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A presença alemã na América Latina no
Período colonial
Introduçao
A presença alemã nos diversos países da América Latina seguiu, em todos eles, um modelo muito parecido. No
período colonial dos primeiros três séculos os encontramos integrando a tripulação dos navios espanhóis e
portugueses como peritos em navegação, como canhoneiros, como escrivães de bordo, etc. Logo depois da
consolidação das primeiras praças de comércio entram em cena comerciantes alemães, muitos deles a serviço de
importantes casas como os Welser e Fugger, da Companhia das Índias, etc. Nestes casos combinava-se, não raro,
um misto de espírito comercial e aventureiro que fez com que os personagens mais conhecidos tenham sido
representantes paradigmáticos da mentalidade da época na prática comercial, na implantação e consolidação dos
empreendimentos mais diversos e na colocação das bases que orientaram, posteriormente, a gênese, a dinâmica e
a evolução da história da América Latina.
A conquista da América Latina pelos portugueses e principalmente pelos espanhóis não pode ser entendida sem que
se incorpore nela a conquista espiritual. O espírito que animava a conquista pelas armas, a conquista pelo controle
das riquezas do continente, a conquista pela efetiva e definitiva presença ibérica, a conquista pelo povoamento, teve
como alma, como justificativa, como legitimadora, a conquista espiritual. Foi nesta ação que entraram os
missionários das mais diversas ordens religiosas: franciscanos, dominicanos, mercedários e principalmente jesuítas.
O geral da ordem dos jesuítas criara em 1607 a província do Paraguai encarregando-a da “conquista espiritual”,
como o Pe. Ruiz de Montoya classificou a tarefa da ordem na América Latina. Com a revogação da ordem imperial
que proibia a entrada de estrangeiros nas colônias espanholas, elevou-se consideravelmente o número de jesuítas
alemães entre os missionários em atividade nas colônias do Prata e demais regiões do continente. Aos jesuítas
alemães coube de modo especial a transmissão de tecnologias e de conhecimentos artísticos de toda espécie
trazidos da Europa. Otto Quelle, citado em “Die Deutschen in Lateinamerika – Schicksal und Leistung, p.46, resumiu
numa frase a contribuição dos jesuítas alemães:
“Fazendo-se um balanço da atividade desses missionários alemães em tantos lugares na
América Latina no`período que vai de 1660 – 1770, estamos diante da maior obra cultural
realizada por alemães na América Latina, nos séculos 17 e 18”. (Deutschen in Lateinamerika, p.
46)1
Uma terceira via que franqueou a entrada de alemães na América Latina foi o comércio, a participação em
empreendimentos que exigiam a aplicação de tecnologias de que as colônias careciam na mineração, na instalação
de portos, na abertura de estradas, na construção naval e navegação fluvial e marítima, no planejamento e na
execução de projetos urbanos, construção de moinhos e engenhos, etc. etc. A diversidade e a exuberância da
natureza da América Latina atraiu um número considerável de cientistas alemães durante os primeiros séculos.
Dezenas de botânicos, zoólogos, geógrafos, mineralogistas começaram a percorrer as mais diversas regiões do
continente inventariando, classificando, descrevendo e retratando plantas, animais, minérios, acidentes geográficos,
climas e paisagens. Outros tantos colaboraram em obras de saneamento, na organização de guarnições militares ou
na própria organização e comando das forças militares coloniais. A diversidade e a qualidade da participação de
alemães neste período supera em muito a de outras nacionalidades. Em qualquer uma das contingências e em
outras não mencionadas, porém, a presença desses alemães, durante no período colonial da América Latina,
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Fröschle, Harmut (org). Die Deutschen in Lateinamerika - Schicksal und Leistung, Horst Erdmann
Verla, Tübingen und Basel, 1979, p.46.
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apresentou características comuns em todos os países do continente. Tratava-se de indivíduos ou no máximo de
uma ou outra equipe menor que se desincumbiam dessas múltiplas tarefas.
Além de participarem na exploração dos caminhos marítimos e terrestres de acesso a América Latina e no interior
de seus territórios, além de integrarem as equipes de missionários, principalmente jesuítas, além de contribuírem
ativamente na implantação e na consolidação e ampliação do comércio, além de desempenharem um papel
fundamental na pesquisa pioneira dos recursos naturais minerais, vegetais e animais, além de contribuírem
decisivamente na transferência de todo o tipo de tecnologias trazidas da Europa para as colônias espanholas e
portuguesas, além de tudo isso, os alemães tiveram um papel de fundamental importância na história da vida
pública das colônias e mais tarde dos países da América Latina. A presença e a participação alemã foi fundamental e
em muitos casos decisiva na condução político-adminsitrativa de vários dos mais importantes países do continente.
Os casos mais exemplares encontramos no Brasil, na Argentina e no Chile. Há, porém, um setor da história pública
dos países latino-americanos, e, novamente com destaque para o Chile, a Argentina e o Brasil, em que a
contribuição alemã foi decisiva. Referimo-nos aos alemães incorporados como soldados e principalmente como
oficiais com patentes superiores nas tropas destes países. A organização, as táticas militares e principalmente o
princípio da disciplina teve uma forte inspiração no modelo prussiano. Figuras proeminentes da história militar dos
três países acima mencionados, foram oficiais alemães contratados para executarem tarefas específicas ou foram
oficiais que fizeram carreira nos vários exércitos, conquistando os postos mais altos na hierarquia. Exemplos
concretos serão mencionados quando nos ocuparmos de cada um dos países onde a presença militar alemã foi mais
visível e mais permanente.
Durante o período colonial os alemães não chegaram a constituir grupos maiores estáveis muito menos
comunidades étnicas. Muitos deles permaneceram definitivamente no continente, tiveram filhos com portuguesas,
espanholas, crioulas, mestiças e com freqüência com índias. Seus nomes sofreram corruptelas nos registros ou
foram definitivamente substituídos por nomes espanhóis ou portugueses. Desta forma suas obras, seus feitos e suas
contribuições relacionam-se mais com os indivíduos que as desenvolveram a convite de governos coloniais ou por
conta própria, do que com as organizações ou centros de pesquisa que por acaso fundaram.
Na maioria das vezes viviam com uma ou mais índias. Assim, conquistadores e conquistados
amalgamaram-se num único povo. Também os descendentes dos alemães diluíram-se nessa
raça mestiça euorpéia-índia. Na maioria dos casos seus nomes sofreram corruptelas pelos
escrivães espanhóis ou hispanizados pelos próprios portadores”.
Depois da renúncia de Carlos V somente alemães esparsos chegaram até a América Espanhola.
Desta forma o elemento alemão representa apenas uma gota na mistura de sangue da qual
procedeu o “crioulo”. (Die Deutschen in Lateinamerika, p. 45.)2
Nas páginas que seguem tentaremos caracterizar a presença alemã no Chile na Argentina e no Brasil durante o
período colonial desses países.
Alemães no Chile colonial
O primeiro alemão de que se tem notícia na história do Chile foi Barthel Blümlein, também conhecido como
Bartholomäus Blumen, um comerciante que, partindo de Sevilha, empreendeu viagens para a América do Sul. Em
1540 associou-se ao capitão Pedro Valdivia na sua viagem para o Chile. Consta mais tarde na lista dos 40
integrantes do conselho que indicou Pedro Valdivia administrador da recém-fundada cidade de Santiago. Já em
1541 aparece com o nome de Bartolomé Flores, ocupando o cargo de procurador e síndico. Conhecido como amigo
dos índios teve uma filha na relação que manteve com a filha do cacique. Reconheceu-a como herdeira única das
muitas terras que lhe haviam sido concedidas pelo alto posto que ocupava. A filha Elvira que tivera com a índia foi
2
Fröschle, Harmut, idem, p. 45.
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casada com Peter Lisperguer outro alemão. De Lisperguer com a filha de Blümlein originou-se um importante clã da
aristocracia colonial chilena. Entre seus descendentes contam-se três presidentes sul-americanos, além de outros
homens proeminentes como Manuel e Pedro Montt.
Começa aqui a desenhar-se uma característica comum a todos os países da América Latina que receberam a
contribuição alemã no decorrer de sua história. Numericamente chegou a ser insignificante no período colonial e
modesto depois da independência. Em termos de contribuição nos mais diversos setores da formação dessas
sociedades, porém, pode ser considerada excepcional. O Chile se constitui, neste particular, um dos exemplos mais
completos. No período colonial os registros de alemães ocupados com o comércio, com o desenvolvimento técnico,
com a mineração, ou participando diretamente da organização da sociedade, ou da própria edificação da
nacionalidade chilena, não passam em muito dos dois nomes acima citados. Há entretanto no período colonial uma
contribuição muito significativa de jesuítas alemães como foi o caso também em toda a restante América Latina. Mas
também neste caso constata-se uma visível diferença em relação, por ex., aos países do Prata. Nesta região todo o
empenho dos jesuítas, também dos alemães, concentrou-se na atividade missionária nas reduções sob o domínio
dos espanhóis e nos aldeamentos dos jesuítas portugueses. Os jesuítas alemães enviados ao Chile durante o
período colonial não reduziram ou aldearam indígenas, não chegaram propriamente para serem em primeiro lugar
missionários, mas para atuarem como fermento no contexto da formação da sociedade colonial chilena. E entre os
jesuítas, obviamente na maioria de procedência espanhola, contavam-se numerosos membros da ordem vindos dos
estados alemães, da Áustria e da Suíça, etc. A importância de sua contribuição cultural ficou magnificamente
resumida na obra já várias vezes citada: Die Deutschen in Lateinamerika:
Jesuítas alemães desempenharam um papel brilhante no Chile. Um dos primeiros jesuítas a
trabalhar em solo sul-americano desde 1616, foi Andreas Feldmann natural de Hegau na
Badênia. Desenvolveu suas atividades no Chile desde 1625 até a sua morte. Um tirolês de nome
Bitterich exerceu a atividade de escultor, arquiteto e engenheiro. Foi grande a sua influência
sobre o desenvolvimento artístico do Chile no século 18. A ele seguiram grupos inteiros de
jesuítas, profissionais em todos os tipos de artes e ofícios. É conhecido, por ex., que na bagagem
de 45 jesuítas contavam-se 386 caixas e fardos contendo ferramentas, livros, instrumentos de
música, artigos farmacêuticos e até os equipamentos para montar uma tipografia. O historiador
Barros Arana emitiu a seguinte opinião sobre o grupo: Fundiam sinos do tamanho e de uma
beleza, que se sobrepunham a tudo o que se conhecia até então no Chile. Fabricavam móveis
para igrejas e sacristias com tal acabamento e grandiosidade que despertava a admiração dos
contemporâneos. Construíam rocas para o processamento de tecidos de lã. Serra um outro
historiador escreve que jesuítas alemães haviam pesquisado o sul 100 anos antes de serem
instaladas os assentamentos de alemães. Entre os jesuítas alemães e de fala alemã
encontravam-se igualmente lingüistas que se ocupavam com a língua dos araucanos. Menção
toda especial merecem os farmacêuticos a maioria bávaros. A Zeitler, o mais notável entre eles,
foi concedida a autorização especial de permanecer mais quatro anos, após a expulsão dos
jesuítas de Santiago em 1767. Não era apenas farmacêutico, como também químico e médico
prático. Já no século 18 os jesuítas empenharam-se no desenvolvimento do ensino superior no
Chile. Davam ênfase às ciências humanísticas, de modo especial a história universal e a língua
grega. (Deutschen in Lateinamerika, p. 303-304).3
Alemães na Argentina colonial
Da mesma forma como aconteceu no Chile também na Argentina a presença alemã se faz notar desde os primeiros
anos depois do descobrimento da América. As evidências mais antigas relativas à contribuição alemã na exploração dos
territórios que formariam mais tarde a Argentina, aparecem na expedição de Fernão de Magalhães. Cartógrafos,
impressores, náuticos, canhoneiros e outros peritos alemães gozavam de excelente conceito junto à corte portuguesa.
3
Fröschle, Hartmut, idem p. 3 03-304.
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Quando o navegador empreendeu a viagem à procura de uma passagem até "as ilhas das especiarias", contornando, a
serviço do rei de Espanha, o extremo sul da América, valeu-se das cartas náuticas desenhadas por Martin Bechaim ou
Martin de Boemie, como registrou o cronista da viagem. Parte da viagem, num valor de 10.000 ducados, foi financiada
pela Casa Fugger através do seu representante na Espanha. Trata-se do óbvio quando se afirma que havia um número
considerável de alemães embarcados nos cinco navios da expedição. Um deles mereceu referências especiais dos
cronistas da viagem. Trata-se do primeiro sargento canhoneiro Hans Varge de apenas 25 anos. Após muitas peripécias
os navegadores chegaram finalmente às ilhas nos mares do sul. Hans Varge sobreviveu à fome e ao escorbuto e
conseguiu livrar-se das armadilhas dos moradores das ilhas. Aprisionado pelos portugueses nas ilhas Molucas, passou
cinco anos em prisões desumanas e finalmente transportado para Lisboa morreu no calabouço do "Limonero".
Como recompensa pelo suporte financeiro recebido pelos Fugger e Welser, o imperador Carlos V. concedeu às duas
casas, em 1525, os mesmos direitos que aos espanhóis, para atuarem nos territórios de interesse dos espanhóis no
além-mar. Já em 1526 foi organizada uma expedição para, contornando a América do Sul e passando pelo estreito
de Magalhães, alcançar as ilhas dos mares do sul. O comando coube a Sebastião Caboto e nela tomaram parte
representantes das duas casas. Caboto, alcançado o rio da Prata, deixou-se convencer por informações de índios
brasileiros sobre fabulosas montanhas de prata. Num ato de flagrante desobediência aos superiores mudou o roteiro
original da expedição e subiu o rio da Prata em busca das jazidas de prata no Peru. Na expedição viajavam Hans
Brunberger, agente dos Fugger e Kasimir Nürnberger da casa Welser. Por força de um acordo entre a casa Fugger e
o Conselho das Índias toda a região sudoeste do continente até o estreito e Magalhães passou para a sua influência.
Houve várias tentativas de implantar colônias na América do Sul por parte dos Fugger. O que, porém, mais
interessou e mais foi realizado pelos eles e os Welser foram atividades comerciais.
As expedições de 1535 tiveram como finalidade principal o reconhecimento do país. Deixaram como marcos
duradouros de sua passagem alguns dos expedicionários que as acompanharam, dispersos em diversos pontos do
rio da Prata. A primeira expedição, com o propósito real de estabelecer assentamentos duradouros ao longo do rio,
começou com o empreendimento de D. Pedro de Mendonça com a sua viagem à América do Sul em 1535,
embarcado em 14 navios e uma tripulação total de 1.500 homens. Um desses navios pertencia ao banqueiro de
Augsburg Sebastian Neithart e do comerciante de Nürnberg Jakob Welser. Nas tripulações encontravam-se ainda 80
alemães. Entre esses tripulantes viajava o jovem primeiro sargento Utz Schmidl de 25 anos, integrando o contingente
de arcabuzeiros.
O projeto de colonização de Mendonça enfrentou duas dificuldades insuperáveis que terminaram por frustrá-lo. Em
primeiro lugar foram os marinheiros e os agricultores que levara preferiram proteger-se numa "cidade" de choupanas
cobertas de palha cercada por uma paliçada. Deixavam-se abastecer de carne e de peixes pelos índios Querandis.
Estes finalmente cansaram e negaram-lhes os suprimentos. Uma expedição foi organizada para castigar os índios,
mas estes se aliaram aos vizinhos e sitiaram a "cidade". Depois de um mês os espanhóis partiram reduzidos a
apenas 600 homens.
Schmidl participou da expedição de Domingo Irala e participou da fundação de Asunción. Desta maneira transferiu-se
de Buenos Aires para Asunción o centro das atividades dos espanhóis na região. Depois de consolidar sua
autoridade sobre Asunción e os povos indígenas nas redondezas, Irala empreendeu uma expedição até o Perú
sempre acompanhado por Schmidl e um cronista alemão. Depois da aventura ao Perú Schmidl despediu-se de seu
"capitão" na América e em companhia de 20 índios abriu caminho até São Vicente em São Paulo onde embarcou
para a Europa. De volta à pátria escreveu a obra "Descrição Verdadeira". O general Mitre observou a respeito da
importância da obra como fonte histórica:
Ele (Schmidl) é um observador tranqüilo e atento da natureza, despreocupado e sem fantasias...Relata os
acontecimentos de maneira seca e objetiva, sem enfeites e sem digressões. Só ocasionalmente emite um
juízo ou faz uma observação que leva a pensar, uma constatação de natureza etnográfica, geológica,
estatística, astronômica o de conhecimentos da natureza. Em poucas pinceladas nos brinda com um
retrato, uma paisagem, um animal ou um planta, contribuindo assim com a concepção que temos de
5
povos e raças esquecidos. Oferece também um material útil para entender a história da colonização do
Rio da Prata pelos povos da Europa. ( citado em Die Deutschen in Lateinamerika, p. 45)4
Depois da conquista seguiu a verdadeira colonização. Sobre o destino dos pioneiros europeus e no caso específico
dos alemães que ficaram para sempre na América Latina, em qualquer um dos países, aplica-se o que acima já foi
observado.
Na maioria das vezes viviam com uma ou mais índias. Nos seus filhos conquistadores e conquistados
amalgamaram-se num único povo. Também os descendentes dos alemães submergiram nessa raça
mestiça européia-índia. Seus nomes foram na maioria dos casos deturpados pelos escrivães holandeses
ou então hispanizados pelos próprios portadores.
Depois da renúncia de Carlos V somente alemães esparsos chegaram até a América espanhola. Desta
maneira o elemento alemão significa apenas uma gota na mistura de sangue da qual emergiu o "crioulo".
(Deutschen in Lateinamerika, p. 45).5
Um capítulo de especial importância na história da América latina colonial cabe aos jesuítas, como já foi observado
em relação ao Chile, com destaque especial para os missionários oriundos das regiões onde predominou a "ordem
alemã": Áustria, Suíça, Silvais, Boêmia, Baviera etc. Antes de referir nomes e apontar as respectivas contribuições é
preciso chamar a atenção para um detalhe histórico importante. No período em que a presença de jesuítas alemães
foi mais significativo, 1600 a 1770, o território da atual Argentina, do Paraguai e uma boa parte do sul do Brasil, hoje
pertencentes aos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, encontrava-se sob a jurisdição da
administração colonial espanhola. Com a finalidade de facilitar o governo e a "conquista espiritual" nesta imensa
região, o Geral da Companhia de Jesus criou em 1607 a província do Paraguai. A ela estavam subordinadas as
grandes frentes missionárias dos arredores de Buenos Aires e do Pampa, do Chaco e de modo especial dos povos
guaranis longo do Uruguai e do Paraná. Até aquele momento esses povos haviam sido atendidos pelos missionários
itinerantes, com destaque para os franciscanos, que percorreram esses territórios durante décadas, porém, sem
resultados permanentes e duradouros. Uma das primeiras medidas foi implantar centros de missionagem estáveis
em pontos estratégicos. Depois de revogada a proibição da imigração de estrangeiros para as colônias espanholas,
o número de missionários de origem alemã cresceu visivelmente e inaugurou-se um período de mais de um século
de intenso crescimento cultural. Mais do que para qualquer outra região da América Latina vale para o Prata a
opinião expressada por Otto Quelle do Instituto Ibero-americano de Stuttgart, valendo de modo especial para o
período entre 1660 e 17770:
Quando se faz uma avaliação global da atividade dos missionários alemães em tantos lugares na
América do Sul entre 1660 e 1770, estamos frente ao maior feito cultural dos alemães na América do Sul
no século 17 e 18. (Deutschen in Lateinamerica, p. 48).
O primeiro grande missionário jesuíta a desembarcar na região do Prata foi o tirolês Anton Sepp. Seu nome
completo era Anton Klemens Sepp von Seppenburg. Desde muito cedo demonstrou um dom todo especial pela
música. Integrou o coro dos meninos da capela imperial e numa viagem posterior até a Inglaterra, viu abrir-se à sua
frente uma brilhante careira como artista. Numa decisão repentina e definitiva decidiu renunciar à carreira e entrar na
ordem dos jesuítas. Contando 36 anos os superiores o enviaram para as missões do Prata. Cheio de detalhes ele
mesmo relatou a sua viagem de navio em companhia de couros mal cheirosos, ovelhas, galinhas, porcos,
percevejos, piolhos e pulgas. Descreveu depois a viagem pelo rio da Prata e o Uruguai em direção às reduções, em
canoas conduzidas por remadores índios, como bem mais agradável e muito mais confortável. Seu destino veio a ser
a redução de Yapejú, dedicada aos Reis Magos. Em pouco tempo a redução transformou-se no centro da educação
musical de todas as missões. Além das atividades pastorais e do ensino da música o Pe. Sepp dedicou-se aos
doentes, preocupou-se com o trabalho nos campos, com as atividades nas oficinas, com a preservação dos templos
e com as moradias dos nativos. Sob sua condução a redução de São Miguel evoluiu a tal ponto que não demorou
4
Fröschle, Harmut, idem, p. 45
5
Fröshle, Hartmut, idem, p. 45.
6
que a superpopulação levasse à fundação das reduções filiais de São João Batista, São Luís, São Xavier, La Cruz
e São José, onde faleceu 1733 com 77 anos de idade.
O Pe. Sepp deixou, além das descrições de viagem uma outra obra com o título latino "Continuatio Laborum
Apostolicorum", que também teve uma edição em alemão. Os demais escritos permaneceram manuscritos. Os
escritos de Sepp somados aos do Pe. Florian Baucke e do Pe. Dobritzhoffer enumeram-se entre as fontes mais
importantes das missões jesuíticas do Prata.
Outro jesuíta alemão que se destacou nas missões do Prata foi o Pe. Florian Bauke, nascido em 1719 na Silésia.
Tinha em comum com o Pe. Sepp o talento musical. De resto, entretanto, distinguia-se do coirmão pelo seu tino
prático e artístico. Descreveu sua viagem para a América e suas experiências como missionário num livro intitulado
"Hin und Her" (Para Cá e para Lá). A obra mostra Bauke como
...um homem de temperamento jovial que sabia lidar com as dificuldades. Muito menos expansivo que
Sepp, mas de forma alguma árido. As histórias que permeiam as narrativas não são novelísticas como as
de Sepp. Não se alinham com o barroco tardio mas com a ilustração. (Deutschen in Lateinamerika... p.
50).6
Bauke foi destinado pelos superiores para as missões do Chaco. Seu primeiro posto de trabalho foi a Missão de San
Javier entre os mocobieros (Mokobieren), um povo nômade, rude e guerreiro, de índole rebelde, muito mais difíceis e
refratários dos que os guaranis do Pe. Sepp, muito mais dóceis e predispostos ao trabalho.
A primeira iniciativa que tomou foi tentar substituir as cabanas de barro com moradias de tijolos e cobertas com
telhas. Só a muito custo conseguiu motivar os índios para o trabalho nas olarias e na construção das casas.
Costumavam trabalhar apenas enquanto lhes dava prazer para então entregar-se à bebedeira, vício generalizado e
profundamente arraigado entre eles. Depois de interditados os locais públicos de consumo de cerveja de milho e
algarroba, embebedavam-se às escondidas. Só a muito custo e com algum êxito o Pe. Bauke conseguiu substituir a
bebida alcoólica pelo mate importado das outras reduções. Teve que travar para fazer uma batalha ainda maior para
que os nativos aceitassem dedicar-se a uma agricultura sistemática e de acordo com padrões capazes de dar
resultados compensadores. O missionário registrou, contudo a sua admiração pela extraordinária capacidade de
trabalho e principalmente de aprender, uma vencidas as resistências iniciais. Demonstravam habilidade toda especial
quando se tratava de aprender música, trabalhos manuais e de modo especial trabalhos de marcenaria, tornearia,
escultura, pintura, tecelagem....
Os resultados do imenso esforço do Pe. Bauke em substituir o ócio e a bebedeira pelo trabalho sistemático, não
tardaram em aparecer. Em pouco tempo a redução contava com 30.000 cabeças de gado. Não demorou e San
Javier tornou-se conhecida pelas esculturas de seus homens e os tecidos de suas mulheres, além do coral e da
orquestra de violinos, celos, flautas, harpas e tubas, freqüentemente convidados para apresentações em Santa Fé e
Buenos Aires.
O Pe. Bauke teve ainda tempo para fundar a nova redução de San Pedro, antes de o decreto real de 1767
interrompesse a atividade dos jesuítas nas colônias espanholas. Tinha conquistado de tal maneira a simpatia e a
fidelidade dos índios, que os espanhóis temiam por uma revolta a tal ponto que o comissário encarregado de realizar
o inventário em San Javier e providenciar a retirada do missionário, a pedir uma escolta armada como garantia
contra uma possível reação dos nativos.
Werner Hoffmann, autor do capítulo sobre os alemães na Argentina na obra "Deutschen in Lateinamerika", concluiu
os seus comentários sobre o Pe. Bauke:
Como em outros casos a expulsão dos jesuítas das reduções junto aos macóbios, significou um pesado
retrocesso para o Chaco espanhol. Os índios de San Pedro abandonaram a aldeia e retomaram a antiga
vida de nômades. San Javier continuou como uma localidade caracterizada pela constante diminuição da
população e aumento da pobreza.
6
Fröschle, Hartmut, idem, p. 50.
7
O Pe. Bauke retornou à pátria. Sua obra "Para Cá e para Lá" (Hin und Her), que pode ser encontrada em
nova edição alemã e na tradução em espanhol, graças às excelentes observações do autor, seu talento
em reproduzir em cores vivas as cenas da vida dos índios, dos animais e plantas dos Chaco, pelas
representações vivas e confiáveis dos dados, é interessante tanto para os historiadores da cultura, como
para os etnógrafos, botânicos e zoólogos. (Deutschen in Lateinamerika, p. 52-53).7
Martin Dobrizhoffer foi mais um dos jesuítas alemães que se destacaram entre os missionários da ordem que
atuaram na região do Prata no período colonial. Como seu coirmão nasceu na Áustria em Steiermark, não no Tirol.
Tratou-se de autêntico cientista. Os superiores destinaram Dobrizhoffer para trabalhar com os Abipones do Chaco,
um povo caracterizado pelos cronistas da colônia como o povo mais desenfreado e amante da liberdade de todo o
Chaco, onde as mulheres cavalgavam de igual para igual com os homens. O autor do capítulo do livro observa: "e
para junto deste povo enviou-se um professor vestido de sotaina". (p. 53).
A vida de Dobrizhoffer entre os índios Abipones pode ser resumida num rosário de infortúnios e insucessos, devido
em grande parte à índole dos nativos e, em parte, sem dúvida à própria personalidade do missionário. Resumiu seu
estado de espírito entre os Abipones na redução de Concepción com o desabafo: "Preferiria morar entre os mouros
do Marrocos do que entre os bárbaros que aqui me cercam". (idem, p. 54).
Depois de inúmeras peripécias e infortúnios foi mandado recuperar-se nas missões dos guaranis por ele mesmo
classificadas como uma "ilha de paz". Alcançou-o aí o decreto de expulsão. Os conhecedores de sua "História dos
Abipones" afirmam dela como sendo um retrato fidedigno deste povo de índole viril, de sua indomável vitalidade,
selvajaria, crueldade e ao mesmo tempo de sua magnanimidade para com os vencidos. Apesar de toda a sua
exatidão científica sabe soube um narrador magistral. Cunnigham Graham afirma de sua obra: "Quem lê essas
narrativas deliciosas não pode deixar de tornar-se amigo pessoal de Dobrizhoffer". (Cf. Die Deutschen in
Lateinamerika. P. 55).
Um quarto jesuíta de nacionalidade alemã, Mathias Strobel de Steiermark, tornou-se conhecido nas missões do
Prata e do Pampa. Atuou por algum tempo entre os Guaranis para depois ser destinado para os índios Pampas. O
contato com os brancos e a conseqüente generalização do vício da bebida haviam arruinado esses povos. Strobel
fixou na redução de Concepción o centre de irradiação de suas atividades. Deu início a um combate sem futuro
contra os comerciantes espanhóis. Buenos Aires encontrava-se demasiado próxima tornando inviável a proteção dos
índios contra os castelhanos. Mais tarde viveu a mesma experiência com Puelches da redução de Pilar nas
proximidades de Mar del Plata.
Strobel foi nomeado superior das missões junto aos Guaranís que somavam em torno de 100.000 índios, na fase
mais crítica dessas reduções nos cento e cinqüenta anos de sua existência. A troca dos sete povos pela Colônia do
Sacramento acertada entre Espanha e Portugal por Fernando VI, previa a transferência dos Guaranis dos Sete
Povos do Rio Grande do Sul, para a margem direita do rio Uruguai. O geral da ordem concordara com a
transferência e o Pe. Strobel, pela dupla obediência que devia ao superior geral e ao rei, viu-se na complicada
missão de tentar a passassem pacifica dos índios para a outra margem do rio. Aconteceu o previsível. Os guaranis
que cultivavam uma grande afeição pelas suas aldeias, terras, plantações e rebanhos de gado, pela primeira vez
rebelaram-se contra os "pais e guias" e recusaram-se a abandonar as aldeias. O que aconteceu depois é por todos
conhecido. Uma parte dos guaranis de fato passou para a margem direita do Uruguai em território Argentino, os
outros, após uma resistência armada sem futuro, derrotados, embrenharam-se nas florestas e retornaram à vida
selvagem, ou permaneceram nas reduções e com elas decaíram física e espiritualmente até um nível deplorável.
O historiador que fixou para a posteridade os episódios que envolveram a troca da região dos Sete Povos no Rio
Grande do Sul pela Colônia do Sacramento, foi um outro missionário jesuíta alemão, natural da Baviera de nome
Bernhard Nussdorfer. Chegou ao posto de reitor do ginásio de Santa Fé e superior provincial da província Paraguai
7
Fröschle, Hartmut, idem, p.52-53.
8
dos jesuítas. Sua obra "Relación" representa uma das fontes mais importantes para o estudo da "Guerra dos índios
Guaranis".
É óbvio que nem todos os missionários jesuítas que foram destinados para a região do Prata tiveram a envergadura
de Sepp, Bauke, Dobrizthoffer, Strobel e Nussdorfer. Um número significativo deles imortalizou-se nas diversas
especialidades a que se dedicaram como missionários entre nativos dos mais diversos povos. A soma de suas
contribuições foi decisiva para o esplendor, o progresso e o nível civilizatório extraordinário alcançado pelas
reduções do Prata entre 1600 a 1770.
Sem a pretensão de fornecer uma lista completa dos jesuítas alemães que se destacaram na época em pauta,
fornecemos os nomes e as obras de alguns deles, afim de possibilitar de alguma forma a avaliação da sua
importância: Johannes Kraus projetou a igreja de Santo Inácio, a mais antiga de Buenos Aires. Sucedeu-o na
conclusão da obra e na construção do colégio o irmão leigo Johannes Wolf natural de Bamberg, por sua vez
substituído por outro irmão leigo Peter Weger, oriundo de Kempten; A magistral obra barroca da igreja da Estanzia
Jesuita Santa Catalina em Córdova foi obra de Anton Harls de Tegersee e a igreja de San Telmo em Buenos Aires
do seu conterrâneo Josef Schmidt. Ao lado dos artistas contam-se artesãos como o fundador de sinos Josef
Klausner de Munique, o ferreiro e construtor de relógios Karl Frank de Innsbruck, os construtores de órgãos e outros
instrumentos de música Sepp, Bauke e Martin Schmidt. Schmidt não só fabricava instrumentos e ensinava os índios
a tocá-los como cantava e dançava com eles. Ele dizia de si mesmo: ...Apesar disso sou missionário. Sou
missionário porque canto, danço e toco. Schmid e o boêmio alemão Johannes Messner abasteciam as missões dos
chiquitos com violinos e contrabaixos de cedro, clavicórdios, harpas trombetas, etc. A primeira tipografia posta em
funcionamento na província da ordem no Paraguai foi instalada por Johann Neumann e o jesuíta espanhol José
Serrano. Só o papel vinha da Europa. Os índios fundiam os tipos sob a supervisão de Neumann além de realizarem
as vinhetas e os Kupferstiche. O livro argentino mais antigo de que dispomos, um volume com 438 páginas de duas
colunas, 67 vinhetas e 43 Kupferstiche, é o tratado "De la diferentia entre lo Temporal y lo Enterro", traduzido para o
guarani pelo padre Nieremberg. Uma das maiores preocupações dos missionários consistia em manter os índios o
mais possível afastados da influência dos espanhóis. Para tanto aprenderam e estudaram a fundo as dos línguas
dos nativos e as transformaram em veículo de comunicação oficial. Consequentemente foi preciso confeccionar
gramáticas e dicionários em guarani, macobiano e outras, obrigando os missionários a serem de alguma forma
lingüistas, filólogos, gramáticos, etc. Nessa tarefa sobressaiu o Pe. Josef Brigniel de Klagenfurt autor de uma
gramática e um dicionário da língua dos Abipones.
O isolamento dos espanhóis deixou a descoberto a importante área de necessidades relacionados com a saúde a
serem supridas pelos missionários. Por essa razão os padres, que de alguma forma dominavam os conhecimentos e
as práticas médicas, embora sem uma habilitação formal por escolas de medicina convencionais, assumiam uma
importância vital para o atendimento de seus protegidos. Neste particular sobressaiu o padre Sigismund Asperger,
natural de Innsbruck na Áustria. Dominava não só os conhecimentos e os medicamentos europeus como adquirira
uma grande familiaridade com raízes e ervas medicinais da tradição indígena. Na sua bagagem da Europa trouxe
uma enorme quantidade de medicamentos e foi ele que logrou sustar o surto de peste que grassava em 1718 em
Córdova. O silesiano Heinrich Peschke se tornou famoso pelas coleções de ervas medicinais que colecionou durante
a sua estada também em Córdova.
Missionários alemães como os irmãos leigos Gartner de Iglau, Gleisner da Vestfália, Herl da Baviera, Kobel da
Suábia e Elvers de Hamburgo, foram os grandes responsáveis pela instalação de tecelagens de algodão em Alta
Garcia, Córdova. O padre Josef Klein, um silesiano de Glatz montou serrarias e implantou importantes estâncias de
criação de gado na região do Chaco. Sobressaíram como cartógrafos de grande precisão da área das missões vários
padres alemães com destaque para Karl Rechberg, natural de Altdorf na Suíça. Resumindo é lícito afirmar:
Os jesuítas foram os portadores da cultura no período colonial espanhol. Sua contribuição foi essencial
para o desenvolvimento econômico de sua província sul-americana. Religiosos alemães que junto de
seus superiores gozavam da fama de "missionários incansáveis e exemplares" contribuíram com uma
9
parcela importante na obra civilizadora da ordem na região do Prata. (Deutschen in Lateinamerika, p.
59).8
Além dos muitos missionários jesuítas alemães que deixaram sua contribuição para sempre marcada na região do
Prata, outros alemães em menor número deram seus préstimos para a administração colonial. O rei de Espanha
contratou para atuarem no vice-reinado de Buernos Aires, o diretor de minas Zacharias Helms. Este veio
acompanhado dos engenheiros von Nordenflycht e Daniel Weber, peritos nas técnicas de amálgama. Helms, depois
de desembarcar em Buenos Aires, seguiu por terra para as minas de Potosí, na época pertencentes ao vice-reinado
de la Plata. No seu relato de viagem resumiu a sua opinião sobre o atraso das colônias espanholas na América
Latina com um julgamento que acertou o prego em cheio na cabeça:
Caso os espanhóis se preocupassem mais com o bem estar do conjunto dos países do que pela
promoção dos interesses pessoais, não deveria ser difícil educar os índios selvagens para súditos úteis
da coroa, através de um comércio amistoso, como o demonstram as tribos de índios civilizados.
Acontece, porém, que na América do Sul só os escravos trabalham. Os índios representam em última
análise a única classe que trabalha. Ao trabalho desses pacientes burros de carga devemos todo o ouro e
prata produzida na América Espanhola. (Die Deutschen in LA, p. 60)9
No seu relatório de viagem publicado em alemão em 1798 e em inglês em 1806, pintou um retrato muito negro das
dificuldades que encontrou, sobretudo ligadas à corrupção dos administradores e funcionários da colônia. Em Potosí
montou um laboratório no qual desenvolveu uma técnica de processamento do cobre que reduziu em vinte vezes as
técnicas em uso na época. No esforço em modernizar as minas entrou em conflito com governadores e subalternos
e entre o povo foi estigmatizado como arqui-herege e judeu, acusado de privar os mineiros do pão com os novos
métodos de mineração. Com a saúde arruinada e de posse de um parecer médico decidiu voltar para a Europa.
A presença alemã no Brasil colonial
Da mesma forma como aconteceu no Chile e na Argentina colonial, também o Brasil colonial, caracterizou-se pela
participação de comerciantes, técnicos, militares, cientistas, administradores, religiosos além de profissionais de
todos os tipos. Também no Brasil não houve tentativas de estabelecer um povoamento local ou regional por
imigrantes alemães, devido em grande parte à política de colonização portuguesa hostil à participação de
estrangeiros nesse tipo de empreendimentos. Ocorreu então que a presença alemã se desse mediante indivíduos
que exerceram as mais diversas atividades. Constata-se, no tocante a esse aspecto, porém, uma flagrante diferença
quando se compara o Brasil com o Chile e a Argentina. O número chega a ser incomparavelmente superior e
consequentemente a sua presença deixou muito mais vestígios do que nos outros dois países. '
Martim Afonso de Souza trouxe da ilha da Madeira Antônio (Anton) Leme de origem Flamenga cujo antepassado
Martim Lem ou Lems fixara-se como comerciante em Lisboa, em 1440. De Antônio Leme descende toda a estirpe
dos Leme no Brasil. Atribui-se a ele a importação para o Brasil das primeiras mudas de cana de açúcar, que se
tornaria em seguida a maior fonte de riquezas ao lado do pau Brasil. A João Leme segue, também, no início da
colônia o perito em construção de moinhos hidráulicos, João (Johann) von Hülsen. Aparece também nos documentos
com o nome modificado de Veniste, Visante ou Visnait. Os moinhos hidráulicos por ele construídos puseram em
marcha os mais antigos empreendimentos industriais do Brasil Colônia.
A Leme e von Hülsen soma-se Erasmo (Erasmus) Schetz. Dono de uma grande casa de comércio ocupava-se, ao
lado do comércio ultramarino, com operações bancárias e era proprietário da usina de açúcar São Jorge em São
Vicente. A colônia São Vicente desenvolveu-se rapidamente juntamente com a colônia filial Santos. Pelos anos de
1550 estavam quatro usinas de açúcar em funcionamento. Esses empreendimentos tiveram a sua construção
planejada e executada por Heliodoro (Heliodor) Eoban Hesse, outro alemão, filho do humanista Helius Eobanus
Hessus, amigo de Lutero e professor de história em Marburg.
8
9
Fröschle, Harmut, idem, p. 59.
Fröschle, Harmut, idem, p. 60.
10
Conforme Oberacker, o primeiro alemão do período colonial a conquistar fama internacional foi Hans Staden. (?)
Depois de ver frustrada a sua pretensão de viajar à Índia integrou-se como canhoneiro à tripulação de cargueiro
português. Visitou o norte do País e depois de conhecer Pernambuco voltou à Europa. Entrou então no serviço da
Espanha e viajou para a América do Sul na expedição de Diego Sanabria. À altura da costa do Paraná uma
tempestade dispersou os navios e Hans Staden e seus companheiros foram dar na baía de Paranaguá. De lá
seguiram para a ilha de Florianópolis. Embarcou depois para São Vicente de onde pretendia retomar a viagem para
La Plata, mas à altura de Itanhaém também este navio se perdeu. Os náufragos seguiram a pé até São Vicente. A
localidade encontrava-se sob constante ameaça de ataques dos índios. Tomou-se a decisão de tornar a defesa mais
eficiente construindo um muro de proteção de pedra. A pedido de Braz Cubas assumiu a responsabilidade pela
defesa da povoação. Tomé de Souza ordenou a continuação da construção das fortificações e nomeou Hans Staden
como o responsável pela execução e comandante do forte de Bertioga. Numa saída à mata para uma caçada foi
aprisionado pelos índios e por eles levado ao local onde fica Ubatuba onde tencionavam devorá-lo num festim de
antropofagia. Temendo a ira do Deus dos cristãos os índios não o sacrificaram, mas submeteram-no durante dez
meses, a um cativeiro desumano. Finalmente um capitão de navio francês comprou sua liberdade e em fevereiro de
1555 retornou à terra natal em Wohlhagen no Hesse onde presumivelmente morreu em 1576.
A fama internacional de Hans Staden não se deve à sua contribuição para com a defesa da colônia, mas pelas obra
literária e científica que deixou. Deve-se basicamente ao relato que fez das duas viagens ao Brasil. A obra foi
publicado em mais de 78 edições, das quais só no original alemão são 25 e no português 15, além de edições em
quase todas línguas cultas. Falando da obra escreveu Oberacker:
Hans Staden observou o mundo desconhecido entre São Vicente de Rio de Janeiro, com seus animais e
homens, de maneira especial os índios brasileiros, com um olhar de rara agudeza, realística e
aproximando-se de uma postura científica moderna. Sua obra nos oferece a mais antiga e a mais exata
descrição dos usos e costumes da população brasileira autóctone e como tal se constitui numa
contribuição extremamente valiosa para o estudo etnográfico do País. (Oberacker, p. 59).10
Um outro alemão, Heliodor Eoban Hesse, conquistou notoriedade na fundação do Rio de Janeiro. Na década de 1550 o
Brasil na expressão de Oberacker "não passava muito de um vago conceito geográfico". (p. 61). O que havia de concreto
eram os assentamentos nas redondezas de São Vicente e os mais ao norte no litoral da Bahia e do nordeste. Os
franceses aproveitando-se do vazio geográfico e do significado estratégico da baía da Guanabara, instalaram aí
assentamentos com as respectivas fortificações. O governador geral Mem de Sá tomou a decisão de desalojar os
franceses do Rio de Janeiro. Para tanto apelou para a colaboração de São Vicente. Heliodor Eoban Hesse pôs-se à
disposição do governador geral e foi encarregado do comando de nove barcos de guerra índios com 300 indígenas e
mestiços. Em 1° de março de 1565 desembarcaram no sopé do Pão de Açúcar e fundaram a povoação de São
Sebastião. No combate decisivo sobre os franceses em 20 de janeiro de 1567 distinguiram-se de modo especial Estácio
de Sá e Heliodor Hesse. Heliodor Hesse casou-se mais tarde com Maria Pereira de Souza, a filha do "Botafogo". Desta
união originou-se a estirpe dos Ebano Pereira. Heliodor Hesse participou ainda na derrota de uma incursão francesa no
dia 8 de junho de 1568 em Cabo Frio. Num golpe de mão apoderou-se do navio francês e com os canhões de bordo
guarneceu a fortaleza Nossa Senhora da Guia a atual fortaleza de Santa Cruz. Pelo que indicam os registros o alemão
pereceu nesta escaramuça.
Um número significativo de alemães tomou parte também nas Bandeiras. Contavam-se entre eles aventureiros clássicos
como estão sempre presentes em empreendimentos desta natureza. Há-os também que aliam a procura de aventuras e
emoções a objetivos científicos. Os alemães que integraram Bandeiras predominam, como é perfeitamente explicável,
peritos em prospecção de minerais, geólogos e até engenheiros de minas. Entre os engenheiros que acompanharam
Dom Francisco de Souza, nas suas incursões por São Paulo para mapear jazidas, entre 1591 e 1602, o alemão Jakob
Unhalt, que consta nos registros também como "Unhalte" ou "Oalte". Entre 1601 e 1602 Dom Francisco de Souza
organizou uma expedição até Minas Gerais e nela fez-se acompanhar por Unhalt e os outros engenheiros. Confiou o
comando da expedição a André Leão e Wilhelm Jost te Glimmer. Este último um ousado aventureiro versado em
10
Oberacker, Karl. Der Detusche Beitraga zum Aufbau der Brasilianischen Nation, Federação dos
Centros Culturais 25 de Julho, São Leopoldo, 1978, p.59
11
conhecimentos de História Natural, esteve mais tarde a serviço de Maurício de Nassau e chegou a ser nomeado
governador da ilha de Fernando Noronha. Unhalt forneceu subsídios sobre o sul do Brasil para os naturalistas Pies e
Marcgrave elaborar a sua obra clássica: Historia Rerum Naturalium Brasiliae
No final do século dezessete ficou claro para a administração colonial que era preciso dirigir um atenção especial para
assegurar as fronteiras do sul do Brasil. A dificuldade que os portugueses enfrentavam para transpor a muralha da Serra
do mar e penetrar no interior dos territórios da atual região sul, já parcialmente ocupada com a expansão das vacarias
dos jesuítas espanhóis, fez com que se desencadeasse uma política aliada a estratégia duradouras e efetivas em
relação a esses territórios. Por volta de 1645 Duarte Corrêa Vasqueanos, administrador da cidade do Rio de Janeiro,
encarregou deste empreendimento o alemão Eleodor Ebano, provavelmente filho do já acima citado Heliodor Eoban
Hesse. Esse reuniu uma expedição, como era usual na época, formada por brancos, mamelucos e índios. Como
comandante duma "frota de guerra", composta de barcos de combate, dirigiu-se para a costa sul do Paraná. Transpôs a
Serra do Mar e implantou assentamentos no planalto. Um deles, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais evoluiria
posteriormente para a atual Curitiba. Mesmo que a expedição tivesse como objetivo primeiro a prospecção de jazidas de
ouro e prata e a subjugação dos índios, principalmente os agressivos carijós, o resultado a médio e longo prazo para a
região foi outro e muito mais importante para a evolução posterior da história da região. Os assentamentos fixos e
definitivos que Eleodor Ebano mandou implantar em toda a região do planalto do Paraná, franquearam ou pelo menos
facilitaram a penetração de expedições portuguesas para os planaltos de Santa Catarina e mais ao sul, para o Rio
Grande do Sul.
Também na região nordeste do Brasil a presença alemã no período colonial assumiu caraterísticas similares das outras
regiões, isto é, de peritos na exploração dos recursos de importância. Na capitania de Pernambuco ao lado da Bahia
desenvolveu-se o centro de maior progresso na região, calcada na riqueza mais importante, quase única, o açúcar.
Logo após Duarte Coelho ter criado a primeira colônia, logo após 1535, instalaram-se nela, desde o início alguns
alemães. Entre estes tornar-se-íam lendários na história posterior do nordeste o clã dos Holanda (Holland) e dos Lins.
Arnual von Holland, era, do lado paterno filho de um nobre holandês e de parte de mãe da nobreza alemã Arnual von
Hollands, irmã do último papa alemão, Adriano VI. O jovem Arnual Holland estabeleceu-se como solteiro em
Pernambuco e casou com uma portuguesa de nome Brites de Vasconcelos. Duarte Coelho deu-lhe grandes extensões
de terras como presente de casamento. Nelas cultivou plantações de cana e construiu dois engenhos. Gozou de grande
influência na alta sociedade pernambucana e na sua descendência, além e de outros nomes significativos constam os do
Visconde Albuquerque e do Marquês de Pombal.
Os Lins emigram para o Brasil na segunda metade do século dezesseis, cinco ao todo: Os irmãos Christopf (Cristóvão) e
Bartholmäus (Bartolomeu), Roderich (Rodrigo), meio irmão dos anteriores, Konrad (Conrado), grau de parentesco com
os demais não definido, Sebald (Sebaldo), primo dos primeiros. Sobre os Lins o historiador Carl Oberacker faz o
seguinte comentário:
Por causa da sua forte participação na economia Os cinco imigrantes alemães de sobrenome Lins
ocuparam uma posição de liderança na jovem vida da sociedade de Pernambuco. O tamanho o seu
prestígio pode ser avaliado pelo fato de um deles ter casado com uma parente próxima de um do
feudatário (Lehnsträger) e que um outro teria sido elevado à nobreza. Enquanto os Lins se extinguiam na
Alemanha, multiplicaram-se enormemente no amplo espaço do Brasil. Há anos viviam somente na cidade
do Recife 4 000 portadores com este nome. A nação Brasileira agradece inúmeros homens importantes
da história do Brasil, como oficiais, homens públicos e escritores, a esses cinco imigrantes vindos da
Suábia. (Oberacker, p. 72).11
Cristóvão foi o mais importante dentre os cinco Lins acima mencionados. Entrou definitivamente na história do
nordeste como o conquistador e o povoador do atual estado de Alagoas, como iniciador da produção de açúcar
naquele estado e grande usineiro. Mais tarde participou ainda da conquista e fundação da Paraíba.
11
Oberacler, Karl, idem, p.72
12
Encontramos alemães em todo o processo de ocupação do nordeste em favor de Portugal. Na conquista do Ceará
sobressai a figura de Mathias Beck e de seus dois companheiras e auxiliares: Karl Helbach e Hans Simplisel. Sob a
orientação deles procederam-se as primeiras incursões planejadas para o interior do território em busca de riquezas
naturais, como prata, ouro, etc. Dos seis peritos estrangeiros em prospecção e mineração que cem mais tarde,
1743-1744, procuraram cobre e prata nas minas de Ubajara, no Ceará, todos eles parecem ter sido alemães.
Trabalhavam sob a direção de dois alemães: Johann Christopf Sprongel e Martin Fugeor (Fugger?).
Na conquista e consolidação do Maranhão como possessão portuguesa empenhou-se decisivamente um número
considerável de alemães. Entre as tropas que em 1614 empreenderam a expulsão dos franceses encontrava-se o
tenente Konrad Lins. Na história do Maranhão tornaram-se conhecidos os irmãos Beckmann, filhos de pai alemão e
mãe portuguesa. Merece ainda menção Kaspar Werneck que construiu a primeira fragata no Brasil no estaleiro que
mantinha em companhia com Simão Ferreira Coimbra. Iria tornar-se um dos fundadores das conhecidas famílias
Varneque, Berneque e Werneck. No final do século 17 encontramos Franz Potfilz médico, grande comerciante e
caçador de ouro. Entre 1710 e 1727 percorreu, em companhia de peritos em mineração, os afluentes do Amazonas,
principalmente o Tocantins, e em busca de mearias nobres, sem grandes êxitos entretanto. Um pouco mais tarde,
cerca de 1739-1749, o cirurgião Nicolas Hotsmann avançou até o rio Negro. Deixou um minucioso relato de viagem
pouco conhecido com o título: "Diário de uma viagem por terra pela região amazônica".
Um capítulo à parte da presença alemã no Brasil colonial está vinculado à ocupação holandesa do nordeste. No
período da ocupação do nordeste, os Países Baixos formavam na época ainda uma unidade étnica com os povos
germânicos dos francos, saxões e frísios e politicamente integravam o "Sacro Império Romano de Nação alemã".
Explica-se, desta forma, a forte presença alemã naquele empreendimento.
Começa com o personagem emblemático da ocupação holandesa que foi Maurício de Nassau, cujo nome completo
foi: Johann Moritz von Nassau-Siegen-Dillenburg, nascido em 1604 em Hessen, filho de Johann von Nassau-SiegenDillenburg e Margarete von Holstein-Sonderburg, numa família de ilustrados e artistas. Oberacker nos deixou um
magnífico resumo do que Maurício Nassau e a ocupação holandesa no nordeste representou em termos de presença
alemã.
Recebeu a formação mais aprimorada do seu tempo na escola superior de Herborn e nas universidades
da Basiléia e Genebra. Laços próximos de parentesco com o governador (administrador) geral das
Países Baixos, levaram- para a Holanda em 1620, engajando-se imediatamente nas lutas pela
independência contra a Espanha. No decorrer dessa guerra ascendeu rapidamente na hierarquia militar.
Distinguiu-se por sua bravura sem limites no cerco a Herzogenbusch (1629) (unerschrocken) e, em 1632,
seu nome estava na boca de todos, depois de forçar à retirada diante de Melchen, o famoso general von
Pappenheim. Consolidou a sua fama em 1636 ao conqusitar a fortaleza de Schenkenschanz, ocupada
pelos espanhóis.
Maurício de Nassau contava com apenas 32 anos quando foi nomeado comandante supremo de todas
as forças marítimas e terrestres e o administrador geral da Nova Holanda. Desembarcou no Recife em 23
de janeiro de 1637, depois que os holandeses a tinham feito a capital de sua possessão, depois do
incêndio de Olinda. Foi recebido solenemente pelo comandante supremo das tropas holandesas,
Siegmund von Schkopke e senhor de Krebsbergen e Gross-Cotzen na Silésia, assim como pelo corpo de
oficiais, funcionários, comerciantes e povoadores.
Entre os imigrantes que se estabeleceram no Recife durante a soberania holandesa, encontravam-se
inúmeros alemães. Destacamentos militares inteiros eram compostos por mercenários alemães. Na sua
maioria era de alemães também o corpo de oficiais. Foi a primeira vez que na história desembarcaram
alemães às centenas no Brasil. Não é de se admirar, quando se considera que os Países Baixos, apesar
de sua relativa independência, encontravam-se, até 1648, incorporados no "Sacro Império Romano de
Nação Alemã" e vivendo em estreita vinculação econômica e cultural com o Hinterland alemão. A
vinculação da Holanda com a Alemanha fica visível pelo fato de, quando do desembarque de Maurício de
13
Nassau, ao lado das bandeiras da Companhia, da bandeira holandesa e da bandeira da casa de Orange,
foi içada como fato óbvio, a bandeira do "Sacro Império Romano de Nação Alemã".12
A movimentação sobretudo de cientistas e técnicos alemães dedicados aos mais diversos ramos foi muito intensa
durante o tempo de Nassau. Foram botânicos, zoólogos, mineralogistas, etnólogos, geólogos, geógrafos,
engenheiros, arquitetos, comerciantes, artistas, escritores, etc., etc. que lançaram, no nordeste, as bases para uma
nova civilização ao modelo da Europa central e do Norte. O espaço aqui disponível não permite aprofundar a muito
menos detalhar a participação de cada personagem em particular. Remetemos as informações mais detalhadas para
a obra de Carlos Oberacker: "Der Deutsche Beitrag zum Aufbau de Brasilianischen Nation".
O período colonial brasileiro assemelha-se ao do Chile e da Argentina pela presença de missionários jesuítas. Sobre
a questão escreveu Oberacker:
Como a Companhia de Jesus não apenas soube manter a sua férrea disciplina interna, assumindo ao
mesmo tempo grande influência em Portugal e nas suas colônias, sua influência sobre o desenvolvimento
cultural da população colonial foi muito significativa. Capistrano de Abreu, um dos maiores historiadores
brasileiros escreveu: "Sem tomar em consideração a história dos jesuítas, não é possível escrever a
história do Brasil. Não se pode negar que o trabalho planejado de missionagem, de educação e de
promoção da cultura da ordem, deixou marcas visíveis na configuração da nação brasileira. Na verdade
essas marcas deixadas pelos jesuítas, apagadas pela sua dispersão na metade do século dezoito, foram
também exageradas. De qualquer forma os jesuítas influíram no pensamento espiritual e ético da
população nos 200 anos em que atuaram em seus estabelecimentos organizados de acordo com seus
princípios. (Oberacker, p. 119-121).13
O primeiro jesuíta de nacionalidade alemã entrou no Brasil, ao que tudo indica, em 1598, na pessoa de um irmão
leigo Pedro de Gouveia, vindo do norte da Alemanha e cujo nome alemão não se conhece. A partir daí houve um
afluxo constante de jesuítas alemães para todas as regiões da então colônia do Brasil. Atuaram em colégios, na
catequese entre os índios e outras atividades de construção cultural. Um dos empreendimentos de maior
envergadura e onde os missionários alemães se distinguiram de modo especial, foi a grandiosa obra cultural
empreendida no assim chamado Marañon e Solimões e respectivos afluentes. O Pe. Samuel, Fritz de Trautenau na
terra dos Sudetos foi nomeado superior geral do empreendimento. Em companhia de inúmeros jesuítas , entre eles
os padres Heinrich Richter e Wenzel Breyer fundaram, a partir de 1685 dezenas de aldeamentos e povoações
menores que no auge do florescimento somavam 169 núcleos e 100.000 habitantes.
Observa-se um paralelismo muito grande entre o projeto missionário do Amazonas e do Prata. Paralelamente à
catequese propriamente dita os jesuítas empenharam-se em ensinar aos índios métodos racionais de cultivo a
produtos como arroz, milho, cacáo, cana, tabaco, etc., ensinavam-nos técnicas artesanais, música, construção de
casas e igrejas....O Pe. Fritz passou 40 anos entre os índios e acabou seus dias entre os índios. O etnólogo famoso
e amigo dos índios de nome Curt Unkel-Nimuendaju, disse do Pe. Fritz: "Este homem foi uma personalidade sem
igual que procurava preservar e defender a maneira de ser própria dos índios e com isso provocou o conflito com os
portugueses. Como nenhum outro atraía a si os índios como um ímã. Por meios pacíficos evitava as guerras entre
as tribos, respeitando sempre as suas peculiaridades". (citado por Oberacker, p. 122). Famosos se tornaram os
mapas da região amazônica confeccionados pelo Pe. Fritz, a história das missões da região e o mapeamento feito
por Brentano, outro jesuíta alemão e os relatos e descrições de Veigl sobre os território dos Maynas na América do
Sul, publicado em Nüremberg.
Famosa se tornou também a dupla de jesuítas alemães Johann Philipp Bettendorf e Kaspar Misch, dois homens de
ótima formação européia que atuaram como missionários no Amazonas, organizaram escolas em Belém e São Luís.
Nestas cidades fundaram escolas de nível mais adiantado, os colégios. Ao colégio de São Luís agregara, uma
faculdade de teologia, transferida mais tarde para Belém. A instituição conquistou tamanha fama que alunos da
Universidade de Coimbra terminavam nela os seus estudos. Bettendorf tornou-se conhecido também como etnólogo
12
13
Oberacker, Karl, idem, p. 82-83.
Oberacker, Karl, idem, p. 119-121.
14
com o seu "Compêndio da doutrina cristã na língua brasílica". Organizou ainda uma gramática da língua Tupi e é
autor da "Chronica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado Maranhão". Jodokus Perret que, antes
de partir para o Brasil tinha sido professor de filosofia em Munique e Dilllingen, foi outro dos colaboradores diretos de
Bettendorf na construção da obra missionária. Aos anteriores vem juntar-se Aloys Konrad Pfeil, sempre presente nas
fronteiras missionárias mais afastadas, era um exímio desenhista e cartógrafo. Deixou três mapas: um da costa norte
do Brasil "Mapa do grande rio Amazonas; um de toda região das missões, do Piauí até as Guianas "Mapa da Missão
do Maranhão e o "Mapa do rio Amazonas norte". Pfeil foi um grande conhecedor das fronteiras, tanto assim que o rei
o chamou para Lisboa, quando das negociações do tratado de Utrecht. Seus registros e seus mapas auxiliaram ao
Barão do Rio Branco na defesa das pretensões brasileiras relativas às fronteiras do norte. Merecem ainda citação o
Pe. Hans Xaver Treyer um artista plástico que foi ensinar a arte aos índios no colégio de Belém. Para faculdade de
filosofia de Belém foi destinado o Pe. Aloysius Balecci de Friburgo, como missionários o Pe. Häckel e Franz Wolff,
Rochus Hundertpfund, Karl von Steinen, o cartógrafo e arquiteto Lorenz Kaulen, Anton Meisterburg, Martin Schwarz,
Joseph Kayling, Heinrich Hoffmayer, David Ludwig Fay, Ecdkart, Meisterburg, autor do trabalho: "Nachrichten von
den Sprachen in Brasilien", "Historia persecutionis Societatis Jesu in Lusitania", "Zusätze zu Pedro Cudenas
Beschreibung der Länder von Brasilien". Este é um brevíssimo apanhado da presença dos jesuítas alemães no norte
e nordeste do Brasil. De qualquer forma fornece uma pista da contribuição alemã em regiões do Brasil normalmente
passada muito ao largo ou até inteiramente ignorada.
Há um outro segmento da vida colonial brasileira em que a presença de alemães foi de importância duradoura. O
marquês de Pombal chamara o conde Friedrich Wilhelm de Schaumburg-Lippe para Portugal, entregou-lhe o
comando supremo e renovador das forças aramadas e da arte bélica. (Kriegswesen). As preocupações de Lippe
concentraram-se principalmente no esforço de elevar o nível da consciência moral dos soldados para com a pátria.
Foi também o primeiro legislador do exército português pela qual implantou regras para as práticas militares,
prescrições disciplinares e um código de guerra. Oberacker, citando Silva Barros resume o perfil de Lippe: "(....)
nenhum legislador militar em toda história humana foi dotado de tamanha capacidade de síntese". (Oberacker, p.
141). Lippe regressou à Alemanha em 1764 onde fundou a famosa escola militar perto de Bückeburg. Manteve
contudo permanente relacionamento com Portugal como conselheiro em assuntos militares e com sugestões de
nomes de militares a serem contratados. Nessa condição sugeriu o nome de seu discípulo predileto Johann Heinrich
Böhm para o seu lugar em Portugal. Böhm foi aceito pelo rei e promovido a marechal de campo e em 1767, por
insistência do marquês de Pombal nomeou-o como comandante de todas as tropas do Brasil. Como tal sua primeira
e principal tarefa consistiu em equipar a colônia com um exército único sob comando central, em vez dos
contingentes regionais mais ou menos autônomos e anárquicos, em condições de defender a colônia mesmo sem o
concurso de tropas de Portugal. Böhm tornou-se assim o fundador do exército brasileiro no que diz respeito à sua
organização hierárquica e no que tange também à filosofia e a base jurídica militar que o iria orientar daí para frente.
A obra de Johann Heinrich Böhm deve ser considerado como uma contribuição de primeira ordem na
formação da nação brasileira. O conhecido sociólogo Oliveira Vianna (Evolução, p. 268) escreve: Surgiu
desta forma um novo organismo na estrutura política e militar da colônia, motivado pela pressão das
guerras externas. Abandona-se o mosaico do sistema regional dos pequenos contingentes regionais
que gozavam de total autonomia, por uma organização ampla e uma, na qual os núcleos de defesa
dispersos pelas colônias, se organizavam em sintonia com um ponto de convergência (o Rio de Janeiro).
(Oberacker, p. 145).14
O general Böhm tornar-se-ia famoso também ao comandar as tropas brasileiras por ocasião da reconquista de Rio
Grande e a conseqüente expulsão dos espanhóis dos territórios do Rio Grande do Sul. Regressou para o Rio de
Janeiro em 1779 e continuou a dedicar-se ao aperfeiçoamento do exército brasileiro até a sua morte em 22 de
dezembro de 1783, sendo sepultado no mosteiro de Santo Antônio.
Na mesma época em que os espanhóis tentavam empurrar suas fronteiras para dentro do Rio Grande do Sul.
Empreendiam tentativas semelhantes nas fronteiras do norte do País. A fim de barrá-los foi organizado todo um
aparato técnico-estratégico-militasr para a região. Philipp Sturm, um jovem capitão de engenharia militar alemão
14
Oberacker, Karl, idem, P.145.
15
imortalizaria seu nome nesta empreitada. Sob sua responsabilidade foram erguidos vários fortes na região
responsáveis pelo estancamento das incursões espanholas pelo norte.
O que acabamos de fazer foi traçar um esboço muito sucinto sobre a presença alemã na Argentina, no Brasil e no
Chile durante o período colonial. Para maiores informações remetemos os interessados para a literatura
especializada no assunto, de modo especial as duas obras mais alentadas: Die Deutschen in Lateinamerika e Der
Deutsche Beitrag zum Aufbau de Brasilianischen Nation, que forneceram basicamente os subsídios para o presente
artigo.
Conclusão
Como conclusão geral pode-se dizer que os três países apresentam características comuns no que tange à presença
alemã nos seus territórios durante o período colonial.
Em primeiro lugar merece destaque o fato de que durante o período colonial não houve uma imigração planejada da
parte das administrações coloniais no sentido de promover um projeto de colonização por povoamento através de
imigrantes não espanhóis ou português. A presença deles aconteceu com indivíduos ou no máximo com grupos a
serviço de alguma iniciativa específica de natureza comercial, técnica, militar ou religiosa.
Com esta constatação passamos à segunda conclusão: Nos três países em foco os alemães que neles atuaram
dedicaram-se ao comércio, à implantação das bases da tecnologia nos mais diverso ramos e de acordo com as
peculiaridades de cada situação. Encontramos assim peritos em mineração e metalurgia principalmente no Chile e
na Argentina, construtores de moinhos e engenhos de cana no Brasil. Nos três casos os territórios das colônias os
pioneiros no inventário e na pesquisa das riquezas naturais, da fauna e da flora foram invariavelmente cientistas
alemães.
Um capítulo à parte da presença alemã refere-se à atividade militar, na qual se destacam invariavelmente alemães
como técnicos militares como canhoneiros em navios, construtores de fortes e oficiais peritos em artes militares,
estrategistas, artífices e comandantes de exércitos nacionais como foi caso do general Böhm no Brasil.
Os nomes dos comerciantes, engenheiros, peritos, cientistas e militares caíram, em grande parte no esquecimento,
ou então foram tragados pelo turbilhão inexorável da miscigenação ocorrida no embate dos mais diversos
componentes étnicos que se encontraram nos territórios do três países em foco. Se formos rastrear a origem de
inúmeras famílias importantes e decisivas na vida nacional desses países vamos encontrar, com surpresa, ancestrais
alemães, até em casos onde não parece subsistir nenhum indício, como é o caso do marqueis de Pombal no Brasil
ou o clã dos Flores e Montt no Chile.
E como último e talvez o mais curioso e mais permanente da presença alemã, temos a presença de alemães entre
os missionários jesuítas que atuaram no Chile, na região do Prata e do Pampa na Argentina e na região Norte e
nordeste do Brasil. O que os distingue dos membros da ordem vindos da Espanha e Portugal é a sua inesgotável
doação à obra das missões e sua incansável dedicação à melhoria humana das populações, inclusive espanholas e
portugueses. Onde quer que esteja em andamento a implantação de um projeto de modernização tecnológica, de
elevação do nível cultural através de escolas e colégios, a difusão de conhecimentos técnicos e artísticos, os estudos
etnográficos e etnológicos, lingüísticos, históricos, geográficos, etc. etc. estão presentes jesuítas vindos da
Alemanha, Suíça ou Áustria.
Bibliografia.
FRÖSCHLE, Harmut (org). Die Deutschen in Lateinamerika - Schicksal und Leistung, Horst Erdmann Verlag,
Tübingen und Basel, l979.
16
HUNDERT JAHRE DEUTSCHTUM IN RIO GRANDE DO SUL - 1824-1924. Herausgegeben vom "Verband
Deutscher Vereine", Typographia do Centro, Porto Alegre, 1924.
OBERACKER, Karl Heinrich. Der Deutsche Beitrag zum Aufbau der Brasilianischen Nation, Federação dos Centros
Culturais 25 de julho, segunda edição, São Leopoldo, 197A
17
Imigração alemã na AL nos séculos XIX e XX:
Argentina, Brasil e Chile
Introdução
A imigração alemã para a América Latina propriamente dita tem o seu início depois da independência dos países do
continente. Os governos das repúblicas recém emancipadas do Chile e da Argentina e o Império do Brasil, tiveram uma
preocupação comum. Nos três países havia extensas regiões praticamente desocupadas, dotadas de solos, relevo e
clima propícios para desenvolver projetos de colonização e assim atender às necessidades de abastecimento interno
com gêneros alimentícios e diversas matérias primas. As áreas em questão costumavam localizar-se onde sua ocupação
e incorporação definitiva no todo nacional implicava na própria segurança das fronteiras. Os traçados nos mapas
resultado dos processos históricos de ocupação ou de tratados bi- ou multi-laterais, em muitos casos, não passavam de
uma ficção enquanto os espaços imediatamente contíguos não fossem assegurados através de um povoamento
sistemático e estável. Situações deste tipo encontramos no centro e no sul do Chile, ao longo de praticamente toda
fronteira oeste e norte da Argentina, e do Brasil meridional com os países do Prata. Uma terceira característica desses
povoamentos vem somar-se às duas anteriores. Nos três países em análise formam comunidades de pequenos
proprietários que desenvolvem uma agricultura de subsistência de variados produtos básicos que tem como finalidade
imediata assegurar a subsistência da família e num segundo momento abastecer o mercado com alimentos e algumas
outras matérias primas. Esses povoamento representa um contraponto aos grandes latifúndios de monocultura
principalmente do Brasil e da Argentina. Do substrato assim posto originou-se uma economia de subsistência e de
abastecimento dos mercados consumidores urbanos, a formação de comunidades solidamente organizadas e uma
classe média rural preenchendo o vácuo social e político existente entre a aristocracia dos grandes proprietários e a
massa de peões, diaristas, trabalhadores sasonais e meeiros, etc. Começamos este estudo comparativo pela
colonização que ocorreu a partir de 1851 no centro e no sul do Chile, no lago de Lhanguihue, onde sobressaem como
centros mais conhecidos Puerto Montt, Puerto Varas, Frutillar.... e na região mais ao norte até Temuco, conhecida na
época como "Frontera".
Colonizações alemãs no Chile
A presença alemã no Chile começa realmente a se intensificar e a se estender para todo o país, após a
independência. Num primeiro momento, isto é até meados do século dezenove, os alemães que chegavam costumavam
ser solteiros e estabeleceram-se como comerciantes nas cidades maiores, como Santiago e Valparaíso. Em 1822 um
primeiro estabelecimento comercial começou as suas atividades nesta última cidade. Entre a independência e a vinda
dos imigrantes propriamente ditos, a presença de alemães tornou-se cada vez mais freqüente também em outras
cidades e regiões do Chile. Foram estes imigrantes, entre os quais destacou-se Bernhard Eunum Philippi, que
prepararam o terreno e colocaram as bases para uma imigração de povoamento mais ambiciosa e a longo prazo,
concretizada a partir da metade do século, com famílias que foram estabelecer-se no sul do país. Uma fidelidade
acentuada á língua e ás tradições e a conseqüente aversão ao caldeamento com outras etnias, de modo especial as
autóctones, com predomínio dos Mapuches, mantiveram os núcleos de imigrantes alemães, etnicamente isolados e
identificados durante as primeiras gerações. Imprimiram, desta forma características que aproximam bastante a
paisagens européias, como na Alemanha Central e do Norte, a toda a região entre Temuco, Puerto Montt e Puerto
Arenas. O arranjo das propriedades, as moradias e as benfeitorias contíguas, o plantio de cevada, trigo, batata... a
18
criação de gado leiteiro, o estilo arquitetônico e a decoração das moradias, igrejas e sedes de clubes, o nível cultural do
povo, os costumes, etc. etc., marcam inconfundivelmente a região.
Philippi tornou-se a figura decisiva na implantação dos primeiros núcleos de colonização planejada no sul do Chile.
Após uma viagem à Alemanha e principalmente a sua cidade de origem Berlim, regressou ao Chile em 1841 para dar
andamento aos seus planos e projetos, enquanto o prof. Wappäus encarregou-se de desencadear, por meio de
artigos, uma insistente propaganda pela colonização do do sul do Chile. Philippi voltou depois ao Chile, percorreu a
região das atuais províncias de Valdivida, Chiloe e Llanguihue para um exame mais minucioso das terras e avaliar
as perspectivas para uma colonização por povoamento. Uma lenda dizia que o lago abrigava espíritos malignos.
Philippi econtrou de fato as proximidades do lago de Lhanguihue despovoadas e tomadas por uma floresta quase
impenetrável. Confeccionou um mapa detalhado da região depois mandou para ministro do interior do Chile um
memorandum acompanhado por plano de colonização. Argumentava que a execução do projeto seria de utilidade
tanto para o Chile como para Alemanha, pois previa a transferência de técnicos que segundo o autor sobravam na
Alemanha e faziam falta no Chile. O memorandum com o projeto anexo não teve resposta da parte do ministro do
interior.
Philippi não desanimou depois deste insucesso. Participou da expedição que conquistou o Estreito de Magalhães
para o Chile. Em reconhecimento o governo do Chile o nomeou governador de Magalhães e distinguiu-o com patente
militar. Seus interesses, porém, continuaram a concentrar em projetos de colonização nas margens do lago
Lhanguhue. Entou por em andamento um novo projeto de colonização, desta vez na desembocadura do rio Maullin.
O projeto previa a dragagem do rio por conta própria em contrapartida de isenção de impostos futuros. O governo
não aceitou a proposta argumentando que a dragagem era uma obra da competência do Estado. Declinou então do
cargo de governador de Magalhães e do seu posto militar, para dedicar-se como empreendedor privado a novos
projetos de colonização nas proximidades do lago de Lhanguihue.
Neste meio tempo o comerciante e cônsul prussiano Ferdinand Flindt havia adquirido terras nas proximidades de
Osorno. Antes, porém, de as primeiras famílias arregimentadas para o plano chegassem da Alemanha, ele já falira e
um outro comerciante, Franz Kindermann assimira o projeto. Juntamente com seu sogro Johann Renous, este
incompatibilizaram-se depois de pouco tempo com o estado chileno. Renous foi acusado de haver adquirido
ilegalmente terras dos índios. O real interesse de Kindermann resumia-se em adquirir tantas terras quantas pudesse
e fazer negócios colonizando-as. Com essa intenção pôs-se em contato com a "Associação para a Centralização da
Emigração e Colonização alemã" com séde em Berlim e com a associação do mesmo nome em Stuttgart, a procura
de obter apoio e recursos.15
Em 1848 o cunhado de de Kindermann, o revolucionário Alexander Simon, fundou o grupo de Stuttgart. O plano de
colonização por ele concebido previa o envio de três levas de imigrantes, cada um formado por 1000 pessoas para o
projeto de Kindermann e Renous. Obviamente os dois estavam mais interessados em fazer negócios com terra do
que propriamente criar as condições para que os imigrantes encontrassem no sul do Chile condições propícias para
construir um futuro definitivo, digno e promissor para si e seus descendentes. De imediato apareceram os problemas
relacionados com a situação legal daquelas terras. Devido a ela as primeiras nove famílias que chegaram no projeto,
não tardaram em transferir-se para a região de Valdivia, Osorno e La Unión. Prosperaram rapidamente e se tornaram
os melhores propagandistas para a colonização alemã no sul do Chile. O problema nunca definitivamente resolvida
da legitimidade da posse da terra, iria acompanhar como um pesadelo os teuto-chilenos, até o governo do presidente
Allende no início da década de 1970. Mais de cento e vinte anos depois da chegada dos primeiros imigrantes
regulares. Tratou-se principalmente de por sob suspeita a legitimidade da aquisição, por parte de protestantes, de
terras nas comunidades de Osorno e Concepción. O pastor Jung atribuiu a tentativa de contestar tão tardiamente a
legalidade da posse (1973), como excrescências de uma reforma agrária carregada de ódios.16
De qualquer forma estavam colocados as bases mínimas para iniciar-se uma imigração regular para o sul do Chile
para a qual a Lei para a Colonização de 1845 formulou os pressupostos de segurança mais essenciais. Todas esses
15
cf.Die Deutschen in Lateinamerika - Schicksal und Leistung. Herausgegeben von Harmut
Fröschle, Horst Erdmann Verlag, Tübingen und Basel, 1979, p. 306.
16 Die Deutschen in Lateiamerika, idem, p. 307
19
circunstâncias dera novo ânimo para Philippi. Voltou a integrar-se no exército chileno e tornou-se assessor do
presidente Bulnes para imigração. Entre 1848 e 1852 atuou como agente oficial de imigração. Foi encarregado de
agenciar entre 180 e 200 famílias alemãs católicas sob a condição de arcar com as despesas com recursos próprios
ou em caso de emergência com financiamento do governo. O projeto previa o assentamento na margem sul do lago
de Lhanguihue com financiamento a ser ressarcido, fornecimento de ferramentas e sementes, isenção de impostos,
financiamento para a manutenção de curas de alma, professores e médicos alemães.
Seguiu-se uma cerrada campanha de arregimentação de candidatos para a imigração, concentrada de início na
região de Kassel. A propaganda feita através de jornais, volantes, cartazes, etc. além de ressaltarem as vantagens e
as perspectivas da imigração para o Chile, continham indicações sobre o perfil dos candidatos a imigrante: que
deveriam imigrar somente pessoas de posse de uma profissão aproveitável e algum capital; que os profissionais, os
agricultores e os empreendedores tinham boas chances; que a "massa pobre" assim como aqueles que preferem
ocupar-se com a pena e e boca em vez das mãos permanecessem na Alemanha. Em 1847 seguiu para Valdivia um
outro agente de imigração de nome Cäsar Maas. Aproveitou a viagem que fez á Alemanha para se casar e ao
mesmo tempo angariar imigrantes para aquela região.
O projeto de colonização em andamento progredia numa dinâmica e ritmo praticamente igual ou ao menos muito
parecido ao de outros empreendimentos similares em toda América Latina da época: na Argentina, no Brasil, no
Paraguai, etc. Tratava-se de tarefa para pioneiros decididos a enfrentar uma natureza desconhecida, selvagem,
entregues a si mesmos num total isolamento, rodeados por um contexto social totalmente estranho e não poucas
vezes hostil, sem vias de comunicação, sem um mínimo de conforto, privados de assistência médica, educacional e
religiosa.... No caso da imigração alemã para o Chile interpuseram-se algumas dificuldades específicas. Uma das
condições impostas a Philippi foi que apenas levasse imigrantes alemães católicos. Aconteceu, porém, que vários
bispos católicos fizeram restrições para com a emigração de católicos e assim ele incluiu entre os imigrantes uma
maioria de protestantes, fato que lhe valeu um posterior hostilidade da parte dos chilenos.
Uma outra dificuldade apareceu quando as primeiras levas arregimentadas por Philippi chegaram. Constatou-se que
as terras nas proximidades de Valdivia já não estavam disponíveis e aquelas das proximidades do lago de
Lhanguihue eram praticamente inacessíveis. Com a chegada de mais e mais levas de imigrantes estes começaram a
ser encaminhados para o velho forte de Corral e ao atual Puerto Montt. Aí permaneceram durante dois anos nas
condições mais precárias imagináveis. Puerto Montt foi oficialmente inaugurado em 1853. Pouco tempo depois as
terras nas margens do lago foram medidas e distribuídas. Os colonos receberam a crédito uma junta de bois, uma
vaca, 200 tábuas, pregos e outros artigos necessários para construírem as casas. Em cartas que datam da época
fala-se das grandes dificuldades encontradas com o manejo da floresta, a carência de carretas de quatro rodas, o
inverno inclemente acompanhado de fome e privação. Não demorou, porém, dentro de alguns anos, as povoações
perto do lago, assim como Puerto Montt, Puerto Varas, Osorno, Frutillar, Valdivia..., começaram a exibir um visível
progresso.
Os imigrantes alemães que povoaram o sul do Chile, procediam, como aconteceu também no Brasil e na Argentina,
de todas as regiões da Europa onde predominava a assim chamada "ordem alemã". Correspondia, em grandes
linhas, á atual República da Alemanha, territórios da Pomerânia, Silésia, Boêmia e Prússia Oriental, incorporados
depois da segunda guerra mundial á Rússia, Polônia e á República Checa, à Áustria, Suíça, Alsácia e Lorena,
Luxemburgo e alguns territórios menores na periferia. O contingente mais significativo, entretanto, procedeu de
Hessen, Kassel e Rotenburg devido à influência dos irmãos Philippi. Contingentes ainda significativos emigraram da
Silésia, de Württemberg, Vestfália, Brandenburgo, Saxônia, Hannover e Hamburgo. Na década de 1870, depois que
as margens do lago de Lhanguihue estavam completamente ocupadas, aportou mais um grupo significativo
procedente da Boêmia. Fundaram em 1875 Nueva Brunau. Completara-se assim a primeira fase do povoamento por
por imigrantes alemães das terras disponíveis na proximidades do lago de Lhanguihue no sul do Chile.
No decorrer das décadas de 1870 e 1880 o governo chileno lançou-se à tarefa de incorporar no esquema produtivo
do País a grande área localizada entre o Chile meridional e central denominada "Frontera". Originalmente havia sido
reservada para os índios araucanos. Um pequeno grupo de imigrantes alemães, contudo, veio a fixar-se no território
já em 1850. Quase uma década depois, em 1858 e 1859, um outdro pequeno grupo de 36 famílias foi assentada na
localidade de Humán. A rebelião dos índios de 1859 fez com as autoridades chilenas desistissem temporariamento
20
do projeto de colonização da Frontera. Formando uma pequena minoria esses imigraantes, ao contrário dos do sul,
não tardaram em abandonar a língua e os costumes alemães em meio a uma população predominantemente
chilena.
A ocupação da Frontera com imigrantes europeus, experimentou um considerável alento nas décadas de 1870 e
1880, depois que ações militares contra os índios e uma nova legislação de colonização franquearam o território
para colonizações de maior porte. Dos 36092 imigrantes que entraram na região entre 1883 e 1898 apenas 2041
foram alemães. Uma minoria, portanto que se concentrou principalmente em Contulmo, Timuco e Quillén. Procediam
das regiões ao leste do Elba e da Alemanha do Norte e interessavam-se mais por ocupações urbanas do que pela
agricultura. É óbvio que a dispersão de uma minoria dessas num territõrio tão vasto impedisse a formação de
comunidades alemãs fechadas como aconteceu no sul. Dispersaram-se por isso em doze assentamentos dieversos
por todo o território, compartilhados com outros europeus e com chilenos.
No começo do século 20 ocorreu mais um pequeno assentamento em Comuy no território da Frontera. A companhia
de colonização "Sociedad Ganadera e Industrial de Valdivia" recebeu do governo chileno 20000 hectares,
localizados a 30 quilômetros distantes da estação da estrada de ferro Pitrufquén. O contrato previa que as terras
fossem colonizadas com imigrantes vindos da Europa. A companhia entretanto as ocupou com elementos mal
sucedidos na ilha de Chiloé e outras colônias localizadas na área de mata virgem. Sem estradas e outras vias de
comunicação a vida para esses pioneiros foi extremamente dura. A maioria deles transferiu-se como assalariados
para a cidade de Temuco, outros abandonaram a região e os que ficaram tiveram muitas dificuldades em progredir
de alguma forma. Em 1912 desembarcaram na colônia 23 novas famílias vindas da Alemanha, inclusive duas do
Brasil, seguidas depois por suíços alemães, russos alemães e europeus de várias procedências. Formou-se assim
uma colônia mista que ao final da primeira geração mostrava sinais evidentes de prosperidade com moinhos de trigo,
serrarias, tornearias, marcenarias, etc. em pleno funcionamento.
Em 1924 foi criado um fundo para a colonização e em 1929 ocorreu o assentamento pelo governo chileno, de um
grupo de famílias católicas bávaras em Peñaflores, nos arredores de Santiago. Dedicaram-se principalmente à
cultura de hortaliças e frutas. A este último projeto de imigração seguiram mais outros menores com o de La Serena
em 1951 e o controvertido grupo de 230 imigrantes vindos de Siegburg nas margens do Lahn em 1961. Compraram
a gleba El Lavadero e entre 1966 e 1968 provocaram uma grande controvérsia pelos jornais por causa de sua
maneira de ser um tanto misteriosa. Abstraindo, porém, deste particular a Colonia Dignidad ou "La Sociedad
Benefactora y Educacional Dignidad", nome pelo qual é conhecida oficialmente, contribui, ainda hoje, de forma
decisiva para o progresso de toda a região.
Na obra monumental "Die Deutschen in Lateinamerika" a gênese e a dinâmica do teuto-chilenismo foi assim
resumida:
A pedra fundamental do teuto-chilenismo foi indubitavelmente colocada durante o século 19. Durante o século 20
seguiram ainda algumas ondas imigratórias pequenas e até minúsculas. Os descendentes dos teuto-chilenos do sul
expandiram-se para outras regiões. Assim, por ex., encontravam-se, já em 1895, alemães e seus descendentes no
Chile inteiro, a começar pelo estreito de Magalhães até o deserto de Atacama, nas pequenas e grandes cidades e
até nas aldeias mais afastadas. Os filhos dos colonos do mar casavam e circulavam no circuito das velhas colônias,
até Osorno e Valdívia. Raramente ultrapassavam a Frontera. Os filhos de famílias mais ambiciosas formaram-se
professores, médicos, engenheiros de minas ou funcionários. Outros tocavam pequenos negócios ou trabalhavam
para as grandes indústrias do norte. Uma minoria dos antigos colonos se deu mal e teve que ser amparada pelos
patrícios.17 O autor da obra acima citada conclui a sua análise da presença de alemães no Chile com as seguintes
considerações:
Como se pode ver a onda imigratória de alemães para o Chile aconteceu durante o século 19. Apesar de terem
encontrado dificuldades no início da imigração, pode-se dizer que elas foram relativamente simples para os colonos.
Entre os anos de 1850 e 1870 os preços das terras do governo permaneceram relativamente estáveis. Acresce ainda
que na época os ibero-chilenos estavam mais interessados no Chile Central, facilitando-se assim o assentamentos
17
Die Deutschen in Lateinamerika, idem, p. 311
21
de grupos inteiros de alemães no sul. Com o correr dos anos os colonos do sul multiplicaram suas propriedades.
Assim, por ex., em 1903, 32 das 34 maiores propriedades de Valdívia encontravam-se em mãos de famílias com
sobrenome alemão. A mesma situação valia para Puerto Montt e Puerto Varas. (Deutschen in Lateinamerika, p. 313)
Conforme um relatório de 1940 os alemães ou seus descendentes ocupavam cerca de 1,5 milhões de hectares,
importando em 7,5 por cento das terras aproveitáveis de todo o país. Até 1898 a legislação impedia os chilenos
autóctones colonizar o sul e a chamada Frontera. Esta é uma explicação ao menos parcial para o fato de os
imigrantes alemães predominarem na região. Essa legislação pretendia assim impedir que os agricultores do Chile
central migrassem para fora da sua região.
O analista continua:
Embora os povoadores alemães somavam menos do que 10000 até a virada do século,
contribuíram em muito para o reerguimento da região que depois da saída dos espanhóis caíra
em decadência. Em aapenas poucas décadas o sul conquistou uma importância considerável
tanto no plano agrícola como no industrial. O poeta José Alfonso referiu-se assim ao fato: "Nem
todas as partes do Chile foram beneficiados com alemães". Outros intelectuais do século 19
concordam. V. Sanchez escreveu na sua história de Osorno: A chegada do povo louro teve o
efeito de uma transfusão: novas idéias, novos métodos, nova energia. O iníco da colonização
trouxe um rejuvenescimento dos hábitos e do sistema de trabalho, a cidade acordou de seu
sono.
O Chile, de modo especial o sul com seu clima ameno e sua paisagem, semelhantes aos da
Alemanha, tornou-se a querência de muitos que fugiram das perturbações da Alemanha do
século 19, época em que o Chile era um dos países mais estáveis da América Latina. Todos
saíram ganhando: no sul, na Frontera e nas cidades: os imigrantes a quem se ofereciam
possibilidades contanto que fossem laboriosos e o país, o Chile beneficiando-se com a
colaboração de colonos, profissionais e empreendedores alemães.18
Colonizações alemãs na Argentina
As primeiras quatro décadas que se seguiram à independência da Argentina, caracterizaram-se por sucessivas
perturbações políticas. A acomodação das diferentes fações que se digladiaram durante as décadas de 1820, 1830,
1840 e 1850, custaram a encontrar um consenso mínio em torno das bases políticas, administrativas, econômicas e
sociais que deveriam servir de base para o estado nacional. A batalha de Monte Caseros marcou o início de uma
nova era para a construção nacional da Argentina. Mesmo assim os desentendimentos entre "unitaristas" e
"federalistas" continuaram ainda durante dez anos, antes de se chegar finalmente a um acordo. Até aquele momento
a capital da "Confederação Argentina" havia sido Paraná. Buenos Aires abandonara a "Confederação" por não
aceitar Urquiza como presidente. Em 1861 Urquiza foi derrotado por Mitre, assumindo este a presidência da
Argentina em 1862. Foram necessários mais alguns anos até concluir definitivamente a organização nacional,
equacionando a diferentes forças políticas.
É evidente que durante este período a prioridade máxima se concentrasse na consolidação das bases políticas e
institucionais da nova República. Somente depois abriu-se espaço para a formulação de políticas de
desenvolvimento e neste contexto, de políticas , legislações e regulamentos para a colonização por imigrantes
estrangeiros. dos territórios devolutos.
Foi a partir de meados do século dezenove, portanto, que a Argentina começou a receber imigrantes não ibéricos.
Tornou-se, ao lado dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália, Brasil e Chile, o destino dos imigrantes da
Europa central e do norte. A corrente imigratória que desde então, até a década de 1940, afluiu à Argentina, era
18
Die Deutschen in Lateinamerika, idem, p. 314
22
composta principalmente de alemães e italianos. Como no caso do Brasil os alemães representavam o grupo
numericamente menor. Apesar disto deixaram marcas indeléveis em várias regiões da Argentina, onde implantaram
as suas colônias. Paralelamente surgiram comunidades alemãs urbanas em Buenos Aires, Mendonça, Córdova e
Rosário, desenvolvendo uma intensa vida cultual, associativa, educacional e religiosa. Werner Hoffmann caracterizou
essa realidade em "Deutschen in Argentinien":
Mesmo que o elemento alemão em termos numéricos ficasse bem atrás dos imigrantes procedentes
de outros países europeus, teve uma participação decisiva em todas as áreas do desenvolvimento do
País. A história da germanidade na Argentina não é a história de uma colônia fechada sobre si
mesma, isolada num mundo estranho, mas uma parte da história da Argentina. Seus portadores são
gerações de homens de origem alemã que legaram à terra dos seus filhos a herança da sua terra
natal.19
Os assentamento dos imigrantes alemães na Argentina durante o período da consolidação do estado nacional,
concentraram-se, em grandes linhas, em três regiões: Patagônia, Chaco e Missiones. É preciso naturalmente
acrescentar as comunidades urbanas de Buenos, Aires, Rosário, Córdova, Tucumán,e outras.
Passadas quase sete décadas da independência o território sob controle efetivo do governo da República Argentina, não
ultrapassava significativamente os limites do fim do período colonial. O grande Pampa, continuava isolando as estreitas
faixas ao longo dos Andes e de ambas as margens do rio Paraná. O Pampa, a Patagônia e o Chaco encontravam-se nas
mãos dos índios e as matas pluviais com seus excelentes solos, o "ouro verde, a yerba", e a riqueza em madeiras
nobres, aguardavam a chegada dos colonos que mais tarde viriam do Sul do Brasil e da Europa. Durante as décadas de
1850 e 1860 os governos argentinos tiveram que enfrentar o grande desafio do controle das regiões dominadas pelos
índios. Neste jogo de forças entre as expedições governamentais e os nativos, os avanços e recuos de ambas as partes
se prolongaram durante duas décadas. A dilatação do espaço controlado pelo governo central começou a definir-se com
a "expedição ao deserto" do general Roca e a construção da ferrovia Rosário-Córdova. Os índios mantidos sob controle
pela diplomacia e pela força por Rosas em 1652, avançaram novamente as fronteiras. O major Bartolomé Miter
empreendeu então, em 1855, saindo de Azul, uma desastrada expedição em direção ao Pampa. O resultado foi a
consolidação da "fronteira sangrenta", que se estendia de Bahia Blanca a Pergamino. Tratava-se, na verdade, de uma
terra de ninguém, sem autoridade e sem lei. A situação dessa "frontera" mereceu a descrição:
Considerando que as tribos de índios no sul do País, mal somavam 15000 indivíduos, não se entende
porque foi preciso tanto tempo para neutralizá-los. Já que os selvagens não dispunham de armas
modernas, não estavam em condições e resistir a um exército treinado. Acontece que contra eles nunca
foi enviado um exército, não por razões filantrópicas, mas porque políticos e comerciantes se
aproveitavam da "frontera" para seus próprios negócios escusos. Durante meses e até anos os
regimentos acantonados nos fortes de fronteira, não recebiam soldos. O dinheiro vindo de Buenos Aires e
destinado para o pagamento, desfazia-se como um bloco de gelo, ao longo do caminho da burocracia,
passando por muitas mãos, antes de chegar ao destino. As tropas não dispunham nem de armas nem de
cavalos, pois os fornecedores estavam mancumunados com oficiais e funcionários sem escrúpulos. Não
entregavam nada mais além de sobras. O próprio abastecimento estava abaixo de toda a crítica. O
fornecimento de gêneros alimetícios fora confiado a firmas particulares mediante comissionamento
público. Não forneciam nem a décima parte a que se comprometiam nos documentos. Em poucos anos
os oficiais que participavam dos negócios dos fornecedores tornavam-se homens abastados. Que os
soldados não se amotinassem entende-se pelo fato de as tropas serem predominantemente integradas
por criminosos e vagabundos, incorporados à força. Obviamente não alimentavam nenhum interesse
sério no combate aos índios. Interessava-lhes unicamente como fazer para que alguma coisa do espólio
terminasse em suas mãos. Os ataques aos selvagens ofereciam uma boa oportunidade. Nas ocasiões
em que uma tropa de gado era subtraída a alguma estância, os oficiais e soldados compravam os couros
por pouco dinheiro e os passavam adiante para outros compradores, os quais, por sua vez faziam ainda
19 .
Lütge, Wilhelm - Hoffmann, Werner - Körner, Karl Wilhelm - Klingenfuss, Karl, Deutsche in
Argentinien, herausgegeben vom Deutschen Klub in Buenos Aires, Verlag Alemann S.R.L, Buenos
Aires, 1980, p. 5
23
um bom negócio. Acontecia também que os índios vendessem o gado ao próprio dono original. Assim
todos na "frontera", menos os estancieiros prejudicados, tinham como se manter".20
A situação acima descrita só não se prolongou por mais tempo porque os índios se tornaram cada vez mais agressivos e
mais afoitos, durante a epidemia de cólera e a guerra contra o Paraguai. Uma outra ameaça esboçava-se pelo sudoeste.
Os chilenos cruzavam os Andes em úmero crescente pondo em risco a soberania argentina sobre a Patagônia. O
presidente Avellaneda resolveu agir energicamente para controlar a situação. Encarregou seu ministro da guerra, o
genral Julio Roca para submeter os índios. Em 14 de agosto de 1878 foi oficialmente incumbido de conquistar as 15000
milhas quadradas da Patagônia. O cumprimento desta missão implicava numa dupla tarefa: neutralizar e eliminar tanto a
"frontera da corrupção" quanto a "frontera das carnificinas".
O general Roca, primeiro comandante com formação científica do exército argentino, estudou cuidadosamente as
condições geográficas, as possibilidades de deslocamento, as vias de penetração para o interior do território e as
estratégias militares mais adequadas. Os subsídios básicos de que se valeu encontravam-se registrados num relatório
elaborado e entregue em 1873, no ministério da guerra, pelos oficiais Frederico Melchert, Francisco Horst e Jordán
Wysowski. Baseado nestes relatórios encarregou o futuro general Lorenzo Winter para explorar o rio Colorado e o major
Horst o rio Negro.
A missão do general Roca não se resumia, porém, em assegurar militarmente a Patagônia. Deveria ser apenas o
pressuposto para abrir a região ao povoamento e incorporá-la no contexto produtivo nacional. Com a finalidade de
avaliar e mapear o potencial econômico, fez participar da sua expedição um considerável contingente de peritos e
especialistas, encarregados de avaliar as condições do solo, a flora, a fauna, os recursos minerais, além das
possibilidades de colonização sistemática. A comissão científica para o rio Negro junto ao estado maior, era formada
exclusivamente por técnicos e pesquisadores alemães. Entre eles: o zoólogo Adolfo Doering da universidade de
Córdova, com seus auxiliares Carlos Berg e Eduardo Homberg, os botânicos Pablo Lorenz de Córdova e Gustavo
Niederlein; o ornitólogo Frederico Schultz.
A expedição de Roca que se prolongou pelos meses de abril, maio e junho foi um sucesso sob o aspecto militar. Ao final
os 15000 índios estavam reduzidos a um milhar. O êxito militar veio acompanhado de resultados científicos não menos
significativos. As observações e as conclusões dos cientistas sobre a região do Rio Negro foram reunidos numa edição
ilustrada de luxo de três volumes. Os dados mostraram que o povoamento da Patagônia era viável.
Os passos iniciais concretos para o povoamento da Patagônia foram dados por outro oficial alemão do estado maior de
Roca, o primeiro tenente prussiano Rhode que participara da expedição de Roca. Depois de percorrer a bacia do Rio
Negro publicou em 1883 várias matérias no jornal alemão de La Plata, defendendo o povoamento da região com
imigrantes alemães. Foi sua a manifestação: "Necessitamos povoadores de raça germânica... não românicos, esses
esperam tudo do governo". Rhode conquistou para sua causa o Dr. Chr. Heusser e Georg Klaraz, que desde 1863 se
dedicavam à vitivinicultura nas imediações de Bahia Blanca. Um relato sobre a possibilidade do povoamento da
Patagônia, publicado por Heusser na Suíça, contribuiu para atrair colonos alemães.
O interior da Patagônia, próximo à Cordilheira, permaneceu ainda por algumas décadas região de colonização a partir do
Chile. Encontramos entre esses povoadores um número considerável e alemães. Destacou-se, por ex., Albert
Euchelmayer que instalou uma estância de muitos milhares de hectares, próximo a Junin de los Andes. Visitantes do
estabelecimento não pouparam elogios à primorosa organização que transformou a estância num empreendimento
modelo por Albert Euchelmayer e seu filho Alfredo, apesar das enormes distâncias de quatro dias de viagem até os
centros civilizados mais próximos. O dentista mais próximo atendia no seu consultório em Temuco no Chile. A travessia
dos Andes exigia nada menos do que quatro dias. Os suiços Camilo e Felipe Goye semearam centeio e aveia na região,
instalaram hortas e criaram gado. A eles se juntaram gradativamente mais suíços e alemães, imprimindo um certo
caráter europeu a toda região dos lagos. San Carlos de Bariloche deve seu nome ao alemão Karl Wiederhold.
20
Deutsche in Argentinien, idem, p. 197-198
24
A colonização do vale do Rio Negro, a partir da costa da Argentina, enfrentou dois grandes obstáculos. Em primeiro lugar
foi preciso abrir vias de acesso à região e em segundo lugar colocar à disposição dos povoadores um eficiente sistema
de irrigação. O problema do acesso ao Rio Negro e a comunicação com os centros maiores foi resolvido lentamente.
Projetos de irrigação mal concebidos e tecnicamente pior executados aniquilaram os sonhos de uma colonização nos
melhores padrões da época. Desta maneira os lotes de 100 hectares que seriam entregues aos colonos não tinham
serventia e desfez-se o sonho de uma colonização modelo no Rio Negro. De outra parte esboroou-se a melhor das
intenções do governo em amparar os colonizadores com auxílios financeiros, ao defrontar-se com um dos vícios mais
nefastos da época. Os recursos evaporavam-se nas diversas instâncias burocráticas interpostas entre o tesouro e o
destino final, os colonos no Rio Negro. A este problema veio somar-se mais um. Entre os imigrantes recém-chegados
havia uma porcentagem significativa de pessoas sem tradição na agricultura. A sorte dos povoadores, que em outras
circunstâncias teria sido fatalmente trágica, teve contudo um final feliz. Informado sobre a situação de seus compatriotas,
o embaixador alemão von Holleben, viajou até o Rio Negro. O relatório que elaborou levou à dissolução da colônia e à
transferência dos colonos para Buenos Aires, às expensas do Estado. Como sempre acontece em situações do gênero,
alguns poucos permaneceram na região. Dedicaram-se a diversas profissões ou envolveram-se em projetos de
pomicultura, horticultura, vitivinicultura, produção de leite, et. Mas o projeto como tal acabara. Com ele, porém, a idéia de
um aproveitamento produtivo do vale do Rio Negro, não foi abandonada.
No relatório da sua viagem pela região em 1897, W. Alemann observou que a parte superior do vale do Rio Negro com o
auxílio da imigração, poderia, ser transformada num polo produtor de horti-fruti-granjeiros. O maior obstáculo, além dos
problemas de irrigação, continuavam sendo a falta de acesso por vias permanentes e confiáveis. Depois do seu retorno
a Buenos Aires Alemann esboçou uma proposta de projeto na qual sugeria a irrigação da área ao longo do Rio Negro, a
criação de uma companhia de colonização, a produção em sistema cooperativo de uvas, vinho, frutas, pastagens,
complementada com as respectivas agroindústrias: fábricas de conservas, curtumes, frigoríficos, moinhos... As previsões
se materializaram nas décadas seguintes entre 1900 e 1930. Uma parte do sonho de Alemann contudo não se
concretizou. A companhia que se destinaria para a implantação de uma colonização alemã maciça não se efetivou. Na
Villa Regina instalaram-se imigrantes italianos em lotes de 10 a 15 hectares. Estas e outras localidades experimentaram
um grande sucesso. Em 1929 escreveu a seguinte apreciação sobre a situação do Rio Negro: "Não se entende como um
pedaço paradisíaco de terra como este, já há muito tempo não foi entregue a uma cultura intensiva..." Em seguida
descreveu o estabelecimento modelo "Los Alamos" de Rosauer perto de Paso Peñaiva:
Um motor diesel de 50 cavalos bombeia a água do rio e irriga cerca de 50 hectares, destinados ao cultivo
de um milhão de árvores. Uma administração exemplar conduz o empreendimento. Além das variedades
de frutas produzidas no Rio Negro, cultivam-se duzentas variedades de rosas, árvores frutíferas e
ornamentais. Essa estação de silvicultura é de grande significado para a integração da produção na
região do Rio Negro".21 (Deutschtum in Argentinien, p. 203).
No início da década de 1930 havia em torno de 1500 alemães na região do Rio Negro. Sobre eles novamente o
depoimento de E.F. Alemann:
Em toda a parte encontram-se alemães e pessoas falando alemão, ou na condição de sitiantes bem
sucedidos, ou como comerciantes, ou como hoteleiros, ou como funcionários e empregados. A melhor
cerveja de General Roca é obviamente servida numa hospedaria alemã, que dispõe de instalações de
refrigeração. Mas acontece que nesta região de futuro promissor e favorável para o comércio, não existe
um povoamento fechado de alemães".
Para o sul da região do Rio Negro estendem-se as pastagens naturais da Patagônia. Os campos impróprios para a
agricultura inviabilizaram todas as iniciativas visando uma colonização de povoamento. A solução para o seu
aproveitamento foi encontrada na criação de ovinos. W. Vallentin, um prussiano oriental que combatera contra os
ingleses na guerra dos Boers, adquiriu em 1905 por concessão uma área de 450 quilômetros quadrados no vale do Rio
Pico. Infelizmente este projeto ficou só no sonho.
21
Deutsche in Argentinien, idem, p. 203
25
A partir do final do século dezenove começou a ocupação definitiva da região com pioneiros vindos da costa do Atlântico,
entre eles muitos alemães. Uma lista de nomes figura como exemplar na história da Patagônia. Nela sobressai o nome
de Richard Fischer, natural de Leipzig. Instalou no território de Chubut uma estância modelo para criação de ovelhas. Em
1924 contava com 6000 cabeças. Quase ao mesmo tempo chegaram à região o suìço Friedrich Karl Tschudi e o
badense Schelkly que se associaram a Fischer. Os três irmãos Miche, naturais de Berna, instalaram fazendas de criação
de ovelhas. As fábricas de tecidos Mitau e Grether adquiriram terras e fundaram a "Estanzia Marieg". Os criadores
alemães de ovinos espalharam-se por toda a Patagônia. Grandes casas como Staudt, Lahnsen e Plate, sediadas em
Buernos Aires, instalaram empreendimentos modelo na Patagônia.
A bem sucedida criação de ovelhas estimulou o surgimento de frigoríricos especializados no processamento de carne
ovina e o comércio de lã predominantemente controlado por alemães.
O isolamento e a dificuldade de acesso fez com que o Chaco se transformasse no refúgio natural dos índios cada vez
mias acuados pelo avanço dos europeus. Ainda nos anos de 1880 as comunidades alemãs e suíças na região de Santa
Fé, eram alvos constantes dos assaltos dos Tobas. O ministro da guerra em pessoa comandou em 1884 a expedição
visando a submissão dos índios. Um número considerável de alemães participou desta expedição, com destaque para o
primeiro tenente Francisco Horst, chefe dos pioneiros e veterano da expedição de Roca à Patagônia. A submissão dos
índios levou um par de décadas para completar-se e os recursos naturais pudessem ser explorados. As enormes
reservas de madeira e o tanino extraído do "quebracho vermelho", provocaram uma verdadeira corrida para o Chaco. O
fornecimento de dormentes para as ferrovias em construção, serviu de base para empresas como a de Adodlf Schuster
em 1910. Em 1880 os irmãos Hasteneck colocaram em funcionamento a primeira usina de extração de tanino do
"quebracho vermelho".
As colônias de lenhadores e as plantações de cana de açúcar em Tucumán e Salta, atraíram sempre mais índios. Em
contato com os espanhóis e estrangeiros sucumbiram ao álcool e às doenças venéreas. Um pequeno número deles
sobreviveu nas poucas estações de missionários franciscanos e evangélicos.
O Chaco transformou-se definitivamente num território de futuro quando se constatou que seu solo e clima favoreciam a
produção de algodão, arroz, rícino e cana de açúcar.
Depois das tentativas frustradas de tornar os rios Salado e Bermejo navegáveis, empreendeu-se a construção da ferrovia
Resistencia-Metán. Esta obra que enfrentou incríveis obstáculos na implantação de seu leito cruzando florestas e
pântanos, permitiu o acesso definitivo e permanente ao território. Três alemães foram responsáveis pela construção da
ferrovia: o engenheiro chefe Storm e os engenheiros auxiliares Schnerr e Baur.
A implantação definitiva das colônias alemãs no Chaco foi resumida na obra já várias vezes citada "Deutschtum in
Argentinien".
Na época de Tjark a presença alemã em Resistencia era pouco representativa. Poucos anos depois,
porém, desencadeou-se o fluxo de povoadores alemães que, nas duas décadas posteriores, foi-se
avolumando cada vez mais, contribuindo decisivamente para o desenvolv8mento do Chaco e Formosa.
Os primeiros agricultores alemães fixaram-se nas proximidades de Charata. Cultivaram algodão, mas nos
primeiros anos enfrentaram sérias decepções. A seca e os gafanhotos aniquilaram sucessivas colheitas.
A isso somou-se que os colonos haviam-se assentado em terras do Estado, não recebiam títulos
regularizados e em parte tiveram que abandonar as terras depois de as tornarem produtivas. Muitos
deles decepcionados abandonaram a região, embora as organizações alemãs de Buenos Aires tivessem
posto em andamento uma obra de socorro. Os que perseveraram foram recompensados com os altos
preços do algodão durante a primeira guerra mundial. Depois da guerra muitos alemães emigraram para
o Chaco. Assim, contrariamente à Patagônia surgiriam aí grandes colônias alemãs com escolas e
associações próprias. A solidariedade entre os povoadores alemães facilitou a luta pela existência dos
novos imigrantes e contribuiu para que as colônias do Chaco conquistassem um relativo bem estar,
apesar de alguns reveses. Quando em 1930 a desertificação das terras, a queda dos preços do trigo e a
26
prolongada seca no Pampa, infligiram uma grande penúria aos povoadores alemães, o Chaco se mostrou
uma região alternativa apropriada para emigrar". 22
A "União dos Agricultores" fundada em 1927 em Buenos Aires conseguiu que o governo pusesse à disposição dos
colonos 120000 hectares de terras, sem mato e ricas em água, ao norte de Roque Saenz Peña. A área foi dividida em
lotes de 100 hectares e entregues aos colonos por um preço módico. Vencidas as dificuldades iniciais as novas colônias
de Castelli e La Florida, desenvolveram para povoamentos em franco progresso e contando com várias escolas próprias.
A Província de Missiones no nordeste da Argentina foi a última a ser colonizada. Biogeograficamente pode ser tomada
como uma extensão das florestas e dos solos férteis do sul do Brasil. A erva mate a "yerba", em estado nativo,
representou, ao lado de uma dúzia de espécies de madeiras nobres, a sua maior riqueza. Seu interesse histórico
concentra-se nos testemunhos das reduções jesuíticas que floresceram neste território nos séculos dezessete e dezoito.
Os elementos, porém, que exerceriam um fascínio irresistível sobre os colonizadores em potencial, foram os solos de
alta fertilidade escondidos sob a floresta, a riqueza em água e a topografia suave de toda a região. A colheita predatória
da erva mate fazia-se presente há décadas. Depois que o alemão Neumann redescobriu a técnica de fazer germinar as
sementes da erva mate, desenvolvida pelos missionários e esquecida depois da destruição das missões, e o posterior
desenvolvimento de ervais plantados, o "ouro verde", constituiu-se por muitos anos no carro chefe da riqueza de
Missiones.
Dados de 1903 informam que na Província residiam 59 famílias alemãs, somando 291 pessoas. A colonização
sistemática da região se desencadearia a partir do término da primeira guerra mundial. A ocupação se deu por meio de
assentamentos conduzidos tanto por empreendimentos privados como por iniciativa do governo argentino. Para o
primeiro caso foram exemplares os projetos de Karl Culmey e Adolfo Schwelm. Karl Culmey coordenara, a partir de
1902, o projeto de colonização de Serro Azul (Cerrro Largo) no Rio Grande do Sul, promovida pela Sociedade União
Popular. Seu parceiro inseparável nesta iniciativa fora o Pe. Max von Lassberg. Com a experiência adquirida e
novamente contando com a colaboração do Pe. Lassberg e de Friedrich Rauber, coordenou a implantação de duas
colonizações em Missiones: Puerto Rico destinada aos católicos e Monte Carlo destinada aos protestantes. O
contingente inicial desses dois núcleos foram integrados por colonos procedentes do Rio Grande do Sul. No mesmo ano
iniciou-se a colonização de Eldorado sob o comando de Adolfo Schwelm. Schwelm montou e pôs em funcionamento um
poderoso aparato de propaganda. Depois de assumir também a administração de Puerto Rico e Monte Carlo, conseguiu
atrair cerca de 3000 a 4000 colonizadores para os três projetos.
Partindo da borda sul da mata da província de Missiones, o governo argentin organizou uma série de assentamentos:
Cerro Cora, Bompland, Leandro Alem e Yerbal Viejo. Para as terras do governo encaminhavam-se de preferência
imigrantes diretamente emigrados da Alemanha nos anos que se seguiram ao término da primeira guerra mundial. Em
1925 os alemães na região somavam cerca de 25000, fazendo com que o alemão fosse a única língua falada. Os
colonos costumavam ser contemplados com lotes cobertos de mato de 50 hectares, pagos em seis prestações anuais,
calculadas na base de dez a vinte pesos por hectare. O início desta colonização foi assim descrito:
Numa grande clareira encontra-se a aldéia "Meckring", assim denominada em homenagem ao agente postal Heinrich
Meckring. Numa elevação ergue-se uma igrejina de madeira, na qual atua um pastor alemão. Serve também para
ministrar aulas para os meninos e meninas de cabeças cor de trigo. Numa outra elevação encontra-se uma hospedaria
alemã muito asseada. Distribuídas pelas clareiras vêm-se ainda algumas casas, uma loja e uma outra com ferraria
anexa. Este é o centro da colônia. A grande maioria dos povoadores mora oculta no fundo da mata, ao longo das
picadas abertas pelo governo e que penetram muitos quilômetros mata virgem a dentro. Caminhos de terra vermelha
contrastam com o verde da mata. Fontes e arroios por toda a parte dão vida à natureza. Para os povoadores alemães
esta bela terrra que, de alguma forma lembra a Floresta Negra, deve ter dado a sensação de estar em casa.23
A grande maioria dos povoadores diretamente imigrados da Alemanha fixaram-se na província de Missiones entre os
anos de 1922 e 1924, no auge da crise provocada pela inflação na Alemanha. Sua maior concentração aconteceu entre
Monte Carlo e Eldorado.
22
23
Deutsche in Argentinien, idem, p. 214-215
Deutsche in Argentinien, idem, p.
27
Missiones com seus 25000 alemães experimentou um rápido progresso econômico à base da erva mate, de frutas
cítricas e outras culturas. Verificou-se um poderoso estímulo na modernização e diversificação dos produtos agrícolas. O
principal responsável por esse êxito foi o prof. Dr. K. E. Kempski. Depois de lecionar em universidades alemãs e
trabalhar em estações experimentais em Java e no Ceylão, transferiu-se para a Argentina onde ocupou o cargo de
diretor geral da agricultura em Santiago del Estero. Foi pioneiro na introdução em Missiones das culturas da soja, chá e
tungue.
Os núcleos de colonização em Missiones deitaram rapidamente raízes, consolidram-se e começaram a prosperar já na
primeira geração dos colonizadores. Uma vez organizadas as comunidades surgiram, sem tardar, os complementos
indispensáveis: a implantação de uma rede de estradas e projetos multi utilitários, a organização de jardins de infância e
cooperativas, etc. A união e a coesão entre os povoadores foi assegurada pelos serviços religiosos, escolas para o
aprendizado da língua, associações, sociedades, clubes e até de um museu e de uma escola de silvicultura. A tudo isso
somou-se uma primorosa rede de escolas comunitárias freqüentadas em 1931 por 472 alunos, em Posadas, Eldorado,
Monte Carlo, Cerro Corá e Leando Alem.
Nesta síntese da colonização alemã na Argentina, faltou ser avaliada a parte que coube aos teuto-russos, emigrados do
Volga e do Mar Negro. Sua importância para a história da Argentina, do Brasil e de outros países da América Latina,
merece um artigo próprio.
Colonizações alemãs no Brasil
Entre os países da América Latina onde foram implantados projetos de colonização com imigrantes alemães, a primeira
iniciativa coube, historicamente falando, ao Brasil. Depois que a colonização em escala maior por açorianos se mostrou
impraticável, a administração colonial optou por convidar colonos de outras regiões da Europa. A exclusão dos ingleses,
franceses e holandeses se entende por razões históricas óbvias. Estes estiveram presentes no Brasil desde o início do
período colonial disputando com os portugueses a soberania de regiões inteiras da Colônia. Um motivo semelhante
desaconselhava de todo em todo o ingresso de espanhóis no território brasileiro na condição de povoadores. Na prática
teria significado abdicar da luta pela posse de vastos territórios das fronteiras em disputa, sobretudo na região do Prata.
As preferências voltaram-se então para imigrantes procedentes da Europa Central e do Norte. As razões da opção por
alemães, italianos e outros, resumiram-se basicamente na tradição camponesa milenar em pequenas propriedades
desses povos e o fato de nunca se terem intrometido na soberania da Colônia. Com certeza influiu também a experiência
positiva de outros países de imigração, como por ex., os Estados Unidos, onde os imigrantes alemães, italianos,
contavam entre os colonizadores mais disciplinados, mais empreendedores e mais bem sucedidos. O casamento do
príncipe D. Pedro com a princesa austríaca D.Leopoldina, acrescdemtpu mais um motivo para a preferência pelos
alemães.
Os primeiros assentamentos de colonos aconteceram, ainda antes da indenpendência, na Bahia com as colônias
Leopoldina em Frankental e no Rio de Janeiro na região de Petrópolis.
Entretanto a colonização alemã que iria marcar definitivamente regiões inteiras do País, concentrou-se nos três estados
do sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A ocupação por europeus dos grandes espaços vazios, cobertos de
florestas, fazia parte do projeto do Império que, no seu bojo visava vários objetivos. Entre eles merecem destaque: a
colonização sistemática e intensiva das terras devolutas, a implantação de um modelo de pequena propriedade familiar,
a formação de uma classe média rural, o incremento da produção diversificada de alimentos, o branqueamento da raça,
o fornecimento de suprimentos para as tropas envolvidas nas guerras de fronteira e a própria consolidação das
fronteiras.
Foi com essas expectativas, alimentadas pelo governo imperial, que ocorreu a implantação do primeiro núcleo de
colonização em 1824, na fazenda do Linho Cânhamo em São Leopoldo. A Colônia Alemã de São Leopoldo, como
passaria a ser conhecida na história da imigração no Brasil, foi realmente o ponto de partida e o paradigma que orientou
as colonizações até 1980 em vastas áreas os ttrês estados há pouco mencionados. Vencidas as dificuldades iniciais as
comunidades solidamente organizadas em torno de sua igreja, escola, cemitério, casa de comércio, artesanatos, clubes
28
e associações, foram-se multiplicando com muita rapidez. Uma alta taxa de natalidade somada a um baixa mortalidade
infantil e, até o início da primeira guerra mundial, o aporte de novos imigrantes, alimentaram essa dinâmica.
Num esboço muito sucinto essa história de 178 anos da imigração alemã no sul do Brasil, pode ser resumida mais ou
menos assim: O primeiro núcleo definitivo foi instalado na Real Feitoria do Linho Cânhamo em São Leopoldo em 1824. A
ele seguiram-se mais tarde em 1827 dois outros no Rio Grande do Sul, independentes do primeiro: São Pedro de
Alcântara e Três Forquilhas, ambas nas imediações de Torres. Vinte e poucos anos mais tarde, a partir de década de
1850, formam-se instalando os primeiros núcleos de colonização alemã em Santa Catarina, tendo Blumeau como
matriz. A Blumenau seguiram-se: Joinville, Brusque, Pomerode, Rio do Sul, São Bento, Mafra, Forquilhinha e muitos
outros.
Cada um desses pólos de irradiação, o de São Leopoldo no Rio Grande do Sul e o de Blumenau e Joinvile em Santa
Catarina, seguiu dinâmicas semelhantes mas independentes um do outro. Acompanhemos primeiro o mais antigo, o da
Colônia Alemã de São Leopoldo. Apenas a título de observação vale lembrar que as colônias de São Pedro de Alcântara
e Três Forquilhas ficaram, durante um século, práticamente confinadas no isolamento do litoral norte do Rio Grande do
Sul.
Voltemos à Colônia de São Leopoldo. Vencidas as dificuldades iniciais os imigrantes e seus descendentes da Colônia de
São leopoldo não demoraram em implantar suas comunidades em áreas próximas. O processo de expansão colonial
começara. Como já foi dito mais acima, dois foram os fatores principais que impulsionaram o processo: o crescimento
vegetativo da população e o afluxo de novos imigrantes. Já a partir da década de 1850 a primeira geração de nascida no
Brasil, chegara à idade de procurar o seu próprio lote de terra. Ora é por todos conhecido que as famílias eram
numerosas ao mesmo tempo em que a mortalidade infantil situava-se em patamares relativamente baixos para a época.
De outra parte os lotes coloniais com suas dimensões reduzidas não recomendavam mais do que uma ou no máximo
duas divisões. Levantamentos realizados na época mostram que cada 1000 famílias geravam, na média por ano, nada
menos do que 200 excedentes, candidatos naturais a novos lotes. Tendo-se em vista que o crescimento vegetativo de
uma população avança em progressão geométrica, fica fácil imaginar a movimentação no meio colonial.
Já o final da primeira década após o início da imigração alemã, marcou o começo da ocupação das terras foram dos
limites da área inicial destinada para a colonização. Na obra Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - (18241924), o Pe. Theodor Amstad descreveu assim a situação:
No começo da Guerra dos Farrapos, como já foi dito, está ocupada somente a parte anterior e plana
da colônia governamental de São Leopoldo e a primeira parcela das três picadas: Dois Irmãos,
Picada Berghan e Picada dos Portugueses. Poucos povoadores, como por ex., B. Mombach,
arriscaram-se a cruzar pelo topo dos primeiros morros. Já em 1832, na Picada dos Portugueses, foi
preciso desistir dos postos avançados do Fritzenberg e Rosental e concentrar-se mais na parte baixa,
por causa do ataque dos bugres. Somente na década de quarenta, ao terminar a Guerra dos
Farrapos, arriscou-se a ocupação das áreas mais afastadas das Picadas.24
A etirada dos subsídios para a imigração em 1831 estagnou quase por completo a corrente imigratória. A Guerra dos
Farrapos, 1835-1845, terminou por desestimular defintivamente a vinda de imigrantes. O término desta guerra marcou a
retomada da imigração e o início sistemático da ocupação das áreas periféricas do núcleo original da imigração. Nos dez
anos que se seguiram entre 1845 e 1855, o avanço da colonização teve como alvos preferenciais o vale do rio Feitoria,
afluente do rio dos Sinos, tendo a Picada de Dois Irmãos como ponto de irradiação e o Rio Cadeia, afluente da margem
esquerda do rio Caí, onde a Picada dos Portugueses serviu de referência mais importante. Foram sendo sucessivamente
povoados o Bugerberg, o Jammertal e a Walachei. Em seguida o avanço tomou o rumo do Erval. Avé Lallemant, em
viagem pela região, descreveu assim o começo da formação dessas picadas:
24
Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - 1824-1924. Trad. de Arthur Blasio Raambo,
Edit. Unisinos, São Leopoldo, 1999, p. 103
29
A visão da Walachei e do Jammertal é grandiosa. Não será fácil encontrar seqüências de mato tão
selvagem como aquelas. É difícil localizar as áreas cultivadas no fundo escuro das gargantas. É
preciso coragem para embrenhar-se no vale, antigo refúgio de índios, onças e tapires.25
Uma dinâmica semelhante impulsionou o povoamento das porções posteriores das Picadas dos Berghan e da Picada
dos Portugueses. Neste processo destacaram-se Bohnental, Linha Nova, Schneiderstal, Holand e Picada Café., com
suas diversas ramificações.
A obra já citada "Cem Anos de Germanidade" resumiu assim os 25 primeiros anos da expansão colonial:
É lícito afirmar então que em meados dos anos cinqüenta as terras postas à disposição para a
colonização pelo governo imperial nas três picadas antigas, estavam em linhas gerais povoadas. A
Picada Feliz, que veio somar-se em 1845, contava na época com 90 a 100 famílias, podendo ser
considerada ocupada, tomando em consideração as condições populacionais da época. Nada mais
natural então que muitos pais de família numerosa e muitos jovens empreendedores da colônia,
procurassem terras favoráveis em outra parte.26
As áreas colonizadas até aqui tinham sido de propriedade do Governo Imperial. Em torno delas localizavam-se
extensões de maior ou menor tamanho em mãos de particulares, tanto no curso médio e superior do rio dos Sinos e seus
afluentes, como do Caí e Taquari em toda a sua extensão. Foi sobre essas matas que a lógica do avanço orientou o
fluxo colonizador. As terras em ambas as margens do Santa Maria (Paranhana), pertenciam a Tristão Monteiro. Batizouas com o sugestivo nome de Mundo Novo quando começou a colonizá-las com imigrantes alemães. O povoamento do
Mundo Novo iniciou efetivamente em 1847 e prolongou-se até o final da década de 1870, quando contava com 284
famílias, das quais apenas 10 não eram de origem alemã.Vizinha ao Mundo Novo ficava a Fazenda Padre Eterno,
vendida em lotes aos colonos pelo proprietário o Barão do Jacuí. Idêntico caminho tomou na mesma época a família
Leão, proprietária do "Leonerhof" (Sapiranga e arredores). O prolongamento da colônia da Feitoria, o Morro Pelado na
margem do rio dos Sinos, foi colonizado por seus donos Chico Santos e Fialho.
Simultaneamente às colonizações ao leste do núcleo inicial de São Leopoldo no vale do rio dos Sinos, intensificou-se o
avanço para o oeste e o norte, para dentro do vale do rio Caí. Todas essas terras de alta fertilidade, encontravam-se em
mãos de particulares e estendiam-se ao longo das margens do Caí e de seus quatro principais afluentes: o Forromeco, o
Salvador e o Maratá na margem direita e o Cadeia na esquerda. Os donos dessas terras as lotearam e venderam aos
colonos procedentes, na sua maioria das áreas antigas da colonização no vale do Sinos e em menor número
diretamente imigrados da Alemanha.
Na mesma época em que o vale do rio Caí foi colonizado, iniciou-se o povoamento do vale do Taquari. Na grande
maioria também esses colonos procederam das colônias mais antigas do Sinos... O avanço se deu num ritmo
impressionante. Todo o vale do Caí e todo o vale do Taquari foram por assim dizer, tomados de assalto e conquistados
ao mesmo tempo.. Como aconteceu no Caí também no Taquari pertenciam a proprietários particulares. Os dois mais
conhecidos no Taquari foram Vito Mena Barreto na margem esquerda e Antônio Fialho na margem direita. Não demorou
e as terras férteis do rio Forqueta foram incorporadas na frente de colonização. O mesmo se repetiria mais para o interior
na margem esquerda do Taquari com a colonização de Teutônia. Na margem direita o avanço tomou a direção de Santa
Clara, Sampaio, Venâncio Aires, Santa Emília e arredores. As terras do Governo de Monte Alverne fora colonizadas na
mesma época e serviram de ligação para a colônia de Santa Cruz e Rio Pardinho.
O avanço da colonização, a começar por Taquara do Mundo Novo até Santa Cruz, incorporara as terras mais planas dos
cursos médios dos rios. Os vales mais afastados e as encostas da Serra, em mãos de proprietários menores, entraram
no mesmo processos a partir de 1875. Em questão de 20 anos todas as terras de alguma forma aproveitáveis haviam
sido ocupadas. Apesar das dificuldades da topogragfia e da distância dos centros maiores, contribuíram com uma
parcela significativa dos produtos básicos da época: feijão, milho, banha e na região de Santa Cruz e Venâncio Aires,
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Cem Anos de Germanidade, idem, p. 104
Cem Anos de Germanidade, idem, p. 108
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tabaco. Neste avanço incluíram-se também as colonizações mais ao sul como Rinco del Rei e as localizadas entre
Candelária e Santa Maria.
A expanção para o norte e o oeste.
No decorrer da década de 1880 haviam-se esgotado as últimas reservas de terras disponíveis nas bacias dos rios dos
Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí. Nas colônias aí existentes, porém, a pressão por mais e mais terras virgens
aumentava a cada dia. Na época a única forma capaz de aliviar essa tensão, encontrava-se na abertura de novas
fronteiras de colonização. Desta vez a lógica apontava para o norte e para o oeste em direção às imensas áreas
cobertas de mata virgem, encobrindo solos e topografia altamente favoráveis. Foi nesta direção que se orientou então o
fluxo migratório a partir da década de 1890.
Em 1890 abriram-se as primeiras clareiras na mata onde hoje floresce Ijuí, a metrópole da Serra. O Pe. Amstad
comparou Ijuí a São Leopoldo. Assim como São Leopoldo foi centro de irradiação das chamadas colônias antigas, ou
colônias "velhas", assim Ijuí desempenhava o papel de centro de irradiação das colônias "novas" no norte e no noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul. A partir daí a região se transformou num grande laboratório de experiências de
colonização. Entre os anos de 1890 e 1930 foram implantados no mínimo quatro modelos. Ijuí foi uma iniciativa do
governo federal, Santa Rosa do governo estadual e Santo Ângelo um projeto municipal. Todas as demais colonizações
foram empreendimentos particulares, ou de empresas, ou de pessoas físicas, ou de associações. Na sua monumental
obra comemorativa do centenário da imigração, o Pe. Amstad resumiu assim a colonização de toda essa região:
Com essas colonizações abrira-se o espaço para os excedentes populacionais das colônias antigas.
E no fim da revolução em 1895 começou um novo e alegre movimento migratório. As mudanças
aconteciam via trem, a cavalo, de carro e até em carroças de boi. Não raro podia-se assistir ao
espetáculo inusitado como pessoas que até aquele momento mal haviam ultrapassado os marcos de
fronteira de seu município, carregavam com toda a naturalidade seus pertences numa carroça,
passando três a quatro semanas peregrinando, até alcançarem o extremo noroeste do nosso Estado,
em Cerro Azul, Pirapó lu Serro Pelado, para aí construírem sua nova querência.
Tempos difíceis esperavam para breve pelas aves de arribação. Gafanhotos, seca e por fim os ratos
migratórios tornaram a vida amarga. Mas o tempo de penúria passou e quando os pioneiros e os mais
pobres tinham aberto a brecha, seguiu um reforço financeiramente mais bem dotado, gente com
dinheiro. Adquiriram muitas vezes, complexso de terras maiores também na colônia de Guarani
pertencente ao governo. Em questão de 10 a 15 anos o Ijuí, de Cerro Azul até a sua desembocadura
no rio Uruguai, numa extensão de 70 a 80 quilômetros, fora ocupado. Acabara-se de fundar a São
Leopoldo do século vinte.
Fato semelhante se verifica com as colônias de Passo Fundo e Cruz Alta. A diferença é que nelas
reside uma população étnica e confessionalmente mais mesclada. Mesmo assim encontram-se nesta
região distritos coloniais de exclusiva descendência alemã, como é o caso da Colônia Selbach, Barra
do Colorado, Neu Würtemberg, General Osório e outras. Desta forma, também aí os excedentes das
colônias antigas encontraram assentamentos novos fechados. Quem hoje visitar as colônias e Passo
Fundo, Palmeira, Cruz Alta, Santo Ângelo e São Luiz, pode estar certo de encontrar ali assentados
conhecidos procedentes das colônias antigas. Já se desenvolveu um ativo intercâmbio entre o norte e
o sul e entre o leste e o oeste e não se constitui numa raridade que famílias inteiras das colônias
novas, locomovendo-se em carroças, vão fazer visitas nas colônias velhas. E exatamente nessas
visitas acontece que, muitas vezes, os hóspedes das colônias velhas adquirem terras para si e seus
filhos, quando as circunstâncias das novas colônias agradam. Em muitas dessas visitas segue então,
num prazo mais curto ou mais longo, a correspondente transferência para os novos assentamentos,
os quais tomam rapidamente um acelerado ritmo de progresso, impulsionado pelos colonos
acostumados ao trabalho.
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Um pouco mais adiante o Pe. Amstad chega a falar de uma verdadeira febre migratória que teria acometido os colonos
de todas as regiões do Rio Gradnde do Sul, entre os anos de 1910 e 1920:
Havia duas razões que explicam o surgimento do fenômeno nada desejável da febre de emigração: o
sistema de colonização do governo estadual do Rio Grande do Sul e a especulação dos compradores
e vendedores de teras.
Já que a maioria das colônias particulares e das pertencentes a companhias colonizadoras, haviam
sido ocupadas, restavam aos colonos à procura de terra para assentamentos, as colônias do
governo. O sistema de colonização dos atuais governantes positivistas, consiste em abrir colônias
mistas, nas quais são assentadas misturadas pessoas das mais diversas nacionalidades. Esse
sistema não agrada nem aos colonos de descendência alemã, nem aos de descendência italiana,
nem aos de descendência polonesa. Isto fez com que, durante os últimos dez anos, os melhores
elementos, possuidores de mais capital, fossem fixar-se fora do nosso Estado em colônias
confessionais e etnicaemnte separadas, em Santa Catarina, Paraná e Argentina.27
A expansão para fora do Rio Grande do Sul
Depois da primeira grande guerra a febre migratória empurrara os excedentes tanto das colônias alemãs como das
italianas, até a barranca do rio Uruguai em toda a extensão norte e noroeste do Estado. As matas virgens praticamente
intactas da margem direita do rio, tanto no vizinho estado de Santa Catarina como na Argentina, com seu fascínio,
estimularam ainda mais o ímpeto da nova geração à procura de terra.
Três foram as áreas que canalizaram as atenções dos novos pioneiros: o vale do rio do Peixe na região central de Santa
Catarina, o extremo oeste do mesmo estado e a Província de Missiones na Argentina. Colonos procedentes das mais
diversas localidades das antigas colônias no Rio Grande do Sul, povoaram toda a área que atualmente tem como centro
a cidade de Joaçaba. Outros ultrapassaram essa região para irem fundar Porto União e União da Vitória, em ambas as
margens do rio Iguaçu, no extremo norte de Santa Catarina e no sul do Paraná. No extremo oeste a colonização irradiouse de dois núcleos iniciais mais importantes: Porto Feliz, hoje Mondaí e Porto Novo, a Itapiranga de hoje. A partir deles,
em questão de 30 anos, todo o oeste de Santa Catarina foi incorporado ao fluxo da colonização.
A colonização de grande parte da Província argentina de Missiones: Posadas, Puerto Rico, Monte Carlo, Eldorado, etc.,
foi analisada quando examinamos a colonização alemã na Argentina.
Já no final da década de 1950 a ordem "vamos para as colônias novas", que impulsionara a colonização do norte do Rio
Grande do Sul e o centro e o oeste de Santa Catarina, foi substituída por outra palavra de ordem: "vamos ao Paraná".
Milhares de colonos procedentes de todas as regiões do Rio Grande do Sul, somados à primeira geração de excedentes
de Santa Catarina, avançaram sobre as novas fronteiras de colonização no oeste do Paraná. O ritmo foi ainda mais
acelerado e mais intenso do que nas etapas anteriores. Em praticamente um geração as áreas disponíveis na região
estavam colonizadas.
No decorrer das décadas de 1980 e 1990 o fluxo migratório avançou pelo Mato Grosso do Sul e pelo Mato Grosso,
Rondônia e Acre, para , enfim alcançar a fronteira norte do País no estado do Rio Branco. Na mesma época aconteceu a
participação de agricultores vindos do sul, muitos deles descendentes de imigrantes alemães, em projetos de
colonização e empreendimentos agrícolas diversos na Bahia, no Maranhão, no Pará e até no Amapá, de modo mais
intenso, porém, nos cerrados de Goiás.
Conclusão
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Cem Anos de Germanidade, idem, p. 128-131
32
O estudo comparativo entre as colonizações alemãs no Brasil, Argentina e Chile, que acabamos de apresentar, mostram
no atacado semelhanças muitos. Nos três países existiam no início do século dezenove imensas áreas econômica,
social e politicamente à margem dos estados. No Chile estendiam-se, em grandes linhas, da cidade de Temuco para o
sul, até Puerto Montt, Puerto Varas e a ilha de Chiloe. O filé dessas terras situava-se nas proximidades do lago de
Lhanghue. Na verdade elas constituíam o território dos índios Mapuches e costumava ser tratada como "frontera". O
termo sugere uma situação de indefinição de posse até uma indefinição de soberania do Estado Chileno, recém
independente, sobre a região. Impunha-se, portanto a necessidade e além da necessidade a urgência de garantir a
soberania o que implicava na consolidação da "frontera" no sul.
A soberania colocava-se como pressuposto para o aproveitamento do seu potencial econômico. Tratava-se de extensas
áreas de planas de terras próprias para a agricultura cobertas de densas florestas virgens. Elas abrigavam solos férteis e
reservas incalculáveis de madeira, sob um clima relativamente ameno. Tornar produtivas essas teras mediante o
povoamento sistemático por colonos alemães, pareceu a solução mais prática para as autoridades chilenas. A imigração
alemã a partir do final de 1840, contribuiu decisivamente para a integração da região no todo nacional e transformá-la
numa rica fonte de produtos agro-pecuários. A inóspita paisagem mudou rapidamente de feição. No lugar das florestas
selvagens na orla do lago de Lhanghue e das costas do oceano Pacífico, a laboriosidade e a maneira de ser dos
imigrantes, plasmou uma paisagem humanizada inédita no País. Em volta dos centros maiores de polarização como
Puerto Montt, Puerto Varas, Puerto Arenas, Frutillar, Valdivia, Osorno, Concepción, etc... multiplicaram-se centenas de
comunidades. Os colonos proprietários de pequenas glebas familiares, dedicavam-se em tempo integral à tarefa de
tornar produtiva a terra e fazer florescer uma imensa vida religiosa e cultural, polarizada pelas igrejas, as escolas, as
associações, as sociedades, os clubes...
Em várias regiões da Argentina verificava-se, na mesma época, uma situação muito parecida com a do Chile, porém,
mais complexa e mais heterogênea. Em vez de uma região passível de colonização compacta a Argentina oferecia três:
os vales dos rios Negro e Colorado, o chaco e a bacia média e superior do rio Paraná, nas províncias de Entre Rios e
Missiones. Também para essa tarefa foram convidados colonos alemães. Pode-se concluir que o objetivo principal da
colonização dessa s regiões, foi o mesmo daquele do Chile, isto é, consolidar a soberania sobre elas e incorporá-las no
esquema produtivo do País, mediante uma colonização sistemática. No caso argentino a questão indígena assumiu
proporções muito mais importantes do que no Chile. A região do rio Negro e Colorado e a do Chaco abrigavam
numerosas populações nativas que foram subjugadas e em grande parte exterminadas. No rio Negro e Colorado havia
ainda o risco da apropriação das terras por chilenos, entre os quais um número expressivo de alemães, vindos do outro
lado dos Andes.
As colônias alemãs mais numerosas e mais importantes foram implantadas no curso médio e superior do Paraná, em
Entre Rios e Missiones, durante toda a segunda metade do século dezenove e nas três primeiras décadas do século
vinte. Na sua essência não diferem muito estrutural e institucionalmente daquelas do sul do Chile e do Chaco.
A mais extensa e a mais antiga das colonizações alemãs na América Latina aconteceu no Brasil, a partir de 1824. O
núcleo irradiador inicial foi implantado na fazenda real do Linho Cânhamo em São Leopoldo no Rio Grande do Sul. A
partir dele a expansão da colonização tomou o rumo oeste até Santa Maria no centro do Estado, numa extensão de
mais ou menos 70 por 400 quilômetros. No final do século dezenove tomou o rumo norte e noroeste e na primeira
metade do século vinte avançou pelo oeste de Santa Catarina e o Paraná. Um segundo polo irradiador iniciou-se na
década de 1850 no leste de Santa Catarina e um terceiro menos importante no Espírito Santo bem mais confinado do
que dois anteriores. Aproximadamente a terça parte da paisagem humana do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e
boa parte do oeste do Paraná, exibe, ainda hoje, os traços inconfundíveis da presença e das tradições alemãs.
Como conclusão geral é lícito afirmar que as colonizações alemãs no Chile, na Argentina e no Brasil, cumpriram
basicamente a mesma função: povoar grandes regiões vazias com imigrantes capazes de fazê-las produtivas, incorporálas no todo nacional, estimular um modelo agrícola alternativo ao existente e tornar os respectivos países socialmente
mais equilibrados com uma classe média sólida e bem constituída. É o óbvia que em cada caso particular é possível
detectar nuances mais ou menos importantes, fruto das peculiaridades físico geográficas, étnicas e culturais, com que os
imigrantes alemães se defrontaram.
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Bibliografia
Deutsche in Argentinien. Herausgegeben vom Deutschen Klub in Buernos Aires, 2. Auflage des Deutschtums in
Argentinien, Verlag Alemann, Buenos Aires, 1980.
FRÖSCHELE, Hartmut (0rg). Die Deutschen in Lateinamerika - Schicksal und Leistung. Horst Erdmann Verlag, Tübingen
und Basel, 1079.
Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - 1824-1924, Trad. de Arthur Blasio Rambo, Editora Unisinos, São
Leopoldo, 1999
OBERACKER, Karl Heinrich. Der deutsche Beitrag zum Aufbau de brasilianischen Nation. Federação dos Centros
Culturais 25 de Julho, segunda edição, São Leopoldo, 1971
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A presença alemã na América Latina no Período