SOBREPESO/OBESIDADE EM ADULTOS JOVENS ESCOLARES: um estudo de
caso controle
Jênifa Cavalcante dos Santos
Raquel Sampaio Florêncio
Thereza Maria Magalhães Moreira
RESUMO: Sabe-se que o estilo de vida da atualidade configura-se como um somatório
dos maus hábitos alimentares e comportamentais que contribuem para o quadro de
excesso de peso instaurado na humanidade, especialmente entre os adultos jovens.
Objetivou-se analisar as características sociodemográficas e clínicas de adultos jovens
escolares de um interior do Nordeste brasileiro. Tratou-se de estudo de caso controle,
com população composta por 501 adultos jovens escolares de Maracanaú-Ceará,
calculando-se 86 pessoas para o grupo caso (adultos jovens com sobrepeso/obesidade) e
172 para o grupo controle (sem sobrepeso/obesidade). O sobrepeso/obesidade
predominou entre jovens de 20 a 22 anos, não-brancos, sem companheiro, sem filhos,
com algum tipo de renda, familiar ou individual, mulheres com circunferência
abdominal aumentada, glicemia pós-prandial menor que 140 mg/dl, etilistas e não
fumantes. Observou-se que ser mais jovem (20 a 22 anos), não ter companheiros e ter
renda foi fator de proteção para o sobrepeso/obesidade. Já em relação ao risco,
encontrou-se que aqueles de raça branca e que tinham filhos. A circunferência
abdominal e a PAS aumentadas foram preditivas para sobrepeso/obesidade. Conclui-se
que todo este contexto determinará o processo saúde-doença e, assim, a vida e trabalho
destes adultos jovens em um futuro próximo, portanto faz-se necessário que o
enfermeiro, enquanto educador em saúde, desenvolva ações que previnam o excesso de
peso e suas complicações associadas.
PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem. Sobrepeso. Obesidade.
INTRODUÇÃO
O estilo de vida da atualidade configura-se como um somatório dos maus
hábitos alimentares (horários irregulares, por exemplo), das atividades laborais com
pouco esforço físico e que ocupam todo o dia, da oferta abundante de alimentos
industrializados e de baixo custo que substituem a alimentação saudável, além de outras
transformações socioeconômicas que, juntos contribuem positivamente para o quadro
de excesso de peso instaurado na humanidade.
Diversos estudos corroboram que o panorama da evolução nutricional da
população brasileira tem revelado mudanças em seu padrão. As tendências temporais da
desnutrição e da obesidade definem uma das características marcantes do processo de
transição nutricional no país. Ao mesmo tempo em que aumenta a prevalência da
obesidade em crianças e adultos em ritmo bem acelerado, declina a ocorrência da
desnutrição1-3.
A obesidade, além de pertencer ao grupo das doenças e agravos não
transmissíveis (DANT’s), é considerada como fator de risco para outras DANT’s, tais
como as doenças do aparelho cardiovascular e, além de estarem fortemente
representadas nas causas de morte, tem elevada morbidade relacionada. Estima-se que,
atualmente, os gastos com internações hospitalares, consultas, medicação e cirurgia para
o tratamento da obesidade e suas co-morbidades já consumam 12% do orçamento
destinado à saúde. Portanto, a necessidade da avaliação e monitoramento de ações de
controle e prevenção deste agravo se faz necessária4-5.
As consequências do aumento do sobrepeso e da obesidade têm sido
catastróficas. O excesso de peso é um dos principais fatores de risco para hipertensão
arterial, hipercolesterolemia, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e algumas
formas de câncer. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade e a
hipertensão arterial são os dois principais responsáveis pela maioria das mortes e
doenças em todo mundo. Já no Brasil, as doenças cardiovasculares estão nas estatísticas
de saúde como a primeira causa de morte há, pelo menos, quatro décadas. Nos últimos
20 anos, aumento significativo na mortalidade por diabetes e algumas neoplasias
malignas decorrentes do estilo de vida ruim também merecem atenção especial6-7.
No que se refere ao adulto jovem, foco dessa pesquisa, há de se considerar
questões psicossociais típicas do desenvolvimento humano nessa fase, o que, de certa
forma, o suscetibiliza. Apesar do conhecimento acumulado e difundido parece difícil
desenvolver um estilo de vida saudável, onde vários fatores de risco estão relacionados
e influenciados pela cultura do prazer instantâneo, fácil e comprável, disseminada na
mídia e reforçada pelo consumismo da sociedade atual.
Outra questão, oportunizada pelo caráter assintomático das co-morbidades
associadas à obesidade, é o impacto dos fatores de risco comportamentais guiados pela
ideia de que os problemas de saúde são sentidos em idades mais avançadas8-9.
A partir de todas essas informações, fica evidente que a obesidade hoje não se
resume mais a um problema presente apenas nos países desenvolvidos, mas afeta
também maiores parcelas dos estratos populacionais menos favorecidos. Nesse ínterim,
faz-se necessária a mobilização das autoridades, bem como dos enfermeiros e demais
profissionais de saúde para determinação de prioridades e definição de estratégias de
ação para a saúde. As ações de educação alimentar e o incentivo aos hábitos saudáveis
são destaque.
Desta forma, este estudo tem como objetivo analisar as características
sociodemográficas e clínicas de adultos jovens escolares de um interior do Nordeste
brasileiro com vistas a subsidiar ações que promovam um estilo de vida saudável.
MÉTODOS
Trata-se de estudo de caso controle, realizado com adultos jovens escolares de
Maracanaú-Ceará com e sem sobrepeso/obesidade. A pesquisa foi realizada nas escolas
municipais e estaduais do Município de Maracanaú-Ceará-Brasil, com pessoas de 20 a
24 anos (faixa etária adulta jovem, de acordo com o marco legal brasileiro que
contextualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente) 10.
A população foi composta por 501 escolares adultos jovens. O tamanho da
amostra foi calculado utilizando-se a fórmula para estudos de caso controle,
considerando-se uma probabilidade antecipada da doença nos expostos em torno de
25%; uma precisão relativa de 50% e um nível de significância de 5%, o tamanho da
amostra resultou em n = 86 para o grupo caso11. Foi utilizada a proporção 2:1, ou seja,
para cada caso houve dois controles, considerando-se a eficiência estatística, bem como
a eficiência operacional e para controlar o viés de seleção. Logo, o grupo controle
compôs-se de 172 adultos jovens.
Neste estudo foram analisadas as variáveis sociodemográficas (sexo, idade,
raça/cor, estado civil, número de filhos, renda individual e familiar) e clínicas
(circunferência abdominal, pressão arterial sistólica e diastólica, glicemia pós-prandial,
etilismo, tabagismo).
Os dados foram analisados utilizando o programa SPSS versão 15.0. Para
verificar a existência de associação estatística entre as variáveis utilizou-se o teste Quiquadrado e Odds ratio ao nível de significância de 5%.
Atendendo às recomendações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde, referentes às pesquisas envolvendo seres humanos12, este estudo foi submetido
ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEPE) da Universidade Estadual do Ceará, com
parecer Nº 11516679-3/2011.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme a tabela 1, houve maior proporção de sobrepeso/obesidade entre
jovens de 20 a 22 anos, não-brancos, sem companheiro, sem filhos, com algum tipo de
renda, familiar ou individual. Ademais, observou-se que ser mais jovem (20 a 22 anos),
não ter companheiros e ter renda (individual ou familiar) foi considerado fator de
proteção para o sobrepeso/obesidade. Já em relação ao risco, encontrou-se que aqueles
de raça branca e que tinham filhos tiveram maior chance de desenvolver
sobrepeso/obesidade.
Tabela 1: Associação entre as variáveis sociodemográficas e sobrepeso/obesidade nos
grupos caso (adultos jovens escolares com sobrepeso/obesidade) e controle
(peso normal). Maracanaú-Ceará-Brasil, 2011 (n= 258).
Variável
GRUPO CASO
Sobrepeso/obesidade
f (%)
Idade (n=258)
20 a 22
66 (25,6%)
23 a 24
20 (7,7%)
Sexo (n=258)
Masculino
43 (16,7%)
Feminino
43 (16,7%)
Raça (n=258)
Branco
35 (13,6%)
Não branco
51 (19,8%)
Estado civil (n=258)
Sem companheiro (a)
61 (23,6%)
Com companheiro (a)
25 (9,7%)
Filhos (n=254)*
Com filhos
29 (11,4%)
Sem filhos
56 (22,0%)
Renda individual (n=257)*
Sem renda
23 (8,9%)
Com renda
63 (24,5%)
Renda familiar (n=258)
Sem renda
1 (0,4%)
Com renda
85 (32,9%)
* n menor devido a campos não preenchidos.
GRUPO
CONTROLE
Peso normal
f (%)
p valor
OR
145 (56,2%)
27 (10,5%)
0,138
0,614[0,322-1,174]
86 (33,3%)
86 (33,3%)
-
-
49 (18,9%)
123 (47,7%)
0,049
1,723 [1,001-2,965]
148 (57,4%)
24 (9,3%)
0,004
0,396 [0,210-0,746]
29 (11,4%)
140 (55,2%)
0,002
2,500 [1,371-4,559]
50 (19,5%)
121 (47,1%)
0,675
0,883 [0,495-1,578]
9 (3,5%)
163 (63,2%)
0,11
0,213 [0,027-1,710]
De acordo com as características clínicas apresentadas na tabela 2, o
sobrepeso/obesidade foi mais encontrado em mulheres adultas jovens com
circunferência abdominal aumentada, homens com circunferência abdominal normal,
com cifra de PAS menor que 130mmHg, PAD maior ou igual a 85mmHg, glicemia pósprandial menor que 140mg/dl, etilistas e não fumantes. Já a circunferência abdominal e
a PAS aumentadas foram preditivas para sobrepeso/obesidade.
Tabela 2: Associação entre variáveis clínicas e sobrepeso/obesidade nos grupos caso
(adultos jovens escolares com sobrepeso/obesidade) e controle (peso normal).
Maracanaú-Ceará-Brasil, 2011 (n=258).
Variável
GRUPO CASO
Sobrepeso/obesidade
f (%)
CA (n=257)*
Mulheres (n=128)
> 88 cm
24 (9,3%)
< 88 cm
19 (7,3%)
Homens (n=129)
> 102 cm
7 (2,8%)
< 102 cm
36 (14,0%)
PAS (n=257)*
> 130 mmHg
19 (7,4%)
< 130 mmHg
66 (25,7%)
PAD (n=257)*
> 85 mmHg
85 (33,1%)
< 85 mmHg
0 (0%)
Glicemia pós-prandial (n=257)*
> 140 mg/dL
2 (0,8%)
< 140 mg/dL
83 (32,3%)
Etilismo (n=210)*
SIM
52 (24,8%)
NÃO
21 (10,0%)
Tabagismo (n=255)*
SIM
5 (1,9%)
NÃO
80 (31,4%)
*n menor devido a campos não preenchidos.
GRUPO
CONTROLE
Peso normal
f (%)
p valor
OR
2 (0,8%)
83 (32,3%)
0,000
52,421[11,394241,169]
0 (0%)
86 (33,5%)
0,000
3,389 [2,576-4,458]
17 (6,6%)
155 (60,3%)
0,007
2,265 [1,284-5,365]
170 (66,1%)
2 (0,8%)
0,318
0,667 [0,611-0,727]
10 (3,9%)
162 (63,0%)
0,216
0,390 [0,084-1,823]
100 (47,6%)
37 (17,6%)
0,786
0,916 [0,487-1,723]
15 (5,9%)
155 (60,8%)
0,410
0,646 [0,227-1,841]
A etiologia da desnutrição, em especial, o sobrepeso/obesidade, é complexa e
multifatorial, resultando da interação de genes, ambiente, estilos de vida e fatores
emocionais13.
A análise das características sociodemográficas e clínicas evidencia o atual
estilo de vida da população jovem brasileira. Discute-se, sobretudo, a precocidade com
que os jovens estão sendo acometidos pelo sobrepeso/obesidade e seus fatores de risco,
configurando-se um cenário onde a promoção da saúde se faz necessária no contexto do
planejamento e execução de políticas públicas para o grupo em questão.
Ao fazer uma busca pela literatura, diversas pesquisas contemplam a temática
abordada14-19. Entretanto, observa-se com ênfase um estudo realizado por inquérito
telefônico no Brasil, onde 11% da população apresentou excesso de peso aos 20 anos de
idade, sendo a frequência maior entre os homens (14,2%) do que entre as mulheres
(8,3%)14. Esta vai de encontro ao presente estudo, tendo em vista que o excesso de peso
não mostrou proporções diferentes entre os sexos. Por outro lado, Lino, Muniz e
Siqueira15 observaram tendência de aumento do excesso de peso com o aumento da
idade em ambos os sexos. Desta maneira, aponta-se o caráter controverso sobre a
influência do sexo no sobrepeso/obesidade.
Em relação à raça, dados na literatura sobre a associação com obesidade ainda
são escassos. Supõe-se que haja maior relação genotípica do que fenotípicas13.
Ao verificar os determinantes sociodemográficos e comportamentais do
excesso de peso, Lino, Muniz e Siqueira15 concluíram que a união estável esteve
associada ao mesmo. O casamento pode influenciar o ganho de peso, principalmente em
mulheres. As razões podem ser redução no gasto energético e aumento na ingesta
calórica por alterações nos hábitos sociais13. Ademais, os adultos jovens com
sobrepeso/obesidade possuíam algum tipo de renda, individual ou familiar.
Estes dados sugerem também que os jovens param de estudar por um período
devido a modificações familiares, comumente com o aparecimento da gravidez na
adolescência. Muitos deles se deparam com a necessidade de trabalhar para sustentar os
filhos ou mesmo a família toda, acabando por gerar ansiedade e medos que podem
influenciar no ganho de peso. Essa é uma realidade comum entre os adultos jovens
brasileiros. Nesse sentido, encontrou-se aumento na proporção de sobrepeso e obesidade
entre os homens com o aumento da renda familiar foi verificado por Holanda et al.16.
Características clínicas como circunferência abdominal têm sido amplamente
pesquisadas, mais recentemente, tem-se notado que a distribuição de gordura é mais
preditiva de saúde. No entanto, a associação da medida da circunferência abdominal
com o IMC pode oferecer uma forma combinada de avaliação de risco e ajudar a
diminuir as limitações de cada uma das avaliações isoladas13.
Estudos
15, 16, 17
apontam ainda associações entre o excesso de peso, pressão
arterial e maiores frequências de alterações para glicemia. No que diz respeito ao
tabagismo, há literatura que observa o excesso de peso entre os não-fumantes16, e, em
média, os indivíduos que abandonam o tabagismo ganham de cinco a seis quilos18.
Contemplando ainda questões clínicas e de estilo de vida, tem-se o etilismo que foi
citado por 62,1% de adultos em excesso de peso em Salvador – Bahia19, frequência esta
semelhante ao encontrado no presente estudo.
É importante discutir a que os jovens estão começando a utilizar bebidas
alcoólicas e cigarro cada vez mais cedo, o que pode estar relacionado a problemas de
ordem emocional ou comportamental e vir a influenciar no aumento de peso
posteriormente à idade jovem.
Todo este contexto determinará o processo saúde-doença e, assim, a vida e
trabalho destes adultos jovens em um futuro próximo. Tal fato impactará, sem dúvida,
no trabalho dos profissionais de saúde, incluindo o enfermeiro. Estes brevemente terão
um grande contingente populacional jovem com doença crônica e que passará mais
tempo de sua vida com do que sem estas alterações crônicas de saúde, revelando a
necessidade e o desafio de se buscarem novas e integradoras metodologias de educação
em saúde.
CONCLUSÃO
As características sociodemográficas e clínicas influenciam sobremaneira o
sobrepeso/obesidade. No entanto, na análise bivariada realizada pelo presente estudo,
apenas a raça branca, não ter filhos, circunferência abdominal e pressão arterial sistólica
apresentaram-se como preditoras do sobrepeso/obesidade de forma estatisticamente
significativa. Estes dados sugerem a continuidade do estudo, de modo a investigar os
fatores asssociados ao sobrepeso/obesidade. Nesse sentido, argumenta-se a necessidade
de realizar outros estudos multivariados para confirmar a relação das variáveis
preditoras com os casos, situando-as num contexto mais amplo e reafirmando o
raciocínio de caráter etiológico multifatorial do sobrepeso/obesidade.
Pode-se dizer que o estilo de vida dos adultos jovens de Maracanaú-Ceará
contempla vários fatores que levam ao aumento do sobrepeso/obesidade. Fica evidente
que a população de adultos jovens em estudo é semelhante à população de muitas outras
cidades brasileiras. Representa de tal modo o estilo de vida peculiar vivenciado em
países em desenvolvimento, com introdução cada vez mais precoce fatores que acabam
por gerar desequilíbrio na manutenção do peso.
A enfermagem enquanto profissão relacionada intimamente à educação em
saúde deve apropriar-se desse processo, ratificando seu caráter de agente facilitador nas
ações que garantam à população melhores níveis de saúde. Assim, deve aproximar-se da
epidemiologia, uma vez que a identificação dos fatores de risco pode proporcionar
subsídios para a execução de intervenções educativas mais apropriadas e fundamentadas
cientificamente.
A identificação destes fatores pode ainda reorganizar a atenção primária à
saúde, redefinindo estratégias e melhorando o planejamento de políticas públicas que
reinterem a prática de hábitos de vida saudáveis pelos adultos jovens.
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SOBREPESO/OBESIDADE EM ADULTOS JOVENS ESCOLARES