CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
EMANUELA SALES DOS SANTOS
OS MORADORES DA PRAÇA DO FERREIRA: O QUE FAZEM, COMO VIVEM E
POR QUE SE ENCONTRAM NAS RUAS
FORTALEZA
2013
EMANUELA SALES DOS SANTOS
OS MORADORES DA PRAÇA DO FERREIRA: O QUE FAZEM, COMO VIVEM E
POR QUE SE ENCONTRAM NAS RUAS
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Serviço Social do Centro
de Ensino Superior do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Ms.ª Valney Rocha
Maciel
FORTALEZA
2013
EMANUELA SALES DOS SANTOS
OS MORADORES DA PRAÇA DO FERREIRA: O QUE FAZEM, COMO VIVEM E
POR QUE SE ENCONTRAM NAS RUAS
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social, outorgado
pela Faculdade Cearense – FAC, tendo
sido aprovada pela banca examinadora
composta pelos professores.
Data de Aprovação:___/___/___
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profª. Msª. Valney Rocha Maciel
____________________________________________________
Profª. Msª. Joelma Maria de Freitas
____________________________________________________
Assistente Social- Especialista. Elainne Cristiane Andrade Ferreira
Aos Moradores de Rua da Praça do
Ferreira agradeço pela disponibilidade e
colaboração com que se colocaram na
construção deste estudo e pela grande
lição de vida que me foi proporcionada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus que sempre esteve ao meu lado em todos os
momentos desta longa caminhada de vida acadêmica, e que me deu à luz
necessária nos momentos de dificuldades e incertezas.
Aos meus pais, Maria do Socorro e Francisco Honorato, pelo amor, apoio e por
sempre acreditarem na minha capacidade.
Aos meus irmãos, Daniela Sales, Francisco José Sales e Emanuel Sales, pelo amor
que sentem por mim.
Ao meu namorado Júlio Cesar, pelo carinho e dedicação.
À orientadora desta monografia, Professora Valney Rocha, pela sua competência e
dedicação, além de toda a contribuição com seu conhecimento na construção deste
trabalho.
Às minhas queridas amigas e companheiras do Curso de Serviço Social da FAC, em
especial: Ana Patrícia, Ana Wládia, Juliana, Maria Janaina e Marileide, que
estiveram sempre ao meu lado, apoiando-me nos momentos difíceis, compartilhando
as alegrias e dividindo as angústias, sempre com palavras otimistas. Obrigada pela
troca de conhecimento e pelo apoio a mim dedicado nesses quatro anos.
Aos meus amigos Alfredo, Leandro e Luiz Carlos, pelo carinho, companheirismo e
pela infinita dedicação para com a minha pessoa.
Às minhas “Madrinhas”: Dra. Zélia, Dra. Elizabeth, Edna, Neide e Zoraide, que me
deram força e estímulos em um momento muito especial.
À banca examinadora agradeço pela disponibilidade e pela valiosa contribuição em
minha formação acadêmica.
A todos os professores e mestres do curso de Serviço Social da FAC, que
contribuíram para o meu aprendizado acadêmico e para a realização de um sonho.
Aos moradores de rua entrevistados, pela disponibilidade com que se colocaram na
construção deste estudo.
Finalmente, a todos aqueles que, direta ou indiretamente, apoiaram-me e
incentivaram-me, fazendo-me renovar a coragem de continuar, apesar das
dificuldades. Meu carinho e gratidão.
A coragem nada mais é que a vontade
mais determinada e, diante do perigo ou
do sofrimento, mais necessário (...); mas a
coragem está no desejo, não na razão; no
esforço, não na intenção. Trata-se sempre
de perseverar em seu ser, e toda
coragem é feita de vontade (...) um
começo sempre recomeçado e sempre
difícil (...); como toda virtude, a coragem
só existe no presente (...), é preciso ser
corajoso, não amanhã ou daqui a pouco,
mas agora.
(Comte-Sponville)
RESUMO
Este trabalho apresenta a temática Os Moradores da Praça do Ferreira: o que fazem
como vivem e por que se encontram nas ruas, sendo relacionada com as políticas
públicas existentes, que visam assegurar e garantir os direitos dessas pessoas. O
presente trabalho também visa analisar a efetivação dos atendimentos, buscando
compreender os motivos que levaram essas pessoas a viver em situação de rua, e
como elas percebem a execução da Política Nacional para a População em Situação
de Rua (PNPR). Também são abordados aspectos históricos e atuais referentes aos
motivos relacionados à ida das pessoas para as ruas. A pesquisa de campo tem
como característica a entrevista semiestruturada de maneira qualitativa, ocorreu
entre os meses de Agosto a Novembro de 2013, quando foram realizadas 6
entrevistas, sendo 3 moradores de rua e 3 ex. moradores de rua. A pesquisa foi
realizada na Praça do Ferreira, local escolhido devido ao intenso fluxo dos mesmos,
mostrando que existe um grande número de pessoas em situação de rua e que
muitos não conhecem e/ou não percebem a execução de serviços da PNPR.
Infelizmente, isso só mostra a precariedade na execução da política, sendo este
elemento fundamental e importante para os indivíduos que buscam a superação da
vulnerabilidade social em que estão inseridos, dificultando, assim, sua
ressocialização.
Palavras-chaves: População em Situação de Rua, Políticas Públicas.
Vulnerabilidade Social.
ABSTRACT
This paper presents the theme The homeless of Praça do Ferreira: what they do,
how they live and why they are in the streets, related to the existing public policies,
which are aimed at ensuring and guaranteeing the rights of these people. Also this
paper analyzes the effectiveness of the assistance, aimed to understand the reasons
that led these people to live in the streets and how they perceive the National Policy
execution for homeless people (PNPR). Historical and current aspects related to the
reasons why these people have gone to the streets are also discussed. The field
research has a semi-structured interview, in a qualitative way, occured from August
to November of 2013, when six interviews were carried out, in which three of the
interviewees were homeless and three were ex-homeless. The research was
conducted in Praça do Ferreira, chosen due to the intense flow of homeless people,
showing that exists a large quantity of people in this situation, many do not know
and/ or do not perceive the services performance of the PNPR. Unfortunately, this
reveals the policy performance precariousness, this is a fundamental and important
element for those who look for overcoming the social vulnerability in which they are,
difficulting, thus, their re-socialization.
Keywords: Homeless people, Public Policies, Social Vulnerability.
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
CF - Constituição Federal
CRAS - Centro de Referência da Assistência Social
CREAS - Centro de Referência Especializado da Assistência Social
CENTRO POP - Centro de Referência para a População em Situação de Rua
FNRU - Fórum Nacional de Reforma Urbana
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IJF - Instituto Dr. José Frota
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MNPR - Movimento Nacional da População de Rua
NASF- Núcleo de Apoio à saúde da Família
ONG - Organizações não Governamentais
PAEFI - Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
PIB - Produto Interno Bruto
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios
PNAS - Política Nacional de Assistência Social
PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos
PNPR - Política Nacional para a População em Situação de Rua
PSB - Proteção Social Básica
PSE – Programa de Saúde na Escola
SEMAS - Secretária Municipal de Assistência Social
SETRA - Secretária de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate a Fome
SUAS - Sistema Único de Assistência Social
SUS - Sistema Único de Saúde
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO................................................................................................... 10
2
ASPECTOS GERAIS SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL E
UM BREVE CONTEXTO SOBRE FORTALEZA ...................................................... 13
2.1 Breve Contexto Histórico Sobre o Processo de Urbanização no Brasil .............. 13
2.2 Um breve contexto histórico sobre a cidade de Fortaleza .................................. 16
2.3 Cidade: Direito de Todos ................................................................................... 23
3
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA INSERIDA NA POLÍTICA NACIONAL DE
ASSISTÊNCIA E NA POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO DE RUA ......... 28
3.1 População em Situação de Rua: Uma Breve Contextualização ......................... 28
3.2 Política Nacional de Assistência Social .............................................................. 36
3.3 Política Nacional Para a População em Situação de Rua e Suas Formas de
Inclusão Social ......................................................................................................... 40
4
A PESQUISA DE CAMPO NA PRAÇA DO FERREIRA .................................... 47
4.1 O Cenário da Pesquisa e as Escolhas Metodológicas ....................................... 47
4.2 Perfil e Análise dos Sujeitos da Pesquisa .......................................................... 50
4.3 Desafios e Resultados da Pesquisa................................................................... 52
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 544
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 57
APÊNDICE ............................................................................................................ 600
ANEXOS ................................................................................................................ 633
10
1
INTRODUÇÃO
O Presente trabalho tem como objetivos específicos: conhecer o perfil dos
sujeitos da pesquisa; descobrir os motivos que levaram esses indivíduos a morarem
nas ruas; e conhecer como se apresenta o cotidiano dos mesmos. Sobre a Política
Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR), fez-se necessário saber se
eles conheciam a política, e como a PNPR, o Estado e a sociedade estão
contribuindo para a ressocialização dos mesmos. Buscando conhecer como os
mesmos percebem a execução da Política Nacional para População de Rua em
Fortaleza, Ceará.
A motivação em pesquisar sobre a população em situação de rua surgiu a
partir do preconceito de uma colega de trabalho da presente pesquisadora, quando
a mesma disse a seguinte frase: „„nunca mais quero trabalhar com pobre, a gente
faz, faz e eles não agradecem” e do entendimento desta última de que não se pode
generalizar. Realizar um trabalho social com pessoas que estão em situação de
risco tem seus desafios, e é preciso ter muita força de vontade e querer efetivar seus
propósitos sem esperar nada em troca desses indivíduos.
Partindo desse preconceito, iniciaram-se os questionamentos sobre a
realidade e o cotidiano dessas pessoas, enquanto esta autora era estagiária do
Instituto Dr. José Frota (IJF), no período de março de 2012 a junho de 2013. Assim,
foi possível realizar atendimentos iniciais com pessoas que estavam em situação de
rua, inclusive, em alguns casos, o usuário encontrava-se em estado de saúde grave.
Também existiam casos de abandono por parte de familiares, fazendo com que esse
usuário passasse a ser responsabilidade da Instituição e do Estado.
A escolha do campo ocorreu através de visitas noturnas realizadas na
Praça do Ferreira, durante os meses de agosto a novembro de 2013. Durante as
visitas, foi possível uma aproximação com os moradores, tornando-se possível
perceber em suas falas a insatisfação com a situação de vulnerabilidade em que se
encontram e as dificuldades por eles enfrentadas ao tentar acessar serviços
ofertados por algumas instituições públicas.
Esta pesquisa foi realizada, inicialmente, através da observação sensível,
pois o campo exigia, e os pesquisados deveriam ser conhecidos, antes de serem
observados, bem como o meio no qual estão inseridos. Conforme Cardoso (2008, p.
11
24), “a observação Sensível tem a qualidade de nos alertar para o sensível
relacionamento com os usuários (...) e nem tudo que se vê, assim o é”.
Com o reconhecimento do campo, começou-se uma aproximação com os
indivíduos que vivem em situação de rua. Aos poucos se estabeleceu uma conversa
com os mesmos, questionando-os, até que se iniciassem as entrevistas. Por se
tratar de um espaço público existe um movimento constante: alguns apenas
frequentam a praça; outros já têm a praça como dormitório.
O tipo de pesquisa escolhido foi a qualitativa, sendo realizada a técnica
da entrevista semiestruturada. De acordo com Minayo (2010, p. 64) é o tipo de
entrevista com “perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender a indagação
formulada”.
Depois das entrevistas foi realizado um levantamento sobre as
informações
repassadas,
para
a
apresentação
do
perfil
do
entrevistado.
Paralelamente às entrevistas, procurou-se indagá-los sobre outros assuntos que iam
surgindo no decorrer da entrevista, sempre observando suas reações e olhares.
Para preservar a identidade dos entrevistados, utilizei nomes fictícios.
O presente trabalho está organizado em três capítulos. O primeiro aborda
o contexto histórico sobre o processo de urbanização do Brasil, abrangendo um
pouco do processo histórico de Fortaleza, e abordando a cidade como direito de
todos. Nesse capítulo, trata-se de pesquisas e conceitos de Ermínia Maricato (2001),
Valney Rocha Maciel (2004), e outros.
O capítulo seguinte trata da contextualização da população em situação
de rua, da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e da Política Nacional
para a População em Situação de Rua (PNPR), além de suas formas de inclusão. O
capítulo também traz a abordagem sobre os direitos assegurados a eles, sendo os
principais autores utilizados nesse capítulo Ana Elizabeth Mota (2010), Robert
Castel (1998), Sarah Escorel (1999), Maria Lúcia Lopes da Silva (2009), entre
outros.
O terceiro capítulo aborda o percurso metodológico, onde são
apresentadas as escolhas metodológicas, o cenário, o perfil e os relatos dos sujeitos
que estão em situação de rua, mostrando a análise, desafios e resultados da
pesquisa. Nesse capítulo foram utilizados os autores Maria Cecilia de Souza Minayo
(1994), Roberto Cardoso de Oliveira (2000) e Mirian Goldenberg (2009).
12
Nas considerações finais é ressaltado que, infelizmente, o número de
moradores de rua vem aumentando no município de Fortaleza, além de serem
explicitadas percepções e questionamentos acerca do tema estudado, mostrando a
relevância da temática e que se faz necessário novos estudos sobre a Política
Nacional para a População de Rua.
13
2
2.1
ASPECTOS GERAIS SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
E UM BREVE CONTEXTO SOBRE FORTALEZA
Breve Contexto Histórico Sobre o Processo de Urbanização no Brasil
Para Maricato (2001), a urbanização brasileira se originou através do
processo de modernização, que, ao mesmo tempo, contraria aqueles que
esperavam um processo de superação do Brasil arcaico, pois muitos tinham a
concepção
que
o
atraso
estava
vinculado
à
hegemonia
da
economia
agroexportadora.
O Brasil, semelhante aos demais países da América Latina, intensifica
seu processo de urbanização1, principalmente na segunda metade do século XX. No
ano de 1940, a população residente nas cidades era de 26,3%; em 2000, a
estimativa era de que esse número aumentasse para 81,2%. Esse crescimento é
impressionante, pois em 1940 o Brasil tinha 18,8 milhões de habitantes, enquanto
em 2010 esse número teve um acréscimo, subindo para 196,7 milhões de habitantes
(Maciel, 2004).
No século XIX, o Brasil tinha aproximadamente 10% da população nas
cidades, e nesse período já existiam cidades de grande porte no país. Mas, é a partir
do século XX que o processo de urbanização da sociedade realmente se consolida,
sendo impulsionado pelo trabalho livre e por uma indústria que se desenvolve nas
atividades cafeicultoras e para as necessidades básicas do mercado interno.
As reformas urbanas ocorridas em diversas cidades brasileiras como
Manaus, Belém, São Paulo, Rio de Janeiro dentre outras , no século XIX e século
XX, lançaram um urbanismo moderno, realizando obras de saneamento básico para
erradicar as epidemias, enquanto ao mesmo tempo, promoviam o embelezamento
paisagístico. “E precisam, evidentemente, de transportes, saúde, lazer, saneamento
básico e muitas outras necessidades. O espaço urbano é, portanto, um local de
contínuas e profundas transformações, ou seja, de profundas e contínuas
contradições (MARICATO, 2001, p. 17).
1
O processo de urbanização brasileira deu-se, praticamente, no século XX. No entanto, ao contrário das
expectativas de muitos, o universo não superou algumas características dos períodos colonial e imperial,
marcados pela concentração de terra, renda e poder, pelo exercício do coronelismo ou política do favor e pela
aplicação arbitrária da lei.
14
Nesse período, o embelezamento paisagístico e o controle de epidemias
iria favorecer, principalmente, o mercado imobiliário, que já se firmava nas cidades.
As populações excluídas desse processo eram expulsas para os morros e favelas
de cidades como: Recife, São Paulo, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Santos
e, principalmente, para o Rio de Janeiro. Essas cidades passaram por um
saneamento ambiental e embelezamento nesse período à custa da retirada dos
pobres para as áreas mais periféricas. (Maciel, 2004).
O Brasil sempre foi uma terra de contrastes. A urbanização do país não
se distribui igualitariamente por todo território, conforme se observa na tabela a
seguir. O processo de urbanização se concentra, principalmente, na região Sudeste,
formada pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito
Santo (IBGE, 2000).
Tabela 1- Brasil: Índice de urbanização por região (%)
Região
1950
1970
2000
Sudeste
44,5
72,7
90,5
Centro- Oeste
24,4
48
86,7
Sul
29,5
44,3
80,9
Norte
31,5
45,1
69,9
Nordeste
26,4
41,8
69,1
Brasil
36,2
55,9
81,2
Fonte: Estatísticas Históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais de 1950 a 1988
2.ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1990, p 36-7; Anuário estatístico do Brasil 2001, Rio de Janeiro: IBGE,
2000, p. 2-14 e 2-15.
Em 1930, a elite industrial assume a hegemonia política na sociedade e “o
Estado passa a investir decididamente em infraestrutura, objetivando o crescimento
das indústrias” (MARICATO, 2001, p. 17). Em 1950, o país começa a produzir bens
duráveis e de produção, como eletrodomésticos, eletrônicos e automóveis. A
produção em massa e o consumo passam a modificar o modo de viver dos
brasileiros.
Abordando estudos de Maciel (2004), as famílias do meio rural que se
aventuraram e partiram para as cidades tiveram, à época, melhorias na qualidade de
vida. De 1940 até 1980, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7% ao ano, fator que
contribuiu efetivamente com a concentração de renda para que tais melhorias
15
fossem possíveis. O crescimento econômico começava a dar sinais de que a riqueza
estava de certa forma, chegando às camadas populares.
Junto com o crescimento econômico surgiu a nova classe média urbana.
Esse crescimento deixou enormes problemas populacionais, pois a grande massa
populacional não tinha acesso à previdência social, serviços de saúde, moradia,
saneamento básico entre outros. E, para piorar a situação dessa parte da sociedade,
a década de 1980 foi um período de declínio econômico e os anos 90 trouxe consigo
o desemprego.
Com o crescimento econômico também vieram as desigualdades sociais
que se constituíram a partir da concentração de renda nas mãos de uma minoria,
junto com a urbanização desordenada, que causou uma série de problemas sociais
e ambientais. Dentre eles, destacam-se o desemprego, a criminalidade e a
favelização, pois, em consequência dessa má distribuição de renda, parte da
população buscou as áreas de risco como morros, mangues, dunas, e até mesmo
ruas e praças, um lugar em que pudessem se fixar.
A partir do momento que o trabalho se torna mercadoria, a reprodução do
trabalhador deveria se dar pelo mercado. Mas isso não aconteceu, e grande parte
dos trabalhadores atuam fora do mercado formal, e mesmo aqueles empregados
regularmente na moderna indústria, apelam para expedientes de subsistência para
se prover de moradia na cidade. Significa que grande parte da população, até
mesmo aqueles regularmente empregados, constrói sua moradia em áreas
irregulares ou invadidas, não participando do mercado hegemônico.
A falta de moradia é uma das consequências decorrente da desigualdade
social, sendo um dos fatores responsáveis pelo crescimento no número de pessoas
que moram nas ruas no Brasil. Apesar do governo oferecer programas de auxílio à
moradia, que parecem beneficiar a população, estes apenas estão “mascarando” o
descaso das autoridades.
Por isso, os indivíduos que não têm “um teto” para morar, buscam
alternativas, e, no intuito de solucionar seu problema, uma das opções que aparece
para eles é abrigar-se em praças e/ou ruas. Para compreender melhor a realidade
desses indivíduos, que é o cenário da pesquisa em questão, faz-se necessário uma
discussão, que será apresentada em capítulos posteriores do presente trabalho.
16
2.2
Um breve contexto histórico sobre a cidade de Fortaleza
A ocupação da cidade se deu a partir da chegada dos holandeses, que
objetivavam se estabelecer através de um polo defensivo (JUCÁ, 2000). Apenas nos
meados do século XVII foi que Fortaleza passou a ser considerada um povoado, e,
somente em 1603, Pero Coelho de Sousa construiu, na Barra do Ceará, o Forte de
São Tiago.
Em 1612, foi erguido o Forte de São Sebastião, por Martins Soares
Moreno, em homenagem ao rei português que desapareceu no norte da África. Aos
18 anos Moreno já havia estado em terras pernambucanas, acompanhando uma
comitiva do Governador Diogo Botelho, em abril de 1602, quando foi engajado na
bandeira de Pedro Coelho para o Siará, lugar onde permaneceu a amizade do índio
Jacaúna, fator importante para seu retorno 10 anos depois.
Através de pesquisas sobre a história da cidade, pode-se dizer que
Fortaleza tem seu nome ligado às edificações, enquanto espaço socialmente
construído, e não teve, em sua gênese, uma intencionalidade. „„Embora não
houvesse objetivo para fundar uma povoação, vila ou cidade, isso aconteceu de
forma espontânea, tão logo se verificou a expulsão dos flamengos 2”(JUCÁ, 2000, p.
21). Tal expulsão ocorreu em 1654, e os anos de 1660 a 1698 foram marcados pela
reconstituição do Forte de Schoonenborch3. No período colonial, a economia do
Nordeste se caracterizava pela produção de cana-de-açúcar e Fortaleza tinha sua
principal atividade econômica. (MACIEL, 2004).
O pequeno povoado foi reconhecido como Vila Fortaleza de Nossa
Senhora da Assunção, no ano de 1726, pela Carta Régia. A pequena vila ficou
deslocada das outras regiões do Ceará, que eram produtoras de bens econômicos
para o comércio da área litorânea de Pernambuco e do exterior, ao longo do século
XVIII, fator este que podara o desenvolvimento das atividades econômicas de
caráter urbano. (MACIEL, 2004). “A essa circunstância acresce-se o fato de que a
vinculação administrativa do Ceará a Pernambuco exclui da vila, até o final do
século XVIII, (...) o desempenho de funções burocráticas” (LEMENHE, 1991, p. 17).
2
3
Flamengos: conjunto dos falares sul neerlandeses usados no norte da Bélgica e em algumas regiões francesas.
Forte de Schoonenborch: ponto turístico da Cidade de Fortaleza
17
Fortaleza teve sua independência no ano de 1799, e a partir de então se
intensificou a atividade exportadora do algodão. “Esta atividade assume um papel de
destaque para a Vila, constituindo a base de sustentação do grande empório
comercial” (SILVA, 1992, p. 23). Somente em 17 de março de 1823, Fortaleza foi
considerada cidade, com o nome de Cidade da Fortaleza de Nova Bragança. Após
20 anos, em 1842, passou a existir por parte da Câmara Municipal, a preocupação
com o ordenamento da cidade, e se pensou que ruas e becos deveriam ser
alinhados. Em 1843, a preocupação era com o nivelamento das ruas.
Fortaleza tornou-se o centro coletor do algodão, e este passou a ser
produzido no interior e trazido para a cidade, abastecendo o mercado têxtil da
Inglaterra, nos meados do século XIX. A Guerra de Secessão americana, em 1866,
favorece a exportação do algodão cearense para a Inglaterra, assim como a
Revolução Industrial teve sua contribuição. A cultura do algodão foi um elemento
fixador da população no sertão semiárido.
Mesmo com todo crescimento econômico da época, Fortaleza registrava
ocupações contínuas de sertanejos expulsos pela seca. O drama das secas
modificou milhares de vidas no Ceará, infelizmente, nem sempre para melhor.
Famílias foram para as capitais em busca de emprego e assistência, mas com esse
aumento populacional a elite fortalezense buscou retirar do centro da capital esses
“indesejados”: os retirantes.
Assim, foram criados os abarracamentos, que se localizavam ao redor do
centro de Fortaleza, servindo para acomodar os retirantes. O mais famoso
abarracamento foi o Alto da Pimenta, mais conhecida como Praça da Bandeira.
Atualmente, a mesma praça é ocupada por diversas famílias, tornando-se um lugar
de morada para indivíduos que vivem em situação de rua.
Com o intenso processo de migração entre os anos de 1877 e 1879, mais
de 100 mil sertanejos vieram para a capital. Foi um tempo em que as epidemias,
como a varíola, vitimaram milhares de pessoas. Somente no dia 10 de dezembro de
1878, o Cemitério Lazareto da Lagoa Funda recebeu cerca de 1.004 cadáveres. Já
era prática comum milhares de flagelados da seca migrarem para Fortaleza,
vivenciando um quadro grotesco de fome, tuberculose, entre outros. A oligarquia
Accioly nada fez e ainda chegou a proibir a imigração de cearenses para outros
estados. O povo estava entregue a sua própria sorte.
18
Foram as oposições a Accioly que movimentaram as campanhas para o
combate à seca e aos seus males, ganhando notoriedade a campanha do médico
farmacêutico Rodolfo Teófilo que realizava uma campanha sanitária filantrópica,
onde prestava esclarecimentos e aplicava a vacina nos populares fortalezenses.
Com a construção das estradas de ferro, aproximam-se as localidades do
sertão, passando a impulsionar o crescimento da cidade. Nesse período, Fortaleza
contava com diversos serviços, como caixas postais, e a educação contou com os
cursos superiores de Agronomia, Direito, Farmácia e Odontologia. A estrada de ferro
ligava Fortaleza à cidade de Sobral, no ano de 1935, favorecendo o intercâmbio de
mercadorias e culturas, levadas do interior para a cidade. “O espaço urbano não é
apenas o lugar onde o cidadão vive, mora e trabalha. Nem só o local onde o capital
obtém lucros. É, principalmente, o objeto em si da extração dos ganhos capitalistas”
(Maricato, 1988, p. 07).
Em 1880, chegava ao fim o período de endemia da varíola e grande parte
dos imigrantes retornava ao sertão; outros preferiam migrar para a Amazônia, indo
trabalhar nos seringais. As transformações ocorreram na sociedade brasileira no
final do século XIX, marcando a paisagem das cidades.
A
partir
de
1860,
o
poder
público
iniciava
um
processo
de
aformoseamento do espaço urbano, nesse período os conceitos de ruas e praças
foram reformulados. “Novas idéias e tecnologias, além da mão de obra mais
preparada, contribuíram para alterar a produção do espaço citadino que se
construía” (MACIEL, 2004, p. 59). A cidade de embelezara com o primeiro cinema,
em 1907, e o imponente Teatro José de Alencar, em 1910. “Idelfonso Albano
cuidava do alinhamento das casas, alargamento de ruas e a instalação dos bondes
elétricos, em 1914” (SILVA,1992, p. 27). O espaço urbano se modificou, „„tornandose um objeto a ser embelezado com máscaras de fácil decomposição” (MACIEL,
2004, p. 60). Foi nos anos 70 que o crescimento da cidade, antes com mais de um
milhão de habitantes, torna-se visível.
Principalmente, em termos de verticalização do espaço formal e da malha
urbana, Fortaleza fez jus à sua condição de metrópole, assumindo a primazia
absoluta diante do cenário cearense, seja pelo avanço e expansão urbano ou pela
sua concentração demográfica. Esse fato se deve a influência que Fortaleza exerce
na contratação das principais atividades comerciais, administrativas, portuárias,
sociais, industriais e culturais do Estado.
19
Com o apoio da prefeitura e a destituição da participação popular,
Fortaleza passa a valorizar o planejamento urbano. Começa a se discutir a
transformação de Fortaleza em metrópole regional e suas áreas arredores em
regiões metropolitanas. A área leste (Aldeota) sofre grande impulso, transformandose na área imobiliária da cidade.
Segundo os estudos de Dantas (2009), a busca de novos espaços pela
burguesia que residia nas imediações da área central implicou em alterações
marcantes na cidade e na supervalorização de alguns bairros, como a Aldeota,
Meireles, Praia de Iracema, Papicu, Bairro de Fátima e outros. O bairro mais
valorizado da cidade, por ser preferido das elites e da alta classe, é o bairro da
Aldeota. Por isso, tem-se o melhor atendimento no que se refere à infraestrutura de
serviços urbanos e comerciais.
O processo de verticalização se deu durante os anos 70: pequenos
edifícios de apartamentos foram construídos na Aldeota e começou-se o processo
de especulação imobiliária da Praia do Futuro. Lá a construção de grandes prédios
não foi possível, ao contrário da Avenida Beira Mar, tendo como problema o
altíssimo índice de maresia na faixa do litoral que vai da Praia do Farol à foz do rio
Cocó, o que favorecia a corrosão das edificações, assim como dos bens materiais
dos que habitavam, resultando na desvalorização dos imóveis.
O crescimento urbano de Fortaleza ocorreu, tradicionalmente, através da
ocupação dos loteamentos existentes, sobretudo nas periferias das cidades. Assim,
formaram-se grandes aglomerados populacionais, tornando difíceis os atendimentos
à população pelo sistema de serviços urbanos, bem como pelo comércio e pelas
escolas, dificultando a integração social.
O crescimento demográfico de Fortaleza está relacionado à formação de
grandes favelas, onde reside a população pobre, sendo a maioria de imigrantes, ou
melhor, gerações de imigrantes. Muitas favelas tiveram origem no século XIX, com a
política dos abarracamentos, e na década de 30. Durante a década de 70, os
administradores municipais e estaduais programaram uma política de conjuntos
habitacionais, com o intuito de minimizar a real situação da época, tendo a
construção destes iniciada em 1967, com o Conjunto Habitacional Prefeito José
Walter.
20
Tabela 2 - Relação dos Conjuntos habitacionais construídos (Período: 1957/1976)
Conjuntos
Local
Total de Habitações
Habitacionais
Albuquerque Lima
Praia do Futuro
135
Aliance
Mondubim
84
Almirante Garcia Dávila
Aldeota Sul
145
Alvorada
Água Fria
279
Beira Rio
Barra do Ceará
412
Ceará (1ª etapa)
Granja Portugal
966
Cidade 2000
Nova Aldeota
1.936
Esperança
Entre Leste/Oeste e Sargento
Hermínio
114
Francisco Sá I e II
Francisco Sá
329
Guararapes
Aldeota Sul
88
Nova Assunção
Barra do Ceará
868
Palmeiras
Messejana
732
Pref. José Walter
Mondubim
4.742
FONTE: Dantas, et al, 2009.
A mesma Fortaleza moderna, vista como a grande metrópole, esqueceu a
sua identidade do passado, quando era aldeia, e parece não se reconhecer no
presente. Se os ricos e pobres estão distantes socialmente, o que dizer da distância
social entre os ricos e os que vivem na extrema pobreza? Aqueles que estão nas
ruas, dormindo em bancos de praças a espera dos afortunados, esperando uma
ajuda ou auxílio. Eles acreditam que os afortunados irão lhe dar mais esmolas, e,
por isso, costumam vagar pelas ruas de Fortaleza. Portanto, uma cidade do porte de
Fortaleza, vista como metrópole, e que tem o desenvolvimento que privilegia o
território e o capital, não pode esquecer o ser humano e sua sobrevivência.
De acordo com Menezes (2006), o engenheiro Silva Paulet criou um
projeto de urbanização, no intuito de ordenar as ruas para uma expansão. A partir
desse momento, as vias públicas passaram a ter um novo sistema, sendo
rigorosamente paralelas em ângulo reto. As casas de taipa passaram a ser
substituídas pelas de tijolo e alvenaria, surgindo em 1940 os primeiros parapeitos. A
iluminação pública foi instalada somente em 1848, quando Fortaleza já tinha cerca
21
de 5.000 habitantes. Em 1880, foi a inauguração da Estação Central João Felipe,
tendo, dessa forma, o início do transporte público e coletivo.
Fortaleza contava com 25 bondes à tração animal, sendo substituído, em
1913, pelos bondes elétricos da Caerá Light and Tamways Power Co. Em 1920,
Fortaleza expande ruas ao leste, para a Aldeota e para a Praia do Meireles; na
Aldeota surgem as residências grandes e modernas, que abrigavam as famílias mais
abastadas. No Meireles sugiram os grandes clubes da alta sociedade, como o
Náutico, o Clube dos Diários, o Clube Ideal, entre outros. Parte do Patrimônio
Arquitetônico de Fortaleza remete ao fim do século XIX e século XX.
No final do século XIX, a Praça do Ferreira é a praça mais conhecida e
frequentada de Fortaleza, sendo considerada o coração da cidade, além de palco de
importantes acontecimentos da história. Seus bares, cinemas e cafés foram, por
muito tempo, local de encontro dos cearenses, passando por ali ilustres
personagens da história cearense, como Quintino Cunha, Boticário Ferreira, entre
muitos outros.
A Praça do Ferreira ainda hoje é rodeada por várias construções que
marcaram época em Fortaleza, como a Farmácia Osvaldo Cruz e o Cine São Luís.
Atualmente, a Praça possui uma versão moderna de quiosques e de um pequeno
cajueiro, no mesmo lugar que existiu o Cajueiro da Potoca. Essa mesma praça é,
atualmente, ocupada por várias “Marias” e “Josés”, pessoas que sobrevivem das
ruas e que estão abandonadas nos bancos da praça. Infelizmente, esse número
vem crescendo, e o pior: essa realidade está se escondendo e se adaptando no
cotidiano de Fortaleza. A história da referida Praça vai ser discutida no quarto
capítulo.
Fortaleza completou 287 anos no dia 13 de abril, e durante esse tempo, a
cidade passou por várias mudanças que transformaram a paisagem da capital
cearense. Dentre eles, pode-se citar a construção do Jardim Japonês, na Avenida
Beira Mar (TRIBUNA DO CEARÁ, 2012).
Entre os anos de 2007 e 2010, o número de pessoas vivendo em situação
de extrema pobreza no Ceará aumentou 51,64%. Nesse período, a quantidade de
indivíduos que ganham até U$ 1 por dia (cerca de R$1,85), critério utilizado pelo
Banco Mundial para estabelecer a pobreza extrema, subiu de 991.120 para
1.502.924. É um acréscimo de 511.804 indivíduos, que está abaixo da linha de
miséria.
22
As pessoas em situação de rua, muitas vezes, vivem como estranhos E
não participam da sociedade, fazendo o papel de não pessoa, implicando, assim, em
uma relação de desrespeito frente aos indivíduos que vivem em uma sociedade
atuante. O desamparo é uma característica do viver citadino.
Conforme De Lucca (2007, p. 229), “a experiência de rua deixa
gradativamente de ser uma experiência de sofrimento, transformando-se em
situação de risco e insegurança. Infelizmente, ao invés das pessoas em situação de
rua serem consideradas grupos que estão em risco, eles são vistos como risco à
segurança da população. Segundo o censo do IBGE (2010), Fortaleza tem
2.452.185 habitantes, sendo a quinta capital do país em termos populacionais,
ficando atrás dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal e Bahia.
Fortaleza destaca-se pela atividade comercial, caracterizando-se como
uma cidade terciária, tendo como maior destaque o turismo e o entretenimento.
Mesmo diante de tantas mudanças, a situação de pobreza extrema em que vivem os
indivíduos é gritante. Vive-se em uma sociedade onde as necessidades são
estimuladas e criadas através do consumo, e, para muitos, essa é a única condição
de inclusão na sociedade. O desejo por consumir está muito presente na sociedade.
Vive-se
em
uma
sociedade
desigual,
onde
existem
pessoas
extremamente ricas e extremamente pobres. Fortaleza se revela pela concentração
de riqueza em convivência com a pobreza, carregando marcas da desigualdade
social. Com a expansão do capitalismo, a necessidade de produzir aumenta gerando
uma sociedade de consumo, que dará origem ao desperdício e a segregação. Ao
mesmo tempo em que aumenta a concentração de riqueza, aumentam também as
favelas, a miséria, o desemprego e, principalmente, a violência urbana, crescendo o
desequilíbrio e os conflitos sociais. “A cidade, ao mesmo tempo em que se
apresenta de forma dinâmica e com setores de alto padrão, mostra também sua face
miserável, tornando-se a expressão da contradição” (COSTA, 2007, p. 94).
A cidade se tornou um espaço de contradições e lutas diárias, e um dos
aspectos mais contraditórios é a paisagem urbana, considerada o choque das
diferenças, na medida em que a cidade é “concentração de pessoas exercendo, em
função da divisão social do trabalho, uma série de atividades concorrentes ou
complementares, o que enreda uma disputa de uso” (CARLOS, 2008. p. 50). A
mesma cidade que inclui também exclui aqueles que não fazem parte do mercado
consumidor, sendo um mosaico de paisagens que revelam as desigualdades
23
sociais, materializadas no espaço urbano. As maneiras mais significativas das
desigualdades revelam-se, também, nas formas de habitação.
2.3
Cidade: Direito de Todos
A cidade surge de uma vontade humana e coletiva, resultado da
organização da vida em sociedade. Foi o desejo do homem de enfrentar os desafios
impostos pela natureza que favoreceu o surgimento de uma vida sedentária, em que
cada um buscou um lugar para viver (MACIEL, 2004).
Grande parte dos habitantes vive nas grandes cidades, tidas como palco
de lutas e contradições. Com a expansão das cidades e das regiões metropolitanas,
surgiram também as extensas periferias ocupadas por populações pobres, pessoas
essas que foram expulsas dos grandes centros urbanos e partiram em busca de
trabalho, renda e equipamentos urbanos. Fortaleza, atualmente, convive com essa
realidade. A distribuição dos benefícios acarretados pelo processo urbano é
historicamente injusta, resultado de décadas de descaso, de preconceito e,
principalmente, atuação privilegiada voltada para uma minoria.
Segundo Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios4 (PNAD), de
2006, cerca de 83% dos brasileiros vivem em cidades. Em 2010, o país possuía
cerca de 6.329 aglomerados subnormais, ou seja, assentamentos irregulares
conhecidos como favelas, invasões, grotas, vilas entre outros. Esse aglomeramento
nos centros urbanos é resultado de um desenvolvimento econômico que, desde os
meados do século XX até os dias atuais, vem diminuindo os empregos no campo,
ocasionando a migração em busca de melhores condições de vida.
A tão sonhada melhora de vida na cidade, não veio acompanhada das
politicas públicas. Morar na área urbana significa enfrentar poluição, insegurança,
falta de saneamento básico, violência e, principalmente para muitos, a falta de
moradias. Em realidade, a perspectiva radical do „direito a cidade‟, no Brasil pode
ser facilmente confundida com os direitos básicos, uma utopia diluída nas lutas por
4
A PNAD considera aglomerados subnormais o número de domicílios ocupados em favelas,
invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros
assentamentos irregulares para o conjunto do País, Grandes Regiões, Unidades da Federação e
municípios.
24
direitos elementares da população, como água, esgoto e transporte escolar. É um
„direito à cidade‟, mínimo como a cidadania brasileira: e „possível‟ (CARLOS, 2008).
Martins (2006, p. 134) define o direito à cidade a partir das concepções do
Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), pilar aglutinador do amplo espectro de
agentes e de instituições sociais envolvidas na bandeira e na causa popular das
reformas urbanas.
O direito á cidade e à cidadania é concebido como direito fundamental e
concerne à participação dos habitantes das cidades na definição legitima do
destino que estas devem seguir. Incluir o direito à terra, aos meios de
subsistência, à moradia, ao saneamento ambiental, à saúde, à educação,
ao transporte público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer e à informação.
Abrange ainda o respeito às minorias, a pluralidade étnica, sexual e cultural
e o usufruto de um espaço culturalmente rico é diversificado, sem distinções
de gênero, etnia, raça, linguagem e crenças. (MARTINS, 2006, p. 134).
O direito à cidade passou a fazer parte do direito humano universal
protocolado pela Carta Mundial do Direito à Cidade. Essa carta foi elaborada pelo
Fórum Nacional da Reforma Urbana, e aborda três princípios fundamentais, sendo
eles: o exercício pleno da cidadania; a gestão democrática da cidade; e a função
social da propriedade.
Pode-se pensar um direito de cidadania, os articulando com os direitos
humanos. Todos os habitantes que se encontram nas áreas urbanas devem ter seus
direitos garantidos, sendo eles direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais,
permitindo, assim, que todos aproveitem com igualdade, tendo acesso aos serviços
públicos domiciliares e urbanos. Seus direitos civis e políticos também devem ser
garantidos pela liberdade de ação e organização, com respeito à variedade das
culturas, podendo qualquer pessoa viver sem discriminação de qualquer tipo, seja
de gênero, raça, etnia ou orientação sexual, no intuito de preservar a memória e a
identidade cultural de cada indivíduo.
Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades, formado por organizações
sociais, Organizações Não Governamentais (ONG‟s), entidades profissionais,
acadêmicas e de pesquisa, entidades sindicais e órgãos governamentais. Esses
atores sociais e suas ações orientaram o desenvolvimento sustentável para as
cidades de forma participativa, sempre respeitando as diferenças. Já surgiram
conquistas importantes em consequência dessa luta, como documentos e carta de
princípios. Destaca-se o Tratado Por Cidades, Vilas e Povoados, Justos,
25
Democráticos e Sustentáveis (1992); a Carta Europeia dos Direitos Humanos na
Cidade (1992), e a Carta Mundial do Direito à Cidade (2005).
Esses documentos têm como objetivo influenciar os modos de governar
das políticas públicas sejam elas regionais ou nacionais, de modo que exista a
democracia com o objetivo de reverter o quadro de desigualdade social. No Brasil,
esse movimento tinha como bandeira de luta a reforma urbana, ganhando força na
redemocratização brasileira, em 1985. Uma das principais conquistas em relação à
politica urbana na Constituição Brasileira foi à promulgação do Estatuto das
Cidades- lei nº. 10.257 (2001).
Sob o direito à cidade, o Ministério das Cidades (2003) aborda como
missão o “combate as desigualdades sociais, transformando as cidades em espaços
mais humanizados, ampliando o acesso da população à moradia, ao saneamento e
ao transporte”.
A partir do advento do Estatuto das Cidades, ficou prevista a aplicação
dos princípios das funções sociais da cidade e da propriedade. Isso significa dizer
que as atividades econômicas e o direito à propriedade urbana devem atender, em
primeiro lugar, as necessidades humanas, tendo como base os direitos humanos e
partindo de um processo participativo e democrático, para depois atender aos
interesses da burguesia. Prevê o fortalecimento e a participação de municípios em
politicas públicas que assegurem os direitos aos seus habitantes, com participação
popular, inclusive dos setores que mais sofrem com desigualdades econômicas e
sociais. A Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos XXII e XXIII, dispôs que:
“É garantido o direito de propriedade em todo território nacional, mas
também estabeleceu que toda propriedade atenderá a sua função social.
Alcança-se, com este importante princípio, novo patamar no campo do
direito coletivo introduzindo a justiça social no uso das propriedades, em
especial no uso das propriedades urbanas. E é o Estado, na sua esfera
municipal, que deverá indicar a função social da propriedade e da cidade,
buscando o necessário equilíbrio entre os interesses público e privado no
território urbano. Assim, a propriedade urbana, cujo uso, gozo e disposição
pode ser indesejável ao interesse público e que, o sendo, interfere
diretamente na convivência e relacionamento urbanos deverá, agora,
cumprir sua função social”.
Tais legislações têm o compromisso de criar instrumentos políticos e
jurídicos, com o objetivo de transformar as cidades brasileiras, visando minimizar as
desigualdades sociais e possibilitando uma humanização das relações sociais.
26
Podem-se citar como exemplo dessa nova forma política, os Conselhos, as
Conferências das Cidades e o Orçamento Participativo.
Os maiores problemas enfrentados nas cidades estão relacionados com a
habitação. Todas apresentam contrastes, marcadas por desigualdades, sem acesso
à moradia, educação, alimentação, trabalho, entre outros. Esse cenário é mais forte
nos países em desenvolvimento, como o Brasil, pois se está diante de uma
economia voltada para a produtividade e lucro, que consiste na lógica do
capitalismo. Assim, promove-se a construção de avenidas, edifícios e ruas, não se
preocupando em garantir os direitos e atender as necessidades de seus habitantes.
Faz-se necessário uma política habitacional, em que os conjuntos populares não
sejam construídos somente nas periferias, com dificuldades, especialmente, de
transporte público.
Ao conversar com um morador de rua, durante a pesquisa de campo, o
5
Sr. José (2013), de 51 anos, que mora nas ruas há 21 anos, o mesmo aborda que:
As maiores prioridades dos moradores de rua são: habitação, segurança e
um órgão responsável para capacitação. Nós estamos entregue as baratas.
Os governantes não estão nem aí pra nós. Existe muita gente que ganha
em cima dos moradores de rua, os mercenários. Até ganhei uma casa, mas
ficava muito longe do meu trabalho, eu tinha que acordar às quatro horas da
manhã, lá era muito perigoso pra pegar o ônibus, estava arriscando minha
vida. Fora isso, ainda tinha que pagar uma taxa de condomínio, pois lá tinha
cerca elétrica, tinha que pagar água e luz. Você sabe, né, uma pessoa que
ganha pouco não tem condições. A assistência „jogou nós‟ lá e não tivemos
nem um acompanhamento social por parte dela. Então vendi e voltei pra rua
de novo, mas não foi só eu: de sete moradores só um tá lá morando hoje.
Como o Sr. José (2013), existem vários outros moradores de rua na
mesma condição: o desamparo passa a se característica do viver citadino.
Atualmente, os moradores de rua vêm ganhando espaços com o Movimento
Nacional da População de Rua (MNPR). Em 2002, Fortaleza tinha cerca de 4.000
moradores de rua; em 2013, estima-se que esse número passa de 5.000 moradores
de rua (DIÁRIO DO NORDESTE, 2013). Nas palavras do Sr. José (2013) “as ruas
foram feitas pra namorar, passear, brincar e não pra se morar”.
5
O Sr. José, como os outros nomes citados no trabalho, são nomes fictícios que foram utilizados para
os entrevistados durante a pesquisa de campo.
27
Os moradores de rua são vistos como estranhos que não fazem parte da
sociedade, implicando em uma relação de desrespeito frente aos indivíduos. Existe
uma tendência de elevação dos moradores de rua, uma vez que a vida coletiva e a
vida privada estão ligadas à lógica do mercado, transformando a educação, a
habitação, e a saúde em mercadorias. Ao invés dos moradores de ruas serem
grupos que estão em risco, eles são vistos como o próprio risco. (COSTA, 2005).
O II Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) tem como um dos
principais objetivos a “sensibilização de toda sociedade brasileira com vistas à
construção e consolidação de uma cultura de respeito aos direitos humanos”
(BRASIL, 2002, p. 03). O programa implica na garantia dos direitos à moradia,
educação, saúde, dentre outros. Em se tratando de moradia, está longe a garantia
no aspecto de espaço, privacidade, segurança, abastecimento de água, esgoto, luz,
razão pela qual é fundamental, segundo o PNDH II (2002, p. 28), “criar, manter e
apoiar programas de proteção e assistência aos moradores de rua, incluindo abrigo,
orientação educacional e qualificação profissional”.
O Ministério das Cidades veio propor uma política urbana inovadora, com
a responsabilidade de integrar os setores de infraestrutura, saneamento, habitação,
planejamento urbano, dentre outros. O intuito era integrar as políticas, levando em
consideração o direito de cada cidadão, a sua qualidade de vida e, principalmente,
assegurar o seu direito à cidade. Tais preocupações estão ligadas as orientações da
Politica Nacional de Assistência Social (PNAS); um dos intuitos da PNAS (2004) é
tornar visíveis os setores da sociedade brasileira, tradicionalmente tidos como
invisíveis ou excluídos das estatísticas.
Vários são os lugares em Fortaleza onde a miséria se efetiva. Pode ser
na Aldeota, passando por viadutos, terminais rodoviários, até chegar às ruas e
praças do centro. No próximo capítulo, serão abordados os moradores de rua e as
respectivas políticas para eles.
28
3
3.1
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA INSERIDA NA POLÍTICA NACIONAL
DE ASSISTÊNCIA E NA POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO DE
RUA
População em Situação de Rua: Uma Breve Contextualização
Com a Revolução Industrial, um maior número de pessoas passou a
vender o único bem que possuíam: a sua força de trabalho; formaram, então, a
classe trabalhadora, ou proletariado, que surgiu do movimento de organização
dessa classe contra o modo de produção capitalista, que cada vez mais fazia com
que o número de sobrantes aumentasse (VICTOR, 2013).
São tidas como “sobrantes” as pessoas que estão fora do mercado de
trabalho, em consequência da redução dos postos de trabalho, da competitividade e
da concorrência exigida pelo mercado capitalista, fatores esses que contribuem para
o aumento da desigualdade social. Para o individuo prover sua sobrevivência, tornase necessário a sua inserção no mercado de consumo, pois se os mesmos não
fazem parte do processo de circulação de mercadoria, automaticamente sobram, ou
seja, passam a constituir os “sobrantes da sociedade”. É nesse contexto que estão
inseridas a população em situação de rua.
Para Escorel (1999, p. 34), “a Revolução Industrial e a implantação
definitiva e dominante do modo de produção capitalista encontraram respaldo nas
mudanças de representação social da pobreza para estabelecer regulamentos e
normas punitivas e criminalizantes”.
Para o enfrentamento desse modo capitalista, as lutas sociais e a
organização dos trabalhadores proporcionaram o surgimento de reuniões políticas
sobre as condições de vida e trabalho. Ao se sentirem pressionados, os governos
decidem pela elaboração de legislações protetoras, com o intuito de dar respostas
aos trabalhados insatisfeitos. As ações públicas de proteção social favoreciam aos
desempregados, prestando assistência social às pessoas que não tinham condições
de trabalhar para manter seu sustento, tidos como inválidos.
Para Castel (1998), antes da Revolução Industrial e de sua demanda de
mão de obra, a pobreza estava relacionada ao mercado de trabalho. Algumas
pessoas formaram grupos e eram conhecidos como mendigos, pois existiam
pessoas inválidas e incapazes, que não tinham condições físicas e/ou mentais para
trabalhar, ficando a mercê da proteção e da caridade. Mas também tinham aqueles
29
que se aproveitavam da caridade das pessoas, indivíduos que não tinham nenhum
problema físico ou mental, que estavam aptos a exercer suas atividades, mas
preferiam pedir esmolas para sobreviver.
“A grande preocupação é ver que esse fenômeno se agrava cada vez
mais e bem mais rápido do que a capacidade de desenvolver, implementar e efetivar
os trabalhos e as políticas sociais para esse público” (VICTOR, 2013, p. 14). Esse
agravamento é consequência do aumento de massa sobrante da população, pois o
sistema capitalista apenas visa o aumento do lucro, sem se importar com as
consequências atribuídas à sociedade.
Com o processo da industrialização, veio o desenvolvimento tecnológico,
ocasionando desemprego e desigualdade social, pois muitos trabalhadores foram
tirados de seus campos de trabalho, sendo substituídos por máquinas. Dessa forma,
geravam riquezas para uma pequena parcela da sociedade, enquanto muitos
trabalhadores possuíam apenas o básico para sobreviver; outros não tinham nem o
básico, convivendo diariamente com a fome. De acordo com Silva (2009, p. 258):
[...] O aumento da produtividade do trabalho não elimina a produção da
mais-valia; ao contrário é uma forma de viabilizá-la pela contração do tempo
de trabalho necessário à produção do equivalente ao salário e aumento do
tempo excedente (trabalho não pago), que se traduz em lucro para o
capitalista.
O processo de industrialização submete a classe trabalhadora aceitar as
condições precárias de trabalho, recebendo baixos salários, insuficientes para sua
subsistência, acarretando em desemprego e contribuindo para a formação do
exército de sobrantes. Muitos passam a viver nas ruas, tornando-se invisíveis aos
olhos da sociedade e aumentando a desigualdade social.
“As mudanças no mundo de trabalho são responsáveis pelo aumento dos
„trabalhadores sem trabalho, ou seja, dos miseráveis e dos excluídos” (VICTOR,
2013, p.16). Para enfrentar a nova problemática social de exclusão, são necessárias
novas estratégias de sobrevivência da classe trabalhadora, sendo que as políticas
de seguridade social eram baseadas na centralidade do trabalho assalariado, e, se
essa classe não tinha salário, ficavam sem condições de sobrevivência (CASTEL,
1998). Conforme Silva (2009, p. 23):
A redução dos postos de trabalho e o incremento do uso de tecnologias
avançadas para elevar a produtividade das empresas não lhe tiraram a
30
capacidade peculiar de gerar riquezas; a fonte de riqueza no capitalismo
contemporâneo continua sendo o trabalho não pago.
Uma das formas de lucro do capitalismo vem da tecnologia, que tem o
objetivo de acelerar a fabricação de mercadorias em um menor tempo, gerando,
assim, inúmeros desempregos. O que antes necessitava de mais trabalhadores para
o processo de fabricação, agora é fabricado em menos tempo e com menos mão de
obra. Com a modernização das máquinas, o investimento em tecnologia fez com
que a mão de obra perdesse o valor, tornando o trabalho do indivíduo precarizado e
sem valor, gerando vulnerabilidade social (VICTOR, 2013).
Para garantirem seus empregos, os trabalhadores teriam que aprender a
executar várias atividades, ou seja, teriam que ser trabalhadores polivantes. Para
Silva (2009, p. 20),
[...] um perfil de trabalhador capaz de desenvolver simultaneamente
diversas atividades, operar várias máquinas e de utilizar intensamente a sua
capacidade intelectual, em favor do capital; [...] formou-se uma gigantesca
massa populacional sobrante, uma massa excedente às necessidades
médias de acumulação do capital, o que Marx (1988b) denomina
superpopulação relativa ou exército industrial de reserva.
O processo de modernização e o crescimento da metrópole ocasionaram
um extenso fluxo migratório para as cidades, aumentando o número de pessoas que
buscavam empregos, querendo se inserir no mundo do trabalho precário. Essas
pessoas se submetiam a qualquer condição de trabalho, no intuito de prover sua
subsistência, e os que não conseguiam emprego começaram a pensar em outras
estratégias de sobrevivência, e uma delas foi à mendicância.
Para essa população fora do mercado formal, o que lhes restaram foi à
busca por outras maneiras de suprir suas necessidades; muitos foram coletar
materiais para reciclagem. O sistema econômico produz esses objetos descartáveis,
o trabalho desses indivíduos no campo da informalidade é desvalorizado, a
sociedade os descriminam e esquecem que a coleta de material reciclável é de
extrema importância, principalmente, para as indústrias. Sobre isso, Burstyn (2003,
p.8) afirma que:
[...] o sistema global produz pessoas descartáveis, que passam a viver do
descarte do consumo. Como se os seres humanos fossem lixo, vivendo na
rua e da rua, do lixo dos ricos. O descarte social e o descarte do consumo
se unindo, um vivendo do outro.
31
As transformações ocorridas ao longo dos séculos em relação aos
sistemas social, econômico e político da sociedade, contribuíram para que os atores
também se transformassem, e não seria diferente com a população em situação de
rua (VICTOR, 2013). Transformações estas que foram acarretadas pelo intenso
processo de globalização, afetando as relações econômicas e sociais.
Alguns grupos que fazem parte da população em situação de rua são:
catadores de materiais recicláveis, flanelinhas, albergados, pedintes, biscateiros,
andarilhos, crianças e adolescentes que fugiram de casa, hippies e pedintes de
Natal (passam de um a dois meses na rua para receberem doações de caridade na
época do Natal) (BURSZTYN, 2003). Geralmente, eles estão localizados no centro
da cidade, por ser um local de consumo da sociedade e por oferecer abrigo durante
a noite, ao fechar das lojas.
Com a globalização e o avanço tecnológico, muitas são as consequências
negativas, transformando as relações sociais e econômicas do mundo, configuradas
na reprodução de desigualdades sociais e na falta de garantias para uma grande
parcela da população. A desigualdade de distribuição de bens sociais, a
discriminação, o desrespeito às diferenças e a involução de valores, fazem parte do
pensamento globalizado e do processo econômico em curso. Pessoas estão vivendo
por meio de caridade ou de estratégias que elas criam para sua sobrevivência em
sociedade. Mas esses serviços não são suficientes para atender a demanda
existente, além de também não serem idealizados.
Ter uma moradia digna é um direito de todos assegurado pela
Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, no art.6°. Sem ter um lugar
para morar, muitos passam a ocupar locais públicos como moradia, fragilizando a
ressocialização desses indivíduos. A população em situação de rua é vista como se
fosse formada por indivíduos perigosos que comprometem a segurança da
sociedade.
Bursztyn (2003, p. 20) diz que:
[...] aumentaram as disparidades e as incertezas, ao passo que a pobreza
extrema se acentuava. Assim, parcelas das populações que viviam no
patamar inferior dos circuitos econômicos são jogadas para fora do sistema.
São excluídas do processo de geração de riqueza (emprego) e da
distribuição de seus frutos (consumo). Sobrevivem, mas valendo-se apenas
de um acesso precário a mecanismos públicos, com a assistência social e
32
os serviços de saúde e, [...], a caridade privada, a filantropia ou entidades
assistenciais religiosas. Infraestrutura privada, como habitação, vai-se
tornando algo distante, inacessível. Trabalham, muitas vezes, mas não são
empregados. Obtêm alguma renda, mas de forma assistemática e pouco
convencional. Transformaram o espaço público – as ruas- em seu universo
e de sobrevivência privado. Às vezes tornam-se perigosos, na medida que
praticam delitos [...].
Cada morador de rua têm diversos motivos que os levaram a estar nessa
situação, seja ela temporária ou permanente. Alguns deles vieram com o processo
de migração, pela dificuldade de inserção no mercado de trabalho, pelo rompimento
com os vínculos familiares e pelo uso de substâncias psicoativas(VICTOR, 2013).
Ressalta-se que o termo “morador de rua” é utilizado para pessoas que estão em
situação permanente nas ruas, enquanto que “população em situação de rua” é
usado para os que estão temporariamente nas ruas, sendo considerado algo que
pode ser superado com sua inserção no mercado formal de trabalho.
O processo de migração do campo para a cidade é um dos principais
motivos que levam as pessoas à situação de rua. Geralmente, eles chegam à cidade
em busca de emprego ou apenas com promessas, e não tendo nenhum recurso
financeiro, acabam ficando sem moradia, passando a ocupar lugares públicos como
ruas, praças parques, viadutos, marquises, entre outros, transformando esses
lugares em locais de moradias (BURSZTYN, 2003).
No Brasil, o processo de migração da zona rural para a zona urbana teve
alguns momentos marcantes: a época do “milagre econômico” brasileiro, por
exemplo, quando a população saía do campo com a perspectiva de conseguir
emprego com o crescimento industrial (VICTOR, 2013). Com as intensas
transformações econômicas da época, viver na cidade significava ter maiores
possibilidades de emprego e garantia de subsistência. Outro momento foi a
chamada “década perdida”, quando ocorreu a diminuição do êxodo rural,
consequência da diminuição da população do campo, que, na década anterior já
havia migrado para a zona urbana (BURSZTYN, 2003).
Nas
áreas
metropolitanas
que
foram
ocupadas
pela
população
socialmente excluída ocorreu a periferização da pobreza, a diminuição da renda dos
indivíduos e a precariedade dos serviços urbanos prestados a essas comunidades.
“Essa população vive em situação de risco, pois a ocupação é feita de maneira
desordenada e essas áreas ficam com o número elevado de pessoas” (VICTOR,
2013, p. 260).
33
A população em situação de rua está inserida nesse contexto. Grupo
populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas
que têm em comum a condição de pobreza e a falta de pertencimento à sociedade
formal (COSTA, 2005). No decorrer de suas vidas, algum infortúnio os atingiu, seja o
rompimento dos vínculos familiares, o desemprego, problemas com álcool e/ou
drogas. Aos poucos vão perdendo suas perspectivas de vida, passando a ter as ruas
como espaço de sobrevivência e moradia.
Essa realidade é característica do processo de exclusão social existente
no Brasil. A exclusão social tem origens econômicas, mas se caracteriza, também,
pela falta de pertencimento social, perda da autoestima, dificuldade de acesso à
informação e, principalmente, a falta de perspectiva futura.
Bursztyn (2003, p. 146-147) afirma que “no Brasil o fenômeno da
exclusão social ganhou grandes proporções devido à expansão do desenvolvimento
econômico sem o desenvolvimento social, deixando as pessoas em situação de
pobreza”. A população em situação de rua compartilha de diversas estratégias para
sobreviver no espaço urbano, seja inserido no trabalho informal ou como pedinte.
Vários fatores identificam a população em situação de rua, por isso, a
formação dessa população é heterogênea. Alguns autores têm conceitos
diferenciados quanto ao fenômeno população em situação de rua. De acordo com o
Artigo 1°, parágrafo único da Política Nacional para a População em Situação de
Rua, define-se que:
População em Situação de Rua é o grupo populacional heterogêneo que possui
em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou
fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os
logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de
sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (BRASIL,
2009).
Para Escorel (1999, p. 17) “a população de rua se distingue entre uma
minoria de grupos familiares que está na rua, e a maioria homens sós, que andam
em grupo, em duplas ou sozinhos, para os quais a família está distante e é apenas
referência”. Para a autora, a população em situação de rua consiste no rompimento
dos vínculos familiares.
34
Para Sebes (1992 apud Bursztyn 2003, p. 152), “população em situação
de rua são aqueles que estão nas ruas circunstancialmente, temporariamente e
permanentemente, ou entre os que estão na rua e os que são da rua”.Já para
Rodrigues e Silva (1999 apud Burstzyn 2003, p. 153), “(...) população em situação
de rua é o conjunto daqueles que vivem permanentemente nas ruas, que dependem
de atividade constante que implique ao menos um pernoite semanal na rua”.
Diante disso, pode-se compreender por população em situação de rua, as
pessoas que tiveram seus vínculos familiares rompidos, e que, por algum motivo,
seja pelo uso de álcool e/ou drogas, por falta de emprego ou por descaso do poder
público, estão vivendo na pobreza e sofrendo preconceito. Pessoas que não
conseguem ganhar o mínimo para garantir sua alimentação e moradia digna,
passando a ocupar temporariamente ou permanentemente as ruas e os bancos das
praças.
De acordo com Bulla (2004, apud, Prates, 2004, p.113-114) “a perda de
vínculos familiares, decorrente do desemprego, da violência, da perda de algum ente
querido, alcoolismo, drogadição, entre outros fatores é o principal motivo que levam
as pessoas a morarem nas ruas”. São histórias de sucessivas perdas que, em
muitos casos, estão associadas ao uso de álcool e drogas, não só pelo indivíduo
que está na rua, mas pelos familiares. O Sr. Francisco (2013), 44 anos, que retornou
para as ruas há quatro meses relata que: “(...) voltei a viver nas ruas desde que
mataram meu filho, há quatro meses. Voltei a beber novamente, quando o vi no
caixão. O mundo não teve mais sentido pra mim”.
Nas ruas também se encontra pessoas que chegaram às grandes cidades
e não conseguiram emprego ou um local para morar, como o caso do Sr. Antônio
(2013), 47 anos, que está em situação de rua há dois anos:
[...] vim de Recife pra cá para trabalhar como segurança ou vigia, pois já
tenho experiência na carteira. Eu trabalhava aqui em Fortaleza em uma
determinada distribuidora de remédios como vigia, mas minha esposa
precisou fazer uma cirurgia no Recife e não tinha quem ficasse com ela.
Então, pedi as contas e fui para Recife. Lá não consegui emprego e não
queria ficar dependendo dela, aguentando humilhações de parentes.
Resolvi voltar para Fortaleza, só que não consegui mais emprego aqui, e o
único lugar que tive pra ficar foi a rua. Aqui estou, há dois anos, mas sei que
essa situação é temporária, todos os dias vou procurar emprego [...].
Para Bulla (2004, apud, Prates, 2004, p.113-114), “de uma forma geral, as
pessoas em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e sapatos
35
surrados, denotando a pauperização da condição de moradia na rua”. Nas ruas não
se encontram somente pessoas sujas, com sapatos surrados. Durante a pesquisa
de campo, foi possível conhecer e ter uma aproximação com várias pessoas que
estão em situação de rua, sendo possível afirmar que grande parte dessas pessoas
têm o cuidado com sua aparência e se preocupam com sua higienização. Existem
alguns moradores de rua que, realmente, vivem sujos, mas não se pode generalizar,
por ser uma forma preconceituosa de olhar a realidade na qual essas pessoas estão
inseridas.
Conforme a Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua
(2008), “a população em Situação de Rua não é incluída nos censos demográficos
brasileiros e de outros países, fundamentalmente, porque a coleta de dados dos
censos é de base domiciliar”. Trata-se de uma população sem visibilidade social,
pois os principais órgãos responsáveis por realizar pesquisas, como o IBGE, não
oferecem pesquisas específicas sobre a população em situação de rua.
De acordo com o Sumário Executivo da Pesquisa Nacional sobre a
População de Rua (2007) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, 2008, foram contabilizadas 31.922 pessoas em situação de rua vivendo em
calçadas, praças, rodovias, etc. O Sumário Executivo (2007) aborda as seguintes
características socioeconômicas:

A população em situação de rua é predominantemente masculina
(82%).
 Mais da metade (53%) das pessoas adultas em situação de rua possui
entre 25 e 44 anos.
 39,1% das pessoas em situação de rua se declararam pardas. Essa
proporção é semelhante à observada no conjunto da população
brasileira (38,4%). Declararam-se brancos 29,5% (53,7% na população
em geral) e pretos 27,9%, (apenas 6,2% da população em geral).
Assim, a proporção de negros (pardos somados a pretos) é
substancialmente maior na população em situação de rua.

Os níveis de renda são baixos. A maioria (52,6%) recebe entre R$
20,00 e R$ 80,00 semanais.
Não existem pesquisas que retratem as características desse público com
abrangência nacional. O próprio Censo, realizado pelo IBGE (2000), bem como as
pesquisas de amostragem domiciliar de mesmo instituto, não computam essa
36
população de rua, em função da sua falta de moradia. Os poucos dados existentes
são obtidos em pesquisas realizadas por municípios ou por universidades (COSTA,
2005).
A atenção do Poder Público em relação ao segmento populacional é
recente, sendo consequência de vários anos de lutas sociais. O desinteresse do
Estado reflete a contradição com que a sociedade e a opinião pública tratam o tema,
ora com compaixão, preocupação e assistencialismo, ora com preconceito e com
indiferença (COSTA, 2005).
Essa realidade começou a mudar no final da década de 1980 e início dos
anos 1990, com a Constituição Federal de 1988, que instituiu os direitos sociais
como direitos fundamentais de todo cidadão, e com a Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS), que veio regulamentar a Constituição Federal, reconhecendo a
Assistência Social como uma política pública.
3.2
Política Nacional de Assistência Social
A Constituição de 1988 instituiu a Assistência Social como uma política
social não contributiva, voltada para aqueles cujas necessidades materiais, sociais e
culturais não podiam ser asseguradas, quer pelas rendas do trabalho, quer pela
condição geracional, seja ela pela infância e velhice, ou por necessidades físicas e
mentais (MOTA, 2008). Sua conjuntura se formou nos meados da década de 1990,
sendo marcada por crises políticas e econômicas, atingindo, principalmente as
sociedades periféricas.
A Politica Nacional de Assistência Social (PNAS) foi elabora em 2004 e o
público dessa política são cidadãos e grupos que se encontram em situação de
risco. Buscou-se garantir proteção para todos que dela necessitam, sem
contribuição, permitindo a melhoria e a ampliação dos serviços de assistência.
A PNAS tem como objetivos:

Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social
básica, em especial para famílias, indivíduos e grupos que deles
necessitarem.

Contribuir para a inclusão e a equidade dos usuários e grupos
específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais
básicos e especiais, em áreas urbana e rural.
37

Assegurar que as ações no âmbito da Assistência Social tenham
centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e
comunitária.
A PNAS implementou em 2005 o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), que tem como objetivo a garantia de políticas públicas para a população
que se encontra em situação de vulnerabilidade. Seu modelo de gestão é
descentralizado e participativo, tendo como prioridade a ampliação de serviços,
programas, projetos e benefícios voltados para as famílias e para os indivíduos que
dela necessita.
O SUAS materializa o conteúdo da LOAS: “a Assistência Social, direito do
cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que
prevê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”
(BRASIL, 1993). Para cumprir o que é estabelecido pelo SUAS, em 13 de julho de
2007 foi criada a Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). Com a
mudança de gestão em 2013, a secretaria passou a ser Secretaria de Trabalho,
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SETRA).
A Política de Assistência Social que institui o SUAS define dois patamares
de proteção social: a básica e a especial, de modo a garantir as seguintes
seguranças: segurança de sobrevivência, de rendimento e de autonomia; acolhida e
convívio ou vivência familiar. (MOTA, 2008).
A proteção social básica fica sob a responsabilidade dos Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS). Como exposto na PNAS, são
considerados serviços de proteção básica aqueles que têm a família como unidade
de referência, ofertando um conjunto de serviços locais que visam à convivência, a
socialização e o acolhimento de famílias cujos vínculos familiares e comunitários não
foram rompidos, assim com a promoção de sua integração ao mercado de trabalho.
(MDS, 2004,).
A proteção social especial fica sob a responsabilidade dos Centros de
Referências Especializado da Assistência Social (CREAS). Como exposto na PNAS,
buscam-se proteger famílias e indivíduos em situação de direitos violados, sem
consequência de abandono, maus tratos, abuso sexual, cumprimento de medidas
socioeducativas, situação de rua, entre outros. Suas ações visam à qualidade na
atenção protetiva e de reinserção, a partir de duas modalidades de atenção: média
38
complexidade, quando os vínculos familiares e comunitários não são rompidos; e
alta complexidade, quando os vínculos são rompidos e há perda de referência ou
ameaça com necessidade de retirada do núcleo familiar e/ou comunitário.
A criação do SUAS pode viabilizar uma normatização, organização (no
sentido de romper com a sobreposição de papéis), racionalização e padronização
dos serviços prestados, inclusive considerando as particularidades regionais e locais
(MOTA, 2008). Para o Sr. João6 (2013), 46 anos, morador de rua, “a assistência não
existe. Estamos desassistidos por ela, essa é a verdade”.
O Estado tem a função de garantir os direitos dos usuários, não podendo
se omitir diante desse relato, pois é de sua responsabilidade proporcionar e garantir
acesso aos serviços oferecidos pela Assistência Social, assim como a outros
serviços públicos. A Assistência Social, como política de proteção social, tem como
princípio “garantir a todos que dela necessitam, e sem contribuição prévia, a
provisão dessa proteção” (BRASIL, 2004).
A proteção social tem como principais características: primeiro, as
pessoas; segundo, as circunstâncias dessas pessoas; e terceiro, o núcleo de apoio.
Sendo um elemento da Política Social de Assistência Social, tem o dever de garantir
os benefícios: a segurança da sobrevivência (de rendimento e de autonomia), que é
garantida para todos, independente de sua situação; seja para desempregados,
pessoas com deficiência física ou mental, idosos, etc. A PNAS tem o intuito de
propagar a visibilidade “daqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente
tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas: população em situação de rua,
adolescentes em conflitos com a lei, indígenas, quilombolas, idosos e pessoas com
deficiência física” (VICTOR, 2013).
Em consonância com a LOAS, a PNAS (2004) é regida pelos seguintes
princípios:
I - Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências
de rentabilidade econômica;
II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da
ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e
6
Sr. João, como os outros nomes citados no trabalho, são nomes fictícios que foram utilizados para os
entrevistados durante a pesquisa de campo.
39
comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e
rurais;
V - Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos
critérios para sua concessão.
A PNAS (2004), baseada na Constituição de 1988 e na LOAS, tem as
seguintes diretrizes:
I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as
normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos
programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades
beneficentes e de assistência social, garantindo o comando único das ações
em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as
características sócio territoriais locais;
II – Participação da população, por meio de organizações representativas,
na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;
III – Primazia da responsabilidade do Estado na condução da Política de
Assistência Social em cada esfera de governo;
IV – Centralidade na família para concepção e implementação dos
benefícios, serviços, programas e projetos.
A PNAS existe para assegurar o atendimento, garantindo os direitos
sociais através da proteção social, seja ela básica ou especial, buscando chegar até
aqueles indivíduos que estão vivendo na vulnerabilidade social. Enquanto política
social, está na Constituição Federal e na Lei Orgânica da Assistência Social,
regulamentada desde 2004, sendo referenciada pela PNAS, que orienta sua
implementação. O SUAS passa a atuar nos níveis de proteção social voltada às
populações em situações de risco.
As políticas públicas abordam uma perspectiva de inclusão, fazendo uso
de diversos mecanismos, com o intuito de amenizar as situações de risco que os
indivíduos possam encontrar. É crescente o número de desempregados no mercado
formal e o acesso às proteções estão mais restritas, como é o caso da população
em situação de rua, pois essas pessoas não contam com condições mínimas para
sobreviver, e, assim, seus acessos aos serviços públicos se tornam cada vez mais
restritos.
Para assegurar os direitos dessa população que vive em situação de rua,
o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e seu comitê intersetorial, instituíram a
Política Nacional para a População de Rua. Além das políticas públicas, torna-se
necessária uma conscientização da sociedade sobre os seus direitos.
40
3.3
Política Nacional Para a População em Situação de Rua e Suas Formas de
Inclusão Social
Em dezembro de 2009, o presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva,
decretou a Política Nacional para a População de Rua, no intuito de assegurar o
direito de acesso às politicas públicas. Essa política é fruto das reflexões e debates
do grupo de Trabalho Interministerial para a Elaboração da Política Nacional de
Inclusão da População em Situação de Rua 7. Composto pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério das Cidades, Ministério da
Educação, Ministério da Cultura, Ministério da Saúde, dentre outros ministérios,
além da fundamental participação de representantes do Movimento Nacional de
População de Rua (MNPR) (MDS, 2008).
Conforme a PNPR (2009)
Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo
que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos
ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os
logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de
sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
A Política Nacional estabelece diretrizes e rumos, possibilitando a
inclusão e reintegração destas pessoas à sociedade e ao convívio familiar,
garantindo o acesso pleno aos seus direitos assegurados na Constituição. Além da
igualdade e equidade, têm como princípios:
I - Respeito à dignidade da pessoa humana;
II - Direito à convivência familiar e comunitária;
III - Valorização e respeito à vida e à cidadania;
IV - Atendimento humanizado e universalizado; e
V - Respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade,
nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial
às pessoas com deficiência. (PNPR, 2009)
7
Politica Nacional para a População em Situação de Rua: Decreto 7.053, de 23 de dezembro de
2009.
41
Os profissionais que trabalham na realização de atividades seguindo o
que está nos princípios da PNPR, têm o objetivo de realizar atendimentos para os
seus usuários, que são as pessoas em situação de rua, assegurando o direito de
essas pessoas acessarem os serviços oferecidos pelas políticas públicas (VICTOR,
2013). Esses profissionais devem garantir a efetivação e qualidade dos serviços
oferecidos a essa população, evitando qualquer tipo de preconceito.
Em relação aos objetivos da PNPR (2009) são eles:
I - Assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e
programas que integram as políticas públicas de saúde, educação,
previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer,
trabalho e renda;
II - Garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e
gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas
intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas
em situação de rua;
III - Instituir a contagem oficial da população em situação de rua;
IV - Produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais,
econômicos e culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços
públicos à população em situação de rua;
V - Desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a
formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em
situação de rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a
observância aos direitos humanos;
VI - Incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a
população em situação de rua, contemplando a diversidade humana em
toda a sua amplitude étnico-racial, sexual, de gênero e geracional, nas
diversas áreas do conhecimento;
VII - Implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em
situação de rua;
VIII - Incentivar a criação, divulgação e disponibilização de canais de
comunicação para o recebimento de denúncias de violência contra a
população em situação de rua, bem como de sugestões para o
aperfeiçoamento e melhoria das políticas públicas voltadas para este
segmento;
IX - Proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios
previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda,
na forma da legislação específica;
X - Criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social
e o Sistema Único de Saúde para qualificar a oferta de serviços;
XI - Adotar padrão básico de qualidade, segurança e conforto na
estruturação e reestruturação dos serviços de acolhimento temporários, de
acordo com o disposto no art. 8o;
XII - Implementar centros de referência especializados para atendimento da
população em situação de rua, no âmbito da proteção social especial do
Sistema Único de Assistência Social;
XIII - Implementar ações de segurança alimentar e nutricional suficientes
para proporcionar acesso permanente à alimentação pela população em
situação de rua à alimentação, com qualidade.
42
Destaca-se que todos os objetivos da PNPR têm a missão de atender e
ampliar os acessos aos serviços e programas que integram as políticas públicas,
sejam elas de saúde, educação, previdência ou assistência social, voltados para a
população em situação de rua, garantindo, assim, a efetivação dos direitos e
contribuindo para a superação da situação em que se encontram.
Para conferir concretude aos princípios e diretrizes estabelecidos nessa
Política, são apresentadas ações balizadas por debates realizados no âmbito do
Grupo de Trabalho Interministerial sobre População em Situação de Rua. As
propostas
assinaladas representam
uma
agenda
mínima
de
ações,
cuja
implementação constitui desafio para toda a sociedade brasileira (BRASIL, 2008).
Sobre trabalho e emprego:
1. Inclusão da população em situação de rua como público-alvo prioritário
na intermediação de emprego, na qualificação profissional e no
estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada e com o setor público
para a criação de novos postos de trabalho;
2. Promoção de capacitação, qualificação e requalificação profissional da
população em situação de rua;
3. Incentivo às formas cooperadas de trabalho no âmbito de grupos
populacionais em situação de rua;
4. Ampliação da discussão sobre níveis de renda para a população em
situação de rua;
5. Incentivo a ações que visem a inclusão produtiva e reserva de cotas de
trabalho para população em situação de rua;
6. Promoção de oficinas sobre economia solidária, centradas no fomento e
na capacitação, a partir de recortes regionais, com o apoio do Ministério do
Trabalho e Emprego;
7. Ampliação das cartas de crédito e do crédito solidário para a população
em situação de rua;
8. Garantia de acesso por parte da população em situação de rua a seus
direitos trabalhistas e à aposentadoria.
A Constituição Federal garante e assegura a todos o direito ao trabalho,
moradia e saúde. A população em situação de rua é composta por trabalhadores,
sendo que a maioria tem alguma profissão, mesmo que não a estejam exercendo
(VICTOR, 2013). Atualmente, muitos vivem na informalidade do trabalho, sem os
direitos trabalhistas assegurados. Infelizmente, grande parte desses indivíduos não
são atingidos por programas governamentais. A população de rua têm seus direitos
violados, utilizando-se de diversas estratégias para garantir sua sobrevivência e a
promoção de políticas públicas voltadas para a (re) inserção desses indivíduos no
mercado formal de trabalho, a garantia dos seus direitos trabalhistas, e,
consequentemente, de uma vida digna.
43
Sobre desenvolvimento urbano e habitação (BRASIL, 2008):
1. Criação de alternativas de moradia para população em situação de rua
nos projetos habitacionais financiados pelo Governo Federal;
2. Desenvolvimento e implementação de uma política de Locação Social,
articulada a outros ministérios e a governos municipais e estaduais,
contemplando a possibilidade de estabelecimento de bolsas aluguel e/ou
alternativas de moradia compartilhadas, com período máximo de
recebimento do benefício;
3. Desenvolvimento de projetos de reforma de imóveis públicos para uso
habitacional e enquadramento da população em situação de rua nos
programas de habitação de interesse social existentes, com ênfase nas
áreas centrais urbanas.
4. Disponibilização de imóveis vazios nos centros urbanos, por meio da
articulação entre as esferas de governo para viabilização de projetos de
moradia para a população de rua;
5. Incorporação de projetos de geração de emprego e renda, associativismo
e capacitação profissional em processos de planejamento das áreas
centrais;
6. Mobilização e articulação dos atores no que tange a habitação e trabalho
social especificamente voltado para a população em situação de rua;
7. Inclusão de critérios de priorização de projetos que levem em
consideração a população em situação de rua nos programas habitacionais
financiados pelo Governo Federal, notadamente o FNHIS (Fundo Nacional
de Habitação de Interesse Social) e o FGT (Fundo de garantia por Tempo
de Serviço);
8. Garantia de integração entre habitação e meios de sobrevivência, tais
como proximidade dos locais de trabalho, facilidade de transporte,
infraestrutura, etc.;
9. Promoção de diálogo entre o Ministério das Cidades e a Caixa
Econômica Federal para a revisão e reformulação das modalidades
previstas em programas de habitação de interesse social.
O direito à moradia é um direito fundamental garantido pela Constituição,
não se resumindo apenas ter direito a um teto, mas em ter uma habitação
adequada, com uma infraestrutura básica, que ofereça à população em situação de
rua uma moradia digna, com segurança. Seu custo deve ser acessível, conforme a
renda mensal da pessoa, pois se torna difícil manter outras necessidades básicas,
como alimentação. Ter uma moradia digna é fundamental para que as pessoas
possam ter uma estrutura de vida, tendo acesso a outros serviços como educação,
saúde, lazer, entre outros. No caso da população de rua, torna-se necessário uma
política de acompanhamento, seja do momento que sai das ruas até sua
acomodação definitiva.
44
Sobre a Política de Assistência Social (2009):
1. Estruturação da rede de acolhida, de acordo com a heterogeneidade e
diversidade da população em situação de rua, reordenando práticas
homogenizadoras massificadoras e segregacionistas na oferta dos serviços,
especialmente os albergues;
2. Produção, sistematização de informações, indicadores e índices
territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social
acerca da população em situação de rua;
3. Inclusão de pessoas em situação de rua no Cadastro Único do Governo
Federal para subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas
sociais;
4. Assegurar a inclusão de crianças e adolescentes em situação de trabalho
na rua no programa de Erradicação do Trabalho Infantil8;
5. Inclusão de pessoas em situação de rua no Benefício de Prestação
9
10
Continuada e no Programa Bolsa Família , na forma a ser definida;
6. Conferir incentivos especiais para a frequência escolar das pessoas
inseridas nos equipamentos da Assistência Social, em parceria com o
Ministério da Educação;
7. Promoção de novas oportunidades de trabalho ou inclusão produtiva em
articulação com as políticas públicas de geração de renda para pessoas em
vulnerabilidade social.
Ou seja, a PNPR existe com o intuito de garantir os direitos sociais,
promovendo a inclusão da população em situação de rua. Mas, no contexto atual, o
grande desafio para os moradores de rua é a sua inserção no mercado de trabalho
formal, seja pelo seu grau de instrução e/ou qualificação. Muitos têm problemas com
álcool e/ou drogas e estão a mercê das ruas, locais onde a política não se efetiva
para muitos.
Na educação, a PNPR, busca a inclusão da população em situação de
rua nos programas de apoio ao desenvolvimento de atividades educacionais,
culturais e de lazer, em escola aberta especialmente nos finais de semanas. Na
saúde, a PNPR garante a atenção integral das pessoas em situação de rua e
adequação das ações e serviços existentes, assegurando a equidade e o acesso
universal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Em relação à cultura,
promove ações e debates de conscientização visando alterar a forma de conceber
8
Programa para a Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) corresponde a um direito constitucional na forma de
benefício de um salário mínimo mensal para pessoa a partir de 65 anos, que não tem como prover
seu sustento. Também é pago para pessoas com deficiências, sendo elas físicas ou mentais, que não
tenho condições de proverem seu sustento, nem de tê-lo provido pela família.
10
O Programa Bolsa Família consiste em transferência de renda para famílias em situação de
pobreza.
9
45
as pessoas em situação de rua, desconstruindo os estigmas e promovendo sua (re)
socialização. (PNPR, 2008).
O MDS aborda como principais ações de inclusão social para a população
em situação de rua:
 Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua: consiste nos
serviços ofertados para pessoas que utilizam as ruas como espaço de
moradia
e/ou
sobrevivência.
Com
a
finalidade
de
assegurar
atendimento e atividades direcionadas para o desenvolvimento de
sociabilidades,
na
perspectiva
de
fortalecimento
de
vínculos
interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de novos
projetos de vida (MDS, 2011).
 Serviço de Acolhimento Institucional (para adultos e famílias em
situação de rua): abrange o acolhimento provisório com estrutura para
acolher com privacidade pessoas do mesmo sexo ou grupo familiar. É
previsto para pessoas em situação de rua e desabrigo por abandono,
migração e ausência de residência, ou pessoas em trânsito e sem
condições de autossustento (MDS, 2011).
 Serviço de Acolhimento em República (para adultos em processo de
saída das ruas): são serviços que oferecem proteção, apoio e moradia
subsidiada a grupos de pessoas maiores de 18 anos em estado de
abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, com
vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados e sem
condições de moradia, que não têm como manter seu sustento (MDS,
2011).
 Projeto de Capacitação e Fortalecimento Institucional da População em
Situação de Rua (2010): têm o objetivo de fortalecer as condições
sócio- organizativas e de desenvolvimento social do Movimento
Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) (MDS, 2011).
 Expansão Qualificada dos Serviços Socioassistenciais (Resolução CIT
Nº 7, de junho de 2010): oferta do Serviço de Proteção e Apoio a
Famílias e Indivíduos (PAEFI), no CREAS, e Serviço Especializado
para Pessoas em Situação de Rua, no Centro de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (MDS, 2011).
46
Antes da Política Nacional para a População em situação de Rua, a
atenção do poder público era de forma fragmentada, setorizada com políticas
higienistas que estavam somente preocupadas em limpar as ruas. A população era
vista como uma ameaça às normas da sociedade; eram os “desencaixados” do
mundo. Atualmente, a PNAS junto com a implantação do SUAS, passa a contemplar
o atendimento dessa população no sistema de Programa de Saúde na Escola
(PSE), de proteção de média e alta complexidade, que trabalha com o objetivo de
inclusão, restaurando os vínculos sociais e familiares desses usuários.
47
4
4.1
A PESQUISA DE CAMPO NA PRAÇA DO FERREIRA
O Cenário da Pesquisa e as Escolhas Metodológicas
Tendo o intuito de conhecer a realidade das pessoas que vivem em
situação de rua, o cenário que eleito foi a Praça do Ferreira, por ser considerada o
coração da cidade de Fortaleza, e palco de importantes acontecimentos. Seus
antigos cafés, bares, cinemas e bancos foram pontos frequentes de encontro do
povo cearense. A praça passou por grandes reformas ao longo dos anos, sendo
uma significativa em 1902, com a construção do Jardim 7 de Setembro. Nessa
época existiam quatro importantes quiosques: Café Elegante, Café Comércio, Café
Java e Café Iracema.
Nos princípios do ano de 1934 foi inaugurada a Coluna da Hora, cujo
relógio servia de orientação para toda a cidade. Sua última reforma aconteceu em
1991, em que foi recuperada sua versão moderna. O prédio Excelsior foi construído
em 1825, pelo engenheiro coronel Conrad Jacob de Niemeyer, tendo o auxílio de
presos. Sua estrutura foi inspirada em um edifício de Milão, tendo um estilo eclético,
e em toda decoração foi utilizado material importado da Europa. O Excelsior Hotel
teve suas atividades encerradas em 1964.
Ao abordar a Praça do Ferreira não se pode esquecer a Farmácia
Osvaldo Cruz, fundada em 1934, mas cujo prédio foi construído em 1927. Pertenceu
a Benjamim Hortêncio de Medeiros, médico clínico geral que tinha um consultório
montado na própria farmácia e trabalhava fabricando remédios, como a pílula de
matos. Nos meados de 1950, a farmácia foi comprada por Edgar Rodrigues, que deu
continuidade às vendas de medicamentos, produtos químicos e homeopáticos,
mantendo o ambulatório nas instalações da farmácia.
Ainda hoje a praça é rodeada por grandes prédios e suas estruturas
foram ampliadas e modernizadas ao longo do tempo. Em seus arredores é grande a
concentração de comércios que, quando fecham as portas, suas calçadas servem
de abrigo para essa população, muitas vezes, esquecida pela sociedade.
É no banco da praça, ao anoitecer, que essas pessoas relatam suas
histórias de vida, suas perspectivas, angústias, e conversam sobre o que farão no
dia seguinte, sendo um momento de descontração enquanto o carro da sopa não
chega. Foram esses bancos que permitiram observar, escutar e conhecer, mesmo
48
que não fosse detalhadamente, o cotidiano e os motivos que levaram essas pessoas
a morarem nas ruas e a ter os bancos da praça como dormitório.
Durante a pesquisa de campo, observou-se o fluxo dos moradores de rua,
pois existe uma grande concentração dos mesmos, principalmente, no período da
noite na praça, facilitando a acessibilidade a eles. Em relação à segurança, a praça
conta com um policiamento ostensivo durante o dia perpassando para o período
noturno. Atualmente, existe uma cabine com policiais que realizam a segurança na
praça, e, por isso, muitos moradores se sentem seguros durante a noite. A pesquisa
foi realizada nesse horário e, após avaliar os critérios anteriormente citados, optouse por realizar a pesquisa na Praça do Ferreira.
O interesse em pesquisar a população em situação de rua surgiu quando
em decorrência de se ter escutado a seguinte frase: “nunca mais quero trabalhar
com pobre. A gente faz, faz e eles não agradecem”. Essa frase foi dita por uma
colega de trabalho da presente autora, que fazia um trabalho social com os
moradores da área de risco do Bairro Pirambu, localizado em Fortaleza. Ao escutar
esta frase surgiram os questionamentos sobre os porquês dessa colocação.
Enquanto estagiária do Instituto Dr. José Frota (IJF), no período de março
de 2012 a junho de 2013, foi dada a oportunidade para a presente autora realizar
alguns atendimentos iniciais com pessoas que estavam em situação de rua.
Existiam casos em que o usuário encontrava-se em estado de saúde grave,
acarretando em casos de abandono por parte de familiares, fazendo com que esse
usuário ficasse sob a responsabilidade da Instituição e do Estado.
No sétimo semestre, ao elaborar o projeto de TCC, foi abordada a
temática idosos em situação de rua, mas, após a conclusão do projeto, notou-se a
falta de algumas discussões. Por isso, decidiu-se que já estava na hora de uma
aproximação mais efetiva com o campo de pesquisa, então a presente autora
passou a ir às ruas e praças, sempre observando as pessoas que lá vivem. Em
todos os locais sempre observava se havia pessoas em situação de rua e ficava
curiosa acerca de suas histórias e da situação em que eles se encontravam.
Com a construção do TCC no oitavo semestre, os questionamentos
aumentaram e a indagação sobre por que não pesquisar a população de rua como
um todo? Por que somente idosos? Então, decidiu-se ampliar as discussões
pesquisando a população em situação de rua.
49
A partir do mês de agosto de 2013, a presente autora começou a
frequentar e a observar algumas praças durante a noite, pois acredito que no
período noturno existe uma maior acessibilidade aos moradores de rua, pois muitos
passam o dia andando nas ruas do centro de Fortaleza e a noite grande parte dessa
população retorna para os bancos da praça, procurando me aproximar e conversar
com os mesmos e sempre observando sua dinâmica. O intuito era de conhecer um
pouco da realidade dessas pessoas, como sua rotina para alimentação e
higienização, além de seus vínculos familiares. Conhecer essa realidade auxilia no
desenvolvimento da pesquisa, e é através da observação que se passa a conhecer
a realidade da pesquisa. Esse conhecimento adquirido através de informações
contadas pelos próprios sujeitos não são encontradas impostas em nenhuma teoria.
Conforme Oliveira (2000, p.19), “(...) a partir do momento em que nos sentimos
preparados para a investigação empírica, o objeto, sobre o qual dirigimos nosso
olhar, já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo”.
Para a realização de uma pesquisa é necessário que ela seja adequada
com a realidade de cada indivíduo, levando-se em consideração sua dinâmica, pois
é importante que o pesquisador conheça os limites entre o que está sendo
pesquisado e a relação com o campo de pesquisa.
Segundo Minayo (1994, p. 15):
[...] A realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva
com toda a riqueza de significados dela transbordante. Essa mesma
realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer
discurso que possamos elaborar sobre ela.
Em relação ao tipo de pesquisa, adotou-se a abordagem qualitativa, que
para Minayo (2008, p. 57),
[...] além de permitir desvelar processos sociais ainda pouco conhecido
referentes a grupos particulares, propicia a construção de novas
abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a
investigação. Caracteriza-se pela empiria e pela sistematização progressiva
de conhecimento até a compreensão lógica interna do grupo ou do
processo em estudo.
A pesquisa qualitativa permitirá conhecer diversos valores, crenças,
opiniões, hábitos e atitudes. Utilizando esse tipo de pesquisa, o pesquisador passa a
50
ter uma visão crítica, proporcionando-lhe um meio mais eficiente para alcançar os
objetivos do seu estudo (MINAYO, 2008).
A técnica utilizada foi a entrevista semiestruturada, trazendo questões claras
e objetivas, sem o intuito de induzir ou confundir os sujeitos participantes da
entrevista, sendo estas gravadas com a permissão dos entrevistados. Para
Goldenberg (2004, p.86) “as entrevistas e questionários podem ser estruturados de
diferentes maneiras. Abertas: resposta livre, não limitada por alternativas
apresentadas, o pesquisado fala ou escreve livremente sobre o tema que lhe é
proposto (...)”.
A entrevista semiestruturada é baseada na comunicação verbal, com
perguntas abertas e fechadas, tendo o intuito de permitir ao entrevistado uma maior
liberdade para questionamentos sobre os temas propostos pelo pesquisador. Essa
técnica permite observar a subjetividade (MINAYO, 2008).
Para preservar a identidade dos entrevistados, utilizou-se nomes fictícios
e todas as informações repassadas foram devidamente autorizadas pelos mesmos,
mediante o termo de consentimento (Anexo 2).
4.2
Perfil e Análise dos Sujeitos da Pesquisa
Na pesquisa de campo, o instrumental utilizado foi a entrevista
semiestruturada, com o intuito de permitir que os entrevistados possam expor seus
argumentos, enriquecendo, assim, a investigação. No campo, a identificação da
entrevista consta do nome fictício do entrevistado, e a entrevista foi realizada com
seis homens, três moradores de rua e três ex-moradores de rua. A escolha dos
entrevistados se deu de maneira aleatória, as entrevistas foram realizadas com
homens não por questão de gênero, mas pelo acesso que tive aos mesmos quando
cheguei à praça. Segundo Minayo (2010, p. 64), “(...) o entrevistado tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação
formulada”.
Analisando o perfil durante a pesquisa de campo, nas conversas com os
moradores, e na realização da entrevista (Anexo G), observou-se que a maioria dos
moradores de rua encontra-se na faixa etária entre 28 e 70 anos, a maior parte deles
são solteiros, todos do sexo masculino e se consideram morenos. Os entrevistados
foram: Josué, 39 anos, morador de rua há quinze anos, Marcos Paulo, 57 anos,
51
morador de rua, Silvio de Souza, 46 anos, mora nas ruas há mais de vinte anos,
Daniel Soares, 33 anos, morou nas ruas durante três anos, João Paulo, 70 anos,
conviveu nas ruas durante doze anos e Afonso Lopes, 55 anos, viveu nas ruas
durante oito anos, Todos com o 1° grau incompleto, exceto o Daniel Soares, pois o
mesmo atualmente é estudante do curso de direito e com várias profissões, estando
inseridos no mercado de trabalho de maneira informal, seja como flanelinhas,
catadores de papel, serventes, pedreiros, garçons, dentre outras profissões.
Os motivos pelos quais estão nas ruas são diversos. Em conversa com os
moradores, os principais motivos são conflitos familiares abordados de diversas
formas: brigas, discussões e agressões físicas, além de problemas com drogas.
Muitos desses motivos ocasionaram suas idas para as ruas, rompendo com os laços
familiares e fazendo com que eles passassem a viver sozinhos ou tendo como
companhia outros indivíduos que estão na mesma situação. Com o afastamento
muitos não conseguem mais prover o sustento da família ou até mesmo sentem
vergonha de estarem em situação de rua, contribuindo para sua permanência
nesses locais. O tempo de permanência nas ruas varia de três a vinte anos.
Ao serem questionados sobre a PNPR, a maioria não conhece a política,
apesar de alguns utilizarem serviços assegurados por ela. Mesmo os que conhecem
não reconhecem a efetivação da política. Percebe-se que mesmo com a política
específica voltada para a população de rua, existe a precariedade em garantir a
execução dos serviços ofertados pela PNPR; moradores relatam que existe muita
burocracia para o acesso aos serviços oferecidos. No que se refere ao Estado e a
Sociedade, todos responderam, de forma unânime, o descaso, o preconceito e a
discriminação existente. Essas respostas mostram a concepção dos mesmos, como
eles se sentem aos olhos da Sociedade e do Estado.
“Existe o desprezo do Estado com a gente; da sociedade eu não sentia
muito preconceito, apenas a discriminação” (Josué de Oliveira, 2013).
“O Estado não está nem aí pra resolver o problema da população de rua;
a sociedade tem preconceito com a gente” (Afonso Lopes, 2013).
“A sociedade discrimina a gente” (João Paulo, 2013).
“O Estado não faz nada por nós, principalmente para o povo de rua. Nós
não existe para a sociedade, como eu já disse, eles tratam a gente como porco,
cachorro” (Marcos Paulo, 2013).
52
“A Assistência enxerga o morador de rua como usuário do sistema, que
precisa ser escutado, respeitado, mas que na verdade não existe. Já a saúde e a
educação enxerga o morador de rua como uma criatura que não quer sair das ruas,
que são dependentes químicos, viciados e drogados. E a sociedade vê e finge que
não vê; diz que quer ajudar, mas tem época e o motivo de ajudar, olham para o
morador de rua como preguiçoso, mendigo, ladrão e drogado” (Daniel Soares,
2013).
“O Estado vê a gente como „coitadinho‟ e „pobrezinho‟, e para a sociedade
nós somos os invisíveis, nem existimos” (Sílvio de Souza, 2013).
Os ex- moradores de rua relatam que não conseguiram sair da situação
de rua sozinhos; alguns tiveram o apoio da família e outros encontram nas
dificuldades das ruas uma maneira de se sobressair da condição na qual estão
inseridos. Mesmo saindo das ruas, os vínculos de amizade construídos entre eles
são muito fortes, todos os ex-moradores retornam à praça no período da noite e nos
finas de semanas, principalmente, aos domingos para conversar e rever amigos que
conquistaram no banco da praça.
4.3
Desafios e Resultados da Pesquisa
Pode-se dizer que o maior desafio foi romper com os medos, pois, muitas
vezes, surgiam questionamentos sobre a maneira que iria abordá-los na rua, tinha
medo de que eles não aceitassem a realização da pesquisa, porque nas ruas ou
eles gostam de você ou simplesmente não gostam. No contexto de várias histórias,
houveram momentos de emoção, de indignação, nos quais a sensação de
impotência
perdurou
diante
de
tantas
dificuldades
vivenciadas
por
eles,
principalmente quando foi proferida a seguinte frase: “já passaram aqui na praça
várias reportagens, assistentes sociais, estudantes e pesquisadores, todos querendo
saber da nossa vida, mas nada fazem para melhorar” (Marcos Paulo, 2013).
A violência na rua também é um desafio: era um sábado à noite no dia da
ida à Praça do Ferreira, e durante uma conversa com um morador, houve uma
discussão entre eles. O ânimo na praça estava muito tenso, a vontade de ir embora
foi grande, a apreensão também, mas, mesmo assim, a pesquisa continuou.
53
Todas as perguntas que constavam no roteiro de entrevista foram
respondidas de maneira satisfatória, contribuindo para que se pudesse conhecer um
pouco da rotina dessas pessoas, seu despertar pela manhã, sua luta diária pela
sobrevivência, tendo como intuito do dia conseguir ao menos o almoço, o álcool e as
drogas são frequentes já fazem parte da rotina de alguns moradores, com o fechar
das lojas; seus desejos e um momento de descontração quando o carro da sopa 11
chega e/ou quando conseguem papelões novos para passar a noite. Sobre a PNPR,
as respostas foram satisfatórias, pois eles responderam o que realmente conheciam
da política, de quais atividades eles participavam e como percebiam a sua execução
para a superação e saída das ruas.
11
Carro da sopa são carros de ONG´s, empresas e/ou particulares que realizam a distribuição de sopa no
período da noite na Praça do Ferreira.
54
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, o número de moradores de rua na cidade de Fortaleza
vem crescendo, embora não existam dados oficiais relacionados à quantidade de
pessoas que vivem atualmente em situação de rua. Mesmo tendo seus direitos
assegurados pela Política Nacional para a População de Rua, o acesso aos serviços
ainda são vistos como burocráticos, existindo uma precariedade em sua execução;
somente uma pequena parcela da população consegue utilizar os serviços de forma
adequada.
A pesquisa procurou conhecer se os investigados percebem a execução
da PNPR em Fortaleza. Para que se adquirisse essa compreensão, fez-se
necessário o conhecimento apreendido durante toda a formação acadêmica, estágio
e, principalmente, observação do campo, foi dividida em duas etapas: a ida ás ruas,
para uma aproximação com os moradores, e o momento da entrevista.
No decorrer da análise, foi possível observar um pouco da rotina ao
anoitecer, as falas e as conversas entre si. Percebeu-se que o uso de álcool e
drogas é frequente na vida dos moradores de rua, atingindo o seu modo de viver.
Muitos disseram que bebem e/ou usam drogas para esquecer os problemas, sendo
estas formas de refúgio para muitos, pois viver na rua não é fácil. Alguns preferem
vagar de praça em praça, buscando sua sobrevivência, pois algumas praças são
vistas como favoráveis no que tange os requisitos alimentação e segurança.
Durante as caminhadas nas praças, notou-se a discriminação sofrida pela
população em situação de rua. Algumas vezes, enquanto a pesquisa estava sendo
realizada na praça no horário de 19h e 20h, o carro da sopa costuma passar e, com
isso, foi possível sentir o preconceito das pessoas que ali passavam, pois muitos
olhavam “dos pés a cabeça”, provavelmente, perguntando-se o que a presente
autora estava fazendo ali. Muitos devem ter pensado: será comprando drogas ou
seria mais uma moradora de rua? O preconceito, a discriminação e o descaso são
visíveis. Existem usuários de drogas, existe a rivalidade entre eles, a disputa por
território, mas também existem pessoas de bem, cidadãos que por algum motivo
estão ali, no banco da praça, nas calçadas; pessoas que tiveram os laços familiares
rompidos e lutam, diariamente, em busca de sair das ruas.
55
Foi por esses motivos que se tornou importante entrevistar ex-moradores
de ruas, pois como essas três pessoas existem outras que conseguiram sair das
ruas. Mas, como eles mesmos dizem, ninguém sai da rua sozinho e nenhum dos
entrevistados saíram da rua por intermédio de políticas públicas, e sim porque
tiveram o apoio de terceiros ou restabeleceram seus vínculos familiares. Faz-se
necessário o apoio da família, da sociedade e do poder público. Julgar sempre é
mais fácil que conhecer, e conhecer a realidade dessas pessoas foi um aprendizado
inenarrável e inquestionável.
Houve a oportunidade de conhecer alguns integrantes do Movimento
Nacional para a População em Situação de Rua, movimento que é constituído por
ex-moradores e moradores de rua, todos em prol de um mesmo objetivo: reivindicar
a efetivação e a elaboração de legislações específicas para eles. Eles estão na
busca por políticas públicas que realmente assegurem seus direitos e que os
serviços garantidos sejam de qualidade, e, principalmente, que todos tenham
acesso.
O desemprego, o rompimento dos vínculos familiares, o uso abusivo de
álcool e drogas e o processo de migração, são fatores que trouxeram muitos
indivíduos a viverem em situação de rua. Ao conhecer um pouco dessa realidade,
juntamente com os relatos dos mesmos, foi possível endossar aspectos desta
pesquisa com resultados de analises de outros autores, percebendo-se que alguns
pesquisadores também abordavam esses fatores em seus livros como sendo um
dos principais motivos que levam pessoas a viverem nas ruas.
É notória a necessidade de uma continuidade aos estudos sobre a
população em situação de rua, pois os questionamentos aqui apresentados só
aumentam. Existe uma política voltada para essa população, mas, infelizmente, o
acesso é para poucos. Durante as entrevistas, notou-se que muitos não conhecem a
política ou mesmo nunca ouviram falar, não sabendo quais os serviços ofertados.
Muitos moradores reclamam que não existem cursos profissionalizantes, e que o
curso oferecido é de artesanato, e muitos não consideram essa arte uma profissão,
pois não conseguem enxergar uma maneira de sobreviver. Este tema despertou na
presente autora a pretensão de estudar a efetivação dessas políticas, em uma futura
pós-graduação.
A moradia digna é um direito constitucional assegurado pela Constituição
Federal e pela PNPR. O morador de rua precisa de moradia, mas também precisa
56
de segurança, trabalho e lazer; precisa ter sua dignidade reconquistada. A
segurança é indispensável, pois eles estão expostos diariamente nas ruas, seja
durante o dia ou à noite; alguns são vítimas de agressões físicas, psicológicas e, em
alguns casos, de homicídios por parte de pessoas que estão na mesma condição.
Observa-se que é dada uma importância à moradia, mas também é
necessário que exista um acompanhamento psicológico e social com essas pessoas
para que se possa superar a situação de rua, principalmente, as pessoas que estão
nas ruas há muito tempo. É preciso lembrar que nas ruas existem famílias, crianças,
adolescentes, adultos e velhos.
Acredita-se que a implantação de cursos profissionalizantes e o trabalho
sejam formas de contribuir para que muitos indivíduos saiam da situação de rua; “o
certo é distribuir curso profissionalizante para que as pessoas se aperfeiçoem e
fiquem capacitadas. Bom mesmo era um programa que ajudasse na profissão das
pessoas” (Josué de Oliveira, 2013).
Este estudo teve como premissa conhecer a população em situação de
rua, que é invisível aos olhos da sociedade, abordando as discussões sobre os
motivos que levaram essas pessoas a ficarem em situação de rua, também com o
intuito de mostrar a políticas existentes para esse público. São necessárias políticas
públicas que possam garantir melhores condições de vida, promovendo segurança,
uma habitação digna e o provimento de seu sustento e de sua família.
57
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60
APÊNDICE
APÊNDICE A - Roteiro de Entrevista Semiestruturada
I- DADOS PESSOAIS
Nome real ou fictício:
Idade:
Naturalidade:
Estado Civil:
Escolaridade:
Profissão:
II- SOBRE A VIDA NAS RUAS
O que lhe fez morar nas ruas?
Como é viver nas ruas?
Qual a maior dificuldade que encontra nas ruas?
PossuI algum problema de saúde? Faz uso de algum medicamento com
frequência?
Possuí familiares? Caso possua, mantém algum contato com ele(s)?
Faz uso de algum tipo de droga (álcool etc.)?
III- SOBRE A POLÍTICA NACIONAL PARA A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE
RUA
Você Conhece a Política Nacional para a População em Situação de Rua?
Se positivo, através de quais atividades percebe a execução da Política?
Frequenta algum programa de assistência aos cidadãos de rua ou é assistido por
algum?
O que poderia ser feito pelo poder público para que muitos deixassem a rua?
61
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: OS MORADORES DA PRAÇA DO FERREIRA: O QUE FAZEM
COMO VIVEM E POR QUE SE ENCONTRAM NAS RUAS.
Pesquisador: Emanuela Sales dos Santos
Orientadora: Prof.ª Ms Valney Rocha Maciel
O Sr. (Sra.) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa que tem
como finalidade analisar e compreender a problemática sobre a população de rua,
visando conhecer os motivos que levaram esses sujeitos a morarem nas ruas a
partir das causas externas que interferem diretamente nesse fenômeno. Tal
pesquisa é requisito para a conclusão do curso de Bacharelado em Serviço Social
pela Faculdade Cearense.
Ao participar deste estudo, o Sr. (Sra.) permitirá que o pesquisador utilize
suas informações para a realização desta pesquisa. Entretanto, os dados obtidos
serão mantidos em sigilo, somente o pesquisador e sua orientadora terão
conhecimento dos dados.
O participante tem a liberdade de desistir a qualquer
momento do estudo caso julgue necessário, sem qualquer prejuízo. A qualquer
momento poderá pedir maiores esclarecimentos sobre a pesquisa através do
telefone do pesquisador.
O maior benefício para o participante será a sua contribuição pessoal
para o desenvolvimento de um estudo científico de grande importância, onde o
pesquisador se compromete a divulgar os resultados obtidos. O Sr. (Sra.) não terá
nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como nada será pago
por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicito o seu consentimento de forma livre
para participar desta pesquisa.
62
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Tendo em vista os esclarecimentos apresentados, eu, de forma livre e
esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa: OS
MORADORES DA PRAÇA DO FERREIRA: O QUE FAZEM COMO VIVEM E POR
QUE SE ENCONTRAM NAS RUAS.
____________________________________________
Nome do participante
____________________________________________
Assinatura do participante
____________________________________________
Assinatura do pesquisador
____________________________________________
Prof.ª Valney Rocha Maciel Orientadora/ Faculdade Cearense
TELEFONE:
Pesquisador: (85) 8630-3953
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ANEXOS
ANEXO A - Fotos da Praça do Ferreira - Coluna da hora
FONTE: SANTOS, Emanuela Sales , 2013.
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ANEXO B – Fotos da Praça do Ferreira - Cine São Luiz
FONTE: SANTOS, Emanuela Sales, 2013.
FONTE: SANTOS, Emanuela Sales, 2013.
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ANEXO C – Fotos da Praça do Ferreira - Antigo prédio da Caixa Econômica
12
FONTE: SOUSA, Alfredo Monteiro , 2013.
12
Fotografia por Alfredo Monteiro de Sousa.
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ANEXO D - Fotos da Praça do Ferreira - Farmácia Oswaldo Cruz
FONTE: SOUSA, Alfredo Monteiro, 2013.
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ANEXO E - Fotos da Praça do Ferreira - Hotel Excelsior
FONTE:< http://s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2012/01/29/praca_do_ferreira_620x465.jpg>
FONTE: SANTOS, Emanuela Sales, 2013.
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ANEXO F – Praça do Ferreira
FONTE: <http://s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2012/01/29/praca_do_ferreira_620x465.jpg>.
FONTE:http://4.bp.blogspot.com/_6DcEKKi77ss/TTiTo4YUAnI/AAAAAAAAA3U/qzz8_liGr7g/s1600/Pra%25C3%2
5A7a+do+Ferreira.GIF>.
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ANEXO G – Depoimento do morador Josué de Oliveira, 39 anos
“Sou Josué de Oliveira, moreno, tenho 39 anos, sou solteiro, natural de Fortaleza,
estudei até a 4° série, sempre trabalhei com reciclagem. Vim morar na rua devido à
problemas familiares. Na época eu tinha 15 anos e estou na rua até hoje. Viver na
rua é viver na solidão, é muito ruim, existe muita insegurança, temos de encarar o
dia a dia para sobreviver, ao menos garantir o almoço. Tenho mãe e irmã, mas não
tenho nenhum contato com elas porque eu decidi ficar desse lado (nas ruas). Já faz
muito tempo que não falo com elas. Não uso drogas, só consumo álcool (cachaça).
Sinto vergonha de morar na rua, porque quem mora na rua pra mim é lixo. A pior
parte é dormir na rua, porque têm pessoas do mal que só querem fazer o mal
mesmo; eles matam, furam uns aos outros. Na rua a gente tá arriscado a matar ou
morrer, devido às rixas entre os próprios moradores de rua. A Política Nacional para
a População em Situação de Rua só existe no papel. Eu tenho vontade de aprender
alguma coisa, porque reciclagem não é profissão é ocupação. Infelizmente, não
chega nenhum curso pra mim, só de artesanato, e isso pra mim não é profissão.
Bom mesmo era um curso profissionalizante. Faço acompanhamento no CAPS
geral, mas lá só tem mais é palestra. A “Instituição da Prefeitura” que é para o
morador de rua é uma grande furada. A gente chega na “Instituição” e eles só dão
encaminhamentos, mas não ajudam na condução. Para retirar o documento é
preciso ter verba, até mesmo uma calça jeans e eu não tenho, pois existe lugar que
só pode entrar se tiver de calça. Eu tinha todos os meus documentos, mas perdi e
não consigo tirar outro; só ando com o Boletim de Ocorrência. As pessoas não veem
isso, querem ajudar sem saber ajudar. Já o Estado é uma fachada, só isso, quer
apagar uma imagem que não vai conseguir, apenas cresce todo dia. É um “faz de
conta”, os projetos não saem do papel. Tem que ajudar é no emprego, o certo é
distribuir curso profissionalizante para que as pessoas se aperfeiçoe e fique
capacitada, bom mesmo era um programa que ajudasse na profissão das pessoas.
O Governo tem que se conscientizar que o povo quer cursos profissionalizantes,
empregos e não Bolsa Família ou Hotel Social. Já tem muita gente acostumada, não
serve pra nada mesmo, é uma mentira uma comédia do ...., ajuda a morrer mais
depressa. Tem muito amigo meu aí, que o cartão fica é empenhado por droga. A
gente precisa é de abrigo para gerar oportunidade de emprego. Existe muita
burocracia para conseguir um benefício, deveria ter um acompanhamento para
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quem recebe esses benefícios. A sociedade discrimina a gente, mas esquece de
que da mesma forma que existe morador de rua do mal, também tem os políticos de
“colarinho branco” que só fazem o mal. Existe morador de rua do bem também, mas
ela (sociedade) tem razão, porque quem vê cara não vê coração. A população de
rua só faz crescer, como um casal de animal: quando você menos espera já tem
milhares.”
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ANEXO H – Depoimento de Marcos Paulo, 57 anos
“Sou Marcos Paulo, tenho 57 anos, sou solteiro, natural de Fortaleza, estudei até a
5° série, porque meu pai queria que eu e meus irmãos trabalhasse quando a gente
era criança. Nunca casei, morava com meus pais e depois comecei até morar com
minha irmã e meu sobrinho. Passei a morar na rua porque família é muito ruim, era
muita confusão. Um dia, o meu sobrinho me bateu porque eu tinha bebido. Eu
passava a noite toda trabalhando e quando eu chegava ninguém queria abrir a porta
pra mim. Aí, me cansei e fui embora morar na rua. Desde criança eu mó agonia,
estou tomando vitaminas, mas acabou e tenho que arrumar, né? Fico esperando
que alguém me dê, mas como é caro e difícil, nem todo mundo quer ajudar. Desde
que sai de lá nunca mais fui na casa da minha família, só fui alguns anos atrás
porque eu tinha bebido, porque bom eu não vou. Só bebo às vezes. Olha que já faz
mais de vinte anos que moro na rua e nunca usei droga, nem fumei, só gosto muito
é de jogar sinuca. Mas falando da minha família, eu não sei explicar, eu disse que
nunca mais ia andar lá e não fui mesmo. Antes eles vinham atrás de mim, agora não
vêm mais, porque deve saber que não estou trabalhando. Faz muito tempo que não
tenho contato com meus irmãos. A vida na rua tem muita coisa boa e ruim: passo
fome, porque sou exigente com comida e o povo considera a gente como porco,
cachorro; têm deles que trazem comida que nem sal tem. A coisa boa de morar na
rua é a pessoa andar sozinho, porque evita problema, né? As coisas ruins é a
pessoa tá com essa sacola, aqui só Deus e eu é quem sabe o que tem dentro, com
medo do morador ruim roubar a gente, querem de qualquer jeito que você dê as
coisas a eles como se você tivesse obrigação e medo deles. Mas têm os bonzinhos
também que lhe dá as coisas sem você pedir. A maior dificuldade de morar na rua é
porque não tem banheiro, em todas as praças era pra ter banheiros públicos. Não
conheço nenhuma política para morador de rua. Fui 14 vezes em uma Instituição da
Prefeitura para conseguir um benefício, mas nunca consegui nada. Aí desisti. Não
recebo e acho que nunca vou receber. O povo só acredita em quem mente. O
Estado deveria dar emprego, é o que eu preciso, seja do que for, até quebrar pedra.
Mas o Estado não faz nada por nós, principalmente, para o povo de rua, nós não
existe, o povo de rua não existe. Toda noite tem confusão e é os próprios moradores
que procuram. Tem uns que estão drogados e os outros não aguentam; eu também
não aguento, eles matam, furam e não vão nem preso, porque a polícia quer é que a
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gente se mate, porque aí vai diminuir o trabalhado deles, né? Já para a sociedade,
como eu já disse, eles tratam a gente como porco, cachorro, eles não querem a
gente na rua, querem nós é no presídio, porque quem é pra tá preso é animal, né?
Não é gente.”
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ANEXO I – Depoimento Silvio de Souza, 46 anos
“Sou Silvio de Souza, tenho 46 anos, sou solteiro, natural de Fortaleza, vim morar
nas ruas por causa de problemas familiares. Já está com mais de vinte anos que
moro na rua, não tenho contato frequente com minha família. Às vezes falo com
minhas três filhas. Tanto meus pais como minhas filhas sabem da minha situação,
mas pretendo um dia sair das ruas. Na rua nós não vivemos: sobrevivemos. Faltam
banheiros, alimentação. Graças a Deus, nunca tive nenhum problema de saúde,
meu vício é o álcool. Durante o tempo que estou nas ruas já frequentei algumas
atividades no Centro Pop, como roda de conversas, oficinas de arte. Mas na última
vez que fui lá, tive um desentendimento e deixei de ir. Já consegui uma casa pelo
programa de Assistência, Minha Casa Minha Vida, deixei meus pais morando lá, e
por alguns motivos, voltei pra rua novamente. O Poder Público era pra oferecer
cursos profissionalizantes, só tem curso de arte. Artesanato é legal, mas é muito
difícil você vender alguma coisa. Tem que ter acompanhamento psicológico, social
com os moradores de rua. O problema do morador não é somente ter casa; existem
vários outros. O Estado vê a gente como “coitadinho” e “pobrezinho”, e para a
sociedade nós somos os invisíveis, nem existimos. Não sei nem o que é felicidade”.
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ANEXO J – Depoimento de Daniel Soares, 33 anos
“Sou Daniel Soares, tenho 33 anos, estou casado atualmente, natural de Fortaleza.
Antes eu trabalhava como técnico de informática. Sou universitário, estou cursando
o curso de Direito e morei três anos e meio nas ruas. Eu tinha uma dependência
cibernética e dependência química; com a mistura das duas, culminou em crimes
que afetou minha casa, a minha família tinha um pensamento ortodoxo, muito
tradicional, era uma família de classe média. Estudei bastante, mas não me livrou
dos vícios das drogas e da internet. Usava cocaína e quando eu estava muito
bêbado, comecei a usar o crack. Na minha família não existia criminoso; o primeiro
criminoso foi repelido: “eu”. Houve uma ruptura com os vínculos familiares. Existem
momentos bons e existem momentos horríveis quando vivemos na rua. Se você for
uma criatura calma, trabalha e tem uma dependência química, você mora na rua,
ganha seu dinheirinho e compra sua droga. Não se alimenta muito bem, mas se
alimenta; mas se você for seguir o caminho do parasitismo, da preguiça, só esperar
que alguém lhe dê, aí você vai achar a rua um inferno na terra. Não existem
banheiros públicos, essa também é uma dificuldade encontrada pelo morador de
rua. Quando estava na rua, eu não tinha nenhum contanto com minha família, eles
não sabiam onde eu estava. Assim que saí das ruas os laços foram reestabelecidos.
Não me sentia feliz morando nas ruas, mas existiam algumas alegrias: o domingo é
o dia que todo mundo se encontra na rua, para alguns estressados, é o dia da
cobrança; o ponto de encontro era na sopa da Praça do Ferreira, no café da manhã
da Praça dos Leões. O bom da rua é isso: se você gosta de alguém, você gosta
porque gosta mesmo e pronto, não porque tem alguma coisa, porque ninguém tem
nada a oferecer; a única coisa que tem a oferecer é a companhia, a conversa, mas
como toda família também têm seus conflitos. Quando eu estava na rua, frequentava
as atividades desenvolvidas pelo Centro Pop, como as rodas de conversa,
realizavam exames em parceria com o NASF, mas nunca tive nada da Assistência
como aluguel social, hotel social, casa pelo programa minha casa minha vida, nada.
O morador de rua não pode esperar: primeiro tem que existir uma sensibilização
para entender que as pessoas “desenraizam” dos lugares, das coisas que
normalmente as pessoas fazem, essa responsabilidade de pagar água, luz, tudo
isso é perdido. Quando alguém vai morar nas ruas, ela não tem mais essa
responsabilidade e passa a ter a liberdade total, não tem que pagar nada, não tem
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mais o controle, o acesso as coisas do capitalismo, tudo isso tem que ser
reconquistado novamente. O que o Poder Público deveria fazer era escutar os
desejos, as ansiedades das pessoas que estão nas ruas, porque as pessoas estão
desestruturadas psicologicamente. Tem que haver um trabalho intersetorial. A
Assistência enxerga o morador de rua como usuário do sistema, que precisa ser
escutado, respeitado, mas que na verdade não existe; já a Saúde e a Educação
enxerga o morador de rua como uma criatura que não quer sair das ruas, que são
dependentes químicos, viciados e drogados; e a Sociedade vê e finge que não vê,
diz que quer ajudar, mas tem época e o motivo de ajudar; olham para o morador de
rua como preguiçoso, mendigo, ladrão e drogado. O morador de rua tem que ser
respeitado. Existe a dificuldade de interpretar que aquele sujeito que está deitado no
chão ou sobre o papelão tiveram todos os seus direitos violados, esquecendo que
ele é um cidadão que merece respeito, tem que ter sua dignidade restabelecida.
Pouca gente fala com o morador de rua, pior são as frases ditas com o olhar: o olhar
de desprezo, como uma coisa asquerosa, quem está ali sendo visto olha pra você e
enxerga em você a crítica, o preconceito contra eles”.
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ANEXO J – Depoimento João Paulo Soares, 70 anos
“Sou João Paulo Soares, tenho 70 anos, sou natural de Granja, estou solteiro,
estudei até a 5º série, minha profissão é de servente, não sou aposentado, sou
moreno. Morei nas ruas por causa de problemas na família, principalmente, com
filhos por conta de drogas. Era muito difícil eu beber, bebia só uma cervejinha de vez
em quando. Nunca usei droga, nem era viciado em jogo; só fumei muito. Preferi
viver nas ruas do que aguentar as confusões. Não é bom viver nas ruas, minha
maior dificuldade era arrumar um serviço e alimentação. Tenho problema de coração
e fraqueza, mas a fraqueza era por causa da fome,e para sobreviver pedia, fazia
alguns trabalhos avulso: uma limpeza, lavava carros, também pedia. A maior
dificuldade era arranjar alimentação durante o dia. Antes, eu tinha contato de longe
com minha família só através de telefone. Não conheço a Política Nacional para
População em Situação de Rua. O Estado era pra dar serviço, um local certo. Tem
que tomar providência. Existe o desprezo do Estado com a gente; da sociedade, eu
não sentia muito preconceito, apenas a discriminação. A violência hoje é demais,
principalmente, entre os próprios moradores. Morei na rua 12 anos, dormia nos
bancos da Praça do Ferreira. Graças a Deus está com cinco anos que sai das ruas.
Agora voltei a ter o contanto com minha família e pretendo voltar agora para minha
cidade. Sai da rua porque o meu sobrinho arranjou um local pra morar e me levou
pra morar com ele. Eu não era feliz quando eu morava nas ruas, sempre tive a
vontade de sair das ruas.”
77
ANEXO K – Depoimento de Afonso Lopes, 55 anos
“Sou Afonso Lopes, tenho 55 anos, sou natural de Camocim, sou casado e moro há
38 anos em Fortaleza. Estudei até a 1° série, porque meu pai colocava eu e meus
irmãos para trabalhar. Minha profissão sempre foi capinar, roçado, fazer tijolo. Já fui
casado e tenho três filhos. Atualmente, vivo com outra mulher, mas não tenho filho
com ela. Morei oito anos na rua porque estava desempregado e não queria
depender da família. Sabe como é, né? Mas sempre tive contato com eles: minha
mãe, meus irmãos e tios que moram em Granja, só não falava com meus filhos
porque eles não queriam saber de mim. Graças a Deus não tenho problemas de
saúde, só às vezes quando eu bebo. Só dia de domingo é que minha pressão
aumenta, mas tomo remédio e fica tudo bem. Também nunca usei droga, só bebo às
vezes mesmo. Antigamente, morar na rua era fácil e era difícil, porque tinha muito
desemprego, mas era mais fácil arranjar uma casa. Hoje em dia não, tudo é mais
difícil, principalmente por causa da violência. Hoje a gente não pode nem dormir na
praça que é roubado. Existe muitos atritos entre os próprios moradores de rua: a
gente tá dormindo e o pessoal (outros moradores de rua) já chega batendo
querendo roubar seu papelão, suas coisinhas. Às vezes me sentia feliz morando na
rua, porque eu estava com meus amigos, mas também não era feliz porque eu
andava sujinho. Quando eu ia dormir ficava pensando na minha família, com
saudade de casa, mas eu não tinha serviço. A maior dificuldade de morar na rua é a
falta de banheiro que não tem, não podia tomar banho, lavar roupa, de manhã não
tinha onde escovar os dentes, tinha que andar sujinho mesmo; essa é a grande
dificuldade do morador de rua. Não conheço nenhuma política pro morador não. O
Estado não está nem aí pra resolver o problema da população de rua, porque está é
crescendo. Antes era menos gente morando na rua e eles não faziam nada, imagine
agora. A sociedade tem preconceito com a gente, quem faz alguma coisa ainda é as
irmãs (ONG’s, igrejas). Lá a gente tem um sabão pra lavar as roupas, pode tomar
um banho, tem uma merenda, mas na hora de dormir, a gente tem que ir é pra praça
mesmo. Está com cinco anos que sai da rua, mas toda noite venho aqui pra Praça
do Ferreira. Antes eu dormia aqui, até que um dia encontrei meu ex-patrão e ele me
chamou pra trabalhar de vigia e me deu um cantinho pra dormir. É muito bom você
ter uma caminha, acordar e tomar um banho, ficar despreocupado sem ter medo de
briga durante a noite. Hoje sou feliz porque tenho um lugarzinho pra morar.”
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