A To g a CENTRO ACADÊMICO ANDRÉ DA ROCHA Avenida João Pessoa, 80 - térreo (51) 3308.3598 [email protected] Jornal dos estudantes da Faculdade de Direito da UFRGS www.ufrgs.br/caar Porto Alegre, dezembro de 2010 - Nº 1 - Ano LXII - Tiragem: 1.000 exemplares João Pessoa, 80: endereço centenário Distribuição gratuita PESQUISA SIC na Faculdade de Direito p. 3 CONTRAPONTO Polêmica do ficha limpa p. 5 ENTREVISTA Juiz Federal Fausto de Sanctis p. 10 ARTIGO Movimento estudantil e partidos políticos p. 6-7 CULTURA Concluído em 1910, o prédio histórico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com- pletou, em 2010, 100 anos. Em sua homenagem, e também àqueles que entre essas paredes passaram cinco anos de suas vidas, o jornal A Toga publica nesta edição matéria especial com entrevistas de ex-alunos e imagens de arquivo, recontando um pouco da história que ajudamos a construir todos os dias. Páginas 8, 9 e 10. Semana Cultural p. 11 Faculdade de Direito UFRGS João Pessoa, nº 80 Cel: 9122.3184 pela manhã 3366.2987 [email protected] A TOGA - Dezembro de 2010 2 EXPEDIENTE EDITORIAL A Toga Jornal dos estudantes da Faculdade de Direito da UFRGS - Nº 1 - Ano LXII - Dezembro de 2010 Comissão Editorial: Eduardo Halperin, Francisco Ponzoni Pretto, Guilherme Seibert, Gustavo Sanseverino, Laura Marazita Lotti, Mariana Medeiros Lenz, Nathalia Beduhn Schneider. Diagramação: Mariana Medeiros Lenz Tiragem: 1.000 exemplares A Toga é uma publicação de responsabilidade do Centro Acadêmico André da Rocha (CAAR). Os textos assinados são de responsabilidade de seus autores. Fundado por Nicanor Luz e José J. Dall-agnol, em maio de 1949. DIRETORIA EXECUTIVA DO CENTRO ACADÊMICO ANDRÉ DA ROCHA Gestão Concretizando Ideias Presidência: Francisco Ponzoni Pretto Vice-Presidência: Pedro da Silva Moreira Secretaria-Geral: André Silva Gomes Secretaria Acadêmica: Elis Marina Barbieri Tesouraria: Dóris Amaral Kümmel Coordenação da Revista Res Severa Verum Gaudium: Raíssa Jeanine Nothaft Secretaria de Ensino, Pesquisa e Extensão: Emília Malacarne, Tássia Cividanes Pazinato, Mariana Kuhn de Oliveira Secretaria de Eventos Acadêmicos: Guilherme Seibert, Laura Lotti, Mariana Padilha, Fernando Eick, Ezequiel F. dos Santos Secretaria de Cultura: Cássio Rocha de Macedo, Gustavo Saling dos Santos, Eduardo Fernandes “Bera”, Luíza Leão Soares Pereira, Guilherme dal Castel Secretaria de Comunicação: Fernanda Bonotto, Arthur Amaral Reis Secretaria de Integração: Felipe Russomano, Fernando Polidori Rios, Lucien Pires, Guilherme Queirolo Feijó, Luiz Edmundo Kielbovicz Secretaria de Esportes: Rafael Xavier “TAGA”, Vitor Arthur Correa Lima, Eduardo Gutierrez, Morgan Adami, André Giordani, Henrique Buhl Richter Colaboraram nesta edição: Arthur P. Bedin Bruno Hermes Leal Bruno Irion Coletto Eduardo Halperin Eduardo K. M. Carrion Elis Marina Barbieri Fausto de Sanctis Francisco Ponzoni Pretto Guilherme Jantsch Guilherme Seibert Gustavo Sanseverino José Artigas Leão Ramminger Judith Martins-Costa Laura Marazita Lotti Lucas do Nascimento Marcelo de Azambuja Marco Aurélio Moreira de Oliveira Maria Izabel Noll Mariana Medeiros Lenz Maurício Licks Museu da UFRGS Nathalia Beduhn Schneider Nico Fagundes Raíssa Nothaft SAJU/UFRGS Sérgio José Porto Tatata Pimentel Thiago Calsa Nunes Thiago Aguiar Simim Vitor Lourenço Simão Castro • FRANCISCO PONZONI PRETTO Presidente do CAAR Gestão Concretizando Ideias (2009/2010) Ao final de um ciclo, de uma jornada, nada mais natural do que olhar para trás e refletir sobre o que aconteceu. Os erros, os acertos, as mudanças, os crescimentos. É a esta nossa pequena jornada, a Gestão Concretizando Ideias do Centro Acadêmico André da Rocha e os reflexos que esta trouxe a este jornal, que gostaria de dedicar este Editorial. Acredito, portanto, que esta edição do Jornal “A Toga” – minha última ação enquanto Presidente do CAAR – bem representa a caminhada que tivemos neste ano de 2010. De certa maneira, as matérias aqui escritas abordam muito da maneira de pensar que tivemos ao longo do ano, muitas das áreas de atuação que este Centro Acadêmico deve ocupar, muito da maneira como enxergamos uma entidade representativa como o CAAR. Este jornal não foi feito apenas pela sua Comissão Editorial. Tivemos contribuições de diversos estudantes, tanto de nossa Faculdade como de fora dela. Em realidade, tivemos até mesmo duas Comissões: uma que deu o primeiro passo (e que, por razões que não cabe aqui discutir, não o encerrou) e outra que, renovada e turbinada com o gás de calouros, praticamente reinventou o conceito de “A Toga” que tínhamos. Importante frisar, ainda no tocante às duas Comissões, que houve um importante crescimento, por parte da gestão, ao trabalhar com quem fora oposição nas outras eleições. Percebeu-se, nesta comparação direta, quem realmente estava disposto a trabalhar por um CAAR melhor, mesmo não sendo, formalmente, gestão. Mas esta edição traz à Faculdade muito mais. Adentramos na seara das discussões políticas – que devem sim ser pautadas por um Centro Acadêmico –, publicando o artigo “Interstícios: movimentos estudantis e partidos políticos”, de autoria de um estudante da UFMG, a exemplo do que já havíamos feito durante o ano, sendo a única entidade estudantil do estado a organizar um debate entre os candidatos ao senado e ao organizar eventos que discutiam a história política de nossa Faculdade. Na página 5, oferecemos aos estudantes importante discussão jurídico-política, que foi tema de inúmeras e infindáveis discussões durante o ano. Os professores Marco Aurélio de Oliveira e Eduardo Carrion iluminam o assunto “Ficha Limpa” de maneira ímpar, que só quem cumula anos de experiência e estudo poderia proporcionar. Esta discussão jurídico-política se mostrou durante todo o ano, ao, por exemplo, organizarmos em conjunto com outras entidades, o VI Fórum Mundial de Juízes, que contou com o português Boaventura de Souza Santos, entre outros renomados mestres. É consenso que uma correta formação do estudante de Direito não deve ser restrita apenas às discussões afeitas a este ramo do conhecimento. Por isso, durante o ano, foi organizada a I Semana Cultural da Faculdade de Direito da UFRGS, o II Minicurso de Criminologia Avançada e Rock e outros eventos que buscavam a transdisciplinaridade, que busca- vam discutir o Direito em conjunto com outras ciências. Também esses diálogos encontram reflexos no jornal, seja no texto sobre a Semana Cultural, seja na resenha escrita pelo discente Bruno Leal, seja no poema escrito pelo Acad. Arthur Bedin, seja no artigo escrito pela Profa. Izabel Noll. Também merece destaque a matéria sobre o centenário do prédio da Casa do Velho André. Reunimos acadêmicos de diferentes épocas, com diferentes histórias, para nos apresentarem seus relatos e impressões, como forma de valorizar nossa história e dar novo ânimo àqueles que hoje passam grande parte de sua vida dentro dos muros do nosso castelinho. Não podemos, ainda, olvidar o espaço disponibilizado ao maior e mais antigo projeto de extensão de nossa Universidade, exemplo a ser seguido pelo Brasil afora e que temos a honra de acolhermos em nossa Faculdade. O SAJU, em iniciativa nova e que – esperamos – seja seguida pelas próximas edições do “A Toga”, recebe espaço de destaque, permitindo que este lindo projeto tenha mais um espaço de divulgação de sua atuação. A tão falada e buscada excelência acadêmica, por óbvio, também não poderia ser excluída. Em que pese todo este texto, de uma maneira ou de outra, versar sobre ela, é no tripé universitário (ensino, pesquisa e extensão) que ela se faz mais clara. E, para o tripé completar-se, não esquecemos da pesquisa. Este ano, esta entidade estudantil organizou o Salão de Iniciação Científica da Faculdade, que contou com a presença, dentre outros, do Min. Ruy Rosado, e, pela primeira vez, foram publicados os resumos dos trabalhos apresentados. Manteve-se e ampliou-se, também, a grande conquista obtida neste quesito na gestão passada: a Res Severa Verum Gaudium, Revista Científica dos Estudantes da Faculdade de Direito, teve suas duas edições anuais publicadas, mantendo este importante meio de publicação à disposição dos discentes. Essencial para que se legitimidade perante seus representados, uma gestão de uma entidade representativa deve, sempre, primar pela transparência. Essa transparência se dá em vários âmbitos: no financeiro, pela primeira vez nos últimos anos, publicamos a prestação de contas dos primeiros seis meses de gestão e, neste jornal, publicamos a completa da gestão passada; no político, é deliberar antes e trazer a discussão e os resultados depois de cada encontro de entidades estudantis; na política interna, é estar sempre disposto a ouvir o estudante e a defendê-lo, é melhorar a comunicação, através de um novo sítio eletrônico e um CAARInforma reformulado. Poderia eu, aqui, enumerar muitas outras conquistas e avanços, mas creio que não disponho de tantos caracteres. Porém, acredito que, nestes onze parágrafos sobre o que foi feito, consegui, explícita ou implicitamente, enumerar algumas características e ações que, após este ano, vejo como essenciais a uma gestão do CAAR: trabalhar junto com o estudante, mesmo que ele tenha sido oposição nas eleições passadas; disposição para fazer um Centro Acadêmico melhor; proposição de debates (i) políticos, (ii) acadêmicos, (iii) interdisciplinares, (iv) culturais, (v) político-acadêmicos; transparência; legitimidade, que só se obtém quando se está aberto a ouvir o que o estudante tem a dizer e estar disposto a defendê-lo. Por fim, agradeço, como não poderia deixar de ser, a todos aqueles, discentes ou não, membros da gestão ou não, que de alguma forma contribuíram para que este texto tivesse todo este conteúdo. Obrigado a todos que criticaram, com ou sem razão; obrigado às Comissões Editoriais (a nova e a antiga) do jornal; obrigado àqueles docentes que, no dia-a-dia, mostraram que a docência é uma virtude; obrigado aos servidores técnico-administrativos, que diariamente ensinam o significado da palavra “dedicação”; obrigado aos demais membros da gestão, que, muitas e muitas vezes, mostraram o caminho onde antes só havia muros. A TOGA - Dezembro de 2010 3 Produção científica valorizada Bancas • LAURA MARAZITA LOTTI Acadêmica do 2º ano manhã Coordenadora do XII SIC da Faculdade de Direito DIREITO INTERNACIONAL E ARBITRAGEM Prof. Eugênio Battesini, Prof.ª Camila Vicenci, Prof. Augusto Jaeger Destaques: “A normatividade do soft law: discrepâncias nas normas de Comércio Internacional e de Direitos Humanos”, (Luíza Leão Soares Pereira) “A regulação do momento translativo da propriedade no âmbito do Comércio Internacional” (Henrique de David) Mariana Lenz O Salão de Iniciação Científica tem papel indispensável na construção de uma Faculdade fundada nos princípios basilares da pesquisa, ensino e extensão, uma vez que é o fomentador da pesquisa em nível de graduação na Faculdade de Direito da UFRGS, possibilitando ao acadêmico apresentar a sua pesquisa a uma banca preparada e conhecedora do tema, visando ao enriquecimento do trabalho que vem sendo desenvolvido. O objetivo do XII Salão de Iniciação da Faculdade de Direito da UFRGS é estimular a pesquisa e o debate acerca da importância do conhecimento científico dentro da nossa comunidade acadêmica, contextualizando-a na realidade da nossa Universidade e do Direito brasileiro. A iniciação científica é um instrumento de apoio teórico e metodológico à realização de projetos de pesquisa, permitindo ao aluno não apenas o contato com a doutrina, com as teses já estabelecidas, mas também garantindo-lhe o seu próprio processo ativo de produção de conhecimento. Neste XII Salão, promovido pelo Centro Acadêmico André da Rocha e a Faculdade de Direito da UFRGS, não foi diferente. Realizado entre os dias 4 e 8 de outubro, com 37 participantes, o SIC permitiu que o pesquisador entrasse em contato com sua comunidade acadêmica, apresentasse sua pesquisa e estimulasse outros a pesquisarem. Divididas em quatro áreas de atuação, as bancas foram formadas por linhas de pesquisa e compostas por três professores e profissionais atuantes, conhecedores dos temas. A pesquisa científica tem como pilar da sua existência a hipótese, a tese. Duvidar é por em cheque todo o conhecimento o desenvolvido até então e desconstruí-lo em busca de novas respostas, novas explicações para determinados fa- tos. Em um Salão de Iniciação Científica, tem-se por estimular a essas pesquisas, para criticá-las e vê-las desenvolverem-se. O objetivo maior de um Salão como esse é o contínuo estímulo aos pesquisadores, que possam desenvolver seus projetos sempre da maneira mais adequada e, cada vez mais, transformando a Faculdade de Direito da UFRGS em um espaço para a apresentação, divulgação e aprimoramento dos trabalhos concretizados pelos acadêmicos da nossa graduação. DIREITO CONSTITUCIONAL E FILOSOFIA DO DIR. Prof.ª Anelise Schüler, Prof. Felipe X. Oliveira, Prof.ª e Des. Maria Isabel de Azevedo Souza Destaques: “O Controle de Constitucionalidade do Reino Unido” (Rafael da Silva) “A judicialização da política no Rio Grande do Sul: uma análise das ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo Tribunal de Justiça Gaúcho (2007-2010)” (Marcio Camargo Cunha Filho) DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL Des. Umberto Sudbrack, Dr. Agenor Casaril, Prof. Pablo Alflen Destaques: “A compreensão do fenômeno violência doméstica e a aplicação da Lei Maria da Penha pelo Intercâmbio em uma metáfora e uma analogia • MAURÍCIO LICKS Acadêmico do 2º ano manhã, atualmente em intercâmbio estudantil em Grenoble (França) Descrevo a situação: estou em uma cama há algumas horas, resultado de um violento lance esportivo, e conto o tempo não em horas, mas em vezes em que abro a geladeira. Abro minha caixa de e-mails e me deparo com a proposta de escrever algo sobre a experiência de quatro meses vivendo em francês. Uma metáfora e uma analogia. Digamos que a vida seja um esboço, para o qual não se pode usar borracha ou qualquer técnica que permita apagar o risco de lápis e refazê-lo de alguma outra forma. A maior parte do trajeto do grafite é esperada e, mesmo que interessante, dificilmente cha- SIC do Direito ocorreu em outubro, com a apresentação de 36 trabalhos ma a atenção novamente. Às vezes, porém, a beleza do rastro do grafite é tanta, que a memória não hesita em fotografá-lo para fazer dele algum quadro ou coisa do gênero. A maioria destes momentos é inesperada: só se vê a beleza quando o grafite já desenha outras formas. Existem outros, no entanto, em que se sabe que cada vestígio do grafite, mesmo os que ainda são só possibilidade, será tão marcante e tão belo que, não importa quantas obras-primas ainda forem desenhadas sobre a superfície da folha, não se poderá deixar de apreciá-los nunca. É o caso, por exemplo – e me desculpem os namoros posteriores –, de um primeiro namoro. Um intercâmbio é definitivamente comparável ao primeiro namoro, à diferença de que ele não se passa com uma mulher ou com um ho- mem, mas com um país – ou mesmo um mundo – inteiro. Como em um primeiro namoro, faz-se coisas novas: esqui, degustação de vinho, anda-se de tram, viaja-se pela Ryan Air. Descobre-se que a comida não brota na geladeira e que o primeiro bom prato será posterior à massa com molho de queijo Roquefort coalhado e ao arroz com sardinha que cheira a lixo. Como em um primeiro namoro, continua-se a fazer as mesmas coisas. Vê-se e anota-se a aula – elas são estilo Alfredo –, abre-se um livro e se estuda, letras pretas e folha branca. Há insônia nas vésperas de dias esperados e vontade de dormir mais no domingo. 99% dos homens continuam falando sobre futebol durante muito tempo. Quanto às mulheres, dizem que elas também fazem amigas nos banheiros das festas. Menos do que em terras brasileiras, é cla- Poder Judiciário da cidade de Porto Alegre” (Adriana Marques Strohaecker) “O alcance dos laudos psiquiátricos na verificação da (in) imputabilidade penal: da necessidade de adequação do perito ao Código de Ética Médica” (Bruna Rossol) DIREITO PRIVADO E PROCESSO CIVIL Dr. Guilherme Lippert, Dr. Daniel Ustarroz, Dr. Felipe Lamb Destaque: “Aplicação prática de programas de mediação no cenário brasileiro: O PI 447” (Andressa Santos Michel) Banca final Prof. Carlos Zanini, ex-ministro Ruy Aguiar Jr. e Prof. Manoel André da Rocha Destaque: “O Controle de Constitucionalidade do Reino Unido” (Rafael da Silva) Menções honrosas: “A normatividade do soft law: discrepâncias nas normas de Comércio Internacional e de Direitos Humanos” (Luiza Leão Soares Pereira) “O alcance dos laudos psiquiátricos na verificação da (in) imputabilidade penal: da necessidade de adequação do perito ao Código de Ética Médica” (Bruna Rossol) Um intercâmbio é definitiva- ro, já que a maioria mente comparável ao primeiro dos banheiros france- namoro, à diferença de que ele ses é unisex. não se passa com uma mulher Como em um ou com um homem, mas com primeiro namoro, fazum país – ou mesmo um -se as mesmas coisas, mundo – inteiro. mas de uma forma completamente diferente. As pessoas vão em bares nho francês, acho que o que se beber, mas a cerveja é belga, a pode dizer sobre um intercâmpessoa logo à direita é grega e o bio universitário é que, como garçom, seu colega brasileiro de um primeiro namoro – mas de quarto. Todos falando francês – uma forma mais intensa, porou inglês. Faz-se uma curta vi- que se vê o dia em que se romsita àquele seu amigo siciliano, perão os laços – morar um ano o que mora na Sicília. Nas ma- em um novo país, com pessoas nhãs, depois de incontáveis “so- desconhecidas, em uma outra necas”, veste-se e se vai para a língua e cultura é um modo de aula não de ônibus ou de carro, conhecer um desenho absolumas de bicicleta. As conversas tamente inédito, irrepetível e com a família ainda existem du- fascinante. Uma possibilidade rante o almoço, mas a webcam única de contemplar uma bela pode travar e um cachorro ja- obra-de-arte na galeria da memais aceita comida virtual como mória enquanto ela ainda não moeda de troca para dar a pata. foi finalizada, vivendo anteciEnfim, apesar de ainda só ter padamente as nostalgias que te rabiscado um terço do dese- aguardam em dias futuros. 4 A TOGA - Dezembro de 2010 Res Severa Verum Gaudium CAAR protagonista da construção de uma tradição científica • RAÍSSA NOTHAFT Acadêmica do 3º ano manhã Coordenadora-Geral da Res Severa Verum Gaudium • ELIS MARINA BARBIERI Acadêmica do 3º ano manhã Secretária Acadêmica A Res Severa Verum Gaudium Revista Científica dos Estudantes de Direito da UFRGS foi criada no ano de 2009 pela Gestão Construindo o Caminho do Centro Acadêmico André da Rocha – CAAR, entidade representativa dos estudantes de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Revista foi elaborada com o intuito de valorizar os trabalhos acadêmicos dos estudantes de Direito, oferecendo um espaço para publicação, hoje escasso, principalmente em relação aos estudantes da graduação. A gestão Construindo o Cami- O lançamento da revista científica dos estudantes de Direito da UFRGS marca conquista histórica por parte do CAAR nho, logo após a sua posse, começou a trabalhar para que esse sonho se concretizasse. Após muita pesquisa, a revista tornou-se uma realidade possível. Montou-se um Conselho Administrativo com participantes da gestão e estudantes da Faculdade, que, já no primeiro semestre de 2009, começou a receber os trabalhos. No dia 09 de setembro de 2009, nas dependências da nossa biblioteca, ocorreu o lançamento da Res Severa Verum Gaudium. O evento contou com a presença de autoridades e dos acadêmicos da Faculdade de Direito, que lotaram a biblioteca. A cerimônia marcou também o momento em que o site da Revista foi disponibilizado na internet. Como forma de reconhecimento, foram feitas homenagens às bibliotecárias Maria da Graça Lima Conselho Administrativo da revista Res Severa Verum Gaudium em 2009 Corrêa e Celina Leite Miranda, as toda sua gestão, engrandecer e difundir quais, cada qual a seu tempo, fizeram a Revista, tornando objetivos os critérios de seu trabalho uma forma de ende avaliação, aumentando seu Conselho grandecimento desse local histórico Editorial e buscando artigos de ilustres de nossa Faculdade. Foram monprofessores para ampliar sua divulgação tados também dois quadros com no meio jurídico. A primeira edição de reportagens do jornal A Toga que, 2010 contou com um artigo do profespor várias gestões do CAAR, serviu sor dessa Casa, Dr. Salo de Carvalho. de veículo para denunciar a precária Pela primeira vez, o espaço que a situação da biblioteca e mostrar sua Revista prevê para prestigiar eventos da evolução. Um deles foi presenteado Faculdade de Direito será aproveitado, à bibliotecária Celina e o outro está com a 1º Edição do Livro de Resumos exposto na sede do CAAR. do Salão de Iniciação Científica da Em novembro de 2009, a Faculdade de Direito. Dessa forma, amRevista já contava com duas publica- pliamos e valorizamos o debate jurídico ções, totalizando 18 oriundo dos estuartigos de alunos da Gestão Concretizando dantes da graduação, graduação, pós-gra- Ideias publica a 1ª ao reunir os resumos edição do Livro de Reduação e inclusive de suas pesquisas de nomes relevantes sumos do Salão de e divulgá-los para Iniciação Científica da do mundo jurídico toda a comunidade como o professor jurídica. Faculdade de Direito Dr. Humberto Outra iniciativa Theodoro Junior. inovadora dessa CoA Res Severa Verum Gaudium ordenação foi convidar os palestrantes conquistou, ainda no ano de 2009, da Semana Cultural, realizada, com grano ISSN (2176-3755), que a tornou de destaque, pela primeira vez esse ano, uma revista científica reconhecida para publicar suas palestras na segunda nacionalmente. edição da Res Severa Verum Gaudium, que A gestão Concretizando Ideias está por vir. Desse modo, esse importanpriorizou, desde seu início, a mete evento ficará documentado. lhoria da Revista, demonstrado pela Conheça a revista e tenha acesso inclusão do cargo Coordenador da aos trabalhos através do site www. Revista em sua nominata, de forufrgs.br/ressevera. Participe dessa ma a centralizar o compromisso de construção, envie você também seu melhora da mesma. Buscou, durante artigo para publicação. Artigos publicados na última edição: SUBSTITUTIVOS PENAIS NA ERA DO GRANDE ENCARCERAMENTO Salo de Carvalho A TUTELA JURÍDICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO Chiavelli Facenda Falavigno A PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS COMO ALTERNATIVA AO CAOS PRISIONAL Fábio Maia Ostermann A DIRETIVA DO RETORNO NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS CONTEMPORÂNEAS Ana Paula da Cunha O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO: DA LACUNA NO DIREITO POSITIVO À SEGURANÇA JURÍDICA Nathalie Kuczura Nedel Tatiana Dibi Schvarcz O CONTRATO DE MANDATO COMO PROCESSO: Ensaio sobre o princípio da boa-fé objetiva e sua aplicação no contrato de mandato do Código Civil de 2002 Bruno Hermes Leal O PENSAMENTO DE JAMES BOYD WHITE E A LINGUAGEM COMO O CERNE DA ATIVIDADE JURÍDICA Laila Maia Galvão OS DIREITOS SEXUAIS MEDIANTE O DIÁLOGO COM OS DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Luana Borba Iserhard O site da Revista foi inaugurado durante a cerimônia de lançamento, que lotou a Biblioteca da Faculdade de Direito em setembro de 2009 A TOGA - Dezembro de 2010 5 CONTRAPONTO Aplicação da lei da ficha limpa divide STF e opiniões Lei da denominada ficha limpa ou ficha suja Em defesa da ficha limpa • MARCO AURÉLIO MOREIRA DE OLIVEIRA • EDUARDO K. M. CARRION Professor e desembargador aposentado Professor Titular de Direito Constitucional e ex-diretor da Faculdade de Direito da UFRGS No dia 27 de outubro deste ano de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou recurso interposto por político eleito para o Senado da República em que postulava o reconhecimento da inaplicabilidade, para as eleições deste ano, da Lei Complementar nº 135 que inovava matérias referentes a casos de inelegibilidade de candidatos a postos eletivos. A decisão de nossa corte maior, destinada a reconhecer matéria constitucional, acabou com igualdade de votos conflitantes, cinco a cinco, pois a décima primeira vaga do Supremo não estava preenchida, como cabia, por indicação do Sr. Presidente da República, disso decorrente o empate nos dez votos proferidos. Assim, o STF não decidiu nem a favor nem contra a aplicabilidade dessa lei complementar. Após a proclamação do resultado, entendeu a maioria, ante a falta de solução no seio do STF, manter a decisão do TSE que, por maioria, acolhera a aplicabilidade da lei nas eleições deste ano. A posição pela inaplicabilidade da Lei Complementar nº 135 decorria do disposto no art. 16 da Constituição Federal que determinava a aplicabilidade de lei nova apenas para eleições que se ferissem além de um ano, contado de sua entrada em vigor. Assim, decidiram cinco ministros do Supremo, por entenderem vigente esse período (a lei vigorara a contar do dia 6/06/2010), pois incidia, no caso, a condição de a lei nova “alterar o processo eleitoral”. Sem dúvida, em nosso entendimento, a referida lei complementar alterava profun- Com respeito à denominada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 04/06/10, que alterou a Lei Complementar nº 64 de 18/05/90, a chamada Lei das Inelegibilidades), parece ter finalmente prevalecido o interesse público à moralidade eleitoral. Antes de tudo, o STF afirmou, por larga maioria, a constitucionalidade das alterações introduzidas pela nova lei. Dividiu-se o Pleno, entretanto e sobretudo, com relação à constitucionalidade ou não da aplicação da lei já nas eleições de 2010 e também para casos pretéritos, ou seja, para fatos ocorridos anteriormente à sua promulgação. Em face do empate na deliberação do STF, passou a prevalecer, pelo momento, a convicção majoritária do TSE, exatamente pela constitucionalidade da aplicação da lei em ambas as hipóteses. Mesmo antes da decisão judicial, a Lei da Ficha Limpa já vinha produzindo efeitos. Muitos possíveis candidatos haviam pura e simplesmente desistido da disputa eleitoral, em consequência do novo regramento. Mesmo também que a decisão tivesse sido adversa com relação a sua aplicação imediata e a fatos pretéritos, a lei já representaria um grande avanço institucional. Era de se esperar que os partidos políticos exercessem um efetivo papel de seleção qualificada de seus candidatos a cargos eletivos. Dispensando, assim, a necessidade de uma legislação restritiva. A omissão dos partidos nesse particular levou, em grande parte, à inevitabilidade da lei. Chame-se a atenção, porém, para o fato de ter se tratado de um projeto de lei de iniciativa popular, nos termos de previsão constitucional (Artigo 61, “caput” e § 2º). Esse mecanismo de democracia direta, de participação popular cidadã, favoreceu a aprovação da lei, em face das resistências corporativas. damente o processo eleitoral, dispondo sobre novos casos de inelegibilidade, bem como por haver alterado, para mais, prazos de inelegibilidade. Ademais, a Lei Complementar nº 95 já dispunha sobre a necessidade de serem as leis especiais submetidas a um maior prazo de vacatio, a fim de se permitir um tempo razoável para o exame de suas condições de validade. Além disso, o fato sobre o qual se discutia a restrição imposta pela lei nova (ocorrido no longínquo ano de 2001), não apresentava nenhuma ilicitude ao tempo de seu “cometimento”, não podendo, pois, em relação ao fato velho incidir norma nova, qualificada como restritiva de direito; notadamente, em se tratando de direito de cidadania, a restrição não prevista ao tempo do fato não podia aplicar-se retroativamente. As restrições a direitos de cidadãos são incompatíveis com a principiologia de nossa Constituição, pois afetam o direito à segurança jurídica. O argumento de que a lei fora aprovada em decorrência de iniciativa popular, pois participou da proposta legislativa mais de um milhão e oitocentas mil pessoas, em nada pode validar uma lei com vício de inconstitucionalidade. Se a iniciativa popular fosse bastante para sanar uma lei, bastaria que se imaginasse essa iniciativa em favor da pena de morte, da prisão perpétua ou de abolição da norma proibitiva de tortura. Toda e qualquer lei, sobre a qual se argua inconstitucionalidade, deve ser submetida, no sistema de exame concentrado de constitucionalidade, ao julgamento por nosso Tribunal Constitucional. Nas últimas décadas, desde a redemocratização, houve inúmeros avanços: antes de tudo a estabilidade democrática ou, finalmente, a consolidação democrática; também a estabilidade econômica, outorgando maior previsibilidade ao processo econômico e favorecendo os investimentos. Em decorrência da estabilidade econômica, passaram a fazer parte da agenda política projetos de desenvolvimento, seja no âmbito nacional seja no plano regional. Um grande avanço está representado pelo fato de a agenda social ter sido definitivamente incorporada em nossa realidade. Fica ainda em aberto a equação ambiental, como problema a ser efetivamente enfrentado. Talvez um dos problemas mais persistentes e que dificultam ou impedem nossa maioridade como nação moderna e civilizada seja o “déficit republicano”. Não só a corrupção, mas também a incúria e a ineficiência na utilização dos recursos públicos, que comprometem a agenda social e, em grande parte, hipotecam nosso futuro, além de atingirem as bases da sociabilidade. A denominada Lei da Ficha Limpa pode seguramente contribuir para a superação do “déficit republicano”. 6 A TOGA - Dezembro de 2010 MOVIMENTO ESTUDANTIL Interstícios: • THIAGO AGUIAR SIMIM movimentos estudantis e partidos políticos Acadêmico do 10º semestre de Direito da UFMG e bolsista FAPEMIG de iniciação científica Algumas das atuais relações entre os movimentos estudantis e os partidos políticos criaram um problema nas finalidades e na atuação do movimento estudantil. O artigo pretende analisar este problema através da nuance criada nos espaços que tradicionalmente são ocupados pelo movimento estudantil na esfera pública. Partir-se-á da análise dos movimentos estudantil enquanto um movimento social, para traçar de forma geral a sua configuração e papel na esfera pública. O conceito de movimento social está em constante debate, mas, para que se tenha uma compreensão geral do que se trata, é importante evocar as definições de alguns autores. Maria da Glória Gohn define movimentos sociais como ações sociopolíticas construídas por atores coletivos de diferentes classes sociais, numa conjuntura específica de relações de força na sociedade civil (GOHN, 2004). Para Ilse Scherer-Warren os movimentos sociais ainda podem ser definidos como ação grupal para a transformação, voltada para a realização dos mesmos objetivos, sob orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (ideologia) e sob a organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção) (GOHN, 2004). Friedmann define movimento social a partir do conceito de auto-organização e da busca da emancipação. Já para Alain Touraine “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua organização a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe e dos acordos políticos” (BOBBIO, 1998, p. 789). O dicionário de política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Ginfranco Pasquino traz uma definição razoável para os movimentos sociais: Referências [O]s comportamentos coletivos e os movimentos sociais constituem tentativas, fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a definir as formas de ação social e a influir nos seus resultados. Comportamentos coletivos e Movimentos sociais se distinguem pelo grau e pelo tipo de mudança que pretendem provocar no sistema, e pelos valores e nível de integração que lhes são intrínsecos (BOBBIO, 1998, p.789). Pensando na idéia de que os movimentos sociais devem ter identidade, um problema comum e um projeto, a identidade que haveria no movimento estudantil é a própria condição de estudante, seja no movimento secundarista ou os de universidades, seja daqueles que representam um especifico grupo de estudante em determinada região – como são os Centros Acadêmicos – ou daqueles que representam os estudantes dos mais diversos cursos em um território vasto – como é a União Nacional dos Estudantes. Essa identidade pautada na condição de estudante é que traz demandas comuns tanto dentro da estrutura das instituições de ensino, quanto fora dela. As escolas e universidades nunca foram os limites da atuação dos movimentos estudantis, que se envolve em diversas causas e tensões sociais ligadas à luta pela democracia, por exemplo, como ocorreu no fim do regime de ditadura militar no Brasil, na década de 80. Em 1992 houve uma ampla atuação do estudante e do movimento estudantil no processo de impeachment do então presidente Fernando Collor. A atuação política estudantil não acabou, mas se voltou a questões mais pontuais e a problemas locais. Os movimentos sociais têm em vista a emancipação, são sustentados por uma cole- tividade autônoma e se ligam objetivos particularistas. Já a política partidária têm em vista a representação, atuam no institucionalismo estatal, devendo praticar uma política universalista1. Entre partidos políticos e movimentos sociais o ideal, portanto, é que haja uma distância. Fato é que hoje o que há é uma grande aproximação dos movimentos estudantis aos partidos políticos, principalmente nos movimentos mais amplos de representação estudantil – Diretórios Centrais, Uniões Estatuais de Estudantes e a própria União Nacional dos Estudantes. E essa aproximação traz os problemas que serão apontados abaixo. Os movimentos sociais podem levantar as mesmas bandeiras e combater os mesmo problemas que os partidos políticos, mas os meios utilizados devem ser distintos. A finalidade de um partido político é adentrar na estrutura do poder estatal, alcançando seus objetivos pela implementação de políticas, planos de governo, pela atividade legislativa e outras formas que constituem o governo. Eles almejam, portanto, participar da tomada de decisões políticas. Por outro lado, os movimentos sociais têm objetivos específicos ligados à sua luta, mas que se situam sempre em oposição ao Estado ou a uma situação social. “O projeto de um movimento social não se define pelo horizonte para onde avan- AZEVEDO, Paulo Roberto. A Democracia Comunicativa: uma exposição da idéia de democracia em Jürgen Habermas a partir da análise dos volumes da obra ‘Direito e De- mocracia, entre facticidade e a validade’. In: Tempo da Ciência (14) 27:135-156, 2007. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Ginfranco. Dicionário de ça, mas pela sua capacidade de repelir toda a ordem social e de ser o instrumento das dialéticas da ação histórica.” (TOURAINE, 1975 apud BOBBIO, 1998, p.790). Ele exerce seu papel sem ultrapassar a fronteira que há entre a periferia e o centro da esfera pública. Os movimentos sociais, estando na periferia do poder político, têm como papel a produção de debates, opiniões e a reivindicação, trazendo uma tensão, mas não atuam na decisão política. São para Niklas Luhmann como “os cães que latem”. Sobre a esfera pública tem-se a seguinte noção: Habermas define tal esfera (pública) como uma rede comunicativa que é formada por – ao mesmo tempo que possibilita – um cruzamento de discursos justificados por razões. Trata-se de uma instância de choque de argumentos em público, sendo que a publicidade deve garantir não apenas a circulação desses argumentos, mas também o seu escrutínio de modo que prevaleça a força do melhor argumento. Concretizada em várias arenas temáticas que se atravessam, a esfera pública é o locus em que se processa o bem comum e o esclarecimento recíproco dos cidadãos (MENDONÇA, 2007, p.131). Política. 11°ed. Brasília: Editora UNB, 1998. GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 4°ed. A decisão política é realizada no centro da esfera pública, pelo agentes do governo, sendo o principal objetivo de um partido político a participação nesse processo de decisão. A noção desses fluxos entre o centro e a periferia, que se remete a uma concepção habermasiana, mostra que essa comunicação deve haver, mas a tendência é que o centro se feche, para que a decisão ocorra com mais facilidade e sem percepção da produção de demanda da periferia. O fluxo entre periferia e centro do poder sofre restrição também quando há esse relacionamento estreito entre os movimentos e os partidos. Substitui-se o fluxo por uma continuidade. São Paulo: Edições Loyola, 2004. GOSS, Karine Pereira; PRUDENCIO, Kelly. O conceito de movimentos sociais revisitado. In: Revista Ele A TOGA - Dezembro de 2010 7 Este é o primeiro interstício que se pretende apontar: o espaço vazio que deveria haver entre os partidos políticos e os movimentos estudantis. Esse espaço é preenchido pela relação promiscua entre eles e faz com que não exista, entre centro e periferia, uma descontinuidade necessária para o funcionamento e processamento das opiniões e das decisões. A fundo cria-se de um problema na distinção entre Estado e Sociedade Civil – não na concepção tradicional de que o Estado está na esfera pública e a Sociedade Civil está na esfera privada, mas na compreensão de que a Sociedade Civil também participa da esfera pública, na for- ma dos fluxos de comunicação entre centro e periferia, como já comentado acima. Esse problema criado na distinção entre esses dois lados da esfera pública acontece justamente por causa do vício na intermediação realizada pelos partidos políticos. A atuação do movimento estudantil como uma antítese deixa de existir e, em lugar de uma síntese, tem-se a supressão de uma demanda social pela vontade e projeto de um partido político. Os movimentos estudantis que se relacionam nessa intensidade com os partidos políticos já não se importam mais com o segmento que representa, pois se tornaram um braço do próprio partido. Essas relações são permeadas normalmente, por trocas de favores: para o partido trata-se de uma maneira de angariar pessoal e votos em seu benefício e para os movimentos estudantis é uma maneira de conseguir financiamentos e verbas, normalmente desviadas das finalidades a que se prestam esses movimentos, mas que trazem benefícios diretamente aos atores deles. A troca de favores, na verdade, é entre os partidos políticos e os atores dos movimentos estudantis, pois os movimentos propriamente ditos se tornam somente um instrumento na mão desses partidos. Assim aparece o segundo interstício aqui apontado, o que não deveria haver, qual seja: o intervalo que se abre na representação dos movimentos estudantis. A relação viciada entre eles e os partidos políticos leva a uma distância entre os interesses do segmento estudantil e a real atuação dos movimentos através de seus atores. Eles passam a se atrelar aos objetivos pessoais e dos partidos políticos, deixando de lado a representação estudantil. O prejuízo ocorre inclusive na atuação do movimento estudantil nas questões internas das instituições de ensino. Os interesses estudantis não chegam à esfera pública, que é o locus do discurso público, pois quem deveria representá-los no debate não está vinculado àqueles objetivos. O problema aqui apontado ocorre principalmente em razão da percepção pelos partidos políticos das lideranças carismáticas nos movimentos estudantis. Os partidos tentam se apropriar dessas lideranças carismáticas ou construí-las nos movimentos estudantis, dando a elas um cargo ou a possibilidade de vida política no partido em troca dos votos que aquela liderança carismática pode trazer, juntamente com a possibilidade de utilizar do movimento como extensão de sua atuação política partidária. A cooptação que ocorre nos movimentos estudantis pelos partidos políticos traz para a discussão a questão da liderança carismática, como um problema central. Esse problema da liderança carismática existe em menor escala no movimento estudantil, até mesmo pela rotatividade que há dos seus atores, mas não deixa de ser um problema da estrutura do movimento. A liderança leva, por vezes, ao deslumbramento com o poder e torna o movimento um alvo fácil de cooptação. Este é um dos desafios atuais dos movimentos sociais como um todo. Deve-se admitir que o desvio dos objetivos dos representados em relação às ações do representante é um problema da própria representação – seja ela vista como delegação, como uma relação de confiança ou até mesmo como um espelho da vontade dos representados – e tem relação também com a institucionalização do movimento social. Mas esse é outro desafio que também não diz respeito somente aos movimentos estudantis, mas de todos os movimentos sociais institucionalizados: a solução deve vir de dentro dos próprios movimentos, a partir de uma mudança estrutural que vise, entre outras coisas, relações mais democráticas entre eles, para que o movimento não tenha a cara somente de um ou poucos indivíduos. É em razão dessa liderança que aparece o ultimo interstício aqui apontado: o da visão de que o movimento estudantil é o intervalo, ou a escada para se chegar a uma vida política. Como se do início da atuação no movimento estudantil até a entrada na vida política ligada aos partidos políticos houvesse apenas um lapso temporal. A atuação no movimento estudantil seria um degrau da escada para se chegar à política. O interstício nesse caso é o próprio movimento estudantil. Justamente porque os partidos políticos se utilizam dos movimentos estudantis como estratégia política é que muitos vêem neles uma porta aberta de entrada para os partidos políticos e, por conseguinte, para a estrutura estatal. Não convêm aqui, citar os exemplos de políticos que se utilizaram dos movimentos estudantis em prol de um partido político ou para a promoção de sua imagem pessoal, adentrando posteriormente em uma vida pública, através de cargos eletivos ou não. Isso ocorreu e até hoje ocorre com freqüência, o que trouxe uma visão pejorativa do atores que atuam no movimento estudantil. Concluindo, a utilização dos movimentos estudantis pelos partidos políticos como estratégia de se angariar votos acaba com um espaço que há entre um e outro, que deveria ser vago, mas é completado nessa proximidade. Retira-se, pois, um interstício que deveria haver entre movimentos estudantis e partidos políticos, quando se acaba com essa distância e uma relação estreita é criada, o que confunde inclusive a atuação de um com a de outro nos seus diferentes modos de agir: o movimento estudantil parece um representante do partido político no lugar em que atua, seja pelo financiamento que recebe, seja pelas trocas de favores políticos. Ao mesmo tempo, cria-se um interstício, um espaço vago na representação estudantil, que não deveria haver tendo em vista o sentido do instituto da representação. E, por fim, o movimento social se torna o próprio interstício para a entrada no centro do poder. trônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC, vol. 2, nº 1 (2), janeiro-julho 2004, p. 75-91. MENDES JÚNIOR, Antônio. Mo- vimento estudantil no Brasil. 2° ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Movimentos sociais como acontecimen- tos: linguagem e espaço público. In: Lua Nova, São Paulo, 72: 115-142, 2007. REPOLÊS, Maria Fernanda. Habermas e a desobediência civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 12° Ed. São Paulo: Cortez, 2008. SCHERER-WARREN, Ilse; KRISCHKE, Paulo J.(orgs). Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América Latina. São Paulo: Editora brasiliense, 1987. 8 A TOGA - Dezembro de 2010 ESPECIAL História para contar Por fora, a construção que abriga a Faculdade de Direito da UFRGS é a mesma, hoje mais discreta atrás de árvores crescidas. Por dentro, mudanças percorreram os corredores com as cerca de 100 turmas de estudantes, desde 1910. • NATHALIA BEDUHN SCHNEIDER O prédio em que hoje assistimos às aulas do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da UFRGS foi inspirado no Palais du Rhin, casa de verão do Imperador Guilherme II da Alemanha, da cidade de Estrasburgo, França. Sua construção teve início em 13 de junho de 1908; dois anos e um mês depois, em 15 de julho de 1910, teve sua obra concluída, quando seu engenheiro responsável, Rodolpho Ahrons, entregou o prédio pronto para o funcionamento da Faculdade. Até então, as aulas da Faculdade Livre de Direito eram lecionadas em salas cedidas pelo Estado, na antiga Escola Normal, Liceu Dom Afonso, na esquina da Rua Duque de Caxias com a Rua Marechal Floriano. Com grande incentivo do diretor da época, Manoel André da Rocha, para a construção de sede própria, a Faculdade estava, agora, em sua casa para sempre. O prédio, que foi pago com auxílios, doações e participação dos professores com parte de seus vencimentos, foi construído em terrenos cedidos pelo Estado. Todo o espaço requerido tinha como destino não apenas um prédio com salas de aula e com biblioteca, mas também um espaço para comodidade e recreio dos alunos, bem como para o jardim. De 1910 a 1985, o prédio sofreu aumentos complementares e obras de conservação, como a substituição de todo o telhado e a repintura interna de todo o prédio, em 1919. A ampliação do prédio, estendendo a construção para o lado leste, onde encontramos hoje o Salão Nobre e a Biblioteca, foi planejada e construída em 1951. A partir de 1954, o “Castelinho” foi remodelado. Em 1959, foram inaugurados, na parte térrea, o espaço do Centro Acadêmico André da Rocha, o Bar e as salas do SAJU. Em 2000, houve a restauração das pinturas decorativas dos tetos e paredes internas e dos vitrais. Em 2002, com a lei 8.313/91 – que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) –, e a Lei de Incentivo à Cultura do RS, foi iniciada a restauração completa da “Casa do Velho André”, finalizada em 2005. Acervo Museu da UFRGS Acadêmica do 3º ano manhã Tatata Pimentel estas “face to face” com presa maior me aguardaria. O o arguidor. Uma tradução nível dos professores. Todos sem dicionário deveria ser eram sumidades jurídica, culAluno de 1960 a 1964 Comunicador e professor, apresenta o feita pelo candidato de uma turais e filosóficas. O escritor passagem da Eneida de consagrado Darcy Azambuja programa “Gente da noite” Virgílio, e para a literatura dava aula com uma humilda“No princípio dos anos 60 latina, um ponto sorteado de impressionante. Leitão de estava eu com o segundo grau com cartões ensebados e Abreu com toda sua sapiência completo no Júlio de Castilhos numerados retirados de um jurídica esta sempre acessível. e deveria fazer um vestibular. saquinho mais ensebado Elpídio Paes era o terror dos Como venho de família de proainda. Depois da tradução alunos, no direto romano as fessores e de leitores, escolhi o me veio a literatura Ovídio, leis eram escritas no quadroCurso de Letras Neolatinas da eno autor que eu mais havia -negro em latim e com uma tão URGS. Fatalmente seria prolido e que conhecia mui- caligrafia que data de século fessor. A única possibilidade era to. Aprovação. Festa com de Augusto. Edgar Schneider realizar junto com o vestibular de no curso de finanLetras e o de Direito, pois a banca ças tratava os aluPrimo francês (ou alemão?) “Aulas começam em um e os conteúdos eram os mesmos. ambiente assustador, um pé nos como iguais, Herança prussiana mudou de nacionalidaNum terrível verão lá ia eu de fadireito imenso e, nas paredes, Ruy Cirne Lima e da época em que a atual de após o Tratado de tiota completa e gravata também. seu charuto eterquadros de formaturas dos Alemanha dominou a reVersalhes, ganhando Alguns milhares de candidatos namente apagado últimos 50 anos” gião da Alsácia-Lorena, o nome francês Palais se aglomeravam em uma sala pontificava, e por o Kaiserpalast (Palácio du Rhin (Palácio do sem ventilador. Literatura, língua fim, na filosofia do Kaiser) têm história. os colegas do Júlio. Aulas do direito, Armando Câmara, Reno), para finalmente portuguesa, francês e inglês não Foi concluído em 1888 começam em um ambien- que perguntava aos alunos em servir de escritório da me assustavam. MAS (com letras para abrigar o imperador te assustador, um pé direi- língua que queriam a aula: laComissão Central de maiúsculas) era o Latim com Elalemão Guilherme II, to imenso e, nas paredes, tim alemão, francês ou inglês. Navegação no Reno, pídio Ferreira Paes, já quase mitoserviu de hospital militar quadros de formatura dos função que exerce no lógico pela exigência nos exames. Todos estes professores na I Guerra Mundial, últimos 50 anos. Todas as eram o que se ainda diz hoje momento. As provas eram escritas e orais, alegorias possíveis fundi- sumidades. Todos donos de Mariana Lenz Guilherme Seibert das em bronze: A Justiça um saber enciclopédico, com de olhos sempre vendados, livros publicados e atuantes Fé, Esperança, Caridade e políticos no Estado. Se não outras crendices maiores. me tornei um advogado é que Nunca havia eu pen- ser professor tinha um apelo sado em carreira jurídica, mais alto, mas convivi com não havia nenhum advo- o fim de uma época onde os gado sequer na família nos professores sabiam tudo. E últimos cem anos. O que é neles que me espelhei para era um curso de Direito? ser durante 40 anos profesEu estava ali para ter uma sor. Acertei na escolha. Não chance de entrar na Uni- podia querer o mundo, fiquei versidade. De guloso passei com a literatura. Os professonos dois vestibulares e a fa- res da Faculdade de Direito mília exigiu que cursasse as me mostraram o caminho: De João Pessoa, nº 80, Porto Alegre, Brasil Place de la République, nº 2, Estrasburgo. duas faculdades. Uma sur- um pouco entendas tudo.” A TOGA - Dezembro de 2010 9 Nico Fagundes Aluno de 1960 a 1965 Poeta e compositor tradicionalista, apresenta o Galpão Crioulo com a gente. O CTG se tornou tão importante na época, tão famoso, “(...) tive a ideia de criar, onde ficava o Centro Acadêmico André da Rocha, um CTG, que chamamos de CTG Galpão Universitário” que conseguimos realizar, no Salão de Atos da Reitoria, o 2º Congresso Internacional de Tradicionalismo, em 1962. Vieram a Porto Alegre grandes nomes, companheiros da Argentina, do Uruguai, CTGs de todo o Brasil e, é claro, de todo o Rio Grande do Sul. As prendas mais bonitas foram duas das nossas colegas de turma do Direito. Esse evento ficou na memória daqueles alunos que fizeram com que ele acontecesse, mas as nossas reuniões mesmo, de todos os dias, aconteciam no porão dessa Faculdade. Tempos maravilhosos aqueles.” Acervo Museu da UFRGS “Entrei na Faculdade de Direito da UFRGS em 1960, no primeiro vestibular que fiz. Comigo ingressaram muitos tradicionalistas, colegas que vinham da Campanha, do interior do Estado. Companheiros de bombacha. Foi a partir desse encontro que tive a ideia de criar, no porão da Faculdade, onde ficava o Centro Acadêmico André da Rocha, um CTG, que chamamos de CTG Galpão Universitário. Lá tivemos reuniões belíssimas, em que foram discutidas teses importantes para o tradicionalismo. Acima de tudo, porém, eram tardes de canção e poesia entre amigos. Cheguei a ensaiar muito por lá. Entre os participantes, estava o professor Darcy de Azambuja, nosso ídolo, amigo e padrinho do CTG. Até o reitor da Universidade, Dr. Eliseu Paglioli, comparecia para tomar cachaça e conversar Estacionamento da Faculdade de Direito na decáda de 80, em frente à atual entrada mais utilizada. Sérgio José Porto Aluno de 1965 a 1970 Direito da Faculdade de Direito da UFRGS O período em que estudei na Faculdade de Direito da UFRGS coincidiu com o auge da ditadura militar, que começou com o golpe militar de 64. Era um período extremamente difícil, porque havia se institucionalizado uma violência de estado, onde todos os oponentes do regime, todos que criticavam a quebra da ordem constitucional, eram considerados inimigos, e não apenas adversários. Havia os que se opunham ao regime mediante palavras (mas não havia liberdade de expressão); outro resolveram se opor mediante a luta armada. Estes eram alguns poucos, porque o próprio presidente deposto – e esta Faculdade teve dois ex-alunos presidentes depostos (Getúlio Vargas e João Goulart) –, Jango, havia pedido publicamente que não houvesse resistência armada. Além disso, é preciso convir que a maioria da população era a favor do golpe militar, porque temia o que nós chamávamos de “reformas de base”. Pichações na fachada da Faculdade de Direito evidenciam ebulição política durante o ano de 1986, período imediatamente após o final da ditadura militar, em que foram conduzidas eleições para governadores, deputados estaduais e deputados federais constituintes, estes últimos responsáveis pela elaboração da Constituição de 1988. Acervo Museu da UFRGS Acervo Museu da UFRGS Se as paredes falassem... que nós, estudantes da turma de 1970, aqui vivemos durante 5 anos. No campo jurídico propriamente dito (por razões óbvias), prevalecia a Teoria Pura do Direito de Kelsen, que reduzia os estudos jurídicos à análise das normas jurídicas, independentemente de suas razões históricas e de sua valoração jurídica. Prevalecia, também pelas mesmas razões, o que se chama de “a jurisprudência dos conceitos” ou Pandectística, que consiste na análise e na depuração dos conceitos jurídicos, de modo a aproximar o direito das ciências físico-matemáticas. Os expoentes desta doutrina eram os autores alemães do século XIX e, entre nós, resplendia a figura de Pontes de MiDitadura militar: “Foi nesse randa. clima de completa escuridão Com essa que nós, estudantes da turma orientação predode 1970, aqui vivemos durante minante, toda a 5 anos”. discussão política era naturalmente afastada, independentemente Ato Institucional nº 5), que da repressão. fechara o Congresso NacioO estudo do direito era nal, entre outras incontáveis puramente normativo, sem arbitrariedades. Foi nesse nenhuma análise crítica. clima de completa escuridão Essas reformas de base, se tivessem sido feitas à época, teriam como resultado um país diferente daquele que nos foi entregue em 85, mais precisamente em 88 (uma vez que estes períodos se contam por Constituições), que se caracterizava pela corrupção, pelo empreguismo (basta dizer que Paulo Maluf era o candidato da ARENA), por uma inflação incontrolável, dívida externa impagável e uma desigualdade social inencontrável em outros países do mundo civilizado. Os períodos mais violentos da repressão política se verificaram justamente em 64 (com o Ato Institucional nº 1) e em 68 (com o A TOGA - Dezembro de 2010 10 ESPECIAL ENTREVISTA Fausto de Sanctis Prédio passou por reformas ao longo dos anos • GUSTAVO SANSEVERINO Acadêmico do 1º ano manhã Aluno de 2002 a 2006 Advogado, mestrando em Direito Privado pelo PPGD/UFRGS, expresidente do CAAR na gestão de 2006 O bar, hoje com entrada embaixo da escada que dá acesso ao primeiro andar, estava localizado no atual espaço da Biblioteca da ONU A execução da reforma teve início em 2004, com obras de recuperação estrutural e da fachada do prédio ao longo do primeiro semestre. No segundo semestre do mesmo ano, foi necessário o deslocamento de todos os estudantes para salas fora do prédio histórico. Aliás, não só as turmas saíram do prédio, como também o antigo bar (no espaço que hoje é ocupado pela Biblioteca da ONU) e o SAJU, que passou a utilizar o espaço junto ao Posto do JEC na Faculdade de Economia; a biblioteca permaneceu fechada (!); e a secretaria e os departamentos passaram a (realmente) funcio- no Anexo I da Reitoria e na cúpula do Instituto Parobé, onde funciona a Faculdade de Engenharia Mecânica. É bem verdade que, ante a precariedade das estruturas, não raras vezes víamos aulas nos corredores do prédio da Escola Técnica, ou no pátio da Faculdade de Direito; algumas provas eram aplicadas no Salão Nobre, pois era o único local em que se podia alocar uma turma completa. No primeiro semestre de 2005, o prédio foi devolvido aos estudantes e à comunidade, ainda sem a abertura “(...) havia a previsão de da biblioteca (o que redução do espaço do ocorreu apenas após SAJU à metade (pois a mais de 1 ano de seu outra seria destinada à fechamento – e que construção de banheiros foi devidamente copara os funcionários), bem memorado na ocacomo a retirada de uma sião). No entanto, das salas de aula” o retorno ao prédio demonstrou que tão nar na Sala Alberto Pasqualini. somente a estrutura haAs aulas foram ministradas nas via sido reformada, pois minúsculas salas localizadas no a história da centenária antigo prédio da Escola Técni- faculdade – e seus conheca, que ficava atrás da Faculda- cidos problemas – conde de Economia e foi recente- tinuam na memória de mente derrubado, bem como todos... Mariana Lenz Espaço do CAAR já foi bem diferente. Na foto acima, uma porta o separa do pátio; à direita, a porta deu lugar a uma janela. algemas pode nos proporcionar uma satisfação imediata de justiça, mas temos de considerar sempre as vias da legalidade para a apuração dos fatos que conduzirão ao julgamento do caso. Boa parte da opinião pública brasileira admirou a firme e corajosa atuação de De Sanctis em processos de grande repercussão. No entanto, a completa adesão do magistrado às apurações policiais, forjando a figura do “juiz-investigador”, e o descumprimento de decisão do STF provocaram questionamentos a respeito da imparcialidade de algumas decisões. Possíveis divergências não excluem a importância de Fausto de Sanctis no atual cenário jurídico do Brasil, pois seus posicionamentos recrudesceram o debate a respeito da independência do Judiciário e do papel do juiz em casos com um amplo impacto na sociedade brasileira. Qual o seu conceito de justiça? Acredito que justiça seja bom-senso. É a capacidade de vislumbrar com quem está a razão. Não basta a erudição, o apego à jurisdição e à doutrina, ou seja, o teorismo. Todos esses são elementos válidos, obviamente, mas a justiça só se faz com a sensibilidade dos fatos. Assim, justiça se referindo aos que são julgados pelo juiz que utiliza sua sensibilidade para saber com quem está a razão. assim por diante. Ou seja, cada um tem um papel relevante para fazer uma sociedade melhor. Foi nesse sentido que eu falei que eu, na minha qualidade de juiz, tenho um papel relevante na história e para o aperfeiçoamento da comunidade. Por que o senhor considera que a investigação tradicional não é suficiente para combater crimes econômicos? Bom, não sou só eu quem considera. Existe uma compreensão mundial de que para combater a nova criminalidade – essa que se vale de recursos tecnológicos, de subterfúgios e profissionais qualificados – não há como chegar a sua revelação apenas com o uso de um inquérito que foi utilizado no passado. Sendo assim, a utilização de técnicas especiais de investigação é recomendada mundialmente, pois sem eles não chegamos a lugar nenhum. Museu da UFRGS A reforma do prédio histórico da Faculdade de Direito era uma necessidade vislumbrada há algum tempo e realizada após a obtenção do patrocínio necessário através da campanha de resgate do patrimônio histórico da UFRGS. Em que pese a elaboração do projeto original de reforma não ter contado com a participação dos estudantes, a pró-atividade destes foi essencial para que não fossem perdidos espaços conquistados há décadas. Isso porque, no projeto original apresentado ao final do ano de 2003 pela Comissão de Reforma – já aprovado para execução – havia previsão de redução do espaço do SAJU à metade (pois a outra metade seria destinada à construção de banheiros para os funcionários), bem como a retirada de uma das salas de aula (e, consequentemente, de uma turma em cada turno) do prédio histórico, a fim de privilegiar os cursos pagos e a burocracia universitária. À época, a grande mobilização dos estudantes para não perder esses espaços foi determinante para a modificação do projeto original de reforma, resultando na execução do projeto com as modificações sugeridas e hoje conhecidas por todos. Museu da UFRGS Vitor Lourenço Simão Castro No alto da Avenida Paulista, considerada um dos principais centros financeiros do mundo, Fausto de Sanctis julga polêmicos crimes do colarinho branco e de lavagem de dinheiro. De Sanctis, juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, foi responsável pelas prisões do banqueiro Edemar Cid Ferreira, do empresário Ricardo Mansur e do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia; também participou como magistrado da Operação Castelo de Areia e da MSI/Corinthians. Nesse contexto, o grande destaque na imprensa nacional deve-se à Operação Satiagraha, em que decretou duas vezes a prisão do banqueiro Daniel Dantas e não se subordinou à ordem do então Presidente da Corte Suprema, Ministro Gilmar Mendes. Num país com um sentimento de impunidade à flor da pele no que diz respeito à prisão de pessoas ricas e influentes, a doce vontade de trocar o Rolex de um operador financeiro ou de um político corrupto por um par de Quando o senhor diz que o seu objetivo é fazer história, o que tem em mente? Houve uma má compreensão da mídia sobre o que eu disse. Eu não quis falar nesse sentido egocêntrico. O que queria dizer é que cada pessoa tem um papel perante o seu núcleo comunitário. Um pai, por exemplo, é importante à sua família, à sua vizinhança, aos seus colegas de trabalho, à unidade religiosa que ele eventualmente frequenta e O senhor considera a atuação do juiz (no chamado ativismo judicial) uma forma correta, segundo os princípios democráticos, para correção de problemas como a impunidade? Nunca refleti sobre essa questão específica. O que eu sei que existe é o juiz que trabalha. A atuação jurisdicional de um juiz que não é acomodado existe mesmo sem que se considere um ativismo judicial e, se assim é feita, acredito que ela exista mesmo sem extrapolar os limites constitucionais. E esse ativismo, possui então uma função importante para corrigir a impunidade? Bom, é importante dizer o que diria a Hungria: “justiça de olhos vendados se transforma em um jogo de cabra-cega”. Então um juiz, enxerga, é uma pessoa e precisa tomar suas decisões de acordo com os fatos. O que não pode acontecer é um juiz inerte, de alma gélida e que não se indigna com a realidade social. É preciso agir e, ao fazê-lo, obviamente, estar dentro dos princípios democráticos constitucionais. Entrevista: Raíssa Nothaft (3M) Transcrição: Marcelo Azambuja (2M) e Thiago Calsa Nunes (4M) A TOGA - Dezembro de 2010 11 Semana cultural CULTURA O Projeto CUIC: uma outra perspectiva para “aprender Direito” Tradição e ruptura políticas na Faculdade de Direito da UFRGS • LUCAS DO NASCIMENTO Acadêmico do 4º ano manhã e Coordenador Geral Discente do Círculo Universitário de Integração e Cultura (CUIC/UFRGS) • JUDITH MARTINS-COSTA Livre Docente e Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) Até outubro de 2010, Professora da Faculdade de Direito da UFRGS, onde lecionou Direito Civil e coordenou seminários sobre Teoria Geral do Direito Privado, Fundamentos Culturais do Direito Privado e Direito e Literatura, dentre outros. Foi coordenadora do Círculo Universitário de Integração e Cultura (CUIC) entre novembro de 2009 a outubro de 2010. É autora de livros de doutrina jurídica. Um livro lido quando iniciava minha vida como professora da UFRGS, El aprendizaje del aprendizaje, de Juan Ramón Cappela, ajudou-me a compreender que há várias formas de aprendizagem: dentre as não-patológicas (que infelizmente, existem, e não são raras) estão a de mera manutenção, que nos ajuda na sobrevivência básica; a de atualização, praticada comumente na universidade; e a de inovação que consiste em aprender a enfrentar problemas e situações distintos dos conhecidos por quem ensina, dando-lhes soluções inéditas, pois aprender não é repetir nem recordar e, muito menos, decorar. O difícil, porém, é que a aprendizagem inovadora nem pode ser ensinada diretamente nem depende exclusivamente da atividade de investigação e pesquisa, embora esteja a esta vinculada. A atividade dos professores apenas pode contribuir para a aprendizagem inovadora, diz ainda Cappela, se consegue transmitir não apenas os resultados de sua investigação, mas, fundamentalmente, a problemática que esses resultados colocam, ou, dito de outro modo, as perguntas para as quais quem ensina não tem respostas. Fui encontrar reflexo prático dessa concepção já quase ao final do período de minha docência na UFRGS, por meio do CUIC, essa sigla que se transfigura e concretiza no corpo, alma, voz, inteligência e entusiasmo imbatível de cada um dos estudantes decididos a romper o círculo de giz que encapsula os juristas e transforma as faculdades de Direito, modo geral, no massificado locus de “aulários” (Capella), preparatórios – e, muitas vezes, mal preparatórios – de burocratas do pensamento. A palavra ‘entusiasmo’ não foi acima empregada por acaso. Nas suas raízes gregas está o adjetivo entheos, isto é, ‘inspirado por um deus’. É, certamente, o deus da cultura que inspira o CUIC em cujo Estatuto está o escopo ‘precípuo’ de ‘proporcionar a interdisciplinaridade e o estudo das diferentes espécies de Artes, sempre sob o viés crítico’. O escopo vem sendo cumprido desde os finais de 2009. Realizou-se, então, o I Ciclo de Cinema em História do Direito, discutindo -, com Laura Beck Varela e Daniel Mitidiero e com o auxílio dos filmes Le Retour de Martin Guerre e A última viagem do juiz Feng –, o funcionamento da Justiça no Antigo Regime, pois sabem os integrantes do CUIC não existir projeto intelectual digno deste nome se afastadas as exigências da historicidade e da interdisciplinariedade. Seguiu-se seminário sobre Crime, Processo e Pena, presentes Kathrin Rosenfield, Danilo Knijnik, Alexandre Wunderlich, Moysés da Fontoura Pinto Neto Tupinambá Pinto de Azevedo, Salo de Carvalho e Alexandre Costi Pandolfo a discutir questões suscitadas por As bruxas de Salem; Doze homens e uma sentença; Seção Especial de Justiça; e Julgamento em Nuremberg e, ainda, mais recentemente, o encontro Aborto: questões éticas e jurídicas, o filme O Aborto dos Outros, sendo o fio condutor de um debate com José Roberto Goldim e Salo de Carvalho, e a mediação de RGS UF CUIC/ 2010 Lucas do Nascimento, Dóris Amaral Kümmel e Clarissa de Baumont, integrando, exemplarmente, CUIC, CAAR e Grupo de Pesquisa em Ciências Criminais (GCrim/UFRGS). Para um ano, foi bastante – e não foi tudo. Conquanto verdadeiramente entusiasmante, o Projeto Cinema em Cena (CiCe) não esgota as atividades do CUIC. Seus membros também atuaram em debates do seminário MalEstar na Cultura, coordenado, em 2010, por Kathrin Rosenfeld e estiveram presentes na Semana Cultural da Faculdade de Direito, sempre buscando a integração entre os diferentes cursos universitários, único modo de dar sentido à palavra “universidade”. E, sobretudo, têm suas atividades ensinado a professores e alunos que uma aprendizagem inovadora não apenas desvela a relatividade das nossas certezas: dá-se fundamentalmente quando, mudando a perspectiva, habilitamo-nos a fazer perguntas para as quais não temos respostas. De 17 a 20 de agosto de 2010, ocorreu a Semana Cultural da Faculdade de Direito da UFRGS: Tradição e Ruptura na Formação Política Brasileira, um evento organizado pelo Círculo Universitário de Integração e Cultura da UFRGS (CUIC/ UFRGS) e pelo Centro Acadêmico André da Rocha (CAAR). Durante quatro noites, diversos temas foram abordados, dentre os quais: história política da Faculdade de Direito da UFRGS; figuras ilustres formadas pela Casa e sua trajetória na história do Brasil; Machado de Assis e suas análises sobre o Império e República brasileiros; Raymundo Faoro e sua vasta obra sobre o “estamento burocrático”; Glauber Rocha, o Cinema Novo e o Golpe Militar de 1964; possibilidades da democracia brasileira; papel político do Juiz no Estado Democrático de Direito, dentre outros. Neste pequeno texto, gostaria de ressaltar a relevância de tal evento para o enriquecimento de nosso meio universitário. Sendo esta a primeira semana cultural já realizada na Faculdade de Direito da UFRGS, cumpre incitar os demais colegas a darem continuidade ao evento, consolidando a ruptura política alcançada com sua realização e reforçando uma nova e profícua tradição na Casa: a de promover atividades interdisciplinares pertinentes a um refletir e atuar cidadãos, para a comunidade universitária e sociedade. Como um dos organizadores, cabe escrever que a jornada foi longa, os meses de trabalho muitos. Penamos, passamos dias na frente do computador, manhãs e noites em reunião, nos locomovemos como adoidados, conversamos com muitas pessoas, criamos diversos contatos, algumas amizades, abrimos portas e demos primeiros passos para a (re)aproximação entre o Direito e os cursos de Graduação e Pós-Graduação em Letras, Ciência Política, Sociologia, Cinema, História, Filosofia, ressaltamos o valor de nossa Faculdade, relembramos a importância que outrora o cenário jurídico representava em termos de personalidades de atuação política regional e nacional, refletimos muito sobre teoria política e acerca das possibilidades da democracia brasileira, mas, mais importante do que tudo, criamos uma outra realidade e novas perspectivas para aqueles que ingressaram há pouco na Faculdade de Direito da UFRGS, conforme era nosso objetivo. Onde estamos? Qual o nosso papel nesse topos? Queiramos ou não, mais do que falar de política, fizemos política. Quebramos muralhas de um castelo que seria inexpugnável, se não fosse a atuação e companheirismo de alunos protagonistas como o são os de Direito da UFRGS. Provocamos dores de cabeça, tiramos pessoas da passividade, inovamos, demos início a uma tradição, tratamos de revolução glauberiana ou faoriana, e vivemos uma. O estamento burocrático brasileiro vigora, e muito, no seio universitário, principalmente no meio jurídico e em uma Universidade Pública. Podemos ver e viver, dia a dia, o como esse estamento utiliza o Estado ou suas autarquias, no caso, a nossa Faculdade, para fins particulares. O que são concursos a portas fechadas? O que são professores que tratam a Faculdade como coisa sua? Aprendamos com Faoro, não de forma a nos satisfazermos com um mundo que se perfectibilizou, porque se compreendeu, mas de maneira a que, compreendendo a “mutabilidade constante” dos negócios humanos e conscientizando-nos do espaço e tempo em que vivemos, saibamos transformar o mundo, e fazer História. Fizemos História, a Semana Cultural, que, maior do que qualquer grupo político da Faculdade, espero tenha tão longa vida quanto a do rei. A TOGA - Dezembro de 2010 12 Quando Glauber encontrou Faoro • MARIA IZABEL NOLL Professora do Departamento de Ciência Política da UFRGS Mais de 40 anos depois de Terra em Transe ser realizado, ser proibido, ser liberado, ser premiado e ter provocado um grande debate nacional, principalmente entre as esquerdas, assisti-lo nos provoca uma série de reflexões cujo olhar, hoje, à distância, nos permite um entendimento mais claro, mas principalmente a constatação do quanto é difícil para o artista compreender o seu tempo, o momento presente, ainda mais quando se trata de um tempo de transição – em transe. Glauber sempre afirmou que Terra em Transe não é uma obra política, mas uma obra sobre a política. Mais: essa política não é qualquer política, mas aquela que se dá num espaço determinado – Eldorado – um país metafórico que identificamos facilmente como o Brasil mas que pode ser qualquer país da América Latina. Costuma-se dizer que o filme é barroco, é exagerado, é radical, é alegórico. E é. A imagem trabalha com o claro/escuro, luz/ sombra. O barroco é o estilo do Brasil colonial. Há no filme a forma do barroco tradicional mas há o barroco moderno, retomado pela arquitetura revolucionária dos anos 60. Estabelecendo sua leitura política dentro da radicalidade, mesmo numa síntese propositadamente caótica, Glauber define com clareza sua visão do Brasil: há uma elite (Estado + Igreja) que se perpetua num processo civilizatório destrutivo, há os intelectuais (esquerdas, estudantes, poetas) que mediam o contato com o povo, massa amorfa e fraca, à mercê do jogo maior dos interesses políticos ou das idéias daqueles que pretendem libertá-los. Esquematicamente podemos ver três personagens que aparecem como síntese dos vínculos com o poder: Diaz – que permite uma primeira possibilidade de participação dos intelectuais, dos estudantes, da esquerda, mas traz em si – de forma encoberta – a tradição (a Igreja+ o Estado+a civilização do colonizador); Fuentes – o empresário nacional (chamaríamos hoje a mídia?), que no jogo do poder procura estar ligado a quem lhe abre mais portas, lhe proporciona mais ganhos. O medo do povo e da perda dos bens lhe define as escolhas. Vieira – o líder populista. (Paulo, o intelectual, diz: “precisamos de um líder”). Neste líder são depositadas as esperanças da mudança, Vieira responde: “a praça é do povo”. Os intelectuais (o poeta), os estudantes, as lideranças populares, as lideranças de esquerda lhe garantem a base eleitoral, mas Vieira/o populista vai priorizar os compromissos de campanha, a ordem, o não derramamento de sangue (dos inocentes) – o poeta questiona: “quem são os inocentes?” O povo é servil, é fraco. Frente à morte as mulheres rezam, numa revolta que busca respostas no misticismo. A culpa não é do povo dizem as lideranças intelectuais mas, ao mesmo tempo, são os intelectuais que dizem quem é o povo. Jerônimo – líder sindical que se diz representante do povo tem sua boca fechada pelos grupos de esquerda. “Já pensaram num Jerônimo no poder?” Chega o personagem de Flavio Migliaccio e afirma/grita que o povo é ele – pobre, sem casa, sem terra, sem trabalho – o pária por excelência. É chamado de extremista e, logo em seguida, assassinado. Quem é realmente o povo? Glauber parece se decidir pelo sertanejo - o excluído absoluto. Ele já havia dito no manifesto Eztetyka da Fome datado de 1965: “A violência não é um simples sintoma, é um desejo de transformação” é “a mais nobre manifestação cultural da fome”. Sua estética vai buscar a violência telúrica. “Para explodir, a revolução tem que ser precedida por um crime, um massacre.” Nada mais próximo de Euclides da Cunha. A dicotomia sertão versus litoral, barbárie versus civilização. Quem realmente é bárbaro? O poeta do filme rompe com todos e prega a luta: – “temos que unir as massas”. Mas o preço dessa opção é a morte. O ditador Diaz olha o expectador nos olhos e diz: “a luta de classes existe – o povo no poder, nunca!” Entende-se, então, os motivos do filme ter desencadeado um grande debate na esquerda (ou esquerdas) que já então se dividia entre uma oposição ao regime de 64 dentro da “institucionalidade” ou a luta armada. É compreen- sível a reação do governo ditatorial proibindo a exibição de Terra em Transe. Desmascarava-se o conteúdo do golpe. Mas onde então Glaub e r e n c o n t r a Fa o r o ? Quando vemos a cena de Diaz (o líder do início - o ditador coroado do final), junto ao colonizador português (Estado) e um padre (Igreja) chegando à praia e indo ao encontro de um índio, não há como não lembrar de Faoro que, em Os Donos do Poder, nos diz: De D. João I a Getulio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo.1 O capitalismo politicamente orientado, o centro da aventura, da conquista, da colonização foi o elemento fundamental da realidade estatal. O capitalismo moderno foi incorporado, mas não elidiu os traços da formação anterior. A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, (...) Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi.2 A imutabilidade histórica fascina Faoro como modelo analítico. Mas desespera Glauber. Faoro vê no Estado e na dominação patrimonial o vértice e o vórtice de uma sociedade que não é uma sociedade de classes (daí não haver nem luta de classes), mas um estamento. O estamento privilegia a desigualdade e o particularismo. Essa camada se organiza e se define politicamente por suas relações com o Estado. O estamento patrimonial é intrinsecamente personalista desprezando a distinção entre as esferas pública e privada. Na sociedade patrimonial, o poder pessoal faz do favoritismo o mecanismo por excelência de ascensão social. Mesmo a justiça, em todas as suas manifestações, veicula o poder particular e o privilégio em detrimento do universal e do formal-legal. A referência arquetípica da dominação tradicional patrimonial é a autoridade patriarcal. O poder atávico, primordial, compassivo e arbitrário do patriarca. Poder instável, pessoal, subjetivo, que sai da comunidade doméstica e, sem perder suas raízes na tradição e no arbítrio, chega à esfera política. Os fundamentos personalistas do poder, a ausência de uma esfera pública que se contraponha à privada, o casuísmo jurídico, a irracionalidade burocrática, a tendência à corrupção, tudo leva ao circulo vicioso da ineficiência. A sociedade estamental se constrói no prestigio social, nos monopólios sociais e econômicos, num estilo de vida diferenciado que se traduz em privilégios de consumo ostentatório. Aí se abriga o vírus da desigualdade. Glauber vê a corrupção – associada, no filme, às festas, às orgias sexuais, à bebida, numa visão quase puritana - como o câncer que corrói a todos os que chegam ao poder ou dele se aproximam. A proximidade com o estamento (poder) traz o risco da cooptação. A quem defender? As bases que levaram Vieira ao poder ou os interesses daqueles com quem os acordos econômicos foram feitos? Para Faoro, o estamento é constituído “à ilharga do Estado”. O Estado é seu pa- Notas trimônio e assim é usado. E o povo? Nos Donos do Poder a ausência do povo no mundo político é afirmação reiterada. Glauber vê o povo. Mas este é constantemente enganado. O povo de Glauber é euclidiano: é sobrevivente, é um forte dentro da miséria do deserto do sertão, é um esquecido, é um perseguido por aqueles que dizem querer salvá-lo ou “civilizá-lo”. Faoro vê o povo ausente: “E o povo, palavra e não realidade (...) que quer ele? Este oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação política, e a nacionalização do poder” 3 Confinado na base da pirâmide social “o povo espera, pede, venera, formulando a sua política, expressão primária de anseios e clamores, a política de salvação” 4. No topo da estrutura estão os “manipuladores olímpicos do poder”. Confundindo as súplicas religiosas com as políticas, o desvalido, o negativamente privilegiado, identificado ao providencialismo do aparelhamento estatal, com o entusiasmo orgiástico dos supersticiosos, confunde o político com o taumaturgo, que transforme pedras em pães, o pobre no rico.5 Sairá dessa massa uma revolução? Nos anos 90, Faoro diria que nossa elite “dissidente” – nos perguntaríamos: os intelectuais de Glauber? – continuava conduzindo o Brasil de forma patrimonial, conservadora, desconhecendo profundamente o Outro. Faltava-lhe um componente ético em sua conduta, pautada pelo sonho de ter acesso aos padrões de consumo do primeiro mundo, na defesa intransigente de seus privilégios. Faltava-lhe alteridade. A construção da cidadania e a defesa da coisa pública eram ornamentos discursivos. Seria interessante saber qual seria o comentário de Glauber ao ver que um Jerônimo chegou ao poder em 2002. Neste sentido, podemos apenas especular. Já Faoro, ao receber a visita de “Jerônimo”/Lula” no hospital, pouco antes de sua morte em 2003, – numa compreensível ansiedade pelo rompimento do circulo vicioso da dominação – teria puxado um pouco as orelhas do agora presidente pela demora em pôr em prática algumas medidas no sentido de republicanizar e democratizar o Estado e, finalmente, construir uma sociedade mais igualitária. 1 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Porto Alegre: Globo, 1976. p. 733-34. 2 3 Idem Idem. p. 748 4 5 Idem Idem. p. 740 A TOGA - Dezembro de 2010 RESENHA 13 POESIA Relendo as margens do Direito Não fales • ARTHUR P. BEDIN Acadêmico do 3º ano manhã • BRUNO HERMES LEAL Acadêmico do 5º ano manhã atestando a insuficiência da ciência jurídica, por si só, para “desentranhar a realidade do fato jurídico”, procede à análise orgânico-biológica do Mariana Lenz A lógica recomenda que não se comece pelo fim, mas abordar a obra de Pontes de Miranda é encarar, de pronto, o paradoxo lógico em que À margem do direito: ensaio de psicologia jurídica - Pontes de Miranda. Na Biblioteca do Direito: 340.12 M672m 2005 consiste a realização de um trabalho de humanidades no tempo de uma só vida, razão pela qual me permito iniciar citando a frase final do primeiro livro escrito pelo grande tratadista brasileiro: “O direito é, em verdade, um produto social de assimilação e desassimilação psíquica”. O livro “À Margem do Direito”, escrito em 1911, encerra os traços característicos da primeira fase do pensamento ponteano, vincada pelos avanços científicos subsequentes desde o final do século XIX e pelo positivismo científico-naturalista. Neste escrito de pouco mais de cem páginas, autointitulado “ensaio de psicologia jurídica”, um jovem Pontes de Miranda lança as bases do que seria a tônica de sua vasta produção: a interdisciplinaridade, observando a ciência jurídica de forma integrada, pretendendo “uma explicação homogênea, sistemática, estribada em outros ramos, com uma bem revelada preocupação realista”. O provocativo título da obra é explicado no primeiro capítulo, quando o autor, destacada conotação individualista –, e do elemento social, ensejadores dos “fatos psicojurídicos”. Nessa senda, o autor exemplifica com o instituto da prescrição aquisitiva, anotando que “a prescrição não é causa, mas conseqüência, como todos os fatos jurídicos invariavelmente o são. É mister procurar o fator psíquico, que a produz, quando se combina com o fator social [...] Não é o tempo, esfinge aldravada com rouparias fantásticas, que traz a morte à relação de direito [...] mas a suposta renúncia, a presunção legal da pena executada, ou, melhormente, Direito, de forma a considerá-lo “organismo vivo”, o qual merece análise tripartite: (a) anatomia jurídica, em que se hão de Neste escrito de pouco mais de classificar cem páginas, autointitulado “ensaio os direitos, conforde psicologia jurídica”, um jovem me cada Pontes de Miranda lança as bases um dos do que seria a tônica de sua vasta elementos produção: a interdisciplinaridade, anatômiobservando a ciência jurídica de cos (titular, forma integrada(...), pretendendo objeto e “uma explicação homogênea, sistesujeito mática, estribada em outros ramos, passivo); (b) fisiologia com uma bem revelada preocupação realista”. jurídica, estudo das relações a lei psicológica existentes entre eles, como do esquecimento, a proteção, coação e pretenque a experiência são; e, por fim, (c) a psicologia pessoal foi lentajurídica, cuja missão é examimente revelando nar cientificamente os atos ao homem”. psico-jurígenos dos titulares e A formação sujeitos passivos, para a qual, da norma juríenfim, dedicou o autor esta dica como mero obra. desdobramento Diversas páginas da obra da interação entre são dedicadas à análise do eleos dois elementos mento psíquico-volitivo – fundansuprarreferidos é te das primeiras noções de diobjeto do sereito subjetivo e das pioneiras gundo capítulo, sistematizações jurídicas, de Eu tenho um grande medo de me perder pelos teus olhos escuros. De me perder perdidamente, sem clemência ou remissão. Porque nos teus olhos noturnos eu te vejo calada e ausente. E eu não escuto a tua voz nos murmúrios das árvores no vento que traz a primavera. O teu silêncio é a minha distância. Eu te peço, não cantes, não fales, não movas. Deixa-me perceber teu íntimo silencioso e guardá-lo no meu. Deixa-me abraçar a tua imóvel solidão na minha solidão, a tua imóvel presença na minha presença. E lentamente a tua ausência irá morar no meu interior profundo, e o teu silêncio habitará a minha poesia. E eu te peço novamente, não fales, não fales, não fales. Nem sequer suspires. Porque ausente eu te vejo. Porque calada eu te beijo. http://blogdobedin.blogspot.com remetendo à origem costumeira do Direito, para consolidar a importância deste enquanto processo de adaptação social através da cristalização daquilo que regularmente se pratica, e não como produto cerebrino de um legislador abstrato. O costume, que é lastro basilar na formação da lei, observa Pontes de Miranda, explica-se psicologicamente: o fato mental que se repete ganha em energia social, de modo que as sociedades se reservam forças pela repetição sucessiva, que se alonga e se vigora e se expande, dando ao costume poderio e obrigatoriedade (Rechtsgefühl). O viés psicológico adotado por Pontes de Miranda alcança sua praticidade imediata no terceiro e último capítulo, quando aborda institutos jurídicos correntes através dessa perspectiva. No que toca ao Direito Público, genericamente considerado, o autor perscruta a natureza da personalidade jurídica do Estado, vista como criação sociológica e psicológica, vez que advém da continuidade dos fenômenos mnemônicos e volitivos dos indivíduos, nivelando a psique geral ao reconhecimento da autoridade. No que tange ao Direito Privado, genericamente considerado, Pontes de Miranda desloca, assimilando a hermenêutica filológica de Nietzsche – que explorara a ambigüidade semântica contida no vocábulo Schuld, a designar tanto a dívida, em sentido jurídico, como a culpa, em sentido psicológico –, a análise dos institutos privatísticos para a observância da manifestação de vontade, considerando-a como fluxo psicojurídico autovinculante “que busca reprodução entre os seres capazes”. A obra, conquanto date do século passado, expande sua importância muito além dos limites cronológicos da “Era dos Extremos” de que falava Eric Hobsbawn, senão que é objeto de atualização histórica, estando presente nos debates do fim desta primeira década de século XXI. As discussões jurídicas atuais, como são a interdisciplinaridade (e.g., Law and Economics, multiculturalismo) e a imparcialidade psicológica do juiz (mormente na seara do direito processual penal) reavivam a matéria sobre a qual se debruçou Pontes de Miranda. A TOGA - Dezembro de 2010 14 Da natureza à civilização Breves apontamentos sobre a culturalização humana e seus reflexos • LUCAS DO NASCIMENTO Acadêmico do 4º ano manhã Conta o mito grego que da união entre o Céu (Urano) e a Terra (Gaia) nasceram a Justiça Familiar (Thémis) e a Memória (Mnemosyne). Ambas, entre umas e outras, uniram-se com a Autoridade Política (Zeus), do que nasceu da Memória as nove musas culturais; e da Justiça Familiar a Justiça pela Igualdade da Lei (Diké).1 A genealogia expõe duas idéias principais. A primeira é a de que a Memória tanto é precedida pelos fatores naturais, quanto é requisito para a Cultura. A segunda consiste em que o ponto de contato entre a Justiça pela Igualdade da Lei e a Cultura está em seu ascendente comum, a Autoridade Política, caracterizada no mundo grego antigo pela idéia-resultado de bem constituir e compartilhar aquilo que diz respeito a todos os cidadãos (o comum, koinon). Neste texto, pretende-se embasar as duas percepções de mundo e traçar alguns breves comentários sobre as relações entre a Natureza, a Memória, a Cultura e a Justiça pela Igualdade da Lei.2 Compreende-se aqui a natureza como fato preexistente ao, em relação com e existente no homem. Explica-se: este, mais do que ser racional, é física e quimicamente estruturado, ente com corpo orgânico e sujeito às leis biológicas de hereditariedade e seletividade, dentre outras. A natureza está, pois, no homem, condicionando seu agir e pensar, inclusive desde momento anterior ao seu nascimento, como através da lei da hereditariedade. Ao mesmo tempo, o homem está inserido em um meio no qual interferem fatores naturais e, conseqüentemente, compõe um organismo maior do que sua individualidade, seja ele um grupo humano qualquer ou a Terra globalmente considerada.3 Fator físico inofensivo ocorrido na Inglaterra, como o bater de asas de borboleta, pode causar tufão em território chinês quando em conjunto com diversos outros pequenos fatores. Portanto, além de o homem não escolher as condições nas quais inicialmente se insere, escolhe apenas em parte as condições nas quais passará a se inserir. Os atos humanos escapam a avaliações consequêncialistas. Daí o porquê de compreender-se que o atuar humano é efeito condicionado pelos estímulos circunstanciais do mundo (ente natural no qual se insere o homem) e pelos estímulos provocados pelo próprio ser humano nesse mundo e noutros homens, pois, além de se inserir no mundo natural e ser, portanto, natureza, ele é capaz de criar novas realidades, ora através do trabalho, na criação de artifícios, ora através da ação (fruto de sua liberdade e exercida diretamente entre os homens), condicionando outros seres, inclusive humanos, e a si mesmo.4 A terra tem seus limites cantados em comunidades primitivas justamente porque essas coletividades vivem a complementaridade natureza-humano. Essa relação é garantida seja pela adequação do homem à terra, graças aos limites que a natureza impõem ao exercício da liberdade humana, seja pela conformação da terra ao homem, através de artifícios por esse criados para com ela se harmonizar, como a utilização do fogo e de vestimentas. Ora, sabe-se que quanto maior for a ligação entre o homem e a terra à qual perten- Notas 1 Sobre a teogonia grega, vide HESÍODO. Teogonia. 6. ed., trad. de J. A. A. Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2006. Filme ímpar no qual nos inspiramos é Narradores de Javé (BRA, 2003), de Eliane Caffé. Nele, construção de represa ameaça destruir a pequena cidade de Javé. Para que os moradores impeçam o desaparecimento de seu povoado, precisam provar ao governo que na cidade existe valor cultural, “patrimônio histórico”. Por isso, decidem relatar a história de Javé, dando forma escrita às narrações orais dos citadinos e, por conseguinte, dando vida à memória política local. 3 Importante para uma compreensão sociológica que releve os saberes da física, química, biologia e das ciên2 cias humanas, é PONTES DE MIRANDA. Introdução à sociologia geral. 2. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1980. 4 Vide ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed., trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. 5 Em crítica a divisão do mundo, promovida por Descartes e introjetada pelo homem moderno, entre res cogitans e res extensa, não é outra a conclusão a que se chega em BALLESTEROS, Jesús. Postmodernidad: decadencia o resistencia. 2. ed. Madrid: Tecnos, 2000. 6 LAFER, Celso. Da dignidade da política: sobre Hannah Arendt. In: ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 6. ed., trad. de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 12. ce e mais vasta for a vinculação de sua vida a determinados fatores naturais, maior será sua dependência frente a eles, visto que construída relação na qual a identidade deste sujeito se conforma pelas características de suas terras: ao correr dos riachos, à robustez dos arbustos, aos rigores do tempo, ao crescer da plantação e ao procedimento da colheita. Lembremos de que há um trabalho constante de significação dos fatos por parte do homem, processo que chamamos de memorização, tornar lembrado, matéria-prima de todas as atividades culturais. Em contato direto com a natureza, a memorização se dá sobre fatos naturais brutos, e, em decorrência, a identidade pessoal do sujeito produz-se sobre o resultado da seletividade e significação pela memória sobre essa espécie de fatos. Nessa realidade, a compreensão do eu está próxima da compreensão da coisa (res). Compreender o mundo natural está muito próximo do compreender parte de si. Esta proximidade, entretanto, gera dependência do homem frente a fenômenos que não controla: a morte do amigo, a praga nos frutos, a seca das terras, a fome, etc. A inconformidade em relação ao mundo e o desejo de aperfeiçoamento da condição humana levam-no à busca pelo domínio dos fenômenos naturais através da racionalidade técnica. Daí advém, em parte, o surto da produção de artifícios, utensílios construídos pelo trabalho humano que possibilitam um domínio sobre os fenômenos naturais, hoje, inconcebível há séculos e até mesmo há décadas atrás. Em um crescente de diferenciação, o homem não mais se compreende como incluído no mundo, mas, sim, como seu dominador. Não é coincidência que o pensamento mais ilustrativo da diferenciação homem-natureza provenha de filósofo que viveu em época na qual o surto científico era tremendo, Descartes, expoente da Modernidade filosófica que dividiu o universo cognoscível entre a res extensa (o todo externo a mim, homem) e a res cogitans (eu, homem, que penso e existo). Como se percebe, Homem e Natureza passam a ser conceitos antagônicos.5 É óbvio que quanto mais força tiverem tais artifícios para o domínio do homem sobre os fenômenos naturais e quanto maior for a utilização desses utensílios, mais o seu universo se torna um local de artifício. Do trabalho que quebra demasiadamente a identidade conformada à natureza, se gera uma identidade condicionada à subjugação da natureza e pelos instrumentos criados para esse domínio. A significação pela memorização passa a se dar sobre artificialidades e, portanto, também o próprio entendimento de mundo. Um dos resultados de tal processo é que, com o surto dessa racionalidade e suas repercussões, passa-se à negação de todo aquele entendimento que compreenda o outro ser humano sob uma mesma humanidade que a minha. Se o que me torna humano é a vericabilidade individual e incompartilhável de que penso (“Penso, logo existo”), e não mais a percepção compartilhada e objetiva de que nos aproximamos uns dos outros por meio de uma natureza comum, considero o outro tão res extensa (externo a mim) quanto qualquer artifício. Assim, corre-se o risco de tornar os demais em objetos-meio para nossos fins, criando-se a impossibilidade de qualquer vivência política além da arbitrária e coercitiva. Outro dos efeitos é que, se me relaciono com artifícios, procurarei os que acredito serem de valia a fim de, em nossa convivência e em sua posse, significá-los em sua relação para comigo e, pelo processo de memorização, incluir a experiência em minha história de vida pessoal, de forma a enriquecê-la. Portanto, vê-se que no mercado também se busca o preenchimento de um vazio existencial. O problema está em não compreender que, através desse meio, o sucesso no preenchimento do referido vácuo pode ser no máximo parcial, pelo fato de que o homem, “quando se confronta com a ‘realidade objetiva’, não encontra mais a natureza mas se desencontra consigo mesmo, isto é, com objetos que criou e processos que desencadeou, que funcionam, mas que não entende por que não é capaz de explicá-los em linguagem comum.”6 Em um mundo de artifícios, no qual, portanto, a pessoa condiciona-se por artifícios, pois é com eles que interage, deve-se tomar o cuidado para não se visualizar os outros como artifícios (sob o risco de enxergá-los como meio), mas sim em parte natureza e em parte construção a partir dessa. Um fortalecimento de nossa vivência da Justiça pela Lei, consubstanciando a igualdade jurídica (isto é, uma proteção efetiva da dignidade do próximo), só nasce do reconhecimento de que mantemos um koinon, um fundo comum: pela igualdade de instrumentos para a apreensão dos fenômenos, por todos nos enquadrarmos sob os mesmos condicionamentos e sujeições provocados pelo meio; pela semelhança nas potencialidades; ou ainda pela isonomia dos limites, como o do conhecimento. Cabe, por tudo isso, refletirmos sobre o nosso estar-no-mundo, no intuito, inclusive, de preocupando-nos com quem somos (com nossos limites, necessidades e potencialidades) vivermos adequadamente com aquilo/aqueles com que(m) lidamos. A TOGA - Dezembro de 2010 ACONTECE NO SAJU Em 2010, o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da UFRGS (SAJU-UFRGS) comemora 60 anos de história. Fundado em 1950, o SAJU passou por inúmeras transformações ao longo das décadas no sentido de vir a melhor cumprir O SAJU nos seus 60 anos seus principais objetivos, quais sejam: efetivar o acesso à justiça e os direitos humanos, bem como fomentar um estudo crítico do Direito. Visa-se, assim, a prestar um serviço importante à sociedade, a complementar a formação universitária e a forta- Lançamento do sexto volume da Revista do SAJU No dia 21 de maio, ocorreu na Biblioteca da Faculdade de Direito o lançamento do volume 6 da Revista do SAJU – Para uma visão crítica e interdisciplinar do Direito. A cerimônia, prestigiada por sajuano(a)s, professore(a) s e acadêmico(a)s do curso de Direito, contou com as falas do Coordenador Discente do SAJU, Guilherme Jantsch, do Coordenador do programa à época da publicação do edital de chamada de artigos em 2007, Márcio Cunha Filho, do membro da comissão editorial da revista, Lucas do Nascimento, e da Bibliotecária Chefe, Celina, que recebeu um exemplar da revista doado à Faculdade. A Revista do SAJU é um meio de divulgação e valorização da assessoria jurídica universitária no meio acadêmico, visando trazer para a Faculdade de Direito e para além dela debates, reflexões, objetivos e desafios vividos e pensados pelo(a)s extensionistas. A próxima edição será publicada ainda neste ano. A revista está à venda na sede do SAJU. Adquira já a sua! Artigos selecionados para a próxima edição • Crianças e adolescentes: uma análise da dignidade e da cidadania no ECA - Alice Girardi Canesso • Políticas urbanas em Paraisópolis (São Paulo): conflitos de direitos e contradições da democracia - Ana Carolina N. M. F. Cunha, Paulo César de Abreu Paiva Jr., Renata Gomes da Silva, Táygara Martinez Martins • O Direito pela “Mão” do Educador: O Diálogo de Paulo Freire com a Assessoria Jurídica Popular Universitária - José Humberto de Góes Junior • O Direito Fundamental à Moradia no Brasil: Conteúdo Material e Alguns Obstáculos à sua Efetivação - Marília Passos Apoliano Gomes • Da violência doméstica e familiar contra a mulher - Matheus Muller • Da internalização da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos: caso Blanco Romero e outros versus Venezuela - Natália Scalabrini e Daniel Barile da Silveira • Assistência e Assessoria Jurídica Universitária em Direitos da Mulher e de Gênero: um Novo Fazer Interdisciplinar - Patrícia Vilanova Becker • O Sonho da Assessoria - O Princípio Dramático da Horizontalidade - Rafael Graebin Vogelmann O SAJU no Jornal do Comércio O SAJU foi objeto de matéria no Jornal do Comércio, na edição do dia 23 de agosto. Intitulada “Justiça ao Alcance de Todos”, a reportagem, que ocupou uma folha inteira do jornal, destacou o papel desempenhado pelo SAJU na efetivação do acesso à justiça e na sua consequente democratização. Foram entrevistados, para a elaboração da matéria, o Coordenador Geral do SAJU, um assistente do SAJU, e uma pessoa assistida pelo SAJU. A reportagem destacou, além dos serviços atualmente prestados pelo SAJU à sociedade, projetos recém surgidos no programa, dentre os quais se destaca o emergente grupo de mediação. Enfatizou-se, ainda, a comemoração dos 60 anos 15 de história do SAJU. Leia um trecho da matéria: E foi para tentar resolver um problema de regularização da luz elétrica no bairro em que mora que Jair Dias, de 33 anos, procurou o Saju. Morador da comunidade Jardim Vila Verde, na zona Sul de Porto Alegre, ele foi em busca de auxílio. Não tínhamos energia regular e eu tentei conversar com a concessionária, mas nunca obtive resultado, diz ele. Depois de esperar por dois anos o auxílio público sem sucesso, buscou apoio no serviço disponibilizado pela Ufrgs. Dias, que é presidente da Cooperativa Habitacional Jardim Vila Verde, conta que rapidamente foi atendido pelo Saju, entrou com uma ação judicial e, depois de um ano e meio, conseguiu regularizar a situação da localidade. Tudo aconteceu dentro do prazo e da forma correta. Na prática, eles resolveram o problemal, diz ele. lecer a própria Universidade por meio da prática extensionista. O desenvolvimento percebido ao longo dos anos permitiu que o SAJU se firmasse como um programa de extensão universitária cada vez mais reconhecido na Universidade e na sociedade. O SAJU conta, hoje, com mais de 180 integrantes, que se reúnem em 14 grupos, atendendo a centenas de pessoas durante o ano, assessorando-lhes judicial e extrajudicialmente, e atuando, ainda, em diversas comunidades de Porto Alegre. Cerimônia de aniversário No dia 1º de Outubro, ocorreu, no Salão Nobre da Faculdade de Direito, evento comemorativo referente aos 60 anos do SAJU. Fizeram-se presentes, dirigindo a palavra aos presentes, o Vice Pró-Reitor de Extensão, Ângelo Ronaldo Pereira da Silva, o Coordenador Geral do SAJU, Guilherme Jantsch, os ex-sajuanos Armando Farah, Domingos da Silveira, Lucas Jost, Luiza Moll, Paulo Caliendo e Waldyr Barrili. Prestigiaram a cerimônia, além do Diretor da Faculdade de Direito, professor Sérgio Porto, dezenas de sajuanos, ex-sajuanos e estudantes dessa Faculdade. Durante o evento, foram apresentadas as novas camisetas do SAJU e a sua recém lançada revista, cuja venda não se restringe aos membros do SAJU. Após a cerimônia, foi servido, na Sala dos Professores, coquetel aos presentes. II Semana de Direitos Humanos De 26 a 30 de abril de 2010 aconteceu no Salão Nobre da Faculdade de Direito a II Semana de Direitos Humanos, Cidadania e Acesso à Justiça promovida pelo SAJU. A Semana de Direitos Humanos nasceu com a proposta de levar à comunidade acadêmica e à comunidade em geral questões que por vezes ficam restritas ao âmbito sajuano. Com esse viés, temáticas que trazem uma abordagem do Direito enquanto instrumento de emancipação social foram trazidas ao debate, mobilizando cerca de 150 pessoas. O público, composto por estudantes, profissionais e agentes populares, refletiu sobre questões como: A Criminalização da Homofobia, Alienação Parental, Menores em Conflito com a Lei, Políticas Migratórias, e Regulamentação Fundiária. Deixamos um agradecimento a todo(a)s que contribuíram para o sucesso desse evento! Nesse ano comemorativo, dentre as diversas atividades levadas a cabo pelo SAJU na Universidade – que se somam àquelas desenvolvidas junto à comunidade, não abordadas aqui devido à sua quantidade –, destacam-se as seguintes: SAJU no UFRGS Portas Abertas Neste 15 de maio, o SAJU esteve presente no UFRGS Portas Abertas realizando uma apresentação no Salão Nobre acerca do papel e da importância da assessoria jurídica universitária. Essa apresentação, realizada pelo coordenador-geral discente Guilherme Jantsch, trouxe ao público os principais aspectos que tornam este programa de extensão um lugar de transformações e de constante aprendizagem. Foi ressaltado, ainda, que o SAJU representa uma porta permanentemente aberta para a sociedade, constituindo um canal de troca de saberes entre Universidade e comunidade. Além disso, pelo segundo ano consecutivo, o grupo de Direitos da Mulher e de Gênero do SAJU (G8-Generalizando) realizou no UFRGS Portas Abertas uma exposição que toma a forma de um Varal Fotográfico nas janelas do nosso prédio histórico. A mostra trouxe duas narrativas intituladas “Mulheres em Atos, Fatos e Retratos” e “Heteronormatividade e Sexismo: uma construção invisível”. Além da Mostra Fotográfica, o grupo realizou a exibição do documentário “Marias do Brasil” no Salão Nobre da Faculdade, abordando com o público de que maneira as Ciências Jurídicas podem se relacionar com temáticas como a Violência Contra a Mulher, assumindo um caráter humano e transformador. Quer conhecer melhor o SAJU? • Acesse www.ufrgs.br/saju • Visite o SAJU durante a tarde • Ligue para 3308.3967 • Envie um email para [email protected] A TOGA - Novembro de 2010 16 Prestação de contas do CAAR: Gestão 2008/2009 Resumos • BRUNO IRION COLETTO RECEITAS Receitas do Caixa (menos) Impressões da Gestão (menos) Saques na Conta-corrente (menos) Ajustes Contábeis R$ -R$ -R$ -R$ (ex-)Presidente do CAAR Gestão Construindo o Caminho 2008/2009 70.153,52 564,80 2.450,00 3.210,00 R$ Receitas da Conta-corrente (menos) Depósitos em Conta-corrente R$ -R$ -R$ 10.371,80 R$ 46,87 R$ -R$ R$ R$ R$ 63.928,72 R$ Resultados produzidos 74.347,39 CURIOSIDADES 70.971,58 564,80 39.364,72 3.210,00 -R$ R$ 49.229,58 2.450,00 -R$ 46.779,58 -R$ 11,82 -R$ 74.623,46 159 unidades (média: 13/mês) R$ 795,00 Copos descartáveis 20.100 unidades (média: 1.675/mês) R$ 471,30 Copos retráteis 170 unidades ((R$ 2,90 cada) 130 unidades (quantidade vendida R$ 492,90 R$ 223,00 (este controle da quantidade de impressões não foi feito desde o início da gestão) 15.500 folhas 10.221 impressões Resultado: R$ 321,91 R$ 1.729,92 R$ 2.051,83 Máquina de café Resultado: R$ 1.097,60 R$ 4.237,15 R$ 5.334,75 Copa do Direito Resultado: R$ 21,41 R$ 2.712,59 R$ 2.734,00 Direitão Resultado: R$ 624,00 R$ 5.680,00 R$ 6.304,00 Olimpíadas Sedentárias Resultado: R$ 32,90 R$ 202,12 R$ 235,02 Camisetas e baby looks Resultado: R$ 243,25 R$ 1.625,75 R$ 1.869,00 Bolsas, pastas, mochilas e pastas para Notebook R$ R$ R$ 731,44 8.675,20 823,24 -R$ 318,04 (mais o “estoque” que R$ 5.794,04 R$ 5.476,00 R$ 10.229,88 Representação estudantil -R$ 1.097,07 R$ 4.587,07 R$ 3.490,00 Eventos acadêmicos R$ 10.083,85 R$ 13.718,15 R$ 23.802,00 TRI EPTC R$ 2.105,55 R$ 193,45 R$ 2.299,00 Jornal R$ -850,00 R$ 1.200,00 R$ 350,00 Impressões sobrou) Revista eletrônica R$ 1.740,29 Manual do Calouro R$ 134,40 Taxas Banrisul R$ 445,10 Bolsistas R$ 5.520,00 Prestação de contas ainda pendente de aprovação pela Comissão Fiscal. Despesas do Caixa (mais) Impressões da Gestão (mais) Depósitos na Conta-corrente (mais) Ajustes Contábeis 27.832,06 Bombonas de água (20 L) aos alunos) (ex-)Tesoureiro do CAAR Gestão Construindo o Caminho 2008/2009 DESPESAS 49.736,52 39.364,72 Receitas da Conta de Investimentos • JOSÉ ARTIGAS LEÃO RAMMINGER Despesas da Conta-corrente (mais) Saques na Conta-corrente Despesas da Conta de Investimentos Despesas efetuadas Recebido da gestão “Novos Horizontes” Saldo no caixa 01/dez/08 Saldo na Conta-corrente 02/dez/08 Saldo na Conta de Investimentos 31/out/08 R$ R$ R$ 1.549,50 8.168,26 788,19 R$ 10.505,95 R$ R$ -R$ 10.505,95 74.347,39 74.623,46 Recebido da gestão anterior Receitas produzidas Despesas efetuadas R$ 10.229,88 Entregue para a gestão seguinte Entregue para a gestão “Concretizando ideias” 10/nov/09 10/nov/09 31/out/09 Saldo no caixa Saldo na Conta-corrente Saldo na Conta de Investimentos