Biotransformação de
PESQUISA
Isoflavonas de Soja
Aplicação da biotecnologia enzimática na conversão de isoflavonas com maior atividade biológica
Yong Kun Park
Prof. Dr. Laboratório de Bioquímica, Fac.
Engenharia de Alimentos, UNICAMP,
Campinas – SP,
[email protected]
Cláudio Lima Aguiar
Doutorando em Ciência de Alimentos, Fac.
Engenharia de Alimentos, UNICAMP,
Campinas – SP,
[email protected]
(câncer de mama e próstata) (Coward et
al., 1993; Peterson & Barnes, 1993; Denis et al., 1999).
Figura 1: Estruturas de
isoflavonas encontradas na soja
Severino Matias Alencar
Doutorando em Ciência de Alimentos, Fac.
Engenharia de Alimentos, UNICAMP,
Campinas – SP,
matias@ fea.unicamp.br
Adilma Regina Pippa Scamparini,
Profa. Dra., Fac. Engenharia de Alimentos,
UNICAMP, Campinas – SP.
Brasil é o segundo
maior exportador
de grãos de soja
(Glycine max) e o
principal exportador de farelo de soja, com 32% do
mercado mundial, que representam 75% da produção brasileira
(Roessing, 1995). Há possibilidade de
que, em 2001, haja um aumento de
cerca de 10% a mais que no ano passado, ou seja, alcançará aproximadamente, 12,7 milhões de toneladas. As previsões para a receita do complexo soja
(grão, óleo e farelo) mostram um aumento de até 14%, algo em torno de US$
4,8 bilhões. A área plantada foi de 13,7
milhões de ha na safra 2000/2001.
A soja vem sendo utilizada há muito
tempo como alimento devido ao seu
elevado teor protéico, muito embora
também possua em sua composição
química compostos polifenólicos como,
por exemplo, os isoflavonóides (Figura 1) que têm sido relacionados a importantes propriedades biológicas, tais
como: atividade anti-oxidante (Esaki et
al., 1999; Esaki et al., 1998; Shahidi et al.,
1992), atividade antifúngica (Naim et al.
1974), propriedades estrogênicas (Murphy, 1982) e atividade anticancerígena
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Países orientais, como Japão e China, já utilizam há muitos anos a soja
fermentada na alimentação e, atualmente, tem-se percebido um crescente
consumo dessa leguminosa e de seus
derivados em países europeus e nos
Estados Unidos, como alimento funcional. Nos Estados Unidos, em 2000, a
produção de alimentos funcionais como
a soja foi de, aproximadamente, 20
bilhões de dólares, contudo, estima-se
que haverá um crescimento exponencial, que, no ano 2010, atingirá a cifra de
quase 60 bilhões de dólares (Henry,
1999). Isoflavonas são a maioria dos
compostos fenólicos da soja (Ahluwalia
et al., 1953). Soja e farinha desengordurada de soja, que tenham sofrido leve
aquecimento durante o processamento,
contêm, principalmente, 6-O-malonilglicosil isoflavonas, com menor quantidade de b-glicosil isoflavonas e traços
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001
de 6-O-acetil-glicosil isoflavonas. Leite de soja, tofu e outros alimentos à
base de soja, que sofrem aquecimento a 100ºC durante o processamento,
contêm, principalmente, b-glicosil isoflavonas. Farinha torrada e proteína
isolada de soja têm quantidades
moderadas de cada conjugado
de isoflavonas (Barnes, 1995).
Isoflavonas agliconas são absorvidas na parte superior do intestino delgado com muitos medicamentos de estrutura similar (Coward et al., 1993). b-Glicosil isoflavonas são excelentes substratos para b-glicosidase e seria esperado que fossem absorvidos
no intestino delgado. As malonil
e acetil-glicosil isoflavonas modificadas são substratos inadequados para a hidrólise enzimática, sendo absorvidas no intestino grosso após hidrólise induzida por enzimas bacterianas no intestino (Ebata et al., 1972).
Algumas isoflavonas, com genisteína (forma aglicona) têm grande
poder de controle de células cancerosas. Genisteína também inibiu o
crescimento de células tumorais da
próstata humana quando comparada
à sua forma glicosilada (Matsuda et
al., 1994). Além disso, foi reportado
que a atividade antioxidante de genisteína ou outras isoflavonas agliconas foram superiores àquelas de glicosil isoflavonas (Onozawa et al.,
1998). A conversão de b-glicosil em
isoflavonas agliconas resulta em quantidades maiores de compostos benéficos à saúde humana. O objetivo
deste trabalho foi converter b-glicosil
isoflavonas em agliconas, e estabelecer um processo adequado para conversão de formas glicosiladas em agliconas.
METODOLOGIA
A soja foi obtida no Instituto Agronômico de Campinas. Os padrões de genisteína e daidzeína, bem como o substrato
para reação enzimática, p-Nitrofenil-b-glicopiranosídio (pNPG), foram obtidos da
Sigma Chemical Co. (St. Louis, Mo., USA).
Os padrões de genistina e daidzina foram
obtidos da Funakoshi Chemical Co. (Tóquio, Japão).
Os grãos de soja foram moídos até que
se obtivesse uma farinha bem fina. Essa
farinha foi desengordurada com hexano
por 30 minutos, a temperatura ambiente.
A farinha desengordurada de soja (FDS)
foi misturada a 10 mL de solução 80% de
metanol a 60ºC, por uma hora, para extração das isoflavonas (b-glicosiladas e agliconas) presentes naquela FDS. O sobrenadante contendo as isoflavonas foi utilizado para análise do teor de isoflavonas
em cromatografia líquida de alta eficiência
em fase reversa (CLAE-FR), e para os
estudos de conversão enzimática.
A conversão de b-glicosil isoflavonas
em agliconas foi estudada sob fermentação semi-sólida com Aspergillus oryzae
ATCC 22786. A enzima, b-glicosidase, utilizada foi obtida a partir de fungo filamentoso em meio semi-sólido (esterilizado a
121ºC, por 20 min) de farinha de soja e
água (1:1, p/v) a 30ºC, por 48 horas. A
atividade enzimática foi monitorada pelo
método do pNPG. Os extratos obtidos
após as conversões foram conseguidos
pela extração metanólica (solução 80%).
Esses extratos foram analisados em CLAEFR. Foi utilizado um cromatógrafo Shimadzu SPD-M10 AVP equipado com coluna
YMC PACK ODS-A e detector de arranjo
de fotodiodos. Usou-se um fluxo de 0,5
mL/min e eluição gradiente, que consistue em aumento linear de 20% a 80% de
metanol em água e ácido acético (19:1).
A atividade antioxidante dos extratos
de isoflavonas foi avaliada pela oxidação
acoplada de b-caroteno e ácido linoléico,
como descrito por Hammerschmidt &
Pratt (1978).
que b-glicosidase endógena de soja hidrolisa as glicosil isoflavonas à suas formas agliconas (Ha et al., 1992; CarrãoPanizzi et al., 1999). Foi verificada produção de b-glicosidase por todos esses
microrganismos, incluído Aspergillus
oryzae, que é usado na fermentação de
soja em meio semi-sólido, muito embora
A. oryzae tenha produzido maior atividade enzimática (17,1 UI/mg) que outros.
Portanto, b-glicosidase de A. oryzae foi
utilizada neste estudo.
Conversão de glicosil
isoflavonas em agliconas,
por processo enzimático
Durante fermentação de FDS por 48
horas (Tabela 1), a maioria das 724 mg/g
de glicosil isoflavonas foram convertidas
em agliconas (564 mg/g). Malonil isoflavonas podem ser convertidas em suas
correspondentes formas glicosadas por
tratamento térmico da farinha de soja.
Como mostra a figura 2 – A, os isômeros
de malonil isoflavonas foram transformados por decomposição térmica a 121ºC
por 40 minutos. As formas glicosadas de
isoflavonas, por sua vez, podem ser biotransformadas pelo complexo enzimático produzido por bactérias do intestino,
ou, ainda, biotecnologicamente, pode-se
obter a conversão de glicosil isoflavonas
em suas formas agliconas por ação de
enzimas fúngicas, como b-glicosidase de
Aspergillus oryzae (Figura 2-B e C). A
conversão de glicosil em isoflavonas agliconas foi devido à presença de b-glicosidase (Figura 2). De fato, os esporos de A.
oryzae germinaram e a atividade enzimática foi também detectada após 24 horas
de fermentação. No entanto, é aparente
que a conversão ocorreu principalmente
após as 24 horas. Conclui-se que, durante
a fermentação, a quantidade total de
isoflavonas agliconas aumentou cerca de
27 vezes, quando comparada com valo-
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Produção de b-glicosidase
Hidrólise enzimática de glicosil isoflavonas de soja por microrganismos tem
sido reportada por pesquisadores da área.
Esses microrganismos são Rhizopus oryzae
(György et al., 1964); Rhizopus oligosporus (Ebata et al., 1972); e Lactobacillus
casei (Matsuda et al., 1994), que são
usados na manufatura de alimentos fermentados de soja. Foi também reportado
Figura 2: CLAE-FR dos extratos metanólicos de
isoflavonas durante a biotransformação
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 20 - maio/junho 2001
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Tabela 1: Biotransformação de glicosil isoflavonas em agliconas
Glicosil isoflavonas, mg/g
Antes Fermentação
Após Fermentação
Daidzina Glicitina
310 ± 11
78 ± 3
48 ± 3
11 ± 1
Genistina
336 ± 23
17 ± 2
Isoflavonas agliconas, mg/g
Total Daidzeína Gliciteína Genisteína Total
724
9 ±2
ND
12 ± 1
21
76
298 ± 26
27 ± 3
260 ± 10 585
Os dados representam microgramas de isoflavonas por grama de farinha desengordurada de soja. Média ± SD das
amostras em triplicata. ND = Não Detectado
res anteriores à reação. Nesse experimento, 10 gramas de FDS após esterilização a 121ºC continha 724 mg/g, enquanto 10 gramas de FDS sem esterilização continha 1.179 mg/g. Considera-se
que, durante o tratamento térmico, quantidades significativas de glicosil isoflavonas foram decompostas.
Atividade antioxidante
do extrato metanólico
da FDS fermentada
As atividades antioxidantes dos extratos metanólicos de FDS foram medidas antes e após a fermentação (Figura
3). O extrato metanólico de farinha de
soja após a fermentação mostrou maior
atividade antioxidante que antes da
fermentação. Esses resultados são devido à conversão de glicosil isoflavonas
em agliconas, as quais têm maior atividade antioxidante, como já havia sido
percebido em testes anteriores.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
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A produção de b-glicosidase microbiana, que está envolvida
na hidrólise de glicosil isoFigura 3:
flavonas de soja em agliconas, foi obtida usando-se
várias linhagens de microrganismos que entram na
fermentação da soja, e o
Aspergillus oryzae produziu alta atividade na conversão de glicosil em isoflavonas agliconas. A enzima
converteu eficientemente
glicosil isoflavonas extraídas de FDS em suas formas
agliconas, e altas concentrações de isoflavonas agliconas mostraram elevada
Esaki, H.; Watanabe, R.; Onozaki, H.;
atividade antioxidante.
Kawakishi, S.; Osawa, T. (1999) Formation
mechanism for potent antioxadative oAGRADECIMENTO
dihydroxyisoflavones in soybean fermenOs autores agradecem à Fundação ted with Aspergillus saitoi. Biosci. Biotechde Amparo à Pesquisa no Estado de São nol. Biochem. 63(5):851-858.
Esaki, H.; Onozaki, H.; Morimitsu, Y.
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