Atitudes e comportamentos face à recolha selectiva e locais de deposição: estudo de campo J.M. PALMA-OLIVEIRA, S. CORREIA DOS SANTOS Professor da FPCE da Universidade de Lisboa, Docente da FPCE da Universidade de Lisboa Faculdade de Psicologia e C.E., Alameda da Universidade, 1600 Lisboa Resumo Este trabalho pretendeu comparar três grupos de sujeitos que vivem perto de instalações de tratamento/deposição de RSU bastante diferenciadas entre si. Assim comparou-se sujeitos que vivem perto de um Aterro, de uma Lixeira e de uma Estação de Compostagem. Esses grupos foram ainda divididos entre aqueles que vivem a menos de 750 metros da instalação e aqueles que vivem a mais de 2.5kms. Aplicou-se a esses sujeitos um questionário que pretendia medir a opinião em relação ao ambiente e ao lixo, avaliar a percepção de risco envolvida na laboração dessas infra-estruturas, avaliar o tipo de mecanismos de reciclagem mais satisfatórios entre outros objectivos. Os resultados são bastante consistentes demonstrando que as pessoas que vivem perto do aterro são aquelas que possuem uma atitude mais positiva em relação ao tipo de instalação que se lhes depara e possuem menor percepção de risco. Os que vivem perto da lixeira são aqueles que possuem uma atitude mais negativamente polarizada em relação não só à lixeira mas também ás outras infra-estruturas. Os que vivem perto da compostagem encontram-se em níveis intermédios o que revela uma certa incomodidade com essa infra estrutura que apesar de ser considerada positiva não consegue recolher atitudes muito positivas. Por outro lado os resultados apontam claramente para um certo de procedimento de reciclagem que consegue recolher a opinião positiva dos entrevistados (separação em secos e molhados) ao contrário de outros que também foram examinados. O estudo revela também áreas de trabalho necessárias em termos de programas de educação/promoção de comportamentos. *Este trabalho foi realizado no âmbito de um projecto da Quercus Associação Nacional para a Conservação da natureza com o apoio do IPAMB. Palavras chave: aterros de RSU, compostagem, incineradora de RSU, recolha selectiva, atitudes e comportamento. Com a concentração das populações em aglomerados populacionais cada vez mais extensos, grande parte do ciclo produtivo e da gestão de resíduos provenientes da sua existência, deixaram de fazer parte da paisagem habitual. Este deslocamento progressivo da deposição e tratamento dos RSU para locais muito afastados dos centros urbanos, leva a que a relação dos habitantes com os seus resíduos seja muito distante e pouco conhecedora. No entanto, as atitudes dos moradores vizinhos desses locais provavelmente devem ser muito diferentes das atitudes daqueles que deles estão afastados. Este princípio de "longe da vista, longe do coração" deve ser devidamente estudado, já que pode constituir um obstáculo importante a um conjunto de políticas e campanhas sobre RSU. No caso português, a ocorrência de incorrecta construção ou gestão de aterros controlados, cujos efeitos ambientais e de saúde pública se equiparam aos impactes dos vazadouros, provoca um forte descontentamento e desconfiança das populações sempre que se manifesta intenção de instalar um aterro controlado em determinado local. Por outro lado, devido ao síndroma "nimby", os critérios de localização de vazadouros ou de sistemas de tratamento/deposição de resíduos são, por vezes, pouco objectivos, situando-se, regra geral, junto das comunidades mais desfavorecidas socialmente, constituindo, assim, mais um factor de degradação da qualidade de vida e de injustiça social. Vários trabalhos, nomeadamente um estudo europeu com técnicos (Levy-Leboyer, Segal, Bonnes, Chase, Pawlik, Ferreira-Marques & Palma-Oliveira, 1995) e estudos multiculturais com países desenvolvidos e sub-desenvolvidos (Dunlap & Mertig, 1995), revelam que a percepção de risco ambiental é elevada e unimodal. Essa tendência é acentuada em sujeitos que vivem perto de sítios possíveis para a instalação de incineradoras ou aterros para lixos tóxicos (Palma-Oliveira, 1995). Todos estes estudos mostram o mesmo padrão unimodal independentemente do nível cultural ou da formação técnica da população estudada. Este resultado é também consistente com os resultados de um estudo de Lindell e Earle (1983). Este revela que apenas o pessoal técnico directamente envolvido no funcionamento de um determinado tipo de infraestrutura, que envolve um certo perigo, aceita esse tipo de instalação sem problemas. Estes resultados apontam para a especificidade da aceitação e indicam que o efeito de "NIMBY" está também presente no pessoal técnico. A hipótese que considera a falta de informação o ponto crucial no que respeita à avaliação de risco ou a hipótese do efeito "NIMBY" não explicam totalmente os resultados dos estudos anteriores e tornam consistente a hipótese de nas sociedades modernas se verificar uma sobrestimação do risco. Segundo essa hipótese, a acentuação da percepção de risco das populações que vivem perto de instalações deverá ser compreendida dentro de uma tendência global. Contrariamente ao defendido por alguns técnicos e governo, a reacção negativa da população não é irracional. Em vez disso, a resistência local a certas tecnologias pode também descrita como um dilema social invertido (conceito sugerido por Garcia-Marques e Palma-Oliveira). Nesta perspectiva, para um indivíduo que viva próximo de um local provável para a instalação de uma infraestrutura é sempre mais racional ser contra a construção do que a favor, porque as consequências negativas estão concentradas num local e as positivas estão diluídas pela região ou país. Nesta perspectiva, é possível prever que os efeitos do dilema social invertido estão directamente relacionados com a identidade social local e com a proximidade ao local. No presente estudo propomos uma abordagem da vertente psico-social que tem o intuito de perceber como o tipo de instalação para RSU existente na zona de residência dos inquiridos e a distância da sua habitação à instalação se relacionam com as suas atitudes, crenças e atribuições sobre os RSU e os locais de deposição. Metodologia Este estudo quase experimental de campo pretende explorar e avaliar como é que o tipo de instalação e a distância da residência à mesma se relacionam com as atitudes e as atribuições dos indivíduos em relação aos RSU e locais de deposição. Foram aplicados aos sujeitos uma série de instrumentos psico-sociais que permitem o diagnóstico exaustivo das atitudes, crenças e atribuições da amostra de indivíduos em relação aos RSU, dos seus comportamentos em relação aos RSU e à reciclagem e da percepção de risco e atitudes face aos locais de deposição. A ordem de apresentação dos instrumentos não foi manipulada. O delineamento deste estudo é 3 tipos de instalações para deposição de RSU (aterro sanitário, lixeira ou estação de compostagem) x 2 Distâncias ás instalações (< 750 metro ou > de 2500 metros), definindo-se amostras com base em factores urbanísticos e sócio-económicos. Foi efectuada uma pré-selecção das áreas-tipo residenciais do distrito de Lisboa, fundamentalmente da Área Metropolitana de Lisboa (zona norte), tendo como referência as localizações dos diferentes tipos de locais de deposição/tratamento de RSU e à situação geográfica em relação ás instalações (distante/perto). Investigações no campo da reciclagem apontam para o facto de ser erróneo fazer estudos onde se misturam tipos de habitações completamente diferentes já que a adesão à reciclagem é muito diversificada quando estamos a falar de moradias e prédios (Oskamp et al., 1991; Katzev et al., 1993)). Assim, com o objectivo de anular os efeitos do atributo: tipo de habitação - moradia (zona de baixa densidade urbanística) / apartamento (zona de alta densidade urbanística) seleccionámos, em cada área-tipo residencial, bairros habitacionais que se assemelham em relação a esse atributo. Procurou-se que as áreas-tipo residenciais fossem também semelhantes no que respeita ao nível sócio-económico dos agregados familiares, à densidade populacional das zonas residenciais, localização geográfica definida em termos de ruralidade/urbanidade. Tipo de instalação 1. Aterro sanitário 2. Lixeira 3. Est. compostagem 1. menor 20 20 20 Distância à instalação 2. Maior 20 20 20 Fig. 1 – Delineamento experimental Assim, foram definidas áreas-tipo residenciais tendo como referência os seguintes locais de deposição/tratamento de RSU: a) Estação de Compostagem de Trajouce; b) Aterro Sanitário do Mato da Cruz, e c) Lixeira controlada do Vale do Forno. A influência das variáveis independentes mencionadas foi analisada numa série de variáveis dependentes e que são: 1) os comportamentos relacionados com os RSU e reciclagem, 2) as atitudes, crenças e atribuições em relação ao ambiente, aos RSU e à reciclagem, 3) as atitudes e percepção de risco face aos locais de deposição Dado o delineamento experimental e o objectivo fundamental do estudo, foram definidas amostras por critérios. O objectivo era comparar bairros habitacionais semelhantes que contrastam entre si apenas em relação a dois critérios que se considerou cruzar na análise (amostras contrastantes): o tipo de instalação e a distância à mesma. Assim, segundo o delineamento final do estudo foram seleccionados 120 agregados familiares para participar no estudo. O número foi calculado para possibilitar a comparação significativa entre as condições (metodologia de amostras contrastantes). Foram construídos e apresentados aos participantes três instrumentos. (I.) Foi construída uma medida de atitudes - que permitem obter as opiniões, crenças dos indivíduos em relação aos RSU. Para medir as atitudes em relação ao ambiente em geral utilizámos uma versão reduzida duma escala de atitudes já utilizada (Levy-Leboyer, Segal, Bonnes, Chase, Pawlik, Ferreira-Marques & Palma-Oliveira, 1995). A primeira dessas escalas (RSU) foi validada seguindo a técnica de construção das escalas de Likert. (II.) As atitudes em relação aos locais de deposição foram operacionalizadas através da inclusão da seguinte questão: "O que é que acha dos aterros/lixeira/ compostagem como solução para o lixo?" Escala de resposta: discordo totalmente (1) a Concordo totalmente (5). (III). No inquérito, através de perguntas especifícas foi pedido aos indivíduos para descreverem os riscos que, na sua opinião, estavam associados aos diferentes tipos de instalações. (IV.) Foram introduzidas perguntas que pretendem averiguar a posição dos indivíduos em relação à instalação localizada na sua zona e até que ponto a sua existência afecta a comunidade. (V) Avaliámos os conhecimentos acerca da forma como se processa o encaminhamento dos RSU na zona do entrevistado depois de sair da sua casa. Introduziram-se também perguntas específicas sobre o local de deposição da zona do sujeito (e.g. natureza, nome, condições de segurança). (VI) Incluímos no nosso inquérito algumas questões acerca das preferências em termos de soluções para o tratamento de resíduos dos entrevistados. (VII). Foi construído um instrumento de auto-descrição dos comportamentos relacionados com os RSU, com a reciclagem e a redução, partindo da elaboração duma listagem exaustiva dos comportamentos. (VIII) Adaptámos a Escala de Identidade Urbana de Lally (1992) para avaliar a ligação dos indivíduos ao bairro e ao concelho onde habita. Com o objectivo de detectar eventuais problemas, foi realizado um pré-teste destes instrumentos, num pequeno grupo de 20 pessoas que partilhavam muitas das características da população em estudo. As entrevistas decorreram nas residências dos entrevistados e demoravam aproximadamente 10-15 minutos a ser realizadas. Resultados Atitudes em relação ao ambiente e aos RSU Os indivíduos que vivem mais próximo da instalação têm uma atitude mais favorável em relação ao ambiente do que aqueles que vivem mais distantes (F(1,113)=11,69; p<0,00087). No entanto a atitude em relação ao ambiente varia significativamente com o tipo de instalação existente na zona de residência. São os residentes na zona da estação de compostagem que têm uma atitude mais favorável na escala. Viver perto de uma lixeira ou de um aterro não implica diferenças na atitude que os inquiridos têm em relação ao ambiente. A distância à instalação influi significativamente na atitude dos inquiridos em relação ao lixo (F (1,114)= 7,26; p=0.0081). Os indivíduos que vivem perto das instalações têm uma atitude mais positiva (mais sensibilizados) em relação ao lixo do que o outro grupo. Atitudes em relação aos locais de deposição