BOLETIM DE PESQUISA INTERFACES O Boletim de Pesquisa Interfaces é uma publicação dos professores da FACE/PUCRS e contempla temas diversos nas áreas de economia e negócios. Seus textos são curtos, objetivos e ilustrados com pelo menos um gráfico, figura ou tabela. A ideia é divulgar conhecimentos, estimular o debate e intensificar a interação entre a Universidade, as Empresas e o Governo. Entende-se que esta é uma forma de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Porto Alegre: FACE/PUCRS, Vol. 1, Núm. 3, 2014. Como vivem os Brasileiros que “saíram” da pobreza? Izete Pengo Bagolin PPGE/FACE/PUCRS [email protected] Resumo: O objetivo desse texto é analisar as condições de vida, nos aspectos alimentação e moradia, dos brasileiros que se encontram fora do grupo considerado pobre, porém, muito próximos da linha de pobreza. Para isso são utilizados dados sobre condições de vida provenientes da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) referente aos anos de 2008/20009. Com base nesses dados é possível perceber que apesar de não serem classificados como pobres, esses brasileiros ainda enfrentam privações severas em termos de alimentação e moradia e não conseguem ter um nível mínimo de bem estar. D e acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS (2013), ao longo dos últimos dez anos ocorreu redução de 40% no número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza absoluta1. Tal redução tem diferentes explicações. Parte é decorrente do crescimento econômico que aumentou as oportunidades de trabalho e emprego. Outra parte, não menos importante, é consequência das políticas sociais, especialmente dos programas governamentais de transferência de renda (Bolsa Família, Brasil Carinhoso, Brasil sem Miséria, etc). Entre 2004 e 2011 o número de benefícios provenientes de programas de transferência de renda subiu de 8.632.852 para 16.947.643. A maior parte desses beneficiários estaria enfrentando pobreza extrema ou miséria2, ou pelo menos estaria em situação de pobreza3, caso não estivesse recebendo auxilio governamental. 1 A linha oficial de pobreza foi fixada em R$ 140,00 (cento e quarenta reais per capita/mês) através de uma medida político-administrativa, e a linha de pobreza extrema em R$ 70,00 (setenta reais per capita/mês). 2 Pobreza extrema ou miséria é a condição na qual a pessoa não tem condições de suprir as necessidades alimentares e de sobrevivência. 3 No Brasil, considera-se como pobres aquelas pessoas que não conseguem satisfazer suas necessidades básicas, considerando, em geral alimentação, moradia, vestuário. São consideradas nessa situação aquelas pessoas que se encontram abaixo da linha oficial de pobreza (absoluta) que em 2009 era de R$ 140,00/mês. Apesar de considerados não pobres com base na linha oficial de pobreza do Brasil, a maioria dessa população que deixou a pobreza absoluta ainda permanece em situação de pobreza relativa4 e/ou está em condição socialmente vulnerável e dependente. Porém, por já não serem contados como pobres deixaram de ser foco prioritário das políticas públicas e dos estudos sobre a pobreza. Mas como vivem esses brasileiros? Que privações enfrentam? Que nível de bem estar conseguem atingir? Utilizando os dados da POF é possível identificar as pessoas que não eram consideradas pobres em 2008/2009 por estarem recebendo renda dos programas sociais mas seriam considerados pobres caso não recebessem a ajuda do governo. Apesar de consideradas não pobres, um percentual significativo de famílias nessa condição enfrenta algum tipo de privação entre as que são consideradas básicas, tais como condições de alimentação ou moradia. Nesse texto, será considerada apenas a população que vive com renda familiar per capita entre R$ 140,00 e R$ 226,00 5 (que é a faixa de renda na qual se encontram os brasileiros que “saíram” da pobreza em decorrência do recebimento de transferências de renda). Na tabela 1 são apresentados os percentuais de incidência de privações nos aspectos relacionados com alimentação e moradia pesquisados pela POF. Vale destacar que dentre esses “não pobres” em torno de 33% referiram que normalmente não conseguem comprar alimentos em quantidade suficiente e 12,2% não conseguem comprar o tipo de alimento que gostariam. Isso mostra que a “saída” da pobreza, ainda não foi suficiente para eliminar os problemas relacionados com alimentação. Quando olhamos para as questões relacionadas com as condições de moradia, vemos que em todos os itens a incidência é superior a 35%, chegando, em algumas questões, a ter incidência superior a 85%. Esses resultados mostram que, apesar da importância das melhorias já conquistadas, a solução para os problemas dos brasileiros pobres ainda é um desafio a ser enfrentado pela sociedade. Tabela 1: Percentual de pessoas que referiram enfrentar privações nos itens a seguir, investigados pela POF (2008/2009). Tipo de problemas que as pessoas referem Domicílios que referiram que normalmente a quantidade de alimentos não é suficiente Domicílios que não conseguem comprar o tipo de alimento que gostaria Domicílios que enfrentam problemas de falta de espaço na moradia Domicílios mal iluminados Domicílios com goteiras Domicílios com problemas na de umidade Domicílios com problemas de deterioração de janelas, portas ou paredes Domicílios em locais com problemas ambientais Domicílios em locais com problemas de violência ou vandalismo Domicílios com problemas de inundação Fonte: Elaborada pela autora com base nos dados da POF. 4 Beneficiários com renda entre 140 e 226 reais per capita/mês 32,8 % 12,2 % 36,7 % 72,3 % 46,5 % 54,9 % 53,2 % 86,8 % 72,4 % 86,7 % São considerados pobres relativos aqueles indivíduos que vivem com renda insuficiente para levar uma vida compatível com o padrão médio da sociedade. Em geral, a linha de pobreza relativa é defina com base na mediana da renda nacional e são classificados como pobres os indivíduos que vivem com renda inferior a 50% da mediana. 5 R$ 226,00 (duzentos e vinte e seis reais é a renda per capita máxima da família não pobre que estaria em pobreza se não recebesse dinheiro do programa bolsa família. Para ilustrar a complexidade do fenômeno e a necessidade de políticas mais abrangentes, a figura um mostra a incidência conjunta de privações. É possível verificar que mais de 80% das pessoas referiram enfrentar quatro ou mais tipos de privações e apenas 16,6% enfrentam até três tipos de privações. Isso mostra que a insuficiência de renda não é capaz de resolver o problema da pobreza, quando essa se manifesta em diversas dimensões. Isso parece ser especialmente importante quando a privação é de caráter mais social do que individual e sua solução depende de investimento público e não apenas da renda familiar ou individual. Exemplos dessas privações são os aspectos relacionados a violência, problemas ambientais e inundações. Como é possível identificar na tabela, são justamente essas dimensões que afetam a maioria das pessoas. Figura 1: Percentual de pessoas por incidência conjunta de privações. Fonte: elaboração própria. O problema não se restringe apenas aos “não pobres” que recebem bolsa família, mas afeta também àquelas pessoas consideradas “não pobres” que estão na mesma faixa de renda e vivendo sem ajuda do governo. Todos os entrevistados foram solicitados a avaliar as condições de suas moradias em Boas, Satisfatórias e Ruins. Na figura 2 são apresentados os percentuais para dois grupos de respondentes: (1) “não pobres” beneficiários do programa bolsa família e, (2) “não pobres” não beneficiários do programa. Em ambos os grupos, um percentual superior a 35% avalia as condições de suas moradias como sendo ruim. No grupo dos beneficiários do programa bolsa família apenas 18.6% considera sua moradia boa e no grupo dos não beneficiários esse percentual sobe para 28.2%. Percepção das pessoas sobre as condições gerais de moradia 50 46,42 43,5 45 37,87 40 35,35 35 28,23 30 25 20 18,63 15 10 5 0 Boas Satisfatórias Beneficiários Ruins Não Beneficiários Figura 2: Percepção das pessoas sobre as condições gerais de moradia. Fonte: elaboração própria. Os resultados apresentados mostram que o caminho para um enfrentamento efetivo da pobreza ainda nem sequer começou a ser trilhado. O slogan do governo que afirma que “O fim da miséria é só o começo” precisa ser considerado seriamente uma vez que o desafio é grande e o país não concluiu sequer o primeiro passo. Referências: FELLET, João. Pobreza recua no Brasil, mas fim da miséria é questionável. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/03/130307_abre_pobreza_brasil_jp_jf.sht ml. Consultado em 02/06/2014. Ministério do Desenvolvimento Social – MDS. www.mds.gov.br. Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF. 2008/2009. IBGE. www.ibge.gov.br.