1 O Uso da Fitoterapia como Recurso Efetivo e Econômico para a Melhoria da Saúde e da Qualidade de Vida dos Agricultores Familiares REGIANE APARECIDA VALERA DOS SANTOS ADRIANO PIRTOUSCHEG DAVID GEORGE FRANCIS GABRIEL JOSÉ BARBOSA RESUMO A medicina popular utilizando ervas medicinais não é um fenômeno isolado no país, muito pelo contrário, ela não é tão somente praticada pela população rural, mas, como afirma Nascimento (1996), “... na maioria das vezes constitui o único recurso disponível para combater as enfermidades que afligem a comunidade”. Isto ocorre porque a maioria dos pequenos proprietários rurais não dispõe de recursos financeiros necessários para utilizar outra fonte de atendimento médico. Foi realizada, neste trabalho, uma investigação detalhada procurando destacar vários aspectos que permitissem descrever a utilização das plantas medicinais como medicina alternativa entre os agricultores familiares de Uberlândia. O presente estudo tem como objetivo geral diagnosticar as principais dificuldades enfrentadas pelos agricultores, proprietários e moradores da zona rural do município de Uberlândia, relacionadas à saúde e ao possível uso de plantas medicinais para solucionar ou amenizar determinadas enfermidades. Através da participação de eventos científicos, contato com pesquisadores da área, reuniões com os produtores e da aplicação de roteiros de entrevista a 60 agricultores, pode-se verificar que a implantação de alternativas terapêuticas, que substituem os tratamentos com medicamentos sintéticos, tem importância fundamental, principalmente hoje em dia em que se busca a melhoria na qualidade de vida. Pode-se verificar que os conhecimentos a respeito da utilização e benefícios da fitoterapia não estão realmente esclarecidos em algumas propriedades e em certos locais a assistência médica adequada se torna onerosa visto que muitas propriedades se localizam distantes dos centros de saúde do município. Os produtores se mostraram interessados em obter mais informações, fato este que reflete mais uma vez a preocupação atual da população em adquirir hábitos mais saudáveis e valores cotidianos mais ecológicos, procurando alternativas terapêuticas que além de evitar gastos dispendiosos com atendimento primário à saúde da família, também proporciona melhor qualidade de vida ao agricultor familiar. Palavras-chave: Plantas Medicinais; Agricultura familiar; Sustentabilidade Rural. 2 INTRODUÇÃO Desde os tempos mais remotos, é conhecida a utilização de ervas na cura de diversos tipos de doenças. O homem, pela própria necessidade e a carência de outras fontes, sempre buscou na natureza a solução de seus males. “Que o teu alimento seja o teu remédio e que o teu remédio seja o teu alimento” – esta frase, atribuída a Hipócrates, foi registrada há mais de três mil anos, sendo uma das provas mais antigas de que comida e cura estão relacionadas desde os primórdios da humanidade (HISTÓRIA, 2003). Desta forma, não se sabe a data precisa do início da utilização das plantas sob a forma medicinal, pois sua história se entrelaça diretamente à própria história do homem, acumulando um conhecimento de milhares de anos. De uma forma geral, os estudiosos costumam apresentar a história das ervas medicinais a partir do Oriente, em um longo caminho que evoluiu, mais recentemente até a América (HISTÓRIA, 2003). Segundo Corrêa Junior, Ming e Scheffer (1994), “... o povo chinês sabe da importância das plantas medicinais a mais de 5.000 anos, e até hoje são utilizadas, com grande eficácia, na cura das principais doenças, juntamente com medicamentos da medicina moderna”. Um dos primeiros documentos que se conhecem sobre a utilização das plantas com fins medicinais remonta a 500 a.C. O célebre clássico da farmacopéia chinesa “Tzu-I Pên Tshao Ching” foi composto, pensa-se, um pouco depois da era de Confúcio. O original continha 365 remédios à base de plantas ao qual, mais tarde, se juntaram outros 200. Contudo o uso medicinal de plantas era uma prática bem estabelecida muito antes da criação destes textos (FITOTERAPIA, 2003a). O Brasil possui uma coleção imensa de plantas medicinais, espalhadas quer nas cidades, em cuidados jardins, quer nos mais remotos recantos dos sertões. (MOREIRA; YARZA; ACHARAN, 1988). O país, com a maior diversidade genética vegetal do mundo, conta com mais de 55 mil espécies catalogadas de um total estimado entre 350 mil e 500 mil – e a formação étnica da população fazem da Fitoterapia uma prática bastante antiga no país. No entanto, atualmente não há no mercado produtos nacionais que tenham passado pelo processo de validação – comprovação científica de sua eficácia. Estes estudos envolvem diversas etapas, como a botânica (identificação da planta para estudo), farmacêutica (produção e controle de qualidade) e de ensaios biológicos pré-clínicos, com animais. Só então o medicamento passa à fase de testes clínicos, realizados com pacientes, que dependem também de uma série de etapas. (NOGUEIRA; FARIAS apud FITOTERAPIA, 2003b). Como anteriormente destacado, o Brasil abriga 55 mil espécies de plantas, aproximadamente um quarto de todas as espécies conhecidas; destas, 10 mil podem ser medicinais, aromáticas e úteis. Como aponta estudo realizado por Lauro Barata e Sérgio Queiroz, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), denominado Contribuição Efetiva ou Potencial do PADCT (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para o Aproveitamento Econômico Sustentável da Biodiversidade (FITOTERAPIA, 2003a). Embora a medicina moderna esteja bem desenvolvida na maior parte do mundo, grande parte da população dos países em desenvolvimento depende dos profissionais tradicionais, das plantas medicinais e dos medicamentos fitoterápicos para a sua atenção 3 primária (ZHANG, 2000 apud BRASIL, 2001). Além disso, durante as últimas décadas, o interesse do público nas terapias naturais tem aumentado enormemente nos países industrializados, e acha-se em expansão o uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS, 2000 apud BRASIL, 2001). Torna-se inconcebível, portanto, que uma prática que se perpetuou na história da civilização não tivesse na atualidade, o merecido reconhecimento da ciência e daqueles que a executam (DI STASI, 1996). Ainda, segundo IBAMA..., (2003), a perda da diversidade das culturas tradicionais é tão grave quanto à da biodiversidade. As populações, principalmente os moradores da zona rural, guardam heranças de conhecimentos e procedimentos relativos ao uso de plantas, às vezes, oriundos de grupos indígenas há muito extintos, que foram incorporados à sua cultura graças às potencialidades terapêuticas dessas ervas (DI STASI, 1996). Segundo o mesmo autor, em sociedades tradicionais, a transmissão oral é o principal modo pelo qual o conhecimento é perpetuado. O conhecimento é transmitido em situações, o que faz que a transmissão entre gerações requeira contato intenso e prolongado dos membros mais velhos com os mais novos. A humanidade chegou até a década de 1950, utilizando intensivamente as plantas medicinais com resultados comprovados, porém, com o advento da indústria farmacêutica, e a síntese de muitos princípios ativos em laboratório, o homem vem se distanciando das suas origens. Mas felizmente, por motivos diversos, como intoxicações por medicamentos, preço alto e busca de uma vida mais saudável e natural, o cultivo e o uso de plantas medicinais tem crescido nas últimas décadas. (SARTÓRIO et al., 2000). O cerrado é um complexo vegetacional que detém grande diversidade biológica (RODRIGUES; CARVALHO, 2001) e muitas dessas plantas apresentam compostos bioativos que podem ser aproveitados com fins terapêuticos. Segundo Vieira (2003), essa impressionante diversidade de espécies da flora medicinal é um forte indício de que ainda não houve um estudo detalhado de grande parte desse universo de plantas medicinais encontradas em nosso território. No que se refere à utilização dessas plantas, pelos agricultores da região do Triângulo Mineiro, faltam pesquisas, principalmente porque muitas delas são usadas indiscriminadamente e não têm eficácia terapêutica cientificamente comprovada. Segundo Di Stasi et al. (2002), há uma necessidade urgente de coletar e documentar as plantas medicinais existentes no Brasil, pois diversos livros sobre etnobotânica estão disponíveis, porém, o conhecimento sobre etnofarmacologia é insuficiente para suportar pesquisas interdisciplinares. Faz-se necessário o incentivo à pesquisa e à catalogação de tais variedades, no sentido de conhecer para otimizar o uso adequado e, sobretudo, proteger e conservar esse patrimônio genético de nosso país (VIEIRA, 2003). Portanto, além da caracterização do uso das plantas medicinais, é importante uma abordagem que norteie um aproveitamento adequado dos recursos terapêuticos fornecidos pelas ervas medicinais, possibilitando assim melhorias na qualidade de vida dos agricultores familiares. Para maiores informações, veja “Iniciativas de apoio à utilização de plantas”. 4 MATERIAL E MÉTODOS A partir de um planejamento criterioso, iniciou-se um estudo com a população-alvo da pesquisa. Esta fase envolveu primeiramente a observação da população-alvo do estudo, a partir da qual reuniu-se o máximo de informações que facilitaram o andamento da pesquisa e que permitiram ao pesquisador um fácil acesso aos indivíduos que foram pesquisados. De posse das informações obtidas foi feita uma pesquisa bibliográfica específica. Esta revisão examinou a literatura sobre a identificação e uso de plantas medicinais orientada para as condições específicas da região do estudo. A população-alvo incluiu agricultores familiares tradicionais, acampados e assentados do Município de Uberlândia - MG. O plano de trabalho executado fez parte da pesquisa “Alternativas Sustentáveis para Redução da Vulnerabilidade Social, Econômica e Ambiental da Agricultura Familiar nas Áreas do Cerrado do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba”, coordenada pelo Prof. Dr. Shigeo Shiki, apoiada pelo CNPq. Assim sendo, teve um questionário unificado composto de questões apresentadas por todos os pesquisadores do projeto. Cada pesquisador teve acesso aos dados necessários para elaborar sua análise. Esse questionário foi elaborado com questões fechadas que possibilitaram respostas objetivas e com questões abertas que possibilitaram uma abordagem mais ampla dos resultados obtidos. Foi constituído de perguntas que permitiram esclarecer os principais problemas de saúde enfrentados pelas famílias, bem como as formas usadas para resolver estes problemas. Pretendeu-se estabelecer um diagnóstico de saúde - doença dos moradores e também avaliar o conhecimento sobre as práticas populares da fitoterapia e utilização desta. Os questionários foram aplicados a uma amostra de 60 agricultores da região, selecionados aleatoriamente. Este número de questionários foi julgado adequado considerando a variação entre os agricultores na área do estudo. Ao fim das entrevistas foi criado um banco de dados e a partir dele, os resultados foram analisados e estudados para que fossem atingidos os objetivos propostos inicialmente. 5 RESULTADOS Neste trabalho, foi realizada uma investigação bastante detalhada procurando destacar vários aspectos que permitissem descrever a utilização das plantas medicinais como fonte de medicina alternativa entre os agricultores familiares de Uberlândia. Como se pode observar na Tabela 1, a maioria dos entrevistados foi composta por homens (56%), enquanto que 44% eram mulheres. Tabela 1. Sexo dos agricultores entrevistados. SEXO Nº DE ENTREVISTADOS % Masculino 34 56 Feminino 26 44 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Quanto à idade dos entrevistados, o que se verifica na Tabela 2 é que a maior parte dos entrevistados se encontra na faixa etária entre 50 e 60 anos (26%). Tabela 2. Idade dos agricultores entrevistados. Nº DE IDADE % ENTREVISTADOS 21-30 anos 5 08 31-40 anos 14 24 41-50 anos 11 18 51-60 anos 16 26 61-70 anos 11 18 71-80 anos 3 6 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Esta informação reforça a idéia de que o conhecimento à respeito das ervas medicinais está concentrado principalmente entre os membros mais velhos da família que herdaram essa sabedoria popular através das gerações com seus antepassados. 6 Isso é salientado por Di Stasi (1996), que relatou que as populações, principalmente os moradores da zona rural, guardam heranças de conhecimentos e procedimentos relativos ao uso de plantas, às vezes, oriundos de grupos indígenas há muito extintos, que foram incorporados à sua cultura graças às potencialidades terapêuticas dessas ervas. Esses conhecimentos são transmitidos entre gerações através do contato intenso e prolongado dos membros mais velhos com os mais novos. Na Tabela 3. pode se verificar que 84% das propriedades estão localizadas em local de estrada batida e que apenas 16% tem asfalto perto da propriedade. Esse fato acaba dificultando o atendimento médico devido às dificuldades no transporte dos doentes. Tabela 3. Tipo de via de acesso às propriedades. VIA Nº DE ENTREVISTADOS % Estrada 50 84 Asfalto 10 16 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Na Tabela 4 abordam-se aspectos da escolaridade dos entrevistados e verifica-se que 50% dos entrevistados cursaram apenas da 1ª a 4ª série do primeiro grau. Esse nível de escolaridade denota que o conhecimento sobre a cura pela utilização de ervas medicinais é transmitido através das gerações numa linguagem popular, seja através dos raizeiros que antigamente se faziam bastante presentes entre as comunidades, seja através da troca de conhecimento entre pais e filhos, sem requerer de recursos didáticos ou quaisquer outra forma de ensinamento, senão através de troca de informações. Tabela 4. Nível de escolaridade dos agricultores entrevistados. NÍVEL DE Nº % ESCOLARIDADE Analfabeto 16 26 1ª a 4ª série - 1º grau 30 50 5ª a 8ª série - 1º grau 7 12 2º grau incompleto 5 8 2º grau completo 2 4 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Na Tabela 5, ao observar-se a escolaridade comparada ao sexo dos entrevistados verifica-se que 16% das mulheres são analfabetas e que 46% das mulheres cursaram a faixa da 1ª a 4ª série do 1º grau. Entre os homens, 8% dos entrevistados são analfabetos e 54% cursaram a 1ª a 4ª série do 1º grau. Quando são comparados os sexos na 1ª à 4ª série, foi 7 detectada diferença não significativa, sendo que a proporção de indivíduos do sexo feminino é comparativamente igual aos do sexo masculino. Tabela 5. Escolaridade e sexo dos entrevistados. ESCOLARIDADE SEXO MASCULINO FEMININO Nº % Nº % Analfabetos 03 08 04 16 1ª-4ª série do 1º grau 18 54 12 46 5ª-8ª série do 1º grau 10 30 06 24 1º-3º ano do 2º grau 03 08 04 14 Total 34 100 26 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Com relação ao atendimento médico, muitas propriedades ficam afastadas dos centros de saúde o que impossibilita ou onera o atendimento médico. Os custos dispendiosos com atendimento médico acarretam sérias dificuldades econômicas que só agravam a situação desses agricultores. Como afirmou Di Stasi (1996), os agricultores rurais têm enfrentado sérios problemas relacionados à saúde, visto que os hospitais e postos de atendimento público geralmente são distantes das propriedades e nem sempre existe um meio de transporte facilitado para atender às necessidades dos moradores do meio rural, inclusive nos casos mais urgentes. Na Tabela 6. pode se observar a freqüência de busca por atendimento médico dos entrevistados Tabela 6. Freqüência de busca por atendimento médico. PROCURAM Nº DE % ATENDIMENTO ENTREVISTADOS Sim 40 66 Não 20 34 Total 60 100 NOTA: Freqüência de pelo menos uma vez ao mês. FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. 8 Na Tabela 7. pode se verificar que 64% dos entrevistados relatam não encontrar dificuldades na busca por atendimento médico. Porém quando analisamos outros aspectos como a propriedade de automóvel (Tabela 8.) verificamos que apenas 40% dos entrevistados tem meio de transporte próprio. Tabela 7. Encontram dificuldades na busca por atendimento médico. Nº DE DIFICULDADE % ENTREVISTADOS Sim 22 36 Não 38 64 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Tabela 8. Possui meio de transporte. Nº DE TRANSPORTE % ENTREVISTADOS Sim 24 40 Não 36 60 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. A respeito de convênios de assistência médica, como mostra a Tabela 9., apenas 8% dos entrevistados têm convênio, enquanto 92% dos entrevistados não possuem convênio médico e dependem do sistema público de saúde, seja nos postos de atendimento dos bairros ou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. Tabela 9. Possui convênio médico. Nº DE CONVÊNIO % ENTREVISTADOS Sim 05 08 Não 55 92 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. A respeito da utilização das Plantas Medicinais, como mostra a Tabela 10, 90% dos entrevistados demonstraram algum conhecimento sobre utilização dessa forma de medicina alternativa. 9 Essa informação reforça a afirmação de Zhang (2000 apud BRASIL, 2001), que relata que embora a medicina moderna esteja bem desenvolvida na maior parte do mundo, grande parte da população dos países em desenvolvimento depende dos profissionais tradicionais, das plantas medicinais e dos medicamentos fitoterápicos para a sua atenção primária. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% da população mundial depende da medicina tradicional nos cuidados primários de saúde (GUIDELINES..., 1993 apud PROJETO..., 2001). Tabela 10. Agricultores que utilizam plantas medicinais. UTILIZAM Nº DE ENTREVISTADOS % Sim 54 90 Não 06 10 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Na Tabela 11 pode se notar que 26% dos entrevistados já tomaram conhecimento de pelo menos um caso de intoxicação por plantas medicinais. Segundo foi relatado durante as entrevistas, a maior parte dos casos de intoxicação pelas plantas advém do uso indiscriminado dessas plantas e não de plantas tóxicas específicas. Esse fator é muito importante porque ressalta mais uma vez a preocupação em acrescentar mais informações sobre os perigos do uso inadequado e irresponsável das ervas medicinais. Foram levantadas dúvidas principalmente relacionadas à dosagem adequada do fitoterápico que pode ser utilizada. Muitos agricultores revelam que sabem as indicações e até dispõem de exemplares das espécies na própria propriedade, mas não as utilizam porque tem receio quanto à forma correta de uso e as dosagens a serem administradas. Segundo Calixto (2000), “... existem dados insuficientes para que a maioria das plantas garanta sua qualidade, eficácia e segurança. A idéia que as ervas medicinais estão seguras e livres dos efeitos colaterais é falsa. As plantas contêm centenas de constituintes e alguns deles são muito tóxicos”. A utilização inadequada dos fitoterápicos, como a automedicação, pode trazer uma série de efeitos colaterais. Entre os principais problemas causado por seu uso indiscriminado e prolongado estão as reações alérgicas, os efeitos tóxicos graves em vários órgãos e mesmo o desenvolvimento de certos tipos de câncer. É importante educar a população, conscientizando-a sobre o uso adequado das plantas e medicamentos ditos naturais (FITOTERAPIA, 2003a). 10 Tabela 11. Conhecimento sobre intoxicação por plantas medicinais. TEM CONHECIMENTO Nº % Não 44 74 Sim 16 26 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Pode-se verificar, durante as entrevistas, uma gama muito grande de plantas medicinais nativas do cerrado que estão sendo utilizadas pela população. Dentre as plantas citadas muitas não têm nome científico correspondente na literatura pesquisada. Isso denota uma importância muito grande de uma abordagem a respeito da identificação das espécies nativas da região, pois algumas comunidades atribuem nomes populares às ervas utilizadas que diferem daqueles citados na literatura referente às espécies de uso popular na fitoterapia. Esse fato dificulta o esclarecimento da população a respeito do uso de determinada espécie enquanto fitoterápico, bem como suas características de cultivo e formas de utilização. E como afirmou Vieira (2003), faz-se necessário o incentivo à pesquisa e à catalogação dessas espécies ainda não identificadas, no sentido de conhecer para otimizar o uso adequado e, sobretudo, proteger e conservar esse patrimônio genético de nosso país. Seria necessário, portanto, para sanar esse aspecto, a abordagem de projeto que implementasse e viabilizasse a identificação botânica, inclusive buscando acumular informações como as características agronômicas e farmacológicas das espécies. Posteriormente poderia ser desenvolvido um trabalho de esclarecimento a respeito do uso adequado dessas plantas, bem como a sua forma de utilização, indicações, efeitos colaterais e precauções a serem tomadas na utilização. A respeito da implantação das Farmácias Vivas, a maior parte dos entrevistados não as conhece (Tabela 12). Tabela 12. Conhecimento sobre Farmácia Viva. OUVIU FALAR Nº % Sim 16 26 Não 44 74 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. 11 Na Tabela 13, podemos observar que a maioria dos entrevistados demonstrou interesse em implantar as Farmácias Vivas nas propriedades ou num local de acesso comunitário. A horta da propriedade foi o local mais citado para implementar a Farmácia Viva. Tabela 13. Implantação de uma Farmácia Viva. FAVORÁVEL Nº % Sim 52 86 Não 08 14 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Na Tabela 14, pode-se verificar que 95% dos agricultores entrevistados têm interesse em aprender mais sobre o uso das plantas medicinais. Tabela 14. Interesse em saber mais sobre plantas medicinais. TEM INTERESSE Nº % Sim 57 95 Não 03 05 Total 60 100 FONTE: Dados de Pesquisa de campo, 2003. Essa informação é salientada pela OMS (2000 apud BRASIL, 2001) que relata que durante as últimas décadas, o interesse do público nas terapias naturais tem aumentado enormemente nos países industrializados, e acha-se em expansão o uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos. Segundo Sartório et al. (2000), o cultivo e o uso de plantas medicinais tem crescido nas últimas décadas por motivos diversos, como intoxicações por medicamentos, preço alto e busca de uma vida mais saudável e natural. 12 CONCLUSÃO Pode-se verificar que os conhecimentos a respeito da utilização e benefícios da fitoterapia não estão realmente esclarecidos em algumas propriedades e em certos locais a assistência médica adequada se torna onerosa visto que muitas propriedades se localizam distantes dos centros de saúde do município. Apesar da maioria dos entrevistados terem relatado que não encontram dificuldades no atendimento médico, foram apontadas como principais dificuldades enfrentadas pelos agricultores, relacionadas à saúde, a falta de transporte, a distância e a ineficiência do sistema de atendimento público à saúde. Um dos pontos positivos verificados neste trabalho que deve ser ressaltado é o interesse manifestado pelos agricultores em obter maiores informações a respeito da medicação alternativa utilizando fitoterápicos. Esse fato reflete mais uma vez a preocupação atual da população em adquirir hábitos mais saudáveis e valores cotidianos mais ecológicos, procurando alternativas terapêuticas que além de evitar gastos financeiros dispendiosos com atendimento primário a saúde da família, também proporciona melhor qualidade de vida ao agricultor e sua família. Com relação à implantação das farmácias vivas nas propriedades, esse objetivo não pode ser concluído devido às dificuldades relacionadas à aquisição das mudas de plantas medicinais de fontes idôneas que não oferecessem risco a população que fosse utilizar as plantas. Poderiam ser usadas plantas das propriedades vizinhas, porém seria necessário realizar previamente a implantação da farmácia viva, um trabalho de identificação das espécies nativas para que não ocorresse nenhum erro de identificação que contribuísse para o insucesso da utilização das plantas medicinais. Cabe salientar que ainda são necessárias muitas pesquisas na área para possibilitar uma assistência terapêutica eficaz através do uso de fitoterápicos, bem como trabalhos de extensão que visem informar os agricultores a respeito da utilização segura e eficaz das plantas medicinais. 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Proposta de Política Nacional de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos. Brasília, DF, 2001. 38 p. CALIXTO, J. B. Efficacy, safety, quality control, marketing and regulatory guidelines for herbal medicines (phytotherapeutic agents). 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