a marinha, uma força mais antiga e mais aristocrática, etc, etc, com a idéia de fazer um artefato nuclear, e se você lembrar, em 51 quando o CNPq é criado pelo Almirante Álvaro Alberto. O CNPq é criado justamente para fazer pesquisa na área nuclear e produzir uma bomba atômica. Depois é que o CNPq muda de missão já no final da década de 50, começo da década de 60, senão me engano, dado que os Estados Unidos não está disposto a oferecer tecnologia nuclear e trocar essa tecnologia pelas areias monosíticas e pelos minérios radioativos brasileiros, que era o acordo que o Álvaro Alberto conseguiu fazer com os americanos, dado que esse acordo é descumprido, a pretensão brasileira de ter um artefato nuclear fica na gaveta. Ela vem ressurgir depois, fica na gaveta, e o CNPq passa a ser outra coisa e pega o modelo do CNRes francês. Interrupção A marinha por outro lado vem com essa idéia e a força aérea, que tinha sido recém criada a partir da aviação militar do exército que dá origem a Força Aérea Brasileira, vem com uma outra idéia: a de produzir um avião. É criado o CTA e o ITA em 49 e começa a funcionar em 50, produzindo recursos humanos altamente qualificados. Você sabe, que o ITA foi uma joint venture com o IMT e realmente produziu os melhores engenheiros da América Latina, saíram do ITA. á idéia era criar então, a chamada “massa crítica”, a partir da qual a coisa poderia funcionar sozinha. Durante muito tempo, os militares buscam um parceiro nacional para esse investimento, não poderia ser uma empresa multinacional, não acham o parceiro e finalmente criam a EMBRAER em 1970 como uma empresa estatal. Então, a Empresa Brasileira de Aeronáutica ela cria sobre os auspícios do CTA, o terreno é do CTA, o equipamento é do CTA, o pessoal é do CTA, enfim, na EMBRAER existe um enorme “custo afundado” com dizem os economistas, “sink cost” como dizem os americanos, um “custo afundado” enorme, dinheiro público muito grande ali colocado. Do ponto de vista tecnológico, a Embraer persegue uma estratégia muito diferente daquela que estava sendo implementada no país como um todo, por ser uma área considerada de segurança nacional e de interesse dos militares há possibilidade de cercar essa iniciativa com uma série de dificuldades, barreiras protecionistas, etc., de tal forma, que é um dos poucos setores da indústria brasileira onde você tem a possibilidade de fazer ligação de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, e desenvolvimento tecnológico com produção industrial. A história da Ciência e Tecnologia no Brasil, ela é marcada, por uma incapacidade que hoje é reconhecida oficialmente, coisa que não era alguns anos atrás. Hoje o Ministério Da Ciência e Tecnologia, caricaturizando, só para a gente entender melhor, diz “Olha! Só papers não adianta temos que ter patentes”, o Brasil produz 1% dos papers, mas produz “zero vírgula zero qualquer coisa” das patentes, o que mostra, que não basta ter pesquisa científica, formação de recursos humanos, é necessário também ter uma preocupação com a tecnologia, coisa que inexistia na indústria brasileira como um todo. Na realidade, os setores onde você observa uma capacidade de aproveitar os resultados da pesquisa para a produção, para a sociedade, ou como você quiser chamar, é na área agrícola e na área de 152 saúde. Que são duas áreas onde não é possível importar tecnologia; na área de saúde porque, bom, a febre amarela só tem aqui. Então Osvaldo Cruz e na área de saúde porque a vassourinha de não sei o quê, a praga de não sei do que também só existe aqui. Então com exceção dessas duas áreas de agricultura, agropecuária em geral e saúde e alguma coisa de recursos minerais, pelas mesmas razões, o resto como regra geral, é a dependência tecnológica. Dependência que é algo intrínseco, inerente ao modelo de desenvolvimento periférico, quer dizer, o país que entra no circuito internacional de trocas numa posição de exportador de matérias-primas e importador de produtos manufaturados e como se não bastasse ainda, com um a pauta de consumo muito, isso é muito importante, muito semelhante a dos países avançados De tal forma, que nossa classe média e nossa classe alta por terem uma pauta de consumo muito semelhante, terminam pressionando o país como um todo, o governo para que adote um modelo de substituição de importações que envolvem sempre a produção local desses bens, desses produtos demandados pela classe alta e pela classe média, produtos para os quais, evidentemente, já existe tecnologia Oras, se para produzir esses produtos já existia tecnologia, porque que ía-se desenvolver uma tecnologia nacional? Então, como regra geral, o que nos temos na estrutura produtiva brasileira é uma dependência tecnológica que não tem maneira de ser resolvida, é uma questão estrutural, você é um país retardatário, nós somos um late comer, quando nós chegamos a festa já estava andando, e como agravante temos uma estrutura, uma pauta de consumo de nossas elites muito semelhante a dos países avançados. Bom, mas você pode dizer que todos os países exceção da Inglaterra substituíram importações. Só na Inglaterra, lá o berço da civilização industrial, na França, na Alemanha e todos os outros tiveram que no século XIX, começaram no século IXX e século XX sempre correndo atrás do prejuízo. Agora e nesse século Japão e Coréia também. Agora, o que diferencia o Brasil desses países, já que eles também substituíram importações, já que eles também fecharam a sua economia? O que diferencia o Brasil é uma enorme e cada vez maior decrescividade da renda, quer dizer, a distribuição extremamente desigual do acesso à riqueza atuou no Brasil como um potencializador, como algo, que aumenta a dificuldade oriunda do fato de que nós estamos sempre produzindo internamente coisas para as quais já existe tecnologia. Essa distribuição de renda muito regressiva faz com que a nossa indústria, seja sempre muito menor do que ela poderia ser, e ela sendo muito menor do que ela poderia ser ela não viabiliza inovações tecnológicas, ainda que menores, quer dizer, se você vai produzir um automóvel para 3 milhões de pessoas, ou para 1 milhão de pessoas, quando muito menos. Quando a indústria automobilística foi criada no Brasil (...), não tem sentido você fazer nenhuma modificação na tecnologia. Quando você tem um mercado maior aí não, espera aí, vamos mudar um pouquinho aqui porque nossas estradas são diferentes, o clima é diferente, o gosto do brasileiro é diferente, etc., mas nem isso, nem as inovações menores ocorreram. Em conseqüência o que nós temos no Brasil? Uma perpétua não, mas uma estrutural separação entre o chamado setor de pesquisa de formação de recursos humanos a universidade, e os institutos de pesquisa e a atividade produtiva. Bom, voltando para a “coisa” militar. Os militares percebiam isso muito claramente, parece que eles liam melhor do que os civis e melhor do que os acadêmicos, o que estavam dizendo as pessoas que escreviam sobre esse tema na década de 60, que eram basicamente argentinos, o Amílcar Herrera, Jorge Sábato, e o Leite Lopes aqui no Brasil, que apontaram esse caráter estrutural da dependência tecnológica, mostrando que só não poderia ocorrer a dependência tecnológica caso houvesse uma ação do Estado muito categórica, muito incisiva para soldar a cadeia que vai da pesquisa básica até a produção industrial de um determinado bem, quer dizer, a menos que isso ocorresse, a regra era o que ocorria na indústria automotora. Os militares parecem ter entendido isso muito bem e com relação a EMBRAER e a indústria aeronáutica, essa preocupação foi seguida à risca, tanto é, que se cria o CTA e o ITA, 20 anos antes de criar a EMBRAER. De al forma, que quando a EMBRAER é criada você já tem o “Bandeirante”, que é o primeiro produto da EMBRAER, já tinha voado no CTA, de tal forma, que a EMBRAER recebe o produto e se trata de aprender a produzir industrialmente uma concepção. Agora, não é só isso também, a estratégia tecnológica da EMBRAER é caracterizada por uma grande capacidade de 153 “quebrar galho”, do “jeitinho” se você quiser, é o que a gente chama de engenharia de sistema, quer dizer, o que o ITA sabia fazer, o quê? O que o CTA sabia fazer? Sabiam projetar um avião, eram muito bons em aerodinâmica, e em cálculo de fuselagem, então, aquilo ali é realmente à parte do avião nacional, o resto tudo, pode-se dizer, é importado. Se você pegar um avião da EMBRAER hoje, 30 anos depois dela ter sido fundada, o avião é ainda 2/3 do seu (...), ou eu diria ¾ de seu valor é material importado; a EMBRAER não produz motor, e não produz aviônicos, e quando você tira o motor e o aviônico, você já tirou metade do preço do avião, mas nem mesmo as chapas de alumínio, mesmo sendo o Brasil um dos maiores exportadores de alumínio, nem as chapas de alumínio são produzidas localmente. Bom isso é ruim, podia ser melhor, mesmo porque o pessoal fala a EMBRAER exporta US$ 4 bilhões, mas na realidade, se você tirar os US$ 3 bilhões que são importados, sobra US$ 1 bilhão, US$ 1 bilhão de US$ 4 bilhões, mas tudo bem, quer dizer, foi uma estratégia tecnológica, vamos dizer assim que não pretendia autarquia tecnológica, veja a diferença, o conceito de dependência, o antônimo desse conceito dependência, no nosso entender e no entender dos militares também, não era independência tecnológica, o que seria autarquia, mas autarquia tecnológica e autonomia tecnológica eram muito diferentes de independência tecnológica. O que é autonomia tecnológica, autonomia tecnológica é você ter a capacidade de decidir, isso que caracterizou as esperanças da EMBRAER, então, a EMBRAER decidia o que comprar, de quem comprar e quando comprar, isso permitiu a ela ter uma margem de barganha muito maior, e permitiu a ela traçar uma estratégia de desenvolvimento tecnológico que foi indo sempre pelas linhas de menor resistência, isso é o que caracteriza a estratégia dos militares em relação à Ciência e Tecnologia. No âmbito militar, esse grafiquinho que eu estava fazendo ali, aparecem três atores principais, basicamente, você tem: os intervencionistas, os profissionalistas e os guerrilheiros tecnológicos. Os intervencionistas qual é a idéia deles? É a intervenção na vida civil mesmo, a função militar que eles privilegiam é a defesa interna; os profissionalistas é a profissão mesmo, são legalistas: “Nós somos os homens das armas, não vamos entrar na política, nosso ‘barato’é defesa externa”, então, esses intervencionistas eles capturam essa porção do Estado, política e polícia, se você lembrar, durante o governo militar toda a polícia militar era na realidade controlada pelo exército, quer dizer, não deveria ser; um outro ator é o guerrilheiro tecnológico, qual é a preocupação do guerrilheiro tecnológico? São os meios de defesa e o impacto tecnológico mais amplo da produção militar, e que esses “caras” querem do aparelho de Estado? O sistema de P&D, então (...) (mostrando o gráfico).Esses vão intervir na agenda política, esses aqui vão se preocupar com defesa externa e para isso eles vão ter um papel importante nas relações externas do país, e esses aqui querem isso aqui e intervém dessa forma. Bom, no meio militar ao contrário de que a gente como civil pensa, a gente acha: ‘Ah! Aquela hierarquia toda e tal, eles devem ser muito monolíticos, todo mundo deve pensar “igual”, mas é exatamente ao contrário justamente por ter essa hierarquia tão marcada, é possível que os vários atores ou as várias corporações existentes dentro do meio militar impulsionem projetos distintos de tal forma, que você pode ter o “cara” que gosta de fazer avião, o “cara” que gosta de conchavo político para derrubar presidente, o “cara” que gosta de torturar, estuprar preso político, etc. Então, esses “caras” convivem numa boa, coisa que na universidade, por exemplo, seria uma coisa inconcebível Na universidade como a gente não tem hierarquia uma diferença tão grande de ação faria colapsar a universidade, enquanto que no meio militar não e é por isso que você explica justamente funções tão diferenciadas dentro do meio militar. Essa história toda da EMBRAER, dos projetos militares, etc., vai gerando por parte dos civis, da sociedade civil um aprendizado no que respeita a viabilidade da autonomia tecnológica, quer dizer, passou a se dizer que a autonomia tecnológica não era um bicho de sete cabeças, dava para ter só que não podia prescindir de um apoio firme do governo, então, a reserva de mercado, a experiência do Brasil na área de informática, na área de telecomunicações, na área de produção de energia, na área de extração de petróleo etc. São experiências bem sucedidas de desenvolvimento tecnológico e de ligação pesquisa-produção, de alguma forma emulando que havia se mostrado possível na área de produção aeronáutica Então, começa 154 a se criar, começa a se generalizar na sociedade civil e também no meio militar a idéia de que era possível você ter avanços tecnológicos importantes, desde que houvesse o apoio do Estado. Ora! É claro que o Estado tende a apoiar as coisas que lhe parecem mais importantes, o governo militar, apoiava as coisas que ele considerava mais importantes, o governo militar não estava muito interessado em apoiar coisas que resolvessem o déficit habitacional brasileiro, ou que permitisse as pessoas de menor renda ter acesso à educação, mediante a uma tecnologia mais eficiente para educar pessoas. Quando eu falo em tecnologia, evidentemente eu estou falando lato sensu, tecnologia não a máquina em si, mas toda uma concepção logística, todo um sistema, que permite tornar mais efetivo, no sentido de eficaz, eficiente, efetivo os processos que transcorrem na sociedade. Então essa autonomia tecnológica ficou restrita aos chamados setores estratégicos, ou seja, o que é estratégico? Na concepção dos militares, estratégico era aquilo que tinha de alguma forma uma relação com seu projeto de Brasil grande potência, o que não queria dizer necessariamente produção de armamentos, uma série de atividades que foram apoiadas pelo governo militar, como por exemplo, a área computadores, telecomunicações, extração de petróleo. Não eram áreas que tinham uma relação muito estreita com a questão militar stricto sensu. Não eram tecnologias necessárias para a guerra, mas eram tecnologias que eram coerentes com a idéia de o Brasil um dia ser uma potência média a partir dos anos 80. essa situação ela, ocorre .... A partir dos finais dos anos 70, começo dos 80 ocorrem em paralelo no que diz respeito à Ciência e Tecnologia em nosso país dois tipos de experiências bem sucedidas, umas que dizem respeito à tecnologia militar stricto sensu: produção de armamento, inclusive, aviões, mas também mísseis, carros de combate, etc. E, outra experiência bem sucedida é nessas áreas como informática, telecomunicações, petróleo, energia, etc. Essas duas áreas, digamos assim, seguem o mesmo modelo, que é aquele modelo de autonomia tecnológica, não como independência ou autarquia, mas autonomia tecnológica que tinha por base capacitação científico-tecnológica, então, você tinha esses dois tipos de experiências bem sucedidas de autonomia tecnológica num mar de dependência O mar de dependência era criado pelo fato de que havia uma aposta de curto prazo por parte do governo militar, e uma aposta de montar (...), qual era a aposta de curto prazo? Era fazer a economia crescer e para fazer a economia crescer tinha que trazer capital estrangeiro, e para trazer capital estrangeiro tinha de trazer tecnologia importada, então, de um lado, o governo militar favorecia a importação de tecnologia, ao abrir as portas para o capital estrangeiro, é um processo de intensa desnacionalização da economia brasileira que se dá a partir do golpe militar e que aponta para o retorno de dependência tecnológica. Isso valia para o conjunto da indústria brasileira. Com a outra mão, a mão esquerda, o que fazia o governo militar, tinha esses dois tipos de experiências para área de produção de armamentos propriamente dito e para essas outras áreas como informática, etc., etc. Agora, tanto para uma, como para a outra, o que o governo militar fez a partir dos anos 70? A partir dos anos 70 o governo militar passou a implementar uma política de criação dentro da universidade brasileira de curso de pós-graduação, tempo integral, equipamentos nos laboratório, bibliotecas, etc., de tal forma, que essa estrutura universitária, ela servia de base para essas duas experiências bem sucedidas: produção de armamento e informática, telecomunicações, petróleo e etc; mas servia também para no futuro evitar que a abertura ao capital multinacional perpetuasse uma situação de dependência tecnológica, ou seja, havia expectativa, infundada na realidade, de que a criação dessa capacitação na universidade brasileira pudesse fazer com que ao invés de simplesmente substituir importação, nós passássemos a substituir tecnologia, quer dizer, uma vez que para substituir importações de bens, produtos, na realidade você importa tecnologia, mas se você quer produzir um automóvel aqui, você tem que importar tecnologia de produzir automóveis, então, a expectativa é que essa base científico-tecnológica que estava sendo estimulada, cuja criação estava sendo estimulada na universidade pudesse num futuro permitir a substituição de tecnologia importada para o grosso da indústria nacional que estava submergida num mar de dependência tecnológica. Evidentemente como a gente sabe, isso não aconteceu. 155 O Brasil hoje está formando mais de seis mil doutores por ano, e é muito difícil você encontrar um doutor que seja, fazendo pesquisa em uma empresa privada brasileira. Enquanto 70% dos doutores norte-americanos que se formam ano a ano vão para empresas privadas fazer pesquisa, nós estamos formando seis mil por ano e eu duvido que você conheça algum doutor que esteja fazendo pesquisa na empresa privada brasileira. Então, esse “luxo thinking” ele não ocorreu; você cria recursos humanos, você cria papers, mas não tem como criar tecnologia, a não ser, novamente em setores protegidos. Bom, é justamente essa percepção, que agora já nos anos 90 não é só dos militares, é do conjunto inclusive da comunidade científica, essa percepção que diz “Ah! Não, o SIVAM é nosso” ou seja, o SIVAM é uma oportunidade como foi a produção aeronáutica, a produção de armamentos, as telecomunicações, a informática Certo. Veja! A informática já tinha dado com os “burros n’água”, a economia brasileira já estava em outro ciclo de desnacionalização que começou no governo Collor, um acentuado ciclo de desnacionalização que restringia a possibilidade de empregar os recursos humanos e o conhecimento desenvolvido, ora, essa comunidade científica ela é muito zelosa, não só da Ciência e Tecnologia, mas também do seu emprego, então, o SIVAM foi visto como uma oportunidade para o crescimento e os recursos humanos que estavam sendo formados no Brasil encontrassem um local de aplicação. A pergunta que eu faço nesse artigo é a seguinte, tudo bem, pode ser até circundar isso, mas será que o Brasil não tem outros problemas? Será que o Brasil não tem imensos problemas na área de saúde, educação, transporte, comunicações, etc., etc? Quer dizer, será que só o Sistema de Vigilância da Amazônia é uma oportunidade de aplicação do conhecimento e dos recursos humanos que nós temos capacidade de produzir Por quê? Por que o SIVAM é importante, que todo o resto que nós temos para resolver aqui, e não tem nenhuma Raytheon interessada, não é importante? Porque quando aparece o SIVAM toda comunidade de pesquisa cai em cima, por quê? Por várias razões: uma razão importante não é propriamente política, nem de politics, nem de policy é uma razão que diz respeito à incompreensão da comunidade de pesquisa de que essas áreas de produção de bens e serviços para satisfazer as necessidades básicas da população tem um desafio tecnológico importante. Então, se você for conversar com um colega nosso da área de Ciência dura ele vai dizer: “Ah não! A produção de alimentos, construção de moradia, isso aí, saneamento, água potável, esgoto, essa tecnologia já existe há muito tempo, isso aí não tem nenhum appeal tecnológico. Isso aí não precisa fazer pesquisa para isso”. Essa é a visão majoritária da nossa comunidade de pesquisa. Quando na realidade o que eu argumentava nesse artigo já era ao contrário, ao contrário que as grandes oportunidades de inovação tecnológica, sobretudo para países como o nosso, estão nessas áreas. Por quê? Porque os países avançados resolveram esses problemas no começo do século XX ou antes. Depois disso, as suas populações não cresceram muito, depois disso as demandas que a sociedade foi colocando no sistema de P&D, e sistema de Ciência e Tecnologia foram necessidades, demandas cada vez mais “sofisticadas”, de tal forma que a pesquisa foi se dirigindo para atender a essas demandas e não as demandas que dizem respeito ao consumo ou a necessidade das camadas de menor renda de tal forma que hoje no Brasil nos temos uma necessidade de produzir bens de serviços, de infraestrutura, da satisfação das necessidades básicas, de agregação de valor de nossas matérias primas e necessidades que estão totalmente a descoberto do ponto de vista tecnológico. Agora, isso não é visto pela comunidade científica. A comunidade científica acha que só a chamada high tecnology, a tecnologia de ponta que oferece desafios do ponto de vista científico, quer dizer não há uma percepção que esses problemas aparentemente simples de resolver são problemas extremamente complexos. Dado a sua originalidade e dado ao seu vulto. Se você pensar que 50% das casas brasileiras não têm água potável, e mais do que isso, não tem esgoto. Você pensa. Bom, mas água potável é fácil: “Eu pego um cano ‘Tigre’ que é barato, ligo tal, abro a torneira, vai ter água potável”. Mas, quando você pensa que são milhões e milhões de casas que não tem água potável, aí você começa a ter que se preocupar com captação de água, com canalização, com tratamento, com o esgotamento 156 dessa água e aí você vê que você tem um problema científico tecnológico sim. Você tem que fazer equipes multidisciplinares para trabalhar de um jeito que a gente não sabe ainda trabalhar, eventualmente, você vai ter que fazer pesquisa extremamente sofisticada para tratar bilhões e bilhões de litros de água, e que vai ter que ser barato e num curto período de tempo. Essa tecnologia que nós temos para proporcionar água para as pessoas é uma tecnologia que não suporta uma demanda concentrada no tempo, porque nos países avançados foi necessário, todo mundo já tem água potável e a população cresce a menos de 1% ao ano, certo, então não tem problema, a tecnologia que têm está “tranqüila”. Agora, quando você pensa, milhões e milhões de pessoas que vão ter direito, quer dizer, direito elas já tem a água potável, mas que vão de fato pressionar pelo seu direito de cidadania, aí você tem um problema tecnológico extremamente difícil, extremamente sofisticado e quando você pensa que não é só água potável: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, então, quer dizer, você vê que um desafio extremamente complicado, agora, mas a comunidade científica não vê isso, ela vê o SIVAM, chora pelo SIVAM, e se mobiliza pelo SIVAM, veja, eu não estou querendo com isso que o governo devesse ou deva renunciar ao seu direito de produzir internamente aquilo que ele precisa, porque se você for olhar nos Estados Unidos. Os Estados Unidos são líderes em equipamentos (...), sei lá, qualquer (...) severlers, equipamentos para carro; são líderes mundiais, mas a França também faz, a Alemanha também faz, e quando tem uma concorrência na França os americanos não entram, quer dizer, tem o “cara” que é líder, tudo bem, ele é líder, é bom para ele, mas tem determinadas áreas de desenvolvimento que são consideradas estratégicas, seja por uma questão militar, seja por uma outra questão qualquer: “É caro, é ruim, mas é meu” era o que os franceses diziam, os franceses tinham uma indústria de computadores totalmente ultrapassada, mas não interessava, o governo francês fez todo o equipamento na sua escola secundária com o computador francês, era sucata, mas era francês. Porque era o capitalista francês que tinha que explorar o operário francês, não era o capitalista americano que iria explorar o operário francês, entendeu? É a diferença de um país central para um país periférico, o país periférico “abre as pernas” e os “gringos’ passam, e tem uma série de mitos na cabeça: “De que isso é bom, é a globalização e aquela história toda (...)”. Enquanto o que você vê no mundo inteiro, desde há muito tempo é uma idéia oposta a essa, uma (...) eu acho que foi, sei lá, um presidente norte-americano no final do século XIX, não, não, meados do século XIX, estava sendo implantada a ferrovia nos Estados Unidos, aí chegaram os engenheiros ferroviários e queriam importar trilho inglês, que eram os melhores trilhos do mundo, então, tinham recebido diversas recusas e foram direto ao presidente, o presidente os atendeu e eles disseram: “A gente precisa importar, é muito melhor, o nosso trilho é uma ‘porcaria’, todos os testes que a gente faz com eles o aço é ruim, quebra, não sei o quê, não sei o quê”. O presidente disse o seguinte: “Se nós comprarmos trilhos ingleses hoje, nós vamos comprar sempre porque os trilhos americanos vão ficar cada vez piores e os trilhos ingleses cada vez melhores”. Então, sinto muito, mas nós vamos comprar os americanos mesmo, e vocês se virem com eles e pressionem quem fabrica para que façam melhor”. E foi assim que os Estados Unidos se tornou uma potência industrial e tecnológica, porque apostou na sua própria capacidade. Agora, se você pensar na possibilidade de que uma experiência retardatária como a brasileira, com uma origem totalmente diferente da norte-americana, com um processo de crescimento de nossa comunidade científica totalmente diferente, com uma falta de ligação entre produção-ciência, e demanda e utilização de crescimento totalmente diferente da norte americana, se você se der conta de todas essas realidades, será que tem sentido você insistir pelo SIVAM e não insistir por uma série de outras coisas que tem que ser feitas? Então que dizer, quando eu vi o “negócio” do SIVAM eu disse: “Olha! Tudo bem, eu não posso ser contra a pressão que a comunidade científica está fazendo, agora, eu não posso aceitar essa colocação que eles fazem, de que produzir equipamento para fazer o “negócio” lá da Amazônia fosse uma prioridade para a comunidade científica, nem se quer que fosse necessário. Pouco essa é a resposta largissima que eu daria para sua pergunta. Por que você deve? Porque é tão importante você ter autonomia tecnológica em alguns setores e em outros não? Porque você não (...). 157 Interrupção. Se seria possível produzir internamente aqueles equipamentos e desenvolver internamente aquela tecnologia que o projeto envolvia? Sim, sim, claro. Porque se você me perguntar hoje no Brasil, ou em 95. O que é mais difícil? Desenvolver a tecnologia que atenda as demandas da maioria da população ou desenvolver high tecnology? Eu vou dizer que é mais difícil o primeiro do que o segundo, porque o segundo a gente sabe fazer, é o que a gente faz o dia inteiro, é o que a gente estuda: “A gente vai fazer o doutorado da gente, a gente lê os papers que a gente lê, e é tudo sobre isso aí”. O que falta para o país ter autonomia no campo teórico? Falta apoio, quer dizer, esse apoio nos países avançados ele é conferido pela indústria, se você olhar o investimento em Ciência e Tecnologia nos países avançados, você vai ver que no máximo o setor público investe 40% do total, 60, 80% é privado, no Japão 80% dos recursos investidos para Ciência e Tecnologia são investidos pelas empresas, nos Estados Unidos 60% é privado, e esse outro 40% que é público, é para pesquisa chamada pesquisa básica, etc., etc., inclusive área militar. A área militar está pesadamente no setor público. Na década de 80 os Estados Unidos chegou a investir (...), o governo norte americano, portanto investimento público chegou a ser 85% para área militar, 70% para área militar stricto sensu e mais 15% para nuclear e aeroespacial; utilizavam 85% e os 15% restantes era para cultura, agricultura, saúde. Então, nos países avançados, esse apoio ao qual eu me referia, para que o conhecimento desenvolvido chegue até a produção, essa mágica quem faz é a empresa privada. Nos países periféricos como o Brasil quem faz essa mágica e quem poderia fazer essa mágica e conseguiu em alguns casos fazer essa mágica foi o Estado. Por quê? Porque nós não temos empresa nacional. Essa é uma característica de países periféricos. Isso o Fernando Henrique realmente citou, que não tem um empresariado nacional capaz de fazer uma revolução democrático-burguesa. Os partidos comunistas esperavam que acontecesse, e que o empresariado nacional na década de 50 se rebelasse contra o imperialismo e se aliasse aos pobres do campo e da cidade para fazer a revolução que instauraria o capitalismo no Brasil, com certeza não vai fazer, esse empresariado brasileiro ele é a tal ponto sujeitado, a tal ponto aliado (...). Perdão. Ao capital multinacional que não vai fazer coisa nenhuma, e por isso, ele não vai investir em Ciência e Tecnologia, então, essa situação ela coloca a necessidade de que o Estado banque, por isso, o interesse da comunidade científica pelo SIVAM. E seria possível? Seria. Não foi possível fazer um avião? Não foi possível extrair petróleo de águas profundas? Porque não era possível fazer o SIVAM? Mas, se você me perguntar a que custo? Possivelmente muito maior do que você poderia gastar comprando, sobretudo, comprando bem. Há duas maneiras de você comprar, uma é comprar mal, a outra é comprar bem. Uma coisa é você comprar um pacote fechado, outra coisa é você abrir o pacote, ao invés de você contratar um “cara” para fazer instalação para ti, não: “Deixa que eu instalo! Eu vou querer isso de você, aquilo ali eu vou comprar de outro”, como a EMBRAER faz, a EMBRAER muito pouco ela comprava, pelo menos no início, dos Estados Unidos. Ela comprava tecnologia da França, da Itália, da Inglaterra, chegou a comprar da Irlanda, mas dos Estados Unidos não, os Estados Unidos não queriam, eles só queriam vender o pacote. No caso do SIVAM o que se esperava do governo brasileiro, o que a comunidade científica esperava do governo brasileiro: “Deixa que a gente abre o pacote. Ah! Mas vai sair mais caro”. Aí entra naquela história do trilho que eu te falei, o trilho inglês é melhor que o americano. Tudo bem, mas o Estado é para isso mesmo, então, sem dúvida haveria possibilidade, tinha capacitação, existiam experiências bem sucedidas. Agora, se você me perguntar se eu fosse presidente da república: “O Comunidade científica vocês querem mesmo cooperar? É isso que vocês querem, melhorar o país? Então, vamos tentar resolver os problemas que dizem respeito à maioria da população”. Que não adianta, a Amazônia só vai ser segura quando o país for um país decente com distribuição de renda, que ocupe de fato o seu território, quer dizer, não adianta, o Brasil é um dos países que tem menor densidade demográfica do mundo. Portanto falar em desemprego no Brasil: “Clama aos 158 céus com diria minha avó, clama aos céus”. O país tem terra que “não acaba mais”. Como é que pode ter gente desempregada num país que tem terra, não é verdade? Quando você diz: “Ah não! Tem que vigiar a Amazônia”, porque aquilo ali vai ser (...), você não quer colocar ninguém lá dentro, você não quer de fato integrar aquela porção do território a nação. O que seria integrar a Amazônia a nação brasileira? Propiciar uma exploração autosustentável daquela parte do país. Se você botar moto-serra e um browser lá, e tirar a floresta para plantar grama para fazer gado para vender para o Macdonald’s. Como se faz isso hoje. Aí é besteira, é melhor até deixar como está. Mas toda a essa idéia de vamos proteger a Amazônia, senão os americanos nos levam a Amazônia, que a biopirataria não sei o que”. Tem uma pergunta sobre a pirataria, não é? Por quê ocorre a biopirataria? É porque o Brasil não tem condições de ocupar fisicamente uma região, e ao mesmo tempo, tem cidades inchadas, tem desemprego, tem fome, claro, esse “troço” quando a gente diz: “Ah! Você está mudando de assunto, eu quero falar do SIVAM, não quero falar disso, espera um pouquinho. É o mesmo assunto, não são assuntos diferentes, só porque um está no ministério da defesa, o outro no ministério do meio ambiente, o outro no ministério da reforma agrária isso não quer dizer que o problema não seja o mesmo”. O problema da Amazônia não é um problema do ministério da defesa, enquanto achar que o problema é no ministério da defesa nós estaremos fazendo bobagem. Isabel: Estou pensando nesse momento, tem um autor que fala exatamente assim, que a população você tem condições de fazer a preservação das bacias hidrográficas, mas você não dá condições para as populações de baixa renda sobreviverem, mas eles têm de sobreviver de alguma forma. Eu fiquei com essa idéia com a visita que fiz à Manaus no ano passado; as pessoas vão “dando” seus bichos, as suas plantas enquanto não tiverem como sobreviver. Dagnino: O pessoal acha que é muita simplificação explicar o cultivo de drogas, drogas não, mas matérias primas para as drogas. É muita simplificação explicar isso pela miséria da população, mas se você pensar bem, qual é a alternativa que esses “caras” tem? Enfim, e depois tem o seguinte, vamos supor que o SIVAM funcione perfeitamente e que o “troço” rastrear, podemos identificar qualquer “cara” que entre naquela região, e aí, e aí, o que nós vamos fazer depois de detectar que o “cara” ta entrando e fazendo sei lá o quê que não deveria fazer. Nós vamos ter condições de coibir isso aí, é a mesma coisa do mar, o mar da 200 milhas. O Brasil tem 200 milhas de faixa costeira que é nossa. Bom, nós temos condições realmente de integrar isso ao nosso território? Não temos. Por quê? Porque para integrar isso ao território não adianta você dizer que é nosso e não adianta sequer coisa que nós não temos capacidade de patrulhar essa área. Por quê? Porque mesmo que você tivesse condições de patrulhar essa área, isso não resolve, você tem que estar lá, você tem que ter um investimento produtivo lá, você tem que ter barcos brasileiros pescando ali, você tem que ter instalações brasileiras explorando módulos metálicos e coisas do fundo de mar, mas se você não tem, é sempre um troço” que você está gastando dinheiro sem receber nada em troca, você vai policiar as 200 milhas é uma imensidade de mar que custa aos “tubos”, então não adianta. É a mesma coisa é a Amazônia, você tem condições de fato de coibir qualquer coisa que ocorra lá, não tem. Eu acho que isso é uma concepção de Estado, uma concepção de nação, uma concepção de defesa dos militares brasileiros que é muito, muito ultrapassada. O exército brasileiro entende o território brasileiro e se percebe a si mesmo como uma tropa de ocupação, uma tropa que tem que ocupar um território conquistado. Isso é uma coisa que se dissemina devido ao tempo em que transcorreu durante o regime militar, é uma coisa que se disseminou nas políticas públicas brasileiras. Então, o que faz o exército brasileiro? Ele está situado em volta das grandes capitais. Por quê? Porque é uma tropa de ocupação, é o exército que tem que impedir as sublevações nas cidades, o exército brasileiro nunca se preocupou de fato em patrulhar a fronteira, quer dizer, nunca, eu diria dos anos 40 para cá o exército brasileiro tem atuado dessa forma, eu acho que isso em parte se explica, essa 159 concepção que se tem em relação à Amazônia, que a Amazônia tem que ser protegida, rastreada, mas não ocupada, mas não integrada. Isabel: Deixa-me voltar um pouquinho. Dentro desse pacote da Raytheon essas opções tecnológicas eram as melhores que existiam atualmente? Dagnino: Provavelmente não, provavelmente não. Eu te digo com toda a segurança e de olho fechado. Por quê? Porque o grande segredo tecnológico é você conceber o sistema para utilização específica que ele vai ter. É muito difícil para uma empresa ter o melhor pacote para alguma coisa, é muito difícil. O que costuma ocorrer? Vamos simplificar a coisa. Se você (...), só para te dar a entender, hoje isso não é mais assim, mas antigamente quando você ia numa casa de um “cara” que gostava de música, mas que gostava mesmo de música ele tinha o amplificador Gradiente, o alto-falante (...) sei lá, Marentz, o toca discos era Fisher, o tocador de cassete é Granden e assim por diante. Por quê? Porque o “cara” era bom, e o “cara” escolhia o equipamento de marca diferente que ele montava, deixa eu te dar outro exemplo: bicicleta, o “cara” que é bom mesmo, quer uma bicicleta ele compra o quadro não sei de que marca, o aro não sei o que, o pneu é (...). Ele não vai chegar no supermercado e dizer: “Eu quero uma montain bike 18 marchas, isso fazemos nós que somos”babaca” e não sabemos andar de bicicleta, mas o “cara”que é bom mesmo ele não faz isso. Eu posso de dar centenas de exemplos dessa natureza. Por quê? Por quê acontece isso? Porque realmente se você for pensar, porque o cara que anda de bicicleta, bem, porque ele vai comprar as coisas do jeito dele? Porque a utilização que ele quer dar para a bicicleta, ele quem sabe qual é. Porque o cara da música, porque o ouvido dele quer aquilo. Você pode transpor isso para o SIVAM, bom, aquela condição específica, daquele terreno, aquele clima, aquele objetivo, muito provavelmente deveria demandar um enfoque, uma abordagem de engenharia de sistemas bastante sofisticada, que não podia ser feita, evidentemente, por uma empresa que fabrica e quer vender o seu pacote, ou não? Isabel: Mas são muitas informações. Dagnino: Mas o que eu estou dizendo não é evidente? Foi o exemplo do cara da música, não é evidente? Isabel: Mas por ser evidente assim, que eu começo a pensar nas argumentações do SIVAM mesmo. Dagnino: Mas esse tipo de argumentação que eu estou dando, você vai ter que ser muita corajosa para colocar na sua tese, porque isso aí, é aquela história do rei estar nu, você vai dizer o rei está nu, os “caras” vão dizer: “Ah! Que menina mais boba, falar esse”troço”de bicicleta, equipamento de som, não tem nada a ver”. Como não tem nada a ver? Tem tudo a ver. Eu acho, que as pessoas que entendem um pouco de tecnologia, como eu imagino que tenha gente que vai ler o seu trabalho, vai entender isso, aliás, já sabe, não precisa explicar, você pega um “cara” desses aí bom mesmo nesse negócio, o “cara” está “careca de saber”. Voltando o negócio da EMBRAER, a EMBRAER olhou o avião e disse: “Isso aqui eu vou fazer, isso aqui eu sei fazer bem, ninguém faz isso melhor do que eu, para o que eu quero”, isso aqui é um negócio tão comum, tem um monte de gente que fabrica, só que a escala que eu quero desse negócio é muito pequena, então, eu não vou fazer, eu vou comprar do “cara” que fabrica 1000 “troços” desse por dia, eu só preciso de 1000 a cada ano. Interrupção Então, quer dizer, o que é esse enfoque de engenharia de sistemas? Você tem o produto, você colapsa o produto, você explode o produto em todas as suas peças, um aviãozinho desses aí tem milhares e milhares de peças, não sei se você já viu uma planta explodida de avião? Isabel: Uma planta explodida seria cada item separadamente? Dagnino: Isso, como você realmente explode e as peças vão(...) Bom, aí você diz, bom, esse parafusinho aqui como é que ele precisa ser? Isso aqui é uma peça fundamental, tem que ser um aço extremamente sofisticado, nem pensar. Então compro fora. Isso aqui olha, é uma parte muito sofisticada, muito difícil de fazer, mas o cara diz: “Essa aqui eu vou fazer, porque essa coisa que eu estou fazendo aqui, vai me servir para eu fazer uma outra coisa que eu quero fazer em outro lugar, entendeu? Então, isso é o tipo da coisa que não tem 160 regra, são soluções adops, são coisa tácitas, ninguém vai dizer para o outro como é que tem que abordar esse problema, ou você tem capacidade para abordar o problema de uma forma adequada, ou você não tem. É o tipo da coisa que ninguém pode fazer por ti, é realmente o dono daquela coisa que tem que fazer, no caso, era a EMBRAER, e mais do que a EMBRAER dentro de uma concepção de segurança nacional do”Brasil grande potência”, etc. Eu não quero dizer com isso, que tinha um fiscal do SNI em cada escritório da EMBRAER, era muito melhor do que isso, não precisava ter um fiscal do SNI, pois aquela concepção estava embutida em cada em cada engenheiro que saía do ITA, os “caras” ficavam lá dos 18 aos 24 anos, vivendo juntos, comendo junto, estudando junto e se comendo entre eles. Então, os caras saíam de lá com uma idéia de tecnologia nacional, de autonomia, nacionalismo, etc. Muitos eram do partido comunista, parecia estranho, mas eram, Então, .... eles internalizavam essa concepção de tal forma, que toda a coisa ia mais ou menos na mesma direção. E, diga-se de passagem, é a melhor forma de fazer uma coisa é assim. Na nossa universidade, que cada um faz o que quer, e acha que está muito bom. É complicado. Não que eu considere que o modelo militar seja melhor que esse, mas é diferente. Isabel: Pensando no Tratado de Cooperação Amazônica, como será que os membros poderiam estar vendo o SIVAM? Dagnino: Quando você fala dos membros (...) Isabel: São os países, Colômbia (...) Dagnino: Os países latino-americanos? Isabel: Isso. Dagnino: Sei lá, é difícil te dizer. Quando você vai para esses países latino-americanos se você conversa com o “cara” da comunidade acadêmica: “Ah! Somos irmãos e tal, a gente é muito parecido”. Quando você fala com um militar o “cara” tem a maior “bronca” do Brasil, porque o Brasil roubou ou coisa parecida um pedaço de quase todo mundo. Você vai lá no Peru, no Equador os “caras” te mostram mapas onde tem um pedaço da Amazônia que hoje é brasileira que era deles, e aí: “Eu não tenho culpa! Eu não era nem nascido”. Mas tem, mas isso ás vezes aparece só depois do 3o whisky, mas claro que têm, eu acho que esses países sentem que têm “que ficar espertos” com o Brasil. Qualquer comparação com o elefante à formiguinha tem medo. Então, o Brasil tem essa característica inerente: ser maior que os outros, de ter uma vocação imperialista que durante o período militar ficou muito nítida, inclusive de participar de golpe. Uma atitude golpista no Chile, no Uruguai, no Paraguai sempre tinha um brasileiro lá mandando. Então, eu acho que esses países devem ter receio, mas eu não tenho informações sobre isso. Isabel: Pensando nessa macrofronteira, que é a região amazônica, qual seria o alcance desses radares nesses outros territórios, pois os radares pelo mapa dá para perceber que eles estão próximos a cidades de fronteira, e aí como seria essa invasão desarmada? Dagnino: Com esse negócio de geoprocessamento, de fotografia de satélite, etc. Agora eu vou te fazer um pergunta. Em que medida substitui ou pode substituir muitas das informações que anteriormente eram somente obtidas através de um sistema de vigilância como o SIVAM? O fato de você ter satélites em várias órbitas com uma grau hoje em dia de precisão que é uma coisa absurda, os “caras” são capazes de detectar, sei lá um “troço” de 2 metros quadrados. Não sei se muitas dessas coisas elas (...). Não sei. Não sei se muitas dessas coisas elas.... não é que elas estejam obsoletas digamos assim, não é isso que eu quero dizer. Mas será que elas se justificam hoje? Em função da possibilidade de geoprocessamento, do sensoreamento remoto, etc. Que “plus” de informação você consegue com o SIVAM, que você não conseguiria com o sensoriamento remoto? Eu não sei, isso para mim na realidade é uma pergunta. Porque o grande problema que você tem com sistemas desse tipo, é que ele se obsoletiza muito rapidamente, muito rapidamente, essa é uma característica dos equipamentos militares em geral. O equipamento militar, ele é feito, ele é fabricado para não ser utilizado. A melhor coisa que pode acontecer com o equipamento militar é que dali tanto tempo ele ser repotenciado, e depois de mais alguns anos ele vai ser sucateado. As armas são feitas para não serem usadas, se você pensar, de todas as armas produzidas nos últimos 50 anos quantas foram efetivamente usadas, você 161 não vai ter “zero vírgula qualquer coisa por cento” Está claro? Então o que acontece? Você pesquisa, pesquisa, a tal ponto, que na década de 80 a carreira armamentista já não era uma carreira real, ela era virtual. A União Soviética dizia que tinha conseguido fazer a blindagem reativa, e anunciava isso. Aí nos Estados Unidos e vinha a comunidade científica e dizia: “Olha! Os russos estão conseguindo fazer esse”troço”, me dá mais uma “grana” aí que estamos quase conseguindo também”. Dali a dois meses saía, quer dizer, isso não saía publicado porque ninguém publicava, mas circulava nos bastidores do submundo da informação sobre a indústria de armamentos que os franceses tinham conseguido fazer o tanque com blindagem reativa. O tanque com blindagem reativa é um tanque cuja blindagem, se ela recebe um projétil ela dispara um outro projétil contra o projétil que chegou. Então não é uma blindagem passiva, na blindagem passiva você põe um monte de camadas de coisa aqui, bate, e não chega a matar ninguém, essa não, quando o projétil encostava ele mandava de volta. Essa tecnologia ela foi buscada durante muito tempo por vários países. Então, a corrida armamentista, ela se transformou em uma corrida tecnológica, mas não tecnológica stricto sensu, entendeu? Era tudo de “brincadeira”, você na realidade podia não produzir nenhum tanque com blindagem reativa, mas o fato de que você possuir a tecnologia da fabricação da blindagem reativa te dava uma vantagem comparativa. Aí o que o outro “cara” fazia, ele queria chegar até você. Numa dessas a União Soviética se deu mal que teve que gastar tanto para conseguir se equilibrar com os Estados Unidos, que terminou se esquecendo que precisava dar geladeira e aquecedor para a sua população e aí terminou o socialismo. Isabel: Qual o impacto do SIVAM na região? Dagnino: Vai ser um enclave como a Zona Franca de Manaus. O que é a Zona Franca? Quando se pensa em Zona Franca, qual era a idéia, a idéia de alguns, ou pelo menos vendiam essa idéia, que dali você ia gerar desenvolvimento, emprego, e tal. O que você gerou? Você gerou coisa nenhuma, o impacto foi muito pequeno; quando você bota uma base militar dando, um outro exemplo, em um determinado lugar que você gera? Corrupção, prostituição, doenças, etc., etc. É isso que você gera. Esse tipo de enclave. E o SIVAM é um enclave, que impacto vai ter? Impacto direto mínimo, impacto no sentido econômico, por exemplo, de proteger a região contra a biopirataria, etc. etc., isso aí, para te dizer a verdade, eu acho que não vai impedir coisa nenhuma, eu acho (...). Também é meio cínico talvez dizer isso, mas eu acho que os Estados Unidos, ou na realidade quem faz essa biopirataria, de uma forma ou de outra na linha de frente, ou mais para trás, é os Estados Unidos, são empresas americanas Os Estados Unidos teria muito melhores condições que o Brasil para coibir esse tipo de comportamento, como teria tranqüilamente possibilidade de coibir o tráfico de drogas. Por quê os Estados Unidos, que é o maior consumidor de drogas do mundo, não coíbe o tráfico de drogas? Porque não quer. Porque sabe se coibir, os “negos” estão tomando droga lá, e estão mais ou menos quietinho vão fazer a maior baderna, e não vai ter cadeia para todo o mundo. E, diga-se de passagem, que hoje os Estados Unidos consegue ter um desemprego relativamente baixo porque tem muita gente presa, se somar o desempregado com quem está preso o nível de desemprego calculado nos Estados Unidos duplica. Por que os Estados Unidos não coíbe o tráfico de drogas? Por causa disso. Não pode coibir? Claro que pode! Mas o que eles preferem fazer é coibir lá na Venezuela, na Colômbia, sei lá, na Amazônia. Mesma coisa é a biopirataria, o Brasil precisa fazer o SIVAM. Primeiro: o dia que os Estados Unidos quiser entrar aqui, ele entra com SIVAM, sem SIVAM, não interessa. (...). Segundo, se é para coibir, é melhor que eles coíbam, do que a gente coíba, porque a “coisa” vai para lá, a biopirataria não é feita por iniciativa de brasileiros que moram na Amazônia, não é. Ela é feita por estrangeiros que vêm para a Amazônia. Então, eu acho que impacto aí é meio (...) O que não quer dizer, eu posso estar dando uma impressão equivocada de que um país como o Brasil não precisa ter meios de defesa, seja, de vigilância, de combate, seja lá o que for. O que eu quero dizer é o seguinte: o Brasil tem de patrulhar a sua costa? Tem. Adianta uma lancha torpedeira contra um destroyer, contra um submarino nuclear? Não, não adianta. Se vier um destroyer, a lancha torpedeira brasileira tem de dar meia volta e tentar voltar o mais rápido que puder. Agora, adianta uma lancha torpedeira brasileira para 162 “reinforce the law”, para dizer: “Olha aqui, você do navio que está pescando, você não pode pescar aqui, se você não sair daqui eu vou afundar você”, adianta? Claro que adianta. O cara sabe ele não tem nada para se defender, ele sabe que está invadindo uma área que não é dele. Aí, digamos que esse navio diga: “Olha, eu não vou sair”. Bom, fique sabendo que nós estamos mandando um aviso para todo o mundo, dizendo, que encontramos um navio, assim, assim, e esse navio se negou a sair e nós estamos afundando. Click afunda, pronto. Aí que na divina corte de não sei o quê, por que afundou o navio. Afundou. Depois prestou socorro, pegou sobrevivente, trouxe para a terra tudo como manda a Convenção de Genebra.Numa boa. Mas afundou o navio. Aí, bom, um próximo navio vai pensa duas vezes ante de vir para cá pescar onde não deve. Então, esse tipo de defesa de suas áreas, claro que é importante, mas é uma coisa que precisa ser muito bem pensada. Quer dizer, se você disser: Ah não! O submarino nuclear brasileiro se justifica, como muitos militares querem convencer a gente, porque é um instrumento de dissuasão. O problema é que não é um instrumento de dissuasão. Um submarino nuclear com tudo que já se gastou nesse projeto você compra centenas de lanchas, torpedeiro, ou coisa parecida, para fazer esse patrulhamento de forma muito mais efetiva, muito mais explícita, dissuasória mesmo. Uma coisa é uma lancha que todo mundo vê, que tem canhão grande, poderoso. Outra coisa é um submarino nuclear que vai ficar se deslocando, que não é para isso, é para outra coisa, é para outro tipo de combate, para outro tipo de cenário de guerra, nós acabamos mudando um pouco de assunto. Isabel: Não acho que seja assim, está inter-relacionado. Dagnino: Mas eu acho que a coisa mais importante que eu gostaria de dizer, é essa coisa, o que é dependência tecnológica? O que é autonomia tecnológica, e qual era de fato o interesse da comunidade de pesquisa naquele modelo? Então, porque eu te digo isso, porque boa parte desse “ti, ti, ti” em torno do SIVAM se deu em função de uma reação da comunidade científica que denunciou, além da corrupção, etc., é coisa que eu digo naquele artigo, denunciou o fato, de que não estava dando oportunidade para que a comunidade científica participasse. Bom, até que ponto essa motivação, ou esse motivo é legítimo, entendeu? Tendo em vista uma série de outras coisas, que são tanto ou mais importantes para o Brasil, a comunidade científica, não está “nem aí”. É isso que eu procuro mostrar nesse artigo. ISABEL: O Sr deu um quadro ótimo. SIMULAÇÃO I 163 Financiamento do Projeto SIVAM EXIMBANK-USA Carência anual Carência semestral Valor financiamento US$ Prazo de pagamento Taxa de financiamento taxa equivalente semestral Porcentagem de financiamento 8 anos 36 semestres 1.294.986.265,00 18 anos 6,92 3,402128% 73,10% Obs: financiamento em parcelas fixas sem pagamento de juros durante a carência. Valor presente US$ 1.294.986.265,00 Taxa de juros 3,402128% Valor futuro US$ 2.138.982.890,00 Prestações US$ 125.255.254,30 Número de prestações 36 Valor total do financiamento após as 36 parcelas do pagamento US$ Valor total do financiamento em reais/ média jul/02 a jul/03 R$ 4.509.189.155,00 14.814.039.130,92 164 Financiamento do Projeto SIVAM RAYTHEON Carência anual Carência semestral Valor financiamento US$ Prazo de pagamento Taxa de financiamento taxa equivalente semestral Porcentagem de financiamento 2,5 anos 5 semestres 306.474.177,60 10 anos 9% aa 4,40% 17,30 Obs: financiamento em parcelas fixas sem pagamento de juros durante a carência. Valor presente US$ 306.474.177,60 Taxa de juros 4,403065% Valor futuro US$ 364.121.969,20 Prestações US$ 27.757.664,75 Número de prestações 20 Valor total do financiamento após as 20 parcelas do pagamento US$ Valor total do financiamento em reais/ média jul/02 a jul/03 R$ Financiamento do Projeto SIVAM SUBFORNECEDORES Carência anual Carência semestral Valor financiamento US$ Prazo de pagamento Taxa de financiamento taxa equivalente semestral Porcentagem de financiamento 555.153.295,00 1.823.845.120,06 10 anos 20 semestres 62.003.446,33 10 anos 9 aa 4,403065 3,50% Obs: financiamento em parcelas fixas sem pagamento de juros durante a carência. Valor presente US$ 62.003.446,33 Taxa de juros 4,403065 Valor futuro US$ 140.594.247,90 Prestações US$ 10.717.749,55 Número de prestações 20 Valor total do financiamento após as 20 parcelas do pagamento US$ Valor total do financiamento em reais/ média jul/02 a jul/03 R$ 214.354.987,00 704.220.438,79 165 Financiamento do Projeto SIVAM EXIMBANK-SUÉCIA Carência anual Carência semestral Valor financiamento US$ Prazo de pagamento Taxa de financiamento taxa equivalente semestral Porcentagem de financiamento 3,5 anos 26 semestres 108.063.149,30 13 anos 8.37 aa 4,100913% 3,50% Obs: financiamento em parcelas fixas sem pagamento de juros durante a carência. Valor presente US$ 108.063.149,30 Taxa de juros 4,100913% Valor futuro US$ 137.532.345,90 Prestações US$ 8.699.907,01 Número de prestações 26 Valor total do financiamento após as 26 parcelas do pagamento US$ Valor total do financiamento em reais/ média jul/02 a jul/03 R$ SIMULAÇÃO II 226.197.582,30 743.126.917,13 166 Fonte de financiamento: Eximbank-USA Períodos Saldo devedor Amortização Juros Prestação 0 1.294.986.265,00 1 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 2 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 3 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 4 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 5 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 6 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 7 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 8 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 9 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 10 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 11 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 12 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 13 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 14 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 15 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 16 1.294.986.265,00 44.057.090,32 44.057.090,32 17 1.259.014.424,00 35.971.840,69 44.057.090,32 80.028.931,01 18 1.223.042.583,00 35.971.840,69 42.833.282,24 78.805.122,93 19 1.187.070.742,00 35.971.840,69 41.609.474,17 77.581.314,86 20 1.151.098.901,00 35.971.840,69 40.385.666,09 76.357.506,78 21 1.115.127.060,00 35.971.840,69 39.161.858,02 75.133.698,71 22 1.079.155.219,00 35.971.840,69 37.938.049,94 73.909.890,63 23 1.043.183.378,00 35.971.840,69 36.714.241,87 72.686.082,56 24 1.007.211.537,00 35.971.840,69 35.490.433,79 71.462.274,48 25 971.239.696,30 35.971.840,69 34.266.625,72 70.238.466,41 26 935.267.855,60 35.971.840,69 33.042.817,65 69.014.658,74 27 899.296.014,90 35.971.840,69 31.819.009,59 67.790.850,28 28 863.324.174,20 35.971.840,69 30.595.201,53 66.567.042,22 29 827.352.333,50 35.971.840,69 29.371.393,46 65.343.234,15 30 791.308.492,80 35.971.840,69 28.147.585,40 64.119.426,92 31 755.408.652,10 35.971.840,69 26.923.777,33 62.895.618,02 32 719.436.811,40 35.971.840,69 25.699.969,27 61.671.809,96 33 683.464.970,70 35.971.840,69 24.476.161,20 60.448.001,89 34 647.493.130,00 35.971.840,69 23.252.353,14 59.224.193,83 35 611.521.289,30 35.971.840,69 22.028.545,07 58.000.385,76 36 575.549.448,60 35.971.840,69 20.804.737,01 56.776.577,70 37 539.577.607,90 35.971.840,69 19.580.928,94 55.552.769,63 38 503.605.767,20 35.971.840,69 18.357.120,88 54.328.961,57 39 467.633.926,50 35.971.840,69 17.133.312,82 53.105.153,51 40 431.662.085,80 35.971.840,69 15.909.504,75 51.881.345,44 41 395.690.245,10 35.971.840,69 14.685.696,69 50.657.537,38 42 359.718.404,40 35.971.840,69 13.461.888,62 49.433.729,31 43 323.746.563,70 35.971.840,69 12.238.080,56 48.209.921,25 44 287.774.723,00 35.971.840,69 11.014.272,49 46.986.113,18 45 251.802.882,30 35.971.840,69 9.790.464,42 45.762.305,12 46 215.831.041,60 35.971.840,69 8.566.656,36 44.538.497,05 47 179.859.200,90 35.971.840,69 7.342.848,30 43.314.688,99 48 143.887.360,20 35.971.840,69 6.119.040,23 42.090.880,92 49 107.915.519,50 35.971.840,69 4.895.232,17 40.867.072,86 50 71.943.678,81 35.971.840,69 3.671.424,10 39.643.264,80 51 35.971.838,12 35.971.840,69 2.447.616,04 38.419.456,73 52 35.971.840,69 1.223.807,97 37.195.648,66 TOTAL US$ 1.294.986.264,84 1.519.969.613,27 2.814.955.879,36 TOTAL R$ 4.254.418.375,88 4.993.556.170,48 9.247.974.550,46 167 Fonte de financiamento: Eximbank-Suécia Períodos Saldo devedor Amortização Juros 0 108.063.149,30 1 108.063.149,30 2 108.063.149,30 3 108.063.149,30 4 108.063.149,30 5 108.063.149,30 6 108.063.149,30 7 108.063.149,30 8 103.906.874,30 4.156.274,97 9 99.750.599,33 4.156.274,97 10 95.594.324,36 4.156.274,97 11 91.438.049,39 4.156.274,97 12 87.281.774,42 4.156.274,97 13 83.125.499,45 4.156.274,97 14 78.969.224,48 4.156.274,97 15 74.812.949,51 4.156.274,97 16 70.656.674,54 4.156.274,97 17 66.500.399,57 4.156.274,97 18 62.344.124,60 4.156.274,97 19 58.187.849,63 4.156.274,97 20 54.031.574,66 4.156.274,97 21 49.875.299,69 4.156.274,97 22 45.719.024,72 4.156.274,97 23 41.562.749,45 4.156.274,97 24 37.406.474,48 4.156.274,97 25 35.250.199,51 4.156.274,97 26 29.093.924,54 4.156.274,97 27 24.937.649,57 4.156.274,97 28 20.781.374,60 4.156.274,97 29 16.625.099,63 4.156.274,97 30 12.468.824,66 4.156.274,97 31 8.312.549,69 4.156.274,97 32 4.156.274,72 4.156.274,97 33 4.156.274,97 TOTAL US$ 108.063.149,22 TOTAL R$ 355.019.864,13 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.261.148,18 4.090.702,25 3.920.256,33 3.749.810,40 3.579.364,47 3.408.918,54 3.238.472,62 3.068.026,69 2.897.580,76 2.727.134,84 2.556.688,91 2.386.242,98 2.215.797,05 2.045.351,13 1.874.905,20 1.704.459,27 1.534.013,33 1.363.567,40 1.193.121,48 1.022.675,55 852.229,62 681.783,70 511.337,77 340.891,84 170.445,91 90.847.679,10 298.461.880,15 Prestação 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 4.431.594,11 8.587.869,08 8.417.423,15 8.246.977,22 8.076.531,30 7.906.085,37 7.735.639,44 7.565.193,51 7.394.747,59 7.224.301,66 7.053.855,73 6.883.409,81 6.701.963,88 6.542.517,95 6.372.072,02 6.201.626,10 6.031.180,17 5.860.734,24 5.690.288,30 5.519.842,37 5.349.396,45 5.178.950,52 5.008.504,59 4.838.058,67 4.667.612,74 4.497.166,81 4.326.720,88 198.899.828,32 653.445.605,98 168 Fonte de financiamento: Subfornecedores Períodos Saldo devedor Amortização 62.003.446,33 1 62.003.446,33 2 62.003.446,33 3 62.003.446,33 4 62.003.446,33 5 62.003.446,33 6 62.003.446,33 7 62.003.446,33 8 62.003.446,33 9 62.003.446,33 10 62.003.446,33 11 62.003.446,33 12 62.003.446,33 13 62.003.446,33 14 62.003.446,33 15 62.003.446,33 16 62.003.446,33 17 62.003.446,33 18 62.003.446,33 19 62.003.446,33 20 62.003.446,33 21 58.903.274,01 310.172,32 22 55.803.101,69 310.172,32 23 52.702.929,37 310.172,32 24 49.602.757,05 310.172,32 25 46.502.584,73 310.172,32 26 43.402.412,41 310.172,32 27 40.302.240,09 310.172,32 28 37.202.067,77 310.172,32 29 34.101.895,45 310.172,32 30 31.001.723,13 310.172,32 31 27.901.550,81 310.172,32 32 27.801.378,49 310.172,32 33 21.701.206,17 310.172,32 34 18.601.033,85 310.172,32 35 15.500.861,53 310.172,32 36 12.400.689,21 310.172,32 37 9.300.516,89 310.172,32 38 6.200.344,57 310.172,32 39 3.100.172,25 310.172,32 40 310.172,32 TOTAL US$ 6.203.446,40 TOTAL R$ 20.380.182,46 Juros Prestação 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.593.549,44 2.457.046,83 2.320.544,23 2.184.041,63 2.047.530,20 1.911.036,43 1.774.533,83 1.638.031,22 1.501.528,62 1.365.026,02 1.228.523,42 1.092.020,82 955.518,21 819.015,61 682.513,00 546.010,40 409.507,80 273.005,20 136.502,60 83.266.578,35 273.555.689,85 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 2.730.052,04 3.040.224,36 5.693.721,76 5.557.219,16 5.420.716,55 5.284.213,95 5.147.702,52 5.011.280,75 4.874.698,49 4.738.203,54 4.601.700,94 4.465.198,34 4.328.695,74 4.192.193,14 4.055.690,53 3.919.187,93 3.782.685,33 3.646.182,73 3.509.680,12 3.373.177,52 3.236.674,92 142.480.089,12 468.089.836,79 169 Fonte de financiamento: Raytheon Períodos Saldo devedor Amortização Juros 0 306.747.177,60 1 306.747.177,60 2 306.747.177,60 3 306.747.177,60 4 306.747.177,60 5 306.747.177,60 6 291.150.468,70 15.323.708,88 7 275.826.759,80 15.323.708,88 8 260.503.050,90 15.323.708,88 9 245.179.342,00 15.323.708,88 10 229.855.633,10 15.323.708,88 11 214.531.924,20 15.323.708,88 12 199.208.215,30 15.323.708,88 13 183.884.506,40 15.323.708,88 14 168.560.797,50 15.323.708,88 15 153.237.088,60 15.323.708,88 16 137.913.379,70 15.323.708,88 17 122.589.670,80 15.323.708,88 18 107.265.961,90 15.323.708,88 19 91.942.253,02 15.323.708,88 20 76.618.544,14 15.323.708,88 21 61.294.835,26 15.323.708,88 22 45.971.126,38 15.323.708,88 23 30.647.417,50 15.323.708,88 24 15.323.708,62 15.323.708,88 25 15.323.708,88 TOTAL US$ 306.474.177,60 TOTAL R$ 1.006.859.615,67 Prestação 13.494.257,25 13.494.257,25 13.494.257,25 13.494.257,25 13.494.257,25 13.494.257,25 12.144.831,52 11.470.118,66 10.795.405,79 10.120.692,93 9.445.980,07 8.771.267,20 8.096.554,34 7.421.841,48 6.747.128,62 6.072.415,75 5.397.702,89 4.722.990,03 4.048.277,16 3.373.564,30 2.698.851,44 2.024.138,58 1.349.425,71 674.712,85 196.341.442,82 645.040.542,10 28.817.965,58 27.468.540,40 26.793.827,54 26.119.114,67 25.444.401,81 24.769.688,95 24.094.976,08 23.420.263,22 22.745.550,36 22.070.837,50 21.396.124,63 20.721.411,77 20.046.698,91 19.371.986,04 18.697.273,18 18.022.560,32 17.347.847,46 16.673.134,59 15.998.421,73 15.323.708,88 435.344.333,62 1.430.236.739,25 170 FÓRMULAS 171