Educar pela arte:
as Casas-Museu e o coleccionismo ao serviço da República
Augusto Moutinho Borges1
Resumo
Foi com o advento da República que surgiu em Portugal o novo conceito cultural
de promover a instituição de Casas-Museu, na sequência da instalação dos Museus
Nacionais, para educar o povo. Desta forma pretendia-se que o Homem novo saído dos
ideais da República fosse integral, tendo conhecimento da arte, da cultura do seu país e
do belo, imbuídos no ancestral conceito da Res publica grega, onde governar era estar
ao serviço do povo.
Nesse sentido o coleccionador republicano tinha a função e o dever de reunir o
vasto património cultural, mais vocacionado para as “artes decorativas”, que desta
forma salvava da incúria e corria sério risco de perda. Juntava-os criteriosamente em sua
casa, com objectivos concretos de preservar a sua identidade no contexto patrimonial
nacional, regional e local, e que após a morte estaria ao dispor de todos os portugueses
para fruição contemplativa e educacional.
As disposições testamentárias disso nos dão conta, desde as figuras da
aristocracia, como o Conde de Castro Guimarães, que institui a Casa-Museu Condes de
Castro Guimarães (1927), em Cascais, até aos mais convictos activistas republicanos,
quer de origens nobre como José Relvas, que doa o seu património ao Município de
Alpiarça para se fazer a Casa-Museu José Relvas (1929), quer do aparelho do Estado e
que vieram a governar Portugal, como Guerra Junqueiro, onde a sua colecção de arte
deu origem à Casa-Museu Guerra Junqueiro (1940), no Porto, e do Capitão Almeida
Moreira, proprietário da Casa-Museu Almeida Moreira (1939), em Viseu. Também os
Deputados Médicos Egas Moniz, que doa a Casa do Marinheiro, para se fazer a CasaMuseu Egas Moniz (1968) em Avanca, e o acérrimo republicano Bissaya Barreto,
instituidor da Fundação de seu nome e que toda a vida lutou pelo bem estar das
minorias e crianças, lançando obras assistências por toda a zona centro do país e criou o
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Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, Universidade de Coimbra.
Rua Tristão Vaz, n.º 5 – 1.º Dt.º, 1400-350 LISBOA.
E-mail: [email protected]
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parque temático Portugal dos Pequenitos, em Coimbra, para educar a mocidade,
deixando a sua habitação para Casa-Museu Bissaya Barreto (1958), em Coimbra,
tinham como objectivos os mesmos sentimentos sociais.
A corrente cultural que se desenvolveu a nível nacional com os objectivos do
coleccionismo permitiu um alargar transversal à sociedade de então, havendo muitos
cidadãos que por iniciativa própria desenvolveram as suas Casas-Museu. O escultor
Teixeira Lopes instituiu em Vila Nova de Gaia a sua Casa-Museu na morada de
habitação e atelier de escultor (1933), Fernando de Castro reuniu um notável acervo de
talha e arte sacra na sua Casa-Museu (1946), no Porto, proveniente dos extintos
conventos e mosteiros do norte do país, o banqueiro Ricardo do Espírito Santo cria o
Museu de Artes Decorativas Ricardo do Espírito Santo (1947), em Lisboa, onde
concentra a vasta colecção de arte no palácio Azurara, o poeta José Régio colecciona
arte portuguesa e arte popular reunindo-a na Casa-Museu José Régio (1965), em
Portalegre, e na Casa-Museu José Régio (1969), em Vila do Conde.
Outras Casas-Museu de coleccionadores foram sendo colocadas ao serviço
público, destacando-se umas mais do que outras no panorama cultural onde estão
inseridas tendo, no entanto, sempre os mesmos princípios e valores da sua génese: o
coleccionador está ao serviço do povo e ao instituir a sua Casa-Museu é para o serviço
do povo.
Palavras-chave
República, Casas-Museu, coleccionar, arte, educar
Bibliografia
BORGES, Augusto Moutinho – Coleccionadores, médicos e republicanos. In: Coleccionar para a Res
publica. Lisboa: IPM/Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves, 2010.
CARVALHO, António (coord.) – Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães: roteiro. Lisboa: CM
Cascais, 2008.
CORREIA, Manuel – Egas Moniz. Imagens e representações. Coimbra: Imprensa da Universidade,
CEIS20, Estudos do Século XX, n.º 5, 2005.
MADAHIL, António Gomes da Rocha – Instituição da “Fundação Egas Moniz” e da sua “CasaMuseu” em Avanca. Aveiro: Arquivo do Distrito de Aveiro, 1966.
SERRA, José – José Relvas: O Conspirador Contemplativo. Lisboa: Assembleia da República, 2008.
SOUSA, Jorge Pais de – Bissaya Barreto: Ordem e Progresso. Coimbra: Minerva, 1999.
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Augusto José Moutinho Borges, Doutor em Ciências da Vida,
especialidade em História das Ciências da Saúde, pela Faculdade de Ciências Médicas
de Lisboa – Universidade Nova de Lisboa, Mestre em Património e Turismo,
Departamento de Ciências Sociais – Universidade do Minho, Licenciado em Ciências
Históricas, pela Universidade Portucalense – Porto.
Actividade profissional actual (desde 1 de Setembro de 2002 até ao presente) de
Conservador de Museu S. João de Deus e Investigador da Ordem Hospitaleira
de S. João de Deus, Província Portuguesa, Investigador (desde 19 de Junho de 2008 até ao
presente) do Centro de Estudos Interdisciplinares Século XX, Universidade de
Coimbra (CEIS20), em Coimbra, Membro do Conselho Científico (desde 19 de Junho
de 2008 até ao presente) do Centro de Estudos Interdisciplinares Século XX,
Universidade de Coimbra (CEIS20), em Coimbra. Membro do Conselho Científico
(desde 6 de Fevereiro de 2007 até ao presente) da Comissão Portuguesa de História
Militar, Ministério da Defesa Nacional, em Lisboa. Membro da actual Direcção (desde
28 de Janeiro de 2010 até Dezembro de 2011) como Vice-Presidente, da Secção de
História da Medicina, da Sociedade de Geografia de Lisboa, em Lisboa.
Investigador registado (desde Fevereiro de 2009 até ao presente) na Fundação para a
Ciência e Tecnologia, em Portugal.
Entre 1992 a 2002 foi Técnico Superior na Câmara Municipal de Almeida, e entre
1999 a 2002 foi Professor Convidado como Docente da Escola Superior de Educação
da Guarda, equiparado a Prof. Assistente, no Instituto Politécnico da Guarda, na Guarda.
É autor de seis livros e tem escritos 105 artigos. Realizou 76 Conferências e 85
Comunicações em Congressos e Colóquios, em Portugal e no estrangeiro.
Entre 1997 a 2002 foi Sub-director da Revista Altitude, propriedade da Assembleia
Distrital da Guarda.
Foi-lhe atribuído o Prémio Defesa Nacional 2007, pela Comissão Portuguesa de
História Militar-Ministério da Defesa Nacional, pelo trabalho “Os Reais Hospitais Militares em
Portugal, administrados e fundados pelos Irmãos Hospitaleiros d S. João de Deus, 1640-1834” (exeaquo).
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Augusto Moutinho Borges - Assembleia da República