Caderno Discente do Instituto Superior de Educação – Ano 2, n. 2 – Aparecida de Goiânia – 2008
O DOMÍNIO DA ESTILÍSTICA: NUM CONVITE A PESQUISAS
E CRIAÇÕES AUTÔNOMAS
Maria Cláudia Martins Parente1
Resumo: Este trabalho analisa e discute o porquê da ocorrência, da omissão da tradição de pesquisas estilísticas, tanto no campo da crítica estilística literária, quanto
no âmbito da Ciência da Expressão. À priori, são apresentados conceitos e referências indispensáveis acerca da Estilística e seus objetos, tendo como subsídios Monteiro (2005), Câmara Júnior (1997), Guiraud (1970), entre outros. Em seguida, com
base na pesquisa de campo realizada com duas professoras de Língua Portuguesa,
uma da segunda fase do ensino fundamental e outra do ensino médio de uma Escola
da Rede Estadual de Educação, são discutidas as questões pelas quais a Ciência da
Expressão não é de “domínio” e nem de acesso aos discentes. Por fim, sugere-se alguns caminhos que podem ser traçados com o objetivo de solucionar as situações
apresentadas, na busca da Ciência Estilística como uma fonte insubstituível de recursos linguísticos que ornamentam e enriquecem dessemelhantes gêneros textuais,
a fim de, em determinadas circunstâncias, alforriar escritores e criadores textuais dos
grilhões da gramática normativa.
Palavras-chave: Domínio da Estilística. Estilo. Funcionalidade. Criação autônoma.
INTRODUÇÃO
O estilo - de stilus, punção ou estilete que servia para
escrever em tabuinhas, antes da época do papel e da pena de ganso – é a maneira de escrever, a utilização pelo
escritor dos meios de expressão para fins literários, distinguindo-se, portanto, da gramática, que define o sentido e a correção das formas.
Guiraud
O presente artigo visa adentrar no campo da Estilística filologicamente, à priori, no intuito de explorar as origens da Ciência Estilística e, também apresentar suas dimensões: Estilística Fônica, Estilística Léxico Semântica e Estilística Sintática. No decorrer deste trabalho,
serão expostas, ainda, noções indispensáveis de estilo e estilema e, finalmente, abordar-se-á
algumas figuras de linguagem, explorando criticamente o estilo de época, gênero e a feição
típica de alguns autores. Para tanto, leva-se em conta as definições sobre as figuras encontradas na obra Literatura, Produção e Gramática, de Leila Sarmento, as dimensões da Estilística
com Mattoso Câmara, noções de didática citadas em “Didática Geral”, ainda noções de estilo,
estilística e retórica, em A Estilística de Pierre Guiraud e, principalmente, a análise de alguns
trechos de Machado de Assis e Vinícius de Moraes, que fundamentalizam uma discussão a
Artigo apresentado ao Instituto Superior de Educação, da Faculdade Alfredo Nasser, como requisito parcial
para conclusão do curso de Letras, sob a orientação da Profª. Ms. Luciane Silva de S. Carneiro.
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cerca do resultado obtido na pesquisa de campo realizada com duas professoras de Língua
Portuguesa, do ensino fundamental II e Ensino Médio, de uma escola da rede Estadual. Então,
a partir desses resultados, a análise de fragmentos da letra da Música “Fátima” do compositor
Dinho, da banda Capital Inicial, com a intenção de despertar novos pesquisadores no âmbito
da Estilística, que sugere caminhos que possam solucionar situações que impedem tais pesquisas a fim de proporcionar o uso, a funcionalidade, a criação e, sobretudo, a intimidade e o
domínio destes recursos, na vida escolar quotidiana.
ESTILÍSTICA, ESTILO, RETÓRICA
Segundo Guiraud (1970), estilística é a disciplina que estuda a expressividade duma
língua e sua capacidade de emocionar mediante o estilo. Esse estilo, por sua vez, é o objeto de
estudo da retórica antiga. Ele define-se não somente como uma maneira de escrever, mas
também, como a maneira de escrever própria de um escritor, de uma escola artística, de um
gênero, de uma época, de uma cultura. Tem-se então que: “A estilística […] não é mais que o
estudo da expressão linguística; e a palavra estilo, reduzida a sua definição básica, nada mais
é que uma maneira de exprimir o pensamento por intermédio da linguagem”. (GUIRAUD,
1970, p.11).
A retórica dos séculos clássicos é, ao mesmo tempo, uma arte da expressão literária e
uma norma; instrumento crítico para a apreciação de estilos individuais e da arte de escritores
renomados. Todavia, a partir do século XVIII, sua concepção tornou-se obsoleta, devido à
chegada de novas tendências da arte e da linguagem. Por razão de sua incapacidade de reciclagem, surge a “Estilística” em sua dupla forma e torna-se uma retórica moderna, atualizando-se em uma ciência da expressão e também uma crítica dos estilos individuais.
O conjunto dos processos do estilo constituía; entre os antigos, objeto de um estudo
especial, a retórica, arte da linguagem, técnica da linguagem considerada como arte
e simultaneamente, gramática da expressão literária e instrumento crítico para a apreciação das obras. Transmitida da Antiguidade à Idade Média, renovada na época
clássica, constitui uma estilística que é ao mesmo tempo ciência da expressão e ciência da literatura, tal como podia ser entendida na época. (GUIRAUD, 1970, p.18).
Considerando que a gramática das línguas naturais se abre em quatro grandes módulos
(fonética/fonologia, morfologia, sintaxe e semântica) e que as fronteiras entre os mesmos não
são absolutas, mas graduais (tanto que é possível falar em morfologia ou morfossintaxe), é
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possível vislumbrar pelo menos três grandes dimensões da Estilística, conforme o faz Mattoso
Câmara Júnior (1997, p. 110), a saber:
a) estilística fônica ou fono-estilística, que ressalta a expressividade do material fônico dos vocábulos tanto isolados quanto agrupados em frase. Nesse caso, estudam-se, sobretudo as assonâncias vocálicas, como no verso “E as cantilenas de serenos sons amenos”, de
Eugênio de Castro; as aliterações, como nos seguintes versos de Fernando Pessoa: “Em horas, ainda louras. Lindas / Clorindas e Belindas, brandas / Brincam nos tempos das Berlindas / As vindas vendo das varandas”; e as onomatopeias, como em “Café com pão; Café com
pão / Café com pão / Café com pão”, de Manuel Bandeira, onde a repetição do sintagma “café com pão” sugere o ruído de uma locomotiva em movimento. Para tanto, o objeto de análise
é o material fonético da língua, sobretudo os jogos entre sons oclusivos versus fricativos, surdos versus sonoros, entre outras oposições possíveis. Além disso, considerando a representação escrita, à estilística fônica interessam também os fenômenos da paronímia, homofonia e
homografia, a entoação frasal, o ritmo do verso ou da frase e a musicalidade inerente à palavra.
b) Estilística léxico-semântica ou léxico-estilística, que estuda a seleção vocabular e
os fenômenos de conotação e polissemia, referentes aos valores afetivos, emotivos, ou socialmente convencionais que se aderem à significação das palavras. Assim, entram aí a exploração do vocabulário, o emprego de diminutivos e aumentativos afetivos, o emprego de diminutivos pejorativos ou maliciosos, a exploração da polissemia, da sinonímia e da paronímia,
mais a exploração do antagonismo entre determinados campos semânticos. Somem-se ainda a
coesão semântica obtida a partir da seleção vocabular, os fenômenos de denotação e conotação, a monossemia ou monossignificação versus a polissemia ou plurissignificação, as figuras
de linguagem tais como as comparações, as metáforas e metonímias, as hipérboles e as sinestesias, os neologismos (criação estilística de novas palavras) e a adequação vocabular.
c) Estilística sintática, cujo objetivo de análise é a ordem sintática e os fenômenos a
ela inerentes, tais como ruptura da ordem sintática preferencial dentro de um verso ou de uma
frase. Nesse caso, à estilística sintática interessam as variantes de colocação, suscetíveis de
causar emoção ou sugestionar o próximo.
Além dessas três grandes dimensões da Estilística geral, conforme Monteiro (2005),
existem modalidades mais específicas da ciência estilística, quando aplicada delimitadamente
a outros domínios, como, por exemplo, um texto jornalístico, um texto jurídico, um texto científico ou a uma campanha de propaganda de um determinado produto. Em cada um desses
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casos, existem procedimentos ou recursos estilísticos mais apropriados e específicos para que
sejam obtidos efeitos de expressividade.
Na área de Jornalismo, os grandes jornais como o Globo, a Folha de São Paulo ou O
Estado de São Paulo, entre outros, editam “manuais de redação e estilo” que ditam as diretrizes básicas e as regras normativas na redação de uma reportagem ou de uma matéria específica, como um editorial, por exemplo. Isso, entretanto, não quer dizer que tais manuais são uma
“camisa de força” para os jornalistas e colunistas, mas, antes, são balizas que norteiam e, até
certo ponto, uniformizam o trabalho de redação jornalística. Por outro lado, os jornais e as
revistas de informação semanal (Época, Veja, Isto é etc.) também reconhecem as habilidades
expressivas de seus grandes colunistas, entre os quais, aqueles que se impõem pelo seu estilo,
pelo seu poder de argumentação e, sobretudo, de cativar os leitores, como é o caso de Jô Soares, Ziraldo e Arnaldo Jabor, para citar apenas alguns nomes entre outros tantos. Aliás, é exatamente por serem grandes estilistas da palavra que esses grandes nomes do jornalismo são
contratados e ganham uma coluna de destaque.
Na área de Direito, existe uma estilística jurídica, inclusive como matéria de alguns
cursos de Direito, que não se reduz à aplicação de aforismos jurídicos (palavras, expressões e
citações latinas), mas, antes, procura dotar o profissional de área de Direito não só da habilidade de uso da linguagem oral bem como do poder da argumentação escrita, para que o mesmo exerça com eficácia sua profissão, que depende da força de expressão e do poder de convencimento por meio do uso da palavra, falada ou escrita.
Como se observa, há “estilísticas” aplicadas e ajustadas às atividades profissionais específicas, mas todas elas intentam obter o máximo de expressividade do material linguístico.
AS GRANDES VERTENTES DA ESTILÍSTICA
Ao longo do desenvolvimento dos estudos estilísticos, segundo este ou aquele ponto
de vista, foram se delineando pelo menos nove grandes vertentes, conforme Monteiro (2005,
p.15-41), a saber: a) estilística retórica; b) estilística descritiva; c) estilística idealista; d) estilística estrutural; e) estilística gerativa; d) estilística poética; e) estilística semiótica; f) estilística estatística; g) estilística discursiva. Destas, conceituar-se-á as primeiras de forma breve
apenas para que se tenha uma noção do que as diferenciam, pois não é objetivo do trabalho
focar nas várias estilísticas, mas nas figuras.
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Estilística retórica
Resultante da retomada da retórica clássica, a Estilística Retórica concentra-se em dois
grandes objetivos: 1) utilizar métodos linguísticos para a análise do texto literário; 2) transpor
o conceito de função poética da linguagem para o de função retórica.
Estilística descritiva
Conforme Monteiro (2005), os objetivos dessa vertente dos estudos de estilística são:
analisar a expressão dos fatos de sensibilidade sobre a linguagem; analisar a ação dos fatos de
linguagem sobre a sensibilidade. Esses objetivos seriam aplicáveis a alguns domínios, a saber:
a) à linguagem em sua totalidade, procurando determinar os chamados “universais estilísticos”; à uma determinada língua, delimitando a “estilística langue”.
Estilística idealista
Segundo Monteiro (2005), a estilística idealista é resultado das idéias esteticistas de
Benedetto Croce (1866-1952). Seu principal postulado é a unidade do espírito humano, que
seria a fonte de todo o conhecimento. Assim, a partir da premissa de que os traços fundamentais da expressão poética são a totalidade e a universalidade, Croce procurou submeter o conceito de poesia a uma investigação sistemática.
Estilística estrutural
Consoante Monteiro (2005), a Estilística Estrutural deve estar baseada em critérios objetivos, suficientes para controlar as possíveis inferências do leitor. Assim, a metodologia de
análise estilística deve centrar-se nos fatos “estilisticamente marcados” em oposição a outros
fenômenos linguísticos “não-marcados” em termos de estilo. Isso significa que é importante
ressaltar a percepção do leitor, posto que sejam exatamente os fatos “marcados” os que surpreendem o leitor, uma vez que são imprevisíveis. Logo, aí, são fundamentais as noções de
“norma” e “desvio” e a de “campos estilísticos”, proposta por Pierre Guiraud (1954a, b).
Estilística gerativa
De acordo com Monteiro (2005), o estilo é resultado de transformações de estruturas
profundas em estruturas de superfície, que variam segundo as regras transformacionais em
operação. Logo, o “efeito estilístico” resulta de uma forma particular de utilização do mecanismo transformacional inerente à língua em nível de realização superficial. Assim sendo,
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seria possível uma descrição do estilo a partir de um conjunto finito de regras gerativas de
“estruturas profundas” que, submetidas a transformações morfossintáticas e posteriormente
submetidas a “filtros semânticos”, dariam origem a “estruturas de superfície”, que, por sua
vez, estariam sujeitas à estilização. Consequentemente, são fundamentais aí os conceitos de
gramaticalidade e agramaticalidade, aceitabilidade e inaceitabilidade, mesmo porque, no domínio da linguagem poética, ocorrem muitas frases (versos) agramaticais ou inaceitáveis nas
situações comunicativas cotidianas, mas perfeitamente aceitáveis num determinado contexto
literário, como é o caso dos versos iniciais do Hino Nacional Brasileiro: “Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heróico e brado retumbante”, que, a rigor, é agramatical e
inaceitável, tomando-se como parâmetro os padrões gramaticais lógicos da língua.
Estilística poética
Monteiro (2005) entende a Estilística poética com base em metodologia de análise linguística, procura descrever os níveis estruturais da linguagem poética, que seriam a fonte da
“literariedade” ou “expressividade literária”. Desse modo, a linguagem poética difere da língua prosaica pelo caráter perceptível de sua construção. Pode-se perceber seja pelo aspecto
acústico, seja pelo aspecto articulatório, seja pelo aspecto semântico, às vezes, não é a construção, mas a combinação de palavras, a sua disposição que é perceptível.
Estilística semiótica
A Estilística semiótica procurou transcender os limites da frase ou verso, do texto literário, para buscar uma análise da expressividade nos mais variados tipos de mensagens oriundas de quaisquer outros sistemas semióticos (sistemas de signos). Nessa linha de análise, a
Estilística se aplicaria a quaisquer linguagens, sobretudo às artísticas, enquanto sistemas de
signos, tendo em vista dois grandes objetivos: a) a análise da organização da obra de arte; b) a
análise da tipologia do discurso literário.
ESTILEMA OU TRAÇO ESTILÍSTICO
De acordo com Pierre Guiraud (1970), Estilema ou Traço Estilístico é uma marca pessoal, uma idiossincrasia, no uso da língua, escrita ou falada.
Na arte literária, o reconhecimento dos estilemas ou traços estilísticos é fundamental
para a avaliação da originalidade de uma obra e também para a compreensão do estilo do au94
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tor no conjunto de sua obra. Esse estilo é, portanto, resultado de um conjunto de estilemas ou
traços estilísticos.
Estilemas da fala
Veja exemplos de traços estilísticos, no uso da linguagem falada, tais como os encontrados no Programa Zorra Total:
“Bomba de chocolate, póde”
“Tô pagâanu”
Geralmente, não se faz necessário especificar de quem se fala. Pois esses estilemas são
tão relevantes, que dispensam identificações posteriores.
Estilema na escrita
No uso da língua escrita, o “estilema” está subentendido no modo como os autores criam e utilizam as figuras, também no emprego de determinada palavra, na caracterização de
uma personagem, no uso da adjetivação, na metalinguagem, no conteúdo (particularizante,
regionalizante ou universalizante), na criação de neologismos, nas preferências vocabulares,
na ironia e humor e, especialmente, aos “desvios poéticos”, em relação à norma padrão escrita.
Escrever bem e criar estilo não se reduz simplesmente em desrespeito às convenções
normativo-gramaticais gratuitamente, mas em saber até onde e como é possível infringi-las.
Veja alguns exemplos em Carlos Drummond de Andrade:
JOSÉ
E agora, José?
A festa acabou, a luz apagou,
o povo sumiu, a noite esfriou,
e agora José?
E agora, você?
Você que é sem nome, que
zomba dos outros, você que
faz versos, que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher, está sem
discurso, está sem carinho, já
não pode beber, já não pode
fumar, cuspir já não pode, a
noite esfriou, o dia não veio, o
bonde não veio, o riso não
veio, não veio a utopia e tudo
acabou e tudo fugiu e tudo
mofou, e agora José?
E agora, José?
Sua doce palavra, seu instante
de febre, sua gula e jejum, sua
biblioteca, sua lavra de ouro,
seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio – e agora?
Com a chave na mão quer
abrir a porta, não existe porta;
quer morrer no mar, mas o
mar secou; quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você
cansasse, se você morresse...
Mas você não morre, você é duro,
José!
Sozinho no escuro qual bicho-domato, sem teogonia, sem parede
nua para se encostar, sem cavalo
preto que fuja a galope, você
marcha, José! José, para onde?
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CIDADEZINHA QUALQUER
O LUTADOR
Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
Pomar amor cantar
Lutar com as palavras
É a luta mais vã
Entanto lutamos
Mal rompe a manhã
Um homem vai devagar...
Um burro vai devagar...
Um cachorro vai devagar...
Devagar...as janelas olham.
São muitas, eu pouco.
Busco persuadi-las.
Ser-lhes-ei escravo
De rara humildade.
Eta vida besta, meu Deus!
Dos poemas supracitados é possível subtrair os seguintes estilemas:
a) Metalinguagem e/ou interdiscursividade: “Lutar com as palavras / é a luta mais vã”
b) Anáforas insistentes: “Um homem vai devagar / um burro vai devagar / um cachorro vai devagar”.
c) Humor e ironia: “Eta vida besta, meu Deus”.
d) Verso livre e branco, isto é, sem métrica determinada e sem rimas: em todos os poemas supracitados.
Como se observa, no conjunto da obra drummondiana, uma série de procedimentos estilísticos são recorrentes, ou seja, um conjunto de “traços estilísticos” se repetem, insistentemente, como as anáforas em José ou a predominância da metalinguagem em “O Lutador”, há
procedimentos que tornam a obra de Drummond ímpar em relação a outros poetas de sua época.
FIGURAS DE LINGUAGEM
De acordo com Guiraud (1970), a retórica, ou melhor, o discurso tem na gramática o
ponto de apoio para sustentar a significação e a correção de várias estruturas gramaticais, não
deixando, porém, de dar ênfase ao valor “estético ou expressivo”, que representa a parte figurativa, sensível da linguagem, por meio dos diversos recursos estilísticos.
Guiraud (1970) concebe, então, as figuras de linguagem como recursos de expressividade e afetividade linguística, que registram maneiras de falar ou redigir diferenciadas, com o
intuito de dar relevância por meio de expressões mais “vivas”, ou ainda de dar ao texto certo
grau de literariedade, no que tange à valorização da atribuição estética da palavra.
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As figuras de linguagem se encontram na divisa entre “o estilo de época” (ex.: realismo, renascimento) e o estilo individual. O emprego consciente e o domínio desses poderosos
recursos estilísticos possibilitam a singularização de uma obra.
Esses recursos estilísticos salientam a autonomia dos signos linguísticos, ou seja, as
palavras ou expressões ganham novos e dessemelhantes significados de acordo com a intenção do autor. As figuras podem ser de palavra (tropos) no campo semântico; de construção
concernem-se à sintaxe; de dicção (metaplasmos), referente à articulação dos vocábulos; ou
ainda de pensamento, apresenta-se como uma linguagem intencional.
OMISSÃO DA CRÍTICA ESTILÍSTICA E O ENSINO
Conforme Guiraud (1970), durante longo tempo houve uma omissão da crítica estilística voltada para os estilos individuais, isso se deve à predominância das noções da antiga
retórica, que confundia a estilística com a parte da gramática que estuda as figuras. Some-se a
isso, a esdrújula nomenclatura das figuras de linguagem e a forma inadequada de trabalhá-las,
que dificultam o acesso do aluno à Ciência da Expressão.
De acordo com a pesquisa de campo realizada numa Escola da rede Estadual, observase que a estranha nomenclatura das figuras de linguagem assusta quem procura estudá-las.
Como se não bastasse, ainda são aplicadas a linguagens que os alunos não conhecem; tampouco dominam, na verdade, remotas à realidade discente.
Inferências
Conforme Leila Sarmento “Prosopopeia ou personificação, ocorre quando há atribuição de características humanas a seres animados, inanimados ou imaginários. Hipérbato é a
figura que expressa a inversão da ordem das palavras numa frase.” (2006, p. 65).
A exemplo disso, observe a personificação ou prosopopeia, existente no soneto abaixo
de Raimundo Correia, poeta parnasiano:
Visões que n’alma o céu do exílio incuba,
Mortais visões! Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O níger... Bramem leões de fulva juba...
Devido à inversão da ordem das palavras e aos léxicos inusitados existentes no poema
acima, transforma-se em uma difícil tarefa, extrair e refletir sobre as figuras apresentadas, até
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para professores. Imagine então para estudantes da segunda fase do ensino fundamental e ensino médio?!
Agora, façamos o mesmo com os fragmentos de Machado de Assis e, posteriormente
de Vinícius de Moraes, mas desta vez para se encontrar a figura de palavra chamada metáfora.
Supondo o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso
extrair pérolas, que é a razão. (Machado de Assis).
Ó minha amada / Que olhos os teus / São cais noturnos / Cheios de Adeus. (Vinícius
de Moraes).
Segundo Sarmento (2006), a metáfora se realiza numa transferência de um termo para
outro campo semântico por meio de uma comparação implícita ou subtendida.
DESPERTANDO INTERESSE PARA PESQUISAS: ALGUMAS SUGESTÕES
Diante desta complicada situação, como os professores podem despertar o interesse de
seus alunos para a pesquisa no âmbito da Estilística?
Primeiramente, os professores devem abrandar esta questão disponibilizando maior
tempo dentre os conteúdos gerais aplicados para a Estilística, abordando-a mais vezes. Também utilizando construções textuais mais simples e quotidianas, que sejam próximas da realidade discente. Isso de forma lúdica, a fim de despertar o interesse dos alunos para pesquisa,
tornando-os íntimos desta disciplina. De acordo com Guiraud (1970, p.13), “[...] não existe
fenômeno linguístico ou literário que não possa invocar a Estilística para justificar algumas de
suas definições”.
Formas lúdicas de se trabalhar questões ligadas à Ciência da Expressão, auxiliam num
avivar do sujeito cognicente, em aprender e apreender não só as figuras de linguagem, mas
também os estilos de época e do autor.
Situações agradáveis
É só a língua literária que interessa ao estilo, especialmente o seu rendimento expressivo, o “colorido”, como
se dizia, próprio, para convencer o leitor, agradá-lo,
manter vivo seu interesse, impressionar-lhe a imaginação mediante formas vivas, pitorescas, elegantes e estéticas. (GUIRAUD, 1970, p.17).
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Consoante Claudino Piletti (2003), os alunos geralmente preferem matérias lecionadas
em situações agradáveis e associadas a recursos e procedimentos de ensino adequados.
Os recursos didáticos, os procedimentos de ensino, e as atividades práticas são valiosas fontes de incentivo, pois existe uma mútua relação entre motivação e aprendizagem.
Aula motivadora
A exemplo da aplicação de uma aula motivadora: o professor pode tocar a música “Fátima” da banda Capital Inicial e, à priori, pedir que as alunos prestem atenção na letra, fazendo, simultaneamente, um relaxamento físico com eles. Esse ato por si só, já descontrai e lhes
desperta o interesse de trabalhar com a letra.
Logo, o professor retira fragmentos da letra e lhes insere algumas figuras de linguagem, como por exemplo: metáfora, zeugma, comparação e elipse, como está proposto no quadro abaixo:
Fragmento: Vocês são vermes pensam que são reis
Metáfora
Metáfora
Zeugma
Fragmento: Não quero ser como vocês
Elipse
Elipse
Comparação
Comparação (ou símile) facilmente confundida com a metáfora – é a figura que apresenta, em geral, a conjunção comparativa “como”. Elipse é a omissão de um termo ou oração que facilmente podemos identificar ou subentender no contexto. Ocorre zeugma quando um termo já expresso na frase é suprimido, ficando subtendida
sua repetição. (SARMENTO, 2006, p. 63).
A partir da interpretação e reflexão sobre a mensagem da música, o profissional docente, juntamente com os alunos, abstrai o aspecto de denúncia social, de crítica à falsa moral,
teorias marxistas e a tendência a temas contemporâneos. Por conseguinte, ressalta o estilo de
época realista e, portanto, o estilo crítico agressivo do autor.
A estilística da expressão é o estudo do valor estilístico dos meios de expressão; dos
matizes afetivos, volitivos, estéticos, didáticos e outros, que dão colorido à significação. Há valores expressivos que traduzem os sentimentos, os desejos, o caráter, o
temperamento, a origem social, a situação do indivíduo falante; e valores expressivos que representam suas intenções deliberadas, a impressão que ele quer produzir,
valores, de grande importância na expressão literária. (GUIRAUD, 1970, p. 97).
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Brincando com as palavras
Outrossim, é relevante tratar da Estilística dentro das poesias infantis, como na poesia
de Elias José, na qual o autor dá contemporaneidade ao poema quando lhe acrescenta uma
análise e junta o bucólico com o urbano, fala de amor como desencadeante de grilações, utiliza muito a aliteração (repetição de fonemas para produzir efeito) e joga com diferentes significados da palavra grilo:
GRILO GRILADO
O grilo
Coitado
Anda grilado
E eu sei
O que há.
Salta pra aqui,
Salta pra ali,
Cri-cri pra cá,
Cri-cri pra lá.
O grilo
Coitado
Anda grilado
E não quer contar.
No fundo
Não ilude
É só reparar
Em sua atitude
Pra se desconfiar.
O grilo
Coitado
Anda grilado
E quer um analista
E quer um doutor.
Seu grilo,
Eu sei:
O seu grilo
É um grilo
De amor
Fonte: Fanny Abramovich (1991)
Situação de entretenimento
Nesta situação de entretenimento, o mestre tem a possibilidade de introduzir algumas
figuras como: prosopopeia, onomatopeia, aliteração, anáfora.
Onomatopeia: é a reprodução aproximada de sons ou ruídos. Anáfora: é a repetição
de uma ou mais palavras no início de versos ou de orações. Aliteração é a repetição
de fonemas iguais ou semelhantes ou palavras próximas, provocando um efeito sonoro sugestivo. (SARMENTO, 2006, p. 267).
Compreende-se que Fanny Abramovich (1991) salienta a existência de poetas que
brincam com as palavras, dum modo gostosíssimo de ouvir e ler, lidando com toda ludicidade
verbal e até engraçada, dotando-lhe uma qualidade estética, atingindo valores artísticos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando-se em conta os argumentos apresentados, observa-se que, diferentemente da
gramática normativa que dita leis e regras para o uso de determinada língua, a Estilística é
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livre no expressar-se, porquanto sua essência está no romper limites, fantasiar, permitindo-se
brincar com as palavras e expressões, dotando-lhes de musicalidade, tornando-as, algumas
vezes, tristes outras engraçadas, impetrando-lhes uma estética e tornando-as uma arte.
Bons escritores conhecem e respeitam as normas da língua, entretanto, em determinadas situações, se permitem quebrá-las, tendo em mente um objetivo claro e plena consciência
dos seus atos.
Ora! Se a Ciência da Expressão é vida e traz todo um dinamismo às produções textuais
orais ou escritas, seria ignorância deixar reinar tal omissão. Os professores devem atentar para
as barreiras que impedem pesquisas e criações no ramo da Estilística e se empenharem em
encontrar diversas outras formas de estimular essas pesquisas e criações autônomas, intimizando os alunos acerca da Ciência Estilística.
STYLISTICS PROFICIENCY: AN INVITATION TO AUTONOMOUS RESEARCHES AND CRIATIONS
Abstract: This article analyses and discusses the reason of ocurrency of the lack of
tradition on stilistics researches both in the field of literary stilistic critics and in the
realm of the science of expression initially, basic concepts and references on stilistics and it’s objects are presented, supported by Monteiro (2005), Câmera Jr. (1997),
Guiraud (1970) among others. Than, based on a field research done with Portuguese
teachers of public elementary school and high school, the various issves that reveal
public why the science of expression scapes teachers access and proficiency will be
discussed finally alternative ways, able to solve the presented tasks, will be suggested in the track of stilistics as an unestimeted source of linguistic resources that
enrich and complexes ompsteen textual genres with the purpose of freeing writers
from the chains of normative grammar.
Key-words: Proficiency Stilistic. Style. Functionality. Autonomous Creation.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 2. ed. São Paulo. Scipione, 1991.
CAMARA JR, J. Mattoso. Contribuições à estilística da Língua Portuguesa. 24. ed. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico, 1997.
GUIRAUD, Pierre. A Estilística. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
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MACHADO DE ASSIS, J. M. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Moderna,
1983.
MONTEIRO, José Lemos. A Estilística: manual de análises e criação do estilo literário. Petrópolis: Vozes, 2005.
OBRA COLETIVA. Projeto Araribá. São Paulo: Moderna, 2006.
PILETTI, Claudino. Didática Geral. 23. ed. São Paulo: Ática, 2003.
PRETO, Dinho O. Letra “Fátima”. São Paulo: Polygran, 1986.
SARMENTO, Leila L. Português: leitura, produção, gramática. 2. ed. São Paulo: Moderna,
2006.
ANEXOS
Pesquisa de campo realizada com duas professoras de Língua Portuguesa, uma da segunda
fase do ensino fundamental e outra do ensino médio de uma Escola da Rede Estadual de Educação.
Aparecida de Goiânia, dezembro de 2008.
Professoras entrevistadas: A e B.
ENTREVISTA
1) A Ciência Estilística é mediada pelos professores nesta escola? De que forma?
A – Sim. Metalinguística.
B – Sim. Contextualizada.
2) Qual o objetivo de se mediar a Estilística da forma mencionada acima?
A – O objetivo é que os alunos decodifiquem as respectivas metalinguagens.
B – Os alunos precisam compreender e refletir sobre o uso da matéria aplicada.
3) Qual é o rendimento dos alunos nesse contexto?
A – Pouquíssimo, pois eles estranham a nomeclatura das figuras.
B – Muito baixo, devido a dificuldade de compreensão dos contextos em que são aplicados os
objetos da Estilística.
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4) A gramática é aplicada de forma dedutiva ou indutiva?
A – Dedutiva.
B – Indutivamente, devido a necessidade de causar nos alunos suas próprias conclusões.
5) O rendimento dos alunos na gramática é comparável ao da Estilística?
A – Na gramática o rendimento é melhor, porque eles são acostumados com ela desde o fundamental I.
B – O rendimento na gramática é bem melhor, pois os contextos de aplicação são atuais.
6) De forma geral, são utilizados métodos didáticos motivadores em sala de aula?
A – Não. Acho isso desnecessário, prefiro fixar o conteúdo.
B – Muito pouco, devido a falta de recursos disponíveis.
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DESBRAVANDO A ESTILÍSTICA*