Jorge dos Santos Valpaços Professor da rede estadual do Rio de Janeiro (Colégio Olga Benário Prestes) Licenciado em História (UFRJ), pós-graduado em História Antiga e Medieval (UERJ) Pós-graduando em Cultura Afrobrasileira e Indígena (UCP) Cursista da especialização Cultura e Histórias dos Povos Indígenas (Museu do Índio/Museu Nacional) Participante dos podcasts de História em Debate e Comida Histórica: www.debatehistorico.com.br Coordenador das Oficinas de RPG - O poder dos dados roxos (OPDR): http://orpg-opdr.blogspot.com.br/ Coordenador do encontro mensal RPG Urbano - Rio de Janeiro Quebrando barreiras com o RPG: Oficinas lúdico-pedagógicas e Jogo de Interpretação de Personagem Histórica (JIPH) “Quanto mais desenvolvida é a inteligência geral, maior é sua capacidade de tratar problemas especiais. A educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da inteligência geral. Esse pleno emprego exige o livre exercício da faculdade mais comum e mais ativa na infância e na adolescência, a curiosidade, que muito freqüentemente, é aniquilada pela instrução, quando, ao contrário, trata-se de estimulá-la ou despertá-la, se estiver adormecida. (...) Comporta também essa inteligência que os gregos chamavam de métis , "conjunto de atitudes mentais... que conjugam o 'faro', a sagacidade, a previsão, a leveza de espírito, a desenvoltura, a atenção constante, o senso de oportunidade”. Enfim, seria preciso partir de Voltaire e Conan Doyle, e, mais adiante, estudar a arte do paleontólogo ou do arqueólogo, para se iniciar na serendipididade ; arte de transformar detalhes, aparentemente insignificantes, em indícios que permitam reconstituir toda uma história.” (MORIN, 2003, pp. 22-23) Citar Edgar Morin em seu Cabeça bem feita é se deixar abrir às tamanhas possibilidades que o RPG apresenta. Ainda pouco conhecido por educadores, os jogos de interpretação de papéis por vezes são reduzidos de sua complexidade, sendo meramente considerados instrumentos. É comum verificar atividades lúdico-pedagógicas em processos de educação formal ou não formal sendo “ferramentas para se aprender algo”. Decorre da provocação de Morin a extração de três elementos centrais presentes na prática lúdica que se eximem em uma simples instrumentalização de RPGs em contextos educacionais: a criatividade, sagacidade e protagonismo. Justamente elementos fundamentais para o desenvolvimento da inteligência geral1 . Se considerarmos a prática lúdico-pedagógica presentes nos RPGs como processos educacionais sócio-construtivistas (não jogamos sozinhos), concordamos com Vygostski ao constatar que funções cognitivas superiores, e, por conseguinte, complexas, são processos que apenas se desenvolvem através das relações sociais, as autênticas relações humanas (1995, p.150). Se o processo educacional complexo se dá através de interações sociais e as competências mais importantes a serem desenvolvidas (criatividade, sagacidade e protagonismo) encontram-se no cerne de uma sessão de RPG, concluímos que tais jogos não seriam não apenas “ferramentas”, mas lócus de aprendizagem, ao passo que potencializam a imaginação e da criatividade, habilidades derivadas da plasticidade cerebral humana, de acordo com Vygotsky. Retornando ao autor, verificamos que as atividades combinadoras e criadoras - expressões de experiências passadas por um indivíduo - recombinam as experiências passadas em novas formas, o que permite imaginar situações que ainda não ocorreram na vida do indivíduo. Essa capacidade combinadora e criadora é responsável por uma adaptação mais rápida às mudanças do meio em relação às mudanças de ordem biológica/filogenética (VYGOTSKY, 1987, p.9). Esta provocação inicial de reconfigurar a posição do RPG na educação é fundamental para a compreensão de minha prática educacional. Leciono na rede estadual do Rio de Janeiro, no Ensino Médio. Há alguns anos desenvolvo atividades de jogos de RPG durante as aulas. Também coordeno Oficinas de RPG em projetos lúdico-pedagógicos de educação não formal. São modalidades educacionais distintas, com objetivos diferentes e planejamento diverso. Contudo, o lócus educacional que articula as competências apontadas por Morin é o mesmo: o RPG. Sendo assim, o RPG é protocolo, mídia e espaço de criação. Em outros termos, não “uso o RPG para ensinar”, mas ensino “através do RPG”. Ensinar através do RPG? É preciso de um pouco mais de xp (experiência) para chegarmos aos últimos dois ou três anos de minhas ações pedagógicas. Jogo RPG desde minha adolescência. Hoje sou um dos organizadores do encontro RPG Urbano do Rio de Janeiro. Trata-se de um encontro mensal gratuito de RPG. Sempre considerei o RPG uma atividade lúdica interessantíssima, a despeito das representações midiáticas sobre o jogo no princípio dos anos 2000. Como em minha graduação não houve muito espaço para atividades lúdicas, assim que concluí a licenciatura fui, paulatinamente, inserindo enfoques lúdicos em minhas estratégias pedagógicas. Tempo depois, estudando sobre a inserção de jogos no ensino formal (em salas de aula), comecei a construir atividades lúdico-avaliativas. Uma delas é o Jogo de Interpretação de Personagem Histórica (JIPH). Este jogo, que já acompanha as aulas de história que leciono há pelo menos 3 1 De acordo com o filósofo Edgar Morin, a inteligência geral não é algo "inferior" às especializações, mas indica a complexidade psicológica e neural e demonstra que a aquisição do conhecimento não se dá de forma compartimentada, uma tradição do pensamento moderno-iluminista. anos, é uma atividade em que as competências apontadas por Morin são articuladas ao conceito agência histórica - a compreensão que são as ações humanas que constróem as história e que há sempre margens de ação, negociação, resistência e enfrentamentos em nossa vida. O JIPH não é uma “gincana” ou “aula diferente”. O planejamento bimestral se orienta através esta atividade. Ao pensar nos conteúdos bimestrais já projeto as possíveis personagens históricas (não apenas os “grandes nomes”, mas “comuns”, como camponeses, barbeiros e quituteiras) que serão construídas pelas alunos. Nesta atividade, os grupos pesquisam, produzem e jogam com as personagens, emulando sua experiência histórica de acordo com seu horizonte de expectativas. Os alunos são avaliados processualmente, desde o preenchimento de suas fichas de personagem, até o jogo em si, que ocorre em uma das aulas. E são os próprios grupos que criam os desafios - situações de conflito - para as outras personagens, transformando o jogo em uma narrativa compartilhada. Depois de algum tempo lecionando na Educação Básica, comecei a buscar mais a respeito de pesquisas sobre educação e jogos. Fui auxiliado por inúmeros amigos e apoiadores em um grupo virtual de entusiastas da educação e RPG chamado Oficinas de Jogos Pedagógicos - RPG & Tabuleiro 2. Mas o amadurecimento das intervenções lúdico-pedagógicas em sala de aula não seria possível sem o estudo de conceitos relacionados ao design de jogos e experiências bem sucedidas no campo da educação inovadora. O Projeto Incorporais e as TNI (Técnicas para Narrativas Interativas) compilaram inúmeros elementos acerca do porquê o RPG faz desejar criar e aprender (BETOCCHI & KLIMICK, 2014). Sem a compreensão do design poético e do design didático narrativo não poderia fazer maturar as Oficinas de RPG, alargando o conceito de jogos em uma disciplina para um projeto lúdico-pedagógico mais amplo. O projeto e aceito, sendo as Oficinas de RPG incorporadas ao Colégio Olga Benário Prestes. Neste processo, fui “incorporado” no grupo de pesquisas Histórias Interativas3 , e desde então o Incorporais RPG e demais apontamentos teóricos pertinentes são reportados nas Oficinas. Agora, as mesmas se expandiram e são abrigadas na Associação Comunitária Olariense, recebendo jovens em situação de exposição, sendo acompanhados por uma equipe de assistência social. A natureza das Oficinas de RPG fora do ambiente escolar é completamente diferente da aplicação do RPG nas salas de aula. Trata-se de uma intervenção não formal, sendo a ludicidade fundamental na perspectiva da pedagocia social (GOHN, 2006). Em tais intervenções, objetiva-se conteúdos processuais, atitudinais e a dimensão axiológica da educação, a fim de fomentar comportamentos éticos e noções de cidadania. As Oficinas de RPG estão em processo de expansão, recebendo mais jovens e ampliando sua área de atuação. Todas as oficinas são relatadas em um site4 para acompanhamento pelos responsáveis, sendo os apontamentos lúdico-pedagógicos disponíveis para a consulta. Mas… se são condições tão diferentes, a sala e as Oficinas… como o RPG se adequa a tais espaços e como ele pode despertar as competências que Morin aponta? Myriel Balzer (2011) nos recorda que a imersão é um caminho de entrada e saída para a aquisição de repertório conceitual e atitudinal, durante a experiência em uma realidade alternativa: a prática do jogo. É a imersão lúdico-narrativa que possibilita a assunção de outros papéis não apenas no drama do jogo, mas na vida. Nesse breve caminho narrando um tanto de minha experiência educacional com RPGs, (in)concluo que os jogos de interpretação servem a provocar e romper fronteiras. Não há como “separar disciplinas” ou “hora ou lugar para aprender” se pensamos que estamos jogando. Matemática, artes, história, geografia… tudo se articula. Tratar o RPG nas salas de aula, em oficinas, continuar jogando com amigos e organizar e jogar com novatos e veteranos em eventos de RPG me faz acreditar que a educação holística (YUS, 2002) é possível. A minha linguagem é o RPG. Referências: BALZER, Myriel. Immersion as a Prerequisite of the Didactical Potential of Role-Playing in International Journal of Role-Playing. ISSUE 2. ISSN 2210-4909. pp.32-43 Disponível em http://ijrp.subcultures.nl/?page_id=226 Acesso em 03/03/2015. BETTOCCHI, Eliane & KLIMICK, Carlos. Role Playing Game (RPG): O que é isso que me faz desejar criar e aprender . in Revista mais dados: o role playing por diferentes olhares e contextos – Ano 1, v. 1 (2014) - Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2014. GOHN, Maria da Glória. Educação não formal na pedagogia social . In: I CONGRESSO INTERNACIONAL DE PEDAGOGIA SOCIAL, 1., 2006, . Proceedings online... Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000092006000100034&lng=en&nrm=abn Acesso em: 03/03/2015. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento . - 8a ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. VYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginacion y el arte em la infancia. Mexico: hespánicas, 1987. ______________________. Problemas del desarrollo de la psique . Obras Escogidas volume III. Madrid: Visor Distribuciones, 1995. YUS, Rafael. Educação Integral: uma educação holística para o século XXI . Trad. Daisy Vaz de Moraes. – Porto Alegre: Artmed, 2002. 2 https://www.facebook.com/groups/JogosPedagogicos/ http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3947057672582627 4 http://orpg-opdr.blogspot.com.br 3