UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GILDA SALDANHA DA EFETIVIDADE DA MAIORIDADE PENAL CURITIBA 2013 GILDA SALDANHA DA EFETIVIDADE DA MAIORIDADE PENAL Monografia de Conclusão de Curso, apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná – UTP Orientador: Profº: Dálio Zippin Filho CURITIBA 2013 TERMO DE APROVAÇÃO GILDA SALDANHA DA EFETIVIDADE DA MAIORIDADE PENAL Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba________ de __________________ de 2013 __________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenação do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: ______________________________________________________ Prof. Dalio Zippin Filho Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ______________________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ______________________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito DEDICATÓRIA Aos meus pais, Milton e Zilda pela formação moral e pelos valores, que me permitiram chegar até aqui. À minha filha, Camila, pelo apoio e força... Sempre! Ao meu marido pelo amor e incentivo constantes. Muito Obrigada! AGRADECIMENTOS Á todos os professores, em especial ao meu orientador, professor, mestre e acima de tudo amigo, Dalio Zippin Filho, pessoa que admiro e me espelho, buscando um dia chegar ao patamar de integridade e sabedoria em que ele se encontra. “A criminalidade e a violência são frutos da atitude de uma sociedade individualista demais para ver que também é seu dever fazer algo a respeito” Autor Desconhecido RESUMO O presente estudo busca abordar de forma objetiva a controvérsia acerca da efetividade da maioridade penal. No primeiro capítulo introduziu-se o tema buscando enfatizar o Estatuto da Criança e do Adolescente. No segundo capítulo fez-se uma abordagem histórica acerca da legislação penal da infância e da adolescência no Brasil. No terceiro capítulo abordou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma a explicar ao leitor, de forma bastante clara os conceitos, a forma de aplicação bem como as consequências sofridas pelo menor infrator sob a égide desta legislação. No quarto e não menos importante capítulo, estudou-se o que significa a imputabilidade penal, mencionando também os aspectos constitucionais e penais sobre a imputabilidade penal os posicionamentos favoráveis e desfavoráveis à redução da maioridade penal evidenciando que a questão ainda divide opiniões. PALAVRAS-CHAVE: Ato Infracional. Estatuto da Criança e do Adolescente. Inimputabilidade. Medidas Protetivas. Reabilitação. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 8 2 HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PENAL DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA............................. 9 3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/1990)........... 14 3.1 O ATO INFRACIONAL................................................................................... 15 3.2 DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO.................................................................... 17 3.3 DAS MEDIDAS SÓCIO EDUCATIVAS........................................................... 18 3.4 DA ADVERTÊNCIA......................................................................................... 20 3.5 DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO..................................................... 21 3.6 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE............................................ 22 3.7 A LIBERDADE ASSISTIDA............................................................................. 23 3.8 DA SEMILIBERDADE..................................................................................... 23 4 DA IMPUTABILIDADE PENAL...................................................................... 25 4.1 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS................................................. 28 4.1.1 Da Possibilidade de se Reduzir a Maioridade Penal a Luz da Constituição Federal de 1988..........................................................................31 4.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL............................................................................. 33 5 CONCLUSÃO................................................................................................. 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................... 38 ANEXO...................................................................................................................... 40 8 1 INTRODUÇÃO Muito se tem divulgado na mídia, bem como nos corredores do Congresso Nacional, sobre a redução da maioridade penal como a solução para a questão da criminalidade no Brasil. O presente estudo tem por finalidade demonstrar, de forma clara e objetiva a controvérsia existente entre a redução e a manutenção da maioridade penal, abordando os principais aspectos bem como os posicionamentos acerca desta questão. O Código Penal, no artigo 27, bem como a Constituição Federal de 1988, no artigo 228, dispõem que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, determinando, por meio de um critério biológico, que essas pessoas não são capazes de compreender, de modo adequado, o caráter ilícito de suas ações, devendo ser aplicadas as medidas sócio educativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) Porém, não há uma indicação efetiva de que ao se atingir essa idade ocorra uma mudança na capacidade de compreensão do injusto, sendo levado em consideração o limite razoável recomendado pelo Seminário Europeu de Assistência Social das Nações Unidas, de 1949, que estabeleceu este marco etário. Notório é o fato de que, o receio ao encarceramento não impede que indivíduos adultos cometam delitos e, por certo, não será fator de desencorajamento dos mais jovens, não sendo a imputabilidade penal aos menores de dezoito anos garantia de diminuição da criminalidade. Surgiu a necessidade de identificar, juridicamente, a idade cronológica escolhida para o início de imposição de sanção de natureza penal, ou seja, sobretudo o momento legal em que o jovem é chamado a responder criminalmente por seus atos. O objetivo da presente pesquisa é avaliar a eficácia da eleição de dezoito anos, como marco etário na maioridade penal frente aos índices elevados de criminalidade. 9 2 HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO PENAL DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA Os conceitos de infância e de adolescência ou de Direito Penal Juvenil, naturais na linguagem e cultura das sociedades ocidentais e contemporâneas, nem sempre foram compreendidos com o significado que lhes é atribuído a partir da era da modernidade. A categoria infância tal qual compreendemos hoje, portanto em uma abordagem não ontológica, tem uma construção histórica que desenvolveu trajetória semelhante à construção do indivíduo, como o compreendemos na sociedade moderna. Ensina Ana Paula Motta Costa que: Compreender a realidade a partir de seu contexto histórico, para além de crer na possibilidade de reprodução de fatos característicos de épocas passadas, tem a possibilidade de permitir questionar conceitos de épocas passadas, tem a possibilidade de permitir questionar conceitos atuais, vistos em nossos dias como naturais, mas que nem sempre tiveram o mesmo significado. Da mesma forma que a observação de diferentes culturas possibilita a relativização de valores em que se está inserido, a perspectiva histórica permite relativizar crenças e dogmas. (COSTA, p. 47). A idade da chamada responsabilidade penal ou inimputabilidade da criança e do adolescente, alterou-se no decorrer da história, conforme ensina Haim Grunspun (1998, p. 199): “[...] apresentou variações conforme os modelos de cultura e dos fatores demográficos, sobretudo, por que o seu reconhecimento como pessoa humana é fruto do iluminismo.” O Direito Penal lança raízes no Brasil a partir de 1500, com as várias Ordenações do Reino: as Afonsinas, no período colonial da descoberta: as Manoelinas, até 1603; e as Filipinas, até 1830. No Livro V, Título CXXXV, as Ordenações Filipinas1 fixavam a idade de 17 anos para a imputabilidade penal. A maioridade plena era estabelecida aos 20 anos. Dependendo do arbítrio do julgador, entre 17 e 20 anos se levava em conta as circunstâncias do delito, reveladoras ou não da malícia do acusado. Se esta fosse confirmada poderia levar à morte do infrator, se fosse considerada de pouca 1 As Ordenações Filipinas representavam, em plena era das revoluções liberais, a escura sobrevivência de uma visão quase medieval.RIZZINI, Irene. A criança e a lei no Brasil, 1993, p.9. 10 intensidade, o infrator poderia ter a pena reduzida. Se houvesse dolo ou malícia confirmada era condenado como se fosse maior de idade. Segundo Macelo Gantus Jasmim (1981, p. 4); vigorava a Teoria do Discernimento que ”imputava responsabilidade penal ao menor em função de uma pesquisa da sua consciência em relação à pratica da ação criminosa”. O mencionado Código, sancionado por D. Pedro I, manteve a Teoria do Discernimento, conforme dispôs o art. 13: Se provar que os menores de quatorze anos, que tiverem cometido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos às casas de correção, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda a idade de dezessete anos. Além do discernimento, o Código Penal do Império (1830) consagrou a inimputabilidade absoluta de todo jovem com menos de 14 anos, ensina Wilson Donizeti Liberati (2006, p. 39) que: “[...] acima dessa idade, os infratores deveriam ser recolhidos à Casa de Correção pelo tempo que o juiz entendesse necessário”. O infrator tinha pena atenuada, entre 14 e 21 anos de idade, ficando facultado ao juiz, desde que o autor fosse menor de 17 anos, impor-lhe penas mais brandas, em substituição àquelas que seriam originariamente aplicadas aos maiores. No ano de 1890, o Decreto n. 847, de 11 de outubro, institui o Código Penal da República, estabelecendo a irresponsabilidade de pleno direito aos menores de 9 anos. Onde a Teoria do Discernimento ainda permanecia em vigor: entre 9 e 14 anos, se os infratores praticassem o ato sem discernimento, não seriam considerados criminosos. Os maiores de 14 anos que praticassem o ato criminoso com discernimento seriam recolhidos em estabelecimentos disciplinares. Em 1927, foi aprovado o Primeiro Código de Menores, cujo autor era Melo de Matos, um Juiz de Menores, nome pelo qual ficou conhecida a nova lei. Conforme ensina Wilson Donizeti Liberati, citado acima: A questão da inimputabilidade permaneceu inalterada até a promulgação do Decreto nº. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, também conhecido por “Código de Menores Mello Mattos”, que conforme ensina que consolidou toda a legislação de assistência e proteção a menores, até então emanada de Portugal, pelo Império e pela República. (LIBERATI, 2006, p. 41) Importante observar que havia uma vedação expressa no artigo 86, conforme ensina o supracitado autor: 11 Havia, no entanto, vedação expressa, no art. 86, de que nenhum menor de 18 anos, preso, por qualquer motivo, ou apreendido, seria recolhido à prisão comum. Isso significava que o menor apreendido deveria ser colocado em instituições especiais, pelo menos, até o seu julgamento. As exceções estavam no enunciado dos arts. 71 e 87, que previam, respectivamente, a transferência do menor entre 16 e 18 e entre 14 a 18 anos para a prisão de adultos, no caso de intensa gravidade do fato ou de impossibilidade de interná-los em estabelecimentos adequados. (...) É interessante notar que, mesmo em caso de o menor ser absolvido, o juiz poderia: “a) entregar o menor aos pais ou tutor ou pessoa encarregada de sua guarda; b) entregar o menor sob condições, como a submissão ao patronato, a aprendizagem de um ofício ou uma arte, a abstenção de bebidas alcoólicas, a frequência de uma escola, a garantia de um bom comportamento, sob pena de suspensão ou perda do pátrio poder ou destituição da tutela; c) entregar o menor à pessoa idônea ou instituto de educação; e d) sujeitar o menor à liberdade vigiada” (art. 73). (LIBERATI, 2006, p. 43) Sob influencia do Código Criminal do Império (1830) bem como pelo Código Penal da República, a legislação de 1927, privilegiava a internação e/ou institucionalização de crianças e adolescentes menores de 14 anos de idade, mesmo que não tivessem praticado qualquer infração penal. A segregação física e da liberdade era habitual, corriqueira e desprovida das garantias constitucionais, hoje asseguradas pelas disposições contidas no art. 5a, LX da atual Constituição Federal. Cabe salientar que a falta de um propósito garantista de direitos mais amplos e equivalentes ao dos adultos, o direito do menor contemplava certos absurdos jurídicos, tais como: na hipótese de absolvição do adolescente, ele poderia estar sujeito, ainda, ao cumprimento de medidas, como aquelas previstas no art. 73 do Código de Penal1927, acima mencionado. Antonio Tomás Bentivoglio lembra que: O Código de 1927 fixava três limites de idade: 14,16 e 18 anos; até os 14, o menor era considerado inimputável; entre 14 e 16, ele ainda era considerado irresponsável, mas instaurava-se um processo para apurar o fato, ao cabo do qual poder-se-ia aplicar uma medida de assistência, que, por vezes, acarretava o cerceamento à liberdade; entre 16 e 18, o menor podia ser considerado responsável, sofrendo, então penas previstas no Código Penal da República, com a redução de um terço na duração das privativas de liberdade cabíveis ao adulto. (BENTIVOGLIO, 1998, p.13) As medidas aplicadas aos menores abandonados ou delinquentes tinham na verdade, natureza tutelar, sendo seus agentes colocados em entidades protetoras, por períodos, hoje considerados inconstitucionais. 12 No ano de 1940, o Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro, instituiu o Código Penal, que, em seu Título III, firmou a inimputabilidade penal. O art. 27 tratou da desta em razão da idade: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Então, Antonio Tomás Bentivoglio, acima citado, relata que; [...] o Decreto-lei n. 6.026, de 24 de novembro de 1943, dividiu os infratores menores de 18 anos em duas categorias: “a) após os 14, quando no entender do juiz estivesse positivada a periculosidade do menor que praticasse o crime, seria obrigatório o seu internamento, cuja cessação se condicionaria ao desaparecimento da periculosidade. Se não cessasse até o advento da maioridade, o sujeito seria transferido para uma colônia agrícola ou instituto de abrigo, recebendo me¬dida de segurança aplicável a adultos; b) se o infrator contasse com 14 anos e não fosse considerado perigoso, poderia ser entregue aos pais ou responsável, podendo, ainda, ser internado em instituto de reeducação. sem prefixação de tempo. (BENTIVOGLIO, 1998, p.14) O Decreto-lei n. 6.026/1943 foi alterado pela Lei n. 5.258, de 10 de abril de 1967, que estabeleceu que a idade limite da inimputabilidade era de 14 anos. Por outro lado, se o menor que completou 14 anos praticasse um fato tipificado como crime suscetível de pena de detenção, e se fosse abandonado, pervertido ou em perigo de o ser, o juiz poderia interná-lo em estabelecimento adequado, por seis meses no mínimo e, no máximo, até atingir a idade de 21 anos. Entretanto se a maioridade (21 anos) fosse completada e a periculosidade não fosse declarada extinta, o juiz determinaria sua transferência para Colônia Agrícola ou para Instituto de Trabalho, de reeducação ou de ensino profissional ou secção especial de outro estabelecimento, à disposição do Juiz Criminal. Art. 7º No caso do art. 71 do Código de Menores (decreto número 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), o juiz determinará a Internação do menor em seção especial de escola de reforma. [...] § 2º Se o menor completar vinte e um anos, sem que tenha sido revogada a medida de internação, será transferido para colônia agrícola ou para instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, ou seção especial de outro estabelecimento, à disposição do juiz criminal. Com a promulgação do Código Penal e leis posteriores que o modificaram, necessitava-se uma reforma mais efetiva no Código de Menores de 1927, em razão da discrepância na fixação da inimputabilidade. Assim, em 10 de outubro de 1979 a Lei n. 6.697 instituiu o Código de Menores que seguiu o Código Penal, quanto sua 13 orientação em relação à inimputabilidade e, praticamente, não inovou, em relação à condição da criança e do adolescente: continuavam a ser tratados como objetos de ações assistenciais, longe de lhes assegurar a titularidade de seus direitos. Apesar da Convenção sobre os Direitos da Criança ser promulgada no Brasil em 1990, a discussão de seu conteúdo chegou até este país pelos Movimentos Sociais no período da instalação da Assembléia Nacional Constituinte de 1988. Não apenas assegurava os direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988 manteve, no art. 228, a inimputabilidade aos 18 anos, que foi seguida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 104, dispondo que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei”. A divisão etária efetivada pelo Estatuto possibilitou, sobretudo, a diversificação de tratamento penal: as crianças são absolutamente irresponsáveis penalmente, ficando sujeitas somente às medidas de proteção, ao passo que os adolescentes, ao conflitarem com a lei, podem cumprir medidas socioeducativas. As crianças e os adolescentes, que estiveram à parte da cidadania ou da segurança da garantia dos direitos sociais e individuais exercidos pela modernidade, hoje têm no plano normativo seus direitos reconhecidos. No entanto, a dimensão da incerteza contemporânea relativiza estas conquistas, tornando a tarefa de efetivar direitos, para além da superação histórica, a própria superação da nova ordem contemporânea. Portanto, percebe-se que, no Brasil, nem sempre o limite etário foi o mesmo, tendo este variado de 9 a 18 anos. (conforme se observa no quadro em anexo) 14 3 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI 8.069/1990) O supracitado Código de Menores de Mello Matos foi substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069/1990, em função de estar obsoleto face às alterações legislativas sofridas, em especial, com a mudança do Código Penal. Fabiano Genofre aduz que: O Estatuto da Criança e do Adolescente, nada mais fez do que regulamentar e explicar direitos e garantias fundamentais aplicáveis às crianças, oriundos de tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil sempre fora signatário no campo das relações exteriores. (GENOFRE, 2002, p. 440) Uma mudança que se verificou no texto da Lei 8.069/1990 que fora objeto de destaque, foi a supressão da palavra “menor”, considerada como termo menoscabante e capaz de implicar à pessoa uma sensação de que realmente é menor não apenas na idade ou no tamanho, mas sim, como ser humano. Este “personagem” menor de idade que conflita com a lei tem muitas denominações tais como: menor infrator, adolescente infrator, adolescente em conflito com a lei, adolescente autor de ato infracional. Estas denominações, todavia, conduzem a pesquisa para o conceito de adolescente, como sujeito de direitos e de pessoa numa condição especial de desenvolvimento, cujas garantias devem ser asseguradas com absoluta prioridade. Obviamente, essa primeira concepção de adolescente em conflito com a lei, elide a idéia de vítima por práticas sociais criminalizadas. Ensina Wilson Donizeti Liberati que: A leitura da história da criança no Brasil, pelo menos até a promulgação da Constituição Federal de 1988, demonstrou que a condição do adolescente perante o direito estava mais para vítima do que sujeito de direitos. De fato, as políticas públicas de atendimento não tinham clareza quanto à real situação jurídica de crianças e adolescentes: sendo desvalidos, carentes, pobres, abandonados, órfãos ou delinquentes, o “tratamento” era o mesmo para todos. (LIBERATI, 2010, p. 23) Lembra Felício de Araújo Pontes Junior (1992, p. 24) que: “crianças e adolescentes são sujeitos de direitos universalmente conhecidos, não apenas de direitos comuns aos adultos, mas, além desses, de direitos especiais, provenientes 15 de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, que devem ser assegurados pela família, Estado e Sociedade”. Observa-se que as leis devem assegurar a satisfação de todas as necessidades de crianças e adolescentes e não só se manifestar quando ocorre a prática de infração penal. No Brasil, até a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, verificase que a criança e o adolescente não eram considerados sujeitos de direitos. Salienta Wilson Donizeti Liberati, que: A proteção integral dos direitos e a possibilidade jurídica de protagonizar os direitos transformam a criança e o adolescente em titulares absolutos de seus direitos, como parte de um direito especial para uma classe especial de pessoas. Em outras palavras, a criança e o adolescente deixam de ser vítimas sociais para serem protagonistas do direito. A nova legislação, segundo Mário Volpi desjudicializou as situações sociais superando a visão de vítima e preservando, no campo jurídico, somente as questões relativas ao conflito com a lei penal e conflitos de interesses. (LIBERATI, 2010, p. 59) O Estatuto da Criança e do Adolescente, instituiu a doutrina da proteção integral que se situa num processo histórico de confronto de projetos ético-políticos na sociedade brasileira, na medida em que não é fácil sua implementação. Representa um marco no processo de ruptura do Estado em face do poder dominante das elites. 3.1 O ATO INFRACIONAL Nos termos do artigo 103 do ECA: “Considera-se ato infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Por esta definição o legislador materializou a regra constitucional da legalidade ou da anterioridade da lei, segundo a qual só haverá Ato Infracional, se houver uma figura típica penal anteriormente prevista na lei (nullum crimen sine lege). O crime é considerado a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal, ensina Francisco de Assis Toledo que: O crime não pode ser desconsiderado como fato isolado da vida de uma pessoa humana, não podendo ser reproduzido em laboratório ou 16 decomposto em partes distintas nem se apresenta como puro conceito, de modo sempre idêntico e estereotipados. (TOLEDO, 1994, p.314) Já a Contravenção Penal, não recebeu uma definição no sistema penal. Desta tem-se apenas o enunciado no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, segundo o qual a Contravenção é “a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa.” Por costume, a doutrina considera a Contravenção Penal como o ato ilícito menos importante que o crime, diferenciando-a, apenas, quanto ao tipo de pena, ou seja, a conduta infracional praticada por crianças e adolescentes deverá estar adequada àquela figura típica, descrita na lei, como crime ou contravenção penal, tornando o tratamento identificador, tanto para adultos quanto para menores de 18 anos, abolindo a figura dos desvios de conduta, prevista na Lei nº. 6.697/1979, como se o menor de 18 anos não praticasse infrações penais, mas atos anti-sociais, reveladores de uma situação irregular. Assim, se o ato praticado por crianças e adolescentes estiver adequado ao tipo penal, então terão praticado um ato descrito como crime ou contravenção penal ou, como preferiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, um Ato Infracional. O processo penal comum tem como objetivo principal a sanção do infrator; ao adolescente, entretanto, pode-se atribuir responsabilidade com fundamento nas normas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e poderão responder pelos atos infracionais que praticarem, submetendo-se às medidas socioeducativas previstas no art. 112, que prevê a possibilidade de aplicação de advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional ou ainda qualquer uma das previstas no Art. 101, I a VI do ECA. Essa posição é cada vez mais aceita pela doutrina, como acentua João Batista Costa Saraiva: (...) ao contrário do que sofismática e erroneamente se propala, o sistema legal instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente faz estes jovens, entre 12 e 18 anos, sujeitos de direitos e de responsabilidades e, em caso de infração, prevê medidas socioeducativas, inclusive com privação de liberdade (SARAIVA, 2003, p. 108). 17 Em vista do dispositivo constitucional do art. 228, o autor de Ato Infracional, menor de 18 anos, não está fora do alcance do direito penal e, tampouco, sua ação delitiva será mitigada em face da menoridade. Regras especiais, de natureza penal, serão aplicadas em substituição àquelas do direito penal comum. 3.2 DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO A fim de efetivar o amparo aos direitos e o cumprimento dos deveres dos jovens, o Estatuto prevê a aplicação de duas espécies de medidas: as medidas de proteção e as medidas sócio-educativas. As medidas protetivas, previstas no artigo 101 do ECA, são aplicáveis sempre que os direitos fundamentais da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados, bem como nas hipóteses de risco pessoal ou social. Denomina-se desvio de conduta o ato praticado por criança ou o ato praticado pelo adolescente que não seja enquadrado como ato infracional, mas constitua-se apenas de conduta imoral ou que atente aos bons costumes ou à sua condição de pessoa em desenvolvimento. As medidas específicas de proteção são aplicadas nos casos de desvio de conduta e podem, ainda, ser aplicadas cumulativamente às medidas sócioeducativas quando a autoridade judiciária entender pertinente e cabível. Exceto em relação à medida de colocação em família substituta, cuja competência, ê exclusiva do Magistrado, compete aos Conselhos Tutelares a aplicação das medidas de proteção, reservada a competência concorrente ao Juiz de Direito da Infância e da Juventude. Os Conselhos Tutelares, conforme definição do artigo 131 do ECA: “são órgãos permanentes e autônomos, não judiciais, que recebem da sociedade a função de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes”. É composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade para um mandato de três anos, aos quais cabe deliberar pela aplicação de alguma medida de proteção, de forma colegiada, motivada e consignada em ata. Nas palavras de João Batista da Costa Saraiva: Para evitar o arbítrio ou a repetição de equívocos praticados nos velhos Juizados de Menores pelos Conselheiros Tutelares, em nome das garantias 18 procedimentais, haverá de sempre o Colegiado do Conselho fazer constar em ata as decisões e a motivação destas.(SARAIVA, 1999, p.30) Conforme se observa o Estatuto da Criança e do Adolescente aplica-se indistintamente a todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua condição social, econômica ou familiar. 3.3 DAS MEDIDAS SÓCIO EDUCATIVAS As medidas sócio-educativas, são aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei, têm previsão legal e taxativa no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo impostas de acordo com as circunstâncias da gravidade da infração e com os aspectos pessoais e subjetivos do agente, já mencionadas as hipóteses acima.: Para a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se a idade do menor na data do fato, não importando que ele venha a receber a medida sócio-educativa quando já tenha adquirido a maioridade penal, ou complete 18 anos no curso do cumprimento da medida. Ressalte-se que, tanto a criança quanto o adolescente gozam de todas as garantias fundamentais asseguradas aos adultos, levando-se em conta, porém, sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não para privá-las de qualquer benefício da lei, mas para incremento de sua proteção, sob pena de abuso e ilegalidade. Neste sentido, desde o cometimento do ato infracional até o final da execução da medida sócio-educativa, os procedimentos para a imposição de qualquer medida e as garantias processuais estão regidos em linhas gerais no Estatuto da Criança e do Adolescente, prevista a aplicação subsidiária da legislação pertinente (Código de Processo Penal, Código de Processo Civil e princípios dos Tratados ratificados) e da Constituição da República. De acordo com o caput do artigo 112 do ECA, e em atenção à Súmula nº 108, do STJ, apenas a autoridade competente, qual seja, a judiciária, pode aplicar medida sócio-educativa. Para a medida de advertência, basta a prova da materialidade e indícios suficientes de autoria e, no caso da remissão (pelo fato de não implicar 19 reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, bem como não prevalecer para efeito de antecedentes), tais requisitos não são necessários. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê dois grupos distintos de medidas sócio-educativas; as medidas em meio aberto, não privativas de liberdade (advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida) e as medidas privativas de liberdade (semiliberdade e internamento). Além das medidas sócio-educativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, nos artigos 126 a 128, o instituto da remissão como forma de exclusão ou como forma de suspensão ou extinção do processo. Consiste em decisão que não implica reconhecimento de responsabilidade nem prevalece para o efeito de antecedentes, gerando o perdão puro e simples quando a infração cometida é leve e o adolescente é primário, São sopesadas as circunstâncias e consequências do fato, o contexto social em que vive o adolescente, sua personalidade e a participação no ato infracional. Ensina Paulo Afonso Garrido de Paula, a sistemática da remissão: Se do sistema processual penal deflui o princípio da obrigatoriedade de propositura da ação penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao instituir a remissão como forma de exclusão do processo, expressamente adotou o princípio da oportunidade, conferindo ao titular da ação a decisão de invocar ou não a tutela jurisdicional. A decisão nasce do confronto dos interesses sociais e individuais tutelados unitariamente pelas normas insertas no ECA (interessa à sociedade defender-se de atos infracionais, ainda que praticados por adolescentes, mas também lhes interessa proteger integralmente o adolescente, ainda que infrator). Assim, em cada caso concreto, pode o Ministério Público dispor da ação socioeducativa pública através da remissão, concedendo-a como perdão puro e simples, ou, numa espécie de transação, incluir a aplicação de medida não privativa de liberdade, excetuando-se, portanto, a semiliberdade e a internação. Justifica-se a exclusão da ação socioeducativa pública, via remissão como perdão puro e simples, quando o interesse de defesa social assume valor inferior àquele representado pelo custo, viabilidade e eficácia do processo. Assim, as contravenções e infrações leves, atribuídas a adolescentes primários, marcadas pela previsão de dificuldades na coleta da prova, cujo resultado, além de incerto, constituirá mera advertência, podem ser remidas plenamente pelo representante da sociedade. Por que acionar a máquina judiciária em casos de somenos, pugnando por um resultado incerto e, se conseguido, ineficaz como instrumento de proteção dos interesses sociais, de vez que o autor da ofensa à ordem jurídica, adolescente, encontra-se perfeitamente integrado à família e à sociedade? (GARRIDO, 1997, p.558) Duas são as modalidades: uma, de iniciativa do Ministério Público, concedida antes de iniciar o procedimento para a apuração de Ato Infracional, e outra 20 concedida pela autoridade judiciária após iniciado o processo (a qual importará na suspensão ou extinção do processo). A primeira hipótese ocorre antes mesmo de qualquer ato forense e ainda sem a existência formal de processo, quando o adolescente, apreendido em flagrante de Ato Infracional, apreendido por força de ordem judicial ou sob investigação policial em virtude de Boletim de Ocorrência, é encaminhado para oitiva informal perante o Ministério Público. Apresentado o adolescente, juntamente com o Auto de Apreensão, Boletim de Ocorrência ou Relatório Policial e as informações sobre seus antecedentes, o Ministério Público procede sua oitiva e, sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunha. Na sequencia, poderá promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar para que a autoridade judiciária possa aplicar a medida sócio-educativa pertinente. A segunda modalidade de remissão, efetuada a qualquer tempo no curso do procedimento antes da sentença, pode ser concedida como forma de suspensão ou extinção do processo. Neste caso, a competência para concedê-la (cumulada ou não com aplicação de medida sócio- educativa) é da autoridade judiciária, ouvindo o Ministério Público. 3.4 DA ADVERTÊNCIA Regida pelo princípio da mínima intervenção, a advertência é a admoestação verbal, proferida pelo Juiz ao adolescente infrator. Na definição de Tania da Silva Pereira (1996, p. 57) visa: “tornar clara ao adolescente a inadequação de sua conduta, possibilitando-lhe ver seu ato infracional reconhecido como tal por urna autoridade”. Na definição de Alberto Silva Franco: A advertência é, na tipologia das medidas sócio-educativas, uma das mais brandas. Consiste em admoestação verbal, que deve ser reduzida a termo, assinado pela autoridade judiciária, pelo membro do Ministério Público, pelo adolescente e seus pais ou responsáveis. O comparecimento dos pais ou responsáveis não pode ser dispensado, pois o propósito da advertência é justamente o de alertá-los para os riscos do envolvimento de seus filhos em atos infracionais, prevenindo-os de medidas futuras mais graves.(FRANCO, 1995, p. 324) 21 É a mais simples e a mais branda das medidas sócio-educativas do rol do art. 112 do ECA, aplicada somente aos casos em que o adolescente não se encontra comprometido com substâncias entorpecentes, possui estrutura familiar adequada e imposição de limites, bem como conduta pouco inclinada à reincidência. A infração praticada pelo adolescente deve ser de leve potencial ofensivo e constituir-se de algo isolado em seu comportamento. Sua aplicação, apesar de simples, deve revestir-se das formalidades legais; deve ser aplicada pelo Magistrado (que não poderá delegá-la a quem quer que seja), acompanhada pelo Ministério Público, reduzida a termo e assinada pelo adolescente (como forma de ciência) perante seus pais ou responsável. 3.5 DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO Nos termos do artigo 927 do Código Civil, “Aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo” e ainda no artigo 188 mencionado código: “Não constituem atos ilícitos os atos praticados em legítima defesa, no exercício regular de um direito ou quando ocorrer deterioração, destruição de coisa alheia ou lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente”. No âmbito do Direito Civil, ficam os pais ou tutores responsáveis pelos danos decorrentes do ato ilícito dos filhos ou tutelados, portadores de incapacidade absoluta. No caso de incapacidade relativa, os país ou tutores respondem solidariamente. A medida sócio-educativa em questão advém da possibilidade de impor ao adolescente a obrigação de reparar o dano causado à vítima por meio de seu ato infracional, através da restituição da coisa subtraída, pelo ressarcimento do dano ou outra medida compensatória, dentro de sua capacidade e respeitadas as restrições relativas aos trabalhos que pode realizar. Na esfera do Estatuto da Criança e do Adolescente, a obrigação ganha característica especial, conforme alinhava Pedro Luiz de Melo e Valter Salvador Chiamarelli: O interesse precípuo não é reparar o dano das partes, mas sim medida que visa a despertar no menor as consequências do ilícito praticado funcionando como uma das fases do processo reeducativo. Ainda, fará com que seus pais, ou responsável, exerçam maior vigilância sobre os passos do menor. (CHIAMARELLI apud CHAVES, 1997, p. 518) 22 O cunho da medida é essencialmente educativo, no sentido de conscientizar o adolescente de que todo dano causado a outrem deve ser ressarcido e com a finalidade de lhe incutir responsabilidade por seus atos. 3.6 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE O principal objetivo da prestação de serviços à comunidade é conscientizar o jovem da importância do trabalho e do seu papel perante a sociedade, oportunizando a descoberta de suas possibilidades e conhecimentos, fazendo com que se sinta útil. Entretanto, argumenta-se que esse “despertar” só se realiza quando o adolescente pode contar com uma orientação no cumprimento da medida e quando há um envolvimento concreto da sua família e da sua comunidade, sob risco do jovem não entender o seu sentido. Outro ponto relevante é a imposição de responsabilidade ao adolescente, livrando-o da ociosidade e da vida nas ruas. A medida pode ser determinada por período não excedente a seis meses, respeitadas a carga de oito horas semanais e as demais atividades do jovem, como frequência à escola e jornada normal de trabalho. Ensina Roberto João Elias que: Dentro do princípio fundamental da proteção integral, a escola reveste-se de suma relevância, não podendo ser relegada, qualquer que seja o motivo, Há de sempre se recordar que o direito à educação é preceituado pela Constituição Federal, no art. 227, devendo ser assegurado pelo Estado, pela família e pela sociedade. Ademais, se o menor trabalha, há uma presunção de que necessita do salário para subsistir, além do que a própria ocupação é também uma forma de desenvolver plenamente a sua personalidade, Não é sensato, destarte, com a medida em estudo, prejudicar seu horário de trabalho normal (ELIAS, 2010, p. 89). A prestação dos serviços será acompanhada pela autoridade judiciária, através de relatório periódico da entidade beneficiada. Em observância ao artigo 112, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, trata-se de medida opcional ao adolescente, uma vez que ele não pode ser compelido a trabalhar. 23 3.7 A LIBERDADE ASSISTIDA Prevista nos artigos 118 e 119 do ECA, é aplicável aos adolescentes reincidentes nas infrações consideradas leves, aos adolescentes que cometeram infração grave, mas cujo estudo social concluiu pela manutenção do convívio familiar e aos adolescentes que, cumprindo medida de semiliberdade ou internação, demonstram recuperação parcial e condições de conviver em sociedade. Não pode ser confundida com a antiga liberdade vigiada do Código de Menores, uma vez que tem a finalidade de acompanhar, orientar e auxiliar o adolescente infrator no caminho de sua ressocialização através de um orientador designado pela autoridade judicial (o qual pode pertencer ao quadro de servidores do Juizado da Infância e da Juventude ou ser recrutado através de entidade ou programa de atendimento). A liberdade encaminhamento à assistida pode instituição de englobar ensino, medidas tratamento protetivas para como drogadição e encaminhamento a cursos profissionalizantes, uma vez que busca apoio e assistência e não vigilância e controle, O prazo mínimo previsto no art. 118, § 2º do ECA, é de seis meses, prorrogável e substituível quando conveniente para o desenvolvimento do jovem, Pode ser revogada a qualquer tempo, caso torne-se desnecessária, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. 3.8 DA SEMILIBERDADE Prevista no artigo 120 do ECA, é medida mais branda do que a internação, visto que não priva totalmente o adolescente de sua liberdade, possibilitando que realize atividades externas, sem escolta, independentemente de autorização judicial. O trabalho e o estudo externos são uma maneira de integrar o jovem mais rapidamente ao convívio social. Situada entre a internação e as medidas de meio aberto, consiste em “abrigar” o adolescente infrator que cometeu ato infracional que não se enquadra nas possibilidades de internação ou ainda, aplicável aos casos de transição do regime de internação para o meio aberto, Tem o caráter de possibilitar ao 24 adolescente a convivência em um ambiente semelhante a uma casa e a realização de atividades externas. Não há privação de liberdade em sentido estrito. Salienta-se que as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente não possuem caráter punitivo, mas visam uma readaptação da conduta do jovem a partir da educação, da aplicação de técnicas pedagógicas que propiciem seu crescimento e seu aprimoramento como pessoa, 25 4 DA IMPUTABILIDADE PENAL Imputabilidade é a possibilidade de atribuir a alguém a responsabilidade por algo. Diz respeito à capacidade mental do indivíduo em entender os seus atos e de se comportar conforme este entendimento. Luiz Regis Prado aduz que: Imputabilidade é o elemento intelectual da reprovabilidade, sendo a consciência ou o conhecimento atual ou possível da ilicitude da conduta. Trata-se, então da possibilidade de o agente poder conhecer o caráter ilícito de sua ação. Não se trata de um conhecimento atual e efetivo do dever jurídico concreto de omitir a realização do fato concreto, mas no seu conhecimento potencial, as sua cognocidade de uma capacidade do seu conhecimento. (PRADO, 2010, p. 379 Desta forma, caso o indivíduo não tenha condições psíquicas de compreender a ilicitude de seu ato ou de se comportar de acordo com este, não será digno de censura, e é exatamente nestas hipóteses que se fala em inimputabilidade. Ou seja: se o indivíduo possui capacidade plena, será imputável; se não possui capacidade alguma será inimputável, se possui capacidade relativa, será semi imputável, c Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Observa-se claramente no citado artigo, que o critério adotado pelo Código penal para definição da capacidade do sujeito foi o biopsicológico, ou seja é aquele que hora leva em conta fatores de cunho orgânico, e hora leva em conta os fatores psíquicos; ou seja leva em conta tanto as causas quanto os efeitos. Dito isto, é possível elencar as seguintes causas de imputabilidade: a embriaguez (completa e acidental), o desenvolvimento mental incompleto (pessoas que possuem valores diferentes dos constantes na sociedade, como por exemplo o indígena) e a menoridade (menor infrator), objeto de estudo do capítulo que ora se apresenta. A questão do menor infrator é uma preocupação social cuja solução não é simples, Renata Ceschin Malfi de Macedo: 26 A revogação da imputabilidade penal aos menores de 18 anos é assunto extremamente atual e que gera polêmica, na medida em que está sendo apresentada como solução para o problema da violência urbana, em decorrência, sobretudo, do entendimento de insegurança da população ante a ineficácia do poderes públicos no combate e repressão da criminalidade (MACEDO, 2008, p. 185) Contudo, é importante observar que a redução da maioridade penal não é tão simples de ser efetivada. Nesse sentido, continua Renata Ceschin Malfi de Macedo: Apesar da problemática da violência juvenil trazer à tona a preocupação da sociedade, a necessidade de diminuir a idade para a responsabilização criminal é questionada, argumentando-se que as medidas sócio educativas existentes seriam eficazes se aplicadas adequadamente, respeitando-se os direitos humanos e a condição do adolescente como ser em desenvolvimento, capaz de reverter sua agressividade se bem orientado e auxiliado por profissionais competentes. (MACEDO, 2008, p. 185) Como observam Eros Grau e Godoffredo Telles Júnior : “O Direito Penal está sendo visto como uma solução para a diminuição da criminalidade. Mas encarcerar os adolescentes menores de dezoito anos não implicará, ao contrário do que se diz atualmente, redução significativa da criminalidade”. E continua Grau e Telles Júnior (2003, p. 114): A pena privativa de liberdade teve, ao longo dos últimos séculos, a sua eficácia contestada e, atualmente, revela-se prática inócua, dados os seus apoucados resultados. Os presídios brasileiros são verdadeiras "fábricas de criminosos", ambientes onde se praticam graves violações de Direitos Humanos. Resumindo, não cumprem o papel que lhes foi atribuído ressocializar o condenado, tornando o egresso apto ao convívio social. (GRAU E TELLES JUNIOR, 2003, p. 114). Ainda segundo Grau e Telles, a proposição de redução da maioridade penal não trará nenhum benefício à sociedade, além de ser flagrantemente inconstitucional: É um ardil, uma afronta ao Estado Democrático de Direito. Submeterá nossos jovens, caso se chegue ao despautério de ser aprovada, a tratamento cruel e degradante, porque os colocará em contato com criminosos adultos, sem nenhum critério e desconsiderando características individuais e peculiaridades decorrentes de seu desenvolvimento físico e mental incompleto (GRAU; TELLES JUNIOR, 2003, p. 115). É importante observar que o Código Penal, na questão da menoridade penal, não considera a questão do discernimento. De acordo com Heleno Cláudio Fragoso 27 (2006, p. 241), “a lei vigente adotou a expressão correta, imputabilidade penal”. Mas, o estabelecimento dos sistemas para fixar a menoridade penal é balizado pelos seguintes sistemas: sistema biológico; sistema psicológico; e sistema biopsicológico. Renata Ceschin Malfi de Macedo apud Heleno Claudio Fragoso mencionam que: A imputabilidade penal é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Em suma, é a capacidade genérica de entender e querer, ou seja de entendimento da antijuridicidade de seu comportamento e de autogoverno, que tem o maior de 18 anos. Responsabilidade penal é o dever jurídico de responder pela ação delituosa que recai sobre o agente imputável. (MACEDO, 2008, p. 175) Observa-se que o Direito Penal brasileiro considera a imputabilidade pelo simples fato de ser o agente menor de dezoito anos, ou seja, apenas pelo sistema biológico. É o que Bitencourt (2008, p. 307) denomina de "falta de maturidade penal e, por consequência, incapacidade de culpabilidade”. A Lei Penal brasileira, quanto ao critério de menoridade, adotou um critério puramente biológico, não considerando o desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito à sanção penal. Ensina ainda Renata Ceschin Malfi de Macedo que [...] não e questiona se o jovem de dezoito anos possui ou não o discernimento de seus atos. Em função do critério de idade, considera-se sua personalidade como não amadurecida e se presume sua incapacidade psíquica de entender o caráter ilícito do fato de determinar-se de acordo com este entendimento. (MACEDO, 2008, p. 201) Conforme se observa trata-se de um critério bastante impreciso, que dá margens para abusos, na medida em que não afere se há um não uma causa patológica ou psicológica que tenha determinado a ausência de capacidade intelectiva e volitiva do agente. Para Francesco Carrara (2002, p. 170) (sic), “Trata-se de um critério perigoso, visto deixar nas mãos do julgador (demasiado arbítrio judicial) a verificação do discernimento”. Associar adolescência e criminalidade é exclusividade das sociedades com acentuadas desigualdades sociais e em que as políticas governamentais não 28 conseguem garantir os direitos sociais fundamentais, em que pese se esforcem para tanto. O ônus desta falha acaba recaindo sobre as crianças e adolescentes. Mesmo em sociedades caracterizadas por elevados indicadores de desenvolvimento humano, a preocupação com o envolvimento das crianças e dos adolescentes com o mundo do crime não é recente. Em função desta situação, doutrinadores constitucionalistas defendem que a maioridade penal foi inserida no contexto das cláusulas pétreas elencadas no artigo 60 § 4º. IV da Constituição Federal de 1988, que prevê a impossibilidade de emenda constitucional sob alguns aspectos, inclusive àqueles que tangenciam com os direitos e garantias individuais, a saber: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (grifo meu) Conforme se observa, apesar de não constar entre os dispositivos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que trata dos direitos e garantias fundamentais, é sabido que o referido artigo não apresenta um rol exaustivo e taxativo de tais garantias, admitindo-se assim que as mesmas estejam espalhadas ao longo da Constituição, que é o caso do artigo 228 da (CF/88), que trata especificamente da maioridade penal. 4.1 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E PENAIS A Constituição, como marco de todo ordenamento jurídico, irradia sua força normativa para todos os setores do Direito. Entretanto, tem ela particular e definitiva influência na seara penal. Isso por que cabe ao Direito Penal a proteção de bens e valores essenciais à livre convivência e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, inseridos na Lei Fundamental, em determinada época e espaço territorial. A relação entre a 29 Constituição e o subsistema penal é tão estreita que o bem jurídico-penal tem naquela suas raízes materiais. Ao fixar a maioridade penal aos 18 anos, legislador constituinte deixou clara a sua opção pelo critério biológico, tendo definido-o como marco divisório para a capacidade de discernimento e, portanto, de responsabilização, estabelecendo em caráter absoluto que aqueles que se encontrem abaixo de tal patamar não serão penalmente responsáveis por suas condutas que violem o ordenamento jurídico penal, em razão da reduzida capacidade de compreensão de sua conduta. Tal configuração se originou no artigo 228 da Constituição Federal de 1988: “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos sujeitos às normas da legislação especial”. A evolução da sociedade nas últimas décadas faz uma parcela significativa da doutrina partilhar do mesmo entendimento conforme entende Carlos Eduardo Barreiros Rebelo: Poderão haver pessoas com a mesma idade cronológica contudo, com capacidade de entendimento diversas, a ensejar responsabilização também diferenciada. Trata-se do critério bioetário ou biopsicológico. Inegável que nosso país com dimensões continentais não poderá ter uma idade fixada cronologicamente para todos seus rincões, uma vez que não se compara o jovem de 15 anos de um grande centro, sujeito a todos os apelos tecnológicos, com um jovem de 15 anos nascido e criado nos bastidores do país, que não tem acesso a qualquer meio de informação, por exemplo, cortando cana de sol-a-sol, inegável que ambos trazem gigantesca diferença de compreensão, somente sanável por um exame apurado, jamais pela maioridade cronológica, que os iguala injustamente. (REBELO, 2010, p. 65) Os princípios constitucionais são o pilar da ordem jurídica, uma vez que representam os valores supremos eleitos pela sociedade tendo como característica principal o caráter de normatividade, de forma que são compreendidos como sendo uma espécie de norma jurídica, ladeando com as assim chamadas, regras jurídicas. Ensina Mônia Clarissa Leal que: Pode-se afirmar, então, que os princípios são os elementos que expressam os fins que devem ser perseguidos pelo Estado (em sua acepção mais ampla), vinculando a todos os entes e valendo como um impositivo para o presente e como um projeto para o futuro que se renova cotidianamente. (LEAL, 2003, p. 49-50) 30 Um dos princípios que norteiam o tema da presente pesquisa é o da imputabilidade, que tem como conceito, nas palavras de Luiz Régis Prado (2010, p. 376) “[...] conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento”. Conforme já se observou a menoridade é uma das causas de exclusão da imputabilidade, conforme elucida o artigo 27 do Código Penal (consagra-se aqui o princípio da Inimputabilidade absoluta por presunção), com fulcro no critério biológico da idade do agente, e que, a partir da Constituição Federal de 1988, tem assento constitucional (o supramencionado artigo 228, da Constituição Federal). Porém, ficam os menores de 18 anos sujeitos às disposições específicas do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 104, Lei nº 8.069/1990.” Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Salienta-se que para os efeitos desta Lei, deve considera-se a idade do adolescente à data do fato. Esse diploma legal prevê, no caso de ato infracional (crime ou contravenção penal) praticado por criança ou adolescente, medidas de proteção genéricas elencadas no artigo 98 do ECA: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta. Já as medidas específicas encontram-se no artigo 101 do ECA Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII- Vetado 31 VII- Vetado VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. E o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda estabelece, para o adolescente, medidas sócio educativas constantes no artigo 112, ECA. Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Se o menor já tem 18 anos, mas ainda não atingiu os 21, faz jus à atenuação da pena (artigo 65, I, 1ª parte, CP) e à redução do prazo prescricional. O Estatuto da Criança e do Adolescente será objeto de um estudo pormenorizado no próximo capítulo do presente estudo. 4.1.1 Da Possibilidade de se Reduzir a Maioridade Penal a Luz da Constituição Federal de 1988 As cláusulas pétreas representam limitações materiais ao poder de reforma da Constituição Federal de 1988, elencando uma série de matérias que não serão sequer passíveis de propostas de Emenda Constitucional tendentes à sua abolição, nos termos do artigo 60, § 4º, CF. A discussão principal, no caso da maioridade penal, seria de saber se, caso fosse aprovada a redução, haveria uma tendência à abolição de tal direito individual e, porque não dizer, fundamental. Trata-se de questão controversa, podendo ser mencionados dois posicionamentos antagônicos acerca do tema. Pedro Lenza filia-se à posição que sustenta não ser inconstitucional a redução, conforme se depreende da seguinte lição: Neste ponto resta saber: eventual EC que reduzisse, por exemplo, de 18 para 16 anos, a maioridade penal violaria a cláusula pétrea do direito e garantia individual (art. 60 §4°, IV)? 32 [...] Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir. A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania, podendo propor a ação popular e votar. Portanto, em nosso entender, eventual PEC que reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos é totalmente constitucional. O limite de 16 anos já está sendo utilizado e é fundamentado no parâmetro do exercício do direito de votar e à luz da razoabilidade e maturidade do ser humano. (LENZA, 2008, p. 762) No mesmo sentido é a posição de Miguel Reale Júnior: Há em tramitação no Congresso Nacional diversas propostas de emenda constitucional, propondo de diversas formas, a redução da menoridade penal. Entendo absolutamente inconveniente a alteração por razões de política criminal, mas não considero as propostas inconstitucionais por ferir regra pétrea da Constituição, consoante o art. 60, IV, da Constituição Federal, e, por conseguinte insuscetível de ser abolida. Entendo que não constitui regra pétrea não por não estar o dispositivo incluído no artigo 5o da Constituição Federal, referente aos direitos e garantias individuais mencionados no art. 60, IV, da Constituição. Não é a regra do art. 228 da Constituição Federal regra pétrea, pois não se trata de um direito fundamental ser reputado penalmente inimputável até completar dezoito anos. A medida foi adotada pelo Código Penal e depois pela Constituição Federal em face do que se avaliou como necessário e conveniente, tendo em vista atender aos interesses do adolescente e da sociedade. (REALE JUNIOR, 2002, p. 89) René Ariel Dotti se posiciona no sentido de que não é possível realizar a redução, como se depreende do trecho: Estabelece o art. 228 da CF que os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos apenas às normas da legislação especial. Tais normas são as constantes da Lei n.° 8.069, de 13.7.1990 (Estatuto da Criança e do adolescente - ECA). A inimputabilidade assim declarada constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título (II) da Constituição que regula a matéria. Tratase de um dos direitos individuais inerentes à relação do art. 5º, caracterizando, assim, uma cláusula pétrea. Consequentemente, a garantia não pode ser objeto de emenda constitucional visando à sua abolição para reduzir a capacidade penal em limite inferior de idade - dezesseis anos, por exemplo, como se tem cogitado. A isso se opõe a regra do §4°, IV, do art. 60 da CF.(DOTTI, 2005, p. 166) Desta forma, resta evidenciado que o tema é deveras complexo e ainda divide opiniões dos mais diversos ramos do direito e nas mais variadas correntes políticas e sociais. 33 4.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Existe grande divergência na opinião dos doutrinadores sobre este tema, uns defendem a maioridade aos 18 (dezoito) anos de idade (adeptos ao critério biológico), outros são adeptos à redução para os 16 (dezesseis) anos (critério psicológico), que argumentam serem os sujeitos menores capazes, com condições de discernimento, e possuem maturidade suficiente para responder por seus atos e cumprir sua pena no sistema carcerário. André Petry contrário à redução da maioridade penal argumenta que: [...] Então o Brasil deveria reduzir a idade penal para permitir que adolescentes possam ser presos como qualquer adulto criminoso? A resposta parece óbvia, mas não é. Será que simplesmente despachar um jovem para os depósitos de lixo humano que são as prisões brasileiras resolveria alguma coisa? Ou apenas saciaria o apetite da banda que rosna que o bandido não tem direitos humanos? (PETRY, Disponível em http://veja.abril.com.br/260706/andre_petry.html. Acesso em 20/02/2013) E ainda Guilherme Simões de Barros argumenta que: Mandar jovens, menores de 18 anos para os precários presídios e penitenciárias que misturam presos reincidentes e primários, perigosos ou não, é o mesmo que graduar e pós-graduar estes jovens no mundo do crime. Não podemos tratar o jovem delinquente como uma pessoa irrecuperável e somente querer afastá-lo da sociedade, jogando-o dentro de um presídio com outros criminosos comuns. Os jovens merecem um tratamento diferenciado. (BARROS, Guilherme Simões de. Redução da maioridade penal. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br> Acesso em 21/03/2013) Em contrapartida Miguel Reale afirma que: Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo (REALE, 2002, p.73) E ainda Kleber Araújo Martins: A insignificância da punição, certamente, pode trazer consigo o sentimento de que “o crime compensa”, pois leva o indivíduo a raciocinar da seguinte 34 forma: “É mais vantajoso para mim praticar esta conduta criminosa lucrativa, pois, se eu for descoberto, se eu for preso, se eu for processado, se eu for condenado, ainda assim, o máximo que poderei sofrer é uma medida sócioeducativa. Logo, vale a pena correr o risco”.Trata-se, claro, de criação hipotética, mas não se pode negar que é perfeitamente plausível. (ARAUJO. Pela redução da maioridade penal para os 16 anos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br> Acesso em 21/03/2013) Conforme pode se observar, de fato, a divergência sobre o assunto ainda impera entre os doutrinadores. Ainda existem outras correntes, que são a favor do critério biopsicológico, critério este, que acredita ser necessária uma avaliação do perfil psicológico do delinquente menor, com o intuito de verificar se este tem ou não o discernimento da conduta ilícita que praticou; se o resultado for positivo e ficar confirmado que ele tem o discernimento da ilicitude de sua conduta, este responderia por seus crimes como adulto, sendo-lhe aplicado o rigor do Código Penal; mas, se não ficar comprovada a existência da maturidade, a este seria aplicado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Resta, portanto evidenciado que a questão ainda divide opiniões, devendo-se, inclusive enfrentar a questão da constitucionalidade da redução da maioridade penal. 35 5 CONCLUSÃO O presente estudo teve como objetivo demonstrar a relevância do tema em face da atual sociedade. Utilizou-se uma abordagem histórica com o intuito de mostrar que a criança e o adolescente eram esquecidos pela sociedade, até a chegada da legislação específica sobre esta questão. O principal aspecto do presente estudo foi o de demonstrar que a redução da maioridade penal não resolveria nada, uma vez que essa decisão apenas aumentaria o contingente carcerário do sistema prisional que, aliás, já se encontra bastante complicado. E sendo o adolescente uma pessoa em desenvolvimento não se pode atribuir-lhe indiscriminadamente a responsabilidade pela prática de um ato infracional. Todos os diplomas legais em respeito à criança e adolescente, incluindo os tratados internacionais, reconhecem que estas necessitam de um regime jurídico diferenciado, haja vista sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Por este motivo, o direito compensa essa desigualdade, estabelecendo um critério diferenciado, uma abordagem especial e atendimento voltado a sua peculiar condição. E o Estatuto da Criança e do Adolescente, garante este direito entendendo o jovem como pessoa em desenvolvimento biopsicossocial, e por este motivo acredita em seu potencial, em sua capacidade de estabelecer-se como trabalhador e como cidadão integrante da sociedade. E é por este motivo que a Lei não o criminaliza e lhe oportuniza a possibilidade de modificar sua conduta, repensar valores e acreditar em sua capacidade, estimulando-o a criar projetos de vida e que os coloque em prática. Logo, conclui-se que, uma alternativa para resolver a questão seria uma revisão de todo o sistema prisional, simplesmente alterar a Lei, não vai resolver a questão. É preciso propiciar às crianças e adolescentes educação e valores básicos. Reduzir a idade penal será um retrocesso; conforme demonstrado no presente estudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente possui meios eficazes para ressocializar o menor infrator, basta que estes instrumentos sejam de fato aplicados. Mas, a melhor alternativa para resolver de fato a questão, seria a medida preventiva. 36 A exclusão social da criança e do adolescente advém de muitos fatores, todos eles são sempre nocivos e prejudicam a formação do caráter desta pessoa em desenvolvimento. Dentre eles, podem ser destacados a falta de educação adequada dos pais, a pobreza em que vivem, a falta de oportunidade de trabalho, precária política de assistencialismo aos necessitados etc. O primeiro grupo social que a criança faz parte é a família, e esta desempenha importante função na formação do menor uma vez que é no convício com os familiares que se forma a personalidade, a auto imagem, a auto confiança, enfim, todos os valores que irão definir as relações futuras deste adulto. O ECA, em seu artigo 4º, estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. E ainda, a criança à medida que vai crescendo, o mundo ao seu redor muda, e sua relação com ele se altera, e nesse desenvolvimento, o papel da família é extremamente importante, desta forma, considerar a família como uma unidade nuclear tradicional já não satisfaz, tendo em vista as diversas variáveis combinadas para a caracterização da família atual. As alterações ocorridas e que vem ocorrendo no contexto social e histórico tem acarretado transformações nos diversos padrões de relacionamento dentro do contexto familiar. E como se não bastassem, essas mudanças ficam mais evidentes na medida em que se verifica o declínio do pátrio poder na sociedade. Até meados do século XIX, o pai ocupava o lugar de destaque, possuindo forte ascendência sobre os filhos e a mulher. Infelizmente com a evolução da sociedade, a família praticamente desconstitui-se, observa-se que grande parte dos menores infratores não advém de uma família constituída, restando comprovada a linha de pensamento que os valores familiares reduzem a criminalidade que envolve os menores. Outro fator que contribui para a inclusão social do menor é o acesso à educação; a escola tem que ser capaz de permitir aos alunos oriundos de famílias menos estruturadas, a oportunidade de desenvolver plenamente as suas potencialidades, estimulando estes menores através do esporte, de cursos profissionalizantes enfim, buscar desenvolver o interesse destas crianças para que 37 ocupem seu dia de maneira saudável, preparando-os para o futuro. Favorecendo o interesse, a motivação da criança em se aprimorar cada vez mais nos estudos, privilegiando sua persistência, é claro que para que se alcance esse objetivo se faz necessário o desenvolvimento de políticas públicas capazes de torná-lo efetivo. 38 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Kleber Martins. Pela redução da maioridade penal para os 16 anos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br> Acesso em 21/03/2013. BARROS, Guilherme Simões de. Redução da Maioridade Penal. Disponível em: http://jus2.uol.com.br Acesso em 15/03/2013. BITENCOURT, Cesar Roberto. Manual de Direito Penal – Parte Geral, 4ª ed. São Paulo Revista dos tribunais, 1997. BENTIVOGLIO, Antonio Tomás, Redução da Maioridade Penal, in Revista Infância e Cidadania, vol. 2. Inoradopt, São Paulo: 1998. BRASIL, Constituição da República Federativa do. Brasília: Senado, 2003. _______, Código Penal. Colaboração de Antonio L. de Toledo Pinto, Márcia V. dos Santos Wíndt e Lívia Céspedes. 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Entre 9 e 14 anos havia a possibilidade de aplicação da teoria do discernimento. Os maiores de 14 anos poderiam ser recolhidos a estabelecimentos disciplinares. Código “Mello Mattos” (Decreto n. 17.943-A, Menores de 14 anos são inimputáveis e de 1927) prevê-se a possibilidade de aplicação de tratamento apropriado ou encaminhamento a escola de reforma (observados os critérios abandono/perversão). Entre 14 e 16 anos, o menor é considerado irresponsável e instaura-se procedimento para apuração do fato com possibilidade de aplicação de medidas de assistência com cerceamento de liberdade. Entre 16 e 18 anos, é considerado responsável pelo crime, sofrendo as penas do Código Criminal do Império. As penas privativas de liberdade são reduzidas de um terço. Menores de 18 anos - abandonados ou delinquentes - têm a possibilidade de aplicação de medidas de assistência e proteção de caráter punitivo ou não punitivo. Consolidação das Leis Penais (Decreto n. Menores de 14 anos: inimputáveis (art. 27, § 22.213/1932) Ia). Circunstâncias atenuantes para os infratores entre 18 e 21 anos. Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/1940) Fixou a imputabilidade em 18 anos (art. 27). Decreto-lei n. 6.026/1943 Manteve a imputabilidade em 18 anos com a seguinte situação: maiores de 14 anos: a) possibilidade de internação (observado periculosidade); a) encaminhamento aos pais ou internação em instituto de reeducação (não constatada periculosidade). Lei n. 5.258/1967 Redução da imputabilidade de 18 para 14 anos aplicando-se a internação (observados os critérios de periculosidade). Lei n. 5.439/1968 Revigorou o sistema anterior do Decreto- lei n. 6.026 de 1943: 18 anos. 42 LEIS Código de Menores (Lei n. 6.697/1979) IDADE Adoção da Doutrina da Situação Irregular. Seguiu orientação do Código Penal com relação à imputabilidade: 18 anos. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. Sobre a imputabilidade, o Estatuto segue a 8.069/1990) orientação da CF de 1988, que no art. 228 estabeleceu a imputabilidade aos 18 anos. Divide o atendimento entre crianças (de 0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 18 incompletos), dispondo sobre medidas protetivas e socioeducativas. Estas, de natureza penal, admitem a privação parcial ou total da liberdade pelas medidas de semiliberdade e internação. O Estatuto instaura um sistema de responsabilidade penal “especial” para menores de 18 anos.