UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
GILDA SALDANHA
DA EFETIVIDADE DA MAIORIDADE PENAL
CURITIBA
2013
GILDA SALDANHA
DA EFETIVIDADE DA MAIORIDADE PENAL
Monografia de Conclusão de Curso, apresentada como
requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito
pela Universidade Tuiuti do Paraná – UTP
Orientador: Profº: Dálio Zippin Filho
CURITIBA
2013
TERMO DE APROVAÇÃO
GILDA SALDANHA
DA EFETIVIDADE DA MAIORIDADE PENAL
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de
Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná
Curitiba________ de __________________ de 2013
__________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenação do Núcleo de Monografia
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: ______________________________________________________
Prof. Dalio Zippin Filho
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Supervisor: ______________________________________________________
Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Supervisor: ______________________________________________________
Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Milton e Zilda pela formação moral e pelos valores, que me
permitiram chegar até aqui.
À minha filha, Camila, pelo apoio e força... Sempre!
Ao meu marido pelo amor e incentivo constantes.
Muito Obrigada!
AGRADECIMENTOS
Á todos os professores, em especial ao meu orientador, professor, mestre e
acima de tudo amigo, Dalio Zippin Filho, pessoa que admiro e me espelho,
buscando um dia chegar ao patamar de integridade e sabedoria em que ele se
encontra.
“A criminalidade e a violência são frutos da atitude de uma sociedade
individualista demais para ver que também é seu dever fazer algo a respeito”
Autor Desconhecido
RESUMO
O presente estudo busca abordar de forma objetiva a controvérsia acerca da
efetividade da maioridade penal. No primeiro capítulo introduziu-se o tema buscando
enfatizar o Estatuto da Criança e do Adolescente. No segundo capítulo fez-se uma
abordagem histórica acerca da legislação penal da infância e da adolescência no
Brasil. No terceiro capítulo abordou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, de
forma a explicar ao leitor, de forma bastante clara os conceitos, a forma de aplicação
bem como as consequências sofridas pelo menor infrator sob a égide desta
legislação. No quarto e não menos importante capítulo, estudou-se o que significa a
imputabilidade penal, mencionando também os aspectos constitucionais e penais
sobre a imputabilidade penal os posicionamentos favoráveis e desfavoráveis à
redução da maioridade penal evidenciando que a questão ainda divide opiniões.
PALAVRAS-CHAVE: Ato Infracional. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Inimputabilidade. Medidas Protetivas. Reabilitação.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO................................................................................................ 8
2
HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PENAL DA INFÂNCIA E DA
ADOLESCÊNCIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA............................. 9
3
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/1990)........... 14
3.1
O ATO INFRACIONAL................................................................................... 15
3.2
DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO.................................................................... 17
3.3
DAS MEDIDAS SÓCIO EDUCATIVAS........................................................... 18
3.4
DA ADVERTÊNCIA......................................................................................... 20
3.5
DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO..................................................... 21
3.6
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE............................................ 22
3.7
A LIBERDADE ASSISTIDA............................................................................. 23
3.8
DA SEMILIBERDADE..................................................................................... 23
4
DA IMPUTABILIDADE PENAL...................................................................... 25
4.1
ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS................................................. 28
4.1.1 Da Possibilidade de se Reduzir a Maioridade Penal a Luz da
Constituição Federal de 1988..........................................................................31
4.2
POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À REDUÇÃO
DA MAIORIDADE PENAL............................................................................. 33
5
CONCLUSÃO................................................................................................. 35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 38
ANEXO...................................................................................................................... 40
8
1
INTRODUÇÃO
Muito se tem divulgado na mídia, bem como nos corredores do Congresso
Nacional, sobre a redução da maioridade penal como a solução para a questão da
criminalidade no Brasil.
O presente estudo tem por finalidade demonstrar, de forma clara e objetiva a
controvérsia existente entre a redução e a manutenção da maioridade penal,
abordando os principais aspectos bem como os posicionamentos acerca desta
questão.
O Código Penal, no artigo 27, bem como a Constituição Federal de 1988, no
artigo 228, dispõem que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,
determinando, por meio de um critério biológico, que essas pessoas não são
capazes de compreender, de modo adequado, o caráter ilícito de suas ações,
devendo ser aplicadas as medidas sócio educativas, previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90)
Porém, não há uma indicação efetiva de que ao se atingir essa idade ocorra
uma mudança na capacidade de compreensão do injusto, sendo levado em
consideração o limite razoável recomendado pelo Seminário Europeu de Assistência
Social das Nações Unidas, de 1949, que estabeleceu este marco etário.
Notório é o fato de que, o receio ao encarceramento não impede que
indivíduos adultos cometam delitos e, por certo, não será fator de desencorajamento
dos mais jovens, não sendo a imputabilidade penal aos menores de dezoito anos
garantia de diminuição da criminalidade.
Surgiu a necessidade de identificar, juridicamente, a idade cronológica
escolhida para o início de imposição de sanção de natureza penal, ou seja,
sobretudo o momento legal em que o jovem é chamado a responder criminalmente
por seus atos.
O objetivo da presente pesquisa é avaliar a eficácia da eleição de dezoito
anos, como marco etário na maioridade penal frente aos índices elevados de
criminalidade.
9
2
HISTÓRICO
DA
LEGISLAÇÃO
PENAL
DA
INFÂNCIA
E
DA
ADOLESCÊNCIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA
Os conceitos de infância e de adolescência ou de Direito Penal Juvenil,
naturais na linguagem e cultura das sociedades ocidentais e contemporâneas, nem
sempre foram compreendidos com o significado que lhes é atribuído a partir da era
da modernidade. A categoria infância tal qual compreendemos hoje, portanto em
uma abordagem não ontológica, tem uma construção histórica que desenvolveu
trajetória semelhante à construção do indivíduo, como o compreendemos na
sociedade moderna.
Ensina Ana Paula Motta Costa que:
Compreender a realidade a partir de seu contexto histórico, para além de
crer na possibilidade de reprodução de fatos característicos de épocas
passadas, tem a possibilidade de permitir questionar conceitos de épocas
passadas, tem a possibilidade de permitir questionar conceitos atuais, vistos
em nossos dias como naturais, mas que nem sempre tiveram o mesmo
significado. Da mesma forma que a observação de diferentes culturas
possibilita a relativização de valores em que se está inserido, a perspectiva
histórica permite relativizar crenças e dogmas. (COSTA, p. 47).
A idade da chamada responsabilidade penal ou inimputabilidade da criança e
do adolescente, alterou-se no decorrer da história, conforme ensina Haim Grunspun
(1998, p. 199): “[...] apresentou variações conforme os modelos de cultura e dos
fatores demográficos, sobretudo, por que o seu reconhecimento como pessoa
humana é fruto do iluminismo.”
O Direito Penal lança raízes no Brasil a partir de 1500, com as várias
Ordenações do Reino: as Afonsinas, no período colonial da descoberta: as
Manoelinas, até 1603; e as Filipinas, até 1830.
No Livro V, Título CXXXV, as Ordenações Filipinas1 fixavam a idade de 17
anos para a imputabilidade penal. A maioridade plena era estabelecida aos 20 anos.
Dependendo do arbítrio do julgador, entre 17 e 20 anos se levava em conta as
circunstâncias do delito, reveladoras ou não da malícia do acusado. Se esta fosse
confirmada poderia levar à morte do infrator, se fosse considerada de pouca
1
As Ordenações Filipinas representavam, em plena era das revoluções liberais, a escura sobrevivência de uma
visão quase medieval.RIZZINI, Irene. A criança e a lei no Brasil, 1993, p.9.
10
intensidade, o infrator poderia ter a pena reduzida. Se houvesse dolo ou malícia
confirmada era condenado como se fosse maior de idade.
Segundo Macelo Gantus Jasmim (1981, p. 4); vigorava a Teoria do
Discernimento que ”imputava responsabilidade penal ao menor em função de uma
pesquisa da sua consciência em relação à pratica da ação criminosa”.
O mencionado Código, sancionado por D. Pedro I, manteve a Teoria do
Discernimento, conforme dispôs o art. 13:
Se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes,
obraram com discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correção,
pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda a
idade de dezessete anos.
Além do discernimento, o Código Penal do Império (1830) consagrou a
inimputabilidade absoluta de todo jovem com menos de 14 anos, ensina Wilson
Donizeti Liberati (2006, p. 39) que: “[...] acima dessa idade, os infratores deveriam
ser recolhidos à Casa de Correção pelo tempo que o juiz entendesse necessário”.
O infrator tinha pena atenuada, entre 14 e 21 anos de idade, ficando facultado
ao juiz, desde que o autor fosse menor de 17 anos, impor-lhe penas mais brandas,
em substituição àquelas que seriam originariamente aplicadas aos maiores.
No ano de 1890, o Decreto n. 847, de 11 de outubro, institui o Código Penal
da República, estabelecendo a irresponsabilidade de pleno direito aos menores de 9
anos. Onde a Teoria do Discernimento ainda permanecia em vigor: entre 9 e 14
anos, se os infratores praticassem o ato sem discernimento, não seriam
considerados criminosos. Os maiores de 14 anos que praticassem o ato criminoso
com discernimento seriam recolhidos em estabelecimentos disciplinares.
Em 1927, foi aprovado o Primeiro Código de Menores, cujo autor era Melo de
Matos, um Juiz de Menores, nome pelo qual ficou conhecida a nova lei. Conforme
ensina Wilson Donizeti Liberati, citado acima:
A questão da inimputabilidade permaneceu inalterada até a promulgação do
Decreto nº. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, também conhecido por
“Código de Menores Mello Mattos”, que conforme ensina que consolidou
toda a legislação de assistência e proteção a menores, até então emanada
de Portugal, pelo Império e pela República. (LIBERATI, 2006, p. 41)
Importante observar que havia uma vedação expressa no artigo 86, conforme
ensina o supracitado autor:
11
Havia, no entanto, vedação expressa, no art. 86, de que nenhum menor de
18 anos, preso, por qualquer motivo, ou apreendido, seria recolhido à prisão
comum. Isso significava que o menor apreendido deveria ser colocado em
instituições especiais, pelo menos, até o seu julgamento. As exceções
estavam no enunciado dos arts. 71 e 87, que previam, respectivamente, a
transferência do menor entre 16 e 18 e entre 14 a 18 anos para a prisão de
adultos, no caso de intensa gravidade do fato ou de impossibilidade de
interná-los em estabelecimentos adequados. (...) É interessante notar que,
mesmo em caso de o menor ser absolvido, o juiz poderia: “a) entregar o
menor aos pais ou tutor ou pessoa encarregada de sua guarda; b) entregar
o menor sob condições, como a submissão ao patronato, a aprendizagem
de um ofício ou uma arte, a abstenção de bebidas alcoólicas, a frequência
de uma escola, a garantia de um bom comportamento, sob pena de
suspensão ou perda do pátrio poder ou destituição da tutela; c) entregar o
menor à pessoa idônea ou instituto de educação; e d) sujeitar o menor à
liberdade vigiada” (art. 73). (LIBERATI, 2006, p. 43)
Sob influencia do Código Criminal do Império (1830) bem como pelo Código
Penal da República, a legislação de 1927, privilegiava a internação e/ou
institucionalização de crianças e adolescentes menores de 14 anos de idade,
mesmo que não tivessem praticado qualquer infração penal. A segregação física e
da liberdade era habitual, corriqueira e desprovida das garantias constitucionais,
hoje asseguradas pelas disposições contidas no art. 5a, LX da atual Constituição
Federal.
Cabe salientar que a falta de um propósito garantista de direitos mais amplos
e equivalentes ao dos adultos, o direito do menor contemplava certos absurdos
jurídicos, tais como: na hipótese de absolvição do adolescente, ele poderia estar
sujeito, ainda, ao cumprimento de medidas, como aquelas previstas no art. 73 do
Código de Penal1927, acima mencionado.
Antonio Tomás Bentivoglio lembra que:
O Código de 1927 fixava três limites de idade: 14,16 e 18 anos; até os 14, o
menor era considerado inimputável; entre 14 e 16, ele ainda era
considerado irresponsável, mas instaurava-se um processo para apurar o
fato, ao cabo do qual poder-se-ia aplicar uma medida de assistência, que,
por vezes, acarretava o cerceamento à liberdade; entre 16 e 18, o menor
podia ser considerado responsável, sofrendo, então penas previstas no
Código Penal da República, com a redução de um terço na duração das
privativas de liberdade cabíveis ao adulto. (BENTIVOGLIO, 1998, p.13)
As medidas aplicadas aos menores abandonados ou delinquentes tinham na
verdade, natureza tutelar, sendo seus agentes colocados em entidades protetoras,
por períodos, hoje considerados inconstitucionais.
12
No ano de 1940, o Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro, instituiu o Código
Penal, que, em seu Título III, firmou a inimputabilidade penal. O art. 27 tratou da
desta em razão da idade: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.
Então, Antonio Tomás Bentivoglio, acima citado, relata que;
[...] o Decreto-lei n. 6.026, de 24 de novembro de 1943, dividiu os infratores
menores de 18 anos em duas categorias: “a) após os 14, quando no
entender do juiz estivesse positivada a periculosidade do menor que
praticasse o crime, seria obrigatório o seu internamento, cuja cessação se
condicionaria ao desaparecimento da periculosidade. Se não cessasse até
o advento da maioridade, o sujeito seria transferido para uma colônia
agrícola ou instituto de abrigo, recebendo me¬dida de segurança aplicável a
adultos; b) se o infrator contasse com 14 anos e não fosse considerado
perigoso, poderia ser entregue aos pais ou responsável, podendo, ainda,
ser internado em instituto de reeducação. sem prefixação de tempo.
(BENTIVOGLIO, 1998, p.14)
O Decreto-lei n. 6.026/1943 foi alterado pela Lei n. 5.258, de 10 de abril de
1967, que estabeleceu que a idade limite da inimputabilidade era de 14 anos. Por
outro lado, se o menor que completou 14 anos praticasse um fato tipificado como
crime suscetível de pena de detenção, e se fosse abandonado, pervertido ou em
perigo de o ser, o juiz poderia interná-lo em estabelecimento adequado, por seis
meses no mínimo e, no máximo, até atingir a idade de 21 anos.
Entretanto se a maioridade (21 anos) fosse completada e a periculosidade
não fosse declarada extinta, o juiz determinaria sua transferência para Colônia
Agrícola ou para Instituto de Trabalho, de reeducação ou de ensino profissional ou
secção especial de outro estabelecimento, à disposição do Juiz Criminal.
Art. 7º No caso do art. 71 do Código de Menores (decreto número 17.943-A,
de 12 de outubro de 1927), o juiz determinará a Internação do menor em
seção especial de escola de reforma.
[...]
§ 2º Se o menor completar vinte e um anos, sem que tenha sido revogada a
medida de internação, será transferido para colônia agrícola ou para
instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, ou seção
especial de outro estabelecimento, à disposição do juiz criminal.
Com a promulgação do Código Penal e leis posteriores que o modificaram,
necessitava-se uma reforma mais efetiva no Código de Menores de 1927, em razão
da discrepância na fixação da inimputabilidade. Assim, em 10 de outubro de 1979 a
Lei n. 6.697 instituiu o Código de Menores que seguiu o Código Penal, quanto sua
13
orientação em relação à inimputabilidade e, praticamente, não inovou, em relação à
condição da criança e do adolescente: continuavam a ser tratados como objetos de
ações assistenciais, longe de lhes assegurar a titularidade de seus direitos.
Apesar da Convenção sobre os Direitos da Criança ser promulgada no Brasil
em 1990, a discussão de seu conteúdo chegou até este país pelos Movimentos
Sociais no período da instalação da Assembléia Nacional Constituinte de 1988.
Não apenas assegurava os direitos fundamentais, a Constituição Federal de
1988 manteve, no art. 228, a inimputabilidade aos 18 anos, que foi seguida pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 104, dispondo que “são penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”.
A
divisão
etária
efetivada
pelo
Estatuto
possibilitou,
sobretudo,
a
diversificação de tratamento penal: as crianças são absolutamente irresponsáveis
penalmente, ficando sujeitas somente às medidas de proteção, ao passo que os
adolescentes, ao conflitarem com a lei, podem cumprir medidas socioeducativas.
As crianças e os adolescentes, que estiveram à parte da cidadania ou da
segurança da garantia dos direitos sociais e individuais exercidos pela modernidade,
hoje têm no plano normativo seus direitos reconhecidos. No entanto, a dimensão da
incerteza contemporânea relativiza estas conquistas, tornando a tarefa de efetivar
direitos, para além da superação histórica, a própria superação da nova ordem
contemporânea.
Portanto, percebe-se que, no Brasil, nem sempre o limite etário foi o mesmo,
tendo este variado de 9 a 18 anos. (conforme se observa no quadro em anexo)
14
3
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/1990)
O supracitado Código de Menores de Mello Matos foi substituído pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069/1990, em função de estar obsoleto
face às alterações legislativas sofridas, em especial, com a mudança do Código
Penal.
Fabiano Genofre aduz que:
O Estatuto da Criança e do Adolescente, nada mais fez do que
regulamentar e explicar direitos e garantias fundamentais aplicáveis às
crianças, oriundos de tratados e convenções internacionais dos quais o
Brasil sempre fora signatário no campo das relações exteriores.
(GENOFRE, 2002, p. 440)
Uma mudança que se verificou no texto da Lei 8.069/1990 que fora objeto de
destaque, foi a supressão da palavra “menor”, considerada como termo
menoscabante e capaz de implicar à pessoa uma sensação de que realmente é
menor não apenas na idade ou no tamanho, mas sim, como ser humano.
Este “personagem” menor de idade que conflita com a lei tem muitas
denominações tais como: menor infrator, adolescente infrator, adolescente em
conflito com a lei, adolescente autor de ato infracional.
Estas denominações,
todavia, conduzem a pesquisa para o conceito de adolescente, como sujeito de
direitos e de pessoa numa condição especial de desenvolvimento, cujas garantias
devem ser asseguradas com absoluta prioridade. Obviamente, essa primeira
concepção de adolescente em conflito com a lei, elide a idéia de vítima por práticas
sociais criminalizadas.
Ensina Wilson Donizeti Liberati que:
A leitura da história da criança no Brasil, pelo menos até a promulgação da
Constituição Federal de 1988, demonstrou que a condição do adolescente
perante o direito estava mais para vítima do que sujeito de direitos. De fato,
as políticas públicas de atendimento não tinham clareza quanto à real
situação jurídica de crianças e adolescentes: sendo desvalidos, carentes,
pobres, abandonados, órfãos ou delinquentes, o “tratamento” era o mesmo
para todos. (LIBERATI, 2010, p. 23)
Lembra Felício de Araújo Pontes Junior (1992, p. 24) que: “crianças e
adolescentes são sujeitos de direitos universalmente conhecidos, não apenas de
direitos comuns aos adultos, mas, além desses, de direitos especiais, provenientes
15
de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, que devem ser
assegurados pela família, Estado e Sociedade”.
Observa-se que as leis devem assegurar a satisfação de todas as
necessidades de crianças e adolescentes e não só se manifestar quando ocorre a
prática de infração penal.
No Brasil, até a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, verificase que a criança e o adolescente não eram considerados sujeitos de direitos.
Salienta Wilson Donizeti Liberati, que:
A proteção integral dos direitos e a possibilidade jurídica de protagonizar os
direitos transformam a criança e o adolescente em titulares absolutos de
seus direitos, como parte de um direito especial para uma classe especial
de pessoas. Em outras palavras, a criança e o adolescente deixam de ser
vítimas sociais para serem protagonistas do direito. A nova legislação,
segundo Mário Volpi desjudicializou as situações sociais superando a visão
de vítima e preservando, no campo jurídico, somente as questões relativas
ao conflito com a lei penal e conflitos de interesses. (LIBERATI, 2010, p. 59)
O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituiu a doutrina da proteção
integral que se situa num processo histórico de confronto de projetos ético-políticos
na sociedade brasileira, na medida em que não é fácil sua implementação.
Representa um marco no processo de ruptura do Estado em face do poder
dominante das elites.
3.1
O ATO INFRACIONAL
Nos termos do artigo 103 do ECA: “Considera-se ato infracional, a conduta
descrita como crime ou contravenção penal”.
Por esta definição o legislador materializou a regra constitucional da
legalidade ou da anterioridade da lei, segundo a qual só haverá Ato Infracional, se
houver uma figura típica penal anteriormente prevista na lei (nullum crimen sine
lege).
O crime é considerado a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um
bem jurídico protegido pela lei penal, ensina Francisco de Assis Toledo que:
O crime não pode ser desconsiderado como fato isolado da vida de uma
pessoa humana, não podendo ser reproduzido em laboratório ou
16
decomposto em partes distintas nem se apresenta como puro conceito, de
modo sempre idêntico e estereotipados. (TOLEDO, 1994, p.314)
Já a Contravenção Penal, não recebeu uma definição no sistema penal.
Desta tem-se apenas o enunciado no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal,
segundo o qual a Contravenção é “a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa.”
Por costume, a doutrina considera a Contravenção Penal como o ato ilícito
menos importante que o crime, diferenciando-a, apenas, quanto ao tipo de pena, ou
seja, a conduta infracional praticada por crianças
e adolescentes deverá estar
adequada àquela figura típica, descrita na lei, como crime ou contravenção penal,
tornando o tratamento identificador, tanto para adultos quanto para menores de 18
anos, abolindo a figura dos desvios de conduta, prevista na Lei nº. 6.697/1979, como
se o menor de 18 anos não praticasse infrações penais, mas atos anti-sociais,
reveladores de uma situação irregular.
Assim, se o ato praticado por crianças e adolescentes estiver adequado ao
tipo penal, então terão praticado um ato descrito como crime ou contravenção penal
ou, como preferiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, um Ato Infracional.
O processo penal comum tem como objetivo principal a sanção do infrator; ao
adolescente, entretanto, pode-se atribuir responsabilidade com fundamento nas
normas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e poderão
responder pelos atos infracionais que praticarem, submetendo-se às medidas
socioeducativas previstas no art. 112, que prevê a possibilidade de aplicação de
advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade;
liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em
estabelecimento educacional ou ainda qualquer uma das previstas no Art. 101, I a VI
do ECA.
Essa posição é cada vez mais aceita pela doutrina, como acentua João
Batista Costa Saraiva:
(...) ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema
legal instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz estes jovens,
entre 12 e 18 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso
de infração, prevê medidas socioeducativas, inclusive com privação de
liberdade (SARAIVA, 2003, p. 108).
17
Em vista do dispositivo constitucional do art. 228, o autor de Ato Infracional,
menor de 18 anos, não está fora do alcance do direito penal e, tampouco, sua ação
delitiva será mitigada em face da menoridade. Regras especiais, de natureza penal,
serão aplicadas em substituição àquelas do direito penal comum.
3.2
DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO
A fim de efetivar o amparo aos direitos e o cumprimento dos deveres dos
jovens, o Estatuto prevê a aplicação de duas espécies de medidas: as medidas de
proteção e as medidas sócio-educativas.
As medidas protetivas, previstas no artigo 101 do ECA, são aplicáveis sempre
que os direitos fundamentais da criança e do adolescente forem ameaçados ou
violados, bem como nas hipóteses de risco pessoal ou social.
Denomina-se desvio de conduta o ato praticado por criança ou o ato praticado
pelo adolescente que não seja enquadrado como ato infracional, mas constitua-se
apenas de conduta imoral ou que atente aos bons costumes ou à sua condição de
pessoa em desenvolvimento.
As medidas específicas de proteção são aplicadas nos casos de desvio de
conduta e podem, ainda, ser aplicadas cumulativamente às medidas sócioeducativas quando a autoridade judiciária entender pertinente e cabível.
Exceto em relação à medida de colocação em família substituta, cuja
competência, ê exclusiva do Magistrado, compete aos Conselhos Tutelares a
aplicação das medidas de proteção, reservada a competência concorrente ao Juiz
de Direito da Infância e da Juventude.
Os Conselhos Tutelares, conforme definição do artigo 131 do ECA: “são
órgãos permanentes e autônomos, não judiciais, que recebem da sociedade a
função de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes”. É
composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade para um mandato de três
anos, aos quais cabe deliberar pela aplicação de alguma medida de proteção, de
forma colegiada, motivada e consignada em ata.
Nas palavras de João Batista da Costa Saraiva:
Para evitar o arbítrio ou a repetição de equívocos praticados nos velhos
Juizados de Menores pelos Conselheiros Tutelares, em nome das garantias
18
procedimentais, haverá de sempre o Colegiado do Conselho fazer constar
em ata as decisões e a motivação destas.(SARAIVA, 1999, p.30)
Conforme se observa o Estatuto da Criança e do Adolescente aplica-se
indistintamente a todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua
condição social, econômica ou familiar.
3.3
DAS MEDIDAS SÓCIO EDUCATIVAS
As medidas sócio-educativas, são aplicáveis aos adolescentes em conflito
com a lei, têm previsão legal e taxativa no artigo 112 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, sendo impostas de acordo com as circunstâncias da gravidade da
infração e com os aspectos pessoais e subjetivos do agente, já mencionadas as
hipóteses acima.:
Para a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se a
idade do menor na data do fato, não importando que ele venha a receber a medida
sócio-educativa quando já tenha adquirido a maioridade penal, ou complete 18 anos
no curso do cumprimento da medida.
Ressalte-se que, tanto a criança quanto o adolescente gozam de todas as
garantias fundamentais asseguradas aos adultos, levando-se em conta, porém, sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não para privá-las de qualquer
benefício da lei, mas para incremento de sua proteção, sob pena de abuso e
ilegalidade.
Neste sentido, desde o cometimento do ato infracional até o final da execução
da medida sócio-educativa, os procedimentos para a imposição de qualquer medida
e as garantias processuais estão regidos em linhas gerais no Estatuto da Criança e
do Adolescente, prevista a aplicação subsidiária da legislação pertinente (Código de
Processo Penal, Código de Processo Civil e princípios dos Tratados ratificados) e da
Constituição da República.
De acordo com o caput do artigo 112 do ECA, e em atenção à Súmula nº 108,
do STJ, apenas a autoridade competente, qual seja, a judiciária, pode aplicar
medida sócio-educativa.
Para a medida de advertência, basta a prova da materialidade e indícios
suficientes de autoria e, no caso da remissão (pelo fato de não implicar
19
reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, bem como não prevalecer
para efeito de antecedentes), tais requisitos não são necessários.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dois grupos distintos de
medidas sócio-educativas; as medidas em meio aberto, não privativas de liberdade
(advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade
assistida) e as medidas privativas de liberdade (semiliberdade e internamento).
Além das medidas sócio-educativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente
prevê, nos artigos 126 a 128, o instituto da remissão como forma de exclusão ou
como forma de suspensão ou extinção do processo.
Consiste em decisão que não implica reconhecimento de responsabilidade
nem prevalece para o efeito de antecedentes, gerando o perdão puro e simples
quando a infração cometida é leve e o adolescente é primário, São sopesadas as
circunstâncias e consequências do fato, o contexto social em que vive o
adolescente, sua personalidade e a participação no ato infracional.
Ensina Paulo Afonso Garrido de Paula, a sistemática da remissão:
Se do sistema processual penal deflui o princípio da obrigatoriedade de
propositura da ação penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao
instituir a remissão como forma de exclusão do processo, expressamente
adotou o princípio da oportunidade, conferindo ao titular da ação a decisão
de invocar ou não a tutela jurisdicional. A decisão nasce do confronto dos
interesses sociais e individuais tutelados unitariamente pelas normas
insertas no ECA (interessa à sociedade defender-se de atos infracionais,
ainda que praticados por adolescentes, mas também lhes interessa proteger
integralmente o adolescente, ainda que infrator). Assim, em cada caso
concreto, pode o Ministério Público dispor da ação socioeducativa pública
através da remissão, concedendo-a como perdão puro e simples, ou, numa
espécie de transação, incluir a aplicação de medida não privativa de
liberdade, excetuando-se, portanto, a semiliberdade e a internação.
Justifica-se a exclusão da ação socioeducativa pública, via remissão como
perdão puro e simples, quando o interesse de defesa social assume valor
inferior àquele representado pelo custo, viabilidade e eficácia do processo.
Assim, as contravenções e infrações leves, atribuídas a adolescentes
primários, marcadas pela previsão de dificuldades na coleta da prova, cujo
resultado, além de incerto, constituirá mera advertência, podem ser remidas
plenamente pelo representante da sociedade. Por que acionar a máquina
judiciária em casos de somenos, pugnando por um resultado incerto e, se
conseguido, ineficaz como instrumento de proteção dos interesses sociais,
de vez que o autor da ofensa à ordem jurídica, adolescente, encontra-se
perfeitamente integrado à família e à sociedade? (GARRIDO, 1997, p.558)
Duas são as modalidades: uma, de iniciativa do Ministério Público, concedida
antes de iniciar o procedimento para a apuração de Ato Infracional, e outra
20
concedida pela autoridade judiciária após iniciado o processo (a qual importará na
suspensão ou extinção do processo).
A primeira hipótese ocorre antes mesmo de qualquer ato forense e ainda sem
a existência formal de processo, quando o adolescente, apreendido em flagrante de
Ato Infracional, apreendido por força de ordem judicial ou sob investigação policial
em virtude de Boletim de Ocorrência, é encaminhado para oitiva informal perante o
Ministério Público.
Apresentado o adolescente, juntamente com o Auto de Apreensão, Boletim de
Ocorrência ou Relatório Policial e as informações sobre seus antecedentes, o
Ministério Público procede sua oitiva e, sendo possível, de seus pais ou
responsável, vítima e testemunha. Na sequencia, poderá promover o arquivamento
dos autos, conceder a remissão ou representar para que a autoridade judiciária
possa aplicar a medida sócio-educativa pertinente.
A segunda modalidade de remissão, efetuada a qualquer tempo no curso do
procedimento antes da sentença, pode ser concedida como forma de suspensão ou
extinção do processo. Neste caso, a competência para concedê-la (cumulada ou
não com aplicação de medida sócio- educativa) é da autoridade judiciária, ouvindo o
Ministério Público.
3.4
DA ADVERTÊNCIA
Regida pelo princípio da mínima intervenção, a advertência é a admoestação
verbal, proferida pelo Juiz ao adolescente infrator. Na definição de Tania da Silva
Pereira (1996, p. 57) visa: “tornar clara ao adolescente a inadequação de sua
conduta, possibilitando-lhe ver seu ato infracional reconhecido como tal por urna
autoridade”.
Na definição de Alberto Silva Franco:
A advertência é, na tipologia das medidas sócio-educativas, uma das mais
brandas. Consiste em admoestação verbal, que deve ser reduzida a termo,
assinado pela autoridade judiciária, pelo membro do Ministério Público, pelo
adolescente e seus pais ou responsáveis.
O comparecimento dos pais ou responsáveis não pode ser dispensado, pois
o propósito da advertência é justamente o de alertá-los para os riscos do
envolvimento de seus filhos em atos infracionais, prevenindo-os de medidas
futuras mais graves.(FRANCO, 1995, p. 324)
21
É a mais simples e a mais branda das medidas sócio-educativas do rol do art.
112 do ECA, aplicada somente aos casos em que o adolescente não se encontra
comprometido com substâncias entorpecentes, possui estrutura familiar adequada e
imposição de limites, bem como conduta pouco inclinada à reincidência. A infração
praticada pelo adolescente deve ser de leve potencial ofensivo e constituir-se de
algo isolado em seu comportamento.
Sua aplicação, apesar de simples, deve revestir-se das formalidades legais;
deve ser aplicada pelo Magistrado (que não poderá delegá-la a quem quer que
seja), acompanhada pelo Ministério Público, reduzida a termo e assinada pelo
adolescente (como forma de ciência) perante seus pais ou responsável.
3.5
DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO
Nos termos do artigo 927 do Código Civil, “Aquele que por ato ilícito causar
dano a outrem fica obrigado a repará-lo” e ainda no artigo 188 mencionado código:
“Não constituem atos ilícitos os atos praticados em legítima defesa, no exercício
regular de um direito ou quando ocorrer deterioração, destruição de coisa alheia ou
lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente”.
No âmbito do Direito Civil, ficam os pais ou tutores responsáveis pelos danos
decorrentes do ato ilícito dos filhos ou tutelados, portadores de incapacidade
absoluta. No caso de incapacidade relativa, os país ou tutores respondem
solidariamente.
A medida sócio-educativa em questão advém da possibilidade de impor ao
adolescente a obrigação de reparar o dano causado à vítima por meio de seu ato
infracional, através da restituição da coisa subtraída, pelo ressarcimento do dano ou
outra medida compensatória, dentro de sua capacidade e respeitadas as restrições
relativas aos trabalhos que pode realizar.
Na esfera do Estatuto da Criança e do Adolescente, a obrigação ganha
característica especial, conforme alinhava Pedro Luiz de Melo e Valter Salvador
Chiamarelli:
O interesse precípuo não é reparar o dano das partes, mas sim medida que
visa a despertar no menor as consequências do ilícito praticado funcionando
como uma das fases do processo reeducativo. Ainda, fará com que seus
pais, ou responsável, exerçam maior vigilância sobre os passos do menor.
(CHIAMARELLI apud CHAVES, 1997, p. 518)
22
O cunho da medida é essencialmente educativo, no sentido de conscientizar
o adolescente de que todo dano causado a outrem deve ser ressarcido e com a
finalidade de lhe incutir responsabilidade por seus atos.
3.6
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
O principal objetivo da prestação de serviços à comunidade é conscientizar o
jovem da importância do trabalho e do seu papel perante a sociedade,
oportunizando a descoberta de suas possibilidades e conhecimentos, fazendo com
que se sinta útil.
Entretanto, argumenta-se que esse “despertar” só se realiza quando o
adolescente pode contar com uma orientação no cumprimento da medida e quando
há um envolvimento concreto da sua família e da sua comunidade, sob risco do
jovem não entender o seu sentido.
Outro ponto relevante é a imposição de responsabilidade ao adolescente,
livrando-o da ociosidade e da vida nas ruas.
A medida pode ser determinada por período não excedente a seis meses,
respeitadas a carga de oito horas semanais e as demais atividades do jovem, como
frequência à escola e jornada normal de trabalho.
Ensina Roberto João Elias que:
Dentro do princípio fundamental da proteção integral, a escola reveste-se de
suma relevância, não podendo ser relegada, qualquer que seja o motivo, Há
de sempre se recordar que o direito à educação é preceituado pela
Constituição Federal, no art. 227, devendo ser assegurado pelo Estado,
pela família e pela sociedade. Ademais, se o menor trabalha, há uma
presunção de que necessita do salário para subsistir, além do que a própria
ocupação é também uma forma de desenvolver plenamente a sua
personalidade, Não é sensato, destarte, com a medida em estudo,
prejudicar seu horário de trabalho normal (ELIAS, 2010, p. 89).
A prestação dos serviços será acompanhada pela autoridade judiciária,
através de relatório periódico da entidade beneficiada.
Em observância ao artigo 112, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
trata-se de medida opcional ao adolescente, uma vez que ele não pode ser
compelido a trabalhar.
23
3.7
A LIBERDADE ASSISTIDA
Prevista nos artigos 118 e 119 do ECA, é aplicável aos adolescentes
reincidentes nas infrações consideradas leves, aos adolescentes que cometeram
infração grave, mas cujo estudo social concluiu pela manutenção do convívio familiar
e aos adolescentes que, cumprindo medida de semiliberdade ou internação,
demonstram recuperação parcial e condições de conviver em sociedade.
Não pode ser confundida com a antiga liberdade vigiada do Código de
Menores, uma vez que tem a finalidade de acompanhar, orientar e auxiliar o
adolescente infrator no caminho de sua ressocialização através de um orientador
designado pela autoridade judicial (o qual pode pertencer ao quadro de servidores
do Juizado da Infância e da Juventude ou ser recrutado através de entidade ou
programa de atendimento).
A
liberdade
encaminhamento
à
assistida
pode
instituição
de
englobar
ensino,
medidas
tratamento
protetivas
para
como
drogadição
e
encaminhamento a cursos profissionalizantes, uma vez que busca apoio e
assistência e não vigilância e controle,
O prazo mínimo previsto no art. 118, § 2º do ECA, é de seis meses,
prorrogável e substituível quando conveniente para o desenvolvimento do jovem,
Pode ser revogada a qualquer tempo, caso torne-se desnecessária, ouvido o
orientador, o Ministério Público e o defensor.
3.8
DA SEMILIBERDADE
Prevista no artigo 120 do ECA, é medida mais branda do que a internação,
visto que não priva totalmente o adolescente de sua liberdade, possibilitando que
realize atividades externas, sem escolta, independentemente de autorização judicial.
O trabalho e o estudo externos são uma maneira de integrar o jovem mais
rapidamente ao convívio social.
Situada entre a internação e as medidas de meio aberto, consiste em
“abrigar” o adolescente infrator que cometeu ato infracional que não se enquadra
nas possibilidades de internação ou ainda, aplicável aos casos de transição do
regime de internação para o meio aberto, Tem o caráter de possibilitar ao
24
adolescente a convivência em um ambiente semelhante a uma casa e a realização
de atividades externas. Não há privação de liberdade em sentido estrito.
Salienta-se que as medidas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente não possuem caráter punitivo, mas visam uma readaptação da conduta
do jovem a partir da educação, da aplicação de técnicas pedagógicas que propiciem
seu crescimento e seu aprimoramento como pessoa,
25
4
DA IMPUTABILIDADE PENAL
Imputabilidade é a possibilidade de atribuir a alguém a responsabilidade por
algo. Diz respeito à capacidade mental do indivíduo em entender os seus atos e de
se comportar conforme este entendimento.
Luiz Regis Prado aduz que:
Imputabilidade é o elemento intelectual da reprovabilidade, sendo a
consciência ou o conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta.
Trata-se, então da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito
de sua ação. Não se trata de um conhecimento atual e efetivo do dever
jurídico concreto de omitir a realização do fato concreto, mas no seu
conhecimento potencial, as sua cognocidade de uma capacidade do seu
conhecimento. (PRADO, 2010, p. 379
Desta forma, caso o indivíduo não tenha condições psíquicas de compreender
a ilicitude de seu ato ou de se comportar de acordo com este, não será digno de
censura, e é exatamente nestas hipóteses que se fala em inimputabilidade. Ou seja:
se o indivíduo possui capacidade plena, será imputável; se não possui capacidade
alguma será inimputável, se possui capacidade relativa, será semi imputável, c
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da
ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Observa-se claramente no citado artigo, que o critério adotado pelo Código
penal para definição da capacidade do sujeito foi o biopsicológico, ou seja é aquele
que hora leva em conta fatores de cunho orgânico, e hora leva em conta os fatores
psíquicos; ou seja leva em conta tanto as causas quanto os efeitos.
Dito isto, é possível elencar as seguintes causas de imputabilidade: a
embriaguez (completa e acidental), o desenvolvimento mental incompleto (pessoas
que possuem valores diferentes dos constantes na sociedade, como por exemplo o
indígena) e a menoridade (menor infrator), objeto de estudo do capítulo que ora se
apresenta.
A questão do menor infrator é uma preocupação social cuja solução não é
simples, Renata Ceschin Malfi de Macedo:
26
A revogação da imputabilidade penal aos menores de 18 anos é assunto
extremamente atual e que gera polêmica, na medida em que está sendo
apresentada como solução para o problema da violência urbana, em
decorrência, sobretudo, do entendimento de insegurança da população ante
a ineficácia do poderes públicos no combate e repressão da criminalidade
(MACEDO, 2008, p. 185)
Contudo, é importante observar que a redução da maioridade penal não é tão
simples de ser efetivada. Nesse sentido, continua Renata Ceschin Malfi de Macedo:
Apesar da problemática da violência juvenil trazer à tona a preocupação da
sociedade, a necessidade de diminuir a idade para a responsabilização
criminal é questionada, argumentando-se que as medidas sócio educativas
existentes seriam eficazes se aplicadas adequadamente, respeitando-se os
direitos humanos e a condição do adolescente como ser em
desenvolvimento, capaz de reverter sua agressividade se bem orientado e
auxiliado por profissionais competentes. (MACEDO, 2008, p. 185)
Como observam Eros Grau e Godoffredo Telles Júnior : “O Direito Penal está
sendo visto como uma solução para a diminuição da criminalidade. Mas encarcerar
os adolescentes menores de dezoito anos não implicará, ao contrário do que se diz
atualmente, redução significativa da criminalidade”.
E continua Grau e Telles Júnior (2003, p. 114):
A pena privativa de liberdade teve, ao longo dos últimos séculos, a sua
eficácia contestada e, atualmente, revela-se prática inócua, dados os seus
apoucados resultados. Os presídios brasileiros são verdadeiras "fábricas de
criminosos", ambientes onde se praticam graves violações de Direitos
Humanos. Resumindo, não cumprem o papel que lhes foi atribuído ressocializar o condenado, tornando o egresso apto ao convívio social.
(GRAU E TELLES JUNIOR, 2003, p. 114).
Ainda segundo Grau e Telles, a proposição de redução da maioridade penal
não
trará
nenhum
benefício
à
sociedade,
além
de
ser
flagrantemente
inconstitucional:
É um ardil, uma afronta ao Estado Democrático de Direito. Submeterá
nossos jovens, caso se chegue ao despautério de ser aprovada, a
tratamento cruel e degradante, porque os colocará em contato com
criminosos adultos, sem nenhum critério e desconsiderando características
individuais e peculiaridades decorrentes de seu desenvolvimento físico e
mental incompleto (GRAU; TELLES JUNIOR, 2003, p. 115).
É importante observar que o Código Penal, na questão da menoridade penal,
não considera a questão do discernimento. De acordo com Heleno Cláudio Fragoso
27
(2006, p. 241), “a lei vigente adotou a expressão correta, imputabilidade penal”. Mas,
o estabelecimento dos sistemas para fixar a menoridade penal é balizado pelos
seguintes sistemas: sistema biológico; sistema psicológico; e sistema biopsicológico.
Renata Ceschin Malfi de Macedo apud Heleno Claudio Fragoso mencionam
que:
A imputabilidade penal é a condição pessoal de maturidade e sanidade
mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do
fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Em suma, é a
capacidade genérica de entender e querer, ou seja de entendimento da
antijuridicidade de seu comportamento e de autogoverno, que tem o maior
de 18 anos. Responsabilidade penal é o dever jurídico de responder pela
ação delituosa que recai sobre o agente imputável. (MACEDO, 2008, p.
175)
Observa-se que o Direito Penal brasileiro considera a imputabilidade pelo
simples fato de ser o agente menor de dezoito anos, ou seja, apenas pelo sistema
biológico. É o que Bitencourt (2008, p. 307) denomina de "falta de maturidade penal
e, por consequência, incapacidade de culpabilidade”.
A Lei Penal brasileira, quanto ao critério de menoridade, adotou um critério
puramente biológico, não considerando o desenvolvimento mental do menor, que
não está sujeito à sanção penal.
Ensina ainda Renata Ceschin Malfi de Macedo que
[...] não e questiona se o jovem de dezoito anos possui ou não o
discernimento de seus atos. Em função do critério de idade, considera-se
sua personalidade como não amadurecida e se presume sua incapacidade
psíquica de entender o caráter ilícito do fato de determinar-se de acordo
com este entendimento. (MACEDO, 2008, p. 201)
Conforme se observa trata-se de um critério bastante impreciso, que dá
margens para abusos, na medida em que não afere se há um não uma causa
patológica ou psicológica que tenha determinado a ausência de capacidade
intelectiva e volitiva do agente.
Para Francesco Carrara (2002, p. 170) (sic), “Trata-se de um critério perigoso,
visto deixar nas mãos do julgador (demasiado arbítrio judicial) a verificação do
discernimento”.
Associar adolescência e criminalidade é exclusividade das sociedades com
acentuadas desigualdades sociais e em que as políticas governamentais não
28
conseguem garantir os direitos sociais fundamentais, em que pese se esforcem para
tanto. O ônus desta falha acaba recaindo sobre as crianças e adolescentes.
Mesmo em sociedades
caracterizadas por
elevados
indicadores
de
desenvolvimento humano, a preocupação com o envolvimento das crianças e dos
adolescentes com o mundo do crime não é recente.
Em função desta situação, doutrinadores constitucionalistas defendem que a
maioridade penal foi inserida no contexto das cláusulas pétreas elencadas no artigo
60 § 4º. IV da Constituição Federal de 1988, que prevê a impossibilidade de emenda
constitucional sob alguns aspectos, inclusive àqueles que tangenciam com os
direitos e garantias individuais, a saber:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais. (grifo meu)
Conforme se observa, apesar de não constar entre os dispositivos do artigo 5º
da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que trata dos direitos e garantias
fundamentais, é sabido que o referido artigo não apresenta um rol exaustivo e
taxativo de tais garantias, admitindo-se assim que as mesmas estejam espalhadas
ao longo da Constituição, que é o caso do artigo 228 da (CF/88), que trata
especificamente da maioridade penal.
4.1
ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS
A Constituição, como marco de todo ordenamento jurídico, irradia sua força
normativa para todos os setores do Direito. Entretanto, tem ela particular e definitiva
influência na seara penal.
Isso por que cabe ao Direito Penal a proteção de bens e valores essenciais à
livre convivência e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, inseridos na Lei
Fundamental, em determinada época e espaço territorial. A relação entre a
29
Constituição e o subsistema penal é tão estreita que o bem jurídico-penal tem
naquela suas raízes materiais.
Ao fixar a maioridade penal aos 18 anos, legislador constituinte deixou clara a
sua opção pelo critério biológico, tendo definido-o como marco divisório para a
capacidade de discernimento e, portanto, de responsabilização, estabelecendo em
caráter absoluto que aqueles que se encontrem abaixo de tal patamar não serão
penalmente responsáveis por suas condutas que violem o ordenamento jurídico
penal, em razão da reduzida capacidade de compreensão de sua conduta. Tal
configuração se originou no artigo 228 da Constituição Federal de 1988: “são
penalmente inimputáveis os menores de 18 anos sujeitos às normas da legislação
especial”.
A evolução da sociedade nas últimas décadas faz uma parcela significativa da
doutrina partilhar do mesmo entendimento conforme entende Carlos Eduardo
Barreiros Rebelo:
Poderão haver pessoas com a mesma idade cronológica contudo, com
capacidade de entendimento diversas, a ensejar responsabilização também
diferenciada. Trata-se do critério bioetário ou biopsicológico. Inegável que
nosso país com dimensões continentais não poderá ter uma idade fixada
cronologicamente para todos seus rincões, uma vez que não se compara o
jovem de 15 anos de um grande centro, sujeito a todos os apelos
tecnológicos, com um jovem de 15 anos nascido e criado nos bastidores do
país, que não tem acesso a qualquer meio de informação, por exemplo,
cortando cana de sol-a-sol, inegável que ambos trazem gigantesca
diferença de compreensão, somente sanável por um exame apurado,
jamais pela maioridade cronológica, que os iguala injustamente. (REBELO,
2010, p. 65)
Os princípios constitucionais são o pilar da ordem jurídica, uma vez que
representam os valores supremos eleitos pela sociedade tendo como característica
principal o caráter de normatividade, de forma que são compreendidos como sendo
uma espécie de norma jurídica, ladeando com as assim chamadas, regras jurídicas.
Ensina Mônia Clarissa Leal que:
Pode-se afirmar, então, que os princípios são os elementos que expressam
os fins que devem ser perseguidos pelo Estado (em sua acepção mais
ampla), vinculando a todos os entes e valendo como um impositivo para o
presente e como um projeto para o futuro que se renova cotidianamente.
(LEAL, 2003, p. 49-50)
30
Um dos princípios que norteiam o tema da presente pesquisa é o da
imputabilidade, que tem como conceito, nas palavras de Luiz Régis Prado (2010, p.
376) “[...] conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao
agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse
entendimento”.
Conforme já se observou a menoridade é uma das causas de exclusão da
imputabilidade, conforme elucida o artigo 27 do Código Penal (consagra-se aqui o
princípio da Inimputabilidade absoluta por presunção), com fulcro no critério
biológico da idade do agente, e que, a partir da Constituição Federal de 1988, tem
assento constitucional (o supramencionado artigo 228, da Constituição Federal).
Porém, ficam os menores de 18 anos sujeitos às disposições específicas do
Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 104, Lei nº 8.069/1990.” Art. 104. São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas
previstas nesta Lei. Salienta-se que para os efeitos desta Lei, deve considera-se a
idade do adolescente à data do fato.
Esse diploma legal prevê, no caso de ato infracional (crime ou contravenção
penal) praticado por criança ou adolescente, medidas de proteção genéricas
elencadas no artigo 98 do ECA:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis
sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou
violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
Já as medidas específicas encontram-se no artigo 101 do ECA
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a
autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes
medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de
responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à
criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII- Vetado
31
VII- Vetado
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
E o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda estabelece, para o
adolescente, medidas sócio educativas constantes no artigo 112, ECA.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade
de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação
de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão
tratamento individual e especializado, em local adequado às suas
condições.
Se o menor já tem 18 anos, mas ainda não atingiu os 21, faz jus à atenuação
da pena (artigo 65, I, 1ª parte, CP) e à redução do prazo prescricional. O Estatuto da
Criança e do Adolescente será objeto de um estudo pormenorizado no próximo
capítulo do presente estudo.
4.1.1 Da Possibilidade de se Reduzir a Maioridade Penal a Luz da Constituição
Federal de 1988
As cláusulas pétreas representam limitações materiais ao poder de reforma
da Constituição Federal de 1988, elencando uma série de matérias que não serão
sequer passíveis de propostas de Emenda Constitucional tendentes à sua abolição,
nos termos do artigo 60, § 4º, CF.
A discussão principal, no caso da maioridade penal, seria de saber se, caso
fosse aprovada a redução, haveria uma tendência à abolição de tal direito individual
e, porque não dizer, fundamental. Trata-se de questão controversa, podendo ser
mencionados dois posicionamentos antagônicos acerca do tema.
Pedro Lenza filia-se à posição que sustenta não ser inconstitucional a
redução, conforme se depreende da seguinte lição:
Neste ponto resta saber: eventual EC que reduzisse, por exemplo, de 18
para 16 anos, a maioridade penal violaria a cláusula pétrea do direito e
garantia individual (art. 60 §4°, IV)?
32
[...]
Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à
inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.
A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade tem
total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania,
podendo propor a ação popular e votar. Portanto, em nosso entender,
eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é
totalmente constitucional. O limite de 16 anos já está sendo utilizado e é
fundamentado no parâmetro do exercício do direito de votar e à luz da
razoabilidade e maturidade do ser humano. (LENZA, 2008, p. 762)
No mesmo sentido é a posição de Miguel Reale Júnior:
Há em tramitação no Congresso Nacional diversas propostas de emenda
constitucional, propondo de diversas formas, a redução da menoridade
penal. Entendo absolutamente inconveniente a alteração por razões de
política criminal, mas não considero as propostas inconstitucionais por ferir
regra pétrea da Constituição, consoante o art. 60, IV, da Constituição
Federal, e, por conseguinte insuscetível de ser abolida. Entendo que não
constitui regra pétrea não por não estar o dispositivo incluído no artigo 5o da
Constituição Federal, referente aos direitos e garantias individuais
mencionados no art. 60, IV, da Constituição. Não é a regra do art. 228 da
Constituição Federal regra pétrea, pois não se trata de um direito
fundamental ser reputado penalmente inimputável até completar dezoito
anos. A medida foi adotada pelo Código Penal e depois pela Constituição
Federal em face do que se avaliou como necessário e conveniente, tendo
em vista atender aos interesses do adolescente e da sociedade. (REALE
JUNIOR, 2002, p. 89)
René Ariel Dotti se posiciona no sentido de que não é possível realizar a
redução, como se depreende do trecho:
Estabelece o art. 228 da CF que os menores de dezoito anos são
penalmente inimputáveis, ficando sujeitos apenas às normas da legislação
especial. Tais normas são as constantes da Lei n.° 8.069, de 13.7.1990
(Estatuto da Criança e do adolescente - ECA).
A inimputabilidade assim declarada constitui uma das garantias
fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja
incluída no respectivo Título (II) da Constituição que regula a matéria. Tratase de um dos direitos individuais inerentes à relação do art. 5º,
caracterizando, assim, uma cláusula pétrea.
Consequentemente, a garantia não pode ser objeto de emenda
constitucional visando à sua abolição para reduzir a capacidade penal em
limite inferior de idade - dezesseis anos, por exemplo, como se tem
cogitado. A isso se opõe a regra do §4°, IV, do art. 60 da CF.(DOTTI, 2005,
p. 166)
Desta forma, resta evidenciado que o tema é deveras complexo e ainda divide
opiniões dos mais diversos ramos do direito e nas mais variadas correntes políticas
e sociais.
33
4.2
POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA
MAIORIDADE PENAL
Existe grande divergência na opinião dos doutrinadores sobre este tema, uns
defendem a maioridade aos 18 (dezoito) anos de idade (adeptos ao critério
biológico), outros são adeptos à redução para os 16 (dezesseis) anos (critério
psicológico), que argumentam serem os sujeitos menores capazes, com condições
de discernimento, e possuem maturidade suficiente para responder por seus atos e
cumprir sua pena no sistema carcerário.
André Petry contrário à redução da maioridade penal argumenta que:
[...] Então o Brasil deveria reduzir a idade penal para permitir que
adolescentes possam ser presos como qualquer adulto criminoso? A
resposta parece óbvia, mas não é. Será que simplesmente despachar um
jovem para os depósitos de lixo humano que são as prisões brasileiras
resolveria alguma coisa? Ou apenas saciaria o apetite da banda que rosna
que o bandido não tem direitos humanos? (PETRY, Disponível em
http://veja.abril.com.br/260706/andre_petry.html. Acesso em 20/02/2013)
E ainda Guilherme Simões de Barros argumenta que:
Mandar jovens, menores de 18 anos para os precários presídios e
penitenciárias que misturam presos reincidentes e primários, perigosos ou
não, é o mesmo que graduar e pós-graduar estes jovens no mundo do
crime. Não podemos tratar o jovem delinquente como uma pessoa
irrecuperável e somente querer afastá-lo da sociedade, jogando-o dentro de
um presídio com outros criminosos comuns. Os jovens merecem um
tratamento diferenciado. (BARROS, Guilherme Simões de. Redução da
maioridade penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br> Acesso em
21/03/2013)
Em contrapartida Miguel Reale afirma que:
Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à
imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve
efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade
da consciência delitual resultante dos acelerados processos de
comunicação que caracterizam nosso tempo (REALE, 2002, p.73)
E ainda Kleber Araújo Martins:
A insignificância da punição, certamente, pode trazer consigo o sentimento
de que “o crime compensa”, pois leva o indivíduo a raciocinar da seguinte
34
forma: “É mais vantajoso para mim praticar esta conduta criminosa lucrativa,
pois, se eu for descoberto, se eu for preso, se eu for processado, se eu for
condenado, ainda assim, o máximo que poderei sofrer é uma medida sócioeducativa. Logo, vale a pena correr o risco”.Trata-se, claro, de criação
hipotética, mas não se pode negar que é perfeitamente plausível. (ARAUJO.
Pela redução da maioridade penal para os 16 anos. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br> Acesso em 21/03/2013)
Conforme pode se observar, de fato, a divergência sobre o assunto ainda
impera entre os doutrinadores.
Ainda existem outras correntes, que são a favor do critério biopsicológico,
critério este, que acredita ser necessária uma avaliação do perfil psicológico do
delinquente menor, com o intuito de verificar se este tem ou não o discernimento da
conduta ilícita que praticou; se o resultado for positivo e ficar confirmado que ele tem
o discernimento da ilicitude de sua conduta, este responderia por seus crimes como
adulto, sendo-lhe aplicado o rigor do Código Penal; mas, se não ficar comprovada a
existência da maturidade, a este seria aplicado o Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Resta, portanto evidenciado que a questão ainda divide opiniões, devendo-se,
inclusive enfrentar a questão da constitucionalidade da redução da maioridade
penal.
35
5
CONCLUSÃO
O presente estudo teve como objetivo demonstrar a relevância do tema em
face da atual sociedade.
Utilizou-se uma abordagem histórica com o intuito de mostrar que a criança e
o adolescente eram esquecidos pela sociedade, até a chegada da legislação
específica sobre esta questão.
O principal aspecto do presente estudo foi o de demonstrar que a redução da
maioridade penal não resolveria nada, uma vez que essa decisão apenas
aumentaria o contingente carcerário do sistema prisional que, aliás, já se encontra
bastante complicado. E sendo o adolescente uma pessoa em desenvolvimento não
se pode atribuir-lhe indiscriminadamente a responsabilidade pela prática de um ato
infracional.
Todos os diplomas legais em respeito à criança e adolescente, incluindo os
tratados internacionais, reconhecem que estas necessitam de um regime jurídico
diferenciado, haja vista sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
Por este motivo, o direito compensa essa desigualdade, estabelecendo um
critério diferenciado, uma abordagem especial e atendimento voltado a sua peculiar
condição.
E o Estatuto da Criança e do Adolescente, garante este direito entendendo o
jovem como pessoa em desenvolvimento biopsicossocial, e por este motivo acredita
em seu potencial, em sua capacidade de estabelecer-se como trabalhador e como
cidadão integrante da sociedade. E é por este motivo que a Lei não o criminaliza e
lhe oportuniza a possibilidade de modificar sua conduta, repensar valores e acreditar
em sua capacidade, estimulando-o a criar projetos de vida e que os coloque em
prática.
Logo, conclui-se que, uma alternativa para resolver a questão seria uma
revisão de todo o sistema prisional, simplesmente alterar a Lei, não vai resolver a
questão. É preciso propiciar às crianças e adolescentes educação e valores básicos.
Reduzir a idade penal será um retrocesso; conforme demonstrado no presente
estudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente possui meios eficazes para
ressocializar o menor infrator, basta que estes instrumentos sejam de fato aplicados.
Mas, a melhor alternativa para resolver de fato a questão, seria a medida
preventiva.
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A exclusão social da criança e do adolescente advém de muitos fatores,
todos eles são sempre nocivos e prejudicam a formação do caráter desta pessoa em
desenvolvimento. Dentre eles, podem ser destacados a falta de educação adequada
dos pais, a pobreza em que vivem, a falta de oportunidade de trabalho, precária
política de assistencialismo aos necessitados etc.
O primeiro grupo social que a criança faz parte é a família, e esta
desempenha importante função na formação do menor uma vez que é no convício
com os familiares que se forma a personalidade, a auto imagem, a auto confiança,
enfim, todos os valores que irão definir as relações futuras deste adulto.
O ECA, em seu artigo 4º, estabelece que é dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
E ainda, a criança à medida que vai crescendo, o mundo ao seu redor muda,
e sua relação com ele se altera, e nesse desenvolvimento, o papel da família é
extremamente importante, desta forma, considerar a família como uma unidade
nuclear tradicional já não satisfaz, tendo em vista as diversas variáveis combinadas
para a caracterização da família atual. As alterações ocorridas e que vem ocorrendo
no contexto social e histórico tem acarretado transformações nos diversos padrões
de relacionamento dentro do contexto familiar.
E como se não bastassem, essas mudanças ficam mais evidentes na medida
em que se verifica o declínio do pátrio poder na sociedade. Até meados do século
XIX, o pai ocupava o lugar de destaque, possuindo forte ascendência sobre os filhos
e a mulher. Infelizmente com a evolução da sociedade, a família praticamente
desconstitui-se, observa-se que grande parte dos menores infratores não advém de
uma família constituída, restando comprovada a linha de pensamento que os valores
familiares reduzem a criminalidade que envolve os menores.
Outro fator que contribui para a inclusão social do menor é o acesso à
educação; a escola tem que ser capaz de permitir aos alunos oriundos de famílias
menos estruturadas, a oportunidade de desenvolver plenamente as suas
potencialidades, estimulando estes menores através do esporte, de cursos
profissionalizantes enfim, buscar desenvolver o interesse destas crianças para que
37
ocupem seu dia de maneira saudável, preparando-os para o futuro. Favorecendo o
interesse, a motivação da criança em se aprimorar cada vez mais nos estudos,
privilegiando sua persistência, é claro que para que se alcance esse objetivo se faz
necessário o desenvolvimento de políticas públicas capazes de torná-lo efetivo.
38
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39
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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5ª Ed., São
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40
ANEXO
41
Anexo 1 – COMPARATIVO DA VARIAÇÃO DO LIMITE ETÁRIO NO TEMPO
LEIS
IDADE
Ordenações do Reino - Código Filipino Fixava a imputabilidade em 17 anos.
(1603-1830)
Maioridade plena estabelecida aos 20 anos
(possibilidade de aplicação de pena de
morte dos 17 aos 20 anos).
Código Criminal do Império (1830)
Fixou a imputabilidade em 14 anos,
possibilitando o recolhimento de menores de
14 anos às casas de correção até os 17
anos (aplicação da teoria do discernimento).
Entre 14 e 21 a pena era atenuada
Código Penal da República (Decreto n. 847, Estabeleceu a irresponsabilidade absoluta
de 1890)
aos menores de 9 anos. Entre 9 e 14 anos
havia a possibilidade de aplicação da teoria
do discernimento. Os maiores de 14 anos
poderiam ser recolhidos a estabelecimentos
disciplinares.
Código “Mello Mattos” (Decreto n. 17.943-A, Menores de 14 anos são inimputáveis e
de 1927)
prevê-se a possibilidade de aplicação de
tratamento apropriado ou encaminhamento
a escola de reforma (observados os critérios
abandono/perversão). Entre 14 e 16 anos, o
menor é considerado irresponsável e
instaura-se procedimento para apuração do
fato com possibilidade de aplicação de
medidas de assistência com cerceamento
de liberdade. Entre 16 e 18 anos, é
considerado responsável pelo
crime,
sofrendo as penas do Código Criminal do
Império. As penas privativas de liberdade
são reduzidas de um terço. Menores de 18
anos - abandonados ou delinquentes - têm a
possibilidade de aplicação de medidas de
assistência e proteção de caráter punitivo ou
não punitivo.
Consolidação das Leis Penais (Decreto n. Menores de 14 anos: inimputáveis (art. 27, §
22.213/1932)
Ia). Circunstâncias atenuantes para os
infratores entre 18 e 21 anos.
Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/1940)
Fixou a imputabilidade em 18 anos (art. 27).
Decreto-lei n. 6.026/1943
Manteve a imputabilidade em 18 anos com a
seguinte situação: maiores de 14 anos: a)
possibilidade de internação (observado
periculosidade); a) encaminhamento aos
pais ou internação em instituto de
reeducação
(não
constatada
periculosidade).
Lei n. 5.258/1967
Redução da imputabilidade de 18 para 14
anos aplicando-se a internação (observados
os critérios de periculosidade).
Lei n. 5.439/1968
Revigorou o sistema anterior do Decreto- lei
n. 6.026 de 1943: 18 anos.
42
LEIS
Código de Menores (Lei n. 6.697/1979)
IDADE
Adoção da Doutrina da Situação Irregular.
Seguiu orientação do Código Penal com
relação à imputabilidade: 18 anos.
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. Sobre a imputabilidade, o Estatuto segue a
8.069/1990)
orientação da CF de 1988, que no art. 228
estabeleceu a imputabilidade aos 18 anos.
Divide o atendimento entre crianças (de 0 a
12 anos incompletos) e adolescentes (12 a
18 incompletos), dispondo sobre medidas
protetivas e socioeducativas. Estas, de
natureza penal, admitem a privação parcial
ou total da liberdade pelas medidas de
semiliberdade e internação. O Estatuto
instaura um sistema de responsabilidade
penal “especial” para menores de 18 anos.
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