ATUAÇÃO MULTIFACETADA DO PEDAGOGO NO PETI:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Geisa Pereira Gomes1
Janyne Barbosa de Souza2
Leila Almicê dos Anjos3
Resumo: Este artigo busca apresentar o trabalho desenvolvido no Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI) do Município de Jequié, na Bahia, enfatizando a atuação do
pedagogo frente aos desafios e possibilidades postos pelas múltiplas faces do cotidiano fora
dos muros da escola. A metodologia baseia-se na pesquisa qualitativa, tendo como
instrumento de coleta de dados, entrevistas, questionários e observação participante. Dentre os
resultados encontrados, constata-se a necessidade de uma formação diferenciada do
pedagogo, para que em espaços extraescolares não assuma funções de outras áreas, como
assistência social, psicologia e administração de empresas.
Palavras-chave: Atuação. Espaços extraescolares. Pedagogia.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar o resultado da pesquisa desenvolvida no Serviço
Sócioeducativo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) do Município de
Jequié, na Bahia, enfatizando a atuação do pedagogo frente aos desafios e possibilidades fora
dos muros da escola. O Serviço oferecido pelo PETI visa amplamente proteger e retirar
crianças e adolescentes com idade inferior a 15 anos do trabalho precoce, por meio de um
conjunto de ações socioeducativas.
Sabe-se que o trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior a 15 anos é um
problema sócio-histórico, proibido por lei4 e, na maioria das vezes, é a principal causa do
1
Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, Campus JequiéBahia, integrante do Grupo de Estudos sobre Políticas e Gestão Educacional-GEPGE, email:
[email protected].
2
Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, Campus JequiéBahia, integrante do Grupo de Estudos sobre Políticas e Gestão Educacional-GEPGE, email:
[email protected].
3
Licenciada em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB, Campus JequiéBahia, integrante do Grupo de Estudos sobre Políticas e Gestão Educacional-GEPGE, email:
[email protected].
4
A legislação brasileira possui uma vasta coleção de normas referentes à proteção a crianças e
adolescentes encontradas, principalmente, na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), nº 8742,
promulgada em 7 de dezembro de 1993.
baixo rendimento ou do abandono escolar. Por isso, ações imediatas, são imprescindíveis para
afirmar a efetiva erradicação dessa atividade econômica.
Para tanto, o PETI deve funcionar, sobretudo, possibilitando o enfrentamento do
trabalho infantil, através do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que além
de acompanhar as crianças e adolescentes, deve promover ações de prevenção a ruptura dos
vínculos familiares, bem como de acesso e usufruto de direitos, contribuindo para a melhoria
de sua qualidade de vida.
Além de assegurar a participação da família, é imprescindível a articulação e parcerias
do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos com as Escolas, no sentido de
fomentar uma educação integral as crianças e adolescentes vítimas desse contexto de
desigualdades e exploração do trabalho infantil.
Nessa perspectiva, percebe-se a necessidade da inserção do pedagogo nos espaços
extraescolares, como o PETI, uma vez que exigem práticas pedagógicas concernentes a
realidade e voltadas à formação plena dos sujeitos inseridos, em detrimento dos conteúdos de
cunho conceitual, enfatizados pela escola, promovendo aprendizagens voltadas à reintegração
desses sujeitos na sociedade.
Compete-nos enfatizar que o presente trabalho está organizado em três tópicos, que
abordam inicialmente a gênese e fundamentação legal do PETI, ressaltando a parceria dos três
níveis de governo para o enfrentamento do trabalho infantil. Em seguida, apresentaremos a
organização e funcionamento do PETI, particularmente no Município de Jequié, na Bahia. E,
finalmente, analisaremos a atuação do pedagogo frente os desafios e possibilidades dos
espaços extraescolares, focalizando o trabalho desenvolvido no PETI.
PETI: GÊNESE E FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) implantado pelo Governo
Federal, em 1996, articula um conjunto de ações visando proteger e retirar crianças e
adolescentes com idade inferior a 15 anos do trabalho precoce, resguardado o trabalho na
condição de aprendiz a partir de 14 anos. Salienta-se que os limites da idade mínima para o
trabalho, gradativamente, receberam elevações de acordo com as condições e as necessidades
de desenvolvimento social do país. A última modificação desse limite foi realizada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.
O primeiro estado brasileiro a se beneficiar com esse tipo de serviço, com apoio da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), foi o Mato Grosso, onde denúncias apontavam a existência de crianças
trabalhando na produção de carvão vegetal e vivendo em condições inaceitáveis. Pouco
depois ele se estendeu aos Estados de Pernambuco e da Bahia, privilegiando a zona canavieira
e a região do sisal, respectivamente.
A Secretaria de Estado da Assistência Social (SEAS), vinculada ao Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS), por meio da Portaria nº 458, de outubro de 2001,
estabeleceu as diretrizes e normas do PETI, sendo definido no âmbito da gestão
intergovernamental, de caráter intersetorial.
O PETI, com parceria dos três níveis de governo (municipal, estadual e federal), se
expandiu significativamente, dando prioridade a áreas que utilizam o trabalho infantil em
larga escala e em condições intoleráveis. Para tanto, se respalda nos princípios estabelecidos
na Constituição Federal de 1988, em especial, no art. 227, que determina
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,
1988).
Elege, dessa maneira, a criança e o adolescente como prioridade absoluta. Ainda, no
art. 7º, inciso XXXIII, modificado pela Emenda nº 20/1998, já referida, proíbe o trabalho
noturno, perigoso e/ou insalubre a menores de 18 anos de idade, bem como de todo trabalho a
menores de 16 anos de idade, ressalvando a condição de aprendiz.
Outro marco legal que fundamenta o PETI concerne ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, o qual assegura às crianças e adolescentes o pleno
desenvolvimento físico, moral, espiritual e social, além dos direitos consagrados pela
Constituição, tais como: à convivência familiar e comunitária, à educação, à saúde, à cultura,
ao esporte e ao lazer.
Com o advento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o PETI passou a
compor os serviços socioassistenciais. Neste sentido, a participação de crianças e adolescentes
no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos passou a constituir-se
condicionalidade e o acompanhamento das famílias, ofertado pela Proteção Social Especial
(PSE) e Proteção Social Básica (PSB), aspecto central para a segurança de proteção. Além
dessa dupla dimensão, o Serviço em tela contempla a transferência de renda, que acontece de
maneira integrada entre o PETI e o Programa Bolsa Família (PBF). Os dois programas agem
em sinergia, no que concerne aos objetivos de combater a pobreza e de erradicar o trabalho de
crianças e adolescentes.
Essa integração, efetivada com a Portaria nº 666/2005, manteve as especificidades de
cada programa, eliminando quaisquer possibilidades de duplicidade de recebimento de
benefícios financeiros. Dessa maneira, garante a universalização do PETI, bem como a maior
interlocução com o PBF.
A organização e funcionamento do PETI se orientam em diretrizes nacionais que são
estabelecidas pelo Plano Nacional de Assistência Social (PNAS) e pelo SUAS, no entanto
guarda flexibilidade com as especificidades de cada realidade.
ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E
FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS
O PETI deve ser organizado e funcionar de maneira intergovernamental, com a
participação dos três níveis de governo; articulada, integrando serviços e benefícios;
intersetorial, articulando as áreas de educação, saúde, esporte, cultura, trabalho entre outros;
bem como com envolvimento da sociedade civil, tendo como objetivo o enfretamento do
trabalho infantil (BRASIL, 2010).
Cabe destacar que o envolvimento da sociedade civil não é algo simples, vez que
permanece a ideia de que as intervenções na sociedade são de responsabilidade dos
governantes. De acordo com Lourenço (2005), as populações de democracias novas, como o
Brasil, precisam de instrumentos que lhes permitam influenciar as tomadas de decisões que
beneficiam a sociedade.
A primeira estratégia para o enfrentamento do trabalho infantil deve ser a
identificação da forma e locais em que as crianças e adolescentes vivenciam essa prática. Para
tanto, faz-se necessário a sensibilização, mobilização, capacitação sobre o tema, construção de
estratégias coletivas, por vezes específicas em decorrência da forma que esse trabalho se
apresenta em determinada localidade.
Posteriormente, as estratégias devem concentrar-se na interrupção e retirada da criança
e/ou adolescente do trabalho precoce; na (re)inserção da criança e/ou adolescente na escola,
de maneira a garantir sua permanência e sucesso; no apoio familiar, a fim de estabelecer sua
função protetiva; na atuação efetiva sobre os focos e localidades de incidência do trabalho
infanto-juvenil; no encaminhamento da criança e/ou adolescente retirados da prática do
trabalho em Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos ou em outros serviços da
rede (BRASIL, 2010).
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos é desenvolvido a partir
atividades socioeducativa e de convivência, as quais garantem a participação de crianças e
adolescentes em atividades culturais, esportivas e de lazer, além de propiciar o estudo de
diferentes temáticas que contribuem para a melhoria do seu desempenho escolar, ampliação
dos seus horizontes e o desenvolvimento das suas potencialidades.
As atividades poderão ser realizadas em dias úteis, feriados e finais de semana, em
turnos diários de até quatro horas, funcionando inclusive no período de férias escolares.
Nesses períodos, poderá haver faltas justificadas em razão de viagens, recebimento de visitas,
entre outras, desde que a família solicite antecipadamente.
No município de Jequié, as atividades do PETI são realizadas em sete unidades, em
localidades com alto índice de vulnerabilidade social, nos bairros da Cidade Nova, Curral
Novo, Jequiezinho, Joaquim Romão, Mandacaru, Pau Ferro e São Judas Tadeu.
Atualmente, possui um grupo de Coordenação Geral e Pedagógica, Supervisores
Administrativos, Monitores, Educadores Sociais, Estagiários dos Cursos de Pedagogia e
Educação Física e Oficineiros. Ainda conta com assistência multidisciplinar de psicólogos,
assistentes sociais, orientadores sociais e outros profissionais para atenderem as demandas
necessárias.
No que concerne a participação da família nos Núcleos de atendimento do PETI
caracteriza-se pela promoção e inclusão social das mesmas, por meio do desenvolvimento de
ações socioeducativas, gerando possibilidades de trabalho e renda, a fim de tornar o grupo
familiar emancipado. Vale ressaltar que o desenvolvimento de trabalho com as famílias é de
responsabilidade do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF).
No município de Jequié, esse serviço é oferecido pelos Centros de Referência e
Assistência Social (CRAS). Contudo, o desenvolvimento de ações e articulação com as
famílias tanto no PETI como nos CRAS, ainda é muito superficial, vez que a articulação entre
os CRAS e os Núcleos do PETI ainda é incipiente nas realizações de ações e políticas de
atenção social.
Cabe destacar que para desenvolver um trabalho rico junto às famílias, é importante
contar com outras instituições da comunidade que possam somar informações, trocar
experiências e contribuir para o crescimento do processo educativo não só de crianças e
jovens, mas também dos adultos.
Com efeito, precisa-se atentar que o trabalho oferecido por “qualquer programa
destinado às famílias deverá contemplar os grupos familiares concretos nas suas condições de
vida, nas suas possibilidades de soluções para os desafios do cotidiano e nos seus contextos
socioculturais” (SZYMANSKI, 2010, p.43).
Dessa maneira, cabe aos profissionais envolvidos uma postura reflexiva acerca dos
modelos familiares presentes na sociedade contemporânea, bem como conhecer o contexto
histórico e social no qual as famílias estão inseridas, para que não atuem de maneira
normativa e impositiva.
Nessa perspectiva, é necessário que esses serviços se fundamentem na proposta
educacional de Paulo Freire (1996), a qual se caracteriza pela prática dialógica e reflexiva,
com sentido libertador, amparada na relação dialética entre o vivido e o pensado, e por isso
não deve ser adotada como um modelo.
Pelo exposto, por se tratar de seres humanos, em especial, de crianças e adolescentes
com culturas, valores e crenças diferentes, os Projetos de intervenções e assistências às
famílias no PETI devem estar pautado em uma perspectiva de mudanças a médio e longo
prazos que sejam articulados com as instâncias CRAS e Escola, e que possam ser avaliados ao
longo do seu desenvolvimento, tanto na sua eficácia como no seu impacto sobre os membros
que são atendidos pelo programa.
Tomando como referencial para reflexão as ideias até agora expostas, passamos a
orientar a discussão, enfocando a importância da articulação e parcerias do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos com as Escolas, no sentido de fomentar uma
educação integral as crianças e adolescentes vítimas do contexto de desigualdades e
exploração do trabalho infantil.
O pressuposto de articulação tem como base o princípio da Constituição Federal que
adverte que:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988).
Dessa maneira, a articulação com a política de educação tem como objetivo principal
garantir o acesso, a permanência e o sucesso das crianças e adolescente em situação de
trabalho infantil. Na realidade, a evidência empírica nos mostra que há controvérsias. A
escola garante o acesso e a permanência devido ao benefício oferecido pelo PBF, que tem
como critério de permanência a frequência escolar, no entanto, o sucesso dessas crianças e
adolescente infelizmente não é notável devido a diversos fatores. Dentre eles, destacam-se a
condição do Sistema Educacional Brasileiro bastante defasado, que não atende mais as
necessidades dos alunos; o modelo de educação dual e reprodutivista; pouco interesse dos
alunos pelas atividades que são desenvolvidas, á medida que a escola deixou de ser uma
aventura agradável tornando-se um lugar “enfadonho", que não faz mais sentido freqüentar,
dentre outros fatores que envolvem o contexto social, político, culturais e ideológicos dos
sujeitos.
Indubitavelmente, a organização e funcionamento do PETI devem, sobretudo,
possibilitar o enfrentamento do trabalho infantil, através do Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos, que além de acompanhar as crianças e adolescentes, promove
ações de prevenção a ruptura dos vínculos familiares, bem como de acesso e usufruto de
direitos, contribuindo para a melhoria de sua qualidade de vida.
ATUAÇÃO DO PEDAGOGO EM DIVERSOS ESPAÇOS
A atuação do pedagogo em espaços não escolares intensificou, principalmente, a partir
da década de 90, com a Revolução da Tecnologia da Informação que ocasionou a
descentralização do campo educacional ampliando-o para outros espaços além da escola.
(fonte?)
Aliado a esse aspecto tem-se a ampliação da responsabilidade do Estado na garantia de
direitos sociais de segmentos historicamente excluídos dos direitos sociais, culturais,
econômicos e políticos. Esta ampliação foi ocasionada pela promulgação de Leis, tais como: o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) e o Estatuto do Idoso (Lei
10.741/2003). Assim, o Estado passa a executar políticas assistenciais, criando espaços
socioeducativos, que entre outras demandas atendem as brechas deixadas pela escola na
formação dos sujeitos.
Portanto, percebe-se a necessidade da inserção do pedagogo nesses espaços já que os
mesmos abarcam conhecimentos pedagógicos, pertinentes a uma prática diferenciada na
promoção de aprendizagem.
Sobre esse aspecto, Libâneo (2006) considera que o trabalho pedagógico não se
restringe a espaços escolares, mas aqueles que demandam uma prática educativa. Conforme o
autor,
todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho
pedagógico é trabalho docente. Um professor é um pedagogo, mas nem
todo pedagogo precisa ser professor. Isso de modo algum leva a
secundarizar a docência, pois não estamos falando de hegemonia ou
relação de precedência entre campos científicos ou de atividade
profissional. Trata-se, sim, de uma epistemologia do conhecimento
pedagógico. (...) Precisamente pela abrangência maior do campo conceitual
e prático da Pedagogia como reflexão sistemática sobre o campo educativo,
pode-se reconhecer na prática social uma imensa variedade de práticas
educativas, portanto uma diversidade de práticas pedagógicas. Em
decorrência, é pedagoga toda pessoa que lida com algum tipo de prática
educativa relacionada com o mundo dos saberes e modos de ação, não
restritos à escola. A formação de educadores extrapola, pois, o âmbito
escolar formal, abrangendo também esferas mais amplas da educação não
formal e formal. Assim, a formação profissional do pedagogo pode
desdobrar-se em múltiplas especializações profissionais, sendo a docência
uma entre elas. (LIBÂNEO, 2006, p.7)
Com essa afirmação, fica evidente a concepção da formação do pedagogo voltada para
o aspecto social. Desse modo, a ação pedagógica em âmbitos não escolares pauta-se na
pedagogia social, na qual é imprescindível uma educação constituída por conhecimentos que
respeitem as diferenças culturais e sociais dos sujeitos.
A pedagogia social é uma ciência em construção direcionada para as classes
populares, que tem como objetivo “agir sobre a prevenção e a recuperação das deficiências de
socialização, e de modo especial lá onde as pessoas são vítimas da insatisfação das
necessidades fundamentais” (CALIMAN, 2006, p.5).
A postura do pedagogo condizente com a proposta da pedagogia social requer uma
concepção de educação diferenciada que rompe com a adotada na sala de aula, exigindo
desses profissionais uma reflexão acerca das questões políticas e das formações dos sujeitos,
seus direitos e também, deveres. Conforme Miriam Cruz (2007), esse trabalho diferenciado
deve propor situações e atividades que desenvolvam habilidades e
competências nas crianças e adolescentes atendidos pelo programa.
Envolver-se empiricamente com a literatura infantil, cantiga de rodas,
dramatizações, criação de desenhos, construção de brinquedos e
principalmente com o brincar, o faz-de-conta, contribuem no
desenvolvimento do raciocínio, na coordenação motora ampla e fina, na
autoestima, na socialização, na autonomia e na criticidade dos mesmos. Com
essa prática pedagógica, o pedagogo se apropria do contexto social de seus
alunos, desenvolvendo com eles uma relação de afetividade, confiança e
cumplicidade, indispensáveis para efetivar os objetivos pedagógicos da área
social.
Diante disso, a atuação do pedagogo em espaços extraescolares, especificamente, nas
políticas assistenciais, se centra no planejamento e articulação de ações que promovam
aprendizagens voltadas à reintegração dos sujeitos na sociedade.
Por sua vez, a experiência do trabalho pedagógico e da atuação do pedagogo
desenvolvido no município de Jequié vêm rompendo com a educação enquanto mera
apropriação de instrumento técnico e receituário prontos , insistindo no aprendizado aberto à
elaboração da história e do contato com o outro não-idêntico, o diferenciado.
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no Município de Jequié, na
Bahia, é desenvolvido a partir de atividades socioeducativas e de convivência planejadas
pelos profissionais que compõem a equipe de referência do serviço, especialmente o
pedagogo.
Para tanto, cabe a equipe reconhecer e construir o diagnóstico local, de forma que as
atividades sejam adequadas à realidade sociocultural, às demandas reais das crianças e
adolescentes, bem como das famílias e comunidade, contemplando as prerrogativas de
organização e funcionamento do Serviço como parte integrante do SUAS.
As atividades de cunho pedagógico são desenvolvidas nas salas denominadas de
estudo e de construção do conhecimento. Também é oferecido Educação Física e Oficinas,
tais como de capoeira, dança, atividade circense, judô.
Em relação a sala de estudo, este item tem servido para a geração de equívocos
metodológicos, vez que a maioria dos núcleos funciona por meio de metodologias tradicionais
de ensino-aprendizagem, reproduzindo, por vezes, um ambiente cansativo e pouco
interessante, gerando, por conseguinte, um alto índice de evasão. Além disso, não traduz a
característica de um serviço de promoção social.
Cabe ressaltar, que o reforço escolar não se deve caracterizar como atividade do
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, cabe, pois a responsabilidade as
escolas. No entanto, torna-se imprescindível manter perfeita sintonia com a escola,
contemplando demandas como a de tempo para fazer atividades escolares.
Por sua vez, a sala de construção do conhecimento, baseia-se na Pedagogia de
Projetos. A opção por trabalhar com esse tipo de fazer pedagógico está nos benefícios
educacionais que ele proporciona. Dentre estes benefícios estão a construção de
conhecimentos realizada pelo próprio aluno, o desenvolvimento da autonomia e a formação
de sujeitos mais críticos (LEITE, 1994).
Nesse sentido, o pedagogo se insere nos espaços socioeducativos, que exigem práticas
pedagógicas concernentes a realidade e voltadas à formação plena dos sujeitos inseridos, em
detrimento dos conteúdos de cunho conceitual, enfatizados pela escola, promovendo
aprendizagens voltadas à reintegração desses sujeitos na sociedade.
Assim, a formação do pedagogo deve ser diferenciada para que sua atuação se
relacione ao seu campo profissional, não assumindo funções de outras áreas, como assistência
social, psicologia e administração de empresas.
DO PETI AO COTIDIANO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
A pesquisa de campo teve início em novembro de 2011, quando foi realizada uma
reunião com coordenação geral e pedagógica, supervisora do núcleo e educadores sociais.
Foram apresentados os objetivos do estudo e solicitou-se a colaboração de todos os
envolvidos no Serviço, com seus depoimentos e, principalmente, nas observações.
Na oportunidade, discutiu-se também a percepção que os sujeitos tinham do Serviço,
as dificuldades, os avanços e outros aspectos. Nesse mesmo período foram realizadas as
entrevistas com as crianças e/ou adolescentes que são/foram do Núcleo supracitado. De início,
esse procedimento metodológico foi desenvolvido em forma de bate-papo numa conversa
coletiva. Depois, foi realizado por meio de entrevistas individuais com cinco crianças e/ou
adolescentes que são atendidos e cinco, que foram atendidos.
Além da entrevista com as crianças e/ou adolescentes, optamos pela técnica do
questionário, o qual foi respondido pela coordenadora pedagógica, a supervisora
administrativa e aos educadores sociais do Núcleo. Vale ressaltar que os nomes utilizados, a
seguir, são fictícios para preservar a identidade dos envolvidos.
O primeiro ponto abordado nas entrevistas, refere-se ao conceito de trabalho infantil.
Após análise das respostas, verificou-se que todos comungam uma mesma idéia: ele foi
considerado uma prática que prejudica o desenvolvimento de crianças e/ou adolescentes.
Conforme enfatiza Luana Carvalho, coordenadora pedagógica:
O trabalho infantil, esta relacionado com a falta de oportunidade e a exclusão
social. Vemos por um lado, a falta de conscientização sobre os riscos do
trabalho infantil e, por outro, a falta de reconhecimento dos efeitos do
trabalho infantil no desempenho escolar, aliado à baixa escolaridade, acaba
por gerar a baixa qualidade de vida das crianças e adolescentes, bem como
sua má qualificação profissional tornando quase impossível uma educação
completa. Por outro lado, se considerarmos o trabalho como princípio
educativo onde o ser humano, pelo trabalho pudessem se constituir enquanto
pessoa, aprender e ensinar e criar suas relações sociais deixaria de ser um
problema social, pois o trabalho como princípio educativo, humaniza,
transforma-se e é transformado por ele. 5
Está implícito, nesse fragmento, que a entrevistada reconhece que o trabalho infantil
tem origem histórica, conforme foi retratado no segundo capítulo, e sua utilização continua
sendo justificada como meio de evitar a entrada do menor no mundo da criminalidade e, ora,
como problema social, por conseguinte, como decorrência da miséria e da desigualdade
social.
Para lidar com essa problemática, acredita-se na importância de uma formação
adequada, mas pode-se inferir que não há exigências, quanto a esse aspecto. Os sujeitos, em
sua maioria, de acordo com os documentos do Serviço do PETI são engajados na área da
educação por meio da formação em magistério ou cursos de graduação em Pedagogia e Letra.
Acerca da formação, Carvalho mostra-se envolvida com a educação desde que
concluiu o Magistério, no ano de 2000. Sua primeira experiência como professora foi numa
turma da 3ª série do ensino fundamental, quando se percebe como profissional e, assim,
buscou prosseguir o estudo. A esse respeito, a coordenadora pedagógica enfatiza que:
Foi nessa prática docente que me descobrir professora... percebi que o magistério só
não dava conta de entender a dimensão do ato de educar e resolvi buscar respaldo
teórico para embasar minha prática diária e entender o processo de educar. Foi aí
que resolvi cursar pedagogia e me especializar na área de educação.
As educadoras sociais, Maria Santos6 e Cristiane Alves7, também são formadas em
magistério e se mantiveram na área da educação. A primeira é graduada em Pedagogia e a
segunda está cursando o II semestre do curso de Letras. A supervisora Vani Sampaio 8, apesar
de possui apenas o ensino médio regular, também procura participar de programas, projetos,
eventos que contribuem para sua melhor atuação no Serviço.
Ainda acerca do aspecto da formação, pode-se inferir que a formação influencia
significativamente a atuação do profissional. A graduação em pedagogia amplia a nossa
visão, para percebermos as necessidades das crianças e/ou adolescentes (SANTOS). No
entanto, se restringe a experiências apenas nos espaços escolares, assim inicialmente as
5
29 anos, natural de Jequié, BA, possui 3 anos de serviço no PETI. Dados fornecidos à autora da
pesquisa em novembro de 2011.
6
27 anos, natural de Jequié, BA, possui 1 ano de serviço no PETI. Dados fornecidos à autora da pesquisa
em novembro de 2011.
7
32 anos, natural de Itabuna, BA, possui 4 anos de serviço no PETI. Dados fornecidos à autora da
pesquisa em novembro de 2011.
8
45 anos, natural de Recife, PE, possui 10 anos de serviço no PETI. Dados fornecidos à autora da
pesquisa em novembro de 2011.
dificuldades foram muitas (CARVALHO) na atuação em espaços extraescolares, como o
PETI.
A atuação nesses espaços permite ao pedagogo aprender, na prática, ações condizentes
com a proposta da pedagogia social, a qual requer uma concepção de educação diferenciada,
de modo que se aproprie do contexto social dos atendidos, desenvolvendo relação de
afetividade, confiança e cumplicidade, aspectos indispensáveis para a atuação significativa na
área social (CRUZ, 2007).
Tais ações, de acordo com a coordenadora pedagógica, são desenvolvidas e
organizadas através de Projetos pedagógicos com temas interdisciplinares que se aproximem
da realidade desses sujeitos envolvidos, buscando sempre a parceria com as famílias e a
escola. Vale ressaltar que, segundo a entrevistada Alves, os projetos são planejados pela
coordenação pedagógica e executados na sala denominada de construção.
Além dessas ações, a educadora Santos evidencia as atividades desenvolvidas na sala
de estudo, as quais são voltadas para auxiliar as dificuldades de leitura e escrita, bem como
dos exercícios escolares. Dessa maneira, verifica-se que as ações desenvolvidas no Serviço se
relacionam com o currículo escolar e com a realidade sociocultural das crianças e
adolescentes.
Em relação ao que fazem no PETI, foram indagadas sobre quais as atividades que
gostam e o que poderia mudar no serviço, os depoimentos das crianças e adolescentes tendem
a confirmar os efeitos e benefícios que lhes foram oferecidos. Alguns manifestaram com
maior entusiasmo o resgate da infância e adolescência, ressaltando o acesso a atividades
lúdicas, esportivas e culturais, uma melhor aprendizagem e mudanças na vida familiar. A
título de exemplo, Michele9 afirma que: eu brinco, faço desenho, pintura [...] gosto das
professoras, e da quadra [esporte] porque eu jogo futebol, vôlei, queimada, corrida, de
corda. [risos]. Não mudaria nada, do jeito que tá, tá bom!
Vale destacar que seis das crianças e adolescentes entrevistados informaram o desejo
de ter um espaço maior para as atividades do serviço, bem como maior frequência em
passeios ecológicos, banho de piscina e viagem para conhecer a praia, zoológico.
Ao serem questionados sobre mudanças nas vidas das crianças e/ou adolescentes
depois de frequentarem o PETI, as respostas das três profissionais do PETI contidas no
questionário são similares às das crianças e adolescentes. Foi evidenciado que eles continuam
9
13 anos, natural de Jequié, BA, cursando a 5ª série do Ensino Fundamental. Dados fornecidos à autora
dessa pesquisa em novembro de 2011.
os estudos, frequentam outro serviço oferecido pelo Estado, no entanto, temos conhecimento
de crianças e adolescentes envolvidos no tráfico de drogas (Vani, Maria e Cristiane).
Sobre esse aspecto, a coordenadora pedagógica afirma que muitos dão continuidade
aos estudos e conseguem êxito no mercado de trabalho, mas na sua maioria voltam para o
trabalho onde exige pouca qualificação. Outra parte mergulha no mundo das drogas por não
ter uma assistência mais eficaz para esses jovens.
Segundo as crianças e/ou adolescentes entrevistados,
Melhorou muito, 100% [risos] cada dia aprendo uma coisa diferente nas aulas, gosto
dos amigos, venho todo dia [...] chegou bem cedo (Leo, 9 anos, cursando a 3ª série
do ensino fundamental)
O PETI mudou a minha vida, porque se não existisse isso, até hoje eu “taria” ainda
catando latinha e graças ao PETI, hoje eu estou melhor (Ellen, 14 anos, cursando a 7ª
série do ensino fundamental).
Após minha saída do PETI, procurei o PROJOVEM para me matricular, hoje
participo do serviço e também continuo frequentando regularmente a escola. Tenho
muito interesse em fazer vestibular, então procuro também estudar em casa com
livros e apostilas emprestadas pelas professoras do PETI (Jonas, 2º ano do ensino
médio).
Todas as crianças e adolescentes falaram que mudaram de vida depois de
frequentarem o serviço, devido a vários motivos entre eles: melhoria na socialização familiar,
melhoria no comportamento, desenvolvimento da criatividade, melhoria no desenvolvimento
escolar, menos timidez e resgate da infância e adolescência.
Diante desses dados, pode-se inferir a importância do Serviço Socioeducativo do PETI
para a realidade de crianças e/ou adolescentes retirados do trabalho infantil. O serviço é uma
realidade concreta e representa, senão a solução para a erradicação do trabalho infantil, ao
menos um instrumento válido para conclamar que o Estado, a sociedade e a família se
comprometam com em preservar o menor, garantindo-lhes a proteção integral. Direito
conferido constitucionalmente as crianças e adolescentes, recordando-lhes que a política de
exploração do trabalho infantil está na contramão dos princípios democráticos, éticos e
humanos.
Indubitavelmente, não cabe a uma criança a responsabilidade de prover uma família,
ou ainda de assumir tarefas para as quais ela não está psicológica e emocionalmente preparada
para assumir. Essa responsabilidade é da família, da sociedade e do Estado, como
estabelecido na legislação brasileira. Todavia, a falta de condições das famílias em suprirem
suas necessidades mais prementes, faz com que os pais usem como opção o trabalho infantil
de seus filhos.
À GUISA DE CONSIDERAÇÕES
Retomando as contribuições obtidas acerca da temática e a pesquisa realizada nos
Núcleos do PETI do Município de Jequié, na Bahia, entende-se que as atividades
desenvolvidas por esse Serviço devem ser adequadas à realidade sociocultural, às demandas
reais das crianças e adolescentes, bem como das famílias e comunidade, contemplando as
prerrogativas de organização e funcionamento do Serviço como parte integrante do SUAS.
Para tanto, o Serviço Socioeducativo desenvolvido, de acordo com os dados coletados,
segue a linha de uma proposta pedagógica planejada e executada de forma bem diversificada,
contribuindo de maneira significativa nas vidas dos participantes do programa. Esse aspecto
tende a ser confirmado a partir dos depoimentos das crianças e adolescentes, ao relatarem os
efeitos e benefícios do serviço, no que concerne ao resgate da infância e adolescência, ao
acesso a atividades lúdicas, esportivas e culturais, bem como a melhor aprendizagem e
mudança na vida familiar.
Nesse sentido, o pedagogo se insere nos espaços socioeducativos, que exigem práticas
pedagógicas concernentes a realidade e voltadas à formação plena dos sujeitos inseridos, em
detrimento dos conteúdos de cunho conceitual, enfatizados pela escola. Dessa maneira, tornase imprescindível que a formação do pedagogo seja diferenciada para que sua atuação se
relacione ao seu campo profissional, não assumindo funções de outras áreas, como assistência
social, psicologia e administração de empresas.
Em relação o desenvolvimento de trabalho com as famílias sabe-se que é de
responsabilidade do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, o qual, no
município de Jequié, é oferecido pelos CRAS. Contudo, o desenvolvimento de ações e
articulação com as famílias tanto no PETI como nos CRAS, ainda é muito superficial, uma
vez que a articulação entre os CRAS e os Núcleos do PETI ainda é incipiente nas realizações
de ações e políticas de atenção social.
No que concerne a articulação com as escolas, verifica-se que o principal objetivo é
garantir o acesso, a permanência e a saída com sucesso das crianças e adolescentes em
situação de trabalho infantil. Para tanto, cabe a escola ensinar os conteúdos específicos, além
da formação humana, e ao PETI, buscando a parceria fundamental com as escolas, apoiar
esses alunos no turno oposto, com atividades educativas de resgate e convívio à cidadania.
Indubitavelmente, o enfrentamento do trabalho precoce, através do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, deve priorizar a participação da família, bem
como a articulação com as Escolas, para que o trabalho aconteça de maneira multidisciplinar e
significativamente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das crianças e
adolescentes vítimas desse contexto de desigualdades e exploração do trabalho infantil.
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