CRESCIMENTO DA PARTE AÉREA DA CANA-DE-AÇÚCAR
Maximiliano Salles Scarpari
IAC/Centro de Cana
1. INTRODUÇÃO
1.1. Fotossíntese
As folhas são responsáveis diretas pela transformação da energia solar em
energia química através da fotossíntese. A fração da radiação interceptada é
determinada pelo índice de área foliar (IAF) dado pela razão entre a área total das
folhas verdes e a área de solo (WATSON, 1947). No processo da fotossíntese, o CO2
do ar é convertido em carboidratos (CH2O) n através da seguinte reação:
CO2 + H2O + ENERGIA SOLAR
CH2O + O2
A taxa fotossintética aumenta com a temperatura até 30°C, estabiliza-se entre 30
e 34°C, decrescendo em temperaturas mais elevadas. O decréscimo da taxa verificada
em temperaturas elevadas esta relacionada com o fechamento dos estômatos devido à
perda da turgidez celular. Decréscimo da temperatura do ar de 23°C para 14°C
provoca queda de 84% na taxa de fotossíntese (HARTT; BURR, 1967).
Existem diferenças na eficiência do uso da radiação entre as plantas,
principalmente entre plantas do tipo C3 e C4. Para níveis baixos, a diferença na
eficiência é pequena, mas a taxa de assimilação em condições próximas de saturação
lumínica é muito maior para plantas do tipo C4 como a cana-de-açúcar também pela
ausência da fotorrespiração em folhas jovens (ALEXANDER, 1973). Essas diferenças
se confirmam pela presença nas plantas C4 de uma estrutura de folha especializada
chamada anatomia Kranz, alta eficiência no uso da água, ponto de compensação de
CO2 muito baixo, cloroplasto bifuncional e alta taxa de crescimento com valores de
temperatura e radiação solar elevado (HATCH, 2002).
1.2. Transpiração
A água existente no solo chega até as folhas graças à força gerada pela perda de
vapor de água através dos estômatos, causando uma diminuição do potencial hídrico
ao longo da planta, sendo denominada de transpiração estomática. Na presença da
luz, o pH da célula-guarda dos estômatos torna-se alcalino através da transformação
do amido em glicose, causando uma diminuição do potencial da célula-guarda e
conseqüente entrada de água e aumento da pressão, abrindo o estômato. À noite, o pH
da célula-guarda torna-se ácido pelo acúmulo de CO2 saindo água e conseqüente
fechamento estomático. Outra forma de transpiração, a cuticular, representa
aproximadamente entre 5 a 10 % do total e não pode ser regulado pelos vegetais.
Porém, quanto mais espessa for a cutícula, menor é a perda de umidade.
A água é transportada através dos vasos de xilema resultando na formação de
uma coluna coesa de água denominada de teoria da transpiração-coesão-tensão. É
importante destacar que a transpiração também contribui para dissipar o calor e
impedir o superaquecimento das folhas, além de ser fundamental para o transporte de
nutrientes contidos na solução do solo.
Na
cana-de-açúcar,
em
termos
proporcionais,
a
transpiração
aumenta
gradativamente nos seis primeiros meses de desenvolvimento, pois em suas fases
iniciais, as plantas formam folhas cada vez mais largas. A partir deste estádio, a
transpiração tende a se manter em níveis praticamente constantes. Obviamente,
quanto
maior
a
superfície
de
exposição,
maior
a
perda
de
umidade
e
consequentemente maior a reposição. Na cana-de-açúcar são gastos de 135 a 150
litros de água para a produção de 1 kg de matéria seca (HUNSIGI, 1993). Dessa forma,
as plantas regulam sua perda de água, ao mesmo tempo em que permitem absorver o
gás carbônico destinado à fotossíntese. A cana-de-açúcar, assim como outras plantas
C4, geralmente transpira menos água por molécula de gás carbônico fixado, o que as
torna mais eficiente em relação ao metabolismo como um todo.
1.3. Folhas
As folhas são alternadas, opostas e presas aos nós dos colmos e podem ser
basicamente divididas em duas partes, a parte superior conhecida como lâmina e a
inferior, envolvendo o colmo, chamada de bainha. A lâmina é uma estrutura alongada
de comprimento variável na fase adulta entre 0,5 a 1,5 m, com largura de 2,5 a 10 cm,
sempre dependendo da variedade (Figura 1). É sustentada por uma nervura central
que se estende por todo seu comprimento. Costuma ter bordos serrilhados (corpos
silicosos) e algumas variedades apresentam pêlos finos chamados de joçal, no dorso
das bainhas, dificultando o manuseio (VAN DILLEWIJN, 1952).
Figura 1 - Lâmina foliar da variedade RB 85 5156.
A partir da nervura central, saem em ângulo nervuras paralelas contendo um feixe
vascular em cada uma. Entre elas são encontradas fileiras de estômatos nas duas
faces da folha, mas em maior quantidade no limbo inferior. Estudos realizados no
USDA indicaram que a área total de poros possui uma correlação positiva com a
riqueza em sacarose das variedades, mas essa informação ainda é pouco utilizada nos
programas de melhoramento, pois não esta clara a associação desta característica aos
genes passíveis de manejo.
As folhas podem ser numeradas de acordo com o “Sistema Kuijper” (Figura 2),
que serve para padronizar estudos de crescimento, nutrição e diagnose foliar. Nesse
sistema a folha que apresenta a primeira aurícula visível (TVD - Top Visiable Dewlap)
no topo da planta, recebe a denominação de folha +1. O nó que prende esta folha
recebe a mesma denominação e, portanto, o internódio envolvido na bainha desta folha
também é o internódio +1. Esta folha representa a primeira folha completamente
desenvolvida do ponto de vista fisiológico e totalmente desenrolada anatomicamente.
As folhas mais velhas assim como seus nós, recebem numeração crescente, ou seja,
+2, +3, etc., e as mais novas, em direção ao ponteiro e gema apical, recebem a
numeração 0, -1, -2, etc.
Figura 2 - Porção apical de um colmo e sistema Kuijper de ordenação de folhas. Fonte:
VAN DILLEWIJN (1952).
1.4. Crescimento foliar
Para facilitar o entendimento do crescimento foliar da cana-de-açúcar é
necessário inicialmente definir os ciclos da cultura (Figura 3), função principalmente da
época de plantio. Cana de ano (12 meses) é plantada com início em outubro até
dezembro e cana de ano e meio (18 meses) o plantio geralmente é iniciado em janeiro
indo até maio.
Figura 3 – Desenvolvimento da cana-de-açúcar para a região Centro-sul, mostrando o
acúmulo de matéria verde para cana de ano e ano e meio com o balanço hídrico de
Ribeirão Preto/SP. Fonte: BARBIERI; VILLA NOVA (1977).
O comportamento do crescimento foliar durante o ciclo da cultura pode ser
relacionado com o acúmulo de graus-dia e déficit hídrico (TERUEL, 1995) sendo que
para cada estádio da cultura existem diferentes IAFs (Figura 4) como verificado por
Leme;
Maniero
e
Guidolin
(1984).
Em
condições
de
estresse
hídrico,
o
desenvolvimento foliar é condicionado principalmente pela temperatura (ROBERTSON
et al., 1998), porém o principal fator atuando no desenvolvimento foliar é a
disponibilidade hídrica.
Índice de Área Foliar
(IAF)
SET
OUT
NOV
DEZ
JAN
FEV
MAR
ABR
MAI
JUN
JUL
AGO
SET
4
3
2
1
0
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
220
240
260
280
300
320
340
360
Idade da cultura em dias e meses do ano
Figura 4 - Relação entre o índice de área foliar e a idade da cultura, durante o ciclo de
cana-soca. Araras – SP.
O conceito equivalente de somas térmicas, unidades de calor, graus-dia, etc., são
frequentemente utilizados na tentativa de definir relações de dependência entre a
temperatura do ar e na variação de tempo de ciclo. Essas somas térmicas se referem
quase sempre às diferenças entre a temperatura média diária e uma temperatura limite
inferior para o crescimento denominada de temperatura base (Tb) (VILLA NOVA et al.,
1972) onde:
Para Tm > Tb
⎡⎛ TM + Tm ⎞
⎤
GD = n.⎢⎜
⎟ − Tb ⎥. f
2
⎠
⎣⎝
⎦
(1)
Para Tm ≤ Tb
⎛ (TM − Tb )2 ⎞
⎟. f
GD = n.⎜⎜
⎟
(
)
−
2
TM
Tm
⎝
⎠
sendo:
GD = Graus-dia,
TM = Temperatura máxima diária (ºC),
(2)
Tm = Temperatura mínima diária (ºC),
Tb = Temperatura base = 20ºC (BARBIERI; BACCHI; VILLA NOVA, 1979),
( 12)
f = N
(3)
N = comprimento do dia em horas,
n = número de dias.
Estudando a área foliar com relação à interceptação da PAR - Radiação
Fotossinteticamente Ativa, Inman-Bamber (1994) verificou o fechamento quase
completo das entrelinhas quando o IAF torna-se maior que 4. Este fato determina a
aceleração do amarelecimento e morte das folhas, explicando que superfícies foliares
maiores que 4 praticamente não aumentam a assimilação (BEZUIDENHOUT, 2000).
Trabalhos envolvendo medidas de crescimento têm indicado que a cultura em seu
estágio de máximo desenvolvimento apresenta um IAF entre 5 e 7 dependendo da
variedade. Medidas de campo do IAF obtidas por Scarpari (2006, em desenvolvimento)
das variedades RB 85 5156 e SP 80-3280 relacionadas com o acúmulo dos graus-dia
são mostradas na Figura 5 e nas Figuras 6 e 7 vemos a distribuição espacial em um
Cambissolo.
IAF (m².m-²)
IAF
8
6
4
2
0
0
250
500
750
1000
1250
1500
1750
Graus-dia acumulados
SP 80-3280
RB 85 5156
Figura 5 - Evolução temporal do IAF em 2003 e 2004.
As avaliações foram feitas de 29/04/2003 a 15/10/2004 na variedade RB 85 5156
e de 02/07/2003 a 15/10/2004 na variedade SP 80-3280 resultado de amostragens com
intervalo de dois meses aproximadamente. Analisando a evolução temporal do IAF
(Figura 5), maiores valores são encontrados na variedade SP 80-3280 em quase todo o
período da amostragem. A vantagem está no fato da área foliar individual ser maior já
que o número de folhas verdes é semelhante nas duas variedades. Observações de
campo também indicam folhas mais eretas principalmente no topo do dossel desta
variedade. Isto explica o fato da SP 80-3280 ter um rápido fechamento da entrelinha
tendo um melhor desenvolvimento do dossel e maior interceptação da radiação solar.
Observações semelhantes foram feitas por Sinclair et al. (2004) estudando algumas
variedades de Canal Point (CP) onde o número de folhas verdes era semelhante,
entretanto a área foliar individual variava. Outra constatação importante é que na área
da variedade SP 80-3280 o acúmulo de água no solo é maior indicando que a
disponibilidade hídrica afeta grandemente o crescimento da parte aérea em cana-deaçúcar.
Observando as Figuras 6 e 7 na área da variedade RB 85 5156, tem-se
claramente o maior IAF na parte médio-baixa da área onde ocorre maior acúmulo de
água. Pode-se inferir desse modo que na parte alta a cana-de-açúcar sofre um maior
déficit hídrico, tendo um menor rendimento em colmos, maior senescência, entrando
em maturação mais precocemente que na parte baixa (SCARPARI; BEAUCLAIR,
2004a).
Nas Figuras 6 e 7 na área da variedade SP 80-3280, a variabilidade espacial do
IAF é pequena, indicando que em áreas mais planas este fator varia pouco, tendendo o
IAF ser maior nas extremidades onde é mais baixo e há maior acúmulo de água. Fica
evidente a importância da disponibilidade hídrica no crescimento da área foliar da canade-açúcar e conseqüente relação com a produtividade.
Figura 6 - Variabilidade espacial do IAF das variedades RB 85 5156 (área maior) e SP
80-3280 (área menor) avaliada no dia 03/03/2004 com as respectivas legendas ao lado
das áreas.
Figura 7 - Variabilidade espacial do IAF das variedades RB 85 5156 (área maior) e SP
80-3280 (área menor) avaliada no dia 01/06/2004 com as respectivas legendas ao lado
das áreas.
1.5. Efeito do estresse hídrico no crescimento foliar e na produtividade da canade-açúcar
Os danos causados pelo estresse hídrico no crescimento foliar e produtividade da
cana-de-açúcar dependem da intensidade e da duração do período de deficiência, da
fase de desenvolvimento da cultura em que ocorre e da variedade cultivada (SOARES
et al., 2004). Para obter rendimentos máximos em colmos, a cultura deve contar com
uma umidade adequada durante todo o período vegetativo, sendo o crescimento da
cana diretamente proporcional a água transpirada. Dependendo do clima, as
necessidades hídricas são de 1.500 a 2.500 mm distribuídos de maneira uniforme
durante o período de desenvolvimento (DOORENBOS; KASSAM, 1979).
Os períodos de estresse hídrico podem ocorrer durante todo o ciclo da cultura,
mas seu efeito sobre a produtividade de colmos varia muito em função da interação
entre a época do ano em que ocorre e a fase fenológica da cultura. Doorenbos e
Kassam (1979) propuseram um coeficiente de sensibilidade (ky), indicando que o
estresse hídrico tem maior influencia na produtividade de colmos quando ocorre nas
primeiras fases da cultura, pois pode prejudicar ou atrasar a brotação e o
perfilhamento. Quando o estresse hídrico ocorre próximo à maturação, a produtividade
de colmos é pouco afetada.
O estresse hídrico na planta influencia a fotossíntese ocasionando uma severa
redução na síntese de carboidratos e expansão foliar, porém no momento em que é
fornecida água, ela retoma imediatamente o crescimento em ritmo constante
(ALEXANDER, 1973).
No IAC recentemente implantamos o projeto PREVCANA IAC para análise das
curvas de crescimento das variedades. Avaliando a biomassa através da amostragem
ao longo dos meses após o plantio, obtemos as curvas de crescimento para cada
variedade estudada e o ambiente de produção comparando com a produtividade na
colheita de todo o talhão. A metodologia consiste da escolha das variedades separadas
por hábitos de crescimento (rápido ou lento) e avaliações para cana planta e cana soca
de início e fim de safra. Na Figura 8 temos o comportamento ao longo do ciclo das
curvas de crescimento de algumas variedades analisadas para cana planta.
Curvas de crescimento
IAC87 3396
NA85 1602
140
PAV94 09
120
TCH
100
RB83 5486
80
RB85 5113
60
RB85 5453
40
20
RB86 7515
0
0
2
4
6
8
10
12
14
SP79 1011
meses
Figura 8 - Comportamento das curvas de crescimento de algumas variedades.
Analisando o comportamento varietal temos a IAC 87 3396, a RB 86 7515 e a
PAV 94 09 atingindo seu ponto de máximo crescimento aos 10 meses de plantio para
cana planta sendo variedades de crescimento muito rápido comparado às outras
variedades e com excelente produtividade no ambiente estudado. Ainda, algumas
variedades não atingem seu ponto de máximo crescimento antes dos 12 meses como é
o caso da SP 79-1011 e RB 85 5113 indicando que são variedades de crescimento
mais lento e atingem seu ponto de máximo após 12 meses de plantio. Outra
observação analisada é o ponto de inflexão das curvas de crescimento definido na
mudança da concavidade da curva, quando há a fase linear. Variedades que atingem
rapidamente este ponto tendem a fechar mais rápido a entrelinha como é o caso da RB
86 7515 e da IAC 87 3396.
Variedades que possuem crescimento rápido atingem obviamente sua máxima
produtividade mais cedo que as variedades de crescimento lento e dificilmente as
variedades de crescimento lento conseguem ultrapassar esta vantagem, somente após
um determinado período no campo. Por isso, modelos de crescimento utilizam estas
observações para definir o comportamento das curvas de crescimento e desta forma
relacionar com parâmetros fisiológicos, sendo importantes na construção de cenários
para o momento ótimo do corte dessas variedades (SCARPARI; BEAUCLAIR, 2004b).
2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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