Design de Jóias: desafios contemporâneos Engracia Costa - Mestranda em Design da Universidade Anhembi Morumbi. [email protected] Jofre Silva, PhD. Professor do Programa de Pós-Graduação em Design da Universidade Anhembi Morumbi. [email protected] Resumo Este artigo discute os desafios contemporâneos do design de jóias. Aborda as características da joalheria tradicional, com seus processos artesanais, suas técnicas de ourivesaria e a jóia de arte. Pelos modos de produção industrial, a reflexão aponta ainda as questões metodológicas de um projeto de produto. Palavras-chaves: design de jóias; projeto; metodologia. Introdução O design de jóias é hoje um mundo de possibilidades criativas. Há espaço para a produção artesanal com técnicas tradicionais de ourivesaria, para a produção industrial em grande ou pequena escala, bem como para a prototipagem rápida, por meio de processos digitais no estágio do desenho e da modelagem. O universo da criação na produção artesanal e industrial pode ser observado em todos os segmentos do setor joalheiro, a saber: o das jóias produzidas com materiais preciosos, o das jóias folheadas (banhadas a ouro, prata etc.) e o das bijuterias. Um dos grandes desafios do designer que atua neste setor na contemporaneidade é pensar a jóia como um produto resultante de um processo industrial. Encontrar caminhos criativos e produtivos, considerando uso, materiais e custos, como também as relações com o público e as dimensões simbólicas de sua criação. Assim, o desenvolvimento de uma jóia vai além da configuração estética e exige conhecimentos de diversas áreas por parte do designer, a partir do entendimento de todos os elementos e etapas que compõem o projeto deste produto. Como declara Joaquim Redig (2006, p.176) “o design não acontece, portanto, num momento – como muitos pensam – mas se desenvolve ao longo de um processo, para o qual o tempo é fator indispensável.” Outro fator determinante e diferenciador da atividade do designer dentro do setor joalheiro é a sua capacidade de analisar e entender o usuário deste produto. O interesse pela jóia pode resultar da sua capacidade em associar a criação à emoção que o objeto vai despertar junto ao seu usuário. Neste sentido, a racionalização da produção, significando o direcionamento de materiais e processos dentro das finalidades de mercado, faz do designer um profissional indispensável para a indústria joalheira. 2 Processos tradicionais A partir da década de noventa, o design de jóias ganha destaque no mercado nacional. A possibilidade de exportação também incentiva as empresas do setor, gerando o surgimento de um design que traz características de uma identidade própria para a jóia produzida no país. Ao participar de concursos internacionais, o designer desperta a atenção para um produto marcado por referências culturais brasileiras. É possível perceber que a produto nacional alcança visibilidade e competitividade no mercado externo, destino de boa parte do trabalho desenvolvido aqui. Como um novo campo de atuação profissional, o design de jóias adquire força sem ter um espaço de formação acadêmica específica. Neste período, a reflexão é escassa. Há poucos textos escritos sobre o assunto, especialmente no campo da produção industrial. Embora ainda continue restrita quando comparado com outras áreas do design, as referências bibliográficas enfocando o projeto de jóias cresceram nos últimos anos. Assim, o design de jóias trilha um caminho construído passo a passo, tal como aconteceu com a ourivesaria no Brasil, que teve suas técnicas ensinadas por antigos ourives e joalheiros, com base nos conhecimentos tradicionais da Europa. Naturalmente, com a ausência de uma formação acadêmica institucional, sem o conhecimento, por exemplo, da metodologia de projetos de design, o mercado de trabalho reúne não só designers, mas também profissionais autodidatas. A joalheira no Brasil tem parte de sua história marcada pela produção artesanal, domínio em que todas as etapas do desenvolvimento de um produto estão sob a tutela de um mesmo profissional. Durante um bom tempo, os ourives são os únicos responsáveis pela confecção de jóias. Em geral, conhecem toda a técnica de ourivesaria, podendo tanto executar quanto acompanhar de perto a sua manufatura. Por outro lado, na produção artesanal contemporânea há também profissionais empenhados em realizar peças classificadas como jóia de arte ou de alta joalheria. Alguns até mesmo exploram a natureza de uma jóia produzida totalmente à mão para fins mais comerciais. 3 Enquanto predomina o campo da produção artesanal, o pequeno mercado nacional de jóias objetiva a reprodução de produtos europeus consagrados. Na verdade, a joalheria italiana e alemã são referências para coleções realizadas não só aqui, mas também em muitas outras partes do mundo. Mais tarde, quando busca ser aceita no ambiente comercial, a jóia produzida em série enfrenta o desafio de preservar seu valor artístico, embutido na artesania de peças únicas. O conceito de artesanato no Brasil ainda possui uma referência de criação de objetos de menor valor. Segundo Lina Bo Bardi (1994), enquanto na Itália o artesão é respeitado por sua maestria em relação ao domínio de uma técnica e seu trabalho serve de referência para o produto industrial, aqui o artesanato é visto como trabalho manual de características simples, produzido com materiais de baixo custo, como solução de algumas comunidades, mais ligado ao sustento de camadas de menor poder aquisitivo. Para outros, apenas como hobby, como trabalho manual, com técnicas tradicionais conhecidas e transmitidas pelas comunidades regionais. Cumpre lembrar que ao se falar em joalheria artesanal não significa que o produto final seja reconhecido como artesanato. É artesania, enquanto objeto resultante da manualidade, da técnica e do domínio do processo produtivo, desde a concepção até a finalização pelo mesmo indivíduo. Este criador concebe suas jóias a partir do repertório pessoal e se utiliza em geral de técnicas da ourivesaria tradicional, aprendidas em pequenos ateliers e escolas de cursos livres de joalheria prática, conhecida como o trabalho de bancada. O manuseio dos metais e gemas produz resultados por meio da experimentação da plasticidade dos materiais e suas possibilidades. Estas são as que em geral são vendidas em ateliers ou lojas que valorizam a produção artesanal das jóias únicas ou em pequenas séries. 4 Paralelamente, a joalheria de arte tem espaço garantido no mercado, ocupando galerias e exposições exclusivamente destinadas aos seus criadores. A peça é sempre assinada e o nome do profissional responsável por seu desenvolvimento torna-se um elemento de diferenciação que agrega valor ao produto. Neste segmento, há jóias realizadas em metais como ouro e prata, associados ou não a gemas preciosas, como também as obtidas pela experimentação com materiais alternativos, fora dos padrões convencionais. 1 2 Figuras 1 e 2: joalheria de arte. Lado esquerdo: Caio Mourão. Lado direito: Maria José Cavalcanti. Acervo dos autores. A concepção e a elaboração formal deste produto costumam apresentar características do processo empregado na construção de uma escultura, elevando o seu resultado para o domínio da arte. Por essa razão, a jóia de arte contemporânea tem um público significativo entre os admiradores do design feito por poucos e destinado a um grupo seleto de usuários devido aos custos envolvidos na exclusividade e na garantia de uma peça única, com materiais e gemas de lapidações especiais. 5 Processos contemporâneos O crescimento de empresas especializadas na fabricação de jóias derivadas de processos industriais, a partir da década de setenta, amplia e diversifica o campo profissional vigente. Com características próprias do sistema industrial, o desenvolvimento da jóia traz a divisão do trabalho que acontece em diversas etapas, realizadas por diferentes profissionais, desde a sua criação até a sua finalização. Assim, no design de jóias, o projeto contempla campos distintos de trabalho, definidos em processos conceituais, criativos e nos vários estágios necessários para o desenvolvimento do produto. No Brasil, os modos de produção industrial e artesanal podem ser vistos em todos os segmentos do setor joalheiro: o de jóias com materiais preciosos; o de jóias folheadas (banhadas a ouro, prata etc.); e o de bijuterias. Como estes segmentos seguem parâmetros próprios, o designer deve saber reconhecê-los para poder apontar em seu projeto as direções necessárias para o desenvolvimento da peça. Já na identificação do trabalho do criador da jóia seriada ou de produção industrial, a tendência é adotar a nomenclatura de designer industrial ou de designer de produto, como o responsável pela etapa de criação de coleções, realizando a prospecção de tendências e mercado em função do direcionamento da empresa que o contratou. O uso dessa nomenclatura envolve a questão em torno do termo design industrial, objetivamente o trabalho de criação de jóias enquanto objeto de produção industrial. Para Maldonado (1993, p.81): a área de intervenção do design industrial continua a ser a que se relaciona com o processo formativo dos objetos .... uma parte considerável da atividade do designer industrial se mantém firmemente aferrada ao papel de dar forma a objetos materiais que, agrade ou não, continua a estabelecer uma relação bastante tradicional com seus utilizadores. 6 A joalheria industrial, ou comercial, com reprodução em série, objeto dos projetos dos designers industriais, tem sua concepção feita a partir de parâmetros de mercado, avaliação de custos, de materiais e de tecnologias que podem definir novos produtos, em ligas, banhos, acabamentos etc. Embora envolva etapas de manufatura, a base permanece marcada por processos de fabricação industrial, resultando em produtos seriados, dirigidos a públicos específicos. 3 4 Figuras 3 e 4: desenhos e jóias da designer Gracia Costa, para projetos desenvolvidos industrialmente. Lado esquerdo: peça para o lançamento de cristais da Swarovski, indústria Lup Jóias, 2005. Lado direito: peça para a coleção de jóias em prata da Silver Backer, 2007. O designer e demais profissionais envolvidos na realização de um projeto precisam manter um entendimento comum e claro. Para Phillips (2008), os motivos e os resultados desejados são duas questões fundamentais para o funcionamento de todo o trabalho. Além disso, complementa (Ibid. p. 7), “o conceito criativo a ser desenvolvido deve refletir esses dois objetivos”, observando a necessidade de um bom conhecimento do público que a empresa almeja. Percepção metodológica compartilhada por Redig (2006) ao recomendar a avaliação da realidade e das características do contexto a ser atendido – o contexto desse usuário; procurando também distinguir os meios de produção e as tecnologias que se adaptam a cada caso. Assim, um designer industrial de jóias precisa posicionar suas 7 criações como produto e adotar metodologias inerentes ao desenvolvimento de qualquer outro objeto industrial, estabelecendo, naturalmente, as devidas adequações. Atualmente, novas tecnologias em desenho e modelagem digitais são usadas pelas empresas como forma de racionalizar a produção e reduzir os custos finais da peça. Tanto no Brasil como na Itália e na Índia, por exemplo, programas de desenho tridimensionais permitem uma prototipagem rápida, trazendo benefícios em relação ao tempo e à qualidade para a confecção dos modelos de reprodução. Assim, além de oferecer uma jóia com função de adorno, de fruição estética e de símbolo social, a indústria procura observar a produtividade, o custo e a acessibilidade, buscando um público mais amplo, de diferentes camadas econômicas. Conforme apontado acima, esta postura é oposta aos objetivos daqueles envolvidos na criação de jóias autorais que trabalham para as galerias e as lojas especializadas em produtos de natureza artística. Em geral, o segmento da joalheria de arte repudia o discurso da produção seriada como um mecanismo de acessibilidade; banalizando não só o mérito dos trabalhadores do setor industrial como o valor de suas peças. Embora este entendimento seja compartilhado por muitos, há também um considerável número de profissionais que transitam com facilidade entre estes dois campos de produção. Independentemente destes conflitos, parece aumentar cada vez mais o espaço da jóia produzida por métodos industriais, decorrência de processos inerentes ao campo do design. Neste formato, por exemplo, a concepção, a decisão e a escolha de um projeto resultam de discussões compartilhadas entre empresários e designers. Na verdade, enquanto atividade profissional, a responsabilidade do designer torna-se um exercício para compreender o contexto das diferentes partes envolvidas, delineando propostas e soluções, sem preconceitos. Enquanto os métodos de produção industrial possibilitam obter criações mais acessíveis e alcançar novas camadas de público, com diferentes perfis; a oferta em maior escala, padronizada, exige uma renovação constante de modelos capazes de atender a uma demanda crescente por novidade. Além da rápida e contínua alteração de modelos, como 8 uma maneira de manter o interesse do público, a qualidade dos materiais e dos acabamentos das peças torna-se uma exigência, definindo o perfil do novo usuário de jóias que também valoriza o design como elemento de diferenciação pessoal e de status. No entanto, a aplicação do termo design é feita indiscriminadamente, na joalheria. Ao definir trabalhos resultantes tanto da produção artesanal quanto industrial, a palavra tem o seu significado restrito ao aspecto de configuração e de elaboração formal do objeto. No âmbito da discussão do design contemporâneo, nem mesmo a função de um produto está circunscrita ao seu modo de utilização. Como destaca Moura (2008), satisfação, fruição, experiência e valor também devem ser tratados como características da funcionalidade de um objeto. Sem querer contestar o modo como o vocábulo design assume um sentido próprio no campo da joalheria, a proposta aqui é buscar compreender os desafios existentes nas diferentes atividades profissionais deste setor no país. Assim, a joalheria contemporânea, em suas diversas faces, traz em si o discurso do design industrial e o da criação artesanal, abrindo um enorme leque de possibilidades conceituais e criativas no desenvolvimento de uma jóia, enquanto projeto e arte. 9 Referências bibliográficas BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Ed. Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994. COELHO, Luiz Antonio. Por uma metodologia de idéias. In: COELHO, L. A. (org). Design Método. Rio de Janeiro: Novas Idéias e PUC-Rio, 2006. MALDONADO, Tomás. El diseño industrial reconsiderado. México: Gustavo Gili, 1993. MOURA, Monica. A moda entre a arte e o design. In: PIRES, Doroteia B. (org). Design de Moda. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2008. PHILLIPS, Peter. Briefing: a gestão do projeto de design. São Paulo: Edgard Blucher, 2008. REDIG, Joaquim. Design é metodologia. In: COELHO, L. A. (org). Design Método. Rio de Janeiro: Novas Idéias e PUC-Rio, 2006. 10