INCLUSÃO DIGITAL DE ADULTOS MADUROS E IDOSOS: DESAFIOS
PARA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
DOLL, Johannes – PPGEDU/UFRGS – [email protected]
BUAES, Caroline Stumpf – PPGEDU/UFRGS – [email protected]
RAMOS, Anne Carolina – PPGEDU/UFRGS – [email protected]
Eixo 9: Educação, Comunicação e Tecnologia.
Agência Financiadora: CNPq
1. Introdução
O uso do computador e da Internet se espalhou nos últimos anos e em algumas áreas,
como na Universidade, seu uso não só se tornou comum, mas muitas atividades são hoje
quase inimagináveis sem sua ajuda. Não só contatos à distância, com outras
universidades, ou pesquisas bibliográficas, mas também os contatos com os alunos da
própria universidade, as inscrições, os trabalhos, os projetos; tudo passa hoje pelo
mundo virtual. Às vezes, fica difícil imaginar viver sem computador e Internet.
Mas o que os usuários regulares dos recursos da informática às vezes esquecem, é que
este mundo virtual é, para um grande grupo de pessoas, – especialmente em um país
como o Brasil – ainda um mundo totalmente desconhecido. Para estes sujeitos, o mundo
virtual parece uma terra estranha, às vezes bizarra. Existem coisas “fantásticas” e
“maravilhosas”: como a possibilidade de interagir com outra pessoa, vendo e falando
em tempo real, em qualquer parte do mundo; possibilidades de buscar quase qualquer
informação com alguns cliques no teclado e com o mouse. Tempo e espaço ganham
outras dimensões. Mas também existem coisas “esquisitas” e “assustadoras”: pequenos
comandos no teclado que podem apagar tudo o que existe dentro do computador;
hackers que conseguem ver o que uma pessoa escreve; “vírus” que podem afetar o
computador. Cavalos de Tróia? Sem falar dos dados estranhos que acompanham um
computador: RAM, processador, disco rígido, 512 Megabyte, 1,8 Gigahertz. Sem
mencionar os inúmeros jovens e adultos que passam horas e horas na frente do
computador sem conseguir “se desligar” dele.
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As pessoas que cresceram e se socializaram em tempos em que o computador não
existia, ou quando seu uso era reservado a um pequeno grupo de especialistas, sentem
um estranhamento frente aos desafios desta nova tecnologia. Talvez por isso os dados
sobre inclusão digital da pesquisa “Idosos no Brasil” demonstrem que o uso do
computador, ou até o contato com o mesmo, estão fortemente vinculados à idade do
usuário (figura 1), à formação escolar e à renda familiar. Essa pesquisa, com 3.759
pessoas entrevistadas, foi realizada em 2006 pela Fundação Perseu Abramo e o
SESC/SP e demonstrou que, entre os idosos, 88% conheciam um computador de vista,
mas somente 8% já tinham usado. Entre as pessoas que nunca freqüentaram a escola,
somente 68% já tinham visto um computador e somente 1% já tinha utilizado (DOLL,
2007).
Figura 1. Distribuição das pessoas que nunca utilizaram um computador, por faixa etária e sexo
Base de dados: Pesquisa “Idosos no Brasil”, Fundação Perseu Abramo, SESC/SP, 2007.
A pouca participação das pessoas de mais idade neste novo mundo da informática
também é confirmado em outros países. Na Alemanha, por exemplo, somente um
pequeno e específico grupo de idosos se interessa pela Internet. Estes são
principalmente homens, idosos mais jovens, com boa formação escolar. Nos outros
grupos de idosos, apesar de existirem diferentes incentivos que promovam a inclusão
digital, o número de internautas idosos - chamados Silver Surfer - não está aumentando.
Em alguns grupos até está diminuindo: pessoas chamadas de Off-liner assumem sua
resistência contra a entrada no mundo virtual (DOH, 2007). Resultados parecidos se
encontram em outros países, como nos Estados Unidos (U.S. DEPARTMENT OF
COMMERCE, 2000).
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Estes dados indicam que a entrada das pessoas com mais idade no mundo da
informática não é tão fácil e tranqüila. Por outro lado, as discussões atuais sobre a
inclusão digital destacam a importância de se estar inserido no mundo digital sob o
perigo de ficar excluído de aspectos importantes da vida, tais como informações,
trabalho e participação social (KACHAR, 2003). E é neste ponto de intersecção, entre
as “coerções” da sociedade para a inclusão digital e os medos, as expectativas, as
esperanças e as perspectivas de adultos com mais idade frente a este mundo que este
estudo está situado. O nosso interesse é saber o que pessoas com mais de 45 anos têm a
dizer sobre sua tentativa de entrar no mundo digital, buscando compreender de que
modo esses sujeitos são interpelados a se aproximarem e se inserirem – ou não – neste
contexto.
2. Contexto da pesquisa
Este estudo faz parte de uma pesquisa maior, em andamento desde 2003, que visa
estudar a inclusão digital de pessoas adultas maduras e idosas. Em uma primeira fase, a
pesquisa trabalhou com cursos específicos para trabalhadores da indústria metalúrgica.
Na fase atual, são oferecidos cursos de introdução ao uso do computador para pessoas
com mais de 45 anos. Trata-se de cursos de extensão que são acompanhados por um
projeto de pesquisa. Cada curso tem uma duração de 20 horas e é desenvolvido ao longo
de um mês, com dois encontros semanais de duas horas e trinta minutos. O conteúdo
abrange conhecimentos sobre as partes do computador, editor de texto e uso da Internet.
É cobrada uma taxa de 30,00 reais por aluno que inclui o material para o curso
(disquete, folhas explicativas e pasta). Durante os encontros são realizadas observações
e uma entrevista com cada participante. O curso, que tem o total de 16 vagas (devido ao
espaço oferecido), é divulgado por meio de jornais e a inscrição dos participantes é
realizada por ordem de chegada. Além do professor, o curso conta com monitores que
ajudam, tanto na parte do ensino, quanto na parte da pesquisa.
O presente trabalho usa como base as entrevistas que foram realizadas durante um curso
em 2006. Nesse curso participaram 12 pessoas, sendo oito mulheres e quatro homens. A
idade dos participantes variava entre 47 e 75 anos, com uma média de quase 60 anos
(59,7 anos). Cinco pessoas já eram aposentadas, mas alguns ainda exerciam atividades
profissionais. A renda oscilava entre R$ 700,00 e R$ 3.800,00 por mês, sendo a média
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de R$ 2.370,00. A formação escolar variava entre Ensino Fundamental incompleto (1
participante) e Ensino Superior completo (6 participantes). O perfil era de um grupo
com rendimento e escolaridade acima da média, situação confirmada pelo fato de
somente três pessoas não terem computador em casa e nove possuírem um computador,
ainda que geralmente não o usassem.
3. Adultos maduros e idosos frente ao mundo digital
O primeiro computador, o Eniac dos anos 40, pesava várias toneladas.
Ocupava um andar inteiro em um grande prédio, e para programá-lo era
preciso conectar diretamente os circuitos, por intermédio de cabos, em um
painel inspirado nos padrões telefônicos. Nos anos 50, programava-se os
computadores transmitindo à máquina instruções em código binário através de
cartões e fitas perfuradas [...]. As telas, cujo uso só generalizou-se no fim dos
anos 70, foram durante muito tempo consideradas como “perfiféricos”. (Pierre
Lévy, 1996, p. 101)
Num momento em que vivemos uma “verdadeira revolução tecnológica”, em que somos
interpelados na vida cotidiana por diferentes tecnologias digitais e de informação
projetadas para acessar, processar e transmitir informações – cartões magnéticos,
secretaria eletrônica, hipods, mp3, correio eletrônico, computadores – parece ser quase
“imperativo” não estarmos familiarizados com elas. A dependência das novas
tecnologias para nos comunicarmos, para fazermos operações bancárias, para
pesquisarmos informações nos sites de busca, para escutarmos músicas, renovarmos
livros emprestados da biblioteca e uma infinidade de outros usos na vida diária nos
confere um sentimento de pertencimento ao mundo (FISCHER, 2006). Contudo, cabe
enfatizar que este impacto não é uniforme, envolvendo “variáveis sócio-históricas, [...]
aspectos individuais e organizacionais, em níveis macro e microssociais, isto é,
governo, sociedade, família entre outras organizações sociais nas quais os indivíduos se
estruturam” (PASSERINO & PASQUALOTTI, 2006, p. 247)
Falando sobre seu processo de inserção neste mundo digital novo, em geral, e no uso do
computador, em especial, os participantes do curso nos falam, em primeiro lugar, na
necessidade de fazer parte deste mundo, tanto para o uso profissional, quanto para o uso
privado. Este processo não é simplesmente uma aprendizagem cognitiva de algo novo,
mas um processo de entrada em um mundo diferente, o que também provoca fortes
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sentimentos.
Para
melhor
entender
este
processo,
podemos
organizar
os
pronunciamentos em diferentes unidades de análise.
3.1 “Eu tava me sentindo um alienígena”
Por se tratar de um curso introdutório, os participantes possuíam nenhum ou pouco
contato com o computador, muito embora, nove dos 12 alunos tenham computador em
casa. Tal fato pode indicar o uso do computador por filhos e netos e a vontade de
iniciar-se no campo da informática, utilizando os diferentes recursos que os programas
computacionais e a internet podem oferecer, conforme podemos observar nas falas
abaixo:
E agora, vendo as filhas trabalhar com Auto Cad, uma série de coisas em
casa, eu comecei a achar interessante, internet, uma série de coisas. E a
gente tem microcomputador em casa pra elas, então, daqui a pouco, uma
pesquisa na própria área da Odontologia, eu posso entrar no Google, eu
posso fazer. É um recurso que está dentro da minha própria casa e que eu
não venho utilizando. (Nilton, 60a, dentista)
[...] eu resolvi, me dei de Natal um computador e achei que eu teria que me
atualizar. (Eleonora, 75a, advogada)
Essas situações evidenciam a dimensão que a informática vem ocupando em nossas
vidas, tal qual aconteceu com a inserção de antigas tecnologias, como é o caso da
televisão, que aos poucos se tornou um objeto essencial em todas as casas. Ter um
computador, possuir um correio eletrônico e saber informática significa, hoje, pertencer
a uma sociedade que se comunica e se constitui por meio dessas invenções. Na fala de
Eleonora observamos que ainda que ela não soubesse informática, sentiu a necessidade
de ter um computador. Parece-nos que, de algum modo, o fato de sermos atravessados
constantemente pelas novas tecnologias nos faz desejar conhecê-las e consumi-las: ao
adquirir determinado bem o sujeito também “adquiri” uma certa identidade (FISCHER,
1999). Ao me identificar eu também sou identificado, e isso me faz pertencer a
determinado grupo.
Trata-se de um movimento observado em todo o Brasil, que transforma a posse de um
computador cada vez mais em um objeto de consumo regular. Tal fato pode ser
facilmente percebido por meio dos encartes publicitários de lojas e supermercados, que
antes só apresentavam equipamentos de informática em seções especificas, e hoje, além
destas, veiculam esses aparelhos junto a outros eletrodomésticos. Os dados do PNAD
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(Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílio) demonstram um constante avanço
deste novo “objeto de consumo”. Em 2003, somente 15,3% dos domicílios tinham um
computador. Já em 2006, este número aumentou para 22,1%, fazendo com que
computador seja o bem durável com maior crescimento nas casas brasileiras.
Bianchetti, em seu livro “Da chave de fenda ao laptop” (2001), nos diz que “as
tecnologias digitais estão aí e a condição para continuar coetâneo ao tempo-espaço em
que cada um vive é aderir, apropriar-se, fazer uso individual e coletivo dessas criações
humanas” (p. 14). Para Lévy (2000), a cibernética se dá por uma interação do tipo
“todos e todos” - descrita por ele como uma inteligência coletiva – e daí a importância
da pessoa conhecer as ferramentas para poder se tornar uma “emissora” de informações.
O fato de não saber “o que todo mundo já sabe” faz com que o sujeito se sinta
“diferente”, “anormal”, “não pertencente”, “alienígena”:
Sempre houve interesse da minha parte, em aprender porque eu tava me
sentindo um alienígena, fora do contexto em não saber. (Toni, 58a,
vendedor)
Porque agora computação todo mundo tá fazendo. Até as crianças tudo
falam em computador e internet. E, eu tava meio pra trás, não sabia nem
abrir, nem fazer nada. (Catia, 55a, cozinheira)
Sentir-se anormal, “fora do contexto” por não saber manusear um computador, faz com
que o sujeito busque uma nova posição, não problemática, que é aquela ocupada por
todos que dominam o meio digital. Vivemos em um tempo de grandes transformações,
em que, atravessados pelas novas tecnologias, somos chamados a estabelecer novas
formas de relação com o saber, com os outros e com nós mesmos. Pertencer, neste
sentido, significa acompanhar o tempo e sentir-se incluído em “comunidades” ou
excluído do mundo das novas tecnologias (FISCHER, 2006).
Então eu não posso ficar por fora disso, tenho uma certa preguiça em usar
aparelhos, uma certa impaciência, máquinas e tal, mas é isso agora, então ou
entro nisso ou eu fico do lado, nem do lado porque vai pra adiante e eu fico
para trás e isso não me interessa mais. (Dinorá, 56a, professora)
[...] se eu não fizer este [referindo-se ao curso] eu não to acompanhando o
tempo, eu to parada no tempo. (Marina, 63, funcionária pública)
É importante salientar que o manuseio do espaço cibernético não é uma tarefa simples.
Enquanto um livro possui uma estrutura linear e estática, as páginas da web estão em
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continua transformação, “crescendo indefinidamente sem haver, no entanto, a presença
de um controle centralizado” (AMORETTI, 2005, p. 175). Na verdade, é como se
existisse uma única página, em que todos os documentos e autores estão interconectados
(LÉVY, 1998). Navegar na internet exige um alto nível de abstração e de complexidade
por parte do sujeito, visto que a partir de um texto primário – o “texto fonte” – se pode
sair e voltar indefinidamente. Essa relação com o espaço ciber modifica a forma como
produzimos e pensamos nossos textos, criando novos registros de escrita (VEIGANETO, 1999).
Pierre Lévy argumenta que estamos no limiar de uma transformação radical
da inteligência. Segundo ele, depois de a Humanidade ter vivido uma longa
fase em que o pensamento/inteligência estava baseado na oralidade, seguiuse uma outra fase, baseada na escrita linear; e agora estaríamos entrando em
uma terceira fase, baseada na hipertextualidade. Nesse terceiro estágio, a
inteligência adquire uma, digamos, dimensão coletiva (Idem, 1999, p. 122).
Não saber usar um computador nos dias atuais é conceituado, pelos participantes do
curso, como uma espécie de analfabetismo digital do qual ninguém quer fazer parte. Por
assumirem “características de produção, veiculação, consumo e usos específicos”
(FISCHER, 2006, p. 75), os conhecimentos de informática tornam-se cada vez mais
essenciais nos modos de existir contemporâneos, sendo tão importantes, em alguns
contextos, quanto o saber ler e escrever.
Porque eu me sentia analfabeto. (Ricardo, 71a, representante comercial)
[...] Olha, eu acho que era tempo de eu criar vergonha, não é? Eu tenho
visto este mundo virtual, computação se espalhando pelo mundo inteiro
numa forma tão acelerada que todo mundo em volta sabe computação e eu
não. E por isso, para aí um pouquinho, eu vou tomar jeito, vergonha, eu vou
tomar uma atitude em relação a isso, vou aprender. (Rubens, 56a, autônomo)
3.2 No trabalho eu já to precisando
Alguns participantes do curso indicaram que a necessidade de atualização profissional
encontrava-se dentre as suas motivações para a realização do curso. Entre os alunos,
quatro deles, que ainda mantêm suas atuações profissionais, possuem computador nos
locais de trabalho. Essa circunstância aponta para o gradativo predomínio das inovações
tecnológicas no mundo do trabalho e as conseqüências da demanda da incorporação de
tais avanços pelos trabalhadores.
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A exigência de adaptar-se rapidamente à competição levou, nos anos 90, a um forte
movimento de modernização nas empresas, incorporando tanto novas tecnologias
quanto novas formas de produção (JORNADA et al, 1999). Mas esse movimento não
está ocorrendo em todos os lugares da mesma forma. Máquinas velhas convivem com
equipamentos novos e, em alguns casos, especialmente em empresas pequenas, não há
nenhuma modernização, conforme podemos observar na fala abaixo:
eu trabalho em uma escola de música, na secretaria, e lá eles estão querendo
colocar um computador para agilizar mais o trabalho, para deixar mais prática
a rotina da escola. (Rubens, 56a, autônomo)
No contexto brasileiro, a partir dos anos 80/90, em função da saturação do mercado de
trabalho e dos avanços tecnológicos, começou-se a produzir um discurso que enfatizava
a importância produtiva dos conhecimentos e da educação (GENTILLI, 1998).
Observamos o surgimento dos termos saber e competência no meio empresarial para
caracterizar o novo perfil de trabalhador. Nesse sentido, segundo Bianchetti (2001),
além do conhecimento passam a ganhar destaque aspectos relacionados às atitudes e
posturas do trabalhador. Além disso, o que determina a inserção e a manutenção do
sujeito no mercado de trabalho “é o uso do conhecimento, isto é, a capacidade de
operacionalizá-lo no momento de identificar e solucionar os problemas no processo de
trabalho” (p. 21). Mas como mobilizar saberes e prever eventos quando se desconhece a
as ferramentas tecnológicas predominantes no ambiente de trabalho?
Vivemos em um contexto de trabalho precarizado – desempenho de várias funções nos
locais de trabalho, terceirização de serviços para a própria empresa e extinção de cargos
que oneram o valor do produto – em que o trabalhador tem que competir pelas escassas
vagas de emprego, e, assim, vê sua inserção na economia comprometida. A necessidade
de competir no mercado de trabalho faz da qualificação e da educação elementos de
empregabilidade. Dessa forma, segundo Frigotto (1998), através do discurso neoliberal
que prega a competição, desloca-se a responsabilidade social pela educação para o
plano individual.
E eu, como trabalho na secretaria, tenho que acompanhar isso. Eu tenho que...
Para isso eu tenho que aprender, arranjar um computador, fazer um curso para
desempenhar bem a função. Eu sei que eu desempenho muito bem a função
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sem o computador, mas melhor vai ser com o computador. (Rubens, 56a,
autônomo)
[...] eu estou aguardando uma vaga numa empresa e eu tenho que ter o curso
de computação.” (Nina, 56a, professora)
Para Deluiz (2001, p. 15), “no mundo dos sem-emprego a lógica das competências leva
a uma culpabilização pela sua situação de exclusão e busca de uma empregabilidade”.
Portanto, o discurso da competitividade prega que a pessoa é responsável pelas suas
escolhas e por sua aquisição, ou não, de educação necessária para tornar-se empregável.
Nesse sentido, não se tem escolha para as pessoas que desejam continuar trabalhando
com ferramentas outras, que não sejam digitais. O cyberanalfabeto não tem saída: ou se
alfabetiza para lidar com as tecnologias digitais ou estará colocando em risco sua
subsistência e engrossando as filas de desempregados ou dos empregados informais do
país (BIANCHETTI, 2001).
Com a atenção voltada às posturas e comportamentos do trabalhador e à sua capacidade
de mobilizar conhecimento para a resolução de problemas, as empresas passaram a
valorizar as conquistas individuais da formação, sobretudo escolar, em função de suas
necessidades. Dessa forma, a aprendizagem é orientada para ação, e a avaliação das
competências do trabalhador baseia-se em uma performance individual. (SEMTEC,
2003). Nesse sentido, observamos o receio dos participantes do curso de tornarem-se
dependentes de colegas de trabalho. A dependência, nesse contexto, pode representar o
desemprego e a exclusão do mercado de trabalho.
Tinha que correr por fora, pedir para terceiros me tirarem informações.
(Eleonora, 75a, advogada)
[...] senão [referindo-se ao uso da internet], tinha que ficar esperando um
outro que sabia. (Toni, 58a, vendedor)
Chegou um momento que eu me dei conta que: primeiro, eu não gosto de
depender, eu tenho medo de depender e eu percebi que eu estava
dependendo e, pior de tudo, é tu depender, e a ajuda que tu recebe não é a
que tu quer. Aí eu pensei: “ - Eu tenho que aprender para fazer como eu
quero”. (Ricardo, 71a, representante comercial)
Os desafios para uma educação digital para adultos maduros são inúmeros. Nossos
adultos e idosos, que estudaram em um tempo em que as pesquisas eram feitas em
livros, o conhecimento “estocado” na memória e transmitido das gerações mais velhas
para as mais novas, sentem maiores dificuldades em lidar com a complexidade das
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tecnologias, visto que estas exigem um alto nível de abstração para serem utilizadas. O
depoimento abaixo mostra a dificuldade encontrada em passar da forma de pensamento
concreta para a abstrata.
No trabalho eu já to precisando, eu sabia o mínimo, eu não sabia ligar o
computador, entrar no programa. Eu tirava um relatório e fazia pedido de
aquisição pro material porque eu decorei a seqüência eu não entendia o que
eu tava fazendo. (Rosa, 47, enfermeira)
Os sujeitos dessas gerações foram formados e atuaram por muitos anos em suas funções
utilizando elementos concretos. No entanto, hoje temos a necessidade de uma
compreensão que ultrapasse o aspecto visível da tecnologia (BIANCHETTI, 2001). Por
exemplo, ler um texto impresso no papel não é a mesma coisa que ler as informações da
Internet no computador. Mesmo que a base para estas operações seja a leitura, elas
demandam comportamentos diferenciados dos leitores.
Dessa forma, navegar pela internet significa criar novas atitudes, novas
competências e habilidades a fim de manejar a leitura e a escrita digitais.
Enquanto que a página de um livro é virada; de forma seqüencial, as páginas
da Internet são desdobradas em associações infinitas (AMORETTI, 2005).
3.3 “Entrar para um mundo muito interessante e maravilhoso”
O computador, apesar de apresentar certa complexidade no seu uso, possibilita, ao
sujeito digitalmente alfabetizado, o acesso a uma ampla rede de informações e
conhecimentos. Estes são aprendidos cada vez mais velozmente, num fluxo contínuo
que nos possibilita, através das “infindáveis” páginas da web, estar ao mesmo tempo em
muitos lugares, ultrapassando, assim, determinadas “fronteiras”. De acordo com Lévy
(2000), a internet converge para uma interconexão universal, abrindo portas para o
contato com diversas culturas, nos incitando “a olhar o mais longe possível no tempo,
no espaço e no pensamento”. (p.35)
Com a internet tu tem a possibilidade de entrar no Google, por exemplo. Pega
o nome de um autor que tu quer saber alguma coisa e entra para um mundo
muito interessante e maravilhoso que tu não sabe o que tu vai ver primeiro.
(Ricardo, 71a, representante comercial)
[...] [para mim] é uma distração, saber entrar na internet, sair. (Marina, 63,
funcionária pública)
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[...] [quero] descobrir os prazeres e o todo conhecimento que a internet pode
me dar. (Dinorá, 56a, professora)
Esse mundo de “magia”, “fascinação” e “descoberta” também confere ao sujeito certa
autonomia, na medida em que o contato com o mundo cyber lhe possibilita acessar
informações relevantes em diferentes contextos. Na fala de Cátia, podemos observar o
quanto a internet lhe ajuda na hora de preparar uma refeição em casa. Já para Dinorá, o
saber informático é útil nas suas atividades de lazer, visto que ela observa a
incorporação cada vez maior das novas tecnologias em diferentes espaços, como é o
caso dos museus e galerias de arte.
[...] eu gosto muito de ver aqueles programas da Ana Maria quando eu to em
casa. Então às vezes, ah procura no site! E tu vai ver a receita que eles dão e
as vez tu perde alguma parte. Se eu tenho computador eu vou lá, pesquiso e
já fico sabendo o que tinha no prato. (Cátia, 55a, cozinheira)
[...] não sei se realmente eu vou voltar à atividade profissional [...] Mas, seja
lá o que eu for fazer, vai me ser útil e eu vou estar atualizada, não vai ser uma
coisa que eu chego numa exposição por exemplo, se tem algo de computador,
eu tô bloqueada, não me sinto bem. (Dinorá, 56a, professora)
Além desta busca mais “individualizada”, no sentido do sujeito procurar informações e
conhecimentos diversos para a sua auto-instrumentalização, a internet também nos
possibilita um maior “alargamento das fronteiras”, sendo promotora de diferentes
contatos, entre sujeitos que vivem próximos ou potencialmente distantes. Por meio de
salas de bate-papo, caixa postal, msn, skype, orkut e blogs “novas modalidades de
relações afetivas e sexuais” (LÉVY, 2000, p.49) estão surgindo, produzindo outras
formas de nos relacionarmos com o outro.
E num tempo em os laços familiares estão geograficamente multiplicados - devido, por
exemplo, ao alto índice de divórcios e da entrada massiva das mulheres nos postos de
trabalho, que faz com que tanto elas quanto os homens migrem na busca de melhores
oportunidades salariais – os meios de comunicação, mais precisamente aqueles
advindos com a internet, têm-se mostrado grandes aliados no contato entre as gerações.
Por isso, não é de “se estranhar” que Marina e Rosa pontuem que usarão a internet para
se comunicar com a família e com os amigos:
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Os meus netos querem passar e-mail, eu quero passar e-mail para os meus
netos, quer dizer, eu tento, agora já to mais, já to passando, para meus
amigos. (Marina, 63, funcionária pública)
Eu vou usar para me comunicar, principalmente a internet com os meus
familiares. (Rosa, 47, enfermeira)
Observando os relatos dos participantes sobre o modo como se sentem em frente ao
computador, ainda podemos destacar o empoderamento - ou não - que os saberes da
informática conferem ao sujeito. Dinorá, por exemplo, sente-se mais autônoma e
confiante ao utilizar o computador.
[...] me sinto mais dona de mim por estar sentada na frente do computador.
(Dinorá, 56a, professora)
Em contrapartida, Marina, que tinha grandes dificuldades em manusear a “máquina”,
mostra que não foi ela quem “amansou” o computador, mas ele que a domesticou.
[...] achava uma coisa tão difícil, eu queria ir para um lado, o computador
queria ir para o outro e trancava, aí eu já tirava da tomada. Já to mais
domesticada. (Marina, 63, funcionária pública)
Já Ricardo, remete ao “mundo muito interessante e maravilhoso” da internet. Ao ser
questionado como se sente, ele se mostra deslumbrado com as possibilidades de
pesquisa, conhecimento e comunicação que esta rede o propicia.
Deslumbrado. Eu me sinto assim, como se eu tivesse no globo terrestre e eu
tivesse no meio. (Ricardo)
4 Considerações:
É importante considerar que o grupo investigado possui boa escolaridade e tem uma
perspectiva clara e objetiva quanto ao uso do computador na sua vida diária. Além
disso, têm facilidade de acessar o computador, visto que muitos o possuem ou em casa
ou no trabalho. Outro fator relevante é que esses sujeitos praticamente não possuem
dificuldades com a língua escrita, o que facilita a utilização do editor de texto e dos sites
de busca. Por isso, encontram sentido na aprendizagem de informática.
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Frente aos dados analisados em nosso estudo e o cruzamento destes com outras
pesquisas (PNAD, 2003; DOH, 2007; DOLL, 2007), podemos inferir que a inclusão
digital ainda não é uma realidade de toda a população e que só o seu acesso não garante
um processo de inclusão social. De acordo com Passerino & Pasqualotti (2006), a
inclusão digital refere-se apenas ao acesso de computadores ou da internet pelas
pessoas, mas a sua “utilização para a construção de conhecimento e inclusão social pela
participação em práticas sociais relacionadas e inseridas dentro de um espaço além
daquele que se apresenta como disponível, designado como ciberespaço” (p. 249).
Neste contexto, a educação tem um grande desafio: formar sujeitos para um consumo
crítico e “consciente” das novas tecnologias visto que elas ocupam um lugar importante
no modo de conhecermos, pesquisarmos e nos relacionarmos com o mundo.
5 Referências
AMORETTI, Maria Susana. Internet: inclusão digital. Cadernos de Aplicação, Porto
Alegre, v. 18, n.1, p. 173-179, jan/jun 2005.
BIANCHETTI, L. Da chave de fenda ao Laptop: tecnologia digital e novas
qualificações: desafios à educação. Petrópolis: Vozes, 2001.
DELUIZ, N. O Modelo das Competências Profissionais no Mundo do Trabalho e na
Educação: implicações para o currículo. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro,
v.27, n.3, p. 13-25, set./dez. 2001.
DOH, Michael. Erobern Silver-Surfer das Netz? Stiftung Digitale Chance. Acessível na
Internet:
http://www.stepping-
stones.de/content/stories/index.cfm/aus.10/key.905/secid.16/secid2.49 , acessado em
6/11/2007.
DOLL, Johannes. Educação, cultura e lazer: perspectivas de velhice bem-sucedida. In:
Neria, Anita Liberalesso (org.). Idosos no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo / SESC/SP, 2007 (no prelo).
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FISCHER, Rosa Maria Bueno. Técnicas de Si e Tecnologias Digitais. In: SOMMER,
Luis Henrique; BUJES, Maria Isabel Edelweiss (Orgs.). Educação e Cultura
Contemporânea: articulações, provocações e transgressões em novas paisagens. Canoas:
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