GOMOSE DA CANA-DE-AÇÚCAR NO BRASIL Irene Maria Gatti de Almeida Instituto Biológico, Centro Experimental Central do Instituto Biológico, CP 70, CEP 13001-970, Campinas, SP, Brasil. Fone: (19) 3253-2112. E-mail: [email protected] Histórico A gomose da cana-de-açúcar, causada por Xanthomonas axonopodis pv. vasculorum (sin.: X campestris. pv. vasculorum), juntamente com o raquitismo das soqueiras e escaldadura das folhas, é uma importante doença bacteriana da cultura. Ela foi a primeira doença bacteriana de vegetais descrita no mundo, numa época em que não se concebia que bactérias pudessem causar doenças em plantas. Observada pela primeira vez no Brasil em 1863 no Estado da Bahia, ela foi descrita também no Estado de Pernambuco em 1880 causando grandes prejuízos. O principal sintoma da doença era a produção de uma substância amarelada que exsudava do colmo das plantas doentes quando cortado transversalmente. Essa substância, denominada goma, causava sérios problemas durante o processamento dos colmos para a obtenção do açúcar. Além disso, as plantas doentes morriam precocemente. Portanto, além das perdas na grande lavoura, a doença também causava prejuízos nos engenhos. Sua importância foi tão grande que, quando da sua primeira constatação, foi trazido para o Brasil um cientista alemão, F.M. Draenert, especialmente para estudar essa doença, sendo que os resultados de seus estudos foram publicados em 1869. Com a substituição das variedades em uso naquela época por outras mais resistentes, a doença deixou de ser problema em nosso país e não foram mais observados casos da doença. Entretanto, é importante salientar que a identificação da doença se deu apenas por sintomas, sem o isolamento do agente causal e, portanto, sem preencher os postulados de Koch. Em 1989, de plantas de cana-de-açúcar com sintomas de estrias vermelhas nas folhas, foram obtidos isolados bacterianos que se mostraram patogênicos à cana-de-açúcar. Essa bactéria foi identificada como pertencente ao gênero Xanthomonas, grupamento campestris. Apesar de testes bioquímicos e culturais indicarem que os isolados bacterianos pertenciam ao patovar vasculorum, a sua identificação em nível de patovar não pode ser conclusiva uma vez que a presença de goma nos colmos não foi observada. A comprovação da classificação dessa bactéria, que a partir de 1989 vem sistematicamente sendo isolada de amostras de variedades comerciais com sintomas de estrias avermelhadas, foi feita através de técnicas moleculares 18 de hibridização DNA-DNA, tendo os isolados brasileiros apresentado 100% de homologia com os isolados de X. axonopodis pv. vasculorum, incluindo a linhagem tipo. A confirmação de X. axonopodis pv. vasculorum causando sintomas de estrias foliares avermelhadas em cana-de-açúcar, sugere que essa bactéria vem ocorrendo no Brasil por muito tempo e sua presença não tinha sido detectada devido aos sintomas serem muito semelhantes aos da “Estria Vermelha”, causada por Acidovorax avenae subsp. avenae (sin.: Pseudomonas rubrilineans). Sintomatologia Os sintomas iniciais são de estrias avermelhadas que acompanham longitudinalmente o comprimento das folhas. As estrias atingem seu máximo desenvolvimento nas folhas maduras. Nas variedades suscetíveis, essas estrias podem atingir o colmo, tornando-se sistêmicas. Essas estrias normalmente se iniciam na margem das folhas e se dirigem para a nervura central. Geralmente são uniformes, com 3-6 mm de largura. O comprimento varia de poucos milímetros até a extensão total da folha. Elas praticamente desaparecem durante períodos secos, após a queda das folhas com a idade. Estrias vermelhas, estreitas, curtas, bem definidas podem ser obnservadas nas infecções sistêmicas e, neste caso, são muito semelhantes àquelas da doença denominada Estria Vermelha, causada por Acidovorax avenae subsp. avenae. Clorose das folhas, lembrando sintomas da fase aguda de “Escaldadura das Folhas”, também pode ocorrer e, em alguns casos, provocar a morte do broto terminal. Mas o sintoma mais importante e produzido unicamente por essa bactéria é a exsudação de goma das extremidades dos colmos de plantas suscetíveis doentes, quando cortados transversalmente. Transmissão A infecção primária ocorre pelo plantio de toletes doentes ou pela contaminação de toletes sadios pelo uso de podões contaminados. As plantas resultantes da germinação dos toletes contaminados poderão se apresentar aparentemente sadias, com bom desenvolvimento, ou cloróticas, sem vigor, caso as condições ambientais sejam ou não favoráveis ao seu desenvolvimento. O tolete contaminado é a maneira mais eficiente de disseminação da doença a longas distâncias. Implementos agrícolas, veículos de transporte, trabalhadores e animais podem carregar o patógeno de um campo para o outro dentro de uma mesma propriedade. Portanto, a colheita mecânica pode ser muito importante como agente disseminador da doença. Além disso, o trânsito de canas infectadas pelos carreadores pode ser responsável pela infecção de outras plantas através do contato entre elas. Entretanto, de acordo 19 com diversos autores, o mais importante fator de disseminação no campo é o efeito da chuva com vento: as partículas sólidas carregadas pelo vento vão funcionar como agente abrasivo, promovendo ferimentos nas folhas, além do vento espalhar as placas de exsudato bacteriano da superfície das folhas para outros locais; a presença da água da chuva proporciona condições ideais para a colonização do hospedeiro nesses novos sítios de infecção. É justamente esta situação que ocorre nas Ilhas Mauritius e Reunion, onde a doença é muito importante: surtos epidêmicos da doença normalmente ocorrem logo após a passagem de furacões. Importância econômica Na história da gomose, existem relatos de epifitias ocorrendo de tempos em tempos, causando perdas diretas no campo e no engenho. De acordo com a literatura, as perdas no campo podem ser tão severas, inviabilizando a colheita de talhões inteiros, com conseqüente quebra na produção. Nos engenhos, o suco extraído de canas doentes pode causar problemas durante o processamento para produção de açúcar. Além disso, existem também perdas indiretas, provocadas pelo impedimento do plantio de variedades suscetíveis, normalmente mais ricas em açúcar e com características agronômicas mais desejáveis, que são substituídas por outras mais resistentes, porém menos produtivas. Controle O plantio de toletes sabidamente sadios é muito importante, impedindo o estabelecimento da doença no campo. Além disso, o uso de variedades resistentes é indicado para controle e eventual erradicação da doença. Nos países onde essa doença é problema, o plantio de variedades suscetíveis é proibido. No Brasil, estudos preliminares realizados, em condições do Estado de São Paulo, com algumas variedades atualmente em uso na grande lavoura revelaram que todas as variedades estudadas apresentaram maior ou menor grau de suscetibilidade a X. campestris pv. vasculorum, sendo RB83-5486, uma das menos sensíveis à bactéria. Bibliografia Consultada ALMEIDA, I.M.G. Bacterial diseases of sugarcane in Brazil. In: RAO, G.P.; G ILLASPIE JR., A.G.; UPADHYAYA, P.P.; BERGAMIN FILHO, A.; AGNIHOTRI , V.P.; CHEN, C.T. (Eds.). Current trends in sugarcane pathology. Delhi: International Books & Periodicals Supply Service, 1994. p.73-84. ALMEIDA, I.M.G.; CARVALHO, M.L.V.; RODRIGUES NETO, J. Nova doença bacteriana em cana-de-açúcar ocorrendo os Estados de São Paulo e Paraná. Summa Phytopathol., v.15, n.1, p.19, 1989. 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