Há variação na morfologia de Brachidontes
darwinianus (Mollusca: Bivalvia) em diferentes zonas
do mediolitoral?
Jéssica Nayara Carvalho Francisco, Letícia Biral de Faria, Renato Chaves de
Macedo Rego & Thayná Jeremias Mello
RESUMO: Costões rochosos são modelos clássicos para o estudo da heterogeneidade ambiental por
apresentarem grandes variações ambientais em pequena escala. A heterogeneidade ambiental é mais
evidente no mediolitoral, onde organismos sésseis têm maiores restrições de acesso a nutrientes nas
regiões superiores comparados aos das regiões inferiores. Entretanto, nas regiões inferiores, os organismos ficam mais expostos à predação se comparados aos das regiões superiores, o que poderia favorecer
diferentes estratégias de crescimento. Neste estudo, investigou-se como varia a morfologia das conchas
de Brachidontes darwinianus entre os estratos superior e inferior do mediolitoral. Os indivíduos foram
coletados no mediolitoral em diferentes rochas. Diferentemente do esperado, as conchas dos indivíduos
das áreas superiores do mediolitoral não são mais alongadas e menos robustas que as de indivíduos das
áreas inferiores. Restrições de acesso a nutrientes devidas ao aporte de água doce e pouca predação no
mediolitoral inferior são possíveis explicações para o padrão observado.
PALAVRAS-CHAVE: costão rochoso, disponibilidade de nutrientes, heterogeneidade ambiental, gradiente ambiental, predação
INTRODUÇÃO
Costões rochosos são um modelo clássico para
o estudo da heterogeneidade ambiental e seus
efeitos sobre os organismos, pois as variações
nas condições ambientais que ocorrem em poucos
metros só poderiam ser encontradas ao longo de
quilômetros no ambiente terrestre (Connell, 1972).
A variação na altura da coluna d’água determina
períodos regulares de imersão e emersão dos organismos, causando mudanças nas condições de umidade, salinidade, disponibilidade de nutrientes e
predação. A variação periódica na altura da coluna
d’água gera um padrão horizontal de dominância
de espécies, denominado estratificação ou zonação.
O padrão de estratificação é determinado pelas
diferentes tolerâncias das espécies à complexidade
de interações dos diversos fatores abióticos e bióticos (Duarte & Guerrazzi, 2004).
essencial para a construção da concha, quando
comparados àqueles das áreas mais superiores.
Entretanto, considerando que os principais
predadores de organismos sésseis filtradores
são aquáticos (Magalhães, 2000), a exposição à
predação será maior quanto maior for o tempo de
submersão. A variação espacial e temporal das
condições ambientais pode resultar em diferentes
pressões seletivas ao longo do gradiente vertical
dos costões. Assim, a estratégia dos organismos
das regiões mais superiores do mediolitoral seria
de maximizar a filtração para obtenção de cálcio e
alimento. Por outro lado, os organismos das regiões
mais inferiores do mediolitoral não enfrentam
escassez de nutrientes, e sua estratégia seria de
maximizar a proteção contra a predação, que é
maior nestas regiões.
Nos limites superiores dos costões rochosos, fatores
físicos são as principais forças que atuam sobre
os organismos, enquanto nos limites inferiores
interações biológicas são mais importantes (Connell, 1972). Dentre as zonas dos costões rochosos,
é no mediolitoral que ocorre a maior variação de
condições bióticas e abióticas. Essa região é ocupada predominantemente por organismos sésseis
filtradores. Os indivíduos que vivem nas áreas
inferiores do mediolitoral ficam mais tempo submersos e, portanto, têm mais acesso a alimentos
e a nutrientes, principalmente o cálcio, nutriente
Bivalves são moluscos filtradores que obtêm o cálcio dissolvido na água e alimentos em suspensão
através das brânquias. A área das brânquias dos
bivalves só pode ser aumentada com o aumento do
comprimento da concha, resposta que foi observada
em condições experimentais de diminuição de disponibilidade de alimento na água (Franz, 1993). Da
mesma forma, a predação também pode alterar a
expressão de traços morfológicos e comportamentais dos indivíduos. Em bivalves, respostas comuns
à presença de predadores são o engrossamento da
concha, o aumento na produção de bisso (estrutura
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de fixação) e o aumento do músculo adutor (Caro,
2008).
Brachidontes darwinianus (Mollusca: Bivalvia) é
um organismo séssil e filtrador, bastante abundante no mediolitoral de costões rochosos do sudeste brasileiro, típico de estuários e outros locais
de água salobra (Nalesso, 1988). Os principais
predadores de B. darwinianus são gastrópodes,
caranguejos e estrelas-do-mar (Magalhães, 2000).
O objetivo deste trabalho foi investigar como a
heterogeneidade na disponibilidade de recursos
e a variação na predação afetam a morfologia
da concha de B. darwinianus no mediolitoral. A
hipótese era de que os indivíduos no mediolitoral
superior teriam conchas mais alongadas e menos
robustas que no mediolitoral inferior. Essa hipótese parte da premissa que, na área de ocorrência
de B. darwinianus, os indivíduos do mediolitoral
superior têm menos acesso a nutrientes e estão
menos expostos à predação, enquanto o oposto
ocorre com os indivíduos do mediolitoral inferior.
Figura 1. Índice de formato (IF) (razão comprimento/
largura) médio das conchas de Brachiodontes darwinianus
em 10 rochas. Linhas conectam observações de uma
mesma rocha. Linhas pontilhadas representam rochas
em que o IF foi maior nos indivíduos do mediolitoral
superior. Linhas contínuas representam rochas em que
o IF foi maior nos indivíduos do mediolitoral inferior.
A diferença média dos coeficientes de variação (CV)
dos valores de IFM dos indivíduos de cada rocha
não foi significativa (diferença média dos CVs dos
IFs = -0,007; p = 0,522). Em relação à diferença
média dos CVs dos comprimentos médios dos indivíduos de cada rocha, o valor encontrado também
não foi significativo (diferença média dos CVs do
comprimento médio = 0,022; p = 0,122).
Os valores de DIRM das conchas B. darwinianus
não foram significativamente maiores no mediolitoral inferior (p = 0,424), o que ficou evidenciado
pela baixa média geral dos valores de DIRM (média
das DIRMs = 0,012; Figura 2).
Figura 2. Índice de robustez (IR) (massa/área) médio
das conchas de Brachiodontes darwinianus em 10
rochas. Linhas conectam observações de uma mesma
rocha. Linhas pontilhadas representam pontos em que o
IR foi menor para os indivíduos do mediolitoral superior.
Linhas contínuas representam rochas em que o IR foi
menor para os indivíduos do mediolitoral inferior.
DISCUSSÃO
Não houve diferença significativa nas médias dos
índices de formato (DMIF) das conchas entre os
indivíduos de B. darwinianus dos estratos superior
e inferior do mediolitoral. Uma vez que a amplitude
de variação do formato das conchas, indicada pelo
coeficiente de variação do IF, também foi baixa em
cada rocha e entre os dois estratos do mediolitoral,
provavelmente não há diferença na distribuição
etária devido ao batimento de ondas atuando em
cada um dos estratos.
Diferentes fatores poderiam gerar o padrão de
distribuição homogênea do formato das conchas
em B. darwinianus observados neste estudo. A
despeito dos resultados obtidos, é possível que
os indivíduos do mediolitoral superior realmente
tenham tendência a maximizar sua superfície
branquial para aumentar a captação de nutrientes.
Essa expansão ocorreria através do alongamento
da concha (Franz, 1993), já que o acesso ao cálcio
e alimento em suspensão é reduzido pelo menor
tempo de exposição à água do mar. Entretanto, é
possível que, por características específicas do local
de estudo, haja restrição de acesso aos nutrientes
não só no mediolitoral superior, mas também no
mediolitoral inferior. No mediolitoral superior, os
indivíduos passam mais tempo emersos e, portanto,
têm menor acesso aos nutrientes. Entretanto, como
o local de estudo é um estuário, os indivíduos do
mediolitoral inferior podem passar mais tempo com
as valvas fechadas, isolando-se do meio quando a
altura da coluna d’água diminui e o aporte de água
doce aumenta. O fechamento das valvas é uma
forma de manter a osmorregulação em condições
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de salinidade reduzida (Nalesso, 1988). Desse
modo, é possível que haja períodos de restrição de
alimentação tanto no mediolitoral superior quanto
no inferior, de maneira que os indivíduos dos dois
estratos apresentariam a mesma morfologia alongada das conchas.
Assim como o alongamento da concha poderia ser
induzido por escassez de nutrientes, a robustez
da concha poderia ser induzida por predadores.
Porém, a robustez da concha também não diferiu
entre indivíduos de B. darwinianus do mediolitoral
inferior e superior. Inicialmente, consideramos
que a predação ocorresse de maneira mais intensa
no mediolitoral inferior. Entretanto, é possível
que haja poucos predadores na área de estudo, o
que poderia explicar a ausência de diferenças na
robustez das conchas de B. darwinuanus entre os
estratos. O engrossamento da concha induzido por
sinais de predadores é um exemplo de plasticidade
fenotípica descrito na literatura para outros bivalves (Leonard et al., 1999; Cheung et al., 2006).
Dessa maneira, é possível que haja poucos sinais
de predadores para a expressão do fenótipo com
engrossamento de casca no mediolitoral inferior.
Outra possibilidade é que B. darwinianus responda
à predação através do investimento em outras
estruturas. Alguns dos predadores que ocorrem
na área de estudo, como Stramonita haemastoma,
consomem os bivalves abrindo suas conchas (Duarte & Guerrazzi, 2004) e não as perfurando. Uma
defesa mais eficiente contra esse tipo de predação
seria o investimento em musculatura para evitar
a abertura da concha (Duarte & Guerrazzi, 2004).
Concluímos que, em relação ao formato e robustez
da concha, não há um padrão diferencial de
distribuição de B. darwinianus no mediolitoral.
Entretanto, a disponibilidade de nutrientes e a
predação poderiam atuar de maneira simultânea
e integrada com outras condições ambientais e
com fatores genéticos na determinação da morfologia dos organismos. Estudos futuros poderiam
investigar a distribuição de outras características
morfológicas como, por exemplo, o desenvolvimento
de musculatura nos indivíduos da população. A
quantificação da predação e da disponibilidade
de cálcio e alimentos ao longo do mediolitoral
poderiam ajudar também a elucidar os mecanismos de geração de variação morfológica em B.
darwinianus. Experimentos poderiam controlar
variações na densidade populacional, na disponibilidade de cálcio e alimentos e na quantidade de
predadores de modo a investigar como populações
de B. darwinianus respondem a cada um desses
fatores isoladamente.
REFERÊNCIAS
Caro, A.U.; J. Escobar; F. Bozinovic; S.A. Navarrete & J.C. Castilla. 2008. Phenotypic variability
in byssus thread production of intertidal mussels induced by predators with different feeding strategies. Marine Ecology Progress Series,
372:127-134.
Cheung, S.G; K.C. Luk & P.K.S. Shin. 2006.
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Ecology, 32:1501-1512.
Connell, J.H. 1972. Community interactions on
marine rocky intertidal shores. Annual Review
of Ecology and Systematics, 3:169-192.
Duarte, L.F.L. & M.C. Guerrazzi. 2004. Zonação
do costão rochoso da praia do Rio Verde: padrões
de distribuição e abundância. Em: Estação
Ecológica Juréia-Itatins: Ambiente físico, flora
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Editora Holos, Ribeirão Preto.
Franz, D.R.1993. Alfatometry of shelf and body
weight in relation to shore level in the intertidal
bivalve Geukensia demissa (Bivalvia: Mytilidae).
Journal of Experimental Marine Biology and
Ecology, 174:193-207.
Futuyma, D.J. 2005. Evolution. Sinauer Associates, United States.
Leonard, G.H.; M.D. Bertness & P.O.Yund. 1999.
Crab predation, waterborne cues, and inducible defenses in the blue mussel Mytilus edulis.
Ecology, 80:1-14.
Magalhães, C.A. 2000. Partilha de recursos em
guilda de gastrópodes predadores em costões
de São Sebastião, SP. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
Nalesso, R.C. 1988. Influência da salinidade e
exposição ao ar na distribuição dos mexilhões
Brachidontes darwinianus e B. solisianusem
em dois estuários do litoral do estado de São
Paulo. Dissertação de Mestrado, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas.
Orientação: Cristiane H. Millan & Danilo Muniz
Curso de Pós-Graduação em Ecologia - Universidade de São Paulo
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Há variação na morfologia de Brachidontes darwinianus (Mollusca