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38
REvIsiA DE DIReTO PRIVADO
201 2
RDPniv 52
DIREITOS DA PERSONALIDADE
e a proteção postmortem dos direitos da persona dade: 5.1 A questão da Iegitmidade; 5.2
O caso Estrela Solitário 6. Conclusão 7. Biblografia.
—
—
“Que todo vida individual entre o nascimento e o morte pode
eventuolmente ser contada como uma estória com começo
e fim é o condição pré-político e pré-histórico do história,
o grande está rio sem começo nem fim.”
(Hannah Arendt, A condição humano).
‘1.
NTRODUÇÃO
A publicação de obras de carater biografico sem a autorização da pessoa
retratada, ou de seus herdeiros, tem posto em relevo o conflito entre direitos
fundamentais igualmente assegurados pela Constituição de umlado, essen
cialmente, as liberdades de expressão e criação artistica e o proprio direito a
informação; de outro, o direito a privacidade.
A convivência entre acesso a informação e direito a privacidade parece
revelar-se ainda mais dramática nos dias atuais; isto é, no cotidiano de uma
sociedade que se tem classificado como “da informação’, “do consumo”, “do
espetáculo”. Diz-se, a respeito, que a era da informação tem dado espaço a “ex
plosão de informação onde a voracidade informativa (inclusive, talvez es
pecialmente, o apetite por informações que tocam a sida privada das pssoas)
é elevada à maior potência, a medida tambem que se desenvolvem a tecnologia
e as formas de obtenção e projeção destas informações.
‘,
e
São vários os exeniplos de imbróglios envolvendo biógrafos, editoras, bio
grafados, herdeiros. Entre os mais recentes e emblemáticos
vale no sção
o da biografia do cantor Roberto Carlos, escrita por Paulo Cesar d Araujo,
—,
cuja disputa terminou em acordo entre as partes
e
10
eCrada de c culação
do livro. Pode-se citar ainda, apenas para ilustrar a dime isáo do problema, os
casos envolvendo a minissérie de televisão “Dalva e Hei ivelto ou a (possivcl)
‘,‘
1. Ai DERMAN, Flien; 1<r\NFDS Caroljne. Privae) s. 1 hc Prcss. lhe ight (o ia iio
York. Vintage, 1997. l 151.
.
Nos a
2. Os herdeiros de Mnucl Nuno Cnrpinteiro, ultO3o mai ido dc Dalsa, ajuizara o açao
indenizatoria alegando uso nio autorizado e pe)oiatiso da ii lagel ele seu pai na
minisserie “Dalva e Ilerivclto Os herdeiios, que buscivans tamhcin impedir a co
mercialização da obra alegavam que o relacionamento do pai con a cantola nao
teria sido retrai ado dc
ma fiel cleixaiido dc abordar certos aspectos ensolvcndo o
acidente com a cantoci O TjRj entcndeu que nao hasia qualqmr dano, eis IUC a mi‘.
foi
3 Guimarães Rosa,
publicação de obras de carater biográfico sobre Lampião,
4
Manuel Bandeira.
nisserie evitou apresentar semelhanças entre a personagem e a pessoa real, apresen
tando, por exemplo, profissao e nacionalidade distintas, “de tal sorte que seu nome
e sua identidade restaram preservados diante da antinornia entre o tipo externo do
que se tem por real e a ficção naquela minisserie. Dai porque, o publico e os veiculos
de comunicação não reconhecetm na figura do personagem o genitor dos autores”
(TJRJ, AC 0118642-75.2010.8.19.0001, 6. Cãm. Civ., j. 07.03.2012, mv., rel. Des.
Pedro Freire Raguenet).
3. Expedita Ferreira Nunes, filha unica de Virgulino Ferreira, o Lampião, e Maria Bo
nita, obteve na justiça sergipana a interdiçao do livro “Lampião O Mata Sete”. A
obra tornou-se motivo de polémica ao retratar Lampião como homossexual, apon
tando uru triangulo amoroso entre o popular cangaceiro, Maria Bonita e o tambem
cangaceiro Luiz Pedro. Ao que se le da decisao que concedeu a medida liminar em
novembro de 2011 (mantida abril de 2012), o livro parecia dedicar especial atenção
aos aspectos sexuais da vida de Lampião. O julgador, baseando-se no que chamou de
conhecida virilidade de Lampião, considerou esse aspecto de tal maneira ofensivo a
honra e a intimidade da propria Expedita e Lambem dos falecidos, que proibiu a circu
lação do livro: “Pois bem, entre evitar eventual prejuizo financeiro do requerido, com
a proibição da publicaçao cIo seu livro e evitar ofensa à honra da requerente e de seus
pais, deve o judiciario, por obvio, ficar com a segunda opção e proteger a honra e a
intimidade da requerente e seus genitores. (...) Não e de ninguem novidade, a carac
teristica de virilidade que sempre se tentou passar da historia de sida de Lampião, pai
da requerente, tanto e assim que o mote do livro a ser publicado pelo requerido trata
exclusivamente desta questão relativa a opção sexual do mesmo. (...) Então, percebe-se facilmente que a questão diz respeito exclusivamente a intimidade da requerente
e de seus genitores, pois de forma expressa, segundo se infere do texto da entrevista
concedida pelo requerido ao jornal Cinforni, o mesmo lança dúvidas, inclusive, a
respeito da paternidade da requerente. Ora, uma simples ação de investigacao de pa
ternidade e acobertada pelo manto do segredo da justiça, com muito mais razão deve
ser protegida a intimidade da requerente, diante do conteudo do livro que o reque
rido pretende publicar” (13SF, Processo 201110701579, 7.” Vara Civel de Aracaju,
24.11.2011, juiz Aldo Alhuquerque de Mel lo.
—
4 Confira-se, a respeito, materia publicada na imprensa recentemente: MARTINF7, Lucia
na; VeNTiles, Mauro. Biografias autorizadas. O Globo. Segundo Caderno, 19.02.2011,
p. 1. As dificuldades sao aponiadas tambem na literatura estrangeira: “In practicing
the craft, biographers have faced formal legal restrictions on their activities. Legal
doctrines have placed powerful shields on the forearms of man subjects (and their
farnilies) reluctant to have their lives examined and exposed by biographers. Vladi
ruir Nabokov wrote to his biographer: ‘1 shall not hesitate to sue you for breach of
contract, slander, libel, and deliberate attempts to damage rny personal reputation”
(BILDER, Mary Sarah. The shrinking back: the law of biography. Stanford Law Review,
n. 43, p. 302, jan. 1991).
39
40
REvIsTA DE DIREITO PRIVADO
2012
41
DIREITOS DA PERSONALIDADE
RDPRIv52
A lista poderia ainda seguir adiante. E faz-se referência, aqui, apenas a casos
5
que, mesmo não levados às vias forenses, de alguma forma vieram a público.
Pode-se supor, contudo, a existência de ainda outros tantos, que se encerram
em acordos privados e confidenciais. E outros que nem mesmo chegam a ga
nhar corpo, por conta do recuo prévio de editoras, produtoras, autores, diante
do receio de custosas e demoradas disputas judiciais cujo desfecho, no atual
6
cenário, é de todo imprevisível.
—
que demandam do biógrafo pesquisas e análises mais minudenciadas, sobre
tudo com o recurso a arquivos e registros históricos, a entrevistas quando
possível etc. Esses elementos, é verdade, também se situam no âmbito da
atividade jornalística tradicional, mas assumem, na confecção de uma obra
biografica, proporções mais acentuadas. Sob esse aspecto, pode-se vislumbrar,
nas biografias, um conteúdo e um papel historico de certa forma característico,
que normalmente estimula, aliás, o interesse do autor na realização e na pu
8 ou, mais amplamente, o interesse do público de acesso a
blicação da obra
informações sobre aquela persona’em.
Seguindo-se essa ordem de ideias, o presente estudo faz referência à bio
grafia, por assim dizer, mais tradicional. É dizer, à narrativa histórica, normal
mente de feições literárias, da vida privada normalmente veiculada em livros,
mas também em outros meios. Lembre-se que a vida privada, numa vida de
relações, forçosamente toca também a trajetória de outras pessoas, com maior
ou menor intensidade. Por isso, o ângulo de mirada adotado neste estudo,
bem como os casos selecionados do repertorio jurisprudencial brasileiro, diz
respeito, sobretudo, a biografias como produtos editoriais bem-acabados os
quais não deixam, afinal, de enquadrarem-se de fato num “gênero literário”.
—
—
—
—
Antes, contudo, de avançar sobre o tema, busca-se delimitar o que se de
signa, no presente estudo, como “biografia”. A preocupação não é meramente
etimológica. Mais que mero gênero literario, as biografias constituem “gênero
jornalístico reportagem vital, humana”.
7 Não devem, contudo, ser enfendidas
como sinônimo de “notícia”, ou de “fato noticioso”, como aqueles diuturna
mente publicados pela imprensa, e que, devido mesmo ao formato e ao maior
dinamismo que envolve a atuação jornalística tradicional, em geral sujeitam-se
a controles, por parte da imprensa, menos rigorosos.
—
Em síntese, biografia é a história de uma vida. Mas trata-se, aqui, de obras
biográficas sejam elas veiculadas em livros, em filmes ou em outros formatos
—
5. Ja se tem mesmo noticia de uma insólita categoria de obras biograficas: “A autobiografia
não autorizada”. Trata-se de ,Julian Assange: the unauthorised autobiography, obra bio
grafica sobre julian Assange, fundador do polémico site Wikileaks. Ele havia celebrado
contrato com editora inglesa para escrever um livro de memórias. No entanto, depois
de horas de entrevista ao jornalista responsavel por minutar o livro, Assange recuou e
desistiu do projeto. A editora, que, segundo noticiado, ja lhe havia adiantado vultosa
soma, publicou então o livro (LEIGH, David. Julian Assange: The unauthorised auto
biography Review. Guardian. Londres. 26.09.2011. Disponivel em: Iwwwguardian.
co .uk/books/20 1 1/sep/26/j uhan-assange-unauthorised-autobiography-review 1).
—
6. E interessante considerar também que o conflito pode se verificar não apenas no caso
das obras desautorizadas. Por vezes, mesmo as ditas biografias autorizadas podem
revelar-se, no caso concreto, ofensivas a direitos da personalidade por vezes do pró
prio biografado, que, a despeito da autorizaçao, pode ver-se ofendido, por exemplo,
em sua honra.
—
7. A definição e de lberto Dines, nome de destaque do jornalismo brasileiro. E o autor
emenda: “Biografias podem ser publicadas em ]ivro, jornal, revista e mostradas em
radio, cinema, televisão. l’azem parte do obituario mas nada tem a ver com elogios fu
nebres. Não precism ser portadoras de tristezas, podem ser mensageiras de grandes
proezas. De qualquer forma, em qualquer tamanho ou formato, a biografia não pode es
capar da sua obrigação liminar: mostrar uma pessoa atraves dosfeitos e defeitos” (DINizs,
A]berto. Leonel Brizola (1922-2004): o combate que valeu a pena. Observatorio da
Imprensa. 29,06.2004. Disponivel em: [www.observatoriodairnprensa.com.br/artigos.
asp?cod=283MLM00 1], grifou-se).
—
—
Advirta-se também, desde já, que o objeto delimitado de estudo deixa de
abarcar outras questões que o tema eventualmente suscita. É o caso dos debates
envolvendo direitos de autor sobretudo quando entra em cena a utilização, em
9
obras biográficas, de escritos originais, cartas-missivas, diários, fotografias etc.
—
8. A esse respeito, veja-se: “As a prisrn of history, biography attracts and holds the readefs
interest in the larger subject. People are interested in other people, in the fortunes of an
individual” (TUcHM XN, Barbara. Biography as a prisrn of histoiy apud Ksi MA’s, haura. The
power ofbiography. Law & Social lnquíry. v. 23, n. 2, p. 481, Spring 1998).
9. Veja-se, por exemplo, o caso envolvendo a publicação de livro contendo cartas-mis
sivas do pintor Di Cavaicanti para uma de suas amantes, alem da reprodução de foto
grafias de alguns de seus quadros e mesmo o esboço de um perfil biografico do artista.
O Tribunal, concentrando-se sobre a questão da utilização das cartas, inicialmente
encarou a disputa sob o vies do direito autoral, entendendo ter havido contrafação
com a publicacão da obra sem a autorização da cessionaria dos direitos patrimoniais
de autor, outorgados pelo pintor. Depois, em embargos de declaração, a Corte retifi
cou o entendimento, sem justificativas muito claras, afirmando não se estar diante de
obra protegida pela propriedade intelectual, o que não descaracterizaria, contudo, a
violação e a condenação que havia sido imposta desta vez, no entanto, a condenação
se justificaria por conta da ofensa à privacidade do pintor. A destinatária das cartas,
que as vendeu, e o socio da editora, que as comprou e promoveu a publicação, foram
condenados solidariamente ao pagamento de indenização (TJRJ, AC 1996.001.05756,
7. Câm. Civ., j. 08.04.1997, mv., rei. Des. Aurea Pimentel Pereira, RTJERJ 34/218).
—
42
REvaTA DE DiREITo PRiVADO
201 2
RDPêiv 52
DIREITos DA PERsoNALiDADE
A analise de tais questões não menos importantes demandaria, no entanto,
c
1
estudo dc maior fôlego.
Também se passa, aqui, ao largo de situações conflituosas mais evidentes,
que envolvem condutas tipificadas como crime (em smtese, os cimes contra a
honra calúnia, difamação, injúria) e que já deixam claro que direito merecerá
ser tutelado no caso concreto.” Concentra-se a atenção, mais propriamente,
sobre os casos em que os contornos dos interesses em jogo são menos defini
dos e por isso mesmo mais delicado o tratamento a ser dado ao problema.
—
—
—
—
Com efeito, e não é demais lembrar, a ordem constitucional brasileira, ao
tutelar, entre outros direitos, a liberdade de expressão e a privacidade, acena
com a preocupação de assentar sobre bases sólidas um verdadeiro Estado De
mocrático de Direito, que tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa
humana. Voltando-se o olhar para trás. a experiência brasileira antidemocrá
tica de outrora ainda não esta distante; ao contrário, ainda parecem existir fe
ridas históricas por cicatrizar. Isso talvez ajude a explicar a reação, comum na
opinião pública, dc prontamente classificar como “censura” qualquer restrição
á liberdade de expressão.
10. Outro tema palpitante, mas que tambem não é contemplado de forma especifica nesse
estudo, pelas mesmas razões apontadas acima, diz respeito ao conflito entre priva
cidade e liberdade de criacão artística na utilizacão de vidas reais na ficção. Embora
o assunto escape aos 1imite definidos para este trabalho, faz-se referência, aqui, a
dois casos interessantes. O primeiro deles, apreciado pelo Judiciario brasileiro, refere-se ao filme Cidade de Deus, cujo personagem Sandro Cenoura seria, em realidade.
retrato de Adilson Batata, autor de um livro com histórias na comunidade carioca.
O TJRJ, contudo, entendeu que eventuais coincidências não comprovavam se tratar
da mesma pessoa (TJRJ, AC 2009.001.50660, 18:’ Cãm. Civ,j. 06.10.2009, v.u., rei.
Des.Jorge Luiz Habib). O outro caso, que chegou ao Tribunal Constitucional alemão,
e o do livro Esmo (BVerfG, 1 BvR 1783/05, j. 13.6.2007), que acabou sendo banido.
A ex-namorada e a ex-sogra do autor reconheceram-se em duas personagens cio li
vro, que contava detalhes relacionados a intimidade e mesmo a vida sexual das duas
mulheres. A Corte alemã, em votação apertada (5 votos a 31, embora reconhecendo
a importância da liberdade de expressão, e chegando mesmo a debater sobre o que
seria arte, entendu que o livro violava a prim acidade e a intimidade das duas. A Corte
asseverou ainda que a medida adequada seria a proibição total do lim ro. pois não seria
atribuição dos magistrados edita-lo (confira-se, a proposito. CL.’.mcLK, Birgit. Freedom
of art v personahtrights: ban upheld on the real life novel Esra. Jommnmal oJ 1,mtcllectuai Propertv Lan & Pi actice, ‘e 3, n. 4, p. 223).
11. Para além dos exemplos mais evidentes e extremados dc crimes contra a honra. ‘e
preciso proteger a intimidade e o direito à informação na vida cotidiana, ainda quan
do não se configure a hipotese dc crime’ (Trrrnso, Gustavo. Informação e privacida
de. Ternas dc Direito Civil. 3. cd. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. vol. 1, p. 535).
43
No entanto, o problema demanda análise mais sutil e reações menos ener
gicas. As situações de conflito entre direitos fundamentais devem ser encaradas
e solucionadas, essencialmente, por meio da apreciação das situações concre
tamente consideradas, cru todas as suas nuances. tendo-se sempre em mente a
centralidade da dignidade humana no ordenamento brasileiro.
Nessa atividade interpretativa, mostra-se essencial o recurso ao método da
pondera ção, que pode, no caso concreto, conduzir à tutela preferencial tanto
da liberdade de expressão/informação quanto do direito à privacidade sem
com isso implicar um “retorno à cnsura”, de um lado, ou o fim da privacidade
em nome de um pretenso interesse público. de outro. A ponderação, contudo,
deve nortear-se por parâmetros seguros. que guiem a atuação não apenas do
magistrado. mas do próprio “corpo jurídico das editoras e dos advogados de
biografados. prevenindo-se futuros conflitos”.
Como se vê, o cenário é de indefinições e incertezas, as quais, na prática,
acabam por produzir um “efeito paralisante” ‘ Nesse ambiente em suspensão,
muitas vezes opta-se, na prática, por não publicar nada, para não suportar os
provaveis percalços econômicos e mesmo de tempo que um litígio normal
mente traz consigo. Ou, em atitude ainda menos encorajadora, os autores se
guem adiante na tarefa de produzir biografias, mas ao gosto do biografado (ou
de seus herdeiros), ou explorando apenas o lado mais incisivamentejá exposto
4 Privam-se, assim, de um viés mais crítico como forma
da vida do biografado.’
de evitar problemas, mas fazendo da biografia um panegirico.
O que se propõe, nesta curta jornada, é trazer alguma contribuição para
o debate, buscando pôr em evidência os problemas que o tema suscita’
e enumerar parâmetros de ponderação. Talvez, assim, se possam divisar
eventuais caminhos que permitam movimentar-se nesse ambiente ainda
desorientado.
—
—
.
—
—
Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2011. p. 145.
13. LEwmcKI, Bruno. Realidade refletida: privacidade e imagem na sociedade vigiada. In:
TEPEDI\o, Gustavo; Fc rms, Luiz Edson (coords.). O direito co tempo: cmnbatesjurmdicos
e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar. 2008. p. 109.
12.
ScHRFIBEIm,
14. Nesse sentido: ‘To avoid potential litigation. the biographer vili explore only a sub
jcct’s traditional public life the comnmonly accepted arca of accessibiliqe \enturmg
into aspects sshich the law assumes are private’ sill be too clifficult” (BmLDER, Marv
Sarah. Op. cit.. p. 358).
15. A proposito. conforme a perspicaz licão dc Perlingieri. é preciso ‘raciocinar por pro
blemas e não por conceitos” (PERLINCIERr Pietro. O dirniw civil na legalidade constitu
—
cional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 371).
44
REVISTA DE DIREITO PRIVADO
2.
2012 • RDPoiv52
LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIREITO À INFORMAÇÃO, PRIVACIDADE: O CASO
DAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS
Como se apontou inicialmente, a publicação de biografias não autoriza
das normalmente põe direitos fundamentais em rota de colisão em suma,
liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito a informação (art. 5.°,
1V IX e XlV da CF/1988), de um lado, e direito à privacidade (art. 5.°, X, da
6 de outro.
CF/1988),’
A questão não é simples. Com efeito, o exercício da liberdade de expressão
e o aceso a informação constituem direitos essenciais à saude de um regime de
mocrático. Isso não implica, contudo, uma prevalência abstrata sobre o direito
à privacidade igualmente essencial.
A arena democrática não implica o abandono de opacidades.’ que não ape
nas preservam, mas promovem o pleno desenvolvimento e expressão da per
sonalidade. Corno acertadamente lembra Tepedino, “o direito à privacidade
consiste em tutela indispensável ao exercício da cidadania” 18 Deve-se, portan
to, evitar conferir a priori urna densidade maior à liberdade de expressão e de
9
informação em relação ao direito à privacidade.’
Ao propósito, o direito à privacidade passou por profundas modificações ao
° desde a tradicional e limitada visão do “direito de estar só”,
2
longo do tempo,
’ até uma dimensão mais ampla e positiva;
2
preconizada por Warren e Brandeis,
—
—
ló. “1V—e livre a manifestacão do pensamento, sendo vedado o anonimato: (...) IX
—
como registra Rodotà, a privacidade passa a ser compreendida no sentido de
controle sobre a circulação das informações sobre a própria vida. Por outras
palavras trata-se da autoconstrução da vida privada e proteção contra julga
22 Como se vê, não é o mesmo que afirmar um
mentos descontextualizados.
23
direito absoluto à “história sobre a própria vida”.
2. 1 A criticada disciplina do Código Civil
A celeuma em torno das biorafias não autorizadas, longe de parecer se
aproximar de uma solução, parece acentuar-se com a aplicação do art. 20 do
24 que reforça embora em texto criticável (e de fato criticado) a
CC/2002.
tutela do direito à imagem da pessoa. Não e pacifica. contudo, a leitura que vem
sido dada ao artigo.
Segundo o texto legal, a utilização de imagem alheia, em princípio, depende
da autorização do seu titular. Lida em sua literalidade, a norma confere ao titu
lar do direito de imagem a possibilidade de proibir sua publicação, exposição
ou utilização com fins comerciais, ou que lhe atinjam a honra abrindo-se
exceção apenas quando o uso é necessário à administração da Justiça ou por
exigência de ordem pública. É normalmente a este dispositivo que biografados
ou herdeiros apegam-se para buscar, entre outras medidas, a proibição da cir
culação de biografias não autorizadas. Não à toa, ele tem sido foco de atenção
e de debates. inclusive no âmbito legislativo.
—
é livre
O inovador conceito é-nos apresentado por Rodotà. Conforme se lê, tambem, na lição
dc Maria Celina Bodin de Moraes, o direito a privacidade e expressão do “direito de
determinar as modalidades de construção da própria esfera privada, bem como ao
direito de manter o controle sobre as proprias informações. O direito a privacidade,
visto assim, configura-se como um instrumento fundamental contra a discrimina
ção e a favor da igualdade e da liberdade” (M0RAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit.,
p. 141-142). A perspectiva também encontra eco em autores norte-americanos: “It
protects self-determination, rather than simply offering a ‘mere right to be alone’.
Envisioning privacy this way suggests that a right to privacy requires not isolation,
but rcspect for personhood” (BILDER, Mary Sarah. Op. cit., p. 359).
—
17. Para recorrer a expressão de Rodota (A vida na sociedade da vigilância: a privacidade
hoje. Rio de janeiro: Renovar, 2008).
18. TermiNo, Gustao. Op. cit., p. 535.
19. Embora o texto nstitucional não utilize o vocabulo “privacidade”, referindo-se, no
art. 5°, X, a “intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. empregam-se esses conceitos, aqui (por questões tambem de praticidade). situando-os no cam
po mais amplo do direito à privacidade.
20. Nesse sentido: “De todos os aspectos da personalidade, a privacidade é certamente
Maria Celina Bodin de. Am
o que sofreu as transformações mais radicais” (Moe
pliando os direitos da personalidade. Na medida dci pessoa humana: cswclos de direito
ciiI-constiuicional. Rio de janeiro: Renovar, 2011. p. 140).
WARREN,
Samuel D.;
BRSNDFIS, Louis.
The right to privacy Han’ard Law Review,
v Pv n.
5.
—
—
a expressão da atividade intelectual. artistica. científica e de comunicação, independen
temente de censura ou licença: X são inviolaveis a intimidade, a vida privada, a honra
e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
xiv — é assegurado a todos o acesso à informação e
decorrente de sua violação;
resguardado o sigilo da fonte, quando necessario ao exercicio profissional.”
21.
45
DIREITOS DA PERSONALIDADE
AM0RIM, Jose Roberto Neves, Direito sobre a historia da própria s’ida. RT 749/133.
24. Eis a diccão legal: “Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se neccssarias à administração
da justiça ou à manutenção da ordem publica, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber.
se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins
comerciais. Paragrafo unico. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legi
timas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”.
23,
46
REVISTA DE DIREITO PRIVADO
2012
• RDPaiv
DIREITOS DA PERSONALIDADE
52
25 já se notam iniciativas concretas para re
Afora a crítica de alguns autores,
há pelo menos dois projetos de lei rele
legislativa,
esfera
ver o dispositivo. Na
s’antes, e muito semelhantes. Trata-se do PLC 393/2011, do Deputado Newton
Lima, e do PLC 395/2011, apresentado pela Deputada Manuela D’Ávila. Muito
semelhantes, as proposições pretendem emendar o referido art. 20, para deixar
claro que a mera ausência de autorização não impede a “divulgação de ima
gens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória
pessoal, artística ou profissional tenha dimensão publica ou esteja inserida em
acontecimentos de interesse da coletividade”.
Outra frente de atuação atualmente em destaque é a judicial. por meio do
controle abstrato de constitucionalidade. Em julho de 2012, a Associação Na
cional dos Editores de Livros Anel ajuizou ação direta de inconstitucionali
dade (ADIn 4.815), questionando no STF a constitucionalidade dos aris. 20 e
21 do CC/2002.
A Anel pleiteia que se dê interpretação conforme a Constituição aos referi
dos dispositivos, tornando dispensável a autorização do biografado ou demais
retratados para a publicação de obras de caráter biográfico senão das obras
em geral, ao menos daquelas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em
acontecimentos de interesse coletivo. Segundo se lê da inicial, “os dispositivos
legais em questão, em sua amplitude semântica, não se coadunam com a sis
temática constitucional da liberdade de expressão e do direito à informação.
Com efeito, a dicção que lhes foi conferida acaba dando ensejo á proliferação
de uma espécie de censura privada que e a proibição, por via judicial, das bio
grafias não autorizadas” ,22
Além disso, considerando-se a literalidade do texto legal, que prevê como
exceções as hipóteses de administração da justiça ou manutenção da ordem
—
—
pública além da hipótese, claro, em que haja autorização da pessoa retratada
os dispositivos questionados, conforme argumenta a
ou de seus herdeiros
Anel, “acabam por violar as liberdades de manifestação do pensamento, da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5°, IV e IX,
28 Dado o
CF), além do direito difuso da cidadania a informação (art. 5°, XIV)”.
há
pronunciamento
do STF sobre
aiiida
não
contudo,
da
ação,
recente
caráter
a relevante questão.
—
—,
A tentativa, hoje em evidênja de alterar o polêmico art. 20 do CC/2002
representa um passo importante. E razoável supor que ela estimula uma cul
tura histórica e tambem criativa, em cujo contexto autores e historiadores não
tenham receio (prévio) de retratar fatos e aspectos de vidas privadas, de narrar
“estórias” que se inserem na história, a grande estória sem começo nem fim
de qu.e falava Hannah Arendt. A medida, contudo, não parece representar so
”
2
lução final para o problema.
—
Independentemente, contudo, do posicionamento que o STF venha a ado
tar no julgamento da ADIn 4.815, ou do resultado das alterações legislativas
propostas, já se pode dizer que a falta de autorização da pessoa retratada ou
de seus herdeiros quanto a obras de caráter biográfico ou histórico como
nas publicações jornalísticas não é, a rigor, impeditivo da publicação da
obra. Conforme o entendimento manifestado pelo juiz que, no primeiro grau
da justiça paulista, apreciou a recente disputa entre o músico João Gilberto
e a Editora Cosac Naif a “biografia é urna obra de informação e, como tal,
devera ser admitida, ainda que sem consentimento do biografado. Somente
sera ilícito o conteúdo e aí, sim, caberá intervenção judicial preventiva (in
°
3
terdital) ou de reparadora”.
—
28. tdem,p.3.
25. Veja-se, por exemplo: “Tendo-se em vista a redação de seu art. 20, o Codigo Civil,
neste ponto, constitui verdadeiro obstáculo a uma tutela da imagem condizente com
29. Nos termos em que formuladas, as referidas proposições legislativas, e mesmo a men
cionada ADIn 4.815, parecem resolver se e que resolvem a questão apenas em
a proteção integral da dignidade da pessoa humana. Com efeito, alem de sugerir, em
parte. Por exemplo, o foco no carater público da pessoa retratada não parece dar
conta dos conflitos suscitados quanto aos personagens coadjus antes, por exemplo,
que fazem parte de qualquer obra biografica e nem sempre se enquadram na assim
chamada categoria de pessoas -publicas”. Tampouco daria conta, ao que parece, dos
casos envols endo obras ele ficcão, que poderiam situar o debate para alem do argtl
mento relativo a importância historica das biografias, do acesso do publico a historia
de seu meio sociaL Alem disso, a própria avaliação do caráter historico da informação
e da pessoa retratada por dar margem a discussão.
30. TJSP Processo 583.00.201 2. 181 186-8, 9.” Vara Civel de São Paulo,j. 20.08.20 12,juiz
Guilherme Stamillo Santarelli Zuliani. O músico ajuizou ação de busca e apreensão,
sua parte final, a são autonomia da proteção à imagem, uma vez que a lesão so se
concretizaria com a concornitante lesão a honra, ou caso se destinasse a fins comer
ciais, pecando assim pelo excesso, o dispositivo peca ajuda por omissão. ao af ii moi que
somente a ‘adnnnistrcão da justiça’ ou a ‘manutencão da ordem publica’ podem justificar
a divulgação não autrizada da imagem, desconsiderando ouuos interesses merecedores
dc tutela e que podem revelar—se, no caso concreto, mais relevantes” (MOR \E, Maria Cc
una Bodin de.
Op. cit., p.
139. grifou-se).
26. O texto aparece em ambas as proposições
—
grifou-se.
27. Petição inicial apresentada na ADIn 4.815/2012, p. 2.
—
—
47
48
REvIsTA DE DIREITO PRIVADO
201 2
•
RDPRIv 52
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Além disso, é preciso lembrar que desde já “o intérprete e o magistrado
têm, nos casos relativos ao uso indevido de imagem, o dever de suprir a
omissão legislativa, verificando se a hipótese diz respeito ao exercício da
’ De todo modo, deve-se reconhecer que autores e
3
liberdade de informação”.
editoras contarão com substratos mais consistentes para sustentar a publica
ção de obras de caráter biográfico sem a autorização do retratado ou de seus
herdeiros, o que, por si só, representa um avanço para a cultura e o acesso
à informação. Nesse sentido, no atual ambiente paralisado parece positiva a
proposta de alteração legislativa, como a proposta de interpretação conforme
a Constituição.
2.2 Narrativa e vida relaciona!
se pode perder de vista ainda o carater relacional da vida privada. A
vida em sociedade implica uma vida de relações, naturalmente complexa. Esse
viés de relacionalidade constitui fundamento do próprio sistema jurídico, ex
pressando uma posição alinhada não apenas à ideia de vida em sociedade, mas
32
ao princípio da solidariedade.
Não raro, os conflitos envolvendo biografias surgem justamente da referên
cia a personagens coadjuvantes da trajetória do biografado mas não menos
importantes para a obra. Com efeito, muitas vezes são as figuras chamadas
secundárias que obstaculizam a edição de uma biografia. Mas, afinal, como
narrar a “história da vida privada” sem tocar outras? Como indica a célebre
frase de John Donne, “nenhum homem é uma ilha”. Mesmo uma biografia de
Crusoé tocaria a trajetória de outras pessoas ainda que fosse, por exemplo, a
de sua família ou a daqueles com quem o náufrago tenha encontrado durante
o período de isolamento insular.
Não
—
—
pleiteando a apreensão de exemplares do livro “João Gilberto”, organizado por Walter
Garcia e editado por Cosac Naify, ao argumento de que não autorizara a utilização de
sua imagem, e de que a obra ostentava conteúdo ofensivo a sua imagem e intimidade.
O caso e recente e ainda não chegou a um desfecho final. Mas o despacho proferido
pelo juiz, que se deteve sobre as caracteristicas e finalidades da obra concretamente
considerada, parece animador.
31. ScHREIBER, AndersonOp. cit., p. 105.
32.
Pietro. Relações juridicas e suas vicissitudes. O direito civil na legalidade
constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 728-729. O direito, como ciência so
cial, como expressão das relações sociais (cujos fatos não encontram diferença onto
logica em relação aos chamados fatos jurídicos), é, mais que um direito do individuo,
um direito das relações.
PFRIINGJFRI,
A este respeito, merece menção o caso, apreciado pelo TJRJ, relativo ao ex-Embaixador José Jobim e a autobiografia de Evandro Lins e Silva.
33 Na obra
em questão, assim como em depoimento dado para os arquivos do Centro de
Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), o advoga
do carioca, que narrava sua trajetória (o que não significa que falasse apenas
de si), mencionou o suicídio de seu amigo diplomata. As herdeiras dejobim,
inconformadas com a referência, ajuizaram ação pleiteando a supressão do
trecho, considerado ofensivo à memória do falecido.
O tribunal carioca, entretanto considerou que a menção ao episódio era
“de pouca significação, sem cunho injurioso ou sensasionalístico”, e que a
referência havia sido feita em caráter apenas incidental. Os magistrados debru
çaram-se sobre o caso com atenção, ponderando ainda que as circunstâncias da
morte do diplomata haviam sido amplamente divulgadas, à época, nos princi
pais jornais do país, e mesmo na televisão. Não vislumbraram, por fim, ofensa
à honra ou à memória do ex-embaixador.
2.3 Ocaso Roberto Carlos em detalhes (ou antes: O Rei e eu)
tema ora em estudo costuma remeter ao rumoroso caso, citado acima,
envolvendo a biografia não autorizada de Roberto Carlos. O projeto editorial
acabou cancelado pouco depois de sua gênese, diante da reação do artista. Ro
berto obteve medida liminar de apreensão dos exemplares, levando a Editora
a alinhavar um acordo, homologado pelo TJRJ,
34 e cujos termos específicos
permanecem confidenciais.
O cantor havia, além disso, apresentado ação penal no Juizado Especial
Criminal de São Paulo contra Paulo Cesar de Araújo, mas o processo terminou
O
33. TJRJ, AC 2000.001.02459, 17.” Câm. Civ.,j. 05.04.2000, v.u., rei. Des. Maria Inês Gas
par, RTJERJ 46/287. A respeito dos conflitos envolvendo terceiros mencionados em bio
grafias, ha decisão, cuja ementa vaie a transcrição: “Tratando-se de obra hteraria biográ
fica de artista com quem a autora assumidamente tinha relacionamento muito próximo
e constante, somado à questão de ambas serem figuras públicas e de grande fama, e
natural que a apelante seja mencionada nos escritos sobre a cantora, justamente por ter
feito parte de importantes episodios de sua vida. Não se vislumbra nos trechos destacados
conteúdo que tenha capacidade ofensiva aos direitos da personalidade da autora, tanto
em sua honra subjetiva quanto objetiva” (TJRJ, AC 0076030-64.2006.8.19.0001, 1.”
Câm. Civ., j. 23.11.2010, rei. Des. Maria Augusta Vaz, grifou-se). O processo, contudo,
tramita em segredo de justiça, não sendo possível conhecer o inteiro teor da decisão.
34. TJRJ, AgIn 2007.002.06253, 18.” Câm. Civ.,j. 03.05.2007, v.u., rei. Des. Pedro Freire
Raguenet.
49
50
REvIsTA DE DIREITO PRIvADo
2012
e
RDPRIv 52
51
DIREITos DA PER50NADDADE
em transação penal. O biógrafo ainda ajuizou, posteriormente, ação em que
pleiteava indenização e autorização para a publicação e a comercialização da
obra, mas o caso, julgado em 2009, encerrou-se com decisão favoável a Rober
to Carlos e a manutenção do acordo celebrado.
A controversia envolvendo Roberto e biografias não autorizadas, contudo,
não é inédita. Em 1979, ainda sob a égide da Constituição de um regime dita
torial, os exemplares de O Rei e eu, livro de memorias escrito pelo “amigo ínti
mo, secretário e mordomo”,
> Nichollas Mariano, foram apreendidos e incine
3
rados por determinação judicial. O livro narrava supostos detalhes da vida do
cantor, contendo, ao que parece, informações muito íntimas, inclusive sobre o
acidente de trem na Cachoeiro de ltapemirim de Roberto Carlos fato então
desconhecido do público e dos fãs do artista.
—
Embora não se tenha acesso ao conteudo dos dois processos, parece ra
zoavel supor que a biografia mais recente constitui um trabalho revestido de
maior seriedade por parte do biografo, que realizou grande esforço de pesquisa
e investigação diferentemente do livro de autoria do mordomo.
36 Além dis
so, muitos dos fatos que antes repousavam na esfera mais íntima da vida do
cantor hoje são de conhecimento público como as manias do Rei. l de se
questionar, portanto, se a obra Roberto Carlos em detalhes violava, de fato, di
reitos de personalidade do artista, e se a medida de proibição da circulação do
livro resistiria a uma ponderação minudenciada. A questão, porém, resolveu-se
prematuramente e em termos confidenciais, de maneira que não se pode sair,
aqui, do terreno da mera especulação.
—
2.4 A ‘u/tura da autoriza ção”e o “efeito paralisante”
Pode-se dizer que ainda predomina, no cenário atual, o que se identificou
37 na falta desta, prefere-se não arriscar a pu
como “cultura da autorização”;
blicar qualquer coisa. Não raro, contudo, a negativa é exercida sem qualquer
justificativa razoável por vezes, pode-se dizer, mesmo de forma abusiva
sobretudo por parte dos herdeiros, quando se trata da biografia de pessoa já fa
38 A postura acaba desencorajando a pesquisa e a divulgação
lecida ou ausente.
de obras biográficas, sedimentando o referido “efeito paralisante”.
—
—,
Parece mais do que razoavel sustentar que a mera ausência de autorização,
em regra, não caracterizaria, por si, ofensa aos direitos de personalidade do
39 Ao propósito, “basta interpretar o art. 20 a luz da Constituição
biografado.
para perceber que a ausência de autorização não impede juridicamente a edi
40
ção de biografias, do mesmo modo que não impede a circulação de jornais”.
condição
representaria
não
um
obstáculo
ou
autorização
Sob esse prisma, a
prévia essencial (hoje, por vezes intransponível), mas, mais propriamente, si
nal de colaboração e mesmo um maior compromisso, por parte da pessoa
—
—
35.
Nichoilas. O Rei e eu: minha vida com Roberto Carlos. Rio de janeiro: Roberto
Goldkorn, 1979.
Mkmo,
36. Em razão da epoca, e do segredo de justiça que possivelmente cercava o processo,
não se teve acesso aos autos ou a referencias mais precisas sobre o caso. Mas,
em entrevista a Revista Veja, Saulo Ramos, advogado de Roberto Carlos a epoca,
pontua que os casos situam-se em patamares distintos:
livro do mordomo não
tem um caso qu seja verdade. Era tudo mentira. Foi uma briga judicial grande
para apreender e queimar o livro antes de ele sair. ja o livro mais recente e uma
biografia perfeita. Não tem um ataque moral contra o Roberto. O Roberto me
consultou e eu o aonselhei a não tomar nenhuma providência. Eu recusei a cau
sa, e ele procurou utros advogados. Agora, não houve, nesse caso, condenação,
mas um acordo. A Planeta, que e a minha editora, capitulou diante do desejo do
Roberto” (TrIxEmA, Jerônimo. Entrevista: Saulo Ramos Jabuticabas juridicas.
Veja. n. 3.026. São Paulo. Abril, 28.11.2007. Disponivel em: [http://veja.abril.
com .br/28 1 107/entrevista.shtmlj).
—
37.
Lwicio,
Bruno. Insegurança na cultura. O Globo, Cad. O Pais, 11.04.2010.
38. Atitudes, por exemplo, como a das herdeiras do festejado escritor Guimarães Rosa:
“Para publicar algo de papai, é preciso pedir autorização a minha irmã e a mim. (...)
Não existem biografias dele e não damos licença para ninguem” (MAchADo, Cassiano
Elek. Diario arquivado. Revista Piaui, n. 3, p. 49). Ou ainda: “E tanta confusão para
conseguir autorizações que as pessoas acabam mudando de ideia’. Vilma Guimarães
Rosa reconhece que a ideia e exatamente esta: dificultar a vida dos pesquisadores”
(idem, p. 50).
39. Embora se tenha afastado, na delimitação do objeto de estudo, a análise de questões
envolvendo esse topico, revela-se util, aqui, traçar-se um paralelo com as discussões
que cercam a reforma da Lei de Direito Autoral — ambiente onde a “cultura da auto
rização” parece notadamente acentuada. Nesse sentido, vale menção a proposta de
redação do art. 52-B do projeto dc atualização do referido diploma (PL 3.133/2012,
em seu texto apresentado como Anteprojeto de Lei): “Art. 52-B. O Poder judiciário
poderá autorizar o uso de obras literarias ou de artes visuais sempre que, ao exercer
seus direitos patrimoniais, o herdeiro ou sucessor do autor da obra exceda inanifestainente
os limites impostos pelo seu fim economico ou social, pela boa-fe ou pelos bons costumes,
prejudicando o seu acesso ou fruição pela sociedade” (grifou-se).
40.
Op. cit., p. 143. Rejeita-se, portanto, a noção de que “não
ha biografia não autorizada, nos termos da norma constitucional” (TjRj, AC
2001.001.02270, 2. Câm. Civ., j. 17.07.2001, mv., rei. Des. Gustavo Kuhi Leite,
Ementario 06.2002 n. 19 14.03.2002, RTJERJ 53/220).
ScoREIBEIh, Anderson.
52
REvISTA DE DIREITO PRIVADO
2012
•
RDPoiv52
DIREITOS DA PERSONALIDADE
autorizada. Por outro lado, deve-se lembrar que mesmo a concessão de autori
41
zação não exime o autor da biografia do dever de responsabilidade.
A jurisprudência, nos casos que passaram por seu crivo, mostra-se vaci
lante, inclinando-se por vezes num sentido, por vezes noutro. O problema,
contudo, não reside na diversidade de posicionamentos que, a rigor, se re
puta até saudável. Como se disse, a ponderação entre os interesses em confli
to, sem que se atribua, à partida, proeminência a um ou outro, pode conduzir
a resultados distintos.
Por vezes pode revelar-se mais importante a proteção à privacidade da pes
soa (mesmo que isso implique, por exemplo, a proibição da publicação de uma
obra); por outros, pode-se apresentar, no caso concreto, solução mais corre
ta a que privilegia a liberdade de expressão e informação, embora afetando a
privacidade do biografado. Problemático, contudo, é verificar o laconismo de
muitos julgados, nos quais não fica claro o iter percorrido pelo magistrado para
chegar a uma ou outra conclusão. Revela-se, portanto, fundamental encontrar
diretrizes que orientem a ponderação.
—
3.
CRITÉRIOS DE PONDERAÇÃO
À luz do panorama desenhado nas linhas anteriores, mostra-se fundamen
tal, para enfrentar o conflito entre direitos fundamentais, indicar parâmetros
que sirvam de norte à difícil tarefa de ponderação entre os diversos interes
42 Busca-se, assim, estimular “a coerência jurisprudencial, mas
ses em causa.
sem que se perca de vista a flexibilidade necessária para não aprisionar em
fórmulas conceitos tão cheios de sutilezas como o interesse público e a per
sonalidade humana” .
Como se viu, a jurisprudência mostra-se por vezes reticente quanto aos
critérios considerados na apreciação dos litígios que lhe são submetidos. Nou
41. A liberdade de expressão, como qualquer liberdade, aliás, deve ser exercida com res
ponsabilidade (I\oRAEs, Maria Celina Bodin de. Op. cit., p. 140). Não parece defen
sável, assim, a ideia de que, por si só, o “consentimento retira a ilegalidade do ato”
(AM0RIM, José Roberto Neves. Op. cit., p. 129).
42. A tarefa não é fáciI”e seu resultado varia conforme as circunstâncias do caso con
creto, o que desperta quase sempre temores de insegurança ou tratamento desigual.
Daí a necessidade sempre sentida de se enumerarem parâmetros que possam servir
de guia ao magistrado na dificil tarefa de ponderar” (ScHRFIBER, Anderson. Op. cit.,
p. 105).
43.
Lewici<i, Bruno.
Realidade refletida... cit., p. 110.
tras ocasiões, mostra-se “monotemática”, apegando-se a apenas um parâmetro,
sem considerar outros elementos e nuances relacionados ao suporte fático em
questão. Contudo, a despeito das eventuais (e mesmo prováveis) dificuldades,
não se pode fugir ao dever de ponderação, essencial nas situações de colisáo
entre direitos fundamentais.
A análise do repertório jurisprudencial brasileiro e das contribuições da
doutrina auxilia na identificação e sistematização de diretrizes interpretativas.
Vale recorrer aqui, ainda, à contribuição do Enunciado 279, da IV Jornada de
Direito Civil do CJ que buscadequar a interpretação do art. 20 do CC/2002
44 Também é interessante avaliar, sem perder de vista a necessi
à Constituição.
dade de servir-se do direito comparado de forma crítica, o exemplo do art. 79.°
45 e mesmo do Projeto de Código Civil argentino,
do Código Civil português,
atualmente sob a apreciação do Senado.
A proposta de texto legal argentino, aliás, parece apresentar uma disciplina
mais completa e consentânea à realidade, prevendo como exceções não apenas
as hipóteses em que haja um interesse científico, cultural ou educacional prio
ritário, mas também aquelas em “que se trate do exercício regular do direito
de informar sobre acontecimentos de interesse geral”. Outro ponto muito in
teressante e coerente com a preocupação histórica que normalmente cerca as
obras de caráter biográfico (e informativo em geral), é a de que, decorridos 20
46
anos da morte da pessoa retratada, a reprodução não ofensiva passa a ser livre.
44. O enunciado prescreve o seguinte texto: “A proteção à imagem deve ser ponderada
com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do di
reito de amplo acesso a informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão,
levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a
veracidade destes e, ainda, as caracieristicas de sua utilização (comercial, informativa,
biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”
(grifou-se).
45. “Artigo 79.° (Direito a imagem) (...) 2. Não é necessario o consentimento da pes
soa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe,
exigências de policia ou de justica, finalidades cienttflcas, didácticas ou culturais, ou
quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares publicos, ou na de
factos de interesse publico ou que hajam decorrido publicamente” (grifou-se).
46. Confira-se o teor do dispositivo proposto: “Artículo 53.- Derecho a la imagen. Para
captar o reproducir la imagen o la voz de una persona, de cualquier modo que se haga,
es necesario su consentimiento, excepto en los siguientes casos: a) que la persona
participe en actos públicos; b) que exista un interes científico, cultural o educacional
prioritario, y se tomen las precauciones suficientes para evitar un daüo innecesario;
e) que se trate dei ejercicio regular dcl derecho de informar sobre acontecimientos de
interés general. En caso de personas faliecidas, pueden prestar cl consentimiento sus
53
54
Risr DE DREIT0 PRIvADo
2012
RDPov 52
r
DRElios DA PER5OoALIDADE
1
Conjugando-se essas diferentes contribuições, é possível apontar alguns
critérios básicos de ponderação: (a) notoriedade da pessoa e do fato; (b) forma
de obtenção das informações; (e) local do fato; (d) veracidade do fato. Antes
de passar ao breve exame de cada um deles, é preciso sublinhar a importância
não apenas da ponderação em si, mas do recurso a múltiplos critérios, que não
se excluem; antes, complementam-se. Permite-se, assim, apreciar com mais
coerência e realismo as diversas facetas do caso.
3.1 Notoriedade
A notoriedade da pessoa e do fato constitui elemento a que os tribunais
normalmente se atêm nos casos em que se reconhece maior peso à liberdade
de expressão e ao acesso à informação. Mas essas decisões em geral se limitam
a asseverar que o fato, por ser de conhecimento publico, não teria qualquer
conteúdo novo,
47 ou que, por ser notória a pessoa, não haveria problema na
publicação de fatos a ela pertinentes a menos que a obra se revelasse ofensiva
48
a sua honra.
—
herederos o ei designado por ei causante en una disposición de ultima voiuntad. Si
ha) desacuerdo entre herederos de un mismo grado, resuelve ei juez. Pasados veinte
(20) aõos desde ia muerte. la reproducción no ofensiva es libre”.
4/.
lese similar ja foi defendida com exito perante o Tribunal de Justiça paulista. em
ação envolvendo o jogador Ronaldo Fenômeno: ‘Conforme as contrarrazões, a obra
originou-se de informacões colhidas em reportagens e pesquisas efetuadas pelos
escritores, sendo portanto resultado de entrevistas fornecidas pelo próprio atleta.
amigos e familiares, não havendo material nos o que ja não estis esse a circular na
imprensa. Ademais, não foi apontada nenhuma circunstancia falsa no contexto da
obra; os empresarios são parte ilegitima para a causa, estando a postular interesse
alheio em nome proprio; houve autorização do irmão do atleta (cf. f. 39); algumas
informações anotadas pelos agravantes constam de obra prefaciada pelo proprio atle
ta biografado. (...) Não ha sinais suficientes de bom direito e de grave risco para que
se ordene, in lirninc a drastica medida dc busca e apreensão” (TJSE AgTn 004848775.1998.8.26.0000, 4.” Câm. de Direito Privado, j. 18.02.1999, v.u., reI. Des. Jose
Osorio de Azevedo,inior),
48. Vale citar, a respeito da utili:acão de fotografias. caso recente envolx endo os herdeiros
de Manuel Bandeira, que tentaram impedir a publicação de livro de fotojornalista
contendo a reproduç,o de uma fotografia do poeta. O tribunal carioca, no caso, en
tendeu inexistir violacão ao direito dc imagem do poeta. apegando-se, essencialmen
te. no perigoso criterio da “figura publica”, acrescentando, ainda, que a imagem não
expunha o poeta em situacão vexatoria ou ofensiva a sua intimidade, retratando-o
apenas em seu cotidiano (TJRJ, AC 0269599-93.2007,8.19.0001, 6.” Câm. Civ, j.
01.12.2010, vu., rei. Des. Pedro Raguenet).
1
A notoriedade é comurnente traduzida na perigosa — quiçá equivocada — ex
pressão “pessoa publica”, que sugere urna supressão da privacidade da pessoa
famosa, em nome dc um “legitimo interesse da sociedade em conhecer a traje49
tona daqueles que mais se destacaram no cenario social”.
As pessoas “públicas”, porém, têm vida privada, O vocabulo, empregado
aqui entre merecidas aspas, deve ser rejeitado, para evitar-se a armadilha de
50 Embora se possa re
supor que a pessoa famosa renuncie à sua privacidade.
famosas
acaba assumindo maior relevo, na
pessas
no
caso
dc
que
conhecer
pratica, um interesse do publico no acesso a informações a elas relativas, não
se pode afirmar que a celebridade implica supressão da privacidade. Não a toa.
’
5
Schrciber considera este um falso pai’â inet co.
Não se quer com isso dizer que o caráter mais ou menos notório da pessoa
para a ponderação. Mas e menos decisivo do que à primeira vista
irrelevante
é
pode parecer. O fato de a pessoa retratada ser famosa “pode, quando muito,
sugerir que há algum grau de interesse do público em ter acesso à imagem, pela
só razão de dizer respeito àquela pessoa. Isso não basta, contudo, para que se
52 Não se pode, em suma,
conclua pela prevalência da liberdade de informação”.
reduzir o problema — complexo — a uma mera verificação de notoriedade,
No que respeita aos fatos, a notoriedade é normalmente identificada na
queles já veicuiados pela imprensa, ou que de alguma forma já são de conhe
cimento público (pela divulgação na Internet. por exemplo). Não é rara, aliás.
a assertiva de que “os fatos são publicos e notórios e estão estampados nos
53 Mas a noção,
jornais da época”, não havendo por que proibir-se a publicação.
49. Sxiuit’,io, Daniel. O direito a informação. O G(obo, Cad. Opinião, 26.02.2011, p. 7.
50. Nessa linha, seja-se: “E evidente que a notoriedade acarreta alguns fardos, ejustifica a
incidencia de um interesse maior da opinião publica na vida particular das pessoas fa
mosas. (...) O que não se deve, todavia, e resumir a questão a um primario binarismo
que suprime qualquer expectativa de privacidade das pessoas notorias. Tampouco
e saudavel o comportamento inverso” (Lr’,xtu, Bruno. Realidade refletida... cit.,
108). Veja-se, tambcm. a respeito: S cuiu, Frederick. Can public figures have privatc
lix es? In: PAi Elien Frankel et ai. Thc righi lo privacy Cansbrigde: Cambridge Uni
xersitv Press. 2000. p 293-309.
,
51. Sciimimi, Anderson. Op. cit., p. 107.
52. ldem, p. 108.
53. A expressão encontra-se no voto vencedor, ainda no TJRJ, sobre o caso envolven
do a biografia do jogador Garrincha (TJRJ. AC 2001.001.02270. 2.” Cãm. Civ., j.
17.07.200 1, mv, rei. Des. Gustavo Kuhi Leite, Ementario 06.2002 n. 19 14.03.2002,
RTJERJ 53/220).
55
56
REvIs1A DE DIREnD PRIVADO
2012
•
RDPRÍv52
aparentemente objetiva, deve ser tomada com cautela, para não implicar solu
ções simplistas.
Veja-se, por exemplo, o caso envolvendo o livro Na toca dos leões, do jor
nalista Fernando Morais, sobre a história da agência de publicidade W/Bra
sil. O TJGO, apreciando o pleito do Deputado Ronaldo Caiado, que buscava
a proibição da circulação do livro, acabou reformando a decisão de primeira
instância, que havia concedido a medida, ao prático argumento de que não se
poderia “fazer a busca e apreensão do referidos livros, não porque a medida
seja abusiva, mas sim pelo fato de não ter mais praticidade diante da projeção
internacional”.
que ganhou o caso na mídia nacional e 54
3.2 Forma de obtenção dos informações
Outro criterio a se considerar diz respeito à forma como as informações são
obtidas. Aqui, será relevante indagar. em termos gerais. se o biógrafo utilizou-se de meios admitidos em direito para ter acesso ao substrato informativo
acerca do biografado. Nessa linha, é importante considerar se o biógrafo teve
acesso devidamente franqueado as informações, ou se, por exemplo, intercep
tou correspondência do biografado, ou se utilizou câmeras, microfones ou ou
tros dispositivos escondidos. Importante verificar, também, se as informações
estão disponíveis em arquivos e registros públicos, ou se foram obtidas de
55
maneira abusiva, e assim por diante.
54. O deputado argumentava que a obra continha trechos ofensivos a ele. O trecho apon
tado, nas quase quinhcntas páginas do livro, e o seguinte: “O cara era muito louco.
Contou que era medico e tinha a solução para o maior problema do pais. a super
populacão dos estratos sociais inferiores, os nordestinos’. Segundo seu plano, esse
problema desapareceria com a adição a agua potavel de um remedio que esterilizava
(TJGO, Agin 44485-0/180, Processo 200500880659, 4.” Câm. Civ,
as mulheres
j. 20.10.2005, v.u., rei. Des. Almeida Branco). Vale citar também decisão da Corte
Europeia de Direitos Humanos que negou medida, em carater definitivo, que visava
a impedir a circulação de livro sobre François Miterrand (“Le Grand Secrei”). Pesou
na decisão o fato c as informações contidas na obra, cujo autor havia sido medico
do ex-presidente francês, ja haverem sido publicadas, e de o livro ja estar dispontvel
na Internei (Edition Pino s: Franrc. Ap. 58148/00, j. 18.05.2004 apud Pi”7io, Timoth).
Who controls the Noini Campbell information flow? A practical analysis of the law
o[privacy.Journaloflnteiiectual Property Law &Practice, v. 1,ii.5, p. 359).
55. Embora possa ser importante para o biografo, no caso de pessoa ainda viva, o contato
com o biografado, para relatar suas próprias memorias, esse não e elemento essencial
a obra. Veja-se o exemplo do livro Hobalcila: a procura dc jocio Gilberto, do alemão
Marc Fischer. recentemente lançado na Alemanha (e cujos direitos de publicação
1
DIRoTOS DA PERSONALIDADE
Todas as circunstâncias envolvendo a captação das informações relativas
à pessoa devem ser avaliadas, servindo para indicar, com o recurso também a
outros critérios, quais interesses são merecedores de tutela no caso. É preciso
cuidado, porém, para não encarar o fato de as informacões estarem disponíveis
em arquivos e registros publicos como uma presunção de “que a divulgação
desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a
56
imagem dos envolvidos”.
li
3.3 Loca/do fato: ou a expectativa de privacidade
O local e a natureza do fato utilizado na narrativa biográfica também são
relevantes na análise. No entanto, deve-se evitar, aqui, armadilha semelhante
aquela relacionada à ideia de “pessoa pública”. O que releva considerar não é
o mero caráter público ou privado, aberto ou fechado, do ambiente. Deve-se
apurar, mais propriamente, se, no local, era de se supor que houvesse, por par
57
te da pessoa, uma expectativa de privacidade.
O critério da (razoável) expectativa de privacidade foi levado em conta com
especial atenção, por exemplo, pela House of Lords inglesa, em caso envolven
8 Concluiu-se, ali, que a publicação de detalhes
do a famosa Naomi Campbell.
do tratamento contra dependência química da modelo violava seu direito à
privacidade. Também o faziam as fotografias tiradas por paparazi da modelo
na rua lugar, a rigor. “público”
que, em trajes simples, acabava de sair de
reunião dos Narcóticos Anônimos. A decisão foi posteriormente mantida pela
Corte Europeia de Direitos Humanos.
59
—
—.
foram comprados por editora brasileira). Na obra, o jornalista, diante das tentativas
frustradas de entrevistar o recluso cantor, tenta percorrer o caminho trilhado pelo
baiano, visitando lugares por onde joão passou, e entrevistando conhecidos e outros
personagens ligados a ele, para traçar-lhe um perfil biografico.
56
BARROSO, Luis Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalida
de. Criterios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Codigo
Ci ii e da Lei de Imprensa. Revista liinicstivl dc Diivito Civil 16/89.
57. Quer-se, com essa perspecti\a. ao menos afastar a sensação de “medos prixados em
lugares publicos’ para utilizar a eloquente expressão que deu titulo, em portugues.
ao filme de Alain Resnais, Cocur.s (2006).
—
58. Pi\Io, Timothy. Op. cit., p. 354-361. A Corte assinalou, ainda, que esse tipo de infor
inação situava-se entre exemplos de informações, a rigor, obviamente privadas, assim
entendidas aquelas relacionadas a saude, \‘icla sexual, relacionamentos pessoais. casa.
[mancas da pessoa.
59. MG Limitcd v L’nitcd Kingdo;n. Ap. 39401/04. j. 18.01 .2011.
57
Rrvuiã DE D(REIIO PovAoo
58
2O 2
RDPav 52
3.4 Veracidade do tato
O critério da veracidade não deve ser entendido corno equivalente de “ver
dade mas, talvez, apenas de urna verdade submetida a um juízo dc plau
sibilidade.” Isto porque o conceito pode revelar-se enganoso, especialmente
quando se recorda que a biografia é, por excelência, urna narrativa hterária,
1
ainda que não ficcionalP
Com efeito, ha muitas versões de um mesmo fato; e a própria memória, que
Domas DA PERSUNALIDADE
J
acontecimentos os quais podem ja estar sedimentados em épocas distantes.°
A dificuldade de se saber a verdade sobre qualquer coisa não dispensa, contu
do, o compromisso em assegurar ou verificar os fatos, na tentativa de certificar-se de sua correção e exatidão.
—
3.5 Alguns critérios específicas e o chamada critério da interesse pública na
divulgação em tese
O caso específico das biografias não autorizadas, ressalvadas eloquentes
53 ainda ressente-se, de certa forma, da enumeração de critérios mais
exceções,
especificos. Nesse sentido, parece útil, alem dos parâmetros enumerados aci
ma, avaliar nos casos concretos, em especial, o comportamento do biografado
em relação ao fato narrado; e o formato de apresentação do fato.hS
Op. cit., p. 89.
61. Interessante ilustracão e aquela citada pela jornalista Janet Malcoim, acerca da morte
de Tchekhov reproduzida de oito maneiras diferentes, em cada urna de suas oito
biografias. O fato objetivo (de que o autor russo morreu) e um so, mas a forma como
foi contada difere em todas as obras consultadas por Malcolm (FRIAS Ficuo, Otávio.
janet Malcoim, a narrativa impossivel. Serrote. n. 7, p. 160). Ainda nessa linha, vale a
ressalva do realista Sartre. em sua autobiografia: XVhat 1 havc just uru/co isfalsc. Titie.
Neithe; troe orfalsc, like everi thing si ritten about madmen. about men. 1 have reported
the facts as accurately as memorv perrnittcd me. Bui to what extent did 1 believe in niy
delirium?” (SAia RE,Jean-Paul. les Mots apud Hsii, Franeis R. Notes for an anatomy of
modern autobiogrphy New Litermy Flistoiy, v. 1, n. 3, p. 499, grifou-se).
60. Bsrroo. Luis Roberto.
—
62. “Para recordá-las agora, e sem talento para inventar. so me restou ater-me aos fatos.
recorrendo aos arquivos e a mernoria dos outros quando a minha falhava. Nada disso,
porem, e garantia d fidelidade absoluta. Afinal. os Jcitos ã distancia SO existem conto
versões, o que não deixa dc ser unia Jorma de ficção’ (VFN3 L Ri, Zuenir. Minhas histórias
dos outros. São Paulo: Planeta, 2005. p. 13-14, grifou-se).
63.
ScHREniFR,
Anderson. Op. cit.
64. Há quem aponte ainda outros critérios especifleos que podem ser uteis: a repercu
são emocional do fato sobre o biografado, a importãncia do fato para a formação da
mostra-se ou mostrava-se mais ou menos reservada, e isso especialmente
com relação aos fatos retratados na obra biografica. Em síntese, o magistra
do, ao lançar-se a ardua tarefa de ponderação, deve buscar ater-se a visão de
mundo do biografado, resistindo “a tentação de decidir segundo a sua própria
concepção de vida privada. É a visão de inundo do biografado que deve ser
ponderada com a liberdade de expressão do biografo”.ói
Quanto ao formato de aprentação, assume relevãncia na ponderação sa
ber se o fato e apresentado de forma mais ou menos seria, mais ou menos
sensacionalista. Por exemplo, não são poucos os titulos, muitas vezes mal
dis
farçadas autobiografias,0 que buscam “pegar carona” na popularidade do ver
dadeiro biografado, por vezes alardeando “segredos”, “detalhes”, na tentativa
de seduzir os leitores.
Tombem cabe avaliar, aqui, se a narrativa é veiculada por meios de maior
ou menor alcance. Por exemplo, não tem a mesma repercussào em regra, uma
produção cinematográfica sobre a vida de uma pessoa e um livro biográfico ou
urna biografia de contornos mais acadêmicos. Tudo isso devera ser levado em
consideração pelo intérprete.
Há quem aponte, ainda, o criterio da existência de interesse público na pu
biicacão em tese, no sentido dc que um direito do publico à informação teria
maior peso sobe o direito da pessoa. A noção a que se filia parte dos consti
tucionalistas brasileiros”
e comum na tradicão americana, onde a liberdade
de expressão consagrada pela l. Emenda assume ares quase nritologicos. E
pode-se identificar algum reflexo dessa postura, em menor proporção. no re
ferido Enunciado 279 do JE que recomenda o prestigio a ‘medidas que não
restrinjam a divulgacão de informacões”,
Contudo, reiteia-se aqui a premissa apontada no in’c’o deste trabalho: não
e possii ei atribuir proeminência precipua à liberdade de expressão. O intér
prete não pode furtar-se a ponderação, baseando-se numa si/posta
e abstrata
preferência pela liberdade dc expressão e de informaeão ni re!acão aos direitos
—
—
—
serve de importante suporte à narrativa, não é linear, nem exatamente fiel aos
No que respeita à atitude do biografado, importa considerar se
a pessoa
4
do biografado e es cntsial partd :p. cao dc (eTc ‘‘e san grau d iden
relata (ijein p. 344)
e5. Ideia. P 148-149.
6h. Pense-se, por exemplo, cm obras como A Vitia ((101
01111110 111110 lladowia, publicada
cio 2008 pui Christoplicr Cicco iv, irmao da c o or sei
ar utol izacão
ou o
proprio O Rei c eu, citado.
6,. Por exemplo Bsoio
. Luis Robc [o. Op. ciL, p. 9d 1. .siida: \‘OIF O e Daniel.
0
Op.
Cii p. 7.
personalidade
tiflcacao com o
,
,
—
59
60
REVISTA DE DIREITO PRIVADO
201 2
RDPRIv 52
DIREITOS DA PERSONALIDADE
de personalidade. Ademais, a tradicional dicotornia entre interesse público e
privado adverte Perlingicri deve ser superada, na medida em que o interes
se público, numa ordem constitucional que tem na dignidade humana o seu
ccntro. consiste justamente na realização da dignidade da pessoa. o que, não
necessariamente, coincide com um interesse dito “coletivo”
—
—
.‘‘
4. MEDIDAS E MODALIDADES DE TUTELA
Os interesses postos em causa nas situações envolvendo a publicação de
biografias não autorizadas podem ser tutelados de formas distintas e não so
mente num momento patológico. Para além das medidas, deve-se pensar, tam
bém. nas modalidades de proteção aos interesses em relevo nos casos. Como
assinala Doneda. a respeito da tutela dos dados pessoais. pode haver comple
mentaridade entre os diversos modelos possiveis de proteção, mesmo que um
69
eventual modelo ocupe posição dominante no sistema de tutela.
A análise da jurisprudência, especialmente nos casos em que se conferiu
tutela aos direitos da personalidade do biografado. indica serem comuns as
medidas pre entivas de suspensão da circulação da obra, ou apreensão de
exemplares já postos ou prestes a serem postos em circulação. Ainda mais co° — seja
7
muni é. num momento posterior a publicacão. a medida reparatória
porque a obra já chegou a conhecimento publico e e inutil proibir a comercia
ljzação, seja porque se prefere, na linha do Enunciado 270, adotar medidas que
privilegiem a publicação.
Com efeito, urna leitura ainda pouco dctida do capítulo do Código Civil
dedicado a disciplina dos direitos da personalidade parece indicar, quanto às
medidas de tutela, um prestígio ao remedio indenizatorio. No entanto, ao que
se lê do proprio art. 12, não so em perdas e danos resolvem-se eventuais lesões;
cuida-se também da possibilidade de se “exigir que cesse a ameaça, ou a lesão,
a direito da personalidade, (...) sem prejuízo de outras sanções previstas em
lei”. E, quanto ao direito a imagem, o citado art. 20, por sua vez, lambem trata
da possibilidade de proibição do uso da imagem, “sem prejuízo da indenização
que couber’.
—
—
08. PeRusco-lu, Pietro. (. cit., p. 143.
,rivocidaLlc a pwtccoo dc LIadOs pessoais. Rio de Janeiro: Rcno\ ar.
59. Doro . Dando. Do 1
2006. p. 362.
70 A questão do ressarcimento, alias, constitui problema que mereceria um estudo pro
prio, ou analise mais aprofundada, especialmente no que respeita aos criterios utili
zaclos para o arhitrarnen lo.
Medida também possível, mas incomum e polêmica (mesmo perigosa), é a
intermediária solução entre a permissão (indenizada) e a proibicão total da pu
blicação: a restrição parcial no conteúdo da obra. A solução esbarra não só no
risco caracterizar verdadeira censura. mas tambem no de encarar-se qualquer
restrição como suposta censura (ainda quando não o seja), lançando dúvidas
sobre a legitimidade da medida. Além disso, é razoável imaginar que a determi
nação de cortes parciais pode comprometer a integridade da obra.
O problema não é simples. É ossível que eventual supressão, por pequena
que possa parecer, sacrifique toda a narrativa, desfigurando ou mesmo inviabi
lizando a biografia. Por outro lado, pode ser que se esteja diante, no caso con
creto, de um falso dilema, que pode ser ultrapassado com o recurso à razoabili
dade — a titulo de ilustração, pode ser viável preservar a obra e a privacidade da
pessoa lesada (um terceiro referido na obra, por exemplo) através de medidas
intcrmedias, como a alteração apenas no nome utilizado, por exemplo.
’
7
É de se pensar, ainda, na possibilidade de o biógrafo, diante de uma poten
cial modificação em sua obra, sentir-se lesado na condição de autor, ao ter de
modificar a biografia por ele elaborada — afinal, uma biografia não consiste em
mero apanhado de dados históricos objetivos, mas em criação intelectual.
A análise, entretanto, não pode ser feita em termos abstratos. Mais urna
vez, fundamental o exercício de ponderação, realizado no caso concreto. Não
nos parece adequado. contudo, atribuir ao magistrado poderes que ultrapas
sem o de determinar, por exemplo, ligeiras supressões ou substituição de no
mes, para descambar na alteração efetiva no conteúdo. Não cabe ao magistra
do reescrever a obra; esta, parece, e tarefa reservada ao autor — em não sendo
possivel. seria então o caso da medida aparentemente traumática da proibição
da publicação.
Como se vê, não há remédio único, cabendo ao juiz ponderar não apenas
no momento de decidir que interesses merecem tutela, mas também no de de
finir que medidas revelam-se, no caso concreto, mais adequadas à proteção da
personalidade — à luz, é claro, do pleiteado pelas partes.
71. Cite-se, por exemplo, o caso de ‘XV. (por sezes referida por outros pseudônimos,
como “Suzanne Bowen”), companheira da poetisa Elizabeth Bishop, Segundo se tem
noticia, depois de conturbada ruptura, ela obteve na justiça americana o direito de
não ter sua identidade (traduzida, de maneira simplista, como seu nome) menciona
da nas cartas, relatos e demais escritos sobre a vida da festejada autora americana (cf.
Toujio, Roberto Pompeu de. Uma casa para Elizabeth. Revista Piaui, n. 59, p. 59). A
medida e semelhante ao procedimento adotado em processos envolvendo menores de
idade, por exemplo.
61
62
REvIsTA DE DIROTO PRIvADo
2012
•
RDPRIv 52
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Além disso, deve-se ter cuidado com uma preferência por sanções a pos
teriori, na medida em que isso equivaleria a “atribuir um preço a intimidade
do biografado, com efeitos bem mais nefastos dq que se pode perceber a
72 E vale novamente a ressalva: e preciso ter cuidado para não cairprincípio”.
-se na armadilha de, em vez de contar uma historia, fazer apenas um elogio
75 e das quais participem. de preferência, não apenas cdi
literário ou artístico,
toras. É saudável que as iniciativas envolvam também os autores, que podem
ter interesses distintos a serem tutelados, contribuindo para um debate mais
completo. O incentivo à autorregulação, portanto, parece uma possibilidade
util para a questão não única, é verdade
evitando disputas judiciais, nor
malmente demoradas e custosas.
—
—,
73
da vida privada.
Embora se note, atualmente, especial atenção dedicada ao art. 20 do
CC/2002, a ideia de que a mera alteração no texto legal pode solucionar de
vez o conflito entre os interesses em questão parece, senão míope, ao menos
ingênua. E bem verdade que a alteração legislativa pode ser util, não apenas
por conferir certa sensação de segurança, mas também por prescrever de
forma mais incisiva parâmetros interpretativos impondo ao juiz o exercício
da ponderação.
Como se disse, atualmente ha dois Projetos em tramitação no Congresso
Nacional com vistas a modificar o dispositivo. Há quem elogie a iniciativa, que
permitiria forjar um ambiente de segurança jurídica. Os Projetos, contudo,
limitam-se a permitir obras de conteudo biografico a respeito de pessoas com
dimensão publica ou insei’idas em acontecimentos de interesse da colrtividade:
“erram, portanto. o alvo” Alem disso, os modelos de tutela não se esgotam.
ou não devem se esgotar, na via legislativa.
Assume particular importância o papel da autorregulação, como eficaz
complemento e suporte a regulação estatal. Deve-se estimular a criação de um
arcabouco deontologico definido, com a criação de regras especificas para o
setor (especialmente, aqui, o editorial) e, quem sabe, também sanções disci
plinares; um codigo de conduta elaborado por quem lida com esses problemas
cotidianamente e conhece de perto as características e dilemas proprios da
a ‘co como ja oco re, por exemplo, no âmbito ela publicidade ou da imprensa
E útil, ii e usive, o estimulo a criacão ou a consolidação de entidades re
presentativas que congreguem os principais agentes desse tipo de segmento
5. As
BIOGRAFIAS PÓSTUMAS A PROTEÇÃO POSTMORTEM DOS DIREITOS DA
PERSONALI DADE
Os problemas que as biografias não autorizadas suscitam revelam-se, mui
tas vezes, ainda mais dramáticos dluandlo o biografado e falecido ou ausen
te. Trata-se, aliás, de hipótese, em regra, mais comum, quando se considera
o papel histórico desempenhado pelo gênero em questão. Afora as dificul
dades práticas normalmente enfrentadas pelos biógrafos. que muitas vezes
se veem às voltas com as idiossinerasias e suscetibilidades de herdeiros,7b as
biografias póstumas desencadeiam ainda outras delicadas questões essen
cialmente no que respeita ao tratamento conferido à proteção post mortein
dos direitos da personalidade.
—
(
‘sara.
\ndeon. Op. a.. p. 14I.
eja-se
ainda’
BsRIcur.
Luis Robcra’. Op. rit
p 91.
7
.
—
—
O tema também se liga, no fundo, com a questão de se saber como seremos
lembrados depois da morte. Por vezes, por tras da preocupação dos biografa
dos ou de seus herdeiros com a utilização de sua imagem, ou de sua his
toria, na narrativa biográfica, reside a tentativa de controlar ou de certa forma
modelar sua trajetória aos olhos do público.
77 A indagação, que possivelmente
—
—
75. Veja-se, por exemplo, o exemplo do ativo Conselho Nacional de Autorregulação Pu
blicitaria (Conar).
76. Dai o popular e tragicômico conselho dado a autores que se encorajam a traçar a
biografia de pessoa ja falecida: Matc a \‘iuva” (Bitora, Mary Sarah. Op cit., p 348,
trad. livre).
—
j
77. Parece ser essa a razão (ao menos a principal razão) pela qual Anita Leocâdia,
primogemia de Luis Carlos Prestes, queixou-se da pubhcaçao de imagens de seu
pai em cenas mais pessoais’ cenas, a rigor, banais para pessoas comuns. Anda
contrapôsse à vi uva do hder comunista, Maria do Carmo Ribeiro Prestes, que doou
ao Arquivo Nacional cartas, fotos familiares e outros objetos relacionados a Pres
les. Nesse contexto, vieram a público aspectos menos conhecidos da embiematica
figura como imagens de Prestes sentado descontraidarnente sobre uma cadeira
de praia, em trajes de banho. A imagem destoa da figura austera do Luis Carlos
Prestes em sua feição politica, como a conhecemos, motivando as reações da her
—
Com eleito, parece comun a tentação ele querei er a trajetoria pissoal narradi scfli
aspectos uchatis o ou sem matizes riu possam sei negati\ amcnt sist s pela socie
dada. Fxtmplo dessa postura se nota na declaraçao de Agnes. uma das herdeiras de
‘ au pudesse fazer uni e”pui go e publicar si 70 cosas que irita’
e
Goiina”aes Roa. 5
do diario, a: pihliaa ia. zs as picuinias, os di:-que-me-di:, na’ Cd ti: os
assanr FIel Op. et, p. 19).
resaln
.
Se usam: a Ande ‘ou. Op.
Cl,
.,p.
‘1
—
cleira de Prestes. O exemplo sers e para ilustrar como os embates cm olvendo obras
63
64
REVISTA DE DIREITO PRIVADO
201 2 • RDPRIv 52
passa pela cabeça de muitos, embora seja primariamente um assunto extrajurí
dico (filosófico, até), pode vir a merecer a atenção e a tutela do Direito, como
8
se verá a seguir.’
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Mais apropriado seria, como bem aponta Schreiber, ampliar a legitimação
para qualquer pessoa legitimamente interessada e interesse legítimo, aqui,
apurado nas situações concretas. A medida permitiria uma tutela mais ampla
dos direitos de personalidade do falecido sobretudo o de imagem.
Deve-se reconhecer, contudo, que a possibilidade de que terceiros invistam-se na posição de interessados poderia estimular, não propriamente uma pro
teção mais efetiva, mas a busca por satisfação, por vias obliquas, de interesses
puramente econômicos, associaos a uma eventual indenização. A essa possi
bilidade reage-se. porem. com a preocupação, de um lado, de que o magistrado
tente, quando possível e mais efetivo à proteção da personalidade, recorrer a
outras medidas que não (apenas) a reparatória. De outro, com iniciativas com
vistas a esvaziar de motivações (puramente) econômicas a iniciativa judicial da
tutela dos atributos da personalidade do morto.’
Alvo de merecida crítica e, tambem, o “erro de perspectiva” do legislador,
ao adotar, na tutela dos direitos da personalidade, um viés típico do direito
das sucessões, de cunho essencialmente patrimonial
80 reforçando, a rigor,
a postura, não rara, voltada apenas para os interesses econômicos relativos à
exploração da obra biográfica. Aliás, não raro se nota, em disputas envolvendo
a utilização de imagem de pessoas falecidas, a confusão entre interesses deste
e os de seus herdeiros, os quais por vezes, a pretexto de suposta violação à
mernoria do de cujus, por vezes pleiteiam em nome deste uma proteção a inte
—
—
5. 1 A questão da legitimidade
Os direitos da personalidade são, entre outras características, intransmis
síveis. Não significa, porém, que cessa a proteção, por exemplo, a imagem da
pessoa que morre. O legislador, contudo, não transmite aos herdeiros os direi
tos de personalidade para que, em nome proprio, pleiteiem sua devida tutela;
há apenas uma atribuição de legitimidade para a atuação em defesa da memória
do falecido.
Verifica-se, na disciplina legal conferida à proteção post mortcm dos direitos
da personalidade, uma incoerência legislativa. Isto porque o legislador, aparen
temente sem especial razão, exclui no parágrafo único do art. 20 o colateral do
rol e legitimados (genericamente previstos no art. 12 do CC/2002).
Mais criticável ainda, contudo, é a restrição estabelecida quanto à legitimi
dade para promover, judicialmente, a tutela dos direitos de personalidade do
morto o “cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou co
lateral até o quarto grau”, segundo a dicção do parágrafo único do art. 12. ou
“cônjuge, os ascendentes ou os descendentes”, nos termos do paragrafo único
do art. 20, No entanto, em se tratando da defesa de direitos da personalidade do
falecido, a restrição parece excessiva, sem razão que a justifique.
—
—
resses particulares.
5.2 Ocaso Estrela Solitária
de caráter biografico estão cercados por interesses (por vezes diversos) cm torno
do controle de uma determinada memoria, de uma determinada reputação: “Para
Anita, Prestes será eternamente ‘a expressão maxima da luta revolucionaria pelo
socialismo e o comunismo’. Para Maria, alcm disso, o pai dc seus filhos. o chefe da
casa” (OlAsio, Chico. As delicadas relações entre os herdeiros de Prestes, O Globo,
Cad. O Pais. 15.01.2012).
78. Sobre o chamado controle da reputação post mooern, confira-se, ainda, a obra de Ra>’
Madoff, especia’mente o capítulo sobre o controle de reputações, em que a autora
trata da proteção a privacidade da pessoa apos a sua morte, apontando ainda as cli
ferenças entre os sistemas juridicos dos Estados Unidos e da Europa (Mniorr, R. O.
Inunortalitv and time 1(1w: the rising powei’ of time Amei’ican k’ad. New HavenlLonclon:
Yale University Prss, 2010). Como lembra a autora, a reputação é dificil de ser con
trolada, por ser produto de uma amplitude de informaçoes. A autora aponta ainda
como a tradição americana, diferentemente da europeia (e da brasileira) não tutela a
privacidade da pessoa apos a morte: “If offspring and relati\ es are upset, their remedy
is to respond sith ihe true” (idem. p. 125). Nesse cenario, recorre-se a figuras como
a do “right of publicitv” americano, ou ao direito autoral.
Caso emblemático, no contexto da proteção post mortcm dos direitos da
personalidade, é o da biografia do ícone do futebol, Garrincha, Estrela Solitá
ria. O livro, escrito por Ruy Castro sem a autorização das herdeiras do jogador,
rendeu uma disputa juchcial que se arrastou por anos. Alegando \‘iolacão ao
79. E o caso, por exemplo, da sugestão de atribuirem-se “os frutos pecuniarios de even
tual indenização por dano a personalidade do morto a associações bencficentes de
que o morto fosse associado ou com as quais guardasse algum vinculo juridico ou de
afinidade” (ScHREIBER, Anderson, Op. cit.. p. 147-148).
80, Confira-se a critica.’” A privacidade, a imagem, a honra da pessoa não são ‘coisas’
qe se transmitam por herança. São diieitos essenciais cuja proteçao e inteiramente
distinta daquela reservada ao Patrimônio. Solução mais adequada seria ter deixado
as portas abertas a iniciativa de qualquer pessoa que tivesse interesse legitimo’ em
ver pi’otcgida, nas circunstancias concretas, a personalidade do morto” 1 SC1IRFIFiER.
ndcrson, Op. cit,. P
65
REvRTA DE Dmno PRvADo 2012
66
8
Dotiros DA PER50NAUDADE
RDPaiv52
direito de imagem, ao nome, a intimidade, a honra”e a vida privada, as herdei
ras sustentavam que a obra “execrava” a memoria do pai, e pleitearam vultosa
indenização, a titulo de danos morais e patrimoniais.
flexível, atenta aos interesses em jogo e às diversas circunstâncias a permear o
caso concreto. Como adverte Tepedino, “a privacidade é direito casuístico por
excelência, suscitando, por isso mesmo, proteção que seja dúctil”.
84
Causaram-lhe especie, principalmente, os trechos que faziam referência à
relação de Garrincha com o alcool e as mulheres fatos e façanhas que, embm
ra contrariassem, talvez, os pudores das herdeiras, eram não apenas de conhe
cimento publico, mas mesmo alardeados pelo proprio jogador, quando vivo.
Mais uma vez, demonstra-se a necessidade de apreciar-se o caso com os olhos
postos na visão de mundo do biografado, e não dos legitimados que agem em
seu nome.
Buscou-se, aqui, lançar alguns feixes de luz sobre o problema e os diver
sos interesses normalmente postos em causa nas situações envolvendo a pu
blicação de biografias não autorizadas. A análise ora empreendida revelou o
fundamental papel da ponderação e a necessidade de superação de armadilhas
conceituais, como a de supor map importante, abstratamente, o valor da liber
dade de expressão
—
No TJRJ, as herdeiras obtiveram vitoria parcial, tendo reconhecido direito
81 A decisão, apertada, levou a oposição de
à indenização por danos morais,
embargos infringentes, em que se admitiu a existência não de danos morais,
mas apenas patrirnoniais, arbitrando-se indenização no valor correspondente a
cinco por cento sobre o total do preço do livro a ser apurado em liquidação. A
82
decisão foi por fim mantida pelo STJ.
Ë verdade que a discussão sobre a intransmissibilidade dos direitos de per
sonalidade era, então, mais candente lembre-se que regia o caso o Codigo Ci
vil de 1916, omisso quanto à disciplina dos direitos da personalidade. De todo
modo, vale lembrar que o TJRJ reconheceu expressamente o caráter intrans
missivel dos direitos da personalidade e que a hipótese era de legitirnacão legal
para defesa da imagem e da honra da pessoa falecida, Mas o tribunal carioca
lembrou que é possivel que os sucessores tenham interesse, também para agir
em nome propno, quando a imagem do falecido projeta efeitos econômicos
para além de sua morte,
’
8
6. CONCLUSÃO
Passadas mais de duas decadas desde a promulgação da Co stituição demo
tica e quase uma decada da piomulgacào do novo Cocligo Civil, os contor
mos do direito à privacidade e da liberdade de expressão/informação são cada
vez menos rigidos
as situações de colisão exigem uma analise igualmente
e
—
81. TJRJ AC 2001.001 02270, 2. Câm Civ, j. [7.07.2001, ma., rei. Des. Cusiavo KL1hI
Leite.
82 STJ, REsp 521.697/RJ, 4. T., j. 16.02.2006, s.u., ic[. Mm, C csar Asfoi Rocha
83. TJRj, EI 2002.005.00058, 2. Cam. Civ., j. 15.05.2002,
iho, Ernentario 26.2002 ii. 22 12.09.2002.
iel.
Diante do delicado conflito entre privacidade e liberdade de expressão,
quando se trata de contar para o público a história da vida privada, revela-se
importante a atuação do intérprete. Por ai já se vê como também é preci
so empreender o esforço de não apenas identificar, mas tambem sistematizar
critérios interpretativos que guiem, além do magistrado, os demais agentes
envolvidos nesse tipo de situação (editoras, autores etc.). Afinal, é justamente
nos casos mais nublosos que uma ponderação criteriosa se revela particu
larmente relevante. Mas é preciso ter em mente, como se disse, que a mera
falta de autorização da pessoa retratada ou de seus herdeiros não é, por si só,
impeditivo da publicação de obras biográficas como já não é impeditivo de
publicações jornalísticas.
—
Além disso, os modelos de tutela não se esgotam numa única via. A legisla
ção não pode nem deve exaurir a questão, embora possa, é evidente, servir na
tarefa de apontar critérios, mesmo que para assegurar um mínimo de seguran
ça jurídica. l possível evitar, com isso, embates judiciais contraproducentes,
resguardando-se ainda a coerência e mesmo a sobrevivência de um gênero lite
rario. Talvez seja, ao menos, um aceno em direção a alguma segurança jurídica
um alento, no atual ambiente de ainda total desorientação.
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