REVISTA DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA DA ULBRA 2009/2010
Reitor
Marcos Fernando Ziemer
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Valter Kuchenbecker
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Capelão geral
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DIRETORIA DE PESQUISA
Nádia T. Schröder (Dir.)
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REVISTA DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA DA ULBRA 2009/2010
Índice
ApresentAção .......................................................................................................................................7
CiênCiAs AgráriAs
taxas de concepção e prenhez de novilhas submetidas a diferentes métodos de inseminação artificial...............11
Marcos Rosa de Almeida, Jéssica Magero, Carla Tiane Dal Cortivo Martins, Milena de Vargas Shuler, Hélio Hadke Bittencourt, Rodrigo Costa Mattos, Ricardo Macedo Gregory, Carlos Santos Gottschall
CiênCiAs BiológiCAs
Avaliação do efeito genotóxico do aripiprazol em camundongos .....................................................................21
Taís Madelon Freitas, Franciele Brandelli Celso, Tatiana Grasiela da Silva, Patrícia Pereira, Jaqueline Nascimento Picada
Herança da tolerância ao frio na fase vegetativa em arroz .............................................................................31
Caroline Cabreira, Renata Pereira da Cruz
Morfologia polínica dos gêneros Hebanthe Mart. e Pfaffia Mart. nativos do rio grande do sul.....................37
Julio Ricardo Bastos, Soraia Girardi Bauermann, Maria Salete Marchioretto
Variabilidade genética do jaborandi (Pilocarpus pennatifolius lemaire; rutaceae) em populações naturais da
região noroeste do rio grande do sul. ..........................................................................................................43
Ana Júlia Bandeira, Luis Irineu Deimling, Janaína Endres Georg-Kraemer
Um modelo murino para tratamento de lesão por isquemia e reperfusão de retalhos cutâneos com o uso de
células-tronco adiposo-derivadas...................................................................................................................53
André Vicente Bigolin, Antonio Francisco Ruaro Filho, Thiago dos Santos Pereira, Luciana Lima Martins Costa, Bruno Bellagamba,
Melissa Camassola, Nance Nardi
CiênCiAs dA sAúde
Análise química e avaliação da atividade acaricida das folhas de Piper amalago, P. mikanianum e
P. xylosteoides em larvas de Rhipicephalus (Boophilus) microplus ............................................................. 65
Marcela Silva dos Santos, Gilsane von Poser, Sérgio Bordignon, Vera Lucia Sardá Ribeiro, Alexandre de Barros Falcão Ferraz
estudo do perfil docente nos cursos de odontologia da região sul....................................................................73
Lucas Preussler dos Santos, Daniele Sigal Linhares, Talita Carniel, Carlos Alberto Feldens, Vania Regina Camargo Fontanella
estudo do polimorfismo taqiB do gene cetP em indivíduos dislipidêmicos...................................................79
Cristiana Alves Martins, Carla d’Avila de Assumpção, Fernanda Goulart Lannes Chula, Sabrina Esteves de Matos Almeida, Marilu Fiegenbaum,
Maria Lucia Rossetti, Cláudia Maria Dornelles da Silva
detecção de dnA de Mycobacterium tuberculosis em amostras de sangue total utilizando o sistema FtA® card ....85
Carla Rossana dos Santos, Suelen Angeli1, Candice Michelon, Karen Schmid, Marcia Susana Nunes Silva, Maria Lucia Rosa Rossetti
paracetamol induz radiossensibilidade na linhagem celular derivada de glioma humano U-87 .......................93
felipe Umpierre Conter, Luciana Brosina de Leon, Tatiane von Werne Baes, Fábio Dal Bello, Daniel Pretto Schuneman, Aroldo Braga Filho, Andréa
Regner, Adriana Brondani da Rocha, Ivana Grivicich
CiênCiAs exAtAs e dA terrA
Análise computacional da interação da isoniazida com as formas selvagem (wt) e mutante (g68r) da
n-acetiltransferase de Mycobacterium tuberculosis .................................................................................... 105
Janaína Menezes Perez, Ricardo Martins Ramos, Millene Borges Coelho, Maria Lúcia Rossetti, Hermes Luis Neubauer de Amorim
determinação da curva característica do solo de uma barreira capilar que compõem uma alternativa de um
sistema de cobertura de aterros sanitários ....................................................................................................117
Alexandre Petry Carneiro, Julia Fanti, Rodrigo Moraes da Silveira, Albert Welzel, Flávia Schenato
Mineralogia da mina Andreazza, Vila nova do sul, rio grande do sul, Brasil............................................125
Darcson Vieira de Freitas, Luis Andre Baptista, Paulo César Pereira das Neves
CiênCiAs HUMAnAs
Aprendendo a ser criança nas canções.........................................................................................................133
Roberta de Cássia Larsen, Maria Lúcia Castagna Wortmann
Casais que decidem não ter filhos: motivos, sentimentos e impressões ...........................................................141
amanda Dornel Ribas, Carla Meira Kreutz
Construção e análise das propriedades psicométricas de um instrumento para avaliação de estratégias de
enfrentamento (coping) de situações estressoras no contexto de trabalho ......................................................153
Miriam Raquel Wachholz Strelhow, Cheila de Oliveira Bueno, Sheila Gonçalves Câmara, Mary Sandra Carlotto
Contribuições da utilização de calculadoras gráficas na estruturação de conceitos relacionados a coordenadas polares .... 165
Dienifer Kiak Scapin, Carmen Teresa Kaiber, Rodrigo Dalla Vecchia
experiências de quase-morte e mudanças na vida ........................................................................................175
Liane Maria Fagundes Pinto, Fernanda Barcellos Serralta
percepções de alunos sobre educação a distância mediada por ambientes virtuais de aprendizagem ...............187
Rodrigo Alcione Maia, Karla Saraiva
projeto pró-Memória: novos olhares sobre a história do esporte de Carazinho-rs ........................................195
Diacson Vieira Ribeiro, Patricia, Carlesso Marcelino Siqueira
síndrome de Burnout em profissionais da saúde de Unidades Básicas de saúde ...........................................205
Luanna Taborda, Ítala Chinazzo, Mary Sandra Carlotto
CiênCiAs soCiAis ApliCAdAs
o preço da bola: processo de formação de crianças e adolescentes das categorias de base do sport Club internacional.219
Zilka Vargas, Honor de Almeida Neto
percepções urbanas em cidades periféricas: o caso de guajuviras em Canoas, rs, Brasil ..............................231
Ana R. F. Simão, Cláudia L. Z. Pires, Heloísa G. L. Lindau, Katia M. P. Pozzer, Lutiane Bom Berch, Samy Souza
Resident evil e redes sociais: atualizações, virtualizações e audiovisualidades ..............................................237
Taís Seibt, Nísia Martins do Rosário
engenHAriAs
Aplicação de nanocatalisadores sintetizados em laboratório para remoção de fenol via fotocatálise................251
Lucas Bystronski Abreu, Liliana Amaral Féris
Aprimoramento de um motor a combustão interna .....................................................................................255
Luís Fernando Backes de Leon, Luiz Carlos Gertz, Charles Rech, André Cervieri, Rafael Antônio Camparssi Laranja
lingUístiCA, letrAs e Artes
Contemporaneidade na pintura: o campo específico.....................................................................................265
Jander Luiz Rama, Icleia Borsa Cattani
registros de dança: a trajetória do grupo terra............................................................................................275
Míriam Medeiros Strack, Flavia Pilla do Valle
Apresentação
A Revista de Iniciação Científica da ULBRA que apresentamos, revela o crescimento qualitativo dos
trabalhos de iniciação científica selecionados no XV Salão de Iniciação Científica da ULBRA de 2009
que se constitui num espaço de convergência e irradiação do saber.
A iniciação científica é um instrumento básico de formação de recursos humanos qualificados que
possibilita introduzir os alunos de graduação em contato direto com a atividade científica e tecnológica
e engajá-los na pesquisa. Nesta perspectiva, esta atividade caracteriza-se como instrumento de apoio
teórico e metodológico à execução de uma pesquisa. Também garante, aos estudantes, uma maior visão
do mundo permitindo com que imprevistos possam ser solucionados. Nesta atividade de pesquisa há
estímulo para o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade.
O Programa de Iniciação Científica e Tecnológica (PROICT/ULBRA) foi aprovado com o objetivo de
efetivar este processo consistente de capacitação de recursos humanos visando estabelecer mecanismos
adequados de auxílio para a formação de uma nova mentalidade no aluno, desenvolvendo nele a atitude
científica, tornando-o um indivíduo preparado para ser o profissional diferenciado no mercado de trabalho.
Além do programa institucional próprio contamos com o auxílio do CNPq por meio do PIBIC que tem por
finalidade o despertar da vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes de graduação
universitária, mediante participação em projeto de pesquisa, orientados por pesquisador qualificado.
O Salão de Iniciação Científica da ULBRA, mais do que a difusão de conhecimentos é a ampliação das
relações da Universidade com a comunidade em que está inserida e aberta a outras Instituições de Ensino
Superior, constituindo-se numa oportunidade única para que o estudante possa perceber o sentido do
fazer científico dentro da Universidade. Além disso, é uma oportunidade para estudantes participarem de
eventos onde há trocas de experiências, de informações entre os participantes e avanço do conhecimento
com a exposição dos resultados das pesquisas desenvolvidas por estes alunos.
Dr. Erwin Francisco Tochtrop Júnior
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Dra. Nádia Schröder
Diretora de Pesquisa
Ciências Agrárias
Taxas de concepção e prenhez de novilhas
submetidas a diferentes métodos de
inseminação artificial
Marcos rosa de alMeida1
Jéssica Magero2
carla Tiane dal corTivo MarTins2
Milena de vargas shuler2
hélio hadke BiTTencourT3
rodrigo cosTa MaTTos4
ricardo Macedo gregory4
carlos sanTos goTTschall5
RESUMO
Objetivou-se no experimento avaliar as taxas de concepção e prenhez de 104 novilhas acasaladas aos
24 meses. Foram formados dois grupos, grupo IATF (G-IATF) com 50 novilhas e grupo IA (G-IA)
com 54 novilhas. Dos 54 animais do G-IA inseminou-se 28, sobrando 26, formando o grupo G-NãoIA.
A taxa de concepção do G-IATF e G-IA a IA(TF) foi, respectivamente, 38,0% e 39,3% (p>0,05).
A taxa de prenhez a IA(TF) foi, respectivamente, de 38,0% e 20,4% (p<0,05). As taxas de prenhez,
ao final da estação de monta para G-IATF, G-IA e G-NãoIA foram, respectivamente, 80,0%, 85,7%,
1
Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA
4
Médico Veterinário, Pesquisador do CNPq. Faculdade de
Medicina Veterinária da UFRGS
2
Acadêmica do Curso de Medicina Veterinária/ULBRA
5
3
Estatístico, Professor Assistente do Departamento de Estatística Da PUCRS
Professor – Orientador do Curso de Medicina Veterinária/
ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
11
61,5% (p>0,05), resultando em prenhez geral de 76,9%. O resultado de prenhez a inseminação do
G-IA foi influenciado pelo menor número de animais inseminados.
palavras-chave: novilhas, inseminação artificial, taxa de prenhez.
ABSTRACT
The objective of this trial was to evaluate the conception rates and pregnancy rates of 104 heifers bred at
24 months. Two groups were formed, group FTAI (G-FTAI) with 50 heifers and group AI (G-AI) with 54
heifers. Of the 54 animals of the G-AI, 28 was inseminated, leaving 26 who formed the group G-NotAI. The
conception rate to G-FTAI and G-AI to AI(FT) was respectively 38.0% and 39.3% (p>0.05), while the
pregnancy rate to AI(FT) was respectively 38.0% and 20.4% (p<0.05). Pregnancy rates at the end of the
breeding season for G-FTAI, G-AI and G-NotAI were respectively 80.0%, 85.7%, 61.5% (p>0.05), resulting
final pregnancy rate in 76.9%. The result of pregnancy rate to the G-AI was influenced by the smaller number
of animals inseminated.
Keywords: heifers, artificial insemination, pregnancy rate.
INTRODUÇÃO
Sistemas de produção de cria de bovinos de
corte podem ser avaliados através de indicadores
reprodutivos, tais como taxas de prenhez e natalidade (QUADROS; LOBATO, 2004). Contudo, para
a obtenção de resultados reprodutivos satisfatórios
é necessária a associação de fatores envolvendo
manejo, sanidade, nutrição e genética (VALLE;
ANDREOTTI; THIAGO, 1998). Segundo Faria
(1999), a técnica da inseminação artificial pode
contribuir para o aumento de eficiência produtiva
dos rebanhos de gado de corte, pois possibilita incremento do mérito genético do rebanho através
do uso de sêmen de touros comprovadamente superiores. O controle de doenças e a padronização dos
animais também são vantagens atribuídas à utilização da inseminação artificial (IA) (PAIVA, 2007).
12
Entretanto, a técnica de inseminação artificial
apresenta algumas limitações, como a necessidade
da observação do cio. Ausência de manifestação
de estro ou deficiências na detecção do estro
prejudicam a eficiência reprodutiva e o uso da IA,
desta forma, o número de fêmeas inseminadas não
representa o número total de fêmeas concentradas
no rebanho para a prática da IA (SILVA, 2005).
A inseminação artificial a tempo fixo (IATF) tem
como objetivo suprimir a necessidade de visualização do estro, além de concentrar a utilização da
mão-de-obra em um período pré-determinado.
(VALLE; ANDREOTTI; THIAGO,1998). Conforme Gregory e Rocha (2004), a sincronização e
a indução de estro na primeira estação reprodutiva
melhoram o desempenho de novilhas, pois antecipa
a primeira estação de monta e proporciona a concentração de concepções. Além disso, a utilização
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
da IATF permite a indução de estro e da ovulação
em novilhas que não atingiram a puberdade. A falha na observação de estro e a puberdade tardia em
novilhas afetam diretamente as taxas de concepção
e prenhez. (COSTA et al., 2008). Objetivou-se
neste experimento avaliar a eficiência reprodutiva,
expressa pelas taxas de concepção e prenhez, em
novilhas acasaladas aos 24 meses de idade.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado na cidade de Lavras do
Sul/RS entre 10/12/2008 e 02/05/2009. Foram avaliadas 104 novilhas, base racial Hereford e Braford,
acasaladas aos 24 meses de idade. O experimento
iniciou com a inseminação artificial convencional
(IA) de um único lote de animais (104 novilhas). No
segundo dia de IA formaram-se aleatoriamente dois
grupos, G-IA e GIATF. O grupo G-IA constituiu-se
de 54 novilhas e o grupo G-IATF de 50 novilhas.
Dos 50 animais do G-IATF inseminou-se 50 e dos
54 animais do G-IA inseminou-se 28, sobrando
26 que formaram o grupo G-NãoIA. Estes animais
foram discriminados para relacionarmos a taxa de
concepção e a taxa de prenhez a IA(TF) entre as
técnicas de IA e IATF. O protocolo utilizado para o
G-IA foi o “7+5”, onde nos primeiros 7 dias foram
observados os estros e realizada a inseminação 12
horas após a visualização do mesmo, no 7° dia foi
aplicado 0,375 mg de cloprostenol sódico pela via
intramuscular (IM) nas novilhas não inseminadas,
prosseguindo a inseminação por mais 5 dias. O
protocolo do G-IATF partiu do dia “0” com a colocação do dispositivo intravaginal, indicado para
novilhas, impregnado com 0,558 g de progesterona
e a aplicação de 2 mg de benzoato de estradiol (BE)
(IM). No dia 6,5 os animais receberam 0,375 mg de
cloprostenol sódico (IM). No dia 8 foram retirados
os dispositivos intravaginais. No dia 9 foi aplicado
1 mg de BE (IM) e no dia 10 a tarde foi realizada a
IATF. Sete dias após o término da IATF unificouse os grupos realizando-se o repasse por 45 dias
com touros na proporção de 2,88%. Para fins de
cálculos convencionou-se como taxa de concepção
o número de novilhas que emprenharam dividido
pelo número de novilhas inseminadas, multiplicado
por cem. Enquanto a taxa de prenhez a IA(TF) foi
calculada através da divisão do número de novilhas
inseminadas sobre o número total de novilhas do
grupo, multiplicado por cem. A taxa de prenhez
final foi calculada através da divisão do número
total de novilhas prenhes pelo total de animais do
grupo, multiplicado por cem. A taxa de concepção,
taxa de prenhez a IA e IATF e a taxa de prenhez
final foram testadas pelo método estatístico do
Qui-quadrado entre os distintos grupos, com nível
de significância de 5%.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A taxa de concepção do G-IA e G-IATF, foi respectivamente, 39,3% e 38,0% (p>0,05), enquanto
a taxa de prenhez a IA(TF), foi respectivamente de
20,4% e 38,0% (p<0,05) (Tabela 1). Esta diferença
entre a taxa de concepção e a taxa de prenhez a
IA(TF) no G-IA deve-se ao fato de que nem todas
as novilhas foram inseminadas, pois de 54 novilhas
que formaram o G-IA, 26 (48,15%) estavam acíclicas
e/ou o estro não foi identificado. Entretanto, no caso
do G-IATF, todas as novilhas foram inseminadas ao
mesmo tempo, não havendo diferenças na taxa de
concepção e taxa de prenhez a IA(TF) para este
grupo. Esses resultados confirmam afirmações de
Gottschall et al (2008) que destaca como beneficio
da IATF a inseminação de maior número de animais.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
13
Gonzales, Fuquay e Bearden (1985) mostraram que
novilhas leiteiras inseminadas no sistema a.m./p.m.
obtiveram 62,9% de prenhez. Xu, Burton e Macmillan (1997) demonstraram em vacas leiteiras no
pós-parto submetidas a sincronização de estro 61,1%
de concepção. Pursley et al. (1997) verificaram
74,4% de prenhez em novilhas inseminadas no turno
subseqüente ao do estro observado. López-Gatius
(2000) obteve 44,8% de prenhez em um protocolo
de inseminação convencional. Donavan, Bennett e
Frederick (2003) observaram 47,1% de concepção
em novilhas leiteiras. Os distintos resultados da
literatura em comparação as taxas de concepção e
prenhez a IA(TF) do G-IA pode ser explicada pela
não sincronização precisa do ciclo estral quando
empregado um protocolo que usa apenas da administração de PGF2α (PURSLEY et al., 1997).
Segundo Gottschall et al. (2008), a falta de resposta
aos tratamentos de sincronização de estros utilizando
a PGF2α está relacionada à ciclicidade do rebanho
(presença de corpo lúteo). O dia do ciclo estral
também influencia na resposta à administração da
PGF2α, relacionando o grau de maturidade do corpo lúteo e do folículo dominante (XU; BURTON;
MACMILLAN 1997; BORGES, 2007).
Tabela 1 – Taxa de concepção e prenhez de novilhas
submetidas a IA e IATF.
Concepção
Prenhez
Tratamento
N
%
N
%
IA
28
39,3 a
54
20,4 b
IATF
50
38,0 a
50
38,0 a
Geral
78
38,4
104
28,8
a, b - Proporções na mesma coluna seguidas de letras distintas,
diferem estatisticamente pelo teste do Qui-quadrado (P<0,05);
Em relação a IATF em novilhas, outros experimentos demonstram resultados variáveis em
comparação aos encontrados no presente trabalho (CALLEJAS et al. 2007a; CUTAIA, 2007b;
PINCINATO et al. 2007). Pincinato et al. (2007),
14
citado por Cutaia (2007a), obervaram 54,7% de
prenhez em novilhas submetidas a IATF utilizando
um implante com 0,5 g de progesterona. Cutaia et
al. (2007b), citado por Cutaia (2007a), obtiveram
48,3% de prenhez em um protocolo de IATF semelhante ao usado neste experimento. Callejas et
al. (2007a) verificaram em novilhas Braford 49,3%
de prenhez a IATF com o uso de implantes com
0,558 g de progesterona. Chaves, Chayer e Callejas
(2007) obtiveram 55,0% de prenhez em novilhas
de corte submetidas a IATF. Callejas et al. (2007b)
observaram em novilhas leiteiras 63,0% e 73,1%
de prenhez a IATF, respectivamente para 7 e 8 dias
de uso do implante com meia grama de progesterona. Em contrapartida, Pegorer, Ereno e Barros
(2007) observaram 30,7% de prenhez a IATF em
novilhas de corte tratadas com implante de 0,558
g de progesterona. Diversos estudos comprovam
que a exigência de progesterona sérica em novilhas
é menor do que em animais adultos, sendo assim,
implantes com menor dosagem de progesterona
são indicados para essa categoria. Segundo Dias et
al. (2007), novilhas tratadas com implantes (1,9 g
de P4) de 3º uso apresentaram menor concentração
sérica de progesterona e maior folículo dominante
do que novilhas tratadas com o implante de 1º uso.
Corroborando, Burke, Macmillan e Bolland (1996),
demonstraram que alta concentração sérica de progesterona prejudica a pulsatilidade de LH, refletindo
sobre o desenvolvimento folicular. Conforme Dias et
al. (2007), a taxa de concepção das novilhas efetivamente sincronizadas com implantes de 1º, 2º e 3º
uso, foram respectivamente, 37,2%, 37,8% e 53,2%.
Estes resultados denotam e ratificam a proposição
de Burke, Macmillan e Bolland (2006), de que
altos níveis de progesterona em novilhas refletiram
negativamente sobre a resposta reprodutiva. Com
resultados semelhantes aos anteriores, Rodrigues et
al. (2009) não verificaram diferenças entre a taxa
de prenhez de novilhas tratadas com implante de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
1,9 g de progesterona de 3º uso e 0,558 g de progesterona, respectivamente, 39,7% e 37,5%. Pincinato
et al (2006) relataram que novilhas tratadas com
implante de 0,5 g de progesterona obtiveram 48,3%
de prenhez a IATF. Sugerindo que há benefícios na
relação entre baixos níveis plasmáticos de progesterona, crescimento folicular e prenhez de fêmeas
bovinas (PERES, 2008; PFEIFER et al. 2009).
Tabela 2 – Taxa de prenhez, ao final da EA, de novilhas
submetidas a IA e IATF.
Tratamento
N
Prenhes
%
IATF
50
40
80,0 a
IA Normal
28
24
85,7 a
Não IA
26
16
61,5 a
Geral
104
80
76,9
a – Proporções na mesma coluna seguidas de letras iguais, não diferem estatisticamente pelo teste do Qui-quadrado (p>0,05).
Na Tabela 2 estão expostas as taxas de prenhez
ao final da estação de acasalamento para G-IATF,
G-IA e G-NãoIA, estas foram respectivamente,
80,0%, 85,7%, 61,5% (p>0,05), resultando em
prenhez geral de 76,9%. Azeredo et al. (2007)
observaram ao final da estação de acasalamento
91,7% de prenhez em novilhas submetidas a IA
por 45 dias e repasse com touros por 23 dias.
Gottschall (1999) observou ao final da estação
de acasalamento 90,5% de prenhez em novilhas
submetidas a IA e repasse com touros numa
estação de acasalamento de 61 dias. Gottschall
(1999) relata ainda que novilhas não inseminadas obtiveram 68,9% de prenhez somente com o
repasse de touros, embora superior esse resultado
pode ser considerado semelhante ao do presente
experimento. A superioridade das taxas de prenhez apresentados por novilhas inseminadas em
relação à novilhas não inseminadas, provém da
ciclicidade desses animais no início da estação
de acasalamento, resultando em maior fertidade
e maior probabilidade de conceberem no início da
estação (GOTTSCHALL, 1999). Baruselli et al.
(2002) verificaram num período de acasalamento
de 90 dias 79,0% de prenhez. Madureira et al.
(2005) relataram que durante uma estação de monta de 45 e 90 dias, respectivamente, 75,3% e 92,7%
de ventres tornaram-se prenhes. A sincronização do
estro e ovulação em decorrência da manipulação
hormonal promove uma maior taxa de retorno
e concentração de estros, permitindo que haja
acréscimo na prenhez final (PEREZ et al. 2003).
Entretanto, o planejamento e manejo racional dos
touros é indispensável para que não ocorra redução
na eficiência reprodutiva no sistema de inseminação artificial (GOTTSCHALL et al. 2008).
CONCLUSÃO
Conclui-se que as taxas de concepção foram
similares para os grupos G-IATF e G-IA. As taxas
de prenhez à inseminação artificial foram superiores para o G-IATF, pois o resultado do G-IA foi
influenciado pelo menor número de animais inseminados. Não houve diferença entre a prenhez ao
final da estação de acasalamento entre as novilhas
inseminadas e não inseminadas.
REFERÊNCIAS
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a prenhez e o índice de repetição de crias na
segunda estação reprodutiva. ciência Rural,
v. 37, n. 1, p. 201-205, 2007.
BARUSELLI, P.S. et al. Efeito de diferentes
protocolos de inseminação artificial em tempo
fixo na eficiência reprodutiva de vacas de corte
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
15
lactantes. Revista Brasileira de Reprodução
Animal, v. 26, n. 3, p. 218-221, 2002.
BORGES. J.B.S. Tópicos de manejo reprodutivo em rebanhos de corte. In: CICLO DE
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Ciências Biológicas
Avaliação do efeito genotóxico do
aripiprazol em camundongos
Taís Madelon FreiTas1
Franciele Brandelli celso2
TaTiana grasiela da silva2
PaTrícia Pereira3
Jaqueline nasciMenTo Picada3
RESUMO
Aripiprazol é um fármaco antipsicótico utilizado no tratamento da esquizofrenia. Neste trabalho, foi analisado
o potencial genotóxico da administração aguda do fármaco em camundongos CF-1. Os animais receberam injeções
intra-peritoniais de aripiprazol nas doses de 1, 3, 10 mg/kg. Amostras de sangue periférico foram coletadas 3 e
24 h após a administração das doses e tecido cerebral ao final do experimento (24 h), para a realização do ensaio
cometa. Amostras de medula óssea foram coletadas para o teste de micronúcleos. Os resultados mostraram que
o fármaco não apresentou efeitos genotóxicos e mutagênicos.
palavras-chave: aripiprazol, ensaio cometa, genotoxicidade, teste de micronúcleos.
ABSTRACT
Aripiprazole is an antipsychotic drug useful in schizophrenia treatment. This study evaluated its genotoxic
effects after acute treatment in CF-1 mice. Animals were given one intraperitoneal injection of aripiprazole (1,
1
Acadêmica do Curso de Biomedicina/ULBRA – Bolsistas BIC/
FAPERGS
2
Acadêmica do Curso de Biomedicina/ULBRA
3
Professora - Orientadora do Curso de Farmácia e Biomedicina
e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Toxicologia
Aplicada ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
21
3 or 10 mg/kg). Peripheral blood samples were collected 3 h and 24 h after the administration and brain tissue
at the end of the experimental procedure (24 h) to perform the comet assay. Samples of bone marrow were collected to perform the micronucleus test. The results showed that this drug was not able to induce genotoxic or
mutagenic effects.
Keywords: aripiprazole, comet assay, genotoxicity, micronucleus test.
INTRODUÇÃO
Aripiprazol (7-(4-(2,3-diclorofenil)-1-piperazinil]butoxi-3,4-dihidro -2(1H)-quinolinona) (Figura 1) é
um fármaco de última geração, aprovado pelo Food
and Drug Administration (FDA), em novembro de
2002, para o tratamento da esquizofrenia e outros distúrbios (ABILIFY, 2008). Sendo classificado como antipsicótico atípico, aripiprazol difere dos antipsicóticos
convencionais ou típicos, em termos de efeitos sobre os
sintomas positivos e negativos da esquizofrenia, sobre
a cognição e perfil dos efeitos adversos (MEZA, et al.,
2005; NAGAI et al. 2009).
O mecanismo de ação deste fármaco dá-se,
principalmente, através de agonismo parcial de
receptores D2 de dopamina, regulando sua atividade, proporcionando agonismo em casos de
hipoatividade dopaminérgica e antagonismo em
situação de hiperatividade da mesma. Em relação
ao sistema serotoninérgico, o fármaco atua como
antagonista em receptores 5-HT2A e agonista parcial nos receptores 5-HT1A (MARDER et al., 2003;
TRAVIS et al., 2005; KESSLER et al., 2007).
Estudos atuais demonstram que aripiprazol é
bem tolerado durante o tratamento agudo e de
manutenção da esquizofrenia. Sua segurança foi
comprovada em ensaios-controles demonstrando
mínimo potencial de aumento de peso, nenhum
efeito sobre o aumento da prolactina, potencial
mínimo de sedação, nenhum risco de desenvolver
diabetes mellitus, e os efeitos secundários mais
freqüentes, porém moderadamente transitórios,
foram cefaléia, insônia, náuseas, vômitos e acatisia
(CARSON et al., 2002; KASPER et al., 2003; PIGOTT et al., 2003; POTKIN et al., 2003; TRAVIS
et al., 2005).
O fármaco é bem absorvido, atingindo o pico de
concentração plasmática (tmax) em 3 a 5 horas após
Os estudos de genotoxicidade representam um
papel importante no desenvolvimento de novos
Figura 1 - Estrutura química do aripiprazol (ABILIFY,
2008).
22
administração, por via oral (WINANS, 2003). Os
valores de Cmax, obtidos em estudos de pacientes
submetidos a tratamento durante 14 dias, com dose
diária crescente de 5 a 30 mg, foram de 77 a 302 µg/L,
respectivamente (WINANS, 2003). É amplamente
distribuído, apresentando um volume de distribuição
(Vd) em torno de 4,9 L/kg. Nas concentrações terapêuticas, sua ligação a proteínas séricas é maior que
99%, principalmente em relação à albumina (LIEBERMAN, 2003). Aripiprazol é metabolizado pelo
fígado, por três rotas principais de biotransformação:
desidrogenação, hidroxilação e N-desalquilação,
sendo que as duas primeiras ocorrem através dos
complexos enzimáticos CYP3A4 e CYP2D6, e a
terceira apenas por CYP3A4 (URICHUK et al.,
2008; WAADE et al., 2009).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
fármacos, devendo ser realizados nos estágios iniciais
desse desenvolvimento a fim de prognosticar uma
potencial atividade genotóxica e/ou carcinogênica e
para auxiliar na obtenção de novas estruturas químicas
menos tóxicas (FRÖHNER, 2003). Os testes de genotoxicidade detectam efeitos de substâncias tóxicas
para o genoma. Nas ultimas décadas, inúmeros testes
vem sendo rotineiramente utilizados para a determinação do espectro genotóxico de compostos químicos
e medicamentos (DHAWAN et al., 2009)
O ensaio cometa vem sendo proposto para avaliar
genotoxicidade em diversos tecidos e/ou tipos de
células. Os danos mais facilmente mensuráveis por
este ensaio são quebras no DNA (simples e duplas),
danos álcali-lábeis, ligações cruzadas e quebras resultantes de reparo por excisões não concluídas (TICE
et al., 2000; HARTMAN et al., 2003).
O teste de micronúcleos é um dos ensaios mais
recomendados e aceitos internacionalmente para
avaliação de mutagenicidade (GARCÍA et al,
2004). Este teste pode sugerir a presença de fragmentos cromossômicos ou de cromossomos inteiros
que não se integraram ao conjunto de cromossomos
de uma célula, formando deste modo, um pequeno núcleo em separado chamado de micronúcleo
(MN). A observação de MN no interior das células
é utilizada para a detecção de agentes clastogênicos
(que quebram cromossomos) e agentes aneugênicos (que induzem aneuploidia ou segregação
cromossômica anormal). Esses agentes aumentam
a freqüência de micronúcleos (MN) em eritrócitos
policromáticos (EPC) na medula óssea de roedores
tratados (HAYASHI et al., 1994; SALAMONE et
al., 1994). A citotoxicidade também pode ser avaliada neste teste, através da medida da proporção
entre eritrócitos jovens e maduros.
Apesar dos trabalhos já realizados endossarem
a questão da eficácia do aripiprazol no tratamento
da esquizofrenia, percebeu-se a necessidade de
investigar sua habilidade de induzir mutações e
toxicidade ao genoma. Brambilla et al. (2009) compilaram os resultados do testes de genotoxicidade e
carcinogênese de antipsicóticos e antidepressivos.
Aripiprazol foi um dos fármacos que apresentou
resultado positivo para ambos os testes. O mesmo
estudo apresenta resultados negativos para testes de
detecção de lesões no DNA (in vivo e in vivo), sem
especificação dos alvos teciduais e o método utilizado para avaliação; e resultados positivos para o teste
de micronúcleos realizado em camundongos.
Face ao exposto, o presente estudo tem como
objetivo avaliar os efeitos genotóxicos do aripiprazol
em tecido cerebral e sangue periférico pelo ensaio
cometa, bem como seus possíveis efeitos mutagênicos pelo teste de micronúcleos, após tratamento
agudo do fármaco em camundongos.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais
Foram utilizados 27 camundongos CF-1 machos,
com 2 meses de idade, peso entre 25 - 30g, provenientes do biotério da ULBRA, mantidos a temperatura constante, ciclo claro/escuro de 12/12h,
tratados com água e alimento à vontade.
Grupos experimentais
Aripiprazol foi extraído e purificado de Abilify®
(Bristol), suspenso em água contendo 5% tween.
Os animais receberam injeções intra-peritoniais
de aripiprazol nas doses de 1, 3 ou 10 mg/kg, salina
(solução NaCl 0,9%), veículo (tween 5%) ou ciclofosfamida (controle positivo).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
23
Amostras
Foram coletadas amostras de sangue total da
cauda dos animais 3h, e ao final do período experimental (24h), através de uma pequena incisão na
veia caudal, e colocado em tubos tipo Eppendorf
contendo heparina (12µL para 50 µL de sangue
total) para avaliação da atividade genotóxica pelo
teste cometa, além de amostras de cérebro, que
também foram coletadas ao final do período experimental e colocados em 500 µL de PBS (salina
tamponada, pH 7,4). Para análise da freqüência de
micronúcleos, utilizaram-se amostras de medula
óssea dos animais, a partir dos fêmures, ao final do
período experimental.
Ensaio Cometa
Para o estudo do potencial genotóxico do
aripiprazol em tecido cerebral e sangue periférico
de camundongos, foi utilizada a versão alcalina
do ensaio cometa, descrito em Tice et al. (2000).
O ensaio consiste basicamente em: 1) preparação
das lâminas com células em gel agarose; 2) lise das
células para a liberação do DNA; 3) exposição por
20 minutos ao tampão alcalino (pH > 13) para
obter fitas simples de DNA; 4) eletroforese nas
seguintes condições: 300 mA e 25 V (0,90 V/cm)
por 15 minutos em pH alcalino; 5) neutralização
em tampão pH 7,5; 6) coloração das lâminas com
solução de prata; 7) visualização e contagem dos
cometas com auxilio de um microscópio óptico
(TICE et al.; 2000).
Os resultados foram expressos em índice de
danos (ID) e freqüência de danos (FD). O ID
foi obtido pela avaliação visual das classes de
dano (de 0 – 4), extraindo-se um índice que
24
expressou o dano geral sofrido por uma população de células. Os núcleos intactos apareceram
redondos (classe 0 – sem dano), já as células
lesadas foram classificadas entre classes um
(dano mínimo) a quatro (dano máximo). A FD
foi calculada baseada no número de células com
cauda versus aquelas sem cauda (RODRIGUES
et al., 2009).
Teste de micronúcleos
O teste de micronúcleos em medula óssea de
camundongos foi utilizado para a avaliação da
atividade mutagênica do fármaco em estudo, no
qual foram analisados eritrócitos policromáticos
(EPC), procurando avaliar a freqüência de micronúcleos (MNEPC). A citotoxicidade do composto
testado também foi avaliada através da razão
entre o número de EPC e o número de eritrócitos
normocromáticos (ENC) em mil eritrócitos por
animal (PICADA et al., 1997).
Foi utilizado procedimento padrão, descrito
em Mavournin et al (1990). As amostras de medula óssea foram coletadas de ambos os fêmures.
A medula óssea foi extraída e misturada a uma
gota de soro fetal bovino previamente colocado
sobre uma das extremidades de uma lâmina
de microscopia identificada, obtendo-se uma
suspensão de células. Em seguida, foi realizado
esfregaço da suspensão celular sobre a lâmina.
A coloração foi feita com o corante de Giemsa
(Merck) em tampão fosfato 0,2 M, pH 5,8 (proporção de 1:9). Para contagem dos eritrócitos
normocromáticos (ENC), eritrócitos policromáticos (EPC) e micronúcleos nos EPC (MNEPC)
foi utilizado microscópio ótico com objetiva de
imersão (RODRIGUES et al., 2009).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
RESULTADOS
Análise Estatística
Todos os dados obtidos foram submetidos a
cálculos estatísticos comparando o resultado dos
animais tratados com as diferentes concentrações
do aripiprazol e animais dos grupos veículo e salina
(controles negativos).
Aos resultados obtidos foram empregados
tratamentos estatísticos ANOVA (Analysis of
Variance), seguido pelo teste de Tukey, para estudo
das diferenças entre doses e comparações entre os
grupos. Foram considerados significantes os valores
de P< 0,05.
A Tabela 1 mostra os efeitos das três doses de
aripiprazol sobre a migração do DNA em tecido
sanguíneo, coletado 3h e 24h, e cerebral, coletado
24h, após a administração do fármaco. No sangue periférico coletado 3 h e 24 h, aripiprazol não aumentou
ID nem FD em nenhuma das doses testadas, quando
comparado ao grupo controle veículo, sugerindo que
não acarretou aumento significativo de danos ao
DNA neste tecido. Em relação ao tecido cerebral,
apesar dos resultados indicarem aumento do ID e
FD em comparação ao controle veículo, os mesmos
não foram estatisticamente significativos.
Tabela 1 - Ensaio cometa em amostras de tecidos sanguíneo e cerebral de camundongos machos CF-1 coletadas 3 h (sangue) e 24 h (sangue e cérebro) após a administração pela via intraperitoneal de salina
(solução NaCl 0,9%), veículo (tween 5%) ou aripiprazol (1, 3 ou 10 mg/kg). Ciclofosfamida (25 mg/kg)
foi utilizada como controle positivo.
Tecido/coleta
Sangue/3h
Sangue/24 h
Cérebro/24 h
Grupo
Salina
Veículo
Aripiprazol 1 mg/kg
Aripiprazol 3 mg/kg
Aripiprazol 10 mg/kg
Salina
Veículo
Aripiprazol 1 mg/kg
Aripiprazol 3 mg/kg
Aripiprazol 10 mg/kg
Ciclofosfamida 25 mg/kg
Salina
Veículo
Aripiprazol 1 mg/kg
Aripiprazol 3 mg/kg
Aripiprazol 10 mg/kg
Ciclofosfamida 25 mg/kg
Índice de danos média±DP
9,6±7,1
8,5±5,6
7,0±2,8
6,0±5,8
6,1±1,7
9,3±5,6
10,6±9,5
9,5±9,4
15,9±9,2
5,6±4,2
62,0±27,6 ***
49,8±30,9
45,5±16,5
59,7±16,4
82,8±30,3
72,8±22,9
105,0±40,6 *
Freqüência de danos média±DP
3,9±2,4
3,8±1,2
4,3±1,3
3,1±1,8
3,8±1,5
3,3±1,9
5,0±4,9
4,6±3,9
7,9±4,1
3,5±3,4
37,2±22,4 **
19,5±11,7
25,1±10,4
30,3±8,4
35,8±13,8
33,1±11,3
55,3±7,2 **
N= 4-5 animais por grupo
Índice de dano: de zero (sem dano, 100 células X 0) a 400 (com máximo de dano, 100 células X 4).
Freqüência de dano: percentual de células com danos.
* P<0,05; ** P<0,01; *** P<0,001: significância estatística em relação ao grupo salina. ANOVA, Teste de Tukey.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
25
Na Tabela 2 são apresentadas as médias de eritrócitos policromáticos micronucleados (MNEPCs)
para cada grupo. A tabela mostra também a média da
razão entre o número de EPC e ENC em 1000 células
analisadas por animal. Aripiprazol não aumentou a
freqüência de micronúcleos. Ciclofosfamida, utilizada
como controle positivo, acarretou um aumento significativo no número médio de células com micronúcleos
(p<0,001). A análise da relação entre os EPC e ENC
permite avaliar efeito citotóxico que cause a diminuição do número de mitoses das células eritropoéticas
(MAVOURNIN et al., 1990). Não houve diferença
estatisticamente significativa dos grupos tratados em
relação ao controle veículo, portanto, o fármaco, nas
condições testadas, não causou efeito citotóxico para
as células da medula óssea dos camundongos.
Tabela 2 - Teste de micronúcleos em medula óssea de camundongos CF-1 machos. Amostras da medula óssea
de fêmur foram coletadas 24 h após as administrações pela via intraperitoneal de salina (solução NaCl
0,9%), veículo (tween 5%) ou aripiprazol (1, 3 ou 10 mg/kg). Ciclofosfamida (25 mg/kg) foi utilizada
como controle positivo.
Grupo
Salina
Veículo
Aripiprazol 1 mg/kg
Aripiprazol 3 mg/kg
Aripiprazol 10 mg/kg
Ciclofosfamida 25 mg/kg
MNEPC em 2000 EPC média±DP
1,14±0,38
1,20±0,45
1,80±1,79
2,25±1,50
1,40±0,89
10,0±5,29***
Razão EPC/ENC média±DP
2,80±0,86
2,63±0,75
3,24±0,59
2,45±0,40
1,83±0,79
1,77±0,48
N= 4-5 animais por grupo
MNEPC: micronúcleos em eritrócitos policromáticos
EPC: eritrócitos policromáticos
ENC: eritrócitos normocromáticos
*** P<0,001: significância estatística em relação ao grupo salina. ANOVA, Teste de Tukey.
DISCUSSÃO
Os dados da Tabela 1 mostram que aripiprazol
não aumentou significativamente os danos ao
DNA das células sanguíneas, em relação ao grupo
controle negativo, coletadas 3 h e 24 h após o
tratamento agudo dos animais. Também não se
observou diferença estatisticamente significativa
de danos ao DNA, comparando-se as três doses
do fármaco testadas.
A versão alcalina do ensaio cometa utilizada
neste trabalho é capaz de detectar quebras em
uma ou nas duas fitas do DNA, assim como sítios
álcali-lábeis, bem como ligações cruzadas entre
26
DNA-DNA e DNA- proteínas (HARTMANN
et al., 2003). O tecido sanguíneo foi analisado em
dois intervalos de tempo, com o intuito de avaliar
a cinética de danos e o reparo ao DNA, após o
tratamento agudo. Porém, não foram observadas
diferenças entre os dois tempos de amostragem.
No tecido cerebral dos animais tratados com as
três doses de aripiprazol, foi observado um pequeno
aumento de ID e FD em comparação ao controle
veículo, no entanto, o aumento não foi estatisticamente significativo, sugerindo que o fármaco
também não foi genotóxico para o tecido cerebral.
As células que sofreram danos pelo tratamento com
aripiprazol foram de classes 1 e 2 (baixo e médio
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
níveis de danos). Conforme estudos recentes, o
aumento de danos ao DNA observado no tecido
cerebral, induzidos por fármacos que agem no SNC,
pode ser interpretado como um efeito neurotóxico
(PICADA et al., 2003; PEREIRA et al., 2005;
2006; 2009). Os resultados sugerem, portanto, que
aripiprazol não foi neurotóxico.
Prévios estudos mostraram efeitos benéficos de
aripiprazol sobre as funções neuronais. Fármacos
antipsicóticos como o aripiprazol aumentaram os
níveis de N-acetil-aspartato (NAA), como uma
resposta terapêutica comum sobre o aumento
da viabilidade neuronal (McLOUGHLIN et al.,
2009). Aripiprazol inibiu a liberação de glutamato em terminais nervosos corticais de rato,
provavelmente pela sua ação sobre os receptores
de dopamina D2 e de serotonina 5-HT1A. Essas
atividades poderiam contribuir para seus possíveis
efeitos neuroprotetores (YANG; WANG, 2008).
Em células de neuroblastoma humano SH-SY5Y,
aripiprazol também apresentou efeitos sugestivos
de neuroproteção (PARK et al, 2009). O fármaco
foi capaz de diminuir a peroxidação lipídica em
córtex cerebral e plasma de ratos, demonstrando
efeito protetor contra o estresse oxidativo (EREN
et al., 2007; GAMA et al., 2008; MARTINS et
al., 2008).
Em relação a freqüência de micronúcleos
em EPC, os grupos tratados com aripiprazol não
mostraram aumento significativo (Tabela 2),
sugerindo que o fármaco não apresentou efeito
clastogênico e/ou aneugênico, nas condições testadas, ao contrário de outros estudos que indicam
atividade mutagênica de aripiprazol pelo teste de
micronúcleos (revisado em BRAMBILLA et al.,
2009). A Tabela 2 também mostra que os valores
da razão EPC:ENC dos grupos tratados foram
estatisticamente semelhantes entre si e ao valor
obtido pelo grupo controle negativo, indicando
que aripiprazol não afetou a multiplicação celular
dos eritrócitos da medula óssea e, portanto, não se
mostrou citotóxico.
CONCLUSÃO
O conjunto dos resultados sugere que o fármaco não foi genotóxico e nem mutagênico, após
administração aguda em camundongos. Adicionais
experimentos deveriam ser realizados para avaliar
estas atividades em tratamentos sub-crônico e
crônico, uma vez que aripiprazol é utilizado no
tratamento da esquizofrenia por longos períodos
podendo apresentar efeitos tóxicos cumulativos.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho teve o apoio financeiro da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS, Brasil.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
29
Herança da tolerância ao frio
na fase vegetativa em arroz
caroline caBreira1
renaTa Pereira da cruz2
RESUMO
A temperatura baixa nas fases iniciais de desenvolvimento do arroz é um limitante para o estabelecimento
uniforme e rápido da lavoura. Sendo a tolerância ao frio geneticamente herdável, este estudo objetiva determinar
a herança da tolerância ao frio na fase vegetativa de desenvolvimento do arroz. Foram utilizados três genótipos
da subespécie Japônica e três da subespécie Indica que foram cruzados em um dialelo parcial dando origem a dez
populações F2. Os dados obtidos após exposição das populações a um período de dez dias a 10°C revelaram que
nas populações tolerante x sensível estudadas há dois genes independentes e com alelos dominantes segregando
para tolerância ao frio. Já nas populações envolvendo os genótipos sensíveis ou com reação intermediária ao frio
há um a dois genes complementares com alelos recessivos segregando para esta característica.
palavras-chave: temperatura baixa, sobrevivência de plantas, estádio V4.
ABSTRACT
The low temperature at early stages of rice development is a limiting factor for the rapid and uniform establishment of crops. As the cold tolerance is genetically inheritable, this study aims to determine the inheritance of cold
tolerance during the vegetative stage of rice development. Three genotypes of the three subspecies Japonica and Indica
1
Acadêmica do Curso de Ciências Biológicas (Bacharelado)/
UNISINOS, Bolsista CNPq. Equipe de Melhoramento Genético, Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA) ccabreira@
pop.com.br
2
Pesquisadora Equipe de Melhoramento Genético, Instituto
Rio Grandense do Arroz (IRGA)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
31
subspecies were used, which were crossed in a partial diallel giving rise to ten F2 populations. The data obtained
after the exposure of the populations for a period of ten days at 10ºC revealed that there are two independent genes
and dominant alleles segregating for cold tolerance in the sensitive x tolerant populations studied. In relation to the
genotypes involving populations with sensitive or intermediate reaction to cold there are two additional genes with
recessive alleles segregating this trait.
Keywords: low temperature, survival of plants, stadium V4.
INTRODUÇÃO
O arroz é uma espécie altamente cultivada em
diversas regiões do mundo e temperaturas inadequadas para seu desenvolvimento condicionam um
dos principais limitantes à expressão do potencial
de rendimento dos cultivares no Rio Grande do
Sul (RS). Segundo Yoshida (1981), a faixa de
temperatura ótima se encontra entre 25ºC e 30ºC
e temperaturas inferiores a 20ºC podem ser prejudiciais. As baixas temperaturas podem ocorrer
em todas as fases de desenvolvimento da cultura,
sendo que os maiores danos ao rendimento de
grãos são observados quando o “frio” ocorre na
fase reprodutiva. Além das perdas em rendimento,
deve-se considerar também a elevação dos custos
de produção como um componente importante
deste problema em arroz irrigado, uma vez que
com a ocorrência deste estresse os insumos aplicados deixam de ser traduzidos em rendimento de
grãos. No RS, a necessidade de tolerância ao frio
está principalmente relacionada à origem tropical
(Indica) dos genótipos e à localização geográfica
(subtropical). Assim, a obtenção de genótipos tolerantes ao frio nas fases de germinação e vegetativa
é de extrema importância para que se garantam os
benefícios do plantio antecipado, considerado um
dos principais fatores para obtenção de altos níveis
de rendimento de grãos.
O melhoramento genético para tolerância a baixa
temperatura é uma forma de minimizar os danos
32
causados por esse estresse. Na fase vegetativa, a
tolerância ao frio relacionada à prevenção da clorose
em cultivares Japônicas é controlada por um a dois
genes maiores (KWAK et al., 1984) e segregação
monogênica na geração F2 também foi relatada
(NAGAMINE; NAKAGAHRA, 1991). Em um estudo de detecção de QTLs (Quantitative Trait Loci)
para tolerância ao frio na fase vegetativa, um QTL
responsável por aproximadamente 40% da variação
fenotípica observada foi localizado no cromossomo
12 (ANDAYA; MACKILL, 2003). Os resultados
disponíveis parecem apontar, portanto, para uma
herança simples da tolerância ao frio, porém foram
desenvolvidos com genótipos distintos dos usados
nos programas de melhoramento do RS.
A análise da tolerância ao frio na fase vegetativa (SRINIVASULU; VERGARA, 1988; KAW,
1991; BERTIN et al., 1996, ROSSO et al., 2007)
submete as plantas a estresse, combinando temperaturas que variam de 10° a 20°C por períodos
de três até 22 dias. A avaliação da tolerância
ocorre através da medição da estatura e índice
de emergência, porcentagem de sobrevivência
das plântulas (após um período sob temperatura
normal) e grau de descoloração foliar.
A instabilidade da temperatura é um dos problemas enfrentados para seleção a campo de genótipos
tolerantes ao frio e este fator tem contribuído para
um avanço lento nas pesquisas. Nesse sentido, o
Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA) dispõe de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
uma metodologia para avaliar a tolerância ao frio na
fase vegetativa (ROSSO et al., 2007) em ambiente
controlado. Para maximizar o uso dessa ferramenta,
é vital o conhecimento da herança da tolerância ao
frio, definindo a melhor estratégia de seleção.
O objetivo desse trabalho é verificar a herança
da tolerância ao frio na fase vegetativa de desenvolvimento do arroz.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado na Estação Experimental do Arroz no IRGA em Cachoeirinha/
RS. Foram utilizados seis genótipos de arroz, sendo
três pertencentes à subespécie Japônica (Alan,
Rizabela e L2825CA) e tolerantes ao frio e três
pertencentes à subespécie Indica (INIA Olimar,
IRGA 424 e IRGA 2852-20-4-3-3V), sensíveis
ou com tolerância intermediária ao frio. Foram
avaliadas dez populações resultantes dos cruzamentos entre esses seis genótipos. As sementes
F1, obtidas na safra 2007/08, foram cultivadas
no inverno de 2008 em casa-de-vegetação para
obtenção das sementes F2. A instalação do experimento iniciou pela seleção das sementes F2 e dos
genitores A instalação do experimento foi iniciada
pela seleção das sementes da geração F2 e dos dois
genitores, utilizando-se somente sementes bem
formadas e livres de contaminação aparente por
fungos. As mesmas foram distribuídas sobre papel
germinador em placas de Petri. Foi preparada uma
solução fungicida (Vitavax – Thiram 200 SC) na
concentração de 50mg/L para umedecimento
do papel germinador e a seguir as placas de Petri
foram colocadas em câmara BOD à 28ºC durante
sete dias. Após, as sementes pré-germinadas foram
transplantadas para bandejas contendo solo orgânico. Foram utilizadas três bandejas por população,
cada bandeja com 130 plantas F2 e dez plantas de
cada genitor. Os genitores foram incluídos como
testemunhas nos experimentos por apresentarem
reação conhecida ao frio. Após os transplantes, as
bandejas foram mantidas em casa-de-vegetação
(28°C) até as plantas atingirem o estádio V4 da
escala de Counce (COUNCE et al., 2000). Neste
momento, as bandejas foram transferidas para
a sala climatizada e permaneceram dez dias sob
estresse de 10ºC. Ao fim deste período, o material foi levado para a casa-de-vegetação e após
sete dias de recuperação, foi feita a avaliação da
sobrevivência das plantas.
Os genitores foram avaliados pela análise de
variância da porcentagem de sobrevivência de
plantas em um delineamento em blocos casualizados com número variável de repetições. O
número de repetições para cada genitor variou
devido ao fato de que alguns genitores estavam
incluídos em três cruzamentos (o que equivaleu
a três repetições) e outros, por exemplo, estavam
incluídos em seis (equivalendo a seis repetições) e
todas as repetições (cruzamentos) em que apareciam foram incluídas na Anova. A comparação de
médias dos genitores foi feita pelo teste dos mínimos
quadrados (SAS, 2000). Nas populações F2 foi feita
contagem do número de plantas sobreviventes e
não sobreviventes e os dados foram submetidos ao
teste de Qui-quadrado para verificar seu ajuste às
proporções teóricas esperadas para um e dois genes
independentes segregando e dois genes com epistasia. Os valores do Qui-quadrado foram obtidos
pela fórmula:
χ2 = Σ [(Fo – Fe)2 / Fe], onde:
Fo = freqüência observada para cada classe;
Fe = freqüência esperada para cada classe, com
base na proporção mendeliana.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
33
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A avaliação da porcentagem de sobrevivência
de plantas dos seis genitores utilizados neste estudo
demonstra uma ampla variação, conforme análise
Anova (Tabela 1). Obteve-se desde 2,5% de sobrevivência no genitor sensível IRGA 424 até 97,7%
no genitor tolerante Rizabela (Tabela 2). Observase que os genitores Rizabela, L2825CA e Alan
apresentaram tolerância ao frio, com sobrevivência
acima de 70%; a cultivar INIA Olimar apresentou
reação intermediária ao frio, com sobrevivência
entre 30 e 70% e a cultivar IRGA 424 e a linhagem
IRGA 2852-20-4-3-3V se mostraram sensíveis ao
frio com sobrevivência abaixo de 30% (Tabela 2).
Tabela 1 - Análise de variância da porcentagem de
sobrevivência dos genitores estudados.
IRGA, 2009.
Causas de Variação
Genótipo
Bloco
Erro
Total
GL
5
8
27
40
QM
10.207,17**
145,97
114,74
** Significativo ao nível de 1% de probabilidade.
CV(%)= 19,8%
R2 = 0,94
Os resultados de sobrevivência da geração F2
revelaram que nos cruzamentos em que há pelo
menos um genótipo tolerante houve elevada
34
sobrevivência de plantas (Tabela 3), o que indica
claramente uma relação de dominância da tolerância sobre a sensibilidade ao frio nos cruzamentos
estudados. Nos cruzamentos envolvendo genótipos
intermediários e sensíveis, houve, como esperado,
predomínio de plantas mortas, sendo que no cruzamento entre os dois genótipos sensíveis, não houve
sobrevivência de plantas (Tabela 3).
Os cruzamentos entre os genótipos tolerantes
evidenciaram um gene e dois genes dominantes
para tolerância ao frio segregando nas populações
ALAN x RIZABELA e RIZABELA x L2825CA,
respectivamente, enquanto que o cruzamento
ALAN x L2825CA não se adequou a nenhuma
das proporções testadas (Tabela 3).
Tabela 2 - Porcentagem de sobrevivência de plantas
dos seis genitores utilizados no estudo
da tolerância ao frio na fase vegetativa em
arroz. IRGA, 2009.
Genótipo
Média
RIZABELA
97,7 a
L2825CA
83,3 b
ALAN
81,8 b
INIA OLIMAR
56,6 c
IRGA 2852-20-4-3-3V
22,2 d
Ir IRGA 424
2,5 e
Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si pelo teste dos
mínimos quadrados (α = 0,05)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Tabela 3 - Número de plantas sobreviventes, não-sobreviventes, total e teste Qui-quadrado para dez populações
F2 de arroz avaliadas para tolerância ao frio na fase vegetativa. (IRGA, 2009)
Número de plantas
Não
Sobreviventes
sobreviventes
Cruzamento
Qui Quadrado
Total
3:1
15:1
9:7
ALAN (T) x RIZABELA (T)
277
107
384
1,7
306,1**
39,4**
ALAN (T) x L2825CA (T)
334
39
373
42,1**
11,3**
168,0**
RIZABELA (T) x L2825CA (T)
365
13
378
93,7**
5,1
249,6**
ALAN (T) x IRGA 424 (S)
363
17
380
85,4**
2,0
238,2**
ALAN (T) x IRGA 2852-20-4-3-3V (S)
367
17
384
86,7**
2,2
241,3**
RIZABELA (T) x IRGA 2852-20-4-3-3V (S)
231
6
237
63,8**
5,6
163,6**
L2825CA (T) x IRGA 2852-20-4-3-3V (S)
368
17
385
87,0**
2,2
242,1**
IRGA 424 (S) x INIA OLIMAR (I)
12
321
333
905,3**
4,1
219,0**
IRGA 2852-20-4-3-3V (S) x IRGA 424 (S)
0
358
358
1074,0** 23,4**
279,6**
IRGA 2852-20-4-3-3V (S) x INIA OLIMAR (I)
114
127
241
98,6*
1,4
696,8**
χ .01(1) = 6,64
** Significativo ao nível de 1% de probabilidade, portanto, cruzamentos não enquadrados nas hipóteses testadas.
2
Os cruzamentos envolvendo um genótipo tolerante e um genótipo sensível ao frio apresentaram
segregação compatível com a esperada no caso de
dois genes independentes com alelos dominantes
para tolerância (Tabela 3). O cruzamento entre o
genótipo intermediário INIA Olimar e o sensível
IRGA 424 evidenciou dois genes independentes
com alelos recessivos segregando para tolerância ao
frio, enquanto que no cruzamento IRGA 2852-204-3-3V x INIA Olimar, dois genes recessivos complementares explicaram a segregação observada.
Apesar da cultivar IRGA 424 e a linhagem IRGA
2852-20-4-3-3V serem consideradas sensíveis, esta
última apresentou porcentagem de sobrevivência
em torno de 20%, enquanto que o genótipo IRGA
424 praticamente não apresentou sobrevivência.
Os resultados parecem indicar que a cultivar INIA
Olimar apresenta dois genes recessivos para a tolerância ao frio que se manifestam no cruzamento
com IRGA 424. Já quando cruzada com a linhagem
IRGA 2852-20-4-3-3V parece haver complementaridade de genes, indicando que esta linhagem deve
possuir um gene recessivo que interage com os genes
de INIA Olimar, aumentando a porcentagem de
sobrevivência de plantas (Tabela 3). Este gene não
se manifesta quando a linhagem IRGA 2852-20-43-3V é cruzada com a cultivar IRGA 424, que não
apresenta nenhum gene de tolerância.
A análise de Qui-quadrado realizada mostra
que nas populações estudadas há um a dois genes
conferindo a tolerância ao frio, caracterizando
uma herança qualitativa, conforme já relatado
anteriormente (KWAK et al., 1984; NAGAMINE;
NAKAGAHRA, 1991). Assim, a seleção para este
caráter pode ser realizada em gerações segregantes
precoces, como a F2 ou F3. Porém, o fato da tolerância ser condicionada por genes dominantes,
implica em utilizar populações maiores e teste de
progênie para o avanço das gerações e fixação desta
característica.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
35
CONCLUSÃO
A tolerância ao frio na fase vegetativa em arroz
apresenta uma herança simples condicionada por um
a dois genes dominantes com segregação independente no caso dos genótipos tolerantes, ou por genes recessivos e complementares no caso dos genótipos com
reação intermediária ou de sensibilidade ao frio.
AGRADECIMENTOS
Ao PIBIC/ CNPq pela concessão de bolsa para
desenvolvimento desse trabalho.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Morfologia polínica dos gêneros Hebanthe Mart.
e Pfaffia Mart. nativos do Rio Grande do Sul
Julio ricardo BasTos1
soraia girardi BauerMann2
Maria saleTe MarchioreTTo3
RESUMO
A família Amaranthaceae está representada no Rio Grande do Sul por nove gêneros e 40 espécies. Foram
estudados os gêneros nativos de Pfaffia e Hebanthe no que diz respeito à morfologia, em microscopia óptica,
como forma de contribuir para o conhecimento da diversidade polínica, além de fornecer subsídios para o entendimento da dinâmica paleovegetacional do Estado. A partir de coleta de exsicatas extraiu-se grãos de pólen
que foram processados pelo método de acetólise. Para análise das amostras foram utilizados atributos individuais
como tamanho, âmbito, forma, número de aberturas, ornamentação e espessura da exina. Os grãos apresentam
forma esférica, âmbito circular, fenestrados, pantoporados, reticulados e tamanho pequeno.
palavras-chave: Amaranthaceae, morfologia polínica, paleovegetacional.
ABSTRACT
The family Amaranthaceae is represented in Rio Grande do Sul for nine genus and 40 species. It was studied
native genus of Pfaffia and Hebanthe with respect to morphology, in optical microscopy, as a contribution to
1
Acadêmico do Curso de Ciências Biológicas/ULBRA-Bolsista
PROICT/ULBRA
2
Professor-Orientador do curso de Ciências Biológicas (soraia.
[email protected])
3
Pesquisadora e Curadora do Herbarium Anchieta, Instituto
Anchietano de Pesquisas/UNISINOS
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
37
the knowledge of pollen diversity and provides subsidies for understanding the dynamics paleovegetational of the
State. From the collection of herbarium specimens were extracted pollen grains that were processed by acetolysis. For analysis of the samples were used individual attributes such as size, amb, form, number of apertures,
ornamentation and exine thickness. The grains have spherical shape, amb circular, fenestrated, pantoporated,
reticulate and small size.
Keywords: Amaranthaceae, pollen morphology, paleovegetational.
INTRODUÇÃO
A família Amaranthaceae, no Brasil, compreende
20 gêneros e aproximadamente 100 espécies nativas
(SOUZA; LORENZI, 2008). Para o Rio Grande do
Sul são citados nove gêneros e 40 espécies (VASCONCELLOS, 1986). Seus representantes são
predominantemente ervas, subarbustos, arbustos ou
trepadeiras e ocorrem nos mais variados ambientes:
campos rupestres, cerrados, beira de matas, restingas
sendo mais comuns em ambientes abertos (SIQUEIRA, 2002; SOUZA; LORENZI, 2008).
O gênero Pfaffia Mart. é constituído por ervas ou
subarbustos eretos ou semiprostrados que ocorrem
em cerrados, campos rupestres, campos limpos, orlas
de matas, beiras de rios e capoeiras (MARCHIORETTO et al., 2009). Hebanthe Mart. é um gênero
neotropical com representantes predominantemente
em formações florestais, em orla e interior de matas
(MARCHIORETTO et al., 2008).
Estudos com pólen de Amaranthaceae foram realizados pela primeira vez por Martius em 1826. Mais
tarde, Erdtman (1952) identificou dois tipos polínicos
para a família denominados tipo Amaranthus e tipo
Gomphrena. A partir de então vários estudos foram
realizados, Livingstone (1972), Livingstone et al.,
(1973), Townsend (1974, 1978, 1979a 1979b, 1993)
Riollet e Bonnefille (1976), Srivastava et al., (1977),
38
Cuadrado (1988, 1989), Leach et al., (1993), Li et
al. (1993) e Borsch (1995, 1998).
No Brasil há poucos estudos sobre morfologia
de grãos de pólen de Amaranthaceae (BARTH et
al. 1976; CRUZ; MELHEM, 1979) e para o Rio
Grande do Sul pode-se citar Bauermann et al.,
2009, Evaldt et al., 2009.
Com intuito de ampliar o conhecimento polínico sobre estas espécies ainda não estudadas, são
descritas espécies de Pfaffia e Hebanthe nativas para
o Rio Grande do Sul. Os resultados são comparados
com os já existentes para a família e para o gênero
Pfaffia bem como são discutidas implicações taxonômicas sobre a morfologia polínica.
MATERIAL E MÉTODOS
Pólen das espécies analisadas foi obtido a partir
de exscicatas depositadas no Herbarium Anchieta
(PACA) do Instituto Anchietano de Pesquisas. Foram
estudadas as espécies nativas no Rio Grande do Sul
dos gêneros Pfaffia e Hebanthe totalizando quatro
espécies: Hebanthe eriantha (Poir.) Pedersen, Pfaffia
glomerata (Spreng.) Pedersen, Pfaffia gnaphaloides (L.f.)
Mart. e Paffia tuberosa (Spreng.) Hicken. Para cada
espécie foram analisadas 5 amostras (Tabela 1).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Tabela 1 - Relação de espécies estudadas e local de coleta das amostras.
Espécies
Amostra 1
Amostra 2
Amostra 3
Pfaffia
Porto União/SC
Porto União/SC
Cachoeira do Sul/RS
glomerata
Pfaffia
Lages/SC
Uruguaiana/RS
Uruguaiana/RS
gnaphalioides
Pfaffia
Santana do Livramento/
Bagé/RS
Caçapava do Sul/RS
tuberosa
RS
Hebanthe
Cerro Largo/RS
Cerro Largo/ RS
Marcelino Ramos/ RS
eriantha
A partir de coleta das exsicatas extraiu-se material polinífero que foi processado para confecção
de lâminas permanentes pelo método de acetólise.
As lâminas encontram-se depositadas na Palinoteca do Laboratório de palinologia da Ulbra. Para
análise dos grãos de pólen foram utilizados atributos
individuais como tamanho, âmbito, forma, número
de aberturas, ornamentação e espessura da exina.
As medidas foram feitas utilizando-se 25 grãos
de pólen provenientes de cada uma das amostras
integralizando 125 medidas para cada espécie. A
análise dos grãos de pólen foi realizada em microscópio óptico modelo Leica DMLB, em aumento
de 1000x e mensurados os diâmetros equatorial
(DE) e polar (DP). A partir da relação diâmetro
polar pelo equatorial foi estabelecido o formato
dos grãos de pólen.
RESULTADOS
Dentre o gênero Pfaffia, a espécie P. gnaphalioides
é a de menor tamanho enquanto P. tuberosa é a de
maior (Tabela 2). Incluindo Hebanthe nesta comparação, H. eriantha passa a ser o grão de pólen de
Amostra 4
Amostra 5
Cachoeira do Sul/ RS
Vila Alta/ PR
Rosário do Sul/ RS
Rosário do Sul/
RS
Lapa/PR
Lages/ SC
Itapiranga/ SC
Florestal/ PR
maior tamanho. H. eriantha é também a espécie com
exina mais espessa ao contrário de P. gnaphaliodes
que apresenta a mais fina.
Tabela 2 - Síntese das medidas dos grãos de pólen. DP=diâmetro polar, DE=diâmetro
equatorial, P/E=relação DP por DE e
Exina=espessura da exina.
Espécies
Pfaffia
glomerata
Pfaffia
gnaphaloides
Pfaffia
tuberosa
Hebanthe
eriantha
DP (µm) DE (µm) P/E (µm) Exina (µm)
14,42
14,42
1,00
1,92
12,68
12,68
1,00
1,69
16,00
16,00
1,00
2,18
21,13
21,13
1,00
2,99
As espécies dos dois gêneros estudados apresentaram grãos de pólen em mônades, pequenos,
forma esférica, âmbito circular e pantoporados.
Poros circulares, distribuídos equitativamente por
toda a superfície do grão de pólen (Figura 1). Grãos
semitectados, reticulados (metarreticulados), com
um poro em cada lúmen. Sexina mais espessa que
nexina. Sexina reticulada, com 10 a 12 malhas
visíveis numa face, malhas grandes, pentagonais,
de lados retos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
39
muitos gêneros, considerando muitas características e utilizando microscopia eletrônica. Os dados
obtidos por ele, permitiram o estabelecimento de
subcategorias distribuídas dentro dos dois tipos polínicos anteriormente propostos por Erdtman (1952).
O tipo Pfaffia sugerido por Borsch (1998) apresenta
características que permitem o enquadramento das
quatro espécies estudadas neste tipo polínico.
Figura 1 - Grãos de pólen de Amaranthaceae. A.
Pfaffia glomerata em corte óptico. B. Pfaffia
glomerata, detalhe do retículo. C. Pfaffia.
ganaphaliodes em corte óptico. D. Pfaffia
Ganaphaliodes, detalhe do retículo. E. Pfaffia
tuberosa em corte óptico. F. Pfaffia tuberosa,
detalhe do retículo. G. Hebanthe eriantha em
corte óptico. H. Hebanthe eriantha, detalhe
do retículo.
DISCUSSÃO
As características exibidas pelos gêneros Pfaffia
e Hebanthe confirmam o caráter estenopolínico da
família Amaranthaceae onde os grãos de pólen são
em sua maioria esféricos e com poros distribuídos
por toda a superfície.
40
Cuadrado et al. (1988) descreveram grãos de
pólen de Pfaffia glomerata, P. gnaphalioides e P.
tuberosa sendo que as características registradas
neste estudo concordam com as descritas pelas
autoras, diferindo ligeiramente no que diz respeito
ao tamanho do grão de pólen e espessura da exina.
As autoras citadas colocaram os grãos de pólen
das três espécies de Pfaffia como tipo Gomphrena,
subtipo Gomphrena perennis, porém este subtipo não
abrange Hebanthe eriantha.
Estudos de macro e micromorfologia realizados por Borsch e Pedersen (1997) mostraram
diferenças entre os gêneros Hebanthe e Pfaffia os
quais suportam o caráter monofilético do gênero
Hebanthe. O tamanho maior e a exina mais espessa
em Hebanthe podem indicar um caráter basal para
esta espécie, como já constatado em outros grupos
(EVALDT et al., 2008), fortalecendo a hipótese
daqueles autores.
Erdtman (1952), baseado em atributos polínicos,
caracterizou a subfamília Gomphrenoideae como
tendo poros situados em lúmens (metarreticulados)
enquanto nas Amaranthoideae estes lúmens estão
ausentes. A estas características correspondem tipo
Gomphrena e tipo Amaranthus, respectivamente.
Pfaffia e Hebanthe estão incluídos na subfamília Gomphrenoideae e como tal também apresentam os poros
situados em lúmens, enquadrando-se, portanto, no
tipo Gomphrena proposto por Erdtman (1952).
As características morfológicas polínicas encontradas em Hebanthe, Pfaffia e na família Amaranthaceae em geral são muito próximas daquelas
encontradas na família Chenopodiaceae. Tal fato
apóia os recentes estudos de filogenia que reuniram
estas dua famílias em Amaranthaceae e suporta,
portanto, a existência de um único tipo polínico
para as mesmas.
Na década de 90, Borsch (1998) fez um extenso
estudo sobre pólen das amarantáceas baseado em
Embora os vários estudos polínicos, botânicos
e moleculares realizados com Amaranthaceae sua
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
filogenia não está ainda completamente entendida.
A subfamília Gomphrenoideae está bem estabelecida sob a óptica da morfologia polínica, sendo a
presença de grãos de pólen metarreticulados considerada uma sinapomorfia deste clado (MüLLER;
BORSCH, 2005), porém as afinidades genéricas
ainda necessitam melhores esclarecimentos. Fazem falta ainda estudos de microscopia eletrônica
tanto de varredura quanto de ultra-estrutura, além
de detalhamento em microscopia óptica e maior
abrangência do número de espécies analisadas.
Neste contexto, o pólen pode contribuir com valiosas informações sobre a filogenia, uma vez que
certas características morfológicas como diâmetro
e aberturas dos grãos de pólen podem indicar a
ocorrência de características homoplásticas.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Variabilidade genética do jaborandi
(Pilocarpus pennatifolius Lemaire; Rutaceae)
em populações naturais da região
noroeste do Rio Grande do Sul
ana Júlia Bandeira1
luis irineu deiMling2
Janaína endres georg-kraeMer3
RESUMO
O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a diversidade e a estrutura genética de cinco populações naturais de P. pennatifolius, utilizando marcadores ISSR. Os dados de distância genética mostraram que as
maiores identidades genéticas não ocorreram necessariamente entre as populações mais próximas geograficamente.
Os resultados da AMOVA mostraram que a diversidade genética dentro das populações foi mais elevada do
que a diversidade genética entre as populações. O baixo valor de ΦST obtido indica não existir uma estruturação
entre as populações, ou seja, ocorreria fluxo gênico entre as mesmas. Sugere-se que a baixa diferenciação genética
detectada entre as populações seja devido ao isolamento recente das mesmas, considerando-se o tempo de geração
da espécie em estudo.
palavras-chave: espécie nativa, marcador ISSR, diversidade genética.
1
Acadêmica do Curso de Ciências Biológicas/ULBRA. Bolsista
PIBIC/CNPq
2
Técnico do Laboratório da Biodiversidade Vegetal/PPGGTA
– ULBRA
3
Professora – Orientadora do Curso de Ciências Biológicas e
do PPG em Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA (janaina.
[email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
43
ABSTRACT
The present study aimed at assessing the genetic diversity and structure of five natural P. pennatifoluis populations using ISSR markers. The genetics distance data showed that the higher genetic identities do not necessarily
occur between the populations geographically closest to one another. The AMOVA results revealed that the genetic
diversity within populations was higher than the value found between populations. The low ΦST value obtained
indicates that there is no interpopulation structure, which means that gene flow occurs between P. pennatifolius
populations. The present study suggests that the low genetic differentiation observed between populations is due
to the fact that isolation is relatively recent, considering the species’ life cycle in study.
Keywords: native species, ISSR markers, genetic diversity.
INTRODUÇÃO
O gênero neotropical Pilocarpus compreende
dezessete espécies, das quais catorze são encontradas no Brasil. Entre estas espécies, está o jaborandi (Pilocarpus pennatifolius Lemaire) (Dr. José
Rubens Pirani, comunicação pessoal, 18 de junho
de 2008).
O jaborandi é uma arvoreta perene e pouco
ramificada. Apresenta flores monoclinas e a sua
polinização ocorre por entomofilia, preferencialmente por insetos do grupo das moscas e das vespas
(BARBOSA, 1999). Produz anualmente grandes
quantidades de sementes (REITZ et al., 1988), que
são dispersas por autocoria (SOUZA et al., 2005),
isto é, sem a participação de agentes externos.
É uma planta da flora nativa brasileira de grande
interesse econômico, pelo seu valor medicinal e
cosmético. Esta espécie apresenta vários alcalóides
como a pilocarpina isopilocarpina, jaborina, joboridina, pilosina, entre outros (ROCHA; ROCHA,
2006). As plantas do gênero Pilocarpus são as
únicas fontes naturais da pilocarpina, um alcalóide
ativador do sistema nervoso autônomo parassimpático. Este alcalóide é utilizado na oftalmologia para
contração da pupila, um procedimento importante
44
em cirurgias ópticas e em outros tratamentos. A
pilocarpina tem se mostrado clinicamente eficaz
também no tratamento da acne, da queda de cabelo, da seborréia e em outras afecções do couro
cabeludo (LORENZI; MATOS, 2002).
A importância do jaborandi não está relacionada somente aos fatores econômicos, mas principalmente ao seu papel ecológico. Com relação
à sua ecologia sucessional, esta espécie nativa é
considerada secundária e ombrófila e em programas
de reflorestamento deve ser utilizada para o enriquecimento das espécies (LOPES; GONçALVES,
2008).
Nativa da América do Sul, a espécie em estudo
é encontrada predominantemente no Paraguai, na
Argentina e no Brasil. Em nosso país, ocorre nos
estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul (FLORA BRASILIENSIS REVISITADA, 2008). Em nosso Estado, a sua distribuição
é irregular e descontínua podendo ser encontrada
em solos úmidos e rochosos, abrangendo regiões de
Floresta Ombrófila Densa, Campos Sulinos e Floresta Estacional Decidual. Esta ocorrência natural
inclui a Região Noroeste do Estado, a qual, nas
últimas décadas, vem sofrendo intensa degradação
e fragmentação de suas florestas como resultado
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
do desenvolvimento e expansão da pecuária e da
agricultura.
um padrão multilocus e altamente polimórfico
(ZIETKIEWICZ et al., 1994).
Desta forma, populações de espécies vegetais
que antes mantinham níveis adequados de indivíduos, hoje, encontram-se drasticamente reduzidas,
podendo levar à perda da variabilidade genética e
ao declínio destas populações.
Este estudo teve como objetivo verificar a
variabilidade genética e o grau de diferenciação
de 24 progênies em cinco populações naturais
de Pilocarpus pennatifolius Lemaire, da Região
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, utilizando marcadores moleculares ISSR, e assim gerar
conhecimento para a espécie e subsídios para o
estabelecimento de bancos de germoplasma e
estratégias de conservação.
A compreensão dos padrões de variabilidade
intrapopulacional e da distribuição da diversidade
genética entre as populações de espécies florestais
é de fundamental importância para a definição de
estratégias de conservação e uso sustentável desses
recursos (PRIMACK; RODRIGUES, 2001).
A avaliação da variabilidade genética em
um germoplasma depende da disponibilidade de
marcadores polimórficos e neutros do ponto de
vista do efeito ambiental. Já foram desenvolvidas
diferentes técnicas que utilizam vários tipos de
marcadores moleculares baseados na análise direta
do DNA.
Em nosso estudo foi utilizado o marcador
molecular ISSR (Inter Simple Sequence Repeat)
(ZIETKIEWICZ et al., 1994). Na técnica utilizada
para este tipo de marcador, é amplificada a região
de DNA entre dois microssatélites que estejam
proximamente espaçados e inversamente orientados, por meio de um único “primer”, composto de
uma curta sequência microssatélite (tipicamente,
18-20 pares de bases) com um a quatro nucleotídeos degenerados ancorados na extremidade 5’ ou
3’ (ZIETKIEWICZ et al., 1994; MALTAGLIATI
et al., 2006). Sua amplificação não requer informação prévia da sequência do genoma e leva a
MATERIAL E MÉTODOS
Foram analisadas 24 progênies de cinco populações naturais de jaborandi da Região Noroeste
do Rio Grande do Sul, dos municípios de Catuípe
(1 e 3) (duas populações), Augusto Pestana (2),
São Martinho (4) e Crissiumal (5) (Figura 1). Em
cada população, sementes de polinização aberta
foram coletadas de árvores identificadas como
plantas-matriz.
As sementes foram germinadas no Viveiro
Regional de Produção de Mudas Florestais do
Instituto Regional de Desenvolvimento Rural
(IRDeR), em Augusto Pestana, RS, para obtenção
das plântulas. Quando as plântulas alcançaram
10 cm foram coletadas folhas de cinco indivíduos
(progênie) de cinco plantas-matriz, para a maioria
das populações, totalizando 118 indivíduos analisados. As folhas coletadas foram armazenadas em
sacos plásticos com sílica gel para a desidratação
e para posterior extração do DNA.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
45
Extração e Quantificação do DNA
A extração do DNA total foi baseada no método
descrito por Doyle e Doyle (1987), com pequenas
modificações necessárias para a obtenção de DNA
com boa qualidade.
O DNA extraído foi quantificado através da
comparação da intensidade da banda das amostras
com a intensidade das bandas de DNA de fago-λ,
com diferentes concentrações conhecidas.
As análises de quantificação foram feitas por
eletroforese em gel de agarose 0,8%, contendo
brometo de etídeo (1 µg/mL) e tampão TBE 1X
(Tris-Borato, EDTA), sob corrente elétrica de 100
V por 10 minutos e mais 20 minutos a 80 V.
Amplificação ISSR
Figura 1 - Vista aérea das cinco populações analisadas. As distâncias geográficas foram calculadas em quilômetros. (Imagem Google
EarthTM modificada).
Foram testados 11 “primers” ancorados na extremidade 3’ (pertencentes ao set 9 da University
of British, Columbia, Canadá), em três condições
diferentes de reação e amplificação, conforme Lei
et al. (2006), Rizza et al. (2007) e Yao et al. (2008)
(Tabela 1).
Tabela 1 - Condições da reação em cadeia da polimerase e de amplificação conforme os autores Lei et al. (2006),
Rizza et al. (2006) e Yao et al. (2008), utilizados na análise das cinco populações.
Lei et al. (2006)
Rizza et al. (2007)
Mix
Mix
Programa PCR
Mix
Programa PCR
10 ng DNA
94°C - 5min
80 ng DNA
94ºC - 7min
20 ng DNA
94ºC - 5min
10 mM dNTPs
94°C - 1min
200 µM dNTPs
94ºC - 30s
200 µM dNTPs
94ºC - 1min
0.25 µM “Primer”
54.5°C - 1min
0.5 µM “Primer”
52ºC - 45s
1 unidade Taq
72°C - 2min
1 X Tampão de reação
72°C - 7min
}
40 ciclos 0.2 mM “Primer”
52ºC - 45s
}
45 ciclos
}
1 unidade Taq
72ºC - 1.5min
1 unidade Taq
72ºC - 2min
1 X Tampão de reação
72ºC - 7min
1 X Tampão de reação
72ºC - 7min
Os produtos da amplificação foram separados
por eletroforese horizontal em gel de agarose 1,5%,
46
Yao et al. (2008)
Programa PCR
45 ciclos
contendo brometo de etídeo (1 µg/mL) e tampão
TBE 1X, a uma voltagem de 65 V, por três horas e
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
meia. O gel foi verificado e a imagem digitalizada
sob fonte de luz ultravioleta. O tamanho dos fragmentos amplificados foi determinado por comparação com o marcador de peso molecular “Ladder”
de 100 pb (InvitrogenTM Brasil).
ANáLISE ESTATíSTICA
Os fragmentos de DNA amplificados foram identificados para presença (1) ou ausência (0) de bandas
de igual tamanho e uma matriz binária foi construída.
Com base nesta matriz binária, foi calculado o Coeficiente de Similaridade de Jaccard, entre cada par
de indivíduos. Os coeficientes de similaridade foram
utilizados para construir um dendograma, através do
método de agrupamento UPGMA (Unweighted Pair
Group Method Using Arithmetic Averages). Estas
análises foram feitas usando o programa NTSYS-pc,
versão 2.1 (ROHLF, 2001) e a análise de bootstrap
(10.000 permutações) foi feita utilizando o programa
Bood versão 3.01 (COELHO, 2000).
A porcentagem de locos polimórficos, a identidade genética de Nei e a distância genética de
Nei (1978) foram calculadas com o programa
TFPGA (Tools for Population Genetic Analyses)
versão 1.3 (MILLER, 1997) assumindo que todos
os lócus eram dominantes e estavam em equilíbrio
de Hardy-Weinberg.
Os valores da distância genética de Nei entre
cada par de populações foram utilizados para construir um dendrograma, pelo método de UPGMA.
O teste de bootstrapping foi feito com 10.000
permutações.
Para o cálculo da variância molecular (AMOVA)
e do ΦST foi utilizado o programa ARLEQUIN versão
3.11 (EXCOFFIER; SCHNEIDER, 2005).
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Dos 11 “primers” testados, oito mostraram polimorfismo, e destes, cinco foram selecionados para a análise,
por apresentarem um bom padrão de amplificação.
Os cinco “primers” utilizados para a análise produziram várias bandas (fragmentos), das quais 136
foram analisadas por apresentarem boa resolução.
Do total de bandas analisadas, 131 bandas (96,32%)
foram polimórficas, com o tamanho variando de
120 a 2070 pares de bases (pb) (Tabela 2).
Tabela 2 - “Primers” ISSR: sua sequência, tamanhos
dos fragmentos, número total de bandas e
número de bandas polimórficas.
Primer
Sequência
(5’-3’) Y= (C,T)
Fragmentos
[pb]
Total de
bandas
Bandas
polimórficas
UBC810
(GA)8T
420 – 1500
20
19
UBC811
(GA)8C
120 – 1800
41
41
UBC834
(AG)8YT
190 – 720
23
22
UBC855
(AC)8CYT
585 – 1900
23
22
UBC857
(AC)8CYG
360 - 2070
29
27
136
131
Total
Os coeficientes de similaridade genética entre
os indivíduos analisados variaram de 0,37 a 0,73. O
maior índice de similaridade (Sj=0,73) foi encontrado entre os indivíduos 61J e 73J pertencentes à
mesma população (Crissiumal), porém provenientes de progênies diferentes. De uma maneira geral,
o dendrograma gerado com os coeficientes de similaridade mostrou que os indivíduos agruparam-se
independentemente da sua progênie ou população
de origem, ou seja, não houve a formação de agrupamentos preferenciais entre indivíduos de uma
mesma população ou progênie, encontrando-se
indivíduos das cinco populações distribuídos ao
longo do dendrograma. Esta situação somada aos
baixos valores de “bootstrap” obtidos podem ser um
indicativo da existência de uma alta variabilidade
intrapopulacional, e que esta variabilidade estaria
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
47
distribuída entre os indivíduos das cinco populações
estudadas.
A análise da porcentagem de locos polimórficos mostrou altos níveis de diversidade genética
dentro das populações, com uma porcentagem
média de locos polimórficos de 82% para as cinco
populações. A população de Catuípe (3) foi a que
apresentou a mais baixa porcentagem média de
locos polimórficos (77%). Para as progênies, 50%
dos locos analisados, em média, foram polimór-
ficos. As progênies de cada população tiveram
uma porcentagem de locos polimórficos inferior
à observada para a população como um todo, sugerindo que as progênies de uma população não
compartilham todos os locos polimórficos, revelando assim uma pequena diferenciação genética
entre as mesmas.
A identidade genética entre os indivíduos de uma
mesma população e entre populações de jaborandi foi
mensurada pela Identidade de Nei (1978) (Tabela 3).
Tabela 3 - Identidade de Nei (1978) intrapopulacional.
Populações
IN
Limites
IN geral
Catuípe – (1)
0,948
0,930 - 0,965
Augusto Pestana
0,937
0,923 - 0,954
Os coeficientes médios de identidade intrapopulacional obtidos para as cinco populações foram
muito semelhantes e bastante altos, variando de
IN=0,935 (Crissiumal) a IN=0,961 (Catuípe –3).
O coeficiente de identidade intrapopulacional geral
(médio) para a espécie foi IN=0,944.
O coeficiente de identidade geral (médio) entre as
cinco populações foi de IN=0,986 (dados não mostrados). As médias de identidade de cada população com
todas as demais variaram muito pouco, de IN=0,976
(entre Catuípe-3 e São Martinho) a IN=0,994 (entre
Catuípe-1 e Crissiumal). Estes valores indicam que as
populações analisadas são geneticamente igualmente
próximas umas das outras.
A partir da matriz da distância genética de Nei
(1978) entre as populações foi construído um dendrograma pelo método UPGMA (Figura 2). Com os
valores obtidos de identidade genética e pela forma
de agrupamento das populações foi possível observar que apesar da variabilidade genética detectada,
48
Catuípe – (3)
0,961
0,948 - 0,968
0,944
São Martinho
0,938
0,919 - 0,951
Crissiumal
0,935
0,912 – 0,959
as populações mostraram-se bastante semelhantes
geneticamente e esta semelhança ocorreu de forma
independente da proximidade geográfica.
Figura 2 - Dendrograma obtido pelo método UPGMA,
baseado na distância genética de Nei (1978)
entre as cinco populações em estudo. Distâncias genéticas são indicadas acima do
dendrograma e valores de “bootstrap” são
indicados nos nós. Legenda: 1 Catuípe –
Mato dos Machado; 2 Augusto Pestana; 3
Catuípe – Mato do Erig; 4 São Martinho; 5
Crissiumal.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Para verificar a estruturação e a distribuição
da variabilidade genética foi realizada a análise da
variância molecular (AMOVA), sendo obtidas as
variâncias entre as populações e as progênies e as
variâncias dentro das mesmas. Os altos valores de
identidade genética obtidos entre as populações
(IN geral =0,986) são corroborados pela análise
de variância molecular, a qual mostrou que somente 2,82% (ΦST=0,0282, p < 0,001), do total
da variabilidade foi atribuída a diferenças entre as
populações. O baixo valor de ΦST obtido sugere não
existir uma estruturação entre as populações, ou
seja, que existiria fluxo gênico entre as mesmas.
Alguns dados obtidos no presente trabalho
sugerem que as progênies de cada população apresentem algumas diferenças genéticas entre elas.
Como os indivíduos que compõem uma progênie
são indivíduos-irmãos (as sementes foram coletadas
da mesma planta-matriz) é esperado que mostrem
maior identidade genética. Mesmo assim, foi possível observar a existência de uma grande identidade
genética entre os indivíduos das diferentes progênies e também das diferentes populações estudadas,
considerando os valores obtidos de identidade
genética de Nei e pela forma como os indivíduos
formaram os agrupamentos nos dendrogramas.
Esta alta identidade observada possivelmente
seja remanescente do período onde a paisagem não
se apresentava tão fragmentada e sugere-se que esta
fragmentação da área em estudo seja recente, considerando o ciclo de vida da espécie. Assim, mesmo
que as populações não formassem um contínuo na
natureza, elas estavam menos distanciadas, e provavelmente com um maior número de indivíduos,
permitindo que mesmo um vetor de polinização sem
uma alta capacidade de dispersão pudesse manter o
fluxo gênico entre elas. Os dados de Coelho (2000)
indicam que o processo de redução da cobertura
florestal é anterior à década de 60. Portanto, a
fragmentação já acontece há pelo menos 50 anos e
no máximo há 100 anos (intensificação do processo
de colonização da região). Desta forma, um possível
isolamento das populações ocorreu entre 70 e 50
anos atrás. Considerando uma geração arbórea,
para esta espécie perene, de cerca de 30 a 40 anos,
haveria no máximo duas gerações de isolamento,
o que pode ser considerado pouco tempo para que
os processos de endogamia e a pequena capacidade
de dispersão das sementes e do vetor de polinização
sejam refletidos na distribuição da variabilidade
genética da espécie, na região em estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que a maior parte da variabilidade genética está contida dentro das populações
e que existe uma pequena diferenciação entre as
progênies de cada população, sugere-se para a
conservação ex situ, a coleta de sementes de diferentes progênies em várias populações, mantendo
de forma representativa a variabilidade da espécie
em bancos de germoplasma.
Para a conservação in situ devem ser aplicadas
estratégias que envolvam a manutenção do fluxo
gênico entre as populações. A manutenção de
corredores de vegetação entre as populações de P.
pennotifolius poderia ser uma estratégia eficiente
para a manutenção da variabilidade genética entre
as populações e para a preservação da espécie nos
fragmentos remanescentes.
AGRADECIMENTOS
Auxílio: PROICT/ULBRA; PIBIC/CNPq.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
49
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
51
Um modelo murino para tratamento
de lesão por isquemia e reperfusão
de retalhos cutâneos com o uso de
células-tronco adiposo-derivadas
andré vicenTe Bigolin1
anTonio Francisco ruaro Filho2
Thiago dos sanTos Pereira2
luciana liMa MarTins cosTa3
Bruno BellagaMBa4
Melissa caMassola 5
nance nardi 6
RESUMO
A aplicação de células-tronco em retalhos cutâneos trouxe novas perspectivas ao campo da microcirurgia
reconstrutiva. Este estudo visou desenvolver um modelo experimental para avaliar a utilização de célulastronco derivadas de tecido adiposo (ADSCs) em lesão por isquemia-reperfusão de retalhos cutâneos. Dez
camundongos foram operados e divididos em Grupo 1 (isquemia e reperfusão) e Grupo 2 (controle). Foram
avaliados temperatura, coloração e microangiografia. ADSCs foram isoladas de camundongos C57BL/6.
Observou-se queda da temperatura e perda da coloração no Grupo 1, com recuperação no período de rep1
Acadêmico do Curso de Medicina/ULBRA - Bolsista PROICT/
ULBRA
5
Professora do Curso de Medicina/ULBRA e do PPG Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA
2
Acadêmico do Curso de Medicina/ULBRA
6
3
Acadêmico do Curso de Medicina/UFCSPA
4
Biólogo, mestrando em Genética e Biologia Molecular
UFRGS
Professora-Orientadora do Curso de Medicina/ULBRA
e do PPG Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
53
erfusão. ADSC com expansão e morfologia adequada. Concluiu-se que foi possível estabelecer o modelo
murino proposto.
palavras-chave: retalhos cutâneos, microcirurgia, célula tronco, lesão de reperfusão, isquemia.
ABSTRACT
The use of stem cells on skin grafts brought new perspectives in the reconstructive microsurgery area. This
study aimed to develop an experimental model to evaluate the using of adipose derivate stem cells (ADSCs) in
ischemic reperfusion injury on skin grafts. Ten mice were operated and divided in: Group 1 (ischemia and reperfusion) and Group 2 (control). Temperature, color and microangiography were evaluated. ADSCs cells were
isolated from C57BL/6 mice. Was observed that temperature fall and loss of color on Group 1; with recovery on
the reperfusion period. ADSC have correct expansion and morphology. In conclusion, It was possible to development the murine model desired.
Keywords: tissue grafts, microsurgery, stem cell, reperfusion injury, ischemia.
INTRODUÇÃO
Considera-se que a regeneração de um tecido
seja auto-limitada no que se refere à recuperação
das características prévias à lesão. Assim o próprio
tratamento cirúrgico reconstrutivo encontra-se
em um paradigma já que pode ser fator causal
ou de agravo a uma lesão (MCDOWELL, 1978;
MCCARTHY, 1990). A reparação cirúrgica com
garantia do restabelecimento estético e da capacidade funcional é, hoje, um objetivo mais próximo
no campo da microcirurgia reconstrutiva. Quando
se objetiva a confecção de retalhos cutâneos ou
enxertos, a lesão isquêmica imposta pela própria
técnica cirúrgica torna-se um limitante ao desfecho do tratamento. Há evidências indicando um
envolvimento multifatorial na lesão dos retalhos. A
reação oxidativa, a alteração do sistema do complemento e a intensificação da interação leucocitária
causados pela reperfusão tecidual agravam a lesão
ao tecido já isquêmico (ANDREWS et al., 2000;
KHALIL; AZIZ; HALL, 2006).
54
Com o desenvolvimento da manipulação das
células-tronco e aprofundamento no estudo de suas
capacidades criou-se uma nova possibilidade de
terapia adjuvante ao tratamento cirúrgico. Células
progenitoras endoteliais são estimuladas pela presença da lesão isquêmica. Após um curto período
de tempo da injúria, estas células já se encontram
no tecido acometido e sua concentração é maior
quanto maior for a área de isquemia (PARK et al.,
2004; KENNY et al., 1994; LI et al., 2000). As
células-tronco teriam a capacidade de interferir
nestes fatores e assim estimular a quebra no ciclo de
lesões desencadeadas pela isquemia inicial, e entre
as células-tronco adultas acredita-se que as célulastronco mesenquimais são as que apresentam maior
potencial terapêutico (MEIRELLES; NARDI,
2009). O papel das células-tronco no aumento da
viabilidade de retalhos cutâneos após períodos de
lesão isquêmica está vinculado à melhoria do aporte
sanguíneo. Contudo, o mecanismo pelo qual ocorre
essa intensificação na formação de novos vasos
ainda está por ser definido. Além da angiogênese,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
sugere-se que a estimulação da secreção de fatores
tróficos e de citocinas protetoras esteja associada
à atenuação da injúria causada pela isquemiareperfusão (MORTAZAVI-HAGHIGHAT et al.,
2002; UYSAL et al., 2009).
Nesta situação, estudos buscam novas respostas
com o uso de modelos experimentais de retalhos
cutâneos com ou sem indução de lesão por isquemiareperfusão (SCHOLZ; EVANS, 2008; UYSAL
et al., 2009; MOON et al., 2008; LU et al., 2008;
ICHIOKA et al., 2004). Apesar de terem sido descritos resultados significativos com o tratamento
com células-tronco nestes modelos, a avaliação da
eficácia e a padronização dos modelos ainda não
foram completadas. Sendo assim este estudo visa o
estabelecimento e avaliação de um modelo murino
de isquemia e reperfusão de retalhos cutâneos para
estudo do potencial terapêutico de células-tronco.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi desenvolvido junto ao Laboratório
de Células-Tronco e Terapia Gênica da Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA) e realizado com o apoio
do Laboratório de Imunogenética da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para avaliação do modelo de isquemia e reperfusão, foram desenvolvidos parâmetros de avaliação,
como temperatura aferida por termômetro infravermelho (Infrared Thermometer Minipa® MT350), coloração do retalho e microangiografia.
Animais
Modelos murinos das linhagens isogênicas
BALB/c e C57BL/6 foram utilizados, sendo os pri-
meiros empregados na realização do experimento
e os segundos para isolamento das células-tronco.
Neste estudo optou-se pela utilização de célulastronco adiposo derivadas (ADSCs).
Procedimento Cirúrgico
Um grupo de 10 camundongos adultos da linhagem BALB/c foi dividido igualitariamente nos
grupos especificados a seguir:
Grupo 1: Submetido a lesão de isquemia e
reperfusão.
Grupo 2: Controle, sem lesão isquêmica
induzida.
A técnica operatória descrita a seguir foi aplicada em ambos os grupos, distinguindo-se apenas
quanto à indução de isquemia no Grupo 1.
Os animais foram anestesiados com uso de
uma mistura de 1mL de Xilasina associada a 1
mL de Ketamina e 8 mL de solução fisiológica a
0,9%. Uma dose de 0,1 mL/10g foi injetada por
via intraperitoneal. Após estabelecimento de plano
anestésico cirúrgico, foi realizada uma tricotomia
abrangendo o lado direito do dorso do animal e a
área do retalho, com 3 cm de comprimento e 1 cm
de largura, foi demarcada conforme demonstra a
Figura 1. Um retalho cutâneo de base cranial foi
confeccionado com incisão por bisturi de lâmina
16, foi observada a integridade da pele e a separação completa do tecido subcutâneo por dissecção
romba. Neste momento, apenas para o Grupo 1,
foi realizada a ligadura da base do retalho através
da amarração com fio de sutura (Figura 2). O
leito do retalho foi fechado com pontos simples de
Mononylon 4.0. Um período de avaliação de 10
minutos foi realizado e após este, para o Grupo 1,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
55
houve a liberação da ligadura da base do retalho.
Durante mais 2 minutos, período de reperfusão, os
animais permaneceram em avaliação.
A seguir, uma laparotomia mediana foi realizada e
por abordagem trans-diafragmática, o meio contrastado foi injetado no ventrículo esquerdo do animal.
injeção intracardíaca de dois meios de contraste. O
primeiro meio foi baritado (Sulfato de Bário 30%) e
o segundo iodado (Diatrizoato de Meglumina 60%),
sendo cada um destes utilizado em 2 animais de
cada grupo. Após injeção do contraste o retalho foi
ressecado, observando-se uma margem de 2 cm.
As radiografias foram realizadas com a
proximidade máxima entre a peça e o filme radiológico. A onda radiológica emitida foi formada por
36 kVp e 32 mAs e a impressão realizada em filme
ECRAM-mamográfico Mir-2000 Kodak
Isolamento e Cultura das Células
Figura 1 - Retalho cutâneo de base cranial.
Camundongos da linhagem C57BL/6 foram
utilizados para isolamento. Através de uma inguinotomia um patch de gordura foi obtido, sendo
utilizada a técnica de isolamento de ADSCs com a
enzima colagenase (MEIRELLES; NARDI, 2009).
As células foram mantidas em cultura com meio
HDMEM.
Avaliação dos Resultados
Figura 2 - Ligadura da base do retalho através da
amarração com fio de sutura. Observa-se
também a síntese do leito vascular.
Procedimento Radiológico
Com objetivo de confeccionar uma microangiografia dos capilares da derme, foi realizada a
56
A temperatura do retalho foi aferida por um
termômetro infravermelho nos terços distal e médio
do retalho. Devido ao termômetro utilizado ter um
campo de visão de 100 mm de diâmetro a 1000 mm
de distância, observou-se uma distância termômetroretalho de 5 cm, o que confere a cobertura de uma
área de 5 mm de diâmetro pelo raio infravermelho.
A aferição da temperatura nos dois pontos acima
citados foi realizada a cada 2 min e 30 seg até 10
minutos, onde no Grupo 1 foi liberada a isquemia e
no Grupo 2 encerrado o acompanhamento. A última
aferição foi realizada para o grupo experimental no
12º minuto de avaliação (Figura 3).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
A radiografia foi submetida a avaliação por
médico radiologista quanto à qualidade do exame
envolvendo o uso dos diferentes meios contrastados
e contagem dos vasos sanguíneos segundo proposto
por Hoang et al. (2005).
Quanto ao cultivo das células, observou-se
sua taxa de expansão assim como análise da
morfologia.
RESULTADOS
Não foram observadas complicações durante os
procedimentos para confecção dos retalhos cutâneos. A abordagem do ventrículo esquerdo através do
diafragma exigiu maior técnica e habilidade com o
registro de vazamento de pequena quantidade de
contraste para o mediastino em todos os casos. A
média de duração dos procedimentos foi de 30,6
min, variando de 27 min a 35 min.
Figura 3 - Aferição da temperatura com termômetro
infravermelho no terço distal do retalho.
Fotografias foram obtidas por câmera fotográfica
digital no 10º minuto de avaliação. Estas imagens
foram observadas quanto a sua coloração por técnicos não vinculados ao estudo e cegos quanto ao
grupo e objetivos do estudo.
A temperatura cutânea pré-operatória teve
média de 29,5º C. Pode-se observar uma diminuição da temperatura na primeira aferição após
a confecção do retalho com queda progressiva
em direção a extremidade distal do mesmo.
Nas medidas seqüenciais, observou-se queda de
temperatura de forma mais intensa nos animais
do Grupo 1, tanto no terço médio quanto no
distal (Figura 4). Ao final do 10º min de avaliação, constatou-se uma média de temperatura de
1,3º C a menos para o Grupo 1 no terço distal e
de menos 0,82º C no terço médio. No 12º min,
quando nos animais do Grupo 1 foi avaliado o
término do período de reperfusão, houve um
aumento na temperatura do retalho de 0,95º C
no terço distal e 1,22º C no terço médio.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
57
O exame radiológico foi submetido a apreciação e considerado de qualidade/resolução insuficiente para contagem dos vasos sanguíneos. Em
algumas porções do retalho pode-se observar os
vasos e realizar a contagem, contudo o grande número de artefatos advindos da adesão do tecido ao
filme e da umidade dos retalhos impossibilitaram
uma análise angiográfica precisa. Este resultado
foi observado em todos animais submetidos à
angiografia, não havendo diferença entre os contrastes utilizados.
Figura 4 - Gráfico demonstrativo da alteração da temperatura nos terços médio e distal do retalho
durante os diferentes períodos avaliados.
As imagens obtidas ao 10º min de avaliação
revelaram a perda mais acentuada da coloração
original nos retalhos dos animais do Grupo 1, sendo
observado tons mais enegrecidos e menos brilhantes
nestes tecidos. Estes sinais são sugestivos de redução
da perfusão tecidual (Figura 5).
Figura 5 - Imagem fotográfica aos 10 min de acompanhamento. Observa-se sinais claros de maior
alteração da coloração tecidual na imagem
à esquerda, correspondente ao Grupo 1. A
imagem à direita, com maior preservação de
cores vivas, é referente a animal do Grupo 2.
58
Foi possível realizar o isolamento de ADSCs
de camundongos C57BL/6 através de técnica
utilizando enzima colagenase. As células isoladas
mostraram morfologia fibroblástica e taxa de
expansão de aproximadamente 1,5 x 105 células
in vitro.
DISCUSSÃO
A lesão por isquemia-reperfusão é considerada
uma dificuldade no tratamento cirúrgico com retalhos cutâneos. No modelo utilizado neste estudo
sendo a isquemia tecidual proporcional e progressiva em direção a parte distal à base do retalho
(PARK et al., 2004). Assim pode-se observar uma
diferença de temperatura entre o terço médio e o
distal do retalho. Sugere-se que os maiores valores e
variações de temperatura obtidos nos primeiros sejam devido a proximidade da base vascularizada.
Optou-se por não utilizar a implantação de vaso
axial no retalho. Este fato pode ser a justificativa
da falha na realização da microangiografia, tendo
em vista que a técnica originalmente descrita foi
aplicada em retalhos cutâneos vascularizados pela
implantação de vaso axial. (HOANG et al., 2005).
Este incremento no suporte sanguíneo impede que
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
a seja observado a capacidade de reabilitação das
células vasculares lesadas pelo dano de isquemiareperfusão. O congelamento da peça cirúrgica antes
da realização do exame radiológico, conforme idealizado pelo artigo original, pode atenuar os artefatos
observados no presente estudo.
Quanto à avaliação da temperatura, optou-se
pela utilização de termômetro infra-vermelho pela
praticidade, baixo custo e possibilidade de avaliação
rápida e repetida quando comparado à técnicas
calorimétricas. Pode-se observar uma redução mais
pronunciada na temperatura do retalho dos animais
do Grupo 1. Após um período de 2 min e 30 seg de
reperfusão tecidual observou-se aumento importante
da temperatura em ambos segmentos avaliados. Uma
questão surge quanto a esta variação de temperatura
em um período reduzido de tempo para reperfusão.
Moon et al. relataram que 6 períodos de reperfusão
de 15 seg seguidos pelo mesmo tempo de interrupção
no fluxo (total de 3 min de intervenção) foram suficientes para atenuar a lesão adicional de reperfusão.
(MOON et al., 2008).
A maioria dos estudos avaliados mantém um
período prolongado de isquemia, variando de 4 a
12 horas, seguido por um período de reperfusão sem
limite. (MOON et al., 2008; UYSAL et al., 2009;
GIDEROGLU, 2009; KüNTSCHER; HARTMANN; GERMANN, 2005).
Neste estudo a utilização de um fio de sutura
para realizar a ligadura da base vascularizada do
retalho foi capaz de reduzir a temperatura de forma
importante. Observou-se redução da espessura do
tecido subcutâneo próximo aos locais de contato
com o fio. Diferentemente do clampeamento com
pinça cirúrgica mosquito, realizado por Uysal et al
(2009), o fio de sutura possui uma menor área na
aplicação da pressão, o que pode levar a avulsão do
retalho se força excessiva for aplicada. Os resultados
importantes aqui relatados foram possíveis devido à
base estreita do retalho que permitiu sua amarração.
Retalhos de maiores larguras não são bons canditados a indução de lesão isquêmica por esta técnica.
Acredita-se que ambos modelos, por realizarem
uma isquemia não seletiva e levarem a maceração
celular de toda base do retalho, possam dificultar a
recuperação pós-operatória do mesmo em relação
ao grupo controle. Outros modelos de isquemia não
cutânea já foram relatados, como para indução de
infarto agudo do miocárdio, e demonstram ser próximo ao ideal pela seletividade e consecutivamente
rigor de na comparação. (SCHOLZ; EVANS, 2008;
HWANGBO et al; 2010).
É de extrema importância a síntese do leito do
retalho com o objetivo de evitar a revascularização
a partir do mesmo. Lu et al. (2008). realizaram a
interposição do retalho com dreno de pen rouse.
Esta conduta é de difícil controle da permanência
do material no período de acompanhamento pósoperatório. Diferentemente do presente estudo,
Ichioka et al (2004). realizaram retalhos cutâneos
duplos com base cranial avascularizada. Os retalhos
duplos evitariam a variação interanimal; porém,
retalhos extensos no dorso dos animais podem ser
mais estressantes além de acrescentarem dificuldade ao procedimento cirúrgico e assim diferença na
confecção dos mesmos. Optou-se pela realização
vascular cranial devido à existência de vaso sanguíneo de fácil preservação nesta localização e também
para diminuir a probabilidade de auto-mutilação
no pós-operatório.
A análise cega da coloração dos retalhos no
10º min pós-operatório evidenciou sinais mais
intensos de isquemia no Grupo 1. A utilização de
imagens fotográficas já foi utilizada por outros artigos para avaliar clinicamente a área de viabilidade
do retalho. Esta avaliação pode ser realizada com
períodos mais prolongados de acompanhamento
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
59
onde a necrose tecidual é mais evidente. (UYSAL
et al., 2009).
O tratamento de retalhos com as ADSCs pode
ser feito através da injeção das mesmas em soro fisiológico ou associadas a biomaterial (THONHOFF
et al., 2008). Estas possibilidades de análise possuem
significado clínico importante e reforçam a necessidade de um modelo padrão para sua comparação. O
processo para obtenção das ADSCs deve respeitar
rotinas e o estabelecimento de técnica padrão é importante deste o isolamento até o cultivo e utilização.
Objetivou-se o cultivo de ADSCs de camundongos
da linhagem C57BL/6 devido a possibilidade de
utilização de linhagens transgênicas GFP para experimentos futuros. Através de imunofluorescência
estas células podem ser identificadas e avaliadas
quanto a sua atuação no sítio da lesão. Neste estudo
as células demonstraram adequada taxa de expansão
e morfologia usual. A capacidade de diferenciação
deve ser avaliada em estudos subseqüentes.
A limitação imposta pela isquemia ao tecido
do retalho pode ser o diferencial na busca pelos
resultados ideais em uma microcirurgia. Assim
muitas técnicas são propostas para atenuar a
lesão, seja pela indução previa de isquemia para
obter maior resistência à hipoxia ou pela liberação
intermitente do fluxo para amenizar a lesão de
reperfusão. (MOON et al., 2008; KüNTSCHER,
HARTMANN; GERMANN, 2005). A proposta
de atuação das células-tronco através de múltiplas
vias para reduzir a lesão por reperfusão e ampliar o
aporte sanguíneo, abre uma nova era neste campo
cirúrgico. (PARK et al., 2004).
Através do proposto foi possível o desenvolvimento padronizado de um modelo murino de retalhos
cutâneos para tratamento com células-tronco. Apesar
da falha na angiografia os demais métodos sustentaram
a confirmação da lindução de isquemia-reperfusão.
60
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
61
Ciências da Saúde
Analise química e avaliação da atividade acaricida
das folhas de Piper amalago, P. mikanianum
e P. xylosteoides em larvas de Rhipicephalus
(Boophilus) microplus
Marcela silva dos sanTos1
gilsane von Poser2
sérgio Bordignon2
vera lucia sardá riBeiro3
alexandre de Barros Falcão Ferraz4
RESUMO
O carrapato-de-boi, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, é um problema que traz muitos prejuízos a
pecuária. Em estudos prévios, foi avaliada a atividade acaricida dos óleos essenciais das folhas de P. amalago
(Pa), P. mikanianum (Pm) e P. xylosteoides (Px). Devido ao baixo rendimento dos óleos essenciais, o objetivo
deste trabalho foi avaliar o efeito acaricida do extrato metanólico (EM) das folhas de Pa, Pm e Px em larvas de
carrapato e analisar a sua constituição fitoquímica. Com base nos ensaios fitoquímicos detectou-se a presença
de alcalóides e flavonóides nas três espécies, e através do teste de imersão larval observou-se que apenas P. mikanianum apresenta atividade acaricida.
palavras-chaves: Piper, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, teste de imersão larval.
1
2
Acadêmico do Curso de Biomedicina/ULBRA – Bolsista
PIBIC/CNPq
Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas –
UFRGS
3
Faculdade de Veterinária – UFRGS
4
Professor-Orientador do Curso de Pós Graduação em Genética
e Toxicologia Aplicada /ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
65
ABSTRACT
Cattle tick, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, is a major problem for livestock and brings a lot of
damage. In previous studies the acaricidal activity of the essential oils P. amalago (Pa), P. mikanianum (Pm)
e P. xylosteoides (Px) was evaluated. Due to the low yield of the essential oils, the aim of this study was to
evaluate the acaricidal effect of methanolic extract (ME) from the leaves of Pa, Pm and Px in tick larvae and
to analyze their phytochemical composition. Based on the phytochemical analysis we detected the presence
of alkaloids and flavonoids in the three species, and through the larval immersion test, only P. mikanianum
displayed acaricidal activity.
Keywords: Piper, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, larval immersion test.
INTRODUÇÃO
Rhipicephalus (Boophilus) microplus (Canestrini,
1887) é uma das espécies de carrapatos com maior distribuição mundial, causador de diversos problemas para
pecuária nas regiões tropical e subtropical. Conhecido
popularmente como carrapato-de-boi, este é responsável por inúmeros prejuízos, como a perda de sangue
do animal por sua ação hematófaga, lesões causadas na
pele do gado por sua fixação que pode favorecer o aparecimento de infecções secundárias, perda na qualidade
do couro e, além disso, é vetor de várias doenças como
a babesiose e a febre maculosa (SABATINI et al., 2001;
DURCONEZ et al., 2005). Por outro lado, as perdas
causadas pelo carrapato podem ser minimizadas com o
uso de acaricidas. Todavia, o uso contínuo desses produtos tem permitido o desenvolvimento de cepas destes
artrópodes resistentes à agentes acaricidas (KLAFKE et
al., 2006). Muitos destes produtos, além de contaminar
o ambiente possuem um alto custo. Assim, a pesquisa
de novos produtos acaricidas é necessária para auxiliar
no controle deste parasita.
O gênero Piper (Piperaceae) possui aproximadamente 1000 espécies (SIMPSON; OGORZALY,
1995). Várias espécies pertencentes a este gênero
são utilizadas como plantas ornamentais, temperos,
66
alucinógenos e na medicina popular (PARMAR et
al., 1997). Algumas espécies de Piper apresentam
elevado valor comercial e notável potencial econômico, como Piper nigrum, conhecida popularmente
como pimenta-preta mundialmente utilizada
como tempero (SIMPSON; OGORZALY, 1995;
SIDDIQUI et al., 2004). Alguns efeitos medicinais dos extratos de Piper, como antibacteriano
e antipirético, são conhecidos e disseminados na
medicina popular em várias partes do mundo. Os
compostos que conferem estas e outras propriedades medicinais são importantes na defesa das
plantas para repelir insetos, fungos oportunistas e
nematóides (EVANS et al., 1984; PARMAR et al.,
1997). Alguns extratos e óleos essenciais de plantas
pertencentes a este gênero têm demonstrado eficácia no controle de insetos causadores de pestes
(CHAURET et al., 1996, FAZOLIN et al., 2007).
Dentre as plantas estudadas neste trabalho, Piper
mikanianum é uma espécie nativa do Rio Grande do
Sul utilizada popularmente para distúrbios estomacais, no tratamento de amenorréias, leucorréias e
como abortivo (ALICE et al., 1995). Piper amalago,
encontra-se distribuída desde o México até o Brasil
sendo utilizada popularmente para aliviar dores no
peito e como agente antiinflamatório (PARMAR,
1997).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Em estudos prévios com óleos voláteis da P.
amalago, P. mikanianum e P. xylosteoides, as amostras
de P. mikanianum e P. xylosteoides apresentaram um
potente efeito acaricida no teste de imersão larval
(FERRAZ et al., 2010). Devido ao baixo rendimento dos óleos essenciais, o objetivo deste trabalho é
avaliar o efeito acaricida do extrato metanólico das
folhas destas três espécies de Piper em larvas de carrapato, utilizando o teste de imersão larval descrito
por Ribeiro e colaboradores (2007) e analisar a sua
constituição fitoquímica.
MATERIAL E MÉTODOS
Material Vegetal
As partes aéreas de P. amalago, P. mikanianum
e P. xylosteoides foram coletadas em abril de 2008,
em Morro Reuter, Picada Café e São Francisco
de Paula, no estado do Rio Grande do Sul. O
material foi identificado pelo Prof. Dr. Sérgio
Bordignon. As espécies foram depositadas no
herbário de Universidade Luterana do Brasil
(HERULBRA) com os números 3123, 3125, e
3500, respectivamente.
Análise fitoquímica
As folhas de P. amalago, P. mikanianum e P.
xylosteoides foram analisadas através do screening
fitoquímico de acordo com a metodologia descrita
por Harborne (1998) e Simões et al. (2007). Estes
métodos consistem em reações colorimétricas para
a caracterização dos metabólitos secundários presentes no material vegetal, tais como: alcalóides
(Mayer, Bertrand e Dragendorff), antraquinonas
(reação de Borntraeger), cardiotônicos (Salko-
wsky, Keller-Killiani, Baljet), cumarinas (fluorescência em papel alcalinizado), flavonóides (reação
cianidina), taninos (teste da gelatina) e saponinas
(teste da espuma). Os resultados foram confirmados através da literatura e por cromatografia em
camada delgada em sílica gel, utilizando sistemas
eluentes e reveladores indicados por Wagner e
Bladt (1996).
Preparação e análise
cromatográfica do extrato
metanólico
Os extratos metanólicos foram obtidos por
maceração das folhas secas (3 x 24h) e trituradas
(1:10 – m/v). As amostras foram filtradas e concentradas sob pressão em evaporador rotatório. Para
análise cromatográfica os extratos foram aplicados
em placas de sílica para cromatografia de camada
delgada com sistemas eluentes pré-estabelecidos
por Wagner e Bladt (1996).
Preparação das amostras
Para o teste de imersão larval, os extratos
metanólicos foram dissolvidos e diluídos em
etanol, nas concentrações de 1%, 0,5%, 0,25%
e 0,0625%.
Preparação dos carrapatos
Fêmeas de R. (Boophilus) microplus em fase
posterior ao ingurgitamento, medindo aproximadamente 4,5mm foram coletadas de animais infestados, foram limpas com água e secas em papel toalha.
O peso médio dos carrapatos era de 0,30g. Essas
fêmeas foram incubadas em temperatura 27-28ºC
e 70-80% de umidade relativa até a ovoposição. A
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
67
partir destes ovos, foram obtidas as larvas para o
teste de imersão larval.
Teste de Imersão Larval
Os experimentos foram realizados com aproximadamente 100 ovos (0,005g) acondicionados
em envelopes de tecido TNT (1,0cm X 1,5cm). Os
envelopes foram incubados em temperatura de 2728ºC e 70-80% de umidade relativa por 14 dias, até a
eclosão dos ovos. Após mais 14 dias de incubação, os
envelopes contendo as larvas, foram submersos por 5
minutos em 10mL nas soluções teste. Etanol e água
foram utilizados como controles negativos. Após 1h,
para a evaporação do solvente, os envelopes foram
incubados em temperatura de 27-28ºC e 70-80% de
umidade relativa por 48h. Larvas (vivas e mortas)
foram contadas para avaliar o percentual de mortalidade. Os testes foram realizados em triplicata.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Através da análise fitoquímica das folhas das
três espécies de Piper detectou-se a presença de
flavonóides e alcalóides. Uma vez que não há
estudos fitoquímicos com estas espécies, torna-se
necessário buscar a ocorrência destas classes de
metabólitos secundários em outras plantas deste
gênero. Segundo trabalho de Quílez e colaboradores (2010) com as folhas de Piper carpunya, foram
identificados os flavonóides vitexina, isovitexina
e isoembigenina. Dessa mesma forma, Dragull
e colaboradores (2003) relatam a ocorrência
dos alcalóides 3α,4α-epoxi-5β-pipermetistina e
avaina nas folhas de Piper methysticum. A ausência
de antraquinonas, saponinas, taninos, cumarinas
68
determinada nos ensaios fitoquímicos também é
embasada na ausência de relatos destas classes
na literatura para o gênero Piper. A análise do
extrato metanólico por cromatografia em camada
delgada no sistema eluente hexano:tolueno (93:7)
com posterior nebulização de anisaldeído sulfúrico
como agente cromogênico indicou a presença de
produtos majoritários. Após o cálculo do fator
de retenção e consulta a literatura foi possível
constatar nos extratos metanólicos de P. xylosteoides e P. mikanianum a presença de safrol e apiol,
respectivamente.
O extrato metanólico de P. amalago não
apresentou atividade acaricida em nenhuma das
concentrações testadas (Tabela 1). Este resultado
corrobora com dados prévios que demonstraram
uma ineficiência do óleo essencial desta planta
frente às larvas R. (B.) microplus (FERRAZ et
al., 2010). Através de cromatografia gasosa
acoplada a espectrometria de massas (CG-EM),
foi possível identificar os compostos presentes
no óleo essencial de P. amalago. Os compostos
encontrados em maior quantidade foi uma mistura de monoterpenos, limoneno e β-felandreno
(20,52%) (FERRAZ et al., 2010). Cabe mencionar que para o limoneno, já foram descritas
atividades biológicas, como inseticida (PRATES
et al., 1998) e até mesmo acaricida (FERRARINI
et al., 2008). Entretanto, acredita-se que por
este produto estar em uma mistura e em baixa
concentração no óleo, não foi possível produzir
o efeito demonstrado no estudo anterior, no qual
sua toxicidade frente às larvas de R. (B.) microplus
foi encontrada nas concentrações de 10mg/mL
até 2,5mg/mL de limoneno puro (FERRARINI et
al., 2008). O extrato metanólico de P. xylosteoides
também não demonstrou atividade (Tabela 1),
diferenciando-se do resultado obtido no teste de
imersão larval com o óleo essencial extraído de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
suas folhas, onde apresentou atividade acaricida
nas concentrações de 1% que matou 97% das
larvas e na concentração de 0,5% matou 25%
das larvas. Na análise do óleo por CG-EM, o
composto majoritário encontrado foi o fenilpropanóide safrol que representou 47,80% da
mistura (FERRAZ et al., 2010). O safrol é um
composto que possui atividade inseticida relatada
em literatura (HUANG et al., 1999) entretanto
a analise cromatográfica indicou uma baixa concentração deste produto no extrato metanólico.
Os resultados obtidos no teste de imersão larval
com o extrato metanólico das folhas de P. mikanianum, demonstram eficácia nas concentrações
de 1%, 0,5% e 0,25% (Tabela 1). Observa-se que
nas concentrações mais altas, o extrato foi letal e
na concentração de 0,25% matou 60% das larvas.
No ensaio realizado com o óleo essencial, foi obtido o mesmo resultado nas concentrações mais
altas, porém na concentração de 0,25%, o óleo
matou 90% das larvas. Na análise por CG-EM do
óleo da P. mikanianum, o componente majoritário
encontrado foi o apiol, correspondendo a 64,90%
da constituição do óleo volátil (FERRAZ et al.,
2010). Estudos comprovam a atividade biológica
do apiol, onde uma delas é a interferência no
crescimento e na redução da fecundidade de
moscas adultas da espécie Parasarcophaga dux
(KHALAF, 2004).
Tabela 1 - Atividade acaricida do extrato metanólico de
Piper amalago, P mikanianum e P. xylosteoides em % de mortalidade.
Concentração/
Amostra
EMPa
EMPm
EMPx
1%
0,5%
0,25%
0,125%
0,0625%
0
100
0
0
100
0
0
0
60±10 13±3,53
0
0
0
3±2,08
0
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos neste trabalho demonstram que o extrato metanólico de Piper mikanianum
é um bom candidato para o desenvolvimento de
novos agentes acaricidas e seu efeito parece estar
relacionado à presença de apiol.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho teve o apoio financeiro da
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA e da
Fundação de Amparo a pesquisa do Rio Grande
do Sul (FAPERGS).
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
71
Estudo do perfil docente nos cursos de
odontologia da região Sul
lucas Preussler dos sanTos1
daniele sigal linhares1
TaliTa carniel2
carlos alBerTo Feldens3
vania regina caMargo FonTanella4
RESUMO
O estudo objetivou traçar o perfil do professor que atua nos cursos de Odontologia nos Estados da Região Sul
do Brasil. As instituições e seus professores foram identificados no Portal Sinaes e as variáveis relacionadas aos
docentes foram coletadas da Plataforma Lattes. O perfil observado para o professor nos cursos de Odontologia
da Região Sul é de cirurgiões-dentistas de ambos os sexos, com curso de especialização e mestrado, que atuam em
três disciplinas inseridas em dois dos ciclos de formação do curso e sem atuação na pós-graduação, com nenhum
a treze artigos publicados ao longo da carreira.
palavras-chave: Educação Superior, Odontologia, docentes.
ABSTRACT
This study aimed to identify the profile of Dental School Teachers in the South Region of Brazil. The institutions and teachers were identified through Portal Sinaes. The variables related to the teachers were collected from
1
2
Acadêmico do Curso de Odontologia/ULBRA Canoas – Bolsista PROICT/ULBRA
Acadêmica do Curso de Odontologia/ULBRA Canoas – Bolsista PIBIC CNPq/ULBRA
3
Professor do Curso de Odontologia/ULBRA Canoas
4
Professora – Orientadora do Curso de Odontologia/ULBRA
Canoas ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
73
the Plataforma Lattes. The observed profile for Dental School teachers in the South Region is a dentist of both
sex, with specialization and master degree. They are inserted in three programs of two formation cycles but not
in post-graduation programs, with none to 13 papers published along the career.
Keywords: Higher Education, Dentistry, Professor.
INTRODUÇÃO
O professor do ensino superior, historicamente,
teve como base a profissão paralela que exercia no
mundo do trabalho. A idéia de que se este profissional soubesse fazer também saberia ensinar deu
sustentação à lógica do recrutamento dos docentes
(CUNHA, 2004). Desta forma, nos cursos pioneiros de Odontologia no Brasil os professores eram
os profissionais bem sucedidos. Nos anos 1950 se
começou a constatar a necessidade de qualificação,
que culminou com a implementação dos cursos de
Pós-Graduação e as exigências de titulação para a
carreira universitária, obtidas em tais cursos e em
concursos públicos (CARVALHO, 2001)
Assim, a formação do professor de Odontologia no
Brasil tem se baseado fundamentalmente nos Programas de Pós-Graduação, de modo geral tecnicistas, cuja
racionalidade técnica é fundada na filosofia positivista,
caracterizada pela fragmentação do conhecimento por
especialidades (PÉRET; LIMA, 2003).
Em consonância com o conceito de que o ensino
superior caracteriza-se como processo de construção crítica do conhecimento para a transformação
da sociedade, as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) preconizam que os cursos de Odontologia
devem formar um cirurgião-dentista generalista,
humanista, crítico e reflexivo, para atuar em todos
os níveis de atenção em saúde, com base no rigor
técnico e científico.
A publicação das DCN introduziu nos cursos de
Odontologia a necessidade de re-conceituar o ensino
74
integrado, pois o modelo de clínicas por especialidades
estanques não mais contribui para o novo perfil do
profissional de odontologia. Neste novo paradigma
de integralidade, a definição do papel do professor necessita também passar por uma profunda reflexão.
Algumas temáticas são mais recorrentes nas preocupações dos docentes e, presumivelmente, são alvo
de seus enfoques técnicos, políticos e pedagógicos,
tais como possibilitar um sólido conhecimento básico
técnico da área de atuação do cirurgião-dentista,
reconhecer a integralidade do paciente, praticar a
interdisciplinaridade e compreender a realidade social e epidemiológica do paciente. Mais raros são os
questionamentos quanto à importância do processo
de formação do professor generalista.
Além disso, não existe um parâmetro definido
por qualquer entidade oficial no tocante a como
o preparo dos docentes pode contribuir para este
fim e os editais dos referidos concursos continuam
a exigir profissionais especialistas.
Raldi et al. (2003) observaram que as atitudes
do professor com os alunos, bem como o tipo de
material didático adotado e o tempo despendido nas
aulas teóricas podem tanto favorecer quanto prejudicar a aprendizagem nos cursos de Odontologia.
A titulação do professor, critério mais valorizado
pelas instituições, foi considerada importante por
uma pequena parcela dos alunos.
É unânime a valorização do papel do professor
como determinante da qualidade no processo ensino-aprendizagem. O professor media o currículo
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
e seus destinatários. O papel dos professores e do
sistema educativo não é influenciar as habilidades,
conhecimentos, atitudes e motivações de seus alunos, mas sim, facilitar a construção, por parte dos
alunos, de seus processos de formação.
A formação do professor de Odontologia deve
seguir a mesma linha das atuais DCN, pois estes são
importantes agentes para alcançar a transformação do
perfil profissional preconizado, ou seja, um cirurgiãodentista generalista, crítico, reflexivo e humanista. Ao
defrontar-se com um novo cenário institucional extremamente competitivo e com padrões de docência definidos pelo mercado de trabalho/governo, o professor
universitário tem, hoje, uma nova exigência.
Embora não tenha sido estabelecida relação direta
entre os resultados alcançados pelos alunos e a atuação
docente e não possa ser atribuída ao docente toda
a responsabilidade pela melhora do ensino, sabe-se
que nenhuma transformação nesse sentido pode ser
realizada sem a sua participação (TOLEDO, 2006).
Desta forma, o presente estudo objetivou traçar
o perfil do professor que atua nos cursos de Odontologia nos Estados da Região Sul do Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
As instituições que oferecem graduação em
Odontologia na Região Sul do país foram identificadas no Portal Sinaes e então coletados dados
referentes às seguintes variáveis: município, estado
e categoria administrativa da instituição. Ainda
por meio deste instrumento foi obtida a lista de
professores de cada curso. Foram então acessados
os currículos dos professores constantes na Base
Lattes, dos quais foram extraídas as seguintes
informações: sexo, titulação, tempo de formado,
tempo de docência, área de formação, atuação em
disciplinas dos diferentes ciclos do curso, orientações concluídas em programas de pós-graduação e
número de artigos publicados.
Os dados foram tabulados e são apresentados de
forma descritiva, na forma de médias, medianas e
valores mínimos e máximos.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Foram encontrados registros de 1.177 professores de Odontologia nas instituições da Região
Sul, os quais atuam em 31 cursos de 28 universidades: cinco federais, quatro estaduais e dezenove
privadas. Três instituições federais estão sediadas
no Rio Grande do Sul, uma em Santa Catarina e
outra no Paraná.
O maior numero de professores está no Paraná
(487 – 39%), seguido do Rio Grande do Sul (442
– 36%) e de Santa Catarina (25%), distribuídos em
14, 10 e 7 cursos, respectivamente (Figuras 1 e 2).
O número de professores por curso variou de cinco
(curso em implantação) a 85. Excluídos os quatro
cursos novos, a média encontrada foi de 44 ± 17
docentes por curso, com mediana de 39.
Figura 1 - Percentual de professores por estado.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
75
Figura 2 - Percentual de cursos por estado.
Quanto ao sexo, a distribuição foi homogênea
(55% masculino e 45% feminino – Figura 3). Do total
de professores, 86% têm formação em Odontologia
(Figura 4) e os demais em outras áreas. Estes atuam
em disciplinas do ciclo básico dos cursos. Uma parcela pequena de professores (2%) tem como titulação
máxima a graduação, 66% são especialistas, 81%
mestres e 45% doutores (Figura 5). Esta tendência
se observa de forma homogênea entre os estados.
Figura 5 - Titulação máxima dos docentes (em percentual).
O tempo de formado variou de 1 a 52 anos
(média 18 ± 9, mediana 17), e o tempo de docência
variou de 1 a 49 anos (média 12 ± 9, mediana 9).
Nos três estados se observa distribuição homogênea
entre professores iniciantes e com maior experiência
docente.
Cada professor participa em média de 3 ± 2
disciplinas (mediana 2), sendo que a maioria dos
docentes (65%) está inserida em disciplinas de dois
dos ciclos de formação, caracterizados como básico,
pré-clínico e clínico. Apenas 6% dos professores
atuam nos três ciclos (Figura 6).
Figura 3 - Percentual de docentes quanto ao sexo.
Figura 6 - Atuação docente nos diferentes ciclos de
formação do curso (em percentual).
Figura 4 - Percentual de docentes por área de graduação.
76
A experiência docente em cursos de pósgraduação foi aferida pelo número de orientações
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
concluídas. Encontrou-se que uma parcela considerável de docentes concluiu orientações em cursos
lato sensu (39%) e stricto sensu (21%). A média
de orientações concluídas por docente foi de 8 em
ambos os níveis.
REFERÊNCIAS
O número de artigos publicados apresenta ampla
variabilidade (0 a 196 publicações, com média de 11
± 18 e mediana de 4). Um quarto dos professores
publicou pelo menos 13 artigos ao longo da carreira
e 21% deles não publicaram nenhum.
CUNHA, M. I. Diferentes olhares sobre as práticas pedagógicas no ensino superior: a docência
e sua formação. educação, Porto Alegre, v. 54,
n. 3, p. 525-536, 2004.
CONCLUSÃO
Conclui-se que perfil do professor nos cursos
de Odontologia da Região Sul é de cirurgiõesdentistas de ambos os sexos, com curso de
especialização e mestrado, que atuam em três
disciplinas inseridas em dois dos ciclos de formação do curso e sem atuação na pós-graduação,
com nenhum a treze artigos publicados ao longo
da carreira.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
77
Estudo do polimorfismo TaqIB do gene
CETP em indivíduos dislipidêmicos
crisTiana alves MarTins1
carla d’avila de assuMPção2
Fernanda goularT lannes chula3
saBrina esTeves de MaTos alMeida4
Marilu FiegenBauM5
Maria lucia rosseTTi6
cláudia Maria dornelles da silva7
RESUMO
Dislipidemia é uma doença multifatorial causada pela interação entre fatores genéticos e ambientais. A
proteína Transferidora de Ésteres de Colesterol (CETP) participa de uma importante etapa da regulação do
metabolismo de lipídios, e o polimorfismo TaqIB do gene CETP tem sido associado a concentrações elevadas de
HDL. O presente estudo teve como objetivo investigar a interação entre o polimorfismo TaqIB no gene CETP e
as concentrações de lipídios em uma população de 119 pacientes dislipidêmicos do Sul do Brazil. O polimorfismo
TaqIB foi determinado através da técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) e a enzima de restrição TaqI.
Nenhuma relação entre os genótipos de CETP e parâmetros lipídicos foi observado. Esses achados demonstram
que a contribuição genética da dislipidemia é extremamente complexa.
palavras-chave: dislipidemia, polimorfismo, gene CETP, TaqIB, Brasil.
1
Acadêmico do Curso de Farmácia/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
2
Aluno de Pós-Graduação em Diagnóstico Genético e Molecular, Especialista em Diagnóstico Genético Molecular
3
Pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Estado
4
Professor do Curso de Biomedicina/FEEVALE
5
Professor do Curso de Farmácia/UFCSPA
6
Professor do Curso de Farmácia/ULBRA
7
Professor – Orientador do Curso de Biologia/ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
79
ABSTRACT
Dyslipidemia is a multifactorial disorder caused by an interaction between genetic and environmental factors.
Cholesterol ester transfer protein (CETP) plays an important role in the regulation of lipid metabolism, and
the TaqIB polymorphism of the CETP gene has been associated with elevated HDL concentrations. This study
was aimed to investigate the interaction between TaqIB polymorphism in the CETP gene and plasma lipids in
119 dyslipidemic patients from Southern Brazilian population. TaqIB polymorphisms were determined using the
Polymerase Chain Reaction (PCR) and the restriction enzyme Taq1. No relationship between CETP genotypes
and lipids parameters was observed. The findings demonstrate that the genetic contribution to dyslipidemia is
extremely complex.
Keywords: Dyslipidemia, polymorphism, CETP gene, TaqIB, Brazil.
INTRODUÇÃO
As alterações metabólicas nos níveis séricos
de lipídios circulantes do sangue são conhecidas
como dislipidemias e estão relacionadas com a
aterosclerose. Depósitos de lipídios desencadeiam
processos bioquímicos que formam placas ateroscleróticas no interior dos vasos arteriais, podendo
obstruir, parcial ou totalmente, um ou mais vasos
(YAMADA et al., 2007).
A variação dos níveis lipídicos é uma característica de etiologia multifatorial, determinada por
uma ampla gama de fatores ambientais e genéticos
(somatório de pequenos efeitos de vários genes). Variações em um grande número de genes envolvidos
na síntese de proteínas estruturais e enzimas relacionadas ao metabolismo de lipídios podem responder
por variações do perfil lipídico de cada indivíduo,
associadas às dislipidemias (ORDOVAS, 2006).
Assim sendo, qualquer gene que seja responsável pela produção de uma proteína envolvida
na rota metabólica de lipídios pode ser um “gene
candidato” para a investigação de determinantes
genéticos dos níveis lipídicos. O somatório das
variações genéticas com pequeno efeito em cada
um destes genes pode levar à modificação do perfil
80
lipídico de um indivíduo, predispondo à cardiopatia. Como estas variantes genéticas são bastante
freqüentes na população em geral (entre 1,0% a
80,0%), seu impacto é muito maior na saúde pública, quando comparadas com mutações de grande
efeito, mas que são muito mais raras. As variações
genéticas, quando freqüentemente encontradas na
população estudada, são chamadas de polimorfismos (ANDRADE; HUTZ, 2002).
A ocorrência de doenças cardiovasculares
(DCV) varia amplamente no mundo. De modo geral, a maior freqüência é encontrada em países ocidentais ou com estilo de vida ocidental. No Brasil,
as DCV são a primeira causa de morte por doença
não-transmissível, sendo que o Rio Grande do Sul
apresenta o maior índice em relação aos demais
estados do país (ATLAS SÓCIO-ECONÔMICO
RGS, 2006).
O gene CETP, codificador da Proteína Transferidora de Ésteres de colesterol, tem um papel central no
metabolismo do HDL por participar do mecanismo
de transporte reverso de colesterol. Dos vários polimorfismos estudados no gene CETP humano, o que
está associado à criação de um sítio de restrição pela
enzima TaqI, tem recebido atenção, sendo chamado
de polimofismo TaqIB. Vários estudos têm reportado
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
que o polimorfismo TaqIB, alelo B1, está associado com
níveis diminuídos de HDL e risco de DCV (KLERKX
et al., 2004; BOEKHOLDT et al., 2005; SVIRIDOV
& NESTEL, 2007). Ainda, tem sido demonstrado
que indivíduos com o genótipo B2B2 apresentaram
colesterol HDL mais elevado que os indivíduos com
o genótipo B1B1. Indivíduos com o genótipo B1B1
apresentam, portanto, um risco maior de desenvolver
DCV (BOEKHOLDT et al., 2005).
Novos estudos sobre o polimorfismo TaqIB do
gene da CETP com relação aos níveis lipídicos são
justificados pela necessidade de conhecimento de suas
interações nas diversas populações, inclusive no grupo
proposto por este trabalho, já que existem poucos
estudos com este polimorfismo no Brasil. No presente
estudo foram comparados apenas os dados genotípicos
do grupo de pacientes com níveis lipídicos.
plasma por métodos enzimáticos em indivíduos
com 12 horas em jejum. Colesterol Total (CT) foi
definido como normal (<200 mg/dL), moderado
(200-239 mg/dL) e alto (≥240 mg/dL). Para o
colesterol LDL (LDL-C), as seguintes variações
foram consideradas: normal (<130 mg/ dL),
moderada (130-159 mg/dL) e alta (≥160 mg/dL).
Para o colesterol HDL (HDL-C), as seguintes
variações foram consideradas: alta (>60 mg/
dL) e baixa (<40 mg/dL). Para os triglicerídeos
(TG): normal (<150 mg/dL), moderado (150 to
200 mg/dL) e alto (>200 mg/dL). Indivíduos que
apresentaram pelo menos uma desses níveis altos
foram considerados dislipidêmicos. O colesterol
LDL foi calculado de acordo com Friedewald
(1972).
Extração de DNA
MATERIAIS E MÉTODOS
Os DNAs foram extraídos a partir de sangue
total através da técnica descrita por Lahiri e Nurnberger (1991).
População do Estudo
Pacientes que buscaram atendimento no Ambulatório de Dislipidemia, sendo composta por 119
indivíduos dislipidêmicos. Todos os pacientes preencheram os critérios de elegibilidade e assinaram
o termo de consentimento livre e esclarecido para
participação do estudo. Dados clínicos, bioquímicos
e antropométricos dos pacientes foram obtidos.
Foram retirados 10 mL de sangue em condições estéreis para as análises moleculares e bioquímicas.
Dosagens Bioquímicas
Os níveis de colesterol total, HDL-colesterol,
LDL, VLDL e triglicerídios foram dosados no
Reação em Cadeia da
Polimerase (PCR)
As condições de amplificação do gene CETP
seguiram instruções segundo Carlquist et al.
(2003).
Detecção dos Fragmentos de
DNA Amplificados
Os fragmentos de DNA amplificados, com 535
pb, foram visualizados em luz ultravioleta após
eletroforese em gel de agarose e o tamanho dos
fragmentos avaliado com um marcador de peso
molecular.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
81
RESULTADOS
Genotipagem por PCR-RFLP
Os DNAs amplificados foram genotipados utilizando a enzima de restrição TaqI, segundo Carlquist
et al. (2003).
Análises Estatísticas
Teste de qui-quadrado ou exato de Fisher foi
utilizado para comparar as variáveis categóricas
com a presença ou não do desfecho (polimorfismo TaqIB). Teste t-Student ou não-paramétrico
correspondente foi utilizado para comparar as
variáveis contínuas com a presença ou não do
desfecho, com intervalo de confiança de 95%
e p < 0,05. As freqüências alélicas foram determinadas pela contagem direta dos alelos e o
equilíbrio de Hardy-Weinberg foi verificado por
meio do teste de qui-quadrado.
Dos 119 pacientes com dislipidemia, 54 eram homens e 65 mulheres. A média de idade foi de 61,8 (±
11.2) anos, sem diferenças estatísticas entre homens
e mulheres. Nenhuma diferença foi observada entre
homens e mulheres com relação aos níveis de CT,
LDL-C, HDL-C e TG. A distribuição dos genótipos
do polimorfismo TaqIB não mostrou significância
estatística comparadas com aquelas esperadas sob
o Equilíbrio de Hardy-Weinberg e nenhuma significância foi observada nas freqüências alélicas entre
os sexos (p=0,794). As freqüências encontradas do
alelo TaqIB B2 do gene CETP em homens e mulheres
foram 43% e 45,2%, respectivamente.
A Tabela 1 apresenta as médias ajustadas dos
níveis de lipídios de acordo com o polimorfismo
TaqIB. Nenhuma associação significante entre os
genótipos e os níveis de lipídios foi observada.
Tabela 1 - Associação dos genótipos do polimorfismo TaqIB com variáveis lipídicas.
CETP TaqIB
B1B1
B1B2
B2B2
P
n
TC
n
HDL-C
N
LDL-C
n
TG
30
50
16
240,6 ± 52,5
231,1 ± 50,1
244,1 ± 43,8
0,565
3
50
16
47,9 ± 8.3
46,2 ± 10,0
52,7 ± 10,7
0,074
29
42
12
152,9 ± 46,6
143,7 ± 51,2
150,8 ± 38,7
0,595
30
50
16
5,2 ± 0,5
5,35 ± 0,6
5,41 ± 0,7
0,477
No presente trabalho foi avaliado a influência
do polimorfismo TaqIB presente no gene CETP
em uma amostra de pacientes dislipidêmicos do
Rio Grande do Sul. Os genótipos obtidos foram
analisados quanto as suas possíveis influências sobre
os níveis lipídicos.
entretanto no presente estudo essas associações
não foram encontradas (KLERKX et al., 2004;
BOEKHOLDT et al., 2005; SVIRIDOV; NESTEL,
2007). Infere-se que esse resultado possa estar
relacionado ao pequeno número amostral, sendo
necessário, portanto, que futuros estudos sejam
realizados com um número amostral maior, além
da inclusão de um grupo controle.
Trabalhos com o gene CETP tem mostrado
associações importantes com níveis lipídicos,
Finalmente, os dados apresentados sugerem que
ainda existem vários obstáculos a serem superados
DISCUSSÃO
82
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
que incluem a real compreensão da dinâmica do
genoma humano em relação às doenças de origem
multifatorial.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
83
Detecção de DNA de Mycobacterium tuberculosis
em amostras de sangue total utilizando
o sistema FTa® card
carla rossana dos sanTos1
suelen angeli1
candice Michelon2
karen schMid2
Marcia susana nunes silva2,3
Maria lucia rosa rosseTTi2,4
RESUMO
A tuberculose (TB) acomete principalmente o pulmão, sendo o escarro a amostra de escolha para o diagnóstico.
Porém o mesmo é muitas vezes de difícil obtenção, além de ser muito infecto-contagioso e possuir necessidade
de transporte e armazenamento adequados. Além disso, o diagnóstico é baseado na baciloscopia, do qual apresenta pouca sensibilidade e na cultura que é muito demorada. Sendo assim, o presente trabalho visou analisar a
possibilidade de realizar o diagnóstico de TB através da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), com sangue
total fixado em FTA® card. Foram fixadas no cartão 20 amostras de sangue, sendo 10 de pacientes com TB
(5 HIV positivos e 5 HIV negativos) e 10 de pacientes sem a TB. Dos pacientes com TB, apenas uma amostra
não apresentou positividade e nas amostras analisadas de pacientes sem TB, todas foram negativas para o teste
realizado.
palavras-chave: Tuberculose, PCR, Mycobacterium tuberculosis, FTA® card, DNA.
1
Biomédica formada pela ULBRA
2
Pesquisadora do CDCT/FEPPS
3
Professora do Curso de Farmácia/ULBRA
4
Professora-orientadora do Curso de Farmácia e Biomedicina/ULBRA e PPG Genética e Toxicologia Aplicada/ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
85
ABSTRACT
Tuberculosis (TB) affects mainly the lungs, and the sputum is the sample of choice for diagnosis. However,
this sample is often difficult to obtain and contagious for transportation and storage. Besides, the diagnosis is
based on microscopy, which presents low sensitivity, and the culture is time-consuming. The aim of this study
was to perform the TB diagnosis, using PCR, with total blood fixed on FTA® card. Twenty blood samples were
used. Ten samples were from TB positive patients (5 positive and 5 negative for HIV) and 10 from TB negative
patients. Among the patients with TB, only one sample showed no positivity and samples from patients without
TB, all were negative for the test performed.
Keywords:Tuberculosis, PCR, Mycobacterium tuberculosis, FTA® card, DNA.
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é a doença crônica de
maior morbidade e mortalidade e continua sendo
um sério problema de saúde púbica, apesar da
disponibilidade de tratamentos eficazes. Brasil e
Peru juntos são responsáveis por 50% de todos os
casos de TB nas Américas, sendo que no Brasil, a
incidência da doença é de 44 casos por 100.000
habitantes (WHO, 2008). Normalmente a TB é
adquirida por inalação do bacilo, que se aloja no
pulmão, podendo disseminar-se para outros órgãos.
O bacilo é expelido pelo paciente com TB ativa
(fonte de infecção). Devido a isso o contato com
pessoas doentes em ambientes fechados pode provocar a disseminação da doença (ROSSETTI et al.,
2006). A TB manifesta-se clinicamente como uma
doença crônica ou subaguda, a qual afeta o pulmão
em aproximadamente 85% dos casos, também podendo manifestar-se em qualquer outro órgão (TB
extrapulmonar). Em pacientes infectados pelo HIV
o número de casos de TB extrapulmonar pode chegar a 40%. O risco anual de pessoas co-infectadas
com TB e HIV desenvolver TB pode exceder a 10%
(CORBET et al., 2003).
86
Os sintomas da TB consistem em febre, tosse seca
e contínua, perda ponderal, sudorese noturna, cansaço
excessivo. Nos casos de TB extrapulmonar, os sinais
e sintomas dependerão do órgão afetado. As localizações mais freqüentes são pleuras, linfonodos, sistema
nervoso central, rins e ossos (BATES, 1980).
No Brasil, o principal agente causal da TB é o
Mycobacterium tuberculosis, sendo raras as doenças
causadas por outras micobactérias, ao contrário dos
países desenvolvidos, onde complicações pulmonares são mais frequentes em decorrência de infecções
com essas micobactérias (ROSSETTI et al., 2006).
M. tuberculosis pertence à ordem Actinomycetales,
família Mycobacteriacea e é um dos componentes
do complexo M. tuberculosis, juntamente com o
Mycobacterium bovis, Mycobacterium bovis BCG,
Mycobacterium microti, Mycobacterium africanum,
Mycobacterium canettii, Mycobacterium caprae e
Mycobacterium pinnipedii que são identificados com
base em características fisiológicas, bioquímicas e de
crescimento (ARANAZ et al., 1999; CATALDI;
ROMANO, 2007). Os bacilos são resistentes a
agentes químicos, mas sensíveis a agentes físicos
como radiação ultravioleta e calor.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
As micobactérias são um grupo de bacilos que
resistem à descoloração por álcool-ácido, por possuírem uma parede celular constituída por ácidos
micólicos, que conferem resistência à descoloração.
São microorganismos de crescimento lento, devido
a uma constituição hidrofóbica da parede celular,
o que dificulta a entrada de nutrientes nas células
(OPLUSTIL et al., 2004).
O diagnóstico da TB, ainda é realizado, na maioria das vezes pela baciloscopia, que consiste na pesquisa do bacilo em esfregaços corados pelo método de
Ziehl Neelsen. Este método apesar de prático é pouco
sensível e específico. A cultura do bacilo também é
utilizada, mas apesar de mais sensível, demora até
2 meses para a obtenção de um crescimento. Além
disso, são poucos os locais que a realizam, uma vez
que o método é laborioso e requer cuidados especiais
com a biossegurança (BRASIL, 2008). Devido ao seu
poder infecto-contagioso, M. tuberculosis é considerado um microorganismo de classe de risco 3 (NB3)
e requer nível de biossegurança 4 (NB4) para a sua
manipulação (LEVY et al., 2004).
Na década de 1990 vários métodos moleculares
foram desenvolvidos para detecção direta e identificação do complexo M. tuberculosis em diversas
amostras clínicas. Esses métodos têm a vantagem
de diminuir o tempo na obtenção dos resultados,
tornando-os mais precisos para o diagnóstico
(OPLUSTIL et al., 2004).
A amostra utilizada para o diagnóstico de TB
pulmonar é geralmente o escarro, porém o mesmo
apresenta um alto poder infecto-contagioso e não
pode ser obtido de alguns pacientes. Nos casos
de tuberculose extrapulmonar, o material clínico
pesquisado é outro, e muitas vezes são obtidas de
forma invasiva como no caso de meningite tuberculosa. Por esses motivos, pesquisas com a utilização
de amostras com mais facilidade na sua obtenção,
tais como o sangue e urina são importantes para o
diagnóstico. Sendo assim, a detecção do DNA de
M. tuberculosis em amostras de sangue periférico
pode ser uma alternativa para o diagnóstico da TB
(TACI et al., 2003, REBOLLO et al., 2006).
Para manter a acurácia dos testes e a segurança técnica no diagnóstico, as amostras utilizadas
necessitam de transporte, armazenamento e
manuseio adequados e rigorosos. A utilização de
cartões comerciais para a conservação e transporte
de amostras de vários organismos vem sendo utilizadas com essa finalidade. (OWOR et al., 2007,
TACK et al., 2007, GRIMES et al., 2008, TORTOLI et al., 2008, WOLFGRAMM et al., 2009).
Os cartões FTA® Classic Cards possuem em suas
fibras componentes químicos capazes de eliminar
o poder infecto-contagioso dos microorganismos
por romperem as membranas celulares. O processo
de extração de DNA da amostra fixada no cartão
é realizado utilizando reagentes que purificam o
DNA retido nas suas fibras (WHATMAN, 2002).
Além disso, as amostras podem ser estocadas a
temperatura ambiente.
Devido aos problemas apresentados, como a
inespecificidade e pouca sensibilidade do diagnóstico tradicional, o alto poder infecto-contagioso da
amostra, bem como os cuidados excessivos requeridos no transporte, armazenamento e manipulação
da mesma, o presente trabalho teve como objetivo
verificar a possibilidade de obtenção de DNA de
M. tuberculosis a partir de sangue total fixado em
FTA® cards através da técnica de PCR.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas no estudo 20 amostras de
sangue total oriundas de um banco de amostras do
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
87
Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em
Saúde (CDCT/FEPPS). Destas, 10 de pacientes
sem TB, do qual foi usado como grupo controle, e
10 de pacientes com diagnóstico de TB através da
baciloscopia e/ou cultura de M. tuberculosis. Todos
os pacientes considerados positivos pelo diagnóstico tradicional, também apresentaram resultado
positivo pela técnica de PCR com DNA extraído
de escarro. Destas amostras dos pacientes com TB,
5 estavam co-infectados com HIV e 5 apenas com
TB. As amostras de pacientes sem TB mostraram
resultado negativo nos testes realizados.
As amostras depois de descongeladas em
temperatura ambiente foram agitadas em vórtex
e centrifugadas a 13000 rpm por 15 minutos com
a finalidade de concentrar a amostra. Em seguida,
o sobrenadante foi desprezado e o pellet ressuspendido com 30µL de TE 1x (10mMTris/1mM
EDTA, pH 8,0). Após, o material foi dotado no
cartão FTA® Classic Card, bem como um controle
negativo de extração (TE1x), um controle positivo
de extração utilizando a diluição de número 3 da
escala de Mac Farland de uma cultura da linhagem
H37RV de M. tuberculosis e um DNA purificado de
M. tuberculosis como controle de reação de PCR.
Este cartão ficou secando dentro de uma capela por
um período de 24h. Após a secagem dos cartões
foi dispensado o uso da capela, pois a estrutura
química do cartão propicia a quebra da parece
celular dos microorganismos, eliminando o seu
potencial infecto-contagioso. Foi então realizada a
extração de DNA segundo instruções do fabricante
do cartão, a fim de eliminar impurezas e DNases,
ficando apenas com o DNA retido nas fibras do
cartão (WHATMAN, 2002).
Após a extração as amostras foram submetida à
reação de PCR. Os primers utilizados foram INS-1
(5’-CGTGAGGGCATCGAGGTGGC) e INS-2
88
(5’-GCGTAGGCGTCGGTGACAAA), derivados
da seqüência de inserção IS6110 (HERMANS et
al. 1990) gerando um fragmento de 245 pb.
A enzima utilizada na reação foi a Platinum®
Taq DNA polimerase. Foram adicionados à reação
de PCR dois discos do cartão com 0,2 µm contendo
as amostras e os respectivos controles. Foram utilizados quatro controles, um negativo de extração, um
negativo de reação, um positivo de extração e um
positivo de extração, a fim de controlar a existência
de contaminação ou de inibição na técnica e a provável etapa em que ocorreram. As concentrações
de reagentes e condições de amplificação foram os
mesmos utilizados por Rossetti et al (1997).
Os produtos obtidos após reação de amplificação
foram submetidos à eletroforese em gel de agarose a
2%, corados com brometo de etídio e visualizados
em luz ultravioleta. Foram consideradas positivas as
amostras que apresentaram o fragmento de DNA
de 245 pb, correspondente à obtida nos controles
positivos de extração e de reação. Considerou-se
resultado negativo a ausência de visualização do
fragmento nas amostras.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Todos os procedimentos executados para
avaliar a possibilidade de obter DNA a partir de
amostras de sangue total de pacientes fixados em
cartão foram realizados também com os controles.
Os resultados obtidos após a PCR, permitiram
visualizar fragmentos de DNA correspondentes a
245 pb, conforme esperado e observado em ambos
os controles positivos utilizados (extração e reação). Os controles negativos (extração e reação)
mostraram-se livres de DNA de M. tuberculosis,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
uma vez que não apresentaram o fragmento de
245 pb. Dentre as reações de PCR realizadas com
as amostras dos 10 pacientes sem TB, nenhuma
apresentou resultado positivo, evidenciado pela
não visualização do fragmento de 245 pb. Já no
caso dos 10 pacientes com diagnóstico de TB foi
possível a visualização do fragmento de 245 pb em
todos os pacientes co-infectados por TB e HIV e,
dentre os pacientes sem co-infecção, apenas um
não apresentou tal fragmento.
A detecção do DNA de M. tuberculosis fixado
em cartões comerciais já havia sido descrita com
sucesso anteriormente, porém a mesma havia sido
realizada diretamente de DNAs obtidos de culturas (TORTOLLI et al., 2008) e não de amostras
clínicas, como realizado no presente trabalho. Os
resultados obtidos apesar de preliminares foram
bastante satisfatórios, uma vez que somente as
amostras de pacientes com TB foram positivas pela
técnica proposta. Apenas uma amostra de paciente
com TB não foi positiva. Resultados semelhantes
foram relatados por Rodrigues e colaboradores
(2002), onde os autores mostraram uma sensibilidade de 95% na amplificação de DNA extraído
de sangue total de pacientes com HIV. No nosso
estudo, todos os pacientes com diagnóstico de TB
tinham também uma amostra de escarro positiva
no diagnóstico por PCR e, apesar do número
amostral ser pequeno para uma comparação, já era
esperado que os resultados de PCR com amostras
de sangue não possuíssem a mesma eficiência que
os realizados com escarro. Vários autores relataram
esse fato utilizando PCR com diferentes técnicas
de extração e concluíram que, embora a detecção
de DNA de M. tuberculosis em amostras de sangue
total apresenta-se como uma alternativa à utilização do escarro, a sensibilidade é inferior (ROLFS et
al., 1995, CONDOS et al., 1996, AHMED et al.,
1998, TACI et al., 2003, REBOLLO et al., 2006).
Isso pode acontecer por vários motivos entre eles
a inibição da reação de PCR pela hemoglobina ou
quantidade insuficiente de DNA presente no sangue para servir como alvo na reação de amplificação
(SPERHACKE et al., 2004).
Os resultados obtidos neste trabalho demonstraram serem bastante específicos, pelo fato de não terem
ocorrido resultados falso positivos e todos os pacientes
sem TB apresentarem resultados negativos.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados obtidos nestes testes
iniciais com o protocolo padronizado utilizando o
sangue total de pacientes fixado no FTA® Classic
Card para a detecção por PCR de DNA de M. tuberculosis, é possível inferir que, apesar do número de
amostras ser baixo, a técnica apresentou resultados
satisfatórios quanto à extração de DNA e rapidez
para a detecção do M. tuberculosis. Também, é
provável que mesmo que a amplificação de DNA
por PCR a partir de sangue não seja tão eficiente
quanto à de outras amostras, ainda assim, pode ser
importante como exame complementar em casos
quando a amostra não é escarro, como no caso
de TB extrapulmonar, Para uma análise quanto a
acurácia na utilização de sangue como amostra para
o diagnóstico de TB e a possível influência da imunodepressão na detecção da doença, será necessário
que um número maior de amostras seja analisado e
comparado com o diagnóstico tradicional.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao CNPq, a ULBRA Canoas, ao
CDCT/FEPPS, que forneceram toda a estrutura
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
89
e fomento necessários para o desenvolvimento
deste trabalho e à Pró-Reitoria de Pesquisa e PósGraduação da ULBRA por possibilitar a divulgação
de nosso trabalho.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
91
Paracetamol induz radiossensibilidade na
linhagem celular derivada de glioma humano U-87
FeliPe uMPierre conTer1
luciana Brosina de leon2
TaTiane von Werne Baes2
FáBio dal Bello3
daniel PreTTo schuneMan4
aroldo Braga Filho5
andréa regner6
adriana Brondani da rocha6
ivana grivicich7
RESUMO
Neste estudo avaliamos o potencial radiossensibilizante do paracetamol e a participação da enzima Glutationa
Peroxidase (GPx) na linhagem celular de glioma humano U-87. Após radiação com 5 Gy, a linhagem U-87 apresentou redução na fração de sobrevivência, quando comparada ao controle. A combinação do paracetamol (0,5
mM) com a radiação ionizante (2 Gy) demonstrou redução no número de colônias formadas, quando comparado
com a radiação isolada. Após exposição a 2 Gy de radiação, observamos um aumento de 40% na atividade da
GPx na linhagem U87. Por outro lado, a exposição ao paracetamol (0,5 mM) não alterou os níveis basais desta
1
Acadêmico do Curso de Biomedicina/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
5
Médico, Serviço de Radioterapia do Hospital São Lucas da
PUCRS
2
Acadêmica do Curso de Medicina/ULBRA
6
3
Mestre em Diagnóstico Genético e Molecular (ULBRA);
Professor da Feevale
Professora do Curso de Medicina/ULBRA, PPG em Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA, PPG em Genética e
Toxicologia Aplicada/ULBRA
4
Mestre em Diagnóstico Genético e Molecular (ULBRA);
Médico do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre
7
Professora – Orientadora do Curso de Biomedicina/ULBRA, PPG
em Diagnóstico Genético e Molecular/ULBRA, PPG em Genética
e Toxicologia Aplicada/ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
93
enzima. Nossos resultados indicam que o paracetamol aumenta a sensibilidade à radiação na linhagem celular
U-87, mas a GPx não está ligada a este efeito.
palavras-chave: glioma humano, paracetamol, radiação ionizante, radiossensibilidade.
ABSTRACT
In this study, we evaluated the potential of the radio sensitizing paracetamol and participation of the enzyme
GPx in the results observed in the U-87 human glioma cell line. After a 5 Gy irradiation, the U-87 cell line
showed a decrease in survival fraction when compared to control. The effect of the combination of paracetamol
(0.5 mM) with irradiation (2 Gy) presented a reduction in the number of colonies formed when compared with
radiation itself. We observed an increase of approximately 40% in the activity of GPx in the U-87 cell line after
an exposure to a 2 Gy irradiation. However, exposure to paracetamol (0.5mM) did not change the basal levels
of this enzyme. Our results indicate that paracetamol increases the sensitivity to radiation in the U-87 cell line
but the GPx is not related to this effect.
Keywords: human glioma, paracetamol, ionizing radiation, radiosensitivity.
INTRODUÇÃO
Os tumores do sistema nervoso central (SNC)
correspondem a 4% do total das neoplasias malignas no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE.
INSTITUTO NACIONAL DO CâNCER;
INCA, 2010). Desses, os gliomas representam 60
a 70% dos casos (WEN; KESARI 2008). A sua
incidência aumenta de acordo com a idade com
um pico entre 65 e 75 anos, onde há o predomínio
das espécies mais agressivas de gliomas, particularmente os astrocitomas malignos (NEWTON,
2008). Entre estes, o Glioblastoma Multiforme
(GBM) representa 25 % de todas as neoplasias
do SNC (BRANDES et al., 2008). A Organização
Mundial da Saúde classifica os astrocitomas em
quatro estágios, baseando-se em características
patológicas. O GBM, por apresentar uma proliferação celular e microvascular incontroláveis,
áreas de necrose tecidual e infiltração dos tecidos
94
adjacentes, é classificado como grau IV (FULLER;
SCHEITHAUER, 2007).
A patogênese do GBM apresenta diversas mutações em genes supressores tumorais e em protooncogenes que ocasionam alterações no ciclo e
na diferenciação celular, favorecendo a formação
das células tumorais (MILLER; PERRY, 2007). Os
sinais e sintomas dos pacientes com GBM incluem
cefaléia, náusea ou vômitos, e alterações no nível
de consciência (ADAMSON et al., 2009).
A ressecção cirúrgica máxima, seguida pela radioterapia, é o tratamento padrão para estes pacientes
(DEANGELIS, 2001). A quimioterapia adjuvante
pode aumentar em um a três meses a sobrevida mediana, porém, a maioria dos pacientes com GBM sofre
recidiva da doença após a terapia inicial (STEWART,
2002). A quimioterapia paliativa é comumente usada
no tratamento desses pacientes, mas os únicos resul-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
tados promissores foram observados com a associação
da radioterapia com o quimioterápico temozolamida
(STUPP et al., 2005). Assim, a radioterapia é o principal tratamento adjuvante no GBM, entretanto as
respostas terapêuticas são freqüentemente acompanhadas por radiorresistência tumoral (PETERSEN
et al., 2000; HUSSAINI et al., 2002). Está bem
documentado que a radiorresistência é um dos fatores
associados à redução da eficácia do tratamento em
GBMs (ROCHA et al., 2004).
Estudos evidenciaram que as espécies reativas
de oxigênio (EROs) propiciam a ação da radiação
ionizante e sua produção no meio intracelular auxilia a lesão e a morte celular em GBMs (LEE et al.,
2002). As lesões oxidativas ocorrem pelo desequilíbrio entre a produção de radicais livres de oxigênio
e os efeitos de enzimas antioxidantes, como a glutationa peroxidase (GPx). Estas enzimas também
são conhecidas como fatores de radiorresistência e
quimiorresistência (FREEMAN; CRAPO, 1982). A
GPx é uma seleno-enzima, cuja ação é baseada na
oxidação da glutationa (GSH), ao dissulfeto correspondente (GSSH) (SALVADOR; HENRIQUES,
2004). A Glutationa é responsável pela degradação
do peróxido de hidrogênio em água, protegendo
as células contra a formação do radical hidroxila
(WOZNIAK et al., 2007). Em células tumorais,
um fator importante no tratamento radioterápico
é a ação diminuída desta enzima, permitindo que
as EROs sensibilizem as células tumorais à radiação
ionizante a promovam a morte celular (TANRIVERDI et al., 2007). Entretanto, a participação
da GPx na radiorresistência apresenta achados
conflitantes que indicam que este efeito depende
do tipo celular (MANSUR et al., 2001).
O paracetamol é um medicamento amplamente
utilizado como analgésico, antipirético e antiinflamatório (BERTOLINI et al., 2006). Este, tem como
mecanismo de ação a inibição da síntese de prostaglandinas através da inibição da enzima ciclooxigenase (COX) (SMITH, DEWITT; GARAVITO,
2000). Foi demonstrado que o paracetamol reduz
a proliferação em linhagens celulares de glioblastomas (JOKI et al., 2000; BERNARDI et al., 2006),
porém o mecanismo envolvido não está elucidado.
Um estudo sugere que o paracetamol poderia causar
radiossensibilização através da inibição da síntese de
prostanóides pela COX, reduzindo o crescimento
tumoral e aumentando o número de células em
apoptose (BERTOLINI et al., 2006).
A radiossensibilidade celular há muito tempo
tem sido foco de investigação, devido sua influência nos resultado da terapia. Estudos anteriores
mostram que a intrínseca radiossensibilidade das
células tumorais é um importante determinante
para a resposta à radioterapia. Entre as estratégias
de aumentar a sensibilidade do tumor à radioterapia
está a associação com medicamentos. Considerando a limitada resposta aos tratamentos dos GBMs,
faz-se necessária à investigação de novas estratégias
terapêuticas. Neste sentido, este estudo tem por
objetivos investigar o potencial radiossensibilizante
do paracetamol e avaliar a participação da enzima
glutationa peroxidase (GPx) na resposta ao tratamento com radiação ionizante, na presença e
ausência do paracetamol na linhagem celular de
glioblastoma humano U-87.
MATERIAL E MÉTODOS
Linhagem Celular e Manutenção
das Culturas
A linhagem celular de glioblastoma humano
U-87 foi adquirida da American Type Culture Col-
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95
lection (Rockville, MD, EUA) e mantida em frascos
de cultura de 25 cm2 com meio de cultura DMEM
contendo 2% de L-glutamina (p/v) e 15% de soro
fetal bovino (v/v), a 37 ºC em atmosfera de 5% de
CO2 e umidade relativa de 95%.
Avaliação da Toxicidade do
Paracetamol
Culturas em triplicatas foram expostas ao paracetamol diluído em etanol (concentração máxima
1%) com doses variando de 0 - 10 mM (CASPER et
al., 2000). A dose de IC50 (concentração que inibe
50% do crescimento celular) do paracetamol foi
utilizada associada ao tratamento com radiação.
As respostas celulares ao tratamento com o
paracetamol foram avaliadas através de ensaio colorimétrico com sulforodamina B (SRB) (SKEHAN;
STORENG; SCUDIERO, 1990). Após 24 h de
tratamento, as células foram fixadas in situ com
ácido tricloroacético (TCA; 50%). O TCA foi removido com água destilada, e após serem secas, as
células foram coradas com solução de SRB (0,4%).
A seguir, o excesso de SRB foi removido com acido
acético (1%), e o SRB ligado às proteínas foi solubilizado com Trizma base (10 mM; pH 10.5). Cada
experimento incluiu um controle contendo meio de
cultura ou meio de cultura com paracetamol e sem
células, e células que não recebem paracetamol para
servir de controle do crescimento celular. As absorvâncias foram quantificadas em comprimento de
onda de 540 nm, usando um leitor de microplacas
Elisa (Multiskan EX, Labsystems, Finlândia).
Avaliação do Efeito da Radiação
A linhagem celular U-87 foi exposta a doses
de 2, 5 e 10 Gy de radiação ionizante, isolada ou
96
associada ao paracetamol. Tal procedimento foi realizado em acelerador linear Telecobalto Theratron
Phoenix Philips SR 7510 (Eindhoven, Holanda),
no Serviço de Radioterapia do Hospital São Lucas
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS).
Para avaliar o efeito tardio da radiação (PETERSEN et al., 2000), as células foram irradiadas
na presença ou ausência do paracetamol. Após
tratamento, 400 células/2mL foram inoculadas em
placas de 6 well, em triplicata e incubadas por 14
dias. A seguir, as células foram fixadas com etanol
70% e coradas com violeta cristal (0,1%). Apenas
as colônias contendo 50 ou mais células foram
contadas sob um microscópio óptico. A fração de
sobrevivência (FS) foi calculada como: FS = T/C
x 100; onde: T = número de colônias após tratamento e C = número de colônias nos controles
não tratados.
Determinação da Atividade da
Glutationa Peroxidase
As células foram irradiadas na presença ou ausência do paracetamol, ou expostas ao paracetamol
isolado, removidas dos frascos de cultura, lavadas
com PBS, sonicadas em gelo e centrifugadas. O
sobrenadante foi coletado e uma alíquota utilizada para dosar proteína pelo método de Bradford
(BRADFORD, 1976). A atividade da GPx foi
quantificada com base no consumo do NADPH
oxidado (LAWRENCE; BURK, 1976). O pellet
resultante foi incubado em solução de EDTA,
NaN3, glutationa, glutationa redutase, por 10 min.
Após a adição de H2O2, a oxidação do NADPH foi
mensurada em espectrofotômetro em comprimento
de onda de 340 nm por 3 min em intervalos de 20
seg. Uma unidade da GPx é definida como a quantidade de proteína necessária para oxidar 1 µmol
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
de NAPH por min. Os resultados foram expressos
em mU de GPx por mg de proteína.
Análise Estatística
Os resultados foram apresentados como media ±
desvio padrão de três experimentos individuais. A
análise de variância seguida de pós-teste de Tukey
foi realizada, e as diferenças foram consideradas
significativas para valores de p < 0,05.
O paracetamol foi avaliado quanto ao seu efeito
antiproliferativo após 24 h de exposição à droga.
Como demonstrado na Figura 1, o paracetamol
apresentou uma citotoxicidade dependente da
dose, sendo o valor de IC50 (dose necessária para
inibir 50% do crescimento celular) foi de 1,5 ± 0,2
mM. Estes achados estão de acordo com estudos anteriores que demonstraram inibição no crescimento
celular nas linhagens celulares de glioblastomas
humanos SNB-19 e U-138 com doses próximas
a 1 mM de paracetamol após 24 h de tratamento
(CASPER et al., 2000; BERNARDI et al., 2006).
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Apesar do aprimoramento nas técnicas cirúrgicas e dos tratamentos empregando a quimioterapia
e a radioterapia, o prognóstico dos pacientes com
GBM ainda é ruim, pois estes tumores desenvolvem
mecanismos de resistência (BUTOWSKI; SNEED;
CHANG, 2006; REARDON; WEN, 2006). Ainda
hoje, a radioterapia é o principal tratamento pósoperatório para os GBMs (BOGLER e WELLER,
2002). É amplamente aceito que a radiorresistência
intrínseca de alguns tumores é um fator limitante
da resposta ao tratamento radioterápico (SNEED
et al., 1994). Sabe-se que as espécies reativas de
oxigênio estão implicadas na carcinogênese, particularmente na indução de morte celular (ZHONG
et al., 1999). Por esse motivo as células se defendem,
produzindo enzimas, como a glutationa peroxidase,
que degradam essas substâncias, (ROSEN et al.,
1995). Diversos trabalhos têm buscado melhorar as
respostas terapêuticas, atuando principalmente na
sensibilização dos tratamentos já existentes. Neste
estudo investigamos a capacidade do paracetamol
em radiossensibilizar a linhagem celular de glioma
humano U-87, bem como a participação da enzima
glutationa peroxidase nas respostas obtidas.
Figura 1 - Efeito do tratamento com paracetamol (1 - 10
mM) na linhagem celular derivada de glioma humano U-87. Os valores representam
valores de média e desvio padrão obtidos
de 3 experimentos independentes.
Considerando que muitos dos danos celulares
desencadeados pela radiação podem ser reparados,
a determinação das conseqüências a longo prazo
sobre o crescimento do tumor é fundamental (HILL
et al., 2004). Com esta finalidade, o efeito tardio da
radiação nos cultivos celulares foi avaliado pelo ensaio
de formação de colônias 14 dias da irradiação. Para
isto as células foram irradiadas com 2, 5 ou 10 Gy e
posteriormente, inoculadas em placas de cultivo. As
frações de sobrevivência foram calculadas e os resul-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
97
tados mostraram que 2 Gy de irradiação não alterou
significativamente a formação de colônias na U-87.
Porém, após radiação com 5 Gy, a linhagem celular
U-87 apresentou uma diminuição de cerca de 35%
na fração de sobrevivência, quando comparada ao
controle. E a dose de 10 Gy reduziu a fração de sobrevivência em aproximadamente 92% (Figura 2).
radiação, as células foram tratadas com uma dose
sub-letal de paracetamol (0,5 mM) por 4 h e a seguir
irradiadas com 2 Gy (dose que apresentou pouco
efeito na linhagem U-87). Após os tratamentos
as células foram avaliadas quanto a formação de
colônias depois de 14 dias. Os resultados são apresentados na Figura3.
*,**
*
*
Figura 2 - Fração de sobrevivência da linhagem celular
derivada de glioma humano U-87 irradiada
com 2, 5 ou 10 Gy. Os valores representam
valores de média e desvio padrão obtidos de
3 experimentos independentes. Os dados
são apresentados como fração de sobrevivência obtida a partir da razão do número de
colônias irradiadas pelo número de colônias
controle, expresso em percentual. *Valor
considerado significativamente diferente do
controle p < 0,05.
De um modo geral, é possível dizer que a linhagem U-87 é sensível aos danos induzidos pela
radiação, visto que ela demonstrou inibição de
crescimento dependente da dose de radiação administrada (Figura 2). De fato, estudos anteriores
(ZÖLZER; STREFFER, 2002; KANG et al., 2007)
verificaram que a radiação induz uma redução no
potencial clonogênico em diversas linhagens celulares de GBM, incluindo a U-87.
Com o objetivo de determinar se o paracetamol
poderia sensibilizar a linhagem U-87 ao efeito da
98
Figura 3 - Fração de sobrevivência da linhagem celular
derivada de glioma humano U87 tratada
com com 2 Gy de radiação (rad), 0,5 mM
de paracetamol (para) ou com 0,5 mM de
paracetamol por 4 h e após irradiadas com
2 Gy (para+rad). Os valores representam
valores de média e desvio padrão obtidos de
3 experimentos independentes. Os dados são
apresentados como fração de sobrevivência
obtido a partir da razão do número de colônias
tratadas pelo número de colônias controle,
expresso em percentual. *Valor considerado
significativamente diferente das células não
tratadas p < 0,01. **Valor considerado significativamente diferente das células tratadas
com radiação sozinha p < 0,05.
Nestas condições (0,5 mM), o paracetamol isolado não demonstrou efeito citotóxico. Isto resultou
na ausência de diferença significativa no número
de colônias formadas após o tratamento com paracetamol (90% ± 10,4) quando comparado com as
células não tratadas (98% ± 11,1). Estes resultados
estão de acordo com Casper et al., (2000) que também não observaram toxicidade do paracetamol na
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
formação de colônias. Mais recentemente, em um
estudo na linhagem de glioblastoma humano U-87,
com outro antiinflamatório não esteroidal, o celecoxib, também não apresentou redução na formação
de colônias (KANG et al., 2007). Por outro lado,
o efeito da combinação do paracetamol (0,5 mM)
com a radiação (2 Gy) demonstrou uma redução
de 20% (p<0,05) no número de colônias formadas,
quando comparado com a radiação isolada (Figura
3), sugerindo um aumento de radiossensibilidade.
Nossos resultados estão de acordo com Casper et
al. (2000), que demonstrou que o paracetamol aumentou a radiossensibilidade da linhagem celular de
glioblastoma humano SNB-19 em 40%. Em outro
estudo, o antiinflamatório não esteroidal SC-236,
aaumentou a radiossensibilidade da linhagem celular de glioblastoma humano U-251 (PETERSEN
et al., 2000).
Tem sido demonstrado que o paracetamol pode
induzir fragmentação no DNA (SHENOY; GOPALAKRISHNA, 1977). Além disso, a radiação
ionizante causa lesões no DNA de forma direta ou
indireta através da formação de radicais livres (LI et
al., 2001). A remoção de parte das EROs pela GPx
foi proposta como uma das formas de resistência à
radiação em linhagens celulares humanas (MARKLUND et al., 1984). Neste sentido avaliamos
se a GPx estava envolvida na radiossensilização
da linhagem U-87. A linhagem celular U-87 apresentou atividade basal de GPx de 20 ± 3,3 mU/
mg proteína. Após exposição a 2 Gy de radiação,
observamos um aumento de aproximadamente 40%
na atividade da GPx. Por outro lado a exposição ao
paracetamol (0,5 mM) não alterou os níveis basais
desta enzima na linhagem estudada (Figura 4). Da
mesma forma, a combinação do paracetamol com
radiação não alterou a atividade da GPx quando
comparado com o efeito da radiação isolada (Figura
4). Estes achados indicam que o paracetamol não
interfere na atividade da GPx nas nossas condições
de estudo.
*
*
Figura 4 - Atividade da enzima glutationa peroxidase
na linhagem celular derivada de glioma
humano U87 tratada com 2 Gy de radiação
(rad), 0,5 mM de paracetamol (para) ou
com 0,5 mM de paracetamol por 4 h e após
irradiadas com 2 Gy (para + rad), após 24
h. Os valores representam valores de média
e desvio padrão obtidos de 3 experimentos
independentes. Os dados são apresentados
como mU da GPx/mg de proteína. *Valor
considerado significativamente diferente
das células não tratadas p < 0,05.
CONCLUSÃO
Em síntese nossos dados indicam que o paracetamol aumenta a radiossensibilidade à radiação na
linhagem celular derivada de glioblastoma humano
U-87. Porém, este efeito não parece estar associado
com a atividade da enzima glutationa peroxidase.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Ciências Exatas e da Terra
Análise computacional da interação da isoniazida
com as formas selvagem (wt) e mutante (G68R) da
n-acetiltransferase de Mycobacterium tuberculosis
Janaína Menezes Perez1
ricardo MarTins raMos2
Millene Borges coelho3
Maria lúcia rosseTTi4
herMes luis neuBauer de aMoriM5
RESUMO
A tuberculose (TB) é a principal causa de morte no mundo por um agente infeccioso. A forma mais comum
de tratamento da tuberculose é com o fármaco isoniazida (INH). Estudos recentes têm sugerido que a acetilação da INH pela N-acetiltransferase de Mycobacterium tuberculosis (TBNAT) possa ser uma possível causa
de inativação do fármaco resultando, assim, em cepas resistentes. Neste trabalho, métodos de modelagem por
homologia, docking e de simulações por dinâmica molecular foram utilizados para avaliar o efeito da mutação
G68R na interação da TBNAT com a INH. Os resultados obtidos sugerem que mutações pontuais na TBNAT
podem originar resistência do bacilo TB ao fármaco.
palavras-chave: Mycobacterium tuberculosis, isoniazida, arilamina N-acetiltransferase, modelagem por
homologia, docking.
1
Acadêmica do Curso de Química Industrial/ULBRA
4
2
Professor do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do
Piauí; Doutorando pelo PPG em Genética e Toxicologia
Aplicada (PPGGTA)/ULBRA
Professora do Curso de Farmácia e do PPG em Genética e
Toxicologia Aplicada (PPGGTA) ULBRA
5
Professor-orientador do Curso de Química e do PPG
em Genética e Toxicologia Aplicada (PPGGTA)/ULBRA
([email protected])
3
Doutoranda pelo PPG em Genética e Toxicologia Aplicada
(PPGGTA)/ULBRA
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
105
ABSTRACT
Tuberculosis (TB) is the leading cause of death in the world from a bacterial infectious disease. The most
common form of treatment of TB is with the drug isoniazid (INH). Recent studies have suggested that acetylation of INH by N-acetyltransferase from Mycobacterium tuberculosis (TBNAT) may be a possible cause of
inactivation of the drug, thus resulting in resistant strains. In this work, methods of homology modeling, docking
and molecular dynamics simulations were used to evaluate the effect of G68R mutation on the interaction of
TBNAT with INH. The results suggest that mutations in TBNAT can be one of the causes of drug resistance
of tuberculosis bacilli.
Keywords: Mycobacterium tuberculosis, isoniazid, arilamine N-acetyltransferase, homology modeling,
docking.
INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma das doenças infecciosas que mais mortes têm causado em todo mundo
(SOINI; MUSSER, 2001; ROSSETTI et al., 2002;
WADE; ZHANG, 2004), sendo responsável por
mais de 9 milhões de novos casos/ano e cerca de 2
milhões de mortes/ano (WHO, 2007). A tuberculose
apresenta incidência global, apresentando uma taxa
de crescimento de 0,4% ao ano (MACEDO et al.,
2009). O Brasil apresenta o mais elevado número
de casos da América Latina, sendo o sexto país do
mundo com maior incidência da doença (ROSSETTI et al., 2002). A situação da tuberculose se tornou
ainda mais preocupante com propagação do vírus
HIV em todo mundo, já que ele é capaz de debilitar
o sistema imunológico do hospedeiro, permitindo a
reativação do bacilo TB do estado latente, tornando a pessoa mais suscetível à reinfecção (ZHANG,
2004; CORBETTE et al., 2003). O ressurgimento
acelerado da tuberculose, juntamente com a pandemia do HIV, ameaça o controle da doença e destaca
necessidade de desenvolver fármacos novos e mais
eficazes (ZHANG, 2004).
Desde sua introdução em 1952 (SANDY et
al., 2004; ZHANG, 2004), a isoniazida (INH) se
106
tornou uma dos pró-fármacos de linha de frente no
tratamento da tuberculose (MDLULI et al., 1998;
SANDY et al., 2004). Apesar da simplicidade em
sua estrutura química, o modo de ação desse prófármaco é complexo. A INH necessita da ativação
pela catalase-peroxidase, codificada pelo gene KatG,
para formar um composto ativo que possui efeito
letal em alvos intracelulares (MDLULI et al., 1998).
Baseado em experimentos in vitro, foi proposto que
a ativação da isoniazida gera um alto número de
espécies reativas, capazes de oxidar e acetilar grupos
de proteínas (SOMOSKOVI et al., 2001). A INH
representou um marco importante na quimioterapia
da TB, pois se caracteriza por ser um fármaco altamente ativo e barato (ZHANG, 2004).
Resistência do bacilo TB à
isoniazida
Situações como o abandono ou tratamento inadequado são apontadas como as causas principais
para o surgimento de linhagens de Mycobacterium
tuberculosis resistentes a um ou mais fármacos
(ROSSETTI et al., 2002; ZHANG, 2004). A
resistência ao fármaco isoniaziada foi observada
logo após sua introdução (ESPINAL, 2003). O
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
mecanismo pelo qual ocorre resistência à INH tem
sido atribuído a mutações individuais em inúmeros
genes, como: katG, que codifica para a enzima
catalase-peroxidade (KatG), inhA, que codifica
para a enzima 2-trans-enoil-ACP (CoA) redutase
(InhA), uma enzima envolvida na síntese dos
ácidos micólicos (MACEDO et al., 2009), e kasA,
gene que codifica para a β-cetoacil ACP sintase
(ROSSETTI, et al., 2002; MACEDO et al., 2009).
Vários estudos têm mostrado que as mutações no
gene katG são os principais causadores da resistência (MDLULI, K.,1998). Algumas mutações
em katG reduzem em 50% a atividade da enzima
catalase-peroxidade, diminuindo a capacidade de
ativação da INH. Outro gene muito freqüente na
resistência é o inhA. Estudos estimam que mutações
no gene inhA sejam responsáveis por aproximadamente 25% dos casos envolvendo resistência.
Arilamina N-acetiltransferases
(NATs) como possível origem de
resistência
Além dos mecanismos de resistência mencionados anteriormente, alguns autores têm levantado a
hipótese que a enzima arilamina N-acetiltransferase
de M. tuberculosis (TBNAT) possa estar envolvida na resistência ao fármaco INH (PAYTON
et al., 2001; BROOKE et al., 2003). Arilaminas
N-acetitransferases (NATs) são enzimas citosólicas (SUZUKI et al., 2007; SIM et al., 2008) que
desempenham importante papel na destoxificação
e ativação metabólica de xenobióticos (LIMA; DUPRET, 2002). Estudos têm indicado que a NAT M.
tuberculosis é capaz de acetilar a INH, representando uma via adicional do metabolismo do fármaco
(UPTON et al., 2001). Neste caso, a acetilação
da INH pela NAT de M. tuberculosis tornaria a
droga terapeuticamente inativa (UPTON et al.,
2001; SANDY et al., 2004). Estudos indicam que
o derivado acetilado da isoniazida possui atividade
100 vezes menor in vivo e 500 vezes menor in vitro
contra a bactéria TB (UPTON et al., 2001).
Neste sentido, a compreensão dos mecanismos
moleculares envolvidos no desdobramento da resistência serve de auxílio para o desenvolvimento
de alternativas terapêuticas visando a redução de
linhagens resistentes circulantes, trazendo grandes
benefícios à saúde pública (ROSSETTI et al.,
2002).
Este trabalho teve como objetivo empregar
métodos computacionais no estudo da interação do
fármaco isoniazida (INH) com isoformas da enzima
N-acetiltransferase de Mycobacterium tuberculosis
(TBNAT). Correlacionar os dados obtidos com o
mecanismo de resistência de certas cepas do bacilo
TB ao fármaco INH.
MATERIAL E MÉTODOS
Modelagem por homologia
Modelos estruturais da TBNAT H37Rv e da
TBNAT G68R foram gerados por modelagem por
homologia com o emprego do programa MODELLER 9v7. A primeira etapa consistiu em procurar
proteínas homólogas para TBNAT do M. tuberculosis H37rv (sequência de aminoácidos com código de
acesso YP_177989 na base NCBI) cujas estruturas
experimentais encontram-se disponíveis no Protein
Data Bank. Foram escolhidas duas estruturas molde, NAT de M. Marinum (MMNAT), código PDB
2VFB (2,0 Å de resolução, 76% de identidade de
sequência), e NAT de M. Smegmatis (SMNAT),
código PDB 1W6F (2,1 Å de resolução, 61% de
identidade de sequência). A sequência da isoforma
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
107
mutante G68R foi obtida a partir da alteração da
posição do aminoácido glicina (G) na posição 68
por uma argina (R) no arquivo FASTA da forma
selvagem. Foram gerados 100 modelos independentes para cada TBNAT, sendo escolhido o modelo
que apresentou valor mais negativo para a função
de energia DOPE.
Dinâmica molecular
das enzimas livres
Duas simulações por dinâmica molecular (DM)
foram realizadas usando como ponto de partida
as coordenadas atômicas dos melhores modelos
obtidos por modelagem por homologia para: a) arilamina N-acetiltransferase selvagem; b) arilamina
N-acetiltransferase mutante (G68R). As simulações de DM foram realizadas utilizando o campo
de forças GROMOS96 53a6 (OOSTENBRINK et
al., 2004) implementado no pacote de programas
GROMACS, versão 3.3.1 (LINDAHL, et al., 2001;
VAN DER SPOEL et al., 2005). As estruturas
geradas pelas simulações de DM foram analisadas
por inspeção visual, através dos programas VMD
(HUMPHREY et al., 1996) e DeepView (GUEX;
PEITSCH, 1997), e com o programa de licença
livre LIGPLOT 4.4.2 (WALLACE et al., 1995).
As trajetórias das simulações foram analisadas
utilizando-se os módulos de análise do programa
GROMACS.
4.2 (MORRIS; LIM-WILBY, 2008), escolhendo-se
o algoritmo genético lamarquiano (LGA) para a
busca de geometrias otimizadas. Foram atribuídas
cargas Gasteiger aos átomos dos ligantes e da enzima. Para os cálculos de docking, foi empregada uma
resolução de 0,375 Å para a malha de afinidade
(grid), que consistiu de 40 x 40 x 40 pontos. O
centro da malha de afinidade foi definido a partir
das coordenadas do átomo de enxofre da cisteína
catalítica (Cys70). A INH foi tratada como flexível. No receptor, os resíduos Phe38 e Tyr69 foram
tratados como flexíveis. Cada simulação de docking
LGA consistiu de 100 corridas independentes,
sendo escolhido 27.000 o número de gerações em
cada corrida. O número máximo de avaliações de
energia foi fixado em 100.000.000. O elitismo foi
fixado em 1, a taxa de mutação em 0,02 e a taxa
de crossover em 0,80. Ao final das simulações de
docking, as configurações finais dos ligantes que diferiram em menos de 1Å em RMSD foram agrupadas
e analisadas como um único resultado.
Dinâmica molecular
das enzimas complexadas
As configurações mais adequadas da INH, obtidas nos procedimentos de docking, foram usadas
para as simulações do complexos. O procedimento
geral das simulações dos complexos foi mesmo empregado nas simulações das enzimas livres, exceto
pelo tempo de simulação, que foi de 5ns.
Docking molecular
Para o docking da isoniazida foram escolhidas
as conformações de energia mínima, de RMSD
mínimo e de RMSD máximo da etapa de produção
das simulações tbnatwt e tbnatg68r. Os cálculos de
docking foram realizados com o programa Autodock
108
Preparação da isoniazida
A geometria molecular da isoniazida foi pré-otimizada com o método de mecânica quântica semi-empírico
AM1 (Austin Model 1) (DEWAR et al., 1985) implementado no programa ArgusLab. O modelo gerado foi
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posteriormente submetido a cálculo tipo single-point
pelo método HatreeFock, implementado no programa
Gaussian (FRISCH et al., 2004), com conjunto de bases
6-31G**(d,p). Neste procedimento, cargas atômicas
foram geradas através do método do potencial eletrostático molecular quântico, MEP (Molecular Electrostatic
Potential) (CHUANG et al., 1998), esquema CHELPG
(Charges from Electrostatic Grid Based) (BRENEMAN;
WIBERG, 1990). A topologia da isoniazida foi gerada
através do programa ProDRG (VAN AALTEN et al.,
1996). Com exceção das cargas atômicas, que foram
substituídas pelas cargas CHELPG, os demais parâmetros obtidos através do ProDRG foram mantidos.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Modelagem por homologia
As enzimas TBNAT selvagem e mutante foram
obtidas através modelagem por homologia, pois suas
estruturas 3D experimentais não estão disponíveis
no banco de dados Protein Data Bank (PDB).
De acordo com Fullam e colaboradores (2008),
a baixa solubilidade da TBNAT expressada pela
via recombinante impede que se façam estudos
estruturais experimentais com esta enzima. Desta
forma, a modelagem por homologia foi utilizada
para gerar modelos 3D das isoformas selvagem
e mutante (G68R) da TBNAT. Foram utilizadas
duas enzimas como estruturas moldes, a arilamina
N-acetiltransferase de M. smegmatis (SMNAT)
e a arilamina N-acetiltransferase de M. marinum
(MMNAT). Estas enzimas foram escolhidas como
molde com base no alto grau de homologia com a
TBNAT (SMNAT 61% e MMNAT 76%).
Na Tabela 1 são comparados os valores dos parâmetros estereoquímicos de MMNAT e SMNAT,
estruturas molde, com os valores obtidos para a
TBNAT selvagem e mutante. Os resultados foram
gerados pelos programas PROCHECK, VERIFY 3D
e ERRAT implementados no servidor SAVES (Stuctural Analysis and Verification Server). Comparando
os valores obtidos para as estruturas moldes com os
valores obtidos para as estruturas modelos, pode-se
considerar que as estruturas geradas apresentam boa
qualidade estereoquímica. Contudo, a ausência de
resolução para o segmento C-terminal nas estruturas
molde resultou que a região correspondente nos
modelos ficasse distorcida (dados não mostrados).
Assim, uma etapa adicional de refinamento foi realizada por dinâmica molecular de 10ns.
Tabela 1 - Parâmetros estereoquímicos das estruturas cristalográficas usadas como molde e das estruturas
modelo geradas com o programa Modeller
Estrutura
MMNAT
SMNAT
Tbnat-wt
Tbnat-g68r
Fav.a
85,6
90,4
89,6
89,6
Procheck
Perm.b
Gen.c
12,2
1,3
9,2
0,4
9,6
0,8
9,1
0,8
Des.d
0,9
0
0
0,4
Fator G
Die.e
Glob.f
-0,3
-0,1
-0,22
-0,07
-0,13
-0,14
0,01
-0,08
Verify 3D
3D-1D%
99,27
99,64
91,9
100
Esc.g
>0,2
>0,2
>0,2
>0,2
Errat
Qualidade Global
97,34
96,89
80,45
85,77
percentual de resíduos em regiões mais favorecidas; bpercentual de resíduos em regiões permitidas; cpercentual de resíduos em regiões
generosamente permitidas; dpercentual de resíduos em regiões não permitidas; efator G (ENGH; HUBER, 1991), log probabilidade relativo aos
ângulos diedros; ffator G (ENGH; HUBER, 1991), log probabilidade relativo às propriedades estereoquímicas globais; gescore
a
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
109
Dinâmica molecular
Com as estruturas geradas a partir da modelagem por homologia foram realizadas oito simulações
de dinâmica molecular distintas, que estão apresentadas na Tabela 2. Duas das simulações foram executas por 10 ns com as enzimas TBNAT selvagem
e mutante não complexadas como etapa de refinamento das estruturas obtidas por modelagem por
homologia. Outras seis simulações foram realizadas
na forma de complexos onde a INH foi docada nas
conformações de energia mínima, RMSD mínimo e
RMSD máximo obtidas na etapa de produção (5-10
ns) das simulações das enzimas livres.
As simulações realizadas para refinamento
(tbnatwt e tbnatg68r) foram analisadas com o
objetivo de avaliar o comportamento dos modelos
gerados por modelagem por homologia. Foram feitas análises do desvio médio quadrático (RMSD)
das posições atômicas, raio de giro (Rg), superfície
acessível ao solvente (SASA), flutuação do desvio
médio quadrático (RMSF) e número total de ligações de hidrogênio intramoleculares (NTLH).
Tabela 2 - Resumo das simulações realizadas
Simulação
1
2
3
4
5
6
7
8
Identificação
tbnatwt
tbnatg68r
tbnatwt-inh_emin
tbnatg68r-inh_emin
tbnatwt-inh_rmin
tbnatg68r-inh_rmin
tbnatwt-inh_rmax
tbnatg68r-inh_rmax
TBNAT
selvagem
mutante (G68R)
selvagem
mutante (G68R)
selvagem
mutante (G68R)
selvagem
mutante (G68R)
Em função da limitação de espaço, apenas o gráfico da análise de RMSD (Figura 1) será discutido. O
gráfico de RMSD mostra o desvio médio quadrático
das posições dos átomos, ou seja, o quanto a estrutura
da proteína muda em relação à estrutura inicial. Neste
caso, podemos observar que há uma reorganização
do sistema durante a simulação e uma tendência a
estabilizar a partir dos 5ns de simulação. As trajetórias
mostradas no gráfico podem ser divididas em três etapas,
descritas a seguir: a) termalização, onde o sistema foi
lentamente aquecido até a temperatura de 310 K por
25ps; b) ambientação, período onde o sistema sofreu
um processo de relaxamento, até alcançar o equilíbrio
termodinâmico, c) produção, onde o sistema se encontra estabilizado, a partir dos 5ns de simulação. Nesta
última etapa, os valores dos parâmetros estruturais
podem flutuar em torno de um valor médio.
110
Ligante
INH
INH
INH
INH
INH
INH
Período simulado
10ns
10ns
5ns
5ns
5ns
5ns
5ns
5ns
Figura 1 - Desvio Médio Quadrático (RMSD) da estrutura da TBNAT selvagem (inferior) e da
TBNAT mutante (superior), ambas na forma
livre. Cálculo realizado com módulo g_rms
do programa GROMACS (VAN DER SPOEL
et al., 2005).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
A Tabela 3 mostra os valores médios dos parâmetros estruturais RMSD, determinado para
os carbonos alfa (Calfa) e para todos os átomos
da proteína (ALL), raio de giro (Rg), superfície
acessível ao solvente (SASA), e número de ligações de hidrogênio intramoleculares (NTLH)
da proteína, calculados para a etapa de produção das simulações de dinâmica molecular da
TBNAT selvagem e mutante (5-10 ns). De uma
forma geral, pode-se considerar que estes valores
estão de acordo com o que se é esperado para
simulações estáveis (de AMORIM et al., 2009).
Pode-se observar que, com exceção do RMSD,
a diferença nos valores dos demais parâmetros
é muito próxima, no caso do raio de giro, ou se
encontra dentro da variação do desvio médio,
no caso da superfície acessível ao solvente e do
número de ligações de hidrogênio intramoleculares. A manutenção dos valores de Rg, SASA e
NTLH intramoleculares nas simulações tbnatwt
e tbnatg68r, combinada com a diferença significativa encontrada para o RMSD, é indicativo
de que a mutação G68R provoca alterações
conformacionais sutis na TBNAT.
Tabela 3 - Média dos parâmetros estruturais na etapa de produção (últimos 5ns)
Estrutura
RMSD
Calfa
ALL
Rg
SASA
NTLHintra
tbnat_wt
0,21±0,01
0,24±0,01
1,86±0,01
79,62±1,83
201,13±7,84
tbnat_g68r
0,30±0,02
0,34±0,02
1,84±0,01
78,42±1,75
206,00±7,14
RMSD: desvio médio quadrático; Rg: raio de giro; SASA: superfície acessível ao solvente; NTLH: número de ligações de hidrogênio intramoleculares.
As estruturas tridimensionais obtidas no
final do refinamento por DM são mostradas na
Figura 2. Pode-se observar que as enzimas apresentam os domínios característicos de enzimas
N-acetiltransferase. A geometria Cys70, His110
e Asp127 da tríade catalítica está pré-organizada
para a atividade enzimática apenas na enzima
selvagem, enquanto que na TBNAT mutante a
conformação das cadeias laterais afasta-se um
pouco do arranjo ideal.
Figura 2 - Estrutura final dos modelos da TBNAT selvagem (A) e TBNAT mutante (B) após 10 ns de simulação de
dinâmica molecular. Domínio I, N-terminal (ciano), domínio II (vermelho), interdomínio (cinza), domínio
III, C-terminal (amarelo).
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111
Simulações de DM dos
complexos
Da etapa de produção das simulações tbnatwt e tbanatg68r foram escolhidas algumas
conformações representativas, para o docking
da isoniazida: conformação de menor energia potencial, conformação de menor valor de RMSD e
conformação de maior valor de RMSD. A Tabela
4 apresenta os valores dos parâmetros obtidos nas
simulações de docking. A anáise do docking foi
concentrada nos clusters de menor energia e de
maior número de conformações. Em cada cluster
foi escolhida a conformação de menor energia
como estrutura inicial para as simulações dos
complexos. Além da análise do cluster de menor
energia, foi observada a orientação do grupo NH2
da INH em relação ao grupo SH da cisteína catalítica para a definição da conformação utilizada
nas simulações de DM.
Tabela 4 - Parâmetros de docking para as conformações de energia mínima, RMSD mínimo e RMSD máximo
obtidas pela simulação de dinâmica molecular
Conformação
Emin
RMSDmin
RMSDmáx
Sistema
Energia mínima
∆Gbind (kcal/mol)
tbnat_wt
tbnat_g68r
tbnat_wt
tbnat_g68r
tbnat_wt
tbnat_g68r
-11,82
-12,29
-10,46
-11,32
-10,81
-12,26
Número de
conformações
no cluster
90
5
68
7
89
5
Energia da conformação usadaa ∆Gbind (kcal/mol)
-11,82
-12,29
-10,46
-9,95
-10,81
-12,26
Número de
conformações
no cluster
90
5
68
61
89
5
Usada nos casos em que o cluster com maior número de conformações representou condição de ligação mais razoável que o cluster de
energia mínima
a
A INH foi docada nas conformações de energia
mínima, RMSD mínimo e RMSD máximo extraídas
da etapa de produção das simulações tbnatwt e tbnatg68r. Foram efetuadas as análises com o objetivo de se
avaliar o modo de interação e a afinidade da isoniazida
com as duas isoformas. Como parâmetros de afinidade foram considerados as distâncias entre grupos
de interesse, o número de ligações de hidrogênio, o
112
número de contatos de van der Waals e a energia livre
de interação (∆Gbind), que foi obtida por dois métodos:
a) na simulação de docking, através da função de
escore implementada no programa AUTODOCK e
b) a partir na simulação de DM através do método
linear interaction energy (LIE) (AQVIST e MARELIUS, 2001). Os valores médios de alguns parâmetros
analisados são mostrados na Tabela 5.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Tabela 5 - Parâmetros de afinidade de interação INH-NAT nas simulações de DM
Simulação
tbnatwt-inh_emin
tbnatg68r-inh_emin
tbnatwt-inh_rmin
tbnatg68r-inh_rmin
tbnatwt-inh_rmax
tbnatg68r-inh_rmax
NLH (3-5ns)
2,31±0,89
2,26±1,01
0,67±0,49
3,38±0,74
1,89±0,99
4,56±0,86
Nvdw (LIGPLOT)
4
4
3
1
1
3
∆Gbind (docking)(kcal/mol)
-11,82
-12,29
-10,46
-9,95
-10,81
-12,26
∆Gbind (LIE)-DM (kcal/mol)
-10,10
-10,61
-9,99
-11,31
-10,36
-10,81
NLH: número médio de ligações de hidrogênio calculado para a etapa de produção da DM; Nvdw: número de contatos de van der Waals
calculado pelo programa LIGPLOT (estrutura final em 5ns); LIE: energia livre de ligação calculada pelo método LIE (0-5ns)
Ligações de hidrogênio constituem um parâmetro importante na interação fármaco-receptor
(PATRICK, 2001). O complexo da TBNAT
selvagem com maior número de ligações de hidrogênio na etapa de produção ocorreu na simulação
tbnatwt-inh_emin (2.31±0.89) enquanto que para
o sistema TBNAT-G68R ocorreu na simulação
tbnatg68r-inh_rmax (4.56±0.86). Para o sistema
selvagem, o maior número de contatos, observado
na simulação tbnatwt-inh_emin (NLH: 2.31±0.89;
NvdW: 4) não está relacionado com a energia de
interação mais favorável, encontrada na simulação
tbnatwt-inh_rmax (-10.36 kcal/mol). Por outro
lado, a interação da isoniazida com Cys70 é mantida
somente na simulação tbnatwta-inh_rmin (dados
não mostrados). Tais resultados não são surpreendentes, considerando que a interação da INH com
a TBNAT selvagem é de baixa afinidade, o que
pode permitir vários modos fracos de ligação, não
efetivos. No caso do sistema mutante, pode-se atribuir como modo mais provável de interação aquele
indicado pela simulação tbnatg68r-inh_rmin, onde
é encontrada a energia de interação mais favorável
(-11.31 kcal/mol) e é observada a formação de
ligação de hidrogênio com Cys70.
De uma forma geral, pode-se considerar que a
interação da isoniazida com a isoforma mutante
G68R da TBNAT é de maior afinidade do que com
a forma selvagem. Levando em conta a diferença
entre os valores médios de interação para as três
simulações de cada sistema, o maior número de
ligações de hidrogênio e a energia de interação mais
favorável, tanto pelo docking quando pelo método
LIE, são encontrados para a isoforma mutante da
TBNAT. Aspectos estruturais que podem explicar
a menor afinidade da isoniazida com a forma selvagem da TBNAT podem estar relacionados com a
desestruturação da primeira fita beta da região que
forma a aba (lid) do domínio C-terminal. O gráfico
de RMSF (não mostrado) da TBNAT selvagem
livre mostra um pico de flexibilidade nesta região,
que faz face ao sítio ativo. Neste sentido, autores
têm apontado a região C-terminal como importante
na regulação da atividade catalítica e especificidade
de NATs procarióticas e eucarióticas (PAYTON;
SIM, 1998).
CONCLUSÃO
A qualidade estereoquímica dos modelos estruturais obtidos para as isoformas selvagem e mutante
G68R da arilamina N-acetiltransferase de Mycobacterium tuberculosis é comparável com a qualidade das
estruturas molde experimentais, caracterizando que
os modelos são confiáveis. Comparando as estruturas
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113
selvagem e mutante, pode-se observar que o segmento
relacionado com a primeira fita beta que compõe a aba
da região C-terminal é menos extenso e mais flexível
na TBNAT selvagem. Parâmetros de interação equivalentes não permitiram a definição do modo mais
provável de interação da isoniazida com a isoforma
selvagem da TBNAT. Os resultados podem ser atribuídos à baixa afinidade entre o par fármaco-enzima.
É possível considerar que a interação da isoniaziada
com a isoforma mutante G68R da TBNAT é de maior
afinidade do que com a forma selvagem. Como consequência, não se pode descartar a possibilidade de que
mutações pontuais na região codificante do gene nat
de M. tuberculosis possam gerar isoformas capazes de
inativar o fármaco isoniazida. Os resultados obtidos
no presente estudo podem contribuir para o planejamento de terapias mais eficientes contra a tuberculose,
por duas razões: a) considerando o possível papel da
TBNAT na síntese dos ácidos micólicos, esta enzima
se caracteriza com um novo alvo para a terapia antiTB; b) por outro lado, o surgimento de cepas com mutações específicas no gene nat pode levar à inativação
do fármaco através da acetilação da INH.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Determinação da curva característica do solo
de uma barreira capilar: uma alternativa para
um sistema de cobertura de aterros sanitários
alexandre PeTry carneiro1
Julia FanTi1
rodrigo Moraes da silveira2
alBerT Welzel3
Flávia schenaTo4
RESUMO
Curva característica (CC) é a relação entre a quantidade de água presente dentro dos poros e a sucção do
solo. A partir da CC pode-se definir a capacidade de um solo de armazenar água quando o mesmo é submetido
a diferentes valores de sucção. A CC do trabalho em questão foi obtida a partir de corpos de prova com índice
de vazios (e) equivalente as propriedades físicas do solo moldado em um protótipo barreira capilar (e=1.24)
e teor de umidade de 37%, que equivale a um grau de saturação de 89%. Com os resultados obtidos é possível
estabelecer a variação do teor de umidade do solo em função sucção e com isso estimar a quantidade de água
que poderá infiltrar na barreira capilar em função do balanço hídrico.
palavras-chave: curva característica, barreira capilar, aterro sanitário.
1
2
Acadêmico(a) do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRA Bolsista PROICT/ULBRA
Pesquisador PNPD-CAPES, ULBRA
3
Engenheiro Químico – Aluno do PPG em Engenharia/ULBRA
4
Professor-orientador do Curso de Engenharia Ambiental/
ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
117
ABSTRACT
Characteristic curve (CC) is the ratio between the amount of water present inside of the soil’s pores and
soil’s suction. Using the CC is possible to define the soil’s capacity to store water when it is subjected to different
values of suction. The CC of this paper was obtained using specimens with void ratio (e) equivalent to the physical properties of a wrapped soil in a prototype – capillary barrier (e = 1.24) and with moisture content of 37%,
which equates to a degree of saturation equal to 89%. Analyzing the results is possible to establish the variation of
moisture content of soil versus suction and thereby estimate the amount of water that can seep into the capillary
barrier in function of the water balance.
Keywords: characteristic curve, capillary barrier.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta resultados de
ensaios geotécnicos realizados em um solo utilizado
como camada capilar moldada subjacente a uma
camada oxidativa, as quais compõem um protótipo
desenvolvido no PPGEAM/ULBRA, para fins de
estudo de um sistema de cobertura para aterros
sanitários. O desenvolvimento do protótipo visa o
controle simultâneo dos processos de retenção de
água na camada capilar e os processos de oxidação
do metano na camada oxidativa (HAUSER, 2009).
Os ensaios geotécnicos realizados compreenderam
aos ensaios de caracterização e ao ensaio de curva
característica (CC). Os ensaios de caracterização
geotécnica consistiram na determinação dos índices
físicos, limites de Atterberg, análise granulométrica além da descrição e classificação dos solos. Os
procedimentos utilizados na determinação das características do solo constituem práticas usuais em
laboratórios de mecânica dos solos e encontram-se
normatizados. A importância quanto à realização
destes ensaios reside no fato de que as propriedades
obtidas refletem a composição dos solos. Conforme
já citado, foram realizados também ensaios de curva
característica, que define a relação entre a quantidade de água presente dentro dos poros do solo
e a sucção. A quantidade de água dos poros pode
118
ser quantificada em termos do teor de umidade
volumétrico (θ), teor de umidade gravimétrico (w)
ou em termos do grau de saturação (Sr). A partir
da CC pode-se definir a capacidade de um solo de
armazenar água quando o mesmo é submetido a
diferentes valores de sucção. É importante salientar
que, em um sistema do tipo barreira capilar, é de
fundamental importância a verificação da capacidade do solo reter a água e com isso estimar a
quantidade de água que poderá ingressar na barreira
capilar, em função do balanço hídrico. Os ensaios
citados foram realizados no Laboratório de Solos
da ULBRA.
CURVA CARACTERíSTICA
O objetivo principal da determinação da curva
característica é a obtenção da relação entre a água
presente nos poros do solo e sua sucção (GORSCOVICH, 2001). O volume de água presente no
solo é quantificado em termos do teor de umidade
volumétrico (θ), que é a relação entre o volume de
água e o volume total da amostra; teor de umidade
gravimétrico (w), que é a relação entre o peso da
quantidade de água e o peso dos sólidos; ou em
termos do grau de saturação (Sr). Existem dois tipos
de sucção, uma é conhecida como sucção mátrica,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
expressa pela diferença entre a pressão de ar e a
pressão de água exercida no solo, e a outra é a sucção
osmótica, expressa pelas diferentes concentrações
de sais presentes no solo. A sucção total é dada pela
soma da sucção mátrica com a sucção osmótica. Segundo Fredlund e Xing (1994), para sucções maiores
que 1500 kPa a sucção mátrica e total podem ser
consideradas equivalentes. A ocorrência de fluxo
de água no solo só inicia após ultrapassado um certo
valor de sucção, conhecido como valor de entrada de
ar, e simbolizado por ψb. Esse valor varia de acordo
com o tipo de solo e identifica o ponto em que o ar
começa a entrar no maior poro do solo não saturado.
Após esse ponto a curva característica apresenta uma
zona de transição, onde o teor de umidade reduz-se
sensivelmente com o aumento do valor de sucção.
Essa zona termina no ponto de saturação residual
que representa o teor de umidade a partir do qual
se torna difícil remover água do solo por drenagem.
A forma da curva característica é influenciada por
diversos fatores, como: tipo de solo (representado
pelo tamanho de grãos e composição mineralógica), estrutura e agregação, teor de umidade inicial,
história de tensões, índice de vazios, método de
compactação, história de umedecimento e secagem,
entre outros (TINJUM et al, 1997; VANAPALLI et
al, 1999; GERSCOVICH, 2001).
NBR 7181 (1988). Os ensaios de caracterização
foram realizados com a secagem prévia do solo.
Os ensaios de granulometria foram realizados com
e sem a utilização de agente defloculante (hexametafostato de sódio) para verificar a influência
do agente na desagregação dos finos do solo e a
presença de material fino agregado, característica
de alguns solos argilosos.
Para a obtenção da curva característica do solo
foi empregado o método das panelas de pressão
(RICHARDS, 1965). O sistema utilizado para a
realização do ensaio é composto por panelas de
pressão, placa cerâmica porosa interna e equipamentos de produção e controle de pressão, podendo
ser usado para o ensaio, amostras indeformadas ou
deformadas (Figuras 1 e 2).
MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização dos ensaios foi amostrado
aproximadamente 1 kg de solo (solo utilizado como
camada capilar da barreira do protótipo montado
no CEPPED/ULBRA) conforme as recomendações da ABNT NBR 9604 (1986). Os ensaios de
caracterização seguiram as recomendações das
seguintes normas brasileiras: ABNT NBR 6457
(1986), ABNT NBR 6508 (1984), ABNT NBR
6459 (1984), ABNT NBR 7180 (1988), ABNT
Figura 1 - Equipamento para ensaios de Curva Característica
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
119
Figura 2 - Corpos de prova ensaiados
A placa cerâmica porosa interna possui vazios
muito pequenos que permitem, dentro de certos
limites, o fluxo de água, porém não o de ar. O ensaio
consiste na utilização das panelas de pressão para
aplicação de diferentes valores de pressão, em corpos de prova de solo saturado, moldadas em anéis
com 2 cm de altura e 4,5 cm de diâmetro, fazendo
com que a água seja expulsa do solo até que se estabeleça um equilíbrio entre a pressão anterior e a
pressão aplicada. Neste trabalho, para a realização
dos ensaios, foram utilizados 6 corpos de prova.
Após o equilíbrio das pressões são determinados
os teores de umidade do solo de acordo com o potencial matricial aplicado [sucção (S)]. Nos ensaios
realizados as amostras deformadas foram moldadas
com teores de umidade (w) aproximados de 37% o
qual equivale a um grau de saturação (Sr) de 89% e
índice de vazios (e) equivalentes a 1,24 (índice de
vazios de moldagem da camada capilar do protótipo). A umidade do solo foi equilibrada de acordo
120
com as pressões aplicadas que variaram de 10 a
1000 kPa. O tempo necessário para estabilização
do teor de umidade do solo equivaleu a 48 horas
para cada pressão aplicada. Imediatamente após
atingir o equilíbrio cada amostra foi pesada para
posterior cálculo do teor de umidade. O peso seco
dos corpos de prova foi definido após a aplicação
da última pressão de ensaio. É importante salientar
aqui que posteriormente serão realizados ensaios
de CC seguindo o método do papel filtro o qual
permite medir sucção matricial em amplos limites
(30-30000 kPa) (MARINHO, 1995).
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A Tabela 1 apresenta os resultados de caracterização geotécnica do solo estudado. As características de plasticidade indicam que o solo apresenta
índice de plasticidade (IP) menor que 15, o que
caracteriza o material como medianamente plástico (7<IP<15). Analisando os demais dados da
Tabela 1, observa-se que o solo estudado apresenta
uma diferença insignificante de granulometria,
em função do uso do agente defloculante. O solo
apresenta percentual de finos em torno de 40%.
Entretanto, a quantidade de areia média se equivale a este valor. De acordo com a USCS [ASTM
2487-00 - Standard Practice for Classification of Soils
for Engineering Purposes (Unified Soil Classification
System)] o solo ensaiado é classificado como silte
de alta compressibilidade [sandy elastic silt (MH)].
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Tabela 1 - Resultados dos ensaios de caracterização
Granulometria - Porcentagem passante
ϒs
LL
(%)
IP
(%)
(%) argila
(%) silte
(%) areia fina
(%) areia média
(%) areia grossa
(%) pedregulho
29,3
36,9
14,4
22/(16*)
21/(23*)
8/(11*)
37/(45*)
12/(5*)
0/(0*)
Resultados sem o uso de agente defloculante: (x*)
A Figura 3 mostra a curva característica do solo
estudado em termos do teor de umidade volumétrico versus sucção. A mesma expressa a variação
da quantidade de água dentro dos poros do solo
quando este é submetido a diferentes valores de
sucção, em trajetória de secagem.
*
(a)
(b)
Figura 3 – Curva característica obtida (a) e (b).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
121
A curva característica apresentada na Figura 3
(a e b) sugere que o solo estudado apresenta um
comportamento típico de solo argiloso. O solo
apresenta um valor de entrada de ar equivalente a
10 kPa conforme mostrado na Figura 3b. Aubertin
et al. (1998) apresentaram faixas de variação do
valor de entrada de ar (yb) de acordo com o tipo
de solo sendo que o solo ensaiado enquadra-se
com silte (yb= 7.5 -25 kPa). A quantidade de água
que o solo ensaiado é capaz de reter equivale a sua
capacidade de campo. De acordo com Marinho e
Stuermer (2000), a capacidade de campo é definida
para sucções equivalente a 30 kPa. Assim sendo,
de acordo com os resultados obtidos, a capacidade
de campo do solo estudado equivale a aproximadamente 40%, conforme destacado na Figura 3a
(asterisco e identificação dos autores).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 De acordo com os ensaios de Limites de
Atterberg o solo pode ser classificado como
mediamente plástico e corresponde a solos siltosos, conforme a norma americana
ASTM 2487-00.
 Os ensaios de granulometria realizados conforme a ABNT, com e sem o uso do agente
defloculante, mostra que o solo possui 40%
de finos e 40% de areia média, sendo assim
classificado como areno siltoso.
 A curva característica mostrou valor de
entrada de ar de 10 kPa (valor característico
de solo siltoso) e uma capacidade de campo
de 30 kPa.
 Os ensaios até então realizados mostram que
o solo não é o mais favorável para a camada
capilar da barreira devido à baixa porcenta-
122
gem de argila, entretanto, o mesmo deve ser
ainda analisado quanto a sua condutividade
hidráulica.
AGRADECIMENTOS
Os autores deste trabalho agradecem o financiamento da pesquisa à CAPES, ao CNPq e à
Propesq/ULBRA.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
123
Mineralogia da mina Andreazza, Vila Nova do Sul,
Rio Grande do Sul, Brasil
darcson vieira de FreiTas1
luis andre BaPTisTa1
Paulo césar Pereira das neves2
RESUMO
O presente estudo apresenta a diversidade mineralógica de uma mineradora de calcário (mina Andreazza),
situada na região do Escudo Sul-rio-grandense, Vila Nova do Sul, RS, Brasil. Foram identificados em nível de
espécie 15 minerais (calcita, fluorita, grafita, diopsídio, calcopirita, pirita, galena, esfalerita, titanita, allanita-Ce,
talco, prehnita, muscovita, quartzo e calcantita), além de outros cinco em nível de grupo (feldspato-K, apatita,
olivina, clorita e argilo-minerais). A presença desta assembléia mineralógica demonstra a importância de trabalhos
nesta temática, que devem ser estendidos para outros ambientes do Estado do Rio Grande do Sul.
palavras-chave: mineralogia, Vila Nova do Sul, Escudo Sul-rio-grandense.
ABSTRACT
This paper presents the mineralogical diversity of a calcareous mining (Andreazza mine), located in the
Sul-rio-grandense Shield, Vila Nova do Sul county, RS, Brazil. Fifteen minerals were identified at species level
(calcite, fluorite, graphite, diopside, chalcopyrite, pyrite, galena, sphelerite, titanite, allanite-Ce, talc, prehnite,
muscovite, quartz, and chalcantite), and others five only at group level (K-feldspar, apatite, olivine, chlorite, and
1
Acadêmico do Curso de Química Industrial/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
2
Professor-Orientador - Laboratório de Geologia e Mineralogia do
Curso de Química Industrial/ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
125
clay-minerals). The presence of this mineralogical assembly shows the importance of this kind of study in another
places of Rio Grande do Sul state.
Keywords: mineralogy, Vila Nova do Sul county, Sul-rio-grandense Shield.
INTRODUÇÃO
A mineralogia global das minerações ativas ou
inativas, ocorrentes no Estado do Rio Grande do
Sul, encontra-se em um nível muito incipiente de
conhecimento. Poucos autores trataram do tema até
o momento, como Ribeiro (1978), que descreveu os
depósitos dos minerais de minério de cobre ao longo do
Escudo Sul-rio-grandense, além de Branco e Gil (2002),
que situam as principais jazidas de minerais de interesse
gemológico ocorrentes ao longo de todo o Estado,
ambos sem a preocupação de descrever e qualificar os
demais minerais ocorrentes nos locais, tanto em nível
de paragênese, quanto de produtos de alteração.
Este trabalho é parte do projeto intitulado
“Diversidade mineralógica no estado do Rio
Grande do Sul”, desenvolvido pelo Laboratório
de Geologia e Mineralogia da Universidade
Luterana do Brasil, que tem como objetivo principal descrever a grande diversidade de minerais
ocorrente nos diversos ambientes geológicos de
nosso Estado. Os minerais aqui determinados
pertencem às ocorrências da mina Andreazza,
uma mineradora de calcário localizada no terreno
Vila Nova, Escudo Sul-rio-grandense (30°20’35’’
S; 53°56’20’’W), na toponímia do Cerro da
Cadeia, cerca de 6 km a oeste da cidade de Vila
Nova do Sul (Figura 1).
Figura 1 – Mapa de localização da mina Andreazza.
A mina Andreazza geologicamente constitui-se
numa seqüência carbonática composta por mármores predominantemente calcíticos do Complexo
Cambaizinho, envolta tectonicamente por rochas
126
gnáissicas de natureza tonalítica, mais jovens pertencentes ao Complexo Cambaí, estando situada
na porção oeste do Complexo Dom Feliciano, no
Escudo Sul-rio-grandense (SANTOS; MACIEL
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
; MOSMANN,1989; SAALMANN; REMUS;
HARTMANN,2005; 2006; PHILIPP; JUNGERS;
BITENCOURT, 2008).
As nomenclaturas, sistemas cristalinos e
composições químicas dos minerais investigados
seguiram Beck e Mandarino (2008), conforme
preconizações da International Mineralogical Association (IMA).
MATERIAL E MÉTODOS
Foram realizadas saídas em campo para coleta
dos litotipos componentes da mina Andreazza.
Em laboratório as amostras foram investigadas por
métodos físicos e químicos de identificação mineralógica (NEVES; SCHENATO; BACHI, 2008).
A seguir foram confeccionadas lâminas delgadas
para análise em microscopia óptica em luz natural
(LN), polarizada (LP), com auxílio de Deer, Howie
e Zusmann (1981). Minerais de alteração foram
determinados pela técnica de difratometria de raios
X (DRX), em difratômetro Siemens 9500, com
radiação CuKα, de comprimento de onda 1,5409
Å em intervalo de 2° a 80° 2θ, com 0,02°2θ/s.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Os litotipos identificados na mina Andreazza, da
base para o topo, foram: mármore, gnaisse e xisto,
além de bolsões esparsos de minerais metálicos e
granitóides ricos em veios feldspáticos.
Pelas técnicas mineralógicas utilizadas foi possível identificar 15 minerais em nível de espécie e
outros cinco em nível de grupo. A Tabela 1 mostra
os 15 minerais identificados em nível de espécie e
as respectivas técnicas utilizadas.
Tabela 1 – Minerais identificados em nível de espécie na mina Andreazza.
Mineral
1.Calcita
2.Fluorita
3.Grafita
4.Diopsídio
5.Calcopirita
6.Pirita
7.Galena
8.Esfalerita
9.Quartzo
10.Titanita
11.Allanita-Ce
12.Talco
13.Prehnita
14.Muscovita
15.Calcantita
Sistema Cristalino
Trigonal
Cúbico
Hexagonal/trigonal
Monoclínico
Tetragonal
Cúbico
Cúbico
Cúbico
Hexagonal/trigonal
Monoclínico
Monoclínico
Monoclínico/triclínico
Ortorrômbico
Monoclínico
Triclínico
Composição Química
CaCO3
CaF2
C
CaMgSi2O6
CuFeS2
FeS2
PbS
ZnS
SiO2
CaTiOSiO4
(Ca,CE,La)2(Al,Fe2+,Fe3+ )3Si3O12(OH)
Mg3Si4O10(OH)2
Ca2Al2Si3O10(OH)2
KAl2↑AlSi3O10(OH)2
Cu2+SO4.5H2O
Foram identificadas, em campo e em laboratório (pelo uso de microscópio estereoscópico),
Técnica
Físicos/químicos
Físicos
Físicos
Físicos/LP
Físicos
Físicos
Físicos/LP
LP
Físicos
LP
LP
LP
LP
LP
Difração raios X
as propriedades físicas dos seguintes minerais:
calcita, fluorita, pirita, calcopirita, diopsídio,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
127
quartzo, muscovita, feldspato e grafita. Com o uso
de microscopia óptica, no laboratório de Petrologia
Metamórfica do Departamento de Mineralogia e
Petrologia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, pelas técnicas de luz natural, luz polarizada
e luz refletida, foram determinados os seguintes
minerais nas litologias da Mina Andreazza: titanita, allanita-Ce, talco, prehnita, apatita, galena,
esfalerita, além de clorita e argilo-minerais.
As investigações mineralógicas permitiram
identificar em nível de espécie as substâncias:
calcita (associada à fluorita e em cristais isolados,
relacionada às rochas carbonáticas); fluorita (nas
rochas carbonáticas, em belos cristais roxos nos
planos de fratura das rochas); grafita (na forma de
massas pulvurolentas, impregnando grafita xistos);
diopsídio (na forma de diminutos cristais prismáticos, coloração verde-claro, nas rochas carbonáticas); calcopirita (na forma de cristais disseminados
de coloração amarelo-latão, associados à fluorita,
nas rochas carbonáticas); pirita (em grãos na forma de hexaedros combinados com octaedros, nas
rochas carbonáticas; galena (ocorrência rara, em
bolsões, associada à esfalerita – determinada em
microscopia óptica à luz transmitida e, também
em campo, nos diques); esfalerita (ocorrência rara,
em bolsões associada à galena – determinada em
microscopia óptica à luz refletida, além do brilho
típico resinoso) e quartzo (comum nos gnaisses e
nos filões feldspáticos).
128
dação da calcopirita CuFeS2, mineral muito abundante no local, que se dá pela seguinte reação:
CuFeS2 + 2H2O + 2O2 → FeS + CuSO4.2H2O
Em nível de grupo foram identificados feldspato-K, apatita, olivina, cloritas e argilo-minerais.
CONCLUSÃO
Os resultados demonstram ser a mina Andreazza um ambiente geológico bastante diversificado
em relação a sua mineralogia. Isto se evidencia
pelos minerais identificados em nível de espécie
(calcita, fluorita, grafita, diopsídio, calcopirita,
pirita, galena, esfalerita, titanita, allanita-Ce,
talco, prehnita, muscovita, quartzo e calcantita)
e de grupo (feldspato-K, apatita, olivina, cloritas
e argilo-minerais).
O presente trabalho é inédito em termos de inventário mineralógico das minas do Rio Grande do
Sul. Com isso, já se começa a ter um panorama da
grande diversidade mineralógica do Estado, a partir
do estudo sistemático de uma mineradora do Escudo Sul-rio-grandense. Com o prosseguimento dos
estudos outras mineradoras serão contempladas.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
129
Ciências Humanas
Aprendendo a ser criança
nas canções
RobeRta de Cássia LaRsen1
MaRia LúCia Castagna WoRtMann2
RESUMO
O estudo focalizou 10 canções que circularam em uma escola municipal de educação infantil de Porto Alegre,
RS. Argumentamos que as canções atuam não só como entretenimento, mas como pedagogias culturais que possuem efeitos produtivos importantes nas identidades infantis (STEINBERG; KINCHELOE, 2001;, GIROUx,
1995, 2001). A música invadiu o mundo infantil, povoando recreios e salas de aula. Canta-se (e dança-se) para
aprender a lavar as mãos, tomar banho, escovar os dentes, conhecer os animais, vegetais, o corpo humano, os
alimentos, para aprender a contar etc. Mas entre as canções trazidas pelos alunos, algumas assustam as professoras pelo teor de suas letras e por carregarem na sexualidade das coreografias.
palavras-chave: estudos culturais, pedagogias culturais, canções.
ABSTRACT
This work has studied 10 songs circulating in a municipal children’s education school in Porto Alegre (RS).
We have argued that songs have effects both as entertainment and cultural pedagogy which has useful effects on
children’s identities (STEINBERG; KINCHELOE, 2001; GIROUx, 1995, 2001). Music has come over children’s world, in school recess time and classrooms. You can sing (and dance) to wash the hands, to have a shower,
1
Acadêmica do curso de Pedagogia/ULBRA. Bolsista PROICT/
ULBRA
2
Professora- Orientadora do Curso de Pedagogia e do PPG
Educação/ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
133
brush the teeth, know animals, vegetables, the human body, food, to learn to tell stories, etc. However some songs
students bring to the classroom causes teachers to be alarmed of their content and sexuality in their dances.
Keywords: Cultural studies, cultural pedagogies, songs.
INTRODUÇÃO
A música tem instigado os sujeitos a comemorar e
a participar de atividades de recreação, lazer, artísticas,
cívicas, ritualistas e religiosas, tendo presença intensa
nas sociedades contemporâneas. Ela invadiu o mundo
infantil de muitas formas! Assim, mesmo em uma
incursão superficial às prateleiras de lojas de artigos
infantis, encontraremos muitos objetos musicais desde chocalhos, que entretêm as crianças desde a
Antiguidade, até uma quantidade de livrinhos musicais, CD`s, DVD`s entre outros artefatos voltados a
interessá-las, a partir da utilização de sons e ritmos.
Pode-se dizer, inclusive, ter havido uma verdadeira invasão da música no universo infantil,
processada através de diversas instâncias culturais,
pois são cada vez mais numerosos os programas televisivos endereçados ao público infantil1, nos quais
as personagens que animam os pequenos cantam e
dançam constantemente. Além disso, a música está
igualmente presente em ofícios religiosos, nas peças
de teatro infantil e também nas festas infantis, de um
modo geral. Pode-se dizer, ainda, que se tem associado a música a gestações tranquilas2 e ao lazer, ao bom
1
2
134
Referimo-nos, por exemplo, à programação do canal de
televisão por assinatura Discovery Kids, pertencente à rede
Discovery Networks International, cuja sede é em Miami,
Florida, USA, voltada às crianças durante 24 horas. A maior
parte dos personagens desses Programas canta e dança ora
para falar sobre temáticas voltadas à preservação do planeta,
ora para envolver as crianças em brincadeiras diversas.
Inúmeros CDs prometem serenidade às futuras mamães. Além
disso, está à venda na web um produto denominado Bellysonic
Speaker Pouch, uma espécie de bolsa com mini caixas de som
que deve ser colocada ao redor da barriga da grávida. O som
emitido tem como função acalmar tanto a futura mamãe como
o seu bebê. O preço do produto anunciado é: USD$79,95.
sono3 e aos momentos de alimentação das crianças
pequenas. Então, ora impregnada pelo folclore, ora
pela erudição, ora, ainda, por ritmos da moda, a música interpela as crianças em programas televisivos,
no rádio e em vídeos acessados pela internet.
Aliás, é possível dizer que grande parte das
muitas modificações relativas às formas de pensar
e viver a infância são decorrentes das inúmeras
transformações operadas nas sociedades, estando essas também associadas às possibilidades
de acesso das crianças a um maior número de
produções culturais que carregam informações
e interpelações de diferentes ordens. Cabe ainda
salientar que a educação na perspectiva dos Estudos Culturais, vertente que inspirou este estudo,
tem sido vista como se processando para além dos
muros da escola. Assim, uma variedade de locais
sociais e produções da cultura, tais como o rádio, o
cinema, a televisão, o teatro, os jornais, as revistas,
os anúncios publicitários, além dos livros infantis, e até mesmo os brinquedos e shopping-centers
passaram a ser vistos como exercendo efeitos
educativos, mesmo que, como Steinberg (1997)
e Steinberg e Kincheloe (2001) destacaram, esses
não tenham como função primeira ensinar. E disso
decorre, como também salientaram esses autores
(Ibid), mas também Henry Giroux (2001), entre
outros estudiosos4 que se valem do campo dos Estudos Culturais para discutir produções culturais
3
4
É interessante referir CD que adaptou tradicionais marchinhas de carnaval a novos ritmos e sonoridades, passando
a endereçar tais músicas aos bebês recém-nascidos.
Indicamos serem inúmeras as produções realizadas nesta
direção pelos professores e alunos do Programa de mestrado
em Educação da ULBRA.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
contemporâneas, a importância de atentar-se para
o que nelas se diz sobre a infância e como nelas se
configura o que é ser criança.
Seguindo tal recomendação focalizamos, neste texto, uma dessas produções – as inúmeras e
diferenciadas canções que circulam nas escolas
de Educação Infantil -, considerando que essas
representam mais do que simples formas de entretenimento. Assumimos atuarem essas como pedagogias culturais que exercem efeitos produtivos
importantes sobre as identidades infantis, tal como
também indicaram Steinberg e Kincheloe (2001),
Giroux (1995, 2001) e Steinberg (1997).
CONFIGURANDO O
ESTUDO DESENVOLVIDO
Nosso primeiro propósito foi indicar a frequente utilização das canções na programação de uma
escola municipal de educação infantil de Porto
Alegre, RS, frequentada por crianças de 1 a 6 anos,
com baixa renda familiar. Para tanto, realizamos
entrevistas com professoras e funcionárias dessa
escola, buscando identificar quais eram as canções
nela mais tocadas, ou aquelas que espontaneamente eram cantadas pelas crianças.
Valemo-nos, também, de observações feitas nos
recreios e em algumas festas escolares (as comemorações dos aniversariantes do mês, por exemplo) para
acrescentar mais informações ao nosso estudo. Como
buscávamos também saber que temas figuravam em
tais canções, selecionamos 10 dentre as canções executadas, sendo 5 escolhidas entre as que figuravam
nas atividades escolares organizadas pelas professoras
e as outras 5, a partir das trazidas pelas crianças para
a escola. Procedemos, então, a análise discursiva de
tais textos, bem como das anotações feitas durante
as entrevistas, pois a intenção mais ampla do estudo
era discutir o quê e como tais canções ensinavam às
crianças. Desenvolvemos, assim, uma análise cultural, caracterizada por Wortmann (2007) como um
procedimento capaz de dar visibilidade a aspectos
que dizem respeito ao cotidiano dos sujeitos, os
quais possuem, tal como indicou Turner (1996, apud
WORTMANN, 2007), inegável efeito e influência
em suas vidas. Tais análises buscam, então, indicar
representações produzidas a partir de significados que
circulam na cultura, bem como “examinar práticas
culturais do ponto de vista de seu envolvimento
com, e no interior de, relações de poder” (NELSON;
TREICHLER;GROSSBERG, 1995, p.11).
AS ANáLISES
Focalizaremos, inicialmente, as canções que
integram a vida escolar a partir das proposições
da escola. Constatou-se que tanto as professoras
quanto as atendentes valiam-se de canções não
apenas para animarem os recreios, mas utilizavamnas como um recurso constante para procederem
às atividades curriculares diárias. Assim, as crianças iam cantando no “trenzinho” imaginário5,
que as conduzia até o refeitório, mas também
cantavam para dar as boas-vindas aos colegas na
“rodinha” 6. Além disso, a música animava brincadeiras procedidas nas salas-de-aula, quando,
por exemplo, as crianças encenavam o conteúdo
da letra cantada. É possível dizer, então, que as
5
6
Usualmente nas escolas infantis, as crianças dirigem-se ao
refeitório, ou a outros locais da escola organizadas em uma
fila que é conduzida pela professora. E a essa fila atribui-se
a denominação “trenzinho”.
A “rodinha” é uma estratégia pedagógica também muito
utilizada nas escolas de Educação Infantil. Ela ocorre,
geralmente, no início da atividade escolar diária e nela são
procedidas combinações que dizem respeito ao trabalho a
ser desenvolvido naquele dia escolar.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
135
canções possuem um trânsito intenso na vida desta
escola de Educação Infantil até porque, além das
canções programadas, outras mais adentram o
mundo infantil escolar, sendo essas trazidas pelas
próprias crianças, que as aprendem em sua convivência com a família, com grupos de amigos, com
grupos religiosos, ou mesmo a partir de populares
programas de rádio ou de televisão.
Entre as canções que figuraram nas programações da Escola estavam as cantadas por dois
populares palhaços – a dupla Patati e Patatá7 - que,
nos últimos 20 anos, têm interpelado as crianças
com ritmos bailáveis e encenações reproduzidas
em DVD´s e CD`s, mas também no Youtube,
sendo ainda a dupla convidada a participar de
programas televisivos e festas infantis, tendo suas
figuras reproduzidas como bonecos de diferentes
tamanhos comercializados em lojas de brinquedos
infantis e em encartes para colorir. Suas canções
tratam de temas como a importância de lavar
as mãos antes das refeições (As mãos, 2006), de
alimentar-se bem (Hora da refeição, 2006) e sobre
a necessidade de tomar banho (Chuveiro, chuveiro,
2006)8. Elas também abordam temas ecológicos
(A grama foi crescendo, 2006), identificam as
letras do alfabeto (As Letras do Alfabeto, 2007),
informam o número de dias de cada mês (Os meses
do ano, 2007), estando muitas delas contidas nos
4 CD`s que integram a coleção sugestivamente
denominada As 100 mais da pré-escola (2009).
Transcrevemos, abaixo, aguns excertos de tais
canções:
Era um menino que não gostava
Pra tomar banho sempre chorava
7
8
136
Suspeitamos que essa dupla de palhaços já foi protagonizada por outros sujeitos.
As canções referidas encontram-se no CD intitulado Os
maiores sucessos de Patati Patatá, lançado em 2006.
Brincava muito o dia inteiro
E o no banheiro ele cantava
(refrão) Chuveiro, chuveiro
Não faz assim comigo
Chuveiro, chuveiro
Não molha o seu amigo
(Chuveiro, chuveiro, Patati Patatá, 2006)
Na hora do almoço,
segunda refeição
carne com batata
arroz com feijão
verduras e legumes
não vão ficar de fora
Que bom, a sobremesa vem agora
(refrão) Come, come, come
Pra mamãe ficar feliz
Come, come, come
Come tudo e pede bis
Na hora do café
no almoço ou no jantar
primeiro as minhas mãos eu vou lavar
(Hora da refeição. Patati Patatá, 2006)
Destaca-se a variedade de ritmos dessas canções
- marchas carnavalescas, passando por ritmos caribenhos, até pagodes, axés, entre outros ritmos dançantes. Registramos que algumas delas são composições
da própria dupla, sendo também freqüentes as canções
de domínio público por eles interpretadas (A barata,
Coelhinho da Páscoa, entre outras).
Outras canções que também figuram na programação dessa escola são as interpretadas pelo
premiado grupo paulista Palavra Cantada9, que
9
O grupo, organizado em 1994, é liderado pelos músicos San-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
aborda temas poéticos ou de cunho social, além
de caracterizarem-se suas canções pela sofisticação dos arranjos musicais. Cabe registrar que esse
grupo possui uma significativa produção musical,
tendo recebido inúmeros prêmios nacionais10.
Além disso, as letras de suas canções estimulam as
crianças a utilizarem tambores, latas, chocalhos,
bem como a emitirem sons com a boca, com as
mãos, etc. Ou seja, pode-se dizer que há uma preocupação pedagógica bastante explícita nas canções
e apresentações deste grupo!
Aliás, registramos que a sua popularidade parece
ser maior entre as crianças que frequentam teatro
e entre aquelas que têm acesso freqüente a CD´s e
DVD´s. Na canção “A sopa” por exemplo, enumera-se
uma série de vegetais, brincando com a possibilidade
desses estarem ou não na sopa das crianças, como se
pode ver no excerto que reproduzimos abaixo:
O que que tem na sopa do neném?
O que que tem na sopa do neném?
Será que tem farinha?
Será que tem balinha!?
Será que tem macarrão?
Será que tem caminhão?!
(refrão) É um, é dois, é três...
(Sopa, Paulo Tatit e Sandra Peres, 1996)
Já na canção “criança não trabalha” o que está
em destaque é uma problemática social – o trabalho
dra Peres e Paulo Tatit e tem, inclusive, o seu CD, intitulado
Pé com pé, patrocinado pela Petrobras, Ministério da Cultura,
através da lei de Incentivo à cultura. O grupo também participa
com freqüência da apresentação de espetáculos teatrais
10
A dupla já recebeu 4 prêmios Sharp. Entre os seus CDs
destacam-se: (2008) Palavra Cantada Tocada (2008); Carnaval Palavra Cantada (2005); Pé com pé (2004); Palavra
Cantada 10 anos (2003); Meu neném (2001); Canções
do Brasil (1999); Noite Feliz -Histórias de Natal (1999); Mil
pássaros-Sete histórias de Ruth Rocha (data).
infantil -, que vai sendo entremeada à enumeração
de termos vinculados ao mundo infantil, como podemos ver no excerto que transcrevemos a seguir:
Giz, merthiolate, band-aid, sabã
Tênis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão
Pega-pega, papel, papelão
(refrão) Criança não trabalha, criança dá trabalho
Criança não trabalha, criança dá trabalho
(Criança não trabalha, Arnaldo Antunes e Paulo
Tatit, 1998)
Mas, é possível dizer, que tanto nas canções do
grupo Palavra Cantada, quanto nas da dupla Patati
Patatá, brinca-se, com freqüência, com as letras das
músicas pelo uso de jogos de palavras, pela troca de
letras e pelo uso de outros recursos semelhantes a
esses, como é possível ver nos exemplos abaixo:
quem é esse menino, esse menino é meu vizinho
onde ele mora, mora lá naquela casa
onde está a casa, a casa tá na rua
onde está a rua, tá dentro da cidade. onde está a
cidade, tá do lado da floresta
(refrão) onde está a floresta, a floresta é no Brasil
onde está o brasil?
(Ora Bolas, Paulo Tatit e Edith Derdyk,1996)
(refrão) P-pa p-tá p-ti
P-pa p-tá p-tá
p-vem p-a p-qui
p-vem p-can p-tar
P-pa p-tá p-ti
P-pa p-tá p-tá
Nossa brincadeira
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
137
Vai agora começar
(A Língua do P, Igor Haid para Patati Patatá, 2006)
Trava línguas é uma brincadeira,
Divertida e facíl de brincar,
É só enrrolar a língua fazendo
Ela dançar.
(refrão)Ooooooooooooooooooooooooooo
Olha o sapo dentro do saco
O saco com o sapo dentro
O sapo batendo papo
O papo soltando vento
(Patati Patatá, 2006)
Mas o que nos interessou ressaltar é que tais
canções mobilizam as crianças a cantar, a dançar
e a brincar, fazendo frequentes chamamentos à
aquisição de hábitos sociais que devem passar a
integrar a sua rotina diária – ou seja, hábitos que
se pretende sejam por elas aprendidos – escovar os
dentes, tomar banho todos os dias etc.
Como as professoras destacaram nas entrevistas,
elas utilizam bastante os CD´s disponibilizados pela
Escola, procurando outros, apenas, quando isso
se faz necessário em função de algumas propostas
mais pontuais. Mas elas também enfatizaram que
privilegiam os CD´s que estimulam as crianças a se
movimentarem no ritmo da música, constituindose esse “tipo” de música, segundo elas, no repertório
ideal a ser apresentado para os alunos: ou seja,
parece-lhes que sua tarefa é lidar com um repertório
que seja diferente do apresentado às crianças fora
da escola.
Nesse sentido, então, a escola forneceria alternativas à massificação do gosto musical perpetrada
138
pela mídia, operando na aquisição de uma cultura
musical e na exploração de ritmos variados ao
valer-se, exclusivamente, do que é endereçado ao
público infantil.
Como argumentamos neste estudo, as crianças não apreendem apenas com as canções
selecionadas por suas professoras para integrarem as atividades escolares, mas, também,
com aquelas com as quais convivem em outros
espaços sociais, sendo que essas também adentram a escola.
Como as professoras registraram nas entrevistas, é comum presenciar-se as crianças dançando
e cantando funk, rap ou rock, que integram trilhas
sonoras de novelas, nos recreios, ou seja, vê-las
reproduzindo o que escutam e veem na mídia,
mas, também, em cultos religiosos e em outros
locais sociais.
Entre as canções que as crianças cantam e
dançam espontaneamente na escola estão: Faz
um milagre em mim, interpretada pelo funkeiro
carioca Mc Marcinho; Você não vale nada,
interpretada pelo grupo de forró sergipano
Calcinha Preta, (2009); A gente bota pra quebrar do grupo Exaltasamba, 2009; Dança do
Creu, composta e interpretada pelo DJ carioca
Sérgio Costa, mais conhecido como Mc Creu;
Late que eu to passando, interpretada pelo grupo
de funk carioca Gaiola das Popozudas, 2007; e
Tropa de elite, interpretada pelo grupo paulista
de rock alternativo Tihuana, 2009, todas elas
reproduzidas especialmente nas rádios AM e
em certos programas televisivos de auditório,
bastante populares.
Apresentamos no excerto abaixo estrofe de um
funk religioso bastante popular entre as crianças da
escola pesquisada:
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Como Zaqueu, eu quero subir
O mais alto que eu puder
Só pra te ver, olhar para ti
E chamar sua atenção para mim
Eu preciso de ti, Senhor
Eu preciso de ti, ó pai
Sou pequeno demais, me da a tua paz
Largo tudo pra te seguir
Entra na minha casa, entra na minha vida
mexe com minha estrutura
Sara todas as feridas
Me ensina a ter santidade
Quero amar somente á ti
Por que o senhor é meu bem maior
Faz um milagre em mim
(Faz um milagre em mim, Mc Marcinho, 2009)
Reproduzimos, também, estrofe de uma das
canções que têm assustado as professoras pelo
conteúdo da sua letra
Agora O bicho vai pegar!!!
Tô chegando de bicho, Tô chegando e é de
bicho
Pode parar com essa história de se fazer de
difícil
Que eu tô chegando, tô chegando e é de bicho
Pode parar com essa marra, pode ir parando
com isso
(Tropa de elite, Banda Tihuana, 2009)
Letras de músicas como essa, bem como as
coreografias com as quais elas são apresentadas
nos programas de televisão, abusam do “duplo
sentido” e, ao serem dançadas, de gestos sensuais,
com forte alusão a práticas sexuais. As professoras
declararam-se surpresas e até assustadas com o
acesso que as crianças têm a tais canções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A música tem sido utilizada para interpelar
intensa e cada vez mais prematuramente às crianças. Em função disso, argumentamos no estudo ser
importante atentar para as canções que circulam
nas escolas, pois essas intencionadamente, ou não,
atuam na produção de modos das crianças postaremse e sensibilizarem-se frente ao mundo. Ou seja,
consideramos atuarem as canções como peculiares
formas de pedagogias culturais nas quais quem “dá
as aulas” são os interpretes/cantores/autores, mesmo
que isso se dê, muitas vezes, independentemente da
intenção desses sujeitos buscarem deliberadamente
ensinar até porque as organizações que atuam na
produção dessas pedagogias culturais não são usualmente configuradas como educativas, mas como
movidas por interesses de outras ordens - literários,
religiosos, de entretenimento ou comerciais, como
salientou Steinberg (1997), ao examinar outras
produções culturais igualmente presentes no mundo contemporâneo. Como enfatizou Stuart Hall
(1997), é no trânsito por diferentes instâncias sociais
e culturais que ocorre o processo de naturalização
das representações! Ou seja, é nesse processo que
essas ganham estatuto de verdades, ao deixarem de
ser questionadas e ao passarem a ser reiteradamente
enunciadas e repetidas, enquanto a compreensão de
que são criadas/produzidas em um discurso culturalmente impregnado também vai sendo apagada.
E esses são alguns dos motivos que levam os
educadores, que se valem do campo dos Estudos
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
139
Culturais, a atentarem tão frequentemente para os
significados que circulam nas diferenciadas formas
de produções culturais sejam essas diretamente,
ou não, implicadas nas ações consideradas como
eminentemente escolares.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Casais que decidem não ter filhos: motivos,
sentimentos e impressões
aManda dornel riBas1
carla Meira kreuTz2
RESUMO
Ao longo das últimas décadas, tem crescido o número de casais que optam por não querer ter filhos. Este estudo
objetivou verificar os motivos que levam os casais a tal decisão, bem como seus sentimentos e impressões frente à sociedade.
Participaram desta pesquisa dois casais, tendo sido entrevistados individualmente. Os resultados apontam para uma
decisão calcada em diversos fatores, baseados na vivência de cada um e em seu meio social. Além disso, os entrevistados
não se imaginam pais, não se sentem com o perfil para ter um filho e priorizam a liberdade de vida a dois.
palavras-Chave: casal, família, sentimentos, não ter filhos, sem filhos.
ABSTRACT
Over the past, a large number of couples have decided not to have children’s. This study has focused the understanding of this decision, feelings and social impressions. In this study, two couples were interviewed singly. Results obtained
shows that the decision is related to many factors, some regarding life experience and social relations. Beyond that,
the couples do not see themselves as parents or have the cutout to be a parent, they prioritize their lives as a couple.
Keywords: couple, family, feelings, no child’s, no kids.
¹ Acadêmica do curso de Psicologia/ULBRA Gravataí ([email protected])
² Professora-Orientadora do Curso de Psicologia/ULBRA
Gravataí
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
141
INTRODUÇÃO
Quando o homem e a mulher se casam é comum
surgirem questionamentos referentes à provável
chegada de um bebê na família. Porém, com as
mudanças no histórico familiar e na concepção de
família, está se tornando mais freqüente ouvir-se
falar de casais que decidem não ter filhos. Crepaldi
et al. (2006) relatam que até a década de 50, o
pai era considerado responsável pelo sustento da
família enquanto as mães eram responsáveis pelas
atividades domésticas, pelo cuidado das crianças
e por suprir as necessidades emocionais de seus
filhos. Amato (em Crepaldi et al., 2006) aponta que
transformações econômicas e ideológicas, como a
recessão dos anos 70 e 80 e o movimento feminista
influenciaram a entrada das mulheres no mercado
de trabalho, passando a dividir com o homem o
papel de provedor da família.
Com a inserção das mulheres no mercado
profissional, a força de trabalho se tornou mais
equilibrada, povoada por homens e mulheres, mas
não houve um deslocamento comparável de homens para a esfera doméstica, e assim houve uma
desvalorização da tarefa de criar filhos. Castells
(1999) relata que, em decorrência desses processos,
o casamento contemporâneo configura um estilo
relacional muito diferente daquele existente no
início do século passado. Conforme Ramos (em
Montovani, 2007), muitas mulheres não chegam a
tomar uma decisão consciente sobre o tema de ter
ou não ter filhos, mas adiam a maternidade para se
dedicar à carreira até que chega uma hora em que
fica mais difícil engravidar e desistem.
Ramos (em Montovani, 2007) afirma que cada
vez mais as pessoas têm consciência do esforço que
significa criar um filho, da dedicação e dos custos
econômicos e emocionais envolvidos, assim, a difi-
142
culdade de educar crianças na atualidade é um dos
motivos que levam muitas mulheres a questionarem
a vontade de engravidar. Piccinini et al. (2004)
complementam que ter um filho gera menos tempo
para as intimidades do casal, os gastos são maiores,
as tarefas diárias aumentam, a divisão dos afazeres é
necessária, e com isto os conflitos conjugais tendem
a crescer.
Segundo os dados do IBGE, em 2004, há cerca
de 8,18 milhões de casais sem filhos no Brasil,
sendo que a região Sul é a recordista, com 18%
de suas famílias assim constituídas. No Brasil,
em 2006, já havia 15,6% de casais sem filhos,
revelando um aumento nos últimos dez anos
(IBGE, 2009). Dentro dos possíveis motivos que
levam casais à decisão de não ter filhos, Kakuta
e Ribeiro (2008) citam o fator econômico, custo
de vida, dificuldades de emprego e renda, além da
baixa qualidade dos serviços públicos de saúde e
educação, que acabam também por desestimular
a idéia. Estudos do IBGE apontam que casais
sem filhos têm renda substancialmente maior que
casais com filhos, provavelmente, porque podem
trabalhar mais facilmente e investir mais em sua
capacitação e formação profissional.
Conforme o referencial teórico apresentado
existe uma série de fatores que podem contribuir
para que os casais decidam não ter filhos. Segundo
Perlin e Diniz (2005), a complexidade das mudanças nos papéis e as funções sociais de homens
e mulheres coloca pesquisadores das relações
humanas diante da necessidade de ampliar o foco
de análise das relações interpessoais para compreender os novos modelos de casamento que estão
surgindo. Desta forma, este estudo teve por objetivo
verificar os motivos que levam os casais à decisão
de não ter filhos, investigando seus sentimentos e
impressões.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
MATERIAL E MÉTODOS
Delineamento
Para este estudo, foi utilizada a metodologia qualitativa de estudos de casos múltiplos (Yin, 2001).
Apresentação dos resultados
Abaixo serão apresentadas primeiramente
sucintas impressões dos casais entrevistados e posteriormente serão vistas as categorias temáticas que
surgiram das entrevistas. Serão utilizadas as letras M
para identificar as mulheres e H para os homens.
Impressão Geral Transmitida
Participantes
Participaram desta pesquisa dois casais, sendo
um deles casado há 5 anos, e o outro há 20 anos,
todos tinham escolaridade semelhante (superior
completo e incompleto). Os participantes foram
buscados por conveniência.
Instrumentos
Foi utilizada para esta pesquisa uma ficha de
identificação juntamente com uma entrevista
semi-estruturada a ser aplicada individualmente.
As entrevistas foram gravadas e posteriormente
transcritas para a análise de dados.
Procedimento de coleta e
análise dos dados
A pesquisadora convidou os casais para participarem da pesquisa. O Termo de consentimento
livre e esclarecido foi lido em conjunto com os
participantes e depois de terem concordado e assinado foi preenchida a ficha de identificação dos
participantes e deu-se início à entrevista.
As respostas dos participantes foram analisadas
através da análise de conteúdo baseada em Bardin
(1977).
Casal 1: O casal 1 convive há 20 anos, com
estabilidade financeira. O casal mostra ter a idéia
de não ter filhos bastante clara, apesar de não ter
ocorrido uma conversa formal para formular esta
decisão, ela foi construída ao longo dos anos que o
casal mora junto. E hoje, inclusive pela idade, eles
não vêem possibilidade de retomar esta escolha.
M1: 42 anos, é concursada e trabalha em um
órgão público de sua cidade. A entrevistada veio de
uma prole de quatro filhos, sendo filha mais nova
de seus pais. Assim, tem três irmãos mais velhos,
do sexo masculino, todos casados e com filhos. M1
descreve-se como uma pessoa “bem resolvida” (sic)
e com bom relacionamento interpessoal, comunicase de forma clara. Na entrevista parece expor suas
idéias livremente, fala de suas exigências e considera não ter “... perfil para ser mãe, conceber um
ser e correr o risco de fazê-lo ter problemas futuros”
(sic) decorrentes de sua postura. Mostra-se bastante
convicta de sua decisão, com um marido que lhe
apóia no tema.
H1: 53 anos, é funcionário de um hospital de
sua cidade. Sua comunicação é bastante objetiva,
assim como sua decisão de não-paternidade. Parece
ser uma pessoa franca, que revela não ter perfil para
ser pai. Considera-se impotente para ter filhos e
para garantir o futuro de uma criança, além disso,
traz sua experiência enquanto filho como influência
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
143
na falta de interesse em ter filhos. Quanto a sua vida
particular, mostra-se mais caseiro, com zelo por sua
liberdade e autonomia, em curtir seus momentos e
lazer sem empecilhos.
casal 2: Estão casados há 5 anos, com grande estabilidade financeira, ocupando cargos de
status nas instituições nas quais trabalham. O
casal se mostra bem decidido quanto a não ter
filhos. Relatam ter uma vida bastante ocupada,
trabalhando em mais de um local e percebem
que faltaria espaço para um filho nesta rotina.
Além disso, as experiências vividas por familiares,
inclusive de seus pais junto a seus irmãos foram
descritos como tendo um papel importante na
decisão. Não houve uma conversa formal entre
o casal para esta escolha, mas ao longo do tempo
sempre deixaram muito claro, um para o outro, a
opção de não querer ter filhos.
M2: 35 anos, tem curso superior completo e
trabalha em 4 locais diferentes na região onde mora.
Comunica-se bastante, com uma vasta gama de
conteúdos frente às perguntas. É uma pessoa desenvolta, dinâmica e habituada a fazer várias tarefas
no seu dia, estar em vários lugares. Parece ser uma
pessoa que facilmente consegue liderar uma conversa ou relação, mostrando-se bastante decidida
em seus posicionamentos e argumentos. Além de
suas ocupações diárias, mostra que a decisão de não
ter filhos está muito ligada a experiências de amigos
e parentes que presenciou e temeria reproduzir.
Também destaca não ter perfil para ser mãe, já que
refere não ter afeto por crianças.
H2: 33 anos, também tem nível superior completo e trabalha em seis locais diferentes. Tem um
irmão de 31 anos que é solteiro, formado, porém
não trabalha, o que o entrevistado informa ser
um problema para seus pais. A comunicação de
H2 é clara e objetiva. Fundamenta sua decisão
144
de não ter filhos principalmente nas experiências
que presenciou em sua família, refletindo sobre a
responsabilidade e medos de ter um filho. Além
disso, o participante prioriza suas horas de lazer
com viagens e não vê este espaço de liberdade ser
mantido com a presença de um filho.
Impressões e idéias sobre si
mesmo frente à maternidade/
paternidade, gravidez e
desenvolvimento de filhos
Nesta categoria, são expostas as reflexões dos
dois casais no que diz respeito ao seu próprio perfil,
modo de agir e pensar. São apresentados relatos sobre a relação disto com a decisão de não optar pela
maternidade/paternidade. Alguns participantes
relataram que entendem como natural esta decisão
de não ter filhos.
“Eu acho que a decisão foi construída, porque a
gente nunca cogitou ter filhos, foi assim, quando
eu conheci ele, eu não pensava que eu ia ter filhos,
não foi dito assim ‘Ah, não vamos ter filhos’, não,
não existia o plano de né, não existia, não se ficava
planejando isso, assim.” (M1)
Alguns participantes falaram sobre seu perfil,
identificando características suas como não ter
dom para a parentalidade ou a possibilidade de
prejudicar um filho, trazendo também uma visão
pejorativa das crianças, até mesmo agressiva.
“É muita responsabilidade, um pouco de egoísmo
também porque, criar filhos não é simplesmente
ta colocando no mundo aí, então, e eu não tenho
este dom pra ser pai. Eu tenho um pavio muito
curto, criança eu gosto muito com batatinha e
no forno né (risos).” (H1)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Idéias negativas relacionadas à gestação, amamentação e crianças também foram trazidas por
uma das entrevistadas.
“Eu não consigo me imaginar amamentando,
não consigo me imaginar grávida, eu acho horrível mulher grávida! [...] eu acho muito nojento
amamentar [...] eu acho que as pessoas ficam
meio retardadas quando tão grávidas, fica todo
mundo “ahhh” babando aquela criança [...]
não curto esse negócio, não toca o meu coração
[...] eu não gosto muito de criança também [...]
Eu gosto muito de animais, então se eu vejo um
cachorro eu me sensibilizo muito mais do que se
eu vejo uma criança.” (M2)
Outros apontam o medo frente ao futuro de
um possível filho.
“É complicado, então passa realmente um monte
de coisas na cabeça da gente, principalmente,
aquela sensação de impotência, é isso, a sensação de impotência é muito grande.” (H1)
Outros participantes falam de suas ansiedades
perante a responsabilidade de permanentemente
ter um filho.
“Não tem como tu devolver. Não é produto. [...] é
uma duplicata que tu nunca mais descarta, tu arrasta essa duplicata pro resto da tua vida.” (H1)
Alguns, ao refletir sobre seu perfil, falam da
afeição com crianças, porém sem alterar a decisão
de não ter filhos.
“E eu adoro crianças, tenho meus sobrinhos
sabe, enfim, tô satisfeita. Tenho uma afiliada,
tenho né, tô satisfeita, de outra forma.” (M1)
Já outra participante relata a não afeição com
crianças.
“Eu nem gosto muito de ser chamada de tia,
inclusive eu odeio ser madrinha de crianças dos
outros, tem estes gêmeos, eu sou madrinha de um
deles, mas eu acho isso aí uma imposição que
me convidaram [...] pra mim é a mesma coisa
que nada, infelizmente. As crianças também
não têm afeto por mim.” (M2)
O papel da mulher na decisão do casal por não
ter filhos também é relatada nas falas das mulheres
entrevistadas.
“Eu acho que quando a mulher quer ter filho,
não tem cristo que segure, o homem abre mão
disso [...] eu acho que o homem é maleável nesse
assunto, ele topa não ter se quer, e topa ter se
ela quer.” (M1)
Os relatos acima demonstram diversidades
de impressões e de idéias acerca de si mesmos,
que contribuem para que os casais optem por
não ter filhos. É visto que em suas falas, alguns
falam do seu próprio nível de exigência até a
responsabilidade para ter um filho. Estes casais
salientam a sua própria falta de perfil e temem o
comprometimento com possíveis filhos. Mansur
(2003), em sua pesquisa com mulheres voluntariamente sem filhos, já falava da questão complexa
e fundamental da identificação, a mulher é um ser
dotado de capacidade de simbolizar, e o desejo de
ser mãe é bastante complexo e difícil de isolar na
intrincada rede de fatores psicológicos e sociais.
Neste estudo voltado aos casais, também se pode
entender desta forma, já que os casais não conseguem se imaginar pais. Alguns, em suas falas,
inclusive apontam características próprias que
acreditam prejudicar na criação de um filho, como
impaciência, pouco afeto com crianças, egoísmo,
sensação de impotência, perfeccionismo, pouca
estrutura emocional. Os aspectos ilustrados nas
falas, somados ao medo de conceber um filho,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
145
medo da responsabilidade fazem com que um filho
seja visto como uma ameaça.
É visto no H1 uma forma mais sarcástica e agressiva de falar do tema filhos. Isto vai ao encontro
da forma irônica com que Maier (2008) aponta os
motivos para não se ter filhos. A autora afirma que
a rotina com crianças passa a ser de gritos à noite,
pais irritados, estragos nos finais de semana, e que
“com crianças a tiracolo você só será visto como
‘papai’ ou ‘mamãe’, você deixa de existir na primeira
pessoa” (p.32). Isto nos mostra uma forma mais
agressiva de reação, pois a escolha voluntária por
não ter filhos está ligada a sentimentos de frieza e
rejeição às crianças, que parecem ser sentidos como
seres inimigos.
Stam (em Mansur, 2003) avalia que a decisão
de ter filhos é uma escolha difícil e irreversível,
pois não é possível fazer um teste prático com um
filho para saber se vai dar certo. Isto corrobora o
relato de alguns participantes, sobre seus medos
de não saber como pode ser a realidade de ter um
filho, temendo arriscar e ter problemas futuros.
Outro ponto destacado nestes relatos foi à falta
de desejo por parte da mulher do segundo casal,
quanto à gestação e criação de um filho. Winnicott
(1978), por sua vez, enumerou motivos para uma
mãe detestar o próprio bebê: é um perigo para o
seu corpo, uma interferência em sua vida privada,
machuca-lhe os seios, impõe a sua lei, lhe deixa
frustrada. Conforme Mansur (2003), quando uma
mulher reconhece que não tem vocação para
a maternidade e escolhe manter uma vida sem
filhos, evita sujeitar-se a obrigações e demandas
consideradas excessivas, garantindo a preservação
da liberdade e autonomia que julga fundamental
para seu bem-estar.
146
Experiências vividas/
presenciadas que influenciam
a escolha de não ter filhos
Nesta categoria, exploram-se os relatos dos
casais entrevistados acerca de situações reais que
viram em suas famílias, ou mesmo que presenciaram
e que os fizeram refletir sobre o tema e contribuir na
decisão de viver sem ter filhos. Alguns participantes
falaram de experiências mal-sucedidas com crianças
e adolescentes de suas famílias.
“Pode estar vinculado a exemplos de família,
das famílias nossas [...] às vezes uma pessoa
que tu dá tudo e ela não corresponde, né. [...]
tem pessoas que tu dá tudo, dá bom colégio,
paga cursinho, escolhe o que tem de melhor, e
o cara não quer nada com nada, vai indo por
outro caminho, aquilo pra ti é um estresse.”
(H2)
A experiência difícil de amigos também é relatada por uma participante.
“Minha melhor amiga na faculdade teve gêmeos,
ela engravidou, aliás, ela engravidou assim sem
ter planejado, a mãe dela morreu, a sogra dela é
a mesma coisa que nada, mora em SP. E aí, eu vi
o trabalho que ela passou, como dá trabalho ter
dois bebezinhos, nasceram prematuros, e aí eu vi
aquilo ali e não quero pra mim essa trabalheira
toda.” (M2)
Outro participante, fala de sua própria infância
e recorda situações passadas por seus pais que dificultaram a criação dos filhos.
“É, porque eu vi o sacrifício dos meus pais,
em trazer alimento pra dentro de casa, porque
meu pai teve desempregado muitos anos, pegou
justamente aquela época da ditadura [...] isso
aí rolou seis anos, ao ponto da gente ter que
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almoçar um café com leite, e às vezes tinha pão,
e outras vezes não.” (H1)
Um participante fala sobre o medo relacionado
às doenças.
“A gente vê muita coisa, assim de doença, de
criança que não nasce normal, que tá tudo bem
e de repente aparece uma coisa.” (M2)
Outro fala sobre a perda de liberdade que algumas pessoas próximas tiveram.
“A gente tava num churrasco lá, o dia inteiro,
bebendo, alugamos chopp e tal... e o cara que
tinha filho não foi, tu vê, não pôde ir, porque tem
filho e tal.” (H2)
A violência e dificuldades reais também são
relatadas.
“Essa insegurança no Brasil eu tenho medo. Não
quero que o meu filho, eventualmente se tivesse
um filho, passe por isso, acho horrível [...] fui
assaltada num salão de beleza, minha mãe já foi
assaltada, minha irmã já foi sequestrada, então
é só uma questão de tempo assim né, e eu tenho
muito medo disso.” (M2)
No relato a seguir temos um exemplo de experiência de chantagem emocional dos pais e a não
compreensão dos sentimentos maternos. Parece
que a força da relação com um filho é assustadora
para a participante.
“A minha mãe sempre fazia um pouco de terrorismo assim, meu pai também quando a gente
ia viajar, ‘ah não viaja minha filha, não viaja, é
perigoso, é isso e aquilo’. Eles botavam um pouco
de culpa sabe, a minha mãe chegou a nos dizer
que se a gente morresse ela se matava. Então,
é uma coisa assim que eu acho muito forte,
porque se tu tem um filho, que todo mundo diz
que é a melhor coisa do mundo, e aí morre e tu
se mata? Pó! Que droga então, melhor não ter,
porque que eu vou correr o risco de me matar,
nunca pensei em me matar, não sou nenhuma
tendência depressiva, suicida, é mais fácil eu
matar outra pessoa.” (M2, 35)
É possível verificar o impacto que as situações
presenciadas e falas de amigos e familiares acerca
do tema tiveram para a decisão de ter ou não ter
filhos. Situações como as descritas, parecem ter
marcado os entrevistados, que não quiseram ter
vivências semelhantes.
Mansur (2003) cita que toda mulher obtém da
experiência com a própria mãe a noção do que é
ser mãe. Quando opta por não ter filhos, corta um
vínculo importante com a mãe, diferenciando-se
dela e da família original. Isso vai ao encontro do
que aparece neste estudo, pois é visto que os entrevistados também atribuem à decisão de não ter
filhos às experiências que tiveram enquanto filhos.
As dificuldades passadas pelos pais para criá-los e
as possíveis frustrações que permeiam estes pais
fazem com que os casais não desejem enfrentar uma
situação de eles próprios serem pais e terem filhos.
Mansur (2003) afirma que mulheres que decidem
não ter filhos relatam que tê-los implicaria dispor
de recursos afetivos que não foram desenvolvidos
junto à família primária. Parecem temer que a maternidade as transforme na própria mãe, ou que um
bebê pudesse ser tão invasivo e controlador como
suas mães foram. Quando M2 menciona sobre o
“terrorismo” que sua mãe lhe fazia, pode-se verificar o temor de reproduzir esta situação ao viver o
papel de mãe.
A complexidade de criar e educar um filho,
já tendo sido filho e já tendo sido espectador dos
próprios pais no papel parental causa a sensação
de impotência frente a novas descobertas. Porém,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
147
Bonini-Vieira (em Mansur, 2003) avalia que considerar vivências familiares negativas como impedimento para ter filhos pode ser uma conclusão
simplista. No entanto, pode-se constatar que os
relatos a respeito dessas vivências mostram que
elas têm forte peso na decisão de não ter filhos. As
experiências presenciadas e os modelos possibilitam
a reflexão acerca de situações ainda não vividas,
caminhos que lhes trouxeram situações de angústia e desamparo, que agora poderão ser mais bem
analisados antes de serem trilhados.
Vantagens acerca da decisão
de não ter filhos
Nesta categoria são apresentadas reflexões dos
entrevistados que dizem respeito às vantagens de
não conceber um filho. Os dois casais falam sobre
a autonomia e liberdade do casal e seu direito de ir
e vir. Tanto homens quanto mulheres falaram da
sua autonomia e da vantagem financeira.
“Vantagem econômica, emocional, disponibilidade, essas coisas assim, a gente tá disponível
para as coisas que planeja e quer fazer. Ah,
economicamente nem se fala assim, seria uma
das maiores vantagens.” (M1)
Uma entrevistada fala da possível dedicação
aos pais.
“Justamente por não ter filho, a gente consegue
se dedicar aos pais [...] a minha sogra que faleceu há dois anos, a gente também dava atenção,
saia com ela. Sim, porque tu não tem filhos, tu
não tá envolvida, atolada em compromissos e
dívidas com seus filhos, aí tu consegue dar um
pouco de energia para os pais.” (M1)
É percebido nos relatos acima que os casais
buscam priorizar seus próprios programas, plane-
148
jando-os conforme suas próprias conveniências.
Os participantes relatam sentir que podem ter
mais liberdade e autonomia dessa forma. Por
outro lado, pode-se pensar nos papéis que eles
podem estar cumprindo de cuidar dos próprios
pais, pois há uma inversão do ciclo de vida familiar que favorece os pais. Pode-se pensar que os
casais sem filhos já tem, muitas vezes antes do
casamento, um papel importante de cuidados
para com os pais. No primeiro casal, os passeios e
visitas freqüentes aos pais parecem ser exemplos
disto. No segundo casal, ambos têm irmãos que
já são adultos, porém, não trabalham. Portanto
esse casal pode ter um papel de mais responsabilidade com a chegada da velhice de seus pais.
É possível pensar que a liberdade que os casais
relatam seja relativa, pois eles podem não estar
livres e sim presos a seus pais e a papéis delegados
por esses últimos.
Quanto ao aspecto financeiro, os casais relatam uma vantagem econômica ao escolher não
ter filhos. Nesse mesmo sentido, Almeida (2008)
fala dos “dinks”, grupo que significa em inglês
‘double income and no kids’, ou seja, dupla renda e nenhuma criança. Esses casais dos Estados
Unidos, por opção, privilegiam a carreira e o lazer,
e com isso, são um fenômeno da classe média.
Além disso, em países como EUA, Inglaterra e
Canadá, já há organizações que oferecem apoio
e informações para as pessoas sem filhos (No
Kidding!, Childless by Voice, Childfree Association).
Mansur (2003) salienta uma distinção feita na
língua inglesa, o termo childfree é empregado
atualmente com a intenção de desestigmatizar
a opção por uma vida sem filhos, já que o termo
childless, tradicionalmente utilizado, carrega em
si a conotação de ausência ou falta involuntária,
que é muito diferente da possibilidade de escolher um modo ou estilo de vida. Esta categoria
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
de vantagens para não ter filhos, por si só, não
parece justificar os motivos que levam os casais
a esta escolha, mas, em contrapartida, são estas
vantagens que reforçam e solidificam esta decisão
nos dois casais entrevistados.
Desvantagens acerca da
decisão de não ter filhos
Nesta categoria foram exploradas as percepções
dos entrevistados acerca das possíveis desvantagens
de não ter um filho, de como isto é percebido e
sentido por eles. Um entrevistado fala sobre o fim
do sobrenome de sua família.
“Eu sou o último Santos da minha família, o
nome da minha família morre comigo. [...] E
na verdade pô, senti a necessidade de perpetuar
essa, essa questão né, mas aí... olha... vai ficar
comigo e era isso. (risos). (H1)
Outro fala da possibilidade de ficar de fora de
assuntos da roda de amigos.
“Daqui a pouco, os meus amigos, da minha faixa
etária toda, já tão casados, alguns já começaram
a ter filhos, daqui a pouco a maioria do grupo
vai começar a ter filho. Talvez eu veja como
uma desvantagem, talvez ficar um pouco de
fora, vamos dizer, perder um pouco o vínculo
pelo fato de não estar seguindo aquela rotina,
seguindo a maioria.” (H2)
Também foi percebida a curiosidade dos sujeitos
entrevistados em saber como poderia ser um filho
oriundo dos seus casamentos.
“Eu tenho defeitos claro, mas também tenho
qualidades que, de repente, juntando com as
qualidade do L, a gente poderia ter um filho
maravilhoso, assim como poderia ter uma praga
né [...] Assim, por frações de segundo eu penso
[...] se tivesse um filho, nasceria com os olhos
dele, com o cabelo dele...” (M2)
Um participante fala de não poder presenciar o
desenvolvimento de um filho.
“Não deixa de ser uma desvantagem, perder
isso, pois deve ser uma experiência notável ver
uma criança crescer, tu ensinar a criança, ver
falar teu nome, caminhar e coisa.” (H2)
Uma entrevistada fala da preocupação em não
ter um filho se precisar de cuidados.
“Se ficar doente, isso sim, não vai ter quem te
cuide, isso é a única coisa que hoje em dia eu
penso sabe.” (M2)
Por outro lado, outros participantes consideram
pensar sobre esta desvantagem um desrespeito ao
filho.
A possibilidade de trabalhar a paciência também
é citada por uma entrevistada.
“Eu acho uma frase horrível, ‘ah, quem é que
vai te cuidar quando tu ficar velho, tu vai ficar
velho e não vai ter ninguém pra te amparar’,
eu acho isso uma frase meio egoísta, porque na
verdade então as pessoas tem filhos pensando
em si, pensando em si no futuro.” (H2)
“Talvez exercitar a doação, a paciência no extremo que eu acho que a maternidade traz, então
seria uma experiência de vida, é uma experiência
de vida que deixo de ter.” (M1)
Os relatos acima demonstram as reflexões feitas
pelos casais acerca das possíveis desvantagens em
não ter um filho. É percebido que eles vêem desvantagens no que diz respeito à curiosidade de conceber
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
149
um filho, ou então de acompanhar o seu desenvolvimento. Nas falas acima, um entrevistado refletiu
o fim do seu sobrenome, justamente pelo impacto
do rompimento de algo que seria natural, como se
fosse o “fim da sua família”. Um participante falou
da desvantagem de ficar fora dos assuntos comuns
do seu meio social, já que percebe a maioria de seus
amigos casando e na seqüência, tendo filhos. Assim,
o temor de não estar inserido em seu grupo de iguais
faz com que reflita a falta de filhos. Além disso, foi
levantado o fato do filho proporcionar o exercício
da paciência e doação, já que a responsabilidade e
a entrega nos cuidados com um filho podem refletir
no crescimento destas características.
Foi visto que os participantes defendem a idéia
de que ter um filho pra usufruí-lo no futuro seria
um ato egoísta, até porque não podem afirmar
que o filho estaria disponível para esta proposta
após a idade adulta, apenas uma das participantes
revelou medo de um futuro possivelmente sem
amparo. Morisssette e Spain (1991), em seus estudos sobre a não-parentalidade comentam que a
decisão baseia-se nas condições sociais favoráveis
ou desfavoráveis à parentalidade. Nesse sentido,
utiliza-se da teoria de custos e benefícios para concluir que a não-parentalidade voluntária exprime
uma escolha de vida que é simplesmente diferente,
normal e aceitável. Assim, pode-se pensar que os
casais conseguem refletir e discutir sobre pontos
positivos ao pensar em ter um filho, mas sempre, ao
ponderar, eles enxergam mais razões que os fazem
desistir dessa idéia.
Imposição social e familiar
Nesta categoria, explora-se o impacto da decisão
de não ter filhos frente à sociedade, de como os
quatro entrevistados percebem a família, amigos e
150
sociedade frente à decisão dos mesmos de não terem
filhos. Alguns trazem a fala de alguns familiares ao
perceber o não movimento para ter filhos.
“Meu sogro às vezes faz chantagens [...] A
minha mãe às vezes me dá assim, artigos que
ela pega [...] faz pequenas coisas assim, tenta
sutilmente ver se mudo de idéia. O meu pai não,
a minha mãe é a única que toca no assunto.”
(M2)
Já outros relatam menor posicionamento da
família quanto ao assunto.
“A minha mãe nunca perguntou se ia ser avó,
na minha família nunca houve esse questionamento.” (H1)
Nas reflexões, alguns entrevistados percebem
uma aceitação por parte de pessoas mais próximas
e mesmo da sociedade.
“Acho que as pessoas estão se dando conta que hoje
em dia botar filho no mundo não é bem assim [...]
mas acho que tem, não digo preconceito, mas as
pessoas ficam relativamente chocadas quando tu
diz que não quer ter filhos [...] acho que a sociedade
ainda vê com certo choque assim quando tu afirma,
bate o martelo, quando tu veemente diz ‘não quero
ter’. Eu até evito de dizer, digo: ‘ah, sei lá, não estou
programando...’, pra não me incomodar, pra não
ficar discutindo isso.” (H2)
Alguns falam da imposição social ligada à
religião.
“Eu acho que tem muito um conceito de religião,
acho que muitas famílias mais católicas assim,
acho que tem mais, acho que é quase... tipo tu
não ter filho é um pecado, grosseiramente, o
casamento é feito pra procriar assim, né. Então, e como eu acho que a gente ainda tem esta
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
influência forte, contribui pro choque de não ter
filho, aceitar.” (H2)
Os relatos acima demonstram que os casais
sofrem com a opinião da sociedade acerca da sua
decisão de não ter filhos, principalmente em relação
a sua rede de apoio, como família e amigos. Nos
relatos trazidos pelo primeiro casal quanto à decisão
de não ter filhos, que já tem isto estabelecido há
bastante tempo, não há questionamentos por parte
de seus pais. Apenas o irmão de M1 inicialmente
questionou a decisão, segundo a participante, mas
com o tempo todos os familiares assimilaram a
idéia. Já no segundo casal, que está casado há cinco anos, viu-se que os pais ainda tentam mostrar
uma visão favorável da vida com filhos. Para fugir
desta conversa, os mesmos falam que ainda estão
pensando sobre o assunto ou adiando devido aos
estudos. Porém, é visto que justamente por não
enfrentarem os questionamentos sociais com maior
rigidez, dão margem para a insistência familiar sobre
a possibilidade de ter filhos.
Maier (2008) afirma que, mesmo com a crescente tolerância às diversas formas de vida privada,
ainda há reprovação social aos casais que optam
por não ter filhos. Os que têm essa coragem são
vistos pelas pessoas ao redor como desviantes da
norma. Isso vai ao encontro do que os casais sentem, inclusive salientam a pressão religiosa, o fator
de procriação, segmento da família. Entretanto,
com os amigos, na medida em que os conhecem, é
visto que a decisão passa a ser mais aceita ou menos
questionada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mansur (2003) cita o desejo de se dedicar mais
à relação conjugal, dúvidas sobre a capacidade de
ser pai ou mãe, vontade de ter menor preocupação
com questões financeiras e inquietações em relação
à superpopulação e ao futuro do planeta como
razões comuns para que muitos casais abdiquem
da paternidade. Isto se confirma neste estudo, no
qual podemos constatar que há uma diversidade
de fatores para explicar a decisão de um casal de
abdicar da paternidade/maternidade. Alguns dos
fatores fortemente identificados por estes casais,
para não ter filhos, estão ligados as suas vivências
familiares, seus perfis e temperamento. A família e
os modelos que estes casais tiveram durante suas
vidas possibilitam reflexões e críticas acerca do
tema, que, unidos às dúvidas quanto à capacidade
de criar um filho, responsabilidades e perfil, os fazem
optar por uma vida sem filhos. Além disso, há aspectos ligados às experiências que já presenciaram,
aos anseios quanto às responsabilidades exigidas
na criação de um filho, medo de repetir exemplos
que não concordam, e até mesmo, para priorizar a
liberdade e autonomia que uma vida sem filhos os
proporciona. De qualquer maneira, a capacidade
dos participantes de identificarem que não querem
ou não se sentem em condições de serem pais, não
sucumbindo às pressões sociais e tomarem a decisão
de não ter filhos mostra-se um importante aspecto
a ser ressaltado. Afinal, a difícil tarefa da parentalidade necessita, acima de tudo, desejo de ter filhos
por parte dos pais para que se tenham pessoas (pais
e filhos) mais saudáveis e felizes.
A decisão de não ter filhos não é feita por um
único motivo, assim, esta decisão é vista como
multifatorial. Para maior aprofundamento acerca
de suas histórias, visto que este é um estudo de
caso, seria interessante a proposta de um segundo
momento de entrevistas com estes casais com maior
aprofundamento acerca de suas histórias de vida e
relação com seus próprios pais para investigar mais
acerca da influência na decisão. Outra possibilida-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
151
de, que pode ser sugerida para novos estudos na
área, diz respeito ao número de participantes, pois,
com um maior número também seria possível abordar novas temáticas, ou ainda melhor aprofundar
as já apresentadas.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Construção e análise das propriedades
psicométricas de um instrumento para avaliação de
estratégias de enfrentamento (coping) de situações
estressoras no contexto de trabalho
MiriaM raquel Wachholz sTrelhoW1
cheila de oliveira Bueno2
sheila gonçalves câMara3
Mary sandra carloTTo4
RESUMO
O presente estudo visou desenvolver um instrumento para avaliar as formas utilizadas pelos trabalhadores
para lidar com situações estressoras no contexto de trabalho (estratégias de coping). O instrumento inicial, de 45
itens, foi construído com base na literatura e entrevistas semi-estruturadas e avaliado em termos de sua validade
de conteúdo. A versão obtida foi aplicada em 232 trabalhadores da Região Metropolitana de Porto Alegre e os
dados submetidos a análise fatorial. O instrumento final consistiu de 19 itens divididos em cinco fatores: religiosidade, apoio social, evitação comportamental, evitação cognitiva e repercussões somáticas, com índices aceitáveis
de fidedignidade. Os fatores evitação cognitiva e repercussões somáticas devem ser reavaliados para uma versão
final, bem como se faz necessária uma ampliação da amostra de trabalhadores em outros estados brasileiros.
palavras-chave: estratégias de coping no trabalho, elaboração de instrumento, validação de construto.
1
Acadêmica do Curso de Psicologia/ULBRA – Bolsista
PROICT/ULBRA
3
Professora do Curso de Psicologia e do PPG em Saúde
Coletiva/ULBRA
2
Acadêmica do Curso de Psicologia/ULBRA – Bolsista IC/
CNPQ
4
Professora-Orientadora do Curso de Psicologia e do PPG
em Saúde Coletiva /ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
153
ABSTRACT
The present study aimed to develop an instrument to evaluate the ways used by workers to deal with stressful
situations in the work context (coping strategies). The first instrument, with 45 items, was constructed using the
literature and semi-structuralized interviews and evaluated in terms of its content validity. The obtained version
was applied in 232 workers from the metropolitan region of Porto Alegre and the data submitted to factorial
analysis. The final instrument consisted of 19 items divided into five factors: religiousness, social support, behavioral avoidance, cognitive avoidance and somatic repercussions, with acceptable reliability indexes. The cognitive
avoidance and somatic repercussions factors must be reevaluated for a final version of the instrument as well as
is necessary to expand the sample of workers in other Brazilian.
Keywords: coping strategies at work, instrument construction, construct validation.
INTRODUÇÃO
O interesse pelo estudo do estresse no trabalho
tem sido crescente na literatura científica, particularmente nos últimos anos. Uma razão para o
aumento de pesquisas sobre este tema deve-se ao
impacto negativo do estresse ocupacional na saúde
e no bem-estar dos trabalhadores e, conseqüentemente, no funcionamento e na efetividade das
organizações (JACQUES, 2003).
Atualmente, em função do grande desenvolvimento tecnológico, mais que em períodos anteriores, o mundo do trabalho requer uma mudança
de perfil dos seus trabalhadores em termos das
novas formas de organização, gestão e controle de
trabalho. Na intenção de ajustar-se a este perfil,
os trabalhadores se deparam com novas exigências
(multifuncionalidade e qualificação técnica) que
acabam se tornando importantes geradoras de estresse (GASPARINE; BARRETO; ASSUNçãO,
2006).
Todas as profissões e atividades laborais geram
algum grau de estresse. Omar e Paris (2008), afirmam que o estresse laboral tem sido definido como
as reações individuais às características do ambiente de trabalho percebidas como ameaçadoras
154
pelo trabalhador, surgindo a partir de um desajuste
entre as capacidades do individuo e as exigências
de seu trabalho. Entre os principais estressores
de trabalho estão a sobrecarga, os conflitos e a
falta de apoio de superiores e colegas, a falta de
recursos, a pressão do tempo e os baixos salários.
A percepção da incapacidade para lidar com as
demandas de trabalho conduz a uma diminuição
da satisfação com o trabalho.
As estratégias que o trabalhador utiliza para lidar
com as dificuldades que encontra em seu contexto
laboral podem constituir-se em um importante recurso para a manutenção de sua saúde e qualidade
de vida. Segundo Murta e Trócolli (2004), a forma
como a pessoa lida com as circunstâncias geradoras
de estresse exerce grande influência sobre sua saúde, modulando a gravidade do estresse resultante.
O modo como as pessoas enfrentam as múltiplas
exigências da vida com o objetivo de resolvê-las e
adaptar-se aos contextos nos quais estão inseridas
é denominado coping. Para Hudek-Knezecic e
Kardum (2000), coping representa uma das facetas
do estresse e uma das principais ferramentas para
o seu manejo. Ainda conforme os autores, consiste
na capacidade que o individuo possui de pensar e
agir frente a situações estressantes.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Coping
Há diversos modelos teóricos, diferentes em
suas especificidades, que abordam o tema de coping,
mas todos têm como base o modelo cognitivo de
estresse e coping de Lazarus e Folkman (1984),
que é genérico e aplicável a diferentes contextos
estressantes (FOLKMAN, 2009). Este considera
que os sentimentos, pensamentos e ações das
pessoas durante um evento estressante dependem
da avaliação que elas fazem da situação e de suas
capacidade para lidar com ela, ou seja, as estratégias
de coping. Essas representam esforços cognitivos e
comportamentais para lidar com situações estressantes e são classificadas como focadas no problema
ou focadas nas emoções (COHEN; BEM-ZUR;
ROSENFELD, 2008).
Quando o indivíduo busca estratégias de coping
focalizadas na emoção, os esforços estão sendo
dirigidos a uma busca de alívio da situação aversiva. São, normalmente, práticas voltadas a uma
descarga física dirigida a aspectos somáticos ou de
sentimentos que visam obter a mudança do estado
emocional. O coping focalizado no problema direciona-se não a mudar as conseqüências negativas
da situação estressante, mas a encontrar a origem
da situação na tentativa de solucioná-la. Ou seja,
as estratégias são no sentido de alterar a relação
geradora de estresse entre ambos (TAMAYO;
TRÓCCOLI, 2002).
Conforme os elementos descritos por Folkman
e Lazarus (1980), o estressor em potencial será
submetido a uma avaliação primária em termos
de significado e repercussões. A seguir, apenas o
evento estressante precisa ser considerado em termos de um prejuízo, uma ameaça ou um desafio.
Contando com os recursos pessoais de coping (ha-
bilidades de coping aprendidas no e do ambiente) e
os sócio-ecológicos de coping (condições e recursos
do ambiente em interação com o indivíduo), o
evento estressante será submetido a uma segunda
avaliação, na qual a busca de estratégias e a relação
custo-benefício são o foco. Neste ponto, são desenvolvidas as estratégias que podem ser focalizadas
no problema ou na emoção.
Uma vez estabelecidas as estratégias de coping
a serem utilizadas, obter-se-á um determinado
resultado que será submetido a uma reavaliação.
Em termos de método, Folkman e Lazarus (1980)
propõem a compreensão de coping em uma dimensão de aproximação vs. evitação, também conhecida
como coping ativo vs. passivo. Esta dimensão diz respeito à ação que o indivíduo realiza para responder
ao estressor, podendo ser aproximação/ativa ou
evitação/regulação emocional.
De acordo com Câmara, Sarriera e Remor
(2002), o desdobramento das dimensões do modelo
original dá origem a quatro categorias de coping:
aproximação comportamental, que consiste na
realização de uma ação concreta para afrontar a
situação estressante ou suas conseqüências; aproximação cognitiva, que corresponde a uma análise
lógica da situação, reavaliação positiva ou ensaio
mental de ações alternativas e suas conseqüências;
evitação comportamental, como uma busca de
compensações alternativas, abertura às emoções
e envolvimento em comportamentos impulsivos,
redutores de tensão; e, evitação cognitiva, traduzida
em pensamentos ou respostas que objetivam negar
ou minimizar a gravidade da situação de crise ou
suas conseqüências. Estudos de Cohen, Bem-Zur e
Rosenfeld (2008) reforçam que um maior uso do coping com foco nas emoções está significativamente
relacionado com maior estresse psicológico.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
155
Avaliação das estratégias
de enfrentamento no
contexto do trabalho
As pesquisas na área de coping têm se mantido
bastante produtivas nas últimas duas décadas
(PINHEIRO; TRÓCCOLI; TAMAYO, 2003).
Apesar disto, questões conceituais e metodológicas
envolvidas no estudo do construto permanecem
sob discussão. Dentre elas, ressaltam-se a falta de
consenso sobre os tipos de estratégias de coping a
serem avaliados (CARVER; SCHEIER; WEINTRAUB, 1989), a mensuração do construto, que
tem sido realizada através de uma variedade de
medidas, mas sem uma avaliação adequada quanto
às propriedades psicométricas (LATACK, 1986) e
o fato de as medidas de coping não considerarem os
fatores contextuais na identificação das estratégias
de enfrentamento a serem utilizadas (TAMAYO;
TRÓCCOLI, 2002).
No contexto ocupacional, alguns princípios sobre o processo do estresse já estão bem delimitados.
Sabe-se, por exemplo, que ter alta auto-eficácia
com respeito a manejar um estressor específico é
benéfico para a pessoa, e também que as opções de
coping não são apenas determinadas pelas possibilidades de controlar a situação, mas também por
aspectos do ambiente como as demandas de competição (FOLKMAN, 2009). Assim, considerando
as restrições impostas pelo ambiente ocupacional, a
esquiva pode ser a mais adaptativa estratégia disponível em um contexto altamente estressante, com
poucos recursos ambientais e restrição de expressão
de uma ampla gama de estratégias adaptativas em
outros contextos (DEWE; COX; FERGUSON,
1993). Assim, a mensuração de coping no ambiente
ocupacional deve considerar os recursos e estratégias disponíveis, mas também permitir agilidade
ao preenchimento (em função das diversas rotinas
156
laborais) e satisfazer critérios psicométricos usuais
(PINHEIRO; TRÓCOLI ; TAMAYO, 2003).
Na avaliação de coping em geral existem
alguns instrumentos já consagrados que contemplam o modelo básico de coping. Dentre estes,
ressaltam-se a Ways of Coping – WOC, versão
atualizada da Ways of Coping Checklist (FOLKMAN
et al. 1986), que é também amplamente utilizada
como base para a construção de outras escalas; a
Coping Strategy Indicator – CSI (AMIRKHAN,
1990) e a COPE (CARVER; SCHEIER; WEINTRAUB, 1989).
No contexto do trabalho, um dos primeiros estudos tentava acessar os inúmeros construtos presentes no complexo processo do estresse ocupacional,
incluindo medidas de estressores, mediadores e
conseqüências físicas e psicológicas. Os problemas
principais apresentados no instrumento foram a
falta de validação de construto, o baixo índice de
confiabilidade em algumas sub-escalas e o tamanho
reduzido da população normativa (LYNE et al.,
2000). Swan, Moraes e Cooper (1993) realizaram
a tradução dos itens do OSI (Occupational Stress
Indicator) para a língua portuguesa, no entanto,
considerando o número de itens do instrumento
ou mesmo o número de fatores que compõem cada
escala, a quantidade de sujeitos para a validação é
insuficiente (PASQUALI, 1999).
Diante da instabilidade do construto de coping,
especialmente no contexto ocupacional, revela-se a
importância de fundamentar um novo instrumento
com as experiências de trabalhadores em lidar com
estressores específicos em seu contexto de trabalho.
Nesse sentido, o presente estudo seguiu os passos
da elaboração de instrumentos de medida psicológica, considerando as limitações do entorno para
a utilização de estratégias para lidar dom o estresse
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
no trabalho. Uma escala de avaliação de estratégias
de coping entre trabalhadores brasileiros consiste em
uma importante ferramenta que pode favorecer o
diagnóstico de dificuldades enfrentadas assim como
déficits no repertório de trabalhadores para lidar
com seu cotidiano laboral, visando a promoção da
saúde do trabalhador.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi desenvolvido em duas etapas
subseqüentes, sendo a primeira qualitativa (construção da escala) e a segunda quantitativa (análise
das propriedades psicométricas), correspondendo
estas aos pólos teórico e empírico da elaboração
de medidas psicológicas, respectivamente (PASQUALI, 1998).
Etapa 1 – Construção do
instrumento de medida
O desenvolvimento metodológico de ítens
constituiu-se das seguintes etapas: a) revisão da literatura, com operacionalização de modelos teóricos
sobre coping, sob a forma de cognições ou comportamentos factíveis (PASQUALI, 1998); e, b) 32
entrevistas semi-estruturadas com trabalhadores
dos três setores econômicos (comércio, indústria
e serviços) que relataram uma situação específica
estressante no trabalho e a forma como lidaram, em
um primeiro momento, com o evento.
Participaram do estudo qualitativo 32 trabalhadores selecionados por acessibilidade, das mais
diversas ocupações no mercado laboral, incluindo
autônomos, profissionais com baixa escolaridade
até profissionais de ensino superior atuando em sua
área em empresas tanto públicas quanto privadas.
A faixa etária dos participantes variou de 21 a 57
anos, o gênero foi eqüitativo, da mesma forma que
o estado civil, entre casados e não casados.
Utilizou-se como instrumento entrevista semiestruturada que contemplou seis questões norteadoras, de acordo com as áreas de interesse da pesquisa: 1) Situação estressora; 2) Reação à situação
de estresse; 3) Fatores estressantes no trabalho; 4)
Estratégias de coping; 5) Repercussões do estresse;
e, 6) Repercussões das estratégias de coping.
As entrevistas individuais, com duração média
de meia-hora foram realizadas com os trabalhadores
em locais convenientes para os entrevistados. Os
dados colhidos foram gravados e, posteriormente
transcritos na íntegra, de forma literal. O material colhido foi submetido à análise de conteúdo,
de acordo com Bardin (2002), o que permitiu o
estabelecimento de categorias bem delimitadas
de acordo com o referencial teórico sobre o tema
(LAZARUS; FOLKMAN, 1984; RIBEIRO; RODRIGUES, 2004).
Geração de temas (dimensões) e itens sobre
formas de lidar com eventos estressantes no
trabalho.
O instrumento foi desenvolvido de acordo
com os princípios e técnicas da construção de
testes desenvolvidos por psicólogos (EIGNOR,
2001). A análise de conteúdo das entrevistas
identificou 108 respostas que foram agrupadas
em 12 categorias de resposta (estratégias de coping
de religiosidade, ilusão, atividades distratoras,
evitação cognitiva, fuga dos problemas, apoio
social, isolamento, reavaliação positiva, mudança
de hábitos alimentares e consumo de álcool, acomodação, foco na tarefa pela tarefa e ironia). Tais
categorias foram operacionalizadas em 45 itens na
versão inicial da escala.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
157
Validade de conteúdo
Para verificar a validade aparente (face validity,
ANASTASI; URBINA, 1997), a compreensão e
a relevância dos itens para as estratégias de coping
utilizadas no contexto de trabalho, a versão inicial
encaminhada a experts, psicólogos (n=6), em Psicologia Social do Trabalho, com um protocolo estandartizado de avaliação. Neste, os juízes: a) avaliaram
o aspecto semântico dos itens (clareza dos conteúdos,
expressões, regência verbal e compreensibilidade
dos termos para adolescentes de diferentes classes
sociais); b) analisaram os itens e os classificaram em
três categorias (adequados - expressam opinião adequada sobre o tema, plausíveis - frase não totalmente
adequada, mas que expresse algum aspecto do contruto, e ingênuos - nem adequado e nem plausível);
c) categorizaram os itens em estratégias de coping
(avaliação da adequação de cada item aos fatores
apresentados); e, d) indicaram se o item deveria ser
aceito tal como estava, revisado ou eliminado.
As respostas dos experts foram avaliadas através
de porcentagens para modificação e exclusão de
itens. O critério estabelecido para a tomada de
decisão acerca da manutenção, modificação ou
rejeição de itens foi: a) para compreensibilidade um
item foi revisado quando o acordo acerca da clareza
dos itens foi menor que 80%, b) relevância para o
construto - um item era retirado quando menos de
80% dos juízes considerou o item relevante para
o tema, c) para modificação, o item foi reescrito
quando mais de 20% dos experts recomendaram
modificação, e d) quanto à correspondência itemdimensão, os itens foram mantidos quando houve
acordo entre mais de 80% dos experts. Considerando tais quesitos, não houve itens a serem retirados,
mas cinco itens foram revisados para uma melhor
adequação à população-alvo do instrumento. As
questões do instrumento eram respondidas através
de escala tipo Likert de cinco pontos, sendo que
158
quanto menores os escores, menor a freqüência
de utilização da estratégia (Nada-Muito freqüentemente).
Etapa 2 – Avaliação das
propriedades psicométricas
do instrumento de medida
elaborado
A população para a qual foi construído o instrumento corresponde a qualquer trabalhador,
uma vez que situações estressoras fazem parte do
contexto do trabalho de maneira geral (OMAR;
PARIS, 2008). Assim, foram selecionados por
acessibilidade 232 trabalhadores que eram também estudantes de uma universidade privada da
Região Metropolitana de Porto Alegre. Todos
cumpriram o critério estabelecido de preenchimento de mais de 90% dos itens da escala. O
tamanho amostral foi definido de acordo com
os requisitos necessários à realização da análise
fatorial exploratória - cinco sujeitos por item do
instrumento (GARCÍA JIMÉNEZ; GIL FLORES;
RODRÍGUEZ GÓMEZ, 2000). A aplicação do
instrumento, mediante autorização expressa das
coordenações de curso e dos participantes, por
meio de assinatura ao Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido – TCLE, foi realizada em salas
de aula, pelos pesquisadores, com tempo médio
de 15 minutos.
A análise psicométrica da escala correspondeu
a uma análise descritiva acerca da distribuição das
respostas dos sujeitos em cada item da escala para
avaliação da normalidade das respostas nos itens e
análise fatorial exploratória. Utilizou-se o método
de Componentes Principais, com rotação ortogonal
Varimax, que pressupõe independência entre os
fatores, para a análise da validade de construto do
instrumento (HAIR et al., 2009).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
O projeto deste estudo, cumprindo com os
critérios para a realização de pesquisas com seres
humanos, foi aprovado pelo Comitê de Ética da
instituição de afiliação dos autores.
RESULTADOS
Dentre os sujeitos que responderam ao instrumento construído, 66,4% eram do gênero feminino.
As idades variaram de 18 a 55 anos, com média de
30 anos (DP=8,79). O tempo médio de trabalho
na empresa atual foi de sete anos 84 meses (DP =
7,88) e o tempo médio na profissão ou cargo atual
foi de cinco anos e meio (DP = 7,33).
Antes de utilizar a análise fatorial, verificou-se
a normalidade de cada um dos 45 itens da escala,
através das freqüências de resposta dos sujeitos às
opções de resposta para cada item (utilização de histogramas com curva normal). Não houve quaisquer
problemas quanto à dispersão das respostas (efeito
“chão” ou “teto”) pois esta foi restrita, indicando
homogeneidade em todos os ítens. A adequação
da amostra para a análise fatorial foi mensurada
de acordo com o teste de esfericidade de Bartlett
(x2=8399,5; p=0,000), o qual indicou que a matriz
de dados é adequada para proceder à análise fatorial
(FIELD, 2009).
Análise fatorial exploratória
Pelo critério de comunalidades, de que a solução fatorial deve explicar, pelo menos, metade da
variância de cada variável original, foram excluídos
aqueles itens cujo valor apresentou-se menor que
0,50 (15 itens), após cinco interações. Em seguida,
foram avaliados aqueles itens que apresentaram
estrutura complexa, isto é, que saturaram em um
ou mais fatores além de seu fator de pertença, com
valor igual ou superior a 0.30. Após três novas
interações foram excluídos 11 itens. Todos os 19
itens restantes apresentaram carga fatorial superior
a 0,30.
Os cinco fatores encontrados a partir da distribuição de seus componentes e de seus autovalores
(superiores a 1), explicaram 60% da variância e
permitiram identificar uma distribuição fatorial
bem delimitada tanto na análise quanto em termos de aderência à teoria. A análise semântica
dos agrupamentos de itens (fatores), acrescida da
teoria sobre Coping, contribuiu para uma análise
acerca do significado de cada fator obtido. Nesse
sentido, foi possível denominar o fator 1 de religiosidade, o fator 2 de apoio social, o fator 3 de
evitação comportamental, o fator 4 de evitação
cognitiva e o fator 5 de expressão emocional
(Tabela 1).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
159
Tabela 1 - Itens por fator, carga fatorial, médias e desvio-padrão dos itens e coeficientes alfa de Cronbach por
fator (Canoas/RS, 2008. N = 232).
Fator
F1
Religiosidade
F2
Apoio Social
F3
Item
Carga Fatorial Média
Peço orientação a Deus
0,810
2,72
Busco proteção e consolo na fé
0,768
2,74
Rezo, oro
0,716
2,78
Espero que Deus resolva os problemas
0,707
1,88
Leio a bíblia ou evangelho
0,687
1,88
Vou à missa ou culto
0,668
2,14
Espero que um milagre aconteça
0,535
1,67
Converso com pessoas de confiança
0,829
3,69
Converso com amigos
0,718
3,52
Compartilho o problema com uma pessoa de confiança
0,689
3,81
Converso com familiares
0,545
3,34
Busco orientação com pessoas mais experientes
0,465
3,45
Compro algo para mim
0,764
2,56
Tento divertir-me indo ao cinema ou ouvindo música
0,707
3,11
Evitação comportamental
F4
“Engulo o sapo” (aceito e não revido)
Isolo-me em silêncio até a raiva desaparecer
Evitação cognitiva
Culpo os outros
F5
Uso tranqüilizantes
Respondo a provocações
Expressão emocional
A fidedignidade, avaliada pelo método alfa de
Cronbach, para cada fator foi: 0,84, 0,70, 0,63, 0,50
e 0,44, respectivamente. Os resultados indicam que
os itens componentes de cada um dos três primeiros
fatores apresentaram maior similaridade no estilo
de resposta dos sujeitos dessa amostra, aumentando
sua consistência interna e demonstrando que os
primeiros fatores na análise fatorial, apresentam
também maior poder explicativo em relação ao
construto. Já os fatores quatro e cinco apresentaram baixa consistência interna (BISQUERRA;
SARRIERA; MARTÍNEZ, 2004).
DISCUSSÃO
A etapa inicial, de desenvolvimento de itens,
contou com o importante aporte das experiências
160
0,703
0,582
0,621
0,722
0,734
2,58
2,71
1,69
1,24
2,16
DP
1,49
1,51
1,46
1,13
1,16
1,28
1,04
1,23
1,24
1,06
1,25
1,32
1,19
1,25
1,10
1,29
0,93
0,80
1,01
0.84
0.70
0.63
0.50
0.44
de trabalhadores de diversas atividades no mercado
de trabalho. Além disso, a entrevista com os trabalhadores contava com uma questão acerca do relato
da última situação estressante vivida no trabalho,
o que permite a recuperação do estado emocional
naquele momento. Nesse sentido, as estratégias
utilizadas (o que fez em uma primeira reação) foram
relatadas especificamente para o evento (SEIDL;
TRÓCCOLI; ZANNON, 2001).
Não obstante, os estressores vividos por um
grupo bastante heterogêneo de trabalhadores
pôde ser classificado em categorias gerais, da
mesma forma que suas estratégias para fazer
frente a tais estressores. Foi possível identificar
que o contexto de trabalho apresenta certas regularidades em termos de estressores, da mesma
forma que os trabalhadores utilizam estratégias
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
similaridades para enfrentá-los (OMAR; PARIS,
2008).
As avaliações dos juízes especialistas em Psicologia Social do Trabalho, com conhecimento sobre
coping, indicaram adequada validade aparente.
Assim, de acordo com os parâmetros teóricos, a
escala poderia ter mantido seus 45 itens iniciais
como representantes das estratégias de coping de
trabalhadores.
No entanto, a eliminação de itens seguiu parâmetros estatísticos bem definidos que mantiveram
uma estrutura fatorial compatível com o modelo
teórico utilizado. Com isso também obteve-se um
instrumento enxuto que contemplou a extensão
do construto no contexto do trabalho (VIEYTES,
2004). As saturações dos itens em um fator geral
(comunalidade) foram todas superiores a 0,50 e o
modelo obtido explicou mais de 50% da variância
do construto. Cada item saturou em seu fator
de origem, não havendo itens complexos que
saturassem com carga fatorial igual ou superior a
0,30 em dois ou mais fatores. Tais procedimentos
permitiram que o modelo fatorial contasse com
fatores puros e bem delimitados estatisticamente
(HAIR et al., 2009).
A análise fatorial demonstrou que a escala de
estratégias de coping no trabalho apresentou cinco
fatores. Foram agrupados em cada fator os itens
relativos à religiosidade (peço orientação a Deus,
busco proteção e consolo na fé, rezo, oro, espero que
Deus resolva os problemas, leio a bíblia ou evangelho, vou à missa ou culto, espero que um milagre
aconteça), busca de apoio social (converso com
pessoas de confiança, converso com amigos, compartilho o problema com uma pessoa de confiança,
converso com familiares, busco orientação com
pessoas mais experientes), evitação comportamental (compro algo para mim, tento divertir-me indo
ao cinema ou ouvindo música), evitação cognitiva
(“engulo o sapo” - aceito e não revido, isolo-me em
silêncio até a raiva desaparecer, culpo os outros) e
expressão emocional (uso tranqüilizantes, respondo
a provocações).
A escala como um todo pode ser utilizada para
fins de pesquisa. Os fatores encontrados parecem
representar adequadamente o modelo de coping proposto por Folkman e Lazarus (1980), considerandose que os dois primeiros fatores correspondem a
estratégias de aproximação – foco no problema e
os três últimos fatores a estratégias de evitação –
foco na emoção. Como os dois primeiros fatores
são os responsáveis pela maior parte da variância
explicada (34,57%), verifica-se que as estratégias
aproximação ao problema são preponderantes no
contexto do trabalho, indo ao encontro dos estudos
realizados por Folkman e Lazarus (1980).
A análise da consistência interna de cada fator
revelou alfas de satisfatórios a moderados nos três
primeiros fatores. Os dois últimos fatores, no entanto, apresentaram alfas baixos indicando que não
poderiam funcionar como escalas independentes.
Nesse sentido, considera-se importante revisar
alguns itens do instrumento inicial ou de outras
escalas de coping no contexto de trabalho a fim de
incorporar novos itens a estes fatores, dado que a
confiabilidade é afetada pelo número de itens da escala (DANCEY; REIDY, 2006). Tal procedimento
implicaria em uma nova análise das propriedades
psicométricas dos fatores de evitação cognitiva e
expressão emocional.
É importante considerar que, apesar de o número
de sujeitos utilizados para os estudos de validação da
escala cumprir os critérios para a realização da validade
de construto (análise fatorial), de acordo com GarcíaJimenéz, Gil Flores e Rodríguez-Gómez (2000), sua representação não pode ser generalizada. Os sujeitos eram
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
161
também estudantes universitários constituindo uma
amostra de conveniência com características regionais
do sul do Brasil que não representavam a diversidade
de classes sociais e culturas existentes no país.
CONCLUSÃO
A utilização do instrumento em contextos laborais específicos pode contribuir para a identificação
de formas habituais de lidar com estressores do trabalho, identificando as estratégias dos trabalhadores
nos diferentes setores econômicos. Possivelmente,
as diferenças entre os gêneros também possam ser
contempladas em estudos mais abrangentes com a
utilização do instrumento desenvolvido.
Uma revisão da escala, considerando os aspectos
mencionados, poderá contribuir para uma utilização
mais ampla e maior compreensão das dificuldades
dos trabalhadores frente às restrições do contexto de
trabalho. Dessa forma, intervenções psicossociais poderão contribuir para fortalecer os trabalhadores para
fazerem frente aos estressores presentes no ambiente
em que passam grande parte de sua vida.
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Contribuições da utilização de calculadoras
gráficas na estruturação de conceitos relacionados
a coordenadas polares
dieniFer kiak scaPin1
rodrigo dalla vecchia2
carMen Teresa kaiBer3
RESUMO
O presente estudo tem como foco investigar o potencial de utilização de calculadoras gráficas na construção
de ideias e conceitos matemáticos específicos. Para tanto, toma-se como pergunta diretriz: como as tecnologias
informáticas, em particular o uso da calculadora HP 50g, podem contribuir para o estudo de conceitos relacionados
a coordenadas polares? A pesquisa foi conduzida com um viés qualitativo. O referencial teórico foi baseado nas
ideias de virtual e virtualização. Como principais contribuições indicam-se a visualização e os elementos específicos
inerentes à realidade criada pela calculadora como potencializadores no processo de conjecturação matemática.
palavras-chave: tecnologias de informação e comunicação, calculadora HP 50g, coordenadas polares.
ABSTRACT
This present study aims to investigate the potential of use of graphing calculators in the making of ideas and
specific mathematical concepts. To this end, a guiding question is taken: how can information technologies, par1
Acadêmica do Curso de Licenciatura em Matemática/ULBRA
- Bolsista PROICT/ULBRA
2
Professor do Curso de Licenciatura em Matemática/ULBRA
3
Professora-Orientadora do PPG em Ensino de Ciências e
Matemática e do Curso de Licenciatura em Matemática/
ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
165
ticularly the use of the calculator HP 50g, contribute to the study of concepts related to polar coordinates? The
research was carried out through a qualitative approach. The theoretical reference was based on the ideas of
virtual and virtualization. Among the main contributions, the visualization and the specific elements inherent
in this reality created by the calculator can be pointed out as boosters in the process of mathematical
conjecture.
Keywords: information and communication technologies, calculator HP 50g, polar coordinates.
INTRODUÇÃO
A investigação apresentada neste artigo está
inserida no projeto de pesquisa intitulado “Possibilidades e desafios da utilização de Ambientes Virtuais
de Aprendizagem nos Cursos de Licenciatura em
Matemática”. O estudo tem como objetivo investigar as potencialidades de utilização de recursos
tecnológicos nas atividades acadêmicas, no curso
de Licenciatura em Matemática, bem como avaliar
o impacto da utilização dos mesmos na aprendizagem dos estudantes e no seu processo de formação
como professores.
166
bem usá-la; por outro lado, tem-se nessa
mesma tecnologia um recurso que pode
subsidiar o processo de aprendizagem da
Matemática. É importante contemplar
uma formação escolar nesses dois sentidos,
ou seja, a Matemática como ferramenta
para entender a tecnologia, e a tecnologia como ferramenta para entender a
Matemática (BRASIL, 2006, p. 87).
Como principal fator que influenciou e incentivou a presente investigação destaca-se a mudança
no comportamento social e cultural da sociedade,
provocada pela evolução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e que pode gerar
potencialidades distintas para o processo de ensino
e aprendizagem da Matemática. Atualmente, a
pesquisa em relação ao uso das TIC, em sala de aula,
faz-se necessária para que a educação cumpra seu
papel de preparar o indivíduo para a vida social e
para o mercado de trabalho em um contexto onde
a tecnologia se faz cada vez mais presente.
No contexto do desenvolvimento do projeto,
no ano de 2009, o foco da investigação voltouse para o potencial de utilização de calculadoras
gráficas na construção de ideias e conceitos de
objetos matemáticos específicos, inserindo-se na
parceria criada entre a Universidade Luterana do
Brasil e a empresa HP Calculadoras. Nesse sentido,
procurou-se compreender aspectos do trabalho
realizado com a calculadora HP 50g na disciplina
de Matemática Aplicada IV, que aborda temas
como Coordenadas Polares, Cálculo Vetorial e
Equações Paramétricas. Para tanto, toma-se como
pergunta diretriz: como as tecnologias informáticas,
em particular o uso da calculadora HP 50g, podem
contribuir para o estudo de conceitos relacionados
a coordenadas polares?
Não se pode negar o impacto provocado
pela tecnologia de informação e comunicação na configuração da sociedade
atual. Por um lado, tem-se a inserção dessa
tecnologia no dia-a-dia da sociedade, a
exigir indivíduos com capacitação para
A natureza da pergunta evidencia o cunho
qualitativo da pesquisa. Os sujeitos investigados são
os alunos do curso de Matemática Licenciatura da
Universidade Luterana do Brasil, que cursaram a
disciplina de Matemática Aplicada IV no segundo
semestre do ano de 2009.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Acredita-se que a utilização de tecnologias modifica a forma como se constrói o conhecimento,
tendo como premissa básica a quebra da linearidade
posta por outros meios. Nesse sentido, justifica-se
essa investigação, uma vez que novas perspectivas
e novos potenciais para a Educação Matemática
podem surgir.
Calculadoras gráficas e
virtualização
Na busca por enfoques pedagógicos que relacionem as TIC com a Educação Matemática, destaca-se
a utilização de calculadoras gráficas. Autores como
Borba (1999), Borba e Penteado (2003) e Scucuglia
(2006) defendem e investigam essa associação, evidenciando elementos que possam contribuir para o
processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
Assim como esses autores, embasa-se a busca
por respostas às indagações propostas em referenciais que estão diretamente relacionados às
questões tecnológicas. Em especial, será tratada a
questão do virtual e da virtualização, sob o ponto
de vista filosófico, associando-o, posteriormente,
com ambientes informáticos.
O virtual – para o propósito do presente artigo
– será entendido dentro da filosofia escolástica,
como algo que existe em potência e não em ato.
De forma mais precisa, o virtual é tido como “[...]
um complexo problemático, o nó de tendências ou
de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer”
(LÉVY, 1996, p. 16).
A virtualização, por sua vez, pode ser entendida
como uma “elevação à potência da entidade considerada” (Lévy, 1996, p. 17). Sobre a virtualização,
o autor revela que consiste em um
[...] deslocamento do centro de gravidade
ontológico do objeto considerado: em vez de
se definir principalmente por sua atualidade
(uma “solução”), a entidade passa a encontrar
sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar uma entidade qualquer
consiste em descobrir uma questão geral à qual
ela se relaciona, em fazer mutar a entidade
em direção a essa interrogação e em redefinir
a atualidade de partida como resposta a uma
questão particular (LÉVY, 1996, p. 17-18).
Ao enfatizar esses elementos, pretende-se sair
do contexto coloquial em que o virtual é posto,
confundindo-o, muitas vezes, com o espaço criado
pelas tecnologias. Apesar da relação entre eles ser
íntima, é necessário uma distinção. Entende-se o
virtual não como o espaço criado pelo software, ou
especificamente, pela calculadora gráfica, mas sim
o ambiente problemático criado em torno de uma
entidade ou situação. Salienta-se dessa colocação
e das citações acima o elemento “problemático”.
Nele está a essência daquilo que se assume no
presente artigo por virtual e virtualização, não
se devendo confundir a simples presença de um
software, de um computador, de uma calculadora, ou passagem de uma tecnologia à outra com
a virtualização. É necessário criar um campo
problemático, elevando a entidade ou situação
analisada a esse campo.
Fica claro, a partir dessas colocações, que o que se
entende por virtualização não está necessariamente
relacionado com a presença de tecnologias digitais.
Entretanto, como já evidenciado, a relação entre
estes elementos é estreita. Dentre os aspectos os quais
associam o virtual ao espaço dado pelas tecnologias
destaca-se, neste artigo, a mudança de perspectiva que
a realidade virtual pode proporcionar, a qual se associa,
diretamente, às percepções de tempo e espaço, como
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
167
observado na visão de Bicudo e Rosa (2010). Para
estes autores a realidade do mundo cibernético
[...] pode, então, ser compreendida como
um modo de viver a vida na dimensão do
humano, como ela é, mesmo que as relações
presentificadas nessa dimensão da realidade
se dêem em um espaço mundano que deve
ser caracterizado em termos do espaço/tempo possibilitado pelas tecnologias (BICUDO;
ROSA, 2010, p.5).
Defende-se aqui que é na transformação da percepção de tempo e espaço que as tecnologias podem
oferecer que está uma das principais potencialidades desses recursos como vetores de virtualização,
isto é, como elementos os quais podem elevar a
entidade a um estado problemático, possibilitando
o surgimento de novas perspectivas.
Com base nessas idéias, serão focados nesta
investigação os momentos nos quais a entidade
foi posta em um estado problemático e modificouse, permitindo conjecturações e a construção do
conhecimento matemático, mostrando, assim,
possíveis contribuições da calculadora HP 50g para
o estudo de coordenadas polares.
MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia utilizada para realizar a investigação assume caráter qualitativo. Na abordagem
qualitativa, segundo Santos Filho e Gamboa (2000)
o propósito fundamental é a compreensão, a explanação e a interpretação do fenômeno estudado.
Tomando a interação das calculadoras gráficas
e o usuário como foco principal da investigação, o
conjunto de informações das falas, gestos, interações entre as pessoas, interações com a calculadora
168
HP 50g, constituiu-se na principal fonte de dados,
os quais foram registrados por meio de filmagens.
Powell, Francisco e Maher (2004) afirmam existir
pelo menos dois potenciais de registro ao utilizar o
vídeo como uma fonte de pesquisa: a densidade e
a permanência.
Análises detalhadas de vídeos e de dados
longitudinais, assim como os de curto prazo,
tornam-se mais eficazes a partir de múltiplas
sessões de visualização. O vídeo não apenas
nos permite múltiplas visões. Mas também
possibilita visões sob múltiplos pontos de
vista (POWELL; FRANCISCO; MAHER,
2004, p.91).
Além disso, as observações foram complementadas com um diário de campo e documentos.
Entende-se por documentos qualquer tipo de
informação que possa contribuir como fonte de
informação (ALVES-MAZOTTI; GEWANDSNAJDER, 1999) e, no caso específico do presente
artigo, os documentos constituem-se na produção
dos alunos. O processo de elaboração e articulação
dos dados é dado por triangulação1.
A coleta de dados ocorreu, principalmente,
por meio de filmagens de atividades, onde havia a
interação aluno-calculadora e a utilização de algum
recurso proveniente da calculadora HP 50g. Com
base nas perspectivas abordadas, nas próximas
seções, serão apontados trechos de episódios de
investigação, os quais foram desenvolvidos com as
atividades propostas e que evidenciaram elementos
relacionados à questão norteadora.
1
O processo de elaboração e articulação de diferentes dados é conhecido na literatura como triangulação de dados
(BORBA; ARAÚJO, 2006; GOLDENBERG, 2005; ALVESMAZZOTTI, 1999).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Serão apresentados, nesta seção, relatos dos
experimentos, bem como as conjecturações obtidas
nas aplicações com os alunos. Procura-se evidenciar
como o uso da calculadora HP 50g contribuiu para
o estudo de conceitos relacionados a coordenadas
polares. Fazem parte desse contexto as atividades
elaboradas, as conjecturas obtidas e a análise de
elementos específicos os quais contribuíram para
que determinada conjectura fosse formada.
eixo y, mais precisamente no ponto
.
A família r=a.senθ consiste em circunferências
com diâmetro “a” e seu centro está localizado no
.
eixo x, mais precisamente no ponto
r=a.senθ
Experimento das Circunferências
Esta atividade consistiu na investigação de duas
famílias de circunferências, dadas em coordenadas
polares. Pediu-se que os alunos, com o apoio das
calculadoras HP 50g, analisassem o comportamento
e esboçassem os gráficos das famílias de equações
r=a.senθ e r=a.cosθ, r=a.cos(nθ), onde θ é a variável independente e representa o ângulo, r é a variável dependente e representa o raio e n representa
uma constante2 a ser definida pelos alunos.
Essa atividade oportunizou a geração de conjecturas
a respeito da natureza geométrica das equações propostas, dadas pela variação do coeficiente a das mesmas.
No desenvolvimento da atividade, foi possível
observar a construção dos gráficos pelos sujeitos da
pesquisa. De um modo geral, não houve dificuldades
para construir os gráficos que evidenciaram a natureza geométrica das famílias propostas que podem ser
observadas na Figura 1. Como principais resultados,
destacam-se as seguintes conjecturas:
A família r=a.senθ consiste em circunferências
com diâmetro “a” e seu centro está localizado no
2
Na atividade proposta considerou-se apenas n positivo e inteiro.
r=a.cosθ
Figura 1 - Gráficos das famílias de equações plotados
pelos alunos.
Experimento das Rosáceas
A segunda atividade analisada pode ser descrita
como uma continuação da primeira, uma vez que
as circunferências, em coordenadas polares, podem
ser entendidas como um caso particular de rosáceas.
Após as discussões geradas pelo experimento das
circunferências, foi solicitado aos alunos que fizessem
uma investigação envolvendo o conjunto de equações: r=a.sen(nθ) e r=a.cos(nθ), onde θ é a variável
independente e representa o ângulo, r é a variável
dependente e representa o raio e n representa uma
constante3 a ser definida pelos alunos.
3
Na atividade proposta considerou-se apenas n positivo e inteiro.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
169
O objetivo dessa atividade era a construção
de conjecturas acerca da natureza geométrica das
rosáceas. Como primeiro elemento a ser percebido
pelos alunos, destaca-se a conhecida relação entre o
número de pétalas de cada rosácea com o coeficien-
te n do argumento da função. Ao variar o valor de n
nos coeficientes, foi possível construir uma série de
gráficos (Figura 2) e criar a seguinte conjecturação:
A quantidade de pétalas das rosáceas para “nθ” é
“n”, se “n” for ímpar e “2n”, se “n” for par.
r=a.sen(2θ)
r=a.sen(3θ)
r=a.sen(4θ)
r=a.sen(5θ)
r=a.sen(2θ)
r=a.sen(3θ)
r=a.sen(4θ)
r=a.sen(5θ)
Figura 2 -Gráficos de rosáceas plotados pelos alunos na calculadora HP 50g.
Para evidenciar a construção dessa conjectura,
apresenta-se um excerto que descreve a fala de
dois alunos, denotados de aluno L e aluno A. Nele,
aparentemente, o aluno L já havia percebido a
relação existente entre o coeficiente do argumento
e o número de pétalas e conduzia a conversa de tal
forma que propiciasse a descoberta dessa relação
pelo seu colega.
A: L, o “n” do argumento é o número de pétalas?!
No 1 não, mas do 2 adiante... n igual a dois é
quatro...
L: E tem uma outra coisa interessante que acontece
nos ímpares que tu não percebeu ainda...
170
A: n=4 é oito...
L: Então, nos pares é o quê?
A: Nos pares é o dobro e nos ímpares é o próprio
número, né...
A continuação da conversa revela que o aluno
L. percebeu outra relação que responde à pergunta:
por que quando n é par dobra o número de pétalas
e quando n é ímpar não?
L: Tem uma outra coisa agora interessante que
acontece nos ímpares.
A: Vou adiante então...
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
L: Não, pode fazer com o 3 e o 5...o 7... com
esses mesmo que tu fez. Tu está vendo que ele
acabou de desenhar já...e demorou pra aparecer
o menuzinho embaixo.
A: Ele está fazendo alguma operação.
L: Ele está fazendo mais alguma operação, o que
ele está fazendo?
A: Será que ele não está passando de novo? Em cima
do próprio traço? Está repetindo o gráfico?
L: Está repetindo.
A: Está repetindo... [...] quantas vezes?
L: Eu fiquei intrigado com isso daí eu fui pro papelzinho...mas, ela está repetindo. Vê quanto tempo
ela demorou pra desenhar uma vez. Quando ela
começar a desenhar tu começa a contar mentalmente. Ela acabou de desenhar tu começa outra
contagem. E daí tu vai descobrir quantas vezes.
A: É uma vez só...
L: Ela vai repetir uma vez só?
A: É, uma vez! Eu fiz com cinco... de repente...
L: Vê quantas vezes ele vai repetir com 3, quantas
vezes ele vai repetir com 7...
A: Ele repete sempre uma vez.
L: É, ela passa sempre duas vezes pelo ponto.
Considera-se implícito nesse diálogo a já citada
pergunta: por que quando n é par dobra o número
de pétalas e quando n é impar não? Na verdade, ao
se fazer uma construção gráfica com a variação de
angulação4 0 ≤ θ ≤ 2p , sempre há uma duplicação
4
Cabe salientar que foi configurado em todas as calculadoras HP 50g
utilizadas no experimento o intervalo de angulação 0 ≤ θ ≤ 2p
no número de “pétalas”. Entretanto, nos casos em
que n é ímpar, cada “pétala” é desenhada duas vezes
no intervalo de 0 ≤ θ ≤ 2p, isto é, as 2n pétalas estão
sobrepostas duas a duas, configurando uma imagem
gráfica de apenas n pétalas. O que chama a atenção
nesse excerto é a maneira como essa relação foi
obtida. Claramente, vê-se que só foi possível graças
ao tempo de depuração da calculadora. Quando
o aluno L fala “Tu está vendo que ele acabou de
desenhar já...e demorou pra aparecer o menuzinho
embaixo”, está se referindo às características específicas da calculadora HP 50g, que só apresenta as
barras de ferramentas – “menuzinho” – ao concluir
o gráfico. Se não havia aparecido a barra de ferramentas no visor é porque a calculadora estava ainda
processando algum dado, fato expressado na fala
do aluno A: “Ele está fazendo alguma operação”.
Entretanto, esse fato só garantiu a repetição e não a
duplicidade. Novamente, considera-se que o tempo
de depuração foi responsável pela conjecturação,
mas nesse caso, a da duplicidade. A idéia de usar o
tempo como fator de análise da quantidade de repetições parte do aluno L com a seguinte proposta:
“Vê quanto tempo ela demorou pra desenhar uma
vez. Quando ela começar a desenhar tu começa a
contar mentalmente. Ela acabou de desenhar tu
começa outra contagem” e é confirmada pelo aluno
A que, após algumas tentativas, conclui: “Ele repete
sempre uma vez”.
Ao investigar as equações r=sen(n θ) e
r=cos(nθ), com o uso de calculadoras, estabelecese uma mudança na percepção da problemática da
situação, dada pela realidade que as tecnologias
proporcionam. O tempo – em particular o tempo de depuração – foi um dos principais fatores
que proporcionaram essa discussão. Como já
evidenciado no referencial teórico, a questão do
tempo/espaço são os dois principais elementos
que constituem a realidade dada pelos meios di-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
171
gitais (BICUDO; ROSA, 2010). Evidentemente,
a questão do tempo é muito mais abrangente do
que o tempo de depuração, mas sua relevância se
dá no momento em que esse condiciona fatores
relativos ao espaço/tempo da realidade do mundo
cibernético. Nesse contexto, toma-se o espaço
condicionado pela presença da tecnologia como
um vetor de virtualização, corroborando, assim,
com as idéias de Lévy (1996, p. 18), o qual afirma
que “[...] a virtualização [...] consiste, sobretudo,
em fazer das coordenadas espaço-temporais [...]
um problema sempre pensado e não uma solução
estável”. Entretanto, cabe salientar que a virtualização em si, isto é, a elevação da entidade a um
estado problemático não se deu pela execução
de um problema informático – ou pela “demora”
do mesmo. Conforme Lévy (1996, p. 40), o “[...]
virtual só eclode com a entrada da subjetividade
humana”. Portanto, somente a partir da problemática instaurada e da constante reflexão e
reinvenção dessa problemática por meio da subjetividade dada pelo humano é que pode ocorrer
a virtualização.
Não são apenas as características específicas
inerentes a uma dada realidade que contribuem
para o processo de construção do conhecimento.
A mudança de percepção da realidade pode, também, contribuir para o firmamento de uma dada
conjecturação. Isso pode ser percebido na fala do
aluno L quando diz que: “Eu fiquei intrigado com
isso daí eu fui pro papelzinho”, referindo-se ao momento em que usou lápis e papel para investigar
a conjectura proposta. Ao mesmo tempo em que
o meio digital proporciona ambientes propícios a
determinadas investigações, ele possui limitações,
por causa das características específicas do espaço
e tempo que condiciona. Nesse sentido, a mudança da percepção da realidade ou de perspectiva
pode proporcionar uma mudança da percepção
172
da problemática envolvida, influenciando no processo de virtualização e dando uma caracterização
dinâmica à situação envolvida. Ao se adotar o
ponto de vista dado pelo virtual, o caráter dinâmico de uma entidade evidencia-se. Nesse sentido,
Lévy revela que:
Por um lado, a entidade carrega e produz suas
virtualidades: um acontecimento, por exemplo, reorganiza uma problemática anterior
e é suscetível de receber interpretações
variadas. Por outro lado, o virtual constitui
a entidade: as virtualidades inerentes a um
ser, sua problemática, o nó de tensões, de
coerções e de projetos que o animam, as
questões que o movem, são uma parte essencial de sua determinação (LÉVY,1996,
p. 16, grifos do autor).
Destaca-se, nesse caso, que a mudança da percepção da realidade, ou o retorno à problemática
inicial, que consistia no uso do lápis e papel, participou do processo de virtualização da entidade.
Não se trata, apenas, de uma volta ou um retorno
ao ponto inicial5, mas sim de um avanço na problemática. Nesse sentido, Deleuze (1988, p. 338), ao
falar de virtual revela: “Indo de A para B e, depois,
retornando de B para A, não encontramos um
ponto de partida, [...]; a repetição é, antes, entre A
e B, B e A; é o percurso ou a descrição progressiva
do conjunto de um campo problemático”.
Esse processo investigativo envolvendo os alunos L e A não cessou com as descobertas colocadas
no excerto analisado. No presente artigo optou-se
por analisar apenas um excerto, apresentando as
demais conjecturas de forma descritiva.
5
Antes de investigarem as situações propostas os alunos
trabalharam a construção de gráficos usando lápis e papel.
Nesse sentido que se está falando em “retorno”.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Assim, destaca-se a conjectura: Para as rosáceas, r=a.cos(nθ) o ápice de uma das pétalas sempre
será no ponto (em coordenadas polares6) (a,0)
e para a família r=a.sen(nθ), no ponto
.
Essa afirmação originou-se de uma discussão que
pairava sobre a distribuição das pétalas em relação
ao eixo coordenado x. Entretanto, um comparativo visual entre o conjunto de equações cosseno
e seno contribuiu para que fossem expostos argumentos relativos aos pontos que representavam
o ápice das pétalas das rosáceas. A partir dessa
conjecturação passou-se a explicitar em termos
matemáticos, o fato percebido visualmente.
No conjunto das conclusões matemáticas
obtidas com essa atividade, ainda encontra-se a
seguinte conjectura: A diferença em graus entre
um ápice e outro de cada pétala de uma rosácea
dá-se pela regra (nº pétalas)/360º. Também, optase apenas por citá-la, como forma de contribuir num
contexto mais geral, mostrando-a como uma possibilidade pedagógica no contexto investigado, o que
não deixa de estar em consonância com elementos
envolvendo a questão que orienta este artigo.
CONCLUSÃO
A investigação realizada tem gerado questões
que estão sendo aprofundadas e difundidas em
artigos, livros e apresentações em congressos específicos da área. Salienta-se que os argumentos evidenciados aqui não constituem uma resposta final
à pergunta diretriz, mas sim elementos que contribuíram para uma melhor compreensão do papel da
tecnologia na construção do conhecimento.
AGRADECIMENTOS
Procurou-se, com os argumentos apresentados,
dar indícios de como a utilização da calculadora
HP 50g pode contribuir para o estudo de conceitos
relacionados a coordenadas polares. Com esse objetivo norteando a investigação, foram evidenciados,
ao longo do artigo, elementos que dizem respeito à
apresentação dos experimentos, às conjecturas obtidas e à análise de discussões que as envolvem.
6
Como principal contribuição da investigação,
indica-se a visualização como potencializador no
processo de conjecturação acerca da relação existente
entre as formas algébricas e geométricas dos objetos
estudados. Com base na análise dos dados, constatouse que, além de estruturações e relações básicas entre
o formato de equações do sistema polar e do sistema
cartesiano, a visualização pode instigar discussões
e conjecturações inesperadas, sendo tomada como
ponto de partida para investigações envolvendo
demonstrações matemáticas. Outro aspecto que se
mostrou relevante ao olhar dos investigadores foi o
fator tempo, em particular o tempo de depuração,
proporcionado pelas características específicas da
realidade proporcionada pela calculadora. Esse consistiu um elemento essencial no que diz respeito à sua
influência nas discussões dos alunos.
Em coordenadas polares, a primeira coordenada do parênteses se refere ao raio e a segunda, ao ângulo.
Este trabalho teve o apoio da Universidade Luterana do Brasil por meio do PROICT/ULBRA e da
HP Calculadoras na pessoa do Sr. Enrique Ortiz.
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SCUCUGLIA, R. A Investigação do teorema
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Gráficas. 2006. Dissertação (Mestrado em
Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual
Paulista, Rio Claro, 2006.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Experiências de quase-morte
e mudanças na vida
liane Maria Fagundes PinTo1
Fernanda Barcellos serralTa2
RESUMO
Esse estudo qualitativo e exploratório objetiva descrever as vivências características de Experiências de QuaseMorte (EQM) e as suas conseqüências em pessoas que passaram por este tipo de experiência. Para validar a
experiência, os participantes responderam a Escala de EQM (GREYSON, 1983a) e a Escala de Experiência
Dissociativa (EED) (CARLSON; PUTNAM, 1993). Após, foram realizadas entrevistas em profundidade,
analisadas pelo método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2009). As descrições obtidas são compatíveis
com os relatos de EQM na literatura internacional. Como conseqüências da EQM sobressaíram os efeitos positivos
sobre a vida dos sujeitos, como, por exemplo, o incremento da auto-estima e da autoconfiança.
palavras-chave: Experiência de Quase-Morte (EQM), experiência dissociativa, mudanças na vida.
ABSTRACT
This qualitative and exploratory study aims to describe characteristics of Near-Death Experiences (NDE)
and their consequences to life of people who have gone through this kind of experience. Participants responded
to the NDE (GREYSON, 1983a) and to the Dissociative Experience Scale (DES) (CARLSON; PUTNAM,
1993) scales in order to confirm true NDE. Thereafter, depth interviews were conducted and analyzed by content
1
Acadêmica do Curso de Psicologia/ULBRA
2
Professora-Orientadora do Curso de Psicologia/ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
175
analysis method (BARDIN, 2009). Results are compatible with international literature reports of NDE. The
study revealed positive life effects of NDE, for example, increased self-esteem and self-confidence.
Keywords: Near-Death Experience (NDE), dissociative experience, changes in life.
INTRODUÇÃO
As Experiências de Quase-Morte (EQMs)
consistem em um conjunto de experiências extraordinárias presentes de forma uniforme nos
relatos daqueles que passaram pela morte clínica
e conseguiram sobreviver (MOODY JUNIOR,
1975; MORSE, 1983; GREYSON; LONG, 2006;
GREYSON, 2007a). Com etiologia controversa e
desconhecida, as EQMs são explicadas por teorias
biológicas (neurofisiológicas, neuro-anatômicas e
neuroquímicas), teorias psicológicas e até mesmo
por teorias espirituais e místicas.
A constatação de que EQMs também ocorrem
em pessoas que acreditaram estar diante da iminência da morte, mesmo que de fato não estejam
(FRENCH, 2005), sustenta a hipótese psicológica
de que a produção deste tipo de experiência dependa mais da ameaça percebida do que da ameaça
real de morte (APPLEBY, 1989; OWENS; COOK;
STEVENSON, 1990). Algumas teorias psicológicas
compreendem o fenômeno das EQMs como um
complexo fenômeno dissociativo (APPLEBY, 1989;
FRENCH, 2005; GREYSON, 2000; 2007a), uma
espécie de defesa frente à situação traumática da
consciência de morte iminente.
É importante ressaltar que, embora as EQMs
tenham características similares a estados psicopatológicos, elas envolvem diferentes conseqüências e
necessitam de uma abordagem terapêutica diferenciada (GREYSON, 2000; ATHAPPILLY; GREYSON; STEVENSON, 2006). Em um interessante
estudo realizado com uma amostra de pacientes
176
que estiveram muito próximos da morte, Greyson
(2000) encontrou que os pacientes que relataram
EQMs (n=96) apresentaram significativamente
mais sintomas dissociativos do que os referidos pelo
grupo de comparação (n=38). Ademais, entre os
que relataram EQMs, a profundidade da experiência foi correlacionada positivamente com os sintomas dissociativos, embora o nível de sintomas fosse
substancialmente mais baixo do que os níveis dos
pacientes com desordens dissociativas patológicas.
A interpretação dos resultados mostra que o padrão
dos sintomas dissociativos relatados pelos pacientes
que experienciaram EQMs é consistente com uma
resposta dissociativa não-patológica ao estresse.
Embora experiências anômalas de consciência
sejam comuns na população em geral, não se tem
uma estimativa real da sua ocorrência (ALMEIDA;
LOTUFO NETO, 2003). Há indicativos de que a
prevalência de EQMs venha aumentando como
resultado das modernas técnicas, equipamentos
e do sucesso obtido nas ressuscitações (NOYES,
1980; VAN LOMMEL et al., 2001; SIMPSON,
2001; PARNIA; FENWICK, 2002). As EQMs
ocorrem mesmo que o paciente não tenha mantido
qualquer contato com informações acerca de suas
características ou efeitos (LOPEZ et al., 2005;
GREYSON, 2007a). Em pacientes sobreviventes de parada cardíaca, a prevalência das EQMs
situa-se entre 12% e 18% (PARNIA; FENWICK,
2002; GREYSON; LONG, 2006). Ressalte-se,
entretanto, que provavelmente esses índices sejam
submensurados, visto que os pacientes têm medo
da reação alheia frente ao fenômeno experienciado
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
(SIMPSON, 2001) e também porque este tipo de
experiência é freqüentemente negligenciada pelos
pesquisadores (PARNIA; FENWICK, 2002; ALMEIDA; LOTUFO NETO, 2003).
Moody Junior (1975) foi o primeiro a estudar as
“Experiências de Quase-Morte” (EQMs). Em seu
livro “Life after life” (“Vida depois da vida”), o autor
agrupa quinze características que estavam presentes
nos relatos dos pacientes que experienciaram uma
EQM: 1. inefabilidade; 2. ouvir a notícia de sua
morte pela equipe médica, familiares ou outros;
3. sentimento de paz e/ou sensações agradáveis;
4. ouvir sons (ruídos desagradáveis ou músicas
agradáveis); 5. perceber/estar em um túnel de luz
ou buraco escuro no espaço; 6. sensação de estar
fora do corpo; 7. encontros com seres não-físicos
ou figuras religiosas; 8. seres muito amorosos com
uma luz brilhante sobrenatural; 9. revisão da vida;
10. fronteira demarcando a vida terrestre e a vida
após a morte; 11. voltar; 12. contar a experiência a
outros; 13. efeitos positivos na vida; 14. nova visão
da morte; e 15. colaboração com a pesquisa.
Estudos subseqüentes indicam que: a) de modo
geral, pessoas que tiveram EQM são indistinguíveis
das outras pessoas (GREYSON, 2003, 2007a); b),
o fenômeno é independente da religião, do tempo, da idade, do gênero, da instrução ou do nível
social (VAN LOMMEL et al., 2001); e c) o índice
de ocorrência e a experiência nuclear relatada
parecem ser independentes da cultura ou lugar
(ATHAPPILLY; GREYSON; STEVENSON, 2006;
GREYSON, 2007a).
Embora em alguns casos as EQMs possam trazer
conseqüências desagradáveis, na maioria das vezes
produzem efeitos benéficos para aqueles que as
experienciaram (GREYSON, 1983b; 1997; 2000;
2007a). Entre os efeitos positivos encontram-se o
incremento da espiritualidade, do altruísmo, do au-
tocuidado e da auto-estima (GREYSON, 1983b), e
a diminuição da ideação suicida (GREYSON, 1993)
e do sofrimento após o estresse pós-traumático da
morte clínica (GREYSON, 2001; 2003).
MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo teve como objetivo descrever, em
profundidade, as vivências e as conseqüências advindas da experiência de quase-morte (EQM). A
investigação, qualitativa e exploratória, foi realizada
com cinco pessoas que passaram pela experiência
de quase-morte e que foram selecionadas por
conveniência entre indivíduos indicados por profissionais da área da saúde (médicos e enfermeiros)
que haviam identificado uma suposta EQM no
decorrer de uma situação clínica anterior em que
houve risco de morte.
Os dados foram coletados mediante entrevistas semi-estruturadas, antecedidas pela aplicação
auto-respondida de duas escalas, utilizadas neste
estudo com o propósito de validar a experiência
de quase-morte.
A Escala de Experiência de Quase-Morte
(The Near-Death Experience Scale – NDE/EQM),
elaborada por Greyson (1983a), foi traduzida e
adaptada para o Português do Brasil por Serralta
et al. (2010). Esta escala possibilita diferenciar as
respostas daqueles que estiveram próximos da morte e vivenciaram uma EQM daqueles que tiveram
um encontro com a morte sem a experiência de
quase-morte (GREYSON, 2000). O instrumento
consiste em um questionário que contém dezesseis
itens auto-respondidos pelo entrevistado. Os itens
são de múltipla escolha, sendo que a pontuação
das repostas varia entre 0, 1 ou 2 de acordo com a
intensidade da resposta mais próxima da vivência
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
177
durante a experiência de quase morte. Um escore
igual ou maior que 7 no total da escala – cuja
pontuação máxima é de 32 pontos – define uma
EQM (GREYSON, 1983a; 2000). Quanto maior
a pontuação, mais profunda a EQM (GREYSON,
2000).
A Escala de Experiências Dissociativas (Dissociative Experiences Scale – DES/EED), elaborada
por Bernstein e Putnam (1986) e atualizada por
Carlson e Putnam (1993), foi traduzida e adaptada
para o Português do Brasil por Fiszman et al. (2004).
Ela possibilita averiguar a presença e a freqüência
de diferentes tipos de experiências dissociativas.
Determina desde um grau comum e não patológico
até a caracterização de experiências patológicas nas
quais, por exemplo, o indivíduo não se lembra de
importantes eventos do passado ou sente que seu
corpo não lhe pertence. Esta escala é constituída de
vinte oito itens que variam entre 0 (não acontece
nunca) a 10 (acontece sempre). Ainda que essa
escala não seja utilizada como instrumento diagnóstico, o escore de 30 é considerado o ponto de corte
acima do qual se pode identificar os pacientes com
transtornos dissociativos (FISZMAN et al., 2004;
BERNSTEIN; PUTNAM, 1986). A EED possui
ainda um subconjunto de oito itens, chamado de
DES-T (EED-T), que são uma medida sensível de
dissociação patológica. Toda a contagem no DES-T
(EED-T) indica um exemplo patológico da dissociação (GREYSON, 2000). Os itens que integram
a DES-T (EED-T) são: 3, 5, 7, 8, 12, 13, 22 e 27
(WALLER; PUTNAM; CARLSON, 1996).
Os participantes foram contatados inicialmente por telefone. A coleta de dados foi realizada nas residências dos sujeitos. Todos receberam
as explicações pertinentes aos objetivos do estudo
e assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido. Após o preenchimento auto-administrado das escalas, todas as entrevistas foram
178
gravadas e posteriormente transcritas ipsis verbis
para estudo. A entrevista continha quatro questões exploratórias: 1. Como foi a sua experiência
frente ao risco de vida?; 2. Houve mudanças na
sua vida após ter passado por essa experiência?
Se houve, quais?; 3. Você já havia passado por
experiência semelhante anteriormente?; e 4.
Você tem alguma informação que julgue importante acrescentar?
Para analisar as entrevistas foi utilizado o método de análise de conteúdo proposto por Bardin
(2009). O método de análise do conteúdo tem
como objetivo fazer uma descrição sistemática,
qualitativa e quantitativa do conteúdo manifesto, buscando encontrar as suas significações
latentes. Para a divisão do texto, foram utilizadas
as regras definidas pelo método que determina
que as categorias (temáticas, neste caso) sejam
homogêneas, exaustivas, exclusivas, objetivas,
adequadas e pertinentes (BARDIN, 2009;
CAREGNATO; MUTTI, 2006). As etapas de
análise dos dados foram três: 1) pré-análise, na
qual a “leitura flutuante” permite que o pesquisador utilize a sua intuição para operacionalizar
e sistematizar as idéias iniciais para conduzir
o plano de análise; 2) seleção das unidades de
análise, na qual foram feitas a codificação e a
numeração das unidades de registro. Ainda nessa
etapa, os dados foram agrupados em unidades de
contexto – que são unidades de compreensão que
possuem uma dimensão mais ampla e abrangente
que as unidades de registro –, sendo reduzidos a
categorias estabelecidas a partir dos elementos
temáticos comuns encontrados. O método de
categorização foi misto, utilizando-se o critério
de categorias apriorísticas (CAMPOS, 2004),
por possuir de antemão como categorias predefinidas as características agrupadas por Moody
Junior (1975), e dados não compatíveis com as
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
categorias apriorísticas formaram categorias a
posteriori; e 3) tratamento dos resultados obtidos, inferência e interpretação, etapa final na
qual se faz a transformação dos dados brutos em
dados significativamente válidos por meio da
interpretação e da reflexão sobre os conteúdos
encontrados.
Motivo da Internação
Patologia clínica
Intervenção
cirúrgica
Coma
Idade da ocorrência
de EQM
Idade atual
Gênero
Estado Civil
Grau de Instrução
Profissão
Renda
Religião
Praticante da
religião
Histórico de
tratamento
psicológico ou
psiquiátrico
RESULTADOS
caracterização dos participantes: os cinco sujeitos entrevistados, representados por três mulheres e
dois homens (A, B, C, D e E), apresentam características clínicas e sociodemográficas muito distintas
entre si. Os dados estão sumarizados na Figura 1.
a
Linfoepitelioma
de rinofaringe
quimioterapia
radioterapia
sim
B
C
D
Aneurisma
Enfisema pulmonar
Pneumonia dupla
aguda
sim
sim
sim
E
Cirurgia nasal
sangramento
excessivo trans e
pós-operatório
não
sim
sim
não
não
sim
não
sim
sim
sim
sedação
19
50
60
57
37
33
F
casada
52
F
solteira
57
F
casada
57
M
casado
ensino médio
completo
ensino superior
incompleto
77
M
casado
ensino
fundamental
incompleto
ensino fundamental incompleto
pós-graduação
secretária
aposentada
até 1 SM
católica e
universalista
acima 10 SM
não
sim
não
não
não
não
técnica em
enfermagem
de 2 a 4 SM
professora
agricultor
de 2 a 4 SM
até 1 SM
católica
católica
evangélica
não
sim
sim(depressão e
síndrome de
pânico)
sim(depressão)
médico
universalista
Fonte: elaborado segundo os dados da pesquisa.
Figura 1 - Identificação dos participantes.
A pontuação total dos participantes na escla
EQM variou entre 8 e 18 pontos, acima do ponto
de corte da escala que indica a presença de uma
EQM. A pontuação total na Escala EED variou
entre 25,7 e 3,9, indicando que todos os partici-
pantes encontram-se na faixa normal de fenômenos
dissociativos. Além disso, nenhum dos sujeitos
da pesquisa pontuou nos itens DES-T (EED-T).
Assim, demonstra-se que as EQMs relatadas foram
legítimas, sem interferência que qualquer experiên-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
179
cia dissociativa patológica que indicasse a probabilidade de algum transtorno psicopatológico.
Descrição das eQMs – categorias a priori: para
a análise das entrevistas, foram consideradas treze
das quinze categorias referentes às características
de EQMs elencadas por Moody Junior (1975): 1.
inefabilidade; 2. ouvir a notícia de sua morte pela
equipe médica, familiares ou outros; 3. sentimento de
paz e/ou sensações agradáveis; 4. ouvir sons (ruídos
desagradáveis ou músicas agradáveis); 5. perceber/
estar em um túnel de luz ou buraco escuro no espaço;
6. sensação de estar fora do corpo; 7. encontros com
seres não-físicos ou figuras religiosas; 8. seres muito
amorosos com uma luz brilhante sobrenatural; 9.
Sujeitos Características a priori
1. inefabilidade
2. notícia da morte
3. sentimento de paz/sensação agradável
4. ouvir sons
5. perceber/estar túnel
6. sensação de estar fora do corpo
7. encontro com seres não físicos ou figuras
religiosas
8. seres amorosos de luz
9. revisão da vida
10. fronteira
11. voltar
12. contar a outros
13. efeitos positivos na vida
14. nova visão morte
15. colaborar com pesquisa
Total
revisão da vida; 10. fronteira demarcando a vida
terrestre e a vida após a morte; 11. voltar; 12. contar
a experiência a outros; 13. efeitos positivos na vida;
14. nova visão da morte; e 15. colaboração com a
pesquisa. As duas características não analisadas foram: contar a experiência a outros e colaborar com a
pesquisa. Esses dois itens foram excluídos da análise
de dados por serem redundantes nesse estudo.
Das treze pré-categorias somente nove categorias foram encontradas nos relatos dos participantes. A Figura 2 apresenta as características
descritas por Moody Junior (1975) encontradas e
não encontradas, indicando o número de participantes que as descreveram.
a
1
não
6
não
não
15
B
não
não
1
não
não
2
C
1
não
7
não
não
1
D
2
não
4
não
não
1
E
2
não
5
não
não
2
Total
6
0
23
0
0
21
não
não
não
6
4
10
não
não
1
21
•
21
10
•
2
não
1
5
•
5
não
•
1
não
3
6
•
8
1
•
não
não
1
3
•
14
4
•
não
não
não
7
•
9
não
•
3
0
6
42
•
57
15
•
183
Fonte: elaborado segundo os dados da pesquisa.
Figura 2 - Quadro comparativo – EQM – Depoimentos e características elencadas por Moody Junior (1975).
A categoria inefabilidade refere-se à dificuldade
das pessoas que experimentam EQMs em descrever
em palavras a natureza dessa vivência: “...pra dizer
com palavras, às vezes, a gente não é bem fiel nas
180
colocações. É difícil explicar em palavras...” (Sr E);
“É um mundo bem diferente, né? Como é que se
diz? Difícil explicá!” (Sr. C); “Ahhh!! Não dá pra
explicar com palavras, né?!” (Sra. A).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Com relação à categoria ouvir a notícia de sua
morte pela equipe médica, familiares ou outros
não houve nenhum relato dos participantes, dado
esperado, visto que nenhum havia apresentado
morte clínica.
Nenhum sujeito descreveu ipsis litteris o sentimento de paz que foi observado somente no subtexto das entrevistas. Não obstante, os participantes
referiram diversas sensações agradáveis e relacionadas ao bem-estar. “Eu só sentia a leveza... como...
como se eu fosse... só, só, só, só espírito mesmo...!”
(Sra. A); “Podia me oferecer um automóvel novo
pra eu voltar que eu não queria... De tão bom que
tava lá!!!” (Sr. C).
Nenhum dos entrevistados relatou ouvir sons
durante a EQM.
Não houve qualquer relato dos entrevistados sobre perceber/estar em um túnel de luz ou buraco
escuro no espaço ao experienciarem a EQM.
A sensação de estar fora do corpo refere-se à impressão dos entrevistados de terem saído do corpo e
verem-se afastados dele ou movendo-se no espaço:
“Eu via, como se estivesse em um ambiente acima.
Vendo ele conversar com meu marido e me vendo.”
(Sra. A); “E aí eu tava viajando... Muito bonito!...
Mas tava lindo... Viajando, viajando...” (Sr. C).
Foram relatados pelos entrevistados encontros
com seres não-físicos ou figuras religiosas que
trouxeram uma sensação de acolhimento: “Alguém
que eu não vi, não sei quem é, mas que senti, né?...
mexeu em mim...” (Sr. E); “São Jorge não estava lá
debaixo do poste como uma imagem, uma estátua,
um santo, um quadro. Ele era uma realidade muito
diferente...” (Sra. D).
Os sujeitos também perceberam, durante a experiência de EQM, seres muito amorosos com uma
luz brilhante sobrenatural: “... do outro lado tinha
duas pessoas paradas cheirando flor, com uma luz...
parecia um nevoeiro fraco...” (Sr. C).; “Era uma pessoa vestida de branco. Todo de branco... Não sei se
era médico ou enfermeiro... Era médico, eu acho...
Espiritual... Todo de branco. Não sei se era homem,
ou era mulher. Muito amoroso...” (Sra. B).
Nenhum dos sujeitos relatou ter feito qualquer
revisão da vida ou visto qualquer cena do passado
durante a EQM, também não houve escore positivo
na Escala EQM (GREYSON,1983a; SERRALTA
et al., 2010) nesse item.
Alguns entrevistados notaram claramente uma
fronteira demarcando a vida terrestre e a vida
após a morte: “Tinha assim, um lugar bonito...
Uma ponte branca... Assim, meia redonda... eu
tava atravessando a ponte.” (Sr. C); “Porque era
o meu limite. Eu estive no limite. Na barreira da
fronteira.” (Sra. D).
A categoria voltar refere-se à sensação de “voltar” ao corpo após a experiência de separar-se: “...
eu voltei subitamente pro meu corpo.” (Sr. E); “Eu
senti um peso no corpo. Senti o corpo super pesado
quando eu voltei.” (Sra. B). A análise das entrevistas evidenciou que aos sujeitos foi oportunizado
uma decisão consciente de voltar: “Eu lembro que
eu pude fazer a escolha. Que eu poderia ter ido. Mas
que eu não quis.” (Sra. A); “...a minha escolha foi
retornar.” (Sra. D).
Todos os sujeitos mencionaram efeitos positivos
na vida após o evento da EQM. Essa categoria foi a
que possuiu maior número de referências: “Levantar
de manhã e... Bahhh!!! Que jóia!!! Opâ mais um
dia. Sabe? É muito importante!!!” (Sr. C). Todos os
entrevistados mencionaram melhora da autoconfiança, da auto-estima e diminuição do medo da
morte. Seus relatos contam suas experiências com
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
181
relação ao aumento da confiança em um propósito
de vida: “A partir daquele momento eu... minha vida
tomaria um novo rumo.” (Sra. D); ao aumento da
confiança da apreciação da vida: “Hoje a vida pra
mim tem um valor imenso.” (Sra. B); no incremento
da autoconfiança: “Eu acho engraçado... Porque
sei que agora eu consigo muitas coisas!” (Sr. C);
no incremento da auto-estima: “Porque eu voltei
sabendo que alguém tinha cuidado de mim... E senti
as conseqüências benéficas na minha recuperação.
Aprendi que se alguém cuida de mim assim e eu
volto, devo ser alguém legal...” (Sr. E.), e na diminuição do medo da morte: “...eu, tu saber que não é
só isso... morreu e acabou... te conforta.” (Sra. A);
“Eu não tenho medo se amanhã alguém me contar
que eu vou viajar...” (Sr. C). Todos os entrevistados mencionaram que houve mudanças positivas
substanciais na vida após a experiência de EQM:
“Depois eu comecei a aceitar como as coisas vêm...
é natural... Elas vêm e vão... e eu acho que assim que
as coisas funcionam...” (Sra. A); “Passei a viver a vida
de uma outra maneira.” (Sra. D). Todos os sujeitos
relataram transformações em seus valores pessoais.
Os entrevistados relataram o desenvolvimento do
autocuidado: “Parei de trabalhar como louca.” (Sra.
B); “Parei de fumar.” (Sr. C). Três sujeitos mencionaram o sentimento de altruísmo. O ato de ajudar
aos outros é caracterizado nas seguintes falas: “Por
Sujeitos Características a posteriori
1. saber do risco de vida
2. telepatia
3. busca de compreensão
4. memória nítida
Total
a
2
não
4
não
que eu queria cuidar de pessoas que, assim como
eu, precisavam de alguém...” (Sra. A); “...podemos
fazer alguma coisa por alguém... Nem que seja os
pobres cachorrinhos de rua.” (Sra. B). A compaixão
é retratada nos relatos: “Tu passa a admirar muito
as pessoas. A respeitar... a respeitar as opções delas,
as escolhas dela...” (Sra. D); “Hoje eu cultivo mais
admiração, muito grande pelo ser humano que se
doa” (Sra. A). Dois sujeitos da pesquisa referiram
dar menos importância às conquistas pessoais e ao
sucesso: “Temos a tendência... de nós viver, de uma
vida influenciada da matéria... Preocupados com
comida, valores, dinheiro... E o resto?” (Sra. D.).
A maioria dos entrevistados relatou desenvolver
uma nova visão da morte após a experiência de
EQM: “...poder realmente morrer e não terminar.
Porque até então... Assim ó... a morte para mim era
o fim.” (Sra. A).; “Existe o conhecimento de que
deixaremos de existir. Que temos uma vida após
esse final... Ela existe como todas as coisas. Só não
sabemos explicar.” (Sra. D).
Descrição das eQMs – categorias a posteriori:
através da análise das entrevistas foram encontradas quatro categorias “a posteriori”: 1. saber do risco
de vida; 2. telepatia; 3. busca de compreensão; e 4.
memória nítida. A Figura 3 sumariza a distribuição
das unidades de registro nessas as categorias.
B
3
não
não
não
C
3
não
não
3
D
não
7
não
não
E
4
3
5
6
Total
12
10
9
9
40
Fonte: elaborado segundo os dados da pesquisa.
Figura 3 - Categorias a posteriori
Os entrevistados relataram saber do risco de
vida presente na situação clínica experienciada:
182
“...tinha perfeitamente o conhecimento do meu
estado físico, dos riscos que corria, das coisas que
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
poderiam acontecer.” (Sr. E); “Porque eu ouvia as
pessoas falando. Os médicos falando com a minha
irmã de que eu tinha 99,9% de chance de eu morrer.” (Sra. B).
Os sujeitos da pesquisa explicaram que a comunicação durante as EQMs não se dava através da
palavra proferida e sim por telepatia: “Eu recebi
assim... como sendo essa informação dentro da
minha mente... assim como se alguém tivesse colocado dentro da minha cabeça.” (Sr. E); “Ahhh!...
A mensagem, a palavra em si ela ecoa dentro do
nosso cérebro.” (Sra. D).
Após vivenciarem a Experiência de QuaseMorte, os entrevistados sentiram a necessidade de
buscar compreender o fenômeno: “Depois eu fui
pesquisar. Né?!” (Sr. E); “Fui buscar mais informação.” (Sra. D). “Tanto que eu busquei, tentei é...
frequentar várias casas espíritas... Só que nenhuma
delas, até hoje, era o que eu estava buscando.” (Sra.
A); “Procurei o que poderia ter sido... alguma coisa
que tivesse sentido... pudesse contribuir realmente
espiritualmente, fisicamente pra mudar o quadro.”
(Sr. E).
Os entrevistados afirmaram ter uma memória
nítida sobre os acontecimentos envolvidos nas
EQMs: “Isso faz mais de vinte anos que aconteceu
e eu tenho a sensação nítida como se tivesse acontecido ontem, semana passada. Assim... algo bem
vivo, bem marcado na minha... minha memória,
ficou impregnado em mim.” (Sr. E).
DISCUSSÃO
No mesmo sentido dos achados de Moody Junior (1975), nenhum dos entrevistados, ao relatar
suas experiências, cumpriu todas as características
por ele elencadas, haja vista que os relatos traziam
fatos em comum entre si, mas estavam marcados
pela subjetividade. Não obstante, a semelhança
entre as características descritas na literatura internacional e os relatos encontrados no presente
estudo é notável. Com exceção de um participante,
os demais relataram desconhecer o fenômeno da
EQM na ocasião em que o experienciaram, o que
parece corroborar os achados de Lopez et al. (2005)
e Greyson (2007a) de que as EQMs ocorrem na ausência de conhecimento teórico anterior sobre elas
e a hipótese da universalidade do fenômeno (VAN
LOMMEL et al., 2001; ATHAPPILLY; GREYSON;
STEVENSON, 2006; GREYSON, 2007a).
São dignos de nota os esforços efetuados pelos
participantes a fim de compreender, posteriormente, a experiência, fato anteriormente observado
por Greyson (2007a), que é indicativo da natureza
perturbadora e transformadora da EQM. A experiência foi descrita como muito marcante para todos
os sujeitos dessa pesquisa. Eles compartilharam suas
experiências em riqueza de detalhes e afirmaram
que a recordação daqueles momentos permanece
muito vívida na memória. Esta preservação da memória, com toda a intensidade da vivência original,
foi encontrada em outros estudos (GREYSON,
2007b).
A riqueza dos detalhes e o minucioso relato dos
acontecimentos ocorridos no ambiente em que o sujeito estava ao mesmo tempo em que se sentia pairar
sobre o próprio corpo (Sra. A) está em consonância
com os estudos de Parnia e Fenwick (2002) e Greyson
(2000, 2007a). A categoria “saber do risco de vida” é
também compatível com a teoria psicológica de que a
EQM pode ser uma medida protetiva da mente frente
à ansiedade avassaladora decorrente da consciência de
risco (real ou imaginário) de morte (APPLEBY, 1989;
FRENCH, 2005; GREYSON, 2000; 2007a).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
183
Notou-se uma incrível habilidade dos entrevistados para proceder mudanças profundas
e positivas em suas vidas, assim como vivenciar
efeitos benéficos após experienciarem uma EQM.
Pareceria, portanto, que a EQM possui um efeito
protetor, constatado em diferentes pesquisas sobre
o fenômeno (GREYSON, 1983b; 1997; 2000; 2003;
2007a; GREYSON; LONG, 2006). É interessante
notar que, no presente estudo, os entrevistados
relataram significativas transformações em seus
valores pessoais sem, no entanto, relatarem o fenômeno da revisão da vida, que é considerado por
Greyson (1983b) como um dos catalisadores para
a esta mudança.
Embora eventualmente as EQMs possam
produzir conseqüências negativas (GREYSON,
1983b; 1997; 2007a), no presente estudo isso não
foi encontrado. Ao contrário, todos os participantes
alegaram um incremento no bem-estar subjetivo,
com repercussões na auto-estima, no autocuidado
e no relacionamento com os demais. Assim como
já referido por Kelly (2001), a vivência da EQM
promoveu nos entrevistados um aumento da espiritualidade e da crença na vida após a morte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo, embora exploratório e com diversas
limitações metodológicas, possui o mérito de ser o
primeiro a descrever relatos de EQM no Brasil.
Os resultados indicam que a ocorrência de
EQM não está associada a dissociações patológicas e ocorre em situações de normalidade
psíquica nas quais o sujeito tem a consciência
de estar próximo à morte. De modo geral, os
relatos obtidos são consistentes com as características típicas desse fenômeno já descritas em
184
outros estudos realizados em diferentes países
e culturas.
Os entrevistados alegaram ter mudanças positivas substanciais em sua vida após a experiência
de EQM, com incremento da auto-estima e autoconfiança, implementando uma nova visão da
morte, além de outros efeitos positivos no viver
idiossincrático e subjetivo. Pode-se dizer que houve
um aumento na qualidade de vida, em especial no
sentimento de bem-estar pessoal.
Os resultados dessa investigação, ainda que
estejam em consonância com a literatura acerca desse tema, precisam ser interpretados com
cautela em face das limitações da pesquisa. É
necessário considerar que o estudo foi conduzido
com uma amostra de conveniência e com um
número reduzido de participantes, o que diminui o poder de generalização dos dados. Uma
vez que não há estudos brasileiros sobre EQM
torna-se necessária a replicação em novos casos.
Sugere-se, nesse sentido, a inclusão de pessoas
que tenham experimentado a morte clínica. Em
segundo lugar, a presente pesquisa privilegiou os
aspectos psicológicos da EQM. Há a necessidade
de estudos que examinem a associação da EQMs
abrangendo outros fatores.
A Psicologia, a Fisiologia e as Neurociências
ainda não forneceram uma teoria satisfatória para
explicar as relações mente/cérebro nem tampouco o funcionamento da consciência. Não existe
nenhuma definição hábil a ponto de convergir as
opiniões contrapostas dos pesquisadores. Compor
teorias de forma integrada e abrangente, unindo a
Neurobiologia, a Psicodinâmica e a Fenomenologia,
pode ser um caminho viável para uma explicação
mais adequada desse fenômeno ainda tão pouco
explorado por pesquisadores e estudiosos do comportamento humano.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Percepções de alunos sobre educação a distância
mediada por ambientes virtuais de aprendizagem
rodrigo alcione Maia1
karla saraiva2
RESUMO
Este estudo busca mostrar as percepções de estudantes de graduação da Universidade Luterana do Brasil
sobre a educação a distância. Suas narrativas foram articuladas com excertos de artigos acadêmicos analisados
por Saraiva (2010) num trabalho de pesquisa anterior. Para coletar as percepções dos alunos, foram realizadas
entrevistas. Em sua grande maioria, as percepções dos estudantes coincidiram no que diz respeito ao melhor
gerenciamento de tempo que o EaD proporciona, indo ao encontro daquilo que consta na maioria dos artigos
acadêmicos. Da mesma forma, os alunos foram quase unânimes quando afirmaram sentir falta da presença física
de professores e colegas, enunciado que analisado à luz das recomendações dos artigos acadêmicos parece sinaliza
a necessidade de aprofundar os processos de interação.
palavras-chave: educação a distância, ensino superior, internet, alunos.
ABSTRACT
This study aimed to demonstrate the impressions of undergraduate students from Universidade Luterana do
Brasil about the distance learning and how this way of education has contributed in their upbringing. At the same
time, these opinions were combined with academic articles previously used by Saraiva (2010) in a research about
this same theme, but much broader. To get the impressions showed, were made interviews with students. These
1
Acadêmico do Curso de Licenciatura Plena em Letras – Língua e Literatura Inglesa/ULBRA – Bolsista PROICT/ULBRA
2
Professora-Orientadora do PPG de Educação/ULBRA
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
187
interviews were transcribed and organized for analysis and comparison. The vast majority of student`s opinions
were the same according to better management of time that distance learning provides. Likewise, student were
almost unanimous when said feel the miss of physical presence of teachers and classmates. These findings indicate
that both, student and the technology of distance learning still are in a process of adaptation. Distance learning,
in constant technologic evolution, enhances its way of dealing with the student. And the student, day after day,
fits with this new reality and better enjoy its benefits.
Keywords: distance learning, college education, internet, students.
INTRODUÇÃO
A Educação a Distância (EaD) tem despontado
no país como um meio de buscar a formação, em
especial no Ensino Superior, atingindo diversos públicos em diferentes áreas. Conforme publicado em
12 de abril de 2010, no jornal O Estado de São Paulo
(2010), dados do Ministério da Educação mostram
que um em cada cinco novos alunos de graduação
no País ingressam em um curso a distância. Ou
seja: cerca de 20% dos universitários já estudam
via EaD. Saraiva (2010) apresenta outros dados
do MEC que indicam que, entre os anos de 2003
e 2006, o número de cursos de graduação em EaD
cresceu 571% e o de matrículas 315%. Apesar da
grande procura, nota-se a percepção dos estudantes
acerca dessa modalidade de ensino ainda é pouco
investigada.
O presente artigo constitui uma contribuição
teórica para compreender a percepção de alunos
sobre a EaD. Mais especificamente, este artigo
analisa narrativas de um grupo de alunos da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) que, através
de entrevistas, expuseram suas impressões acerca
da EaD desenvolvida com suporte de recursos disponíveis na internet. Essas percepções estão sendo
tomadas como parte de um trabalho de pesquisa
mais amplo, já iniciado por Saraiva (2010), com a
análise de 239 artigos acadêmicos. A pesquisa com
188
os alunos, foco deste trabalho, foi realizada para
mostrar continuidades e descontinuidades entre
esses dois campos discursivos.
De acordo com outro artigo de Saraiva (2009),
que discute a metodologia adotada na pesquisa
anterior com a qual se está estabelecendo comparações, teria sido possível tomar inúmeros campos
discursivos como material de análise para aquela
pesquisa, dentre os quais foram cogitados artigos em
periódicos e entrevistas com professores e alunos.
A pesquisadora optou, na ocasião, por trabalhar
com artigos acadêmicos, abrindo mão de utilizar
entrevistas. Mesmo reconhecendo a importância
de escutar professores e alunos, os enunciados encontrados nos artigos, nas entrevistas de professores
e nas entrevistas de alunos gerariam um volume de
material de pesquisa que não permitiria uma análise
aprofundada do material. Assim, a pesquisa atual
visa dar continuidade a essa pesquisa anterior.
A seção seguinte apresenta a metodologia utilizada na pesquisa a partir de uma fundamentação
teórica acerca da linguagem e de seu papel instituinte da realidade, que justifica nossa preocupação
com as narrativas dos alunos e dos especialistas. A
seguir, são apresentados e analisados excertos das
entrevistas, articulados com resultados de pesquisa
anterior de Saraiva (2010). Encerramos o artigo
com algumas considerações finais.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
DOS CAMINhOS DA
PESQUISA
Não buscamos uma verdade nem nos artigos
nem nas falas dos alunos, mas sim novas leituras
sobre os fatos que nos apontem diferentes possibilidades. Conforme Foucault (2002, p.56), o discurso
faz mais do que descrever verdades e realidades
exteriores.
Gostaria de mostrar que o discurso não
é uma estreita superfície de contato, ou
de confronto, entre uma realidade e uma
língua, o intrincamento entre um léxico e
uma experiência; gostaria de mostrar, por
meio de exemplos precisos, que analisando
os próprios discursos, vemos se desfazerem
os laços aparentemente tão fortes entre as
palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. Certamente os discursos são feitos de
signos; mas o que fazem é mais que utilizar
esses signos para designar coisas. É esse mais
que os torna irredutíveis à língua e ao ato da
fala. É esse. mais. que é preciso fazer aparecer
e que é preciso descrever.
De acordo com Condé (1998), Wittgeinstein ao
estabelecer uma crítica à leitura tractatiana, que via
a linguagem como um espelho do mundo, mostrou
que não é partindo do mundo que construímos a
linguagem, mas contrariamente, a linguagem que
constrói o mundo. Desse modo, assumimos aqui
uma concepção de linguagem que não a toma como
uma simples representação do mundo, mas como
aquilo que o institui, que constitui a realidade,
que cria aquilo que chamamos verdade. Na perspectiva que adotamos, a verdade existe não como
algo transcendente, único e imutável, mas como
algo fabricado socialmente pela linguagem, sendo
múltipla, contingente, móvel. E é para analisar
a produção de verdades acerca da EaD que essa
pesquisa vem sendo desenvolvida.
Para obtenção dos dados da pesquisa, foram
realizadas entrevistas com estudantes de cursos de
graduação presencial, que cursavam disciplinas na
modalidade a distância, e também com alunos de
cursos de graduação a distância. Os alunos entrevistados apresentaram-se de modo voluntário, atendendo a convite dos pesquisadores, divulgado por
seus professores. Foram realizadas oito entrevistas,
sendo consideradas suficientes, tendo em vista que
nas últimas já não se percebia muitas diferenças em
relações às anteriores. Tendo em vista que esta é
uma pesquisa de caráter qualitativo, a quantidade
de entrevistas será determinada por um entendimento subjetivo, referente à obtenção de um
volume adequado de informações para realização
das análises, não sendo um número determinado
por questões estatísticas.
Essas entrevistas foram gravadas e transcritas. A
partir disso, foram extraídos excertos, organizados
em uma planilha para posterior análise. A identificação dos alunos será feita de modo a preservar
seu anonimato, sendo os nomes substituídos pelas
denominações “aluno 1”, “aluno 2”,...
AS PERCEPÇÕES DOS
ALUNOS
A partir dos excertos das entrevistas, foram
desenvolvidas as análises que apresentamos nesta
seção. Conforme já referido, essas análises supõem,
entre outros elementos, a comparação com a pesquisa anterior de Saraiva (2010), onde a autora
apresenta um estudo sobre a Educação a Distância
mediada pela internet a partir da análise de 239 arti-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
189
gos acadêmicos publicados em periódicos nacionais
especializados em tecnologia educacional, problematizando algumas verdades produzidas acerca da
temática do EaD e analisando o entrelaçamento
da emergência desse tema com alguns aspectos
característicos da sociedade contemporânea.
Nas entrevistas realizadas nesta pesquisa, uma
das maiores vantagens apontadas pelos alunos
que cursaram disciplinas ou mesmo todo o curso
superior em EaD é a possibilidade de um melhor
gerenciamento de tempo, visto que o ensino ofertado se adapta ao tempo do aluno, ao invés de o
aluno se adaptar ao tempo do ensino, como ocorre
na metodologia de ensino presencial.
O benefício é que tu faz teu próprio horário,
não precisa marcar um horário ou vir pra
aula, ter aquele compromisso de se deslocar,
de ter um horário dentro de sala de aula. Então tu acessa aos finais de semana, domingo,
enfim, no tempo disponível. Isso é um grande
benefício. (Aluno 1).
O que eu vejo de bom é a questão do tempo, tu
gerencia o teu tempo, quando tu consegues, tu acessa
a internet, acessa as aulas, faz as atividades e ponto,
não tem horários e dias marcados, além da economia
de transporte, lanche, enfim. (Aluno 4).
Esse entendimento dos alunos sobre uma
vantajosa possibilidade de ajustar o tempo às suas
necessidades é coincidente com aquilo que Saraiva
(2010) encontrou nos artigos acadêmicos:
Os conceitos existentes sobre a educação à
distância indicam especialmente que esta
pressupõe a autonomia do aluno, que irá organizar-se de acordo com suas possibilidades
de tempo, espaço e ritmo de aprendizagem,
contando, para isso, com diversos recursos
190
didáticos (PEREIRA; MOTA; PAULA apud
SARAIVA, 2010, p.96).
Contudo, de acordo com Saraiva (2010, p.89),
essa liberdade de escolha tem como contrapartida a
necessidade de um engajamento que produz outros
efeitos sobre os sujeitos:
Os saberes que são produzidos com esse
comprometimento permanente vão além
dos conteúdos do curso. Professores e alunos
aprendem a regular seu tempo de trabalho e a
imporem para si rotinas que incluem o acesso
sistemático aos ambientes informatizados nos
quais se estabelece a comunicação.
Essa possibilidade de um uso individualizado do
tempo leva a uma valorização da EaD na sociedade
atual, uma vez que, segundo Bauman (2001), existe
uma ênfase contemporânea na individualização e
na importância de cada um atender seus interesses.
Além de permitir uma individualização do tempo,
a EaD funciona como uma possibilidade de estar
em diversos lugares ao mesmo tempo, atuando em
diversos cenários simultaneamente.
Pode-se acessar a hora que puder, não tem o
tempo de deslocamento até a universidade,
se economiza com gasolina, estacionamento,
agiliza o andamento do curso, porque podese fazer mais disciplinas, pois as presenciais
precisa fechar os horários. Não tem trabalhos
em grupo, então não precisa disponibilizar
tempo pra se encontrar, etc. (Aluno 2)
Em consonância com essa percepção dos alunos,
os artigos acadêmicos também compreendem a
EaD como uma estratégia para vencer as restrições
espaço-temporais no campo educacional.
Atualmente, temos o potencial para um
ensino menos limitado pelas restrições
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
de tempo e distância de uma sala de aula
(COSTA; FAGUNDES; NEVADO apud
SARAIVA, 2010, p.92).
Seu principal objetivo é atender a necessidades
de pessoas que não podem freqüentar cursos
regulares por residirem em locais distantes e
terem limitações de horário (MEDEIROS et
al. apud SARAIVA, 2010, p.68).
No entanto, de acordo com Saraiva (2010,
p.42), essa liberdade de escolha e essa mobilidade
implicam numa intensificação do comprometimento de cada um com sua formação:
Na EaD, professores e alunos ganharam a
liberdade de escolher quando e onde desejam trabalhar, mas perderam a liberdade
de estarem fora do alcance da escola. Em
qualquer local e em qualquer hora é possível aprender e é possível ensinar. Esse é o
novo jogo de visibilidades que se impõe na
educação via Internet.
Entre as insatisfações apresentadas pelos alunos,
a mais citada foi a falta de convivência e estabelecimento de laços com professores e colegas. Tal
situação foi apontada como um provável elemento
dificultador no processo de aprendizagem, visto que
a troca de experiências em tempo real de alguma
forma potencializa o entendimento do conteúdo estudado. Além disso, a ausência física do professor é
vista de forma negativa, pois as dúvidas não podem
ser sanadas no momento em que aparecem.
Eu acho que o contato, o estar dentro da universidade, não tem nada que substitua esse
convívio com os colegas. O contato físico
mesmo com as pessoas, o olhar, o próprio
questionar e até mesmo aquela questão da
desenvoltura tu exercita mesmo na frente
de outras pessoas. (Aluno 3)
[É uma desvantagem] tu não interagir com
a professora diretamente. Sei onde ela está,
mas eu não conheço ela pessoalmente. E
interagir é importante até pela atividade que
eu faço, a faculdade que eu faço, porque eu
vou trabalhar com pessoas. (Aluno 2)
Alguns autores que investigaram as situações
observadas no desenvolvimento de cursos a
distância corroboram essa visão dos alunos: “na
vivência on-line, os alunos ficaram mais isolados e
individualizados e a maioria sentiu falta do contato
físico” (MORAES apud SARAIVA, 2010, p.211).
Contudo, diversos outros artigos apresentam um
entendimento contrário a essa posição, pois lhes
parece que as interações on-line seriam capazes de
suprir a distância física:
O resultado é que enquanto vemos muitos
cursos tradicionais sustentando-se única e
exclusivamente na proximidade natural de
suas aulas presenciais, a EVI [Educação Virtual Interativa] não pára de evoluir e de criar
condições para a efetiva redução de distâncias
(TORI apud SARAIVA, 2010, p.78)
A partir disso, podemos pensar que talvez seja
necessário aprofundar a interatividade nos cursos
a distância. Além disso, talvez possamos também
apontar que o modelo de ensino hoje adotado na
maior parte das vezes faz com que o aluno necessite
da presença constante do mestre como “centro da
informação” para conduzir o processo de construção do conhecimento. Nesse aspecto, para que o
EaD aumente sua aceitação será necessária uma
transformação nos comportamentos, o que talvez
já esteja acontecendo nas novas gerações, cada vez
mais integradas na cibercultura.Outra desvantagem
apresentada pelos alunos diz respeito à dificuldade
da comunicação via web com o professor/tutor,
pois as interações assíncronas via fórum ou e-mail
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
191
não permitem uma resposta imediata, uma troca
imediata com o professor.
Eu acho que, especificamente, na plataforma,
só a ferramenta do fórum é um pouco ruim.
Em algum momento tu poderias ter mais
interação, uma aula ao vivo, ou alguma coisa
assim que tu pudesses acessar pela Internet.
Realmente fazer o curso a distância, mas
podendo ter mais interação com o professor
basicamente. Porque daqui a pouco tu estás
lendo um texto, manda um email, demora...
Essa é a principal desvantagem. Especificamente, eu acho que o professor tinha que se
tornar mais presente. (Aluno 4)
De acordo com Saraiva (2010, p.38):
Parece-me que a EaD não é apenas um instrumento para o governamento dos alunos,
mas do próprio professor que, segundo Os
Referenciais de Qualidade para Cursos a Distância, deve manter um processo contínuo de
auto-avaliação e deve monitorar permanentemente a produção dos alunos, respondendo
perguntas e enviando comentários com a maior
rapidez possível. O relógio da sala de aula foi
substituído por uma temporalidade contínua,
sem delimitações dos períodos de trabalho.
Ou seja, a EaD mediada por ambientes de
aprendizagem on-line ao permitir uma maior liberdade na escolha dos alunos, não apenas os coloca no
compromisso de construir sua agenda e manter um
contato continuado, como também pode engajar
os professores e tutores em um processo contínuo,
que tende a expandir-se, recobrindo crescentes
parcelas de tempo.
192
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diversas percepções de alunos apresentadas
nesse artigo, bem como os excertos dos artigos
acadêmicos também apresentados, refletem rentes
representações que constituem verdades sobre a
EaD. Como se pode observar, existem várias coincidências entre os elementos discursivos presentes
nas entrevistas e nos artigos, apontando convergências. Em alguns casos, foram observadas algumas
divergências, mostrando entendimentos diversos
sobre um dado ponto. Levando em conta que a
Educação a distância aliada ao uso da tecnologia
ainda é uma ferramenta relativamente nova, os
alunos de hoje ainda estão “experimentando” uma
nova forma de aprendizado. Parece-nos que, com o
passar do tempo, haverá transformações tanto na
metodologia da EaD (seja pela entrada de novas
tecnologias, seja por transformações no entendimento didático-pedagógico), quanto na própria
postura dos alunos, levando em conta as rápidas
transformações por que passa o mundo atual e os
sujeitos que nele vivem.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunr. Modernidade Líquida. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CONDE, Mauro Lucio Leitão. Wittgeinstein:
linguagem e mundo. São Paulo: Annablume,
1998.
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
O ESTADO DE SãO PAULO. Ensino a distância atrai 1 em cada 5 estudantes. Disponível
em: <http://www.estadao.com.br/noticias/
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
vidae,ensino-a-distancia-atrai-1-em-cada-5estudantes,537186,0.htm>. Acesso em: 18
abr. 2010.
Shaula. Escritos metodológicos – possibilidades na
pesquisa contemporânea em educação. Maceió:
UFAL, 2009. p.13-34.
SARAIVA, Karla. Diário de uma pesquisa
off-road. In: FERREIRA, Taís; SAMPAIO,
SARAIVA, Karla. Educação a distância – outros tempos, outros espaços. Ponta Grossa: UEPG, 2010.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
193
Projeto Pró-Memória: novos olhares sobre a
história do esporte de Carazinho-RS
PaTricia
diacson vieira riBeiro1
carlesso Marcelino siqueira2
RESUMO
A presente pesquisa faz parte do projeto pró-memória de Carazinho, o qual compreende em um projeto de pesquisa
institucional, ainda em desenvolvimento, o qual está dividido em vários eixos, sendo o curso de Educação Física da ULBRA
Carazinho responsável pela pesquisa do eixo esporte, o qual tem como objetivo contextualizar e reconstruir a história do
desporto, dos desportistas e das entidades esportivas de Carazinho, identificando as modalidades coletivas e individuais
que foram ou estão sendo praticadas no município desde sua emancipação até sua contemporaneidade. Também tem
como meta identificar as entidades e seus respectivos locais que se iniciaram à prática desportiva no município, no passado
e na atualidade, bem como identificar os principais desportistas de Carazinho, nas respectivas modalidades, coletivas e/
ou individuais. Com base nas primeiras informações que foram coletadas até o presente momento, percebe-se que o
esporte no decorrer da história de Carazinho se destaca com muita ênfase, não somente no que se refere ao futebol
de campo, mas também em outras modalidades esportivas como o basquete, bolão feminino e natação.
palavras-chave: Projeto Pró-memória, Carazinho e esporte.
ABSTRACT
This research project is part of the pro-memory Carazinho, which includes a project of institutional research,
still in development, which is divided into several axles, and the Physical Education course ULBRA Carazinho
1
Acadêmico do Curso de Educação Física/ULBRA CarazinhoBolsista PROICT/ULBRA
2
Professora-Orientadora do curso de Educação Física /ULBRA
Carazinho (patrí[email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
195
responsible for the research axis sport , which aims to contextualize and reconstruct the history of sport, the athletes
and sports entities of Carazinho, identifying the collective and individual arrangements that have been or are
being practiced in the city since their emancipation until his contemporaneity. It also aims to identify the entities
and their respective locations that started the sport in the county in the past and at present, as well as identify
key Carazinho athletes in their respective modalities, collective and / or the alone. Later, there will be sorting,
grouping, and new organizations and new groups for similarities and complementarities. Keeping the guiding lights
for the historical evolution of the facts with his dialogues due to the involved areas, education, sport and health.
Based on preliminary information that has been collected so far, one realizes that the sport throughout the history
of Carazinho stands out very forcefully, not only in relation to the football field but also in other sports such as
basketball, swimming and women.
Keywords: Project Pro-memory. Carazinho, sports.
INTRODUÇÃO
196
ele, são impregnados invariavelmente pelos noticiários da imprensa em crescentes espaços diários de
mídia que citam, por outro lado, o esporte, anteriormente percebido apenas pelo rendimento, tem
passado por uma revisão conceitual, aumentando
sua própria abrangência, ao reajustar-se às necessidades de movimento causadas pelo desenvolvimento industrial e, fundamentalmente às exigências da
utilização do tempo livre pelo homem moderno que
nesta perspectiva, incorporou a prática do esporte
popular (TUBINO, 1997, p.09).
O presente artigo tem como objetivo apresentar
a proposta do eixo esporte do projeto pró-memória
de Carazinho, o qual compreende em um projeto de
pesquisa institucional, ainda em desenvolvimento,
dividido em vários eixos. O curso de Educação
Física da ULBRA Carazinho é o responsável pela
pesquisa do eixo esporte, o qual tem como objetivo
contextualizar e reconstruir a história do desporto,
dos desportistas e das entidades esportivas de Carazinho, identificando as modalidades coletivas e
individuais que foram ou estão sendo praticadas no
município, também tem como meta identificar as
entidades e seus respectivos locais que se iniciaram
a prática desportiva no município, no passado e
na atualidade, bem como identificar os principais
desportistas de Carazinho, nas respectivas modalidades, coletivas e/ou individuais.
O projeto pró-memória esportes ainda, em desenvolvimento, iniciará suas buscas desde 1930 até
o presente ano de 2009, tendo como materiais de
pesquisa fontes como: jornais, atas, relatórios, ícones fotográficos das instituições de ensino superior,
escolas, museu municipal e prefeitura municipal de
Carazinho.
Reconhecido como um dos fenômenos sociais
mais importantes, tendo influenciado profundamente a vida cotidiana do homem do século XX,
o esporte impõe-se sistematicamente àqueles que
o praticam, que o organizam, que de alguma forma,
por ofício, dele dependem; aos seus aficcionados, e
até mesmo àqueles que, sem vinculação afetiva com
As etapas de pesquisa histórica e pesquisa
bibliográfica serão inicialmente norteadas pelos
descritores científicos propostos para a construção
teórica, após será feito o procedimento de busca
criteriosa das publicações sobre o tema de caráter
relevante para a análise. Em posse deste material
iniciar-se-á a redação científica, organizada pelas
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
fichas de leitura contendo além das citações, as
próprias reflexões dos autores sobre o assunto em
questão.
Após a seleção, organização, redação será
elaborada o agrupamento dos conteúdos por familiaridade numa sequência que dará a sustentação
teórica para a compreensão das próximas etapas
da historia oral e construção da coletânea propriamente dita. Os artigos de caráter científico serão
obtidos através da busca on-line, assim como em
períodos que tratem da temática, prioritariamente
dos últimos cinco anos.
A técnica de análise será a proposta de conteúdo
de Bardin (2004) em que haverá a organização do
material, sua devida exploração, reconhecimento
do material que tenha emergido das diversas fontes
de busca. Posteriormente, haverá a ordenação,
agrupamento, e novas organizações e novos agrupamentos por semelhanças e complementaridades.
Mantendo o eixo norteador da evolução histórica os
fatos com suas devidas interlocuções com as áreas
envolvidas: educação, desporto e saúde.
CONTEXTUALIZANDO O
ESPORTE E EDUCAÇÃO
FISíCA NO BRASIL
Este esporte popular, sem vinculação institucional esportiva e exercício principalmente na
perspectiva do direito do homem à prática esportiva, tornou o fenômeno do esporte ainda mais
presente à realidade social. Pois é justamente este
esporte, identificado mundialmente como relevante
nas diversas sociedades, que, no Brasil, embora
reconhecido legalmente pelo Estado há menos de
50 anos, encontra-se situado na área da educação
(TUBINO, 1997, p.10).
As valorizações econômicas, sociais e políticas
do esporte seguiram o rumo de outras áreas da
atividade humana. Deveríamos ser mais sensíveis á
importância do movimento e do alcance educativo
da formação esportiva dos jovens. Formação significa ação de desenvolver as capacidades próprias
do ser humano: inteligência, sentido, consciência
social, patriotismo, espírito crítico, etc.
É nesse sentido que o esporte para crianças e jovens deve ser orientado, de forma a fazer convergir
os objetivos das práticas esportivas com os objetivos
que presidem a educação, ou seja, ser enquadrada
nas finalidades e nas metas do sistema educativo
(BARBANTI, 2005, p.10).
O esporte e Educação Física no Brasil sofreu
uma série de transformações, norteando a manifestação de diversos paradigmas, nos quais se evidenciaram, de acordo com Bregolato (2007) a partir da
década de 80, evidenciando-se com os professores
escritores como Vitor Marinho de Oliveira, João
Paulo Subirá Medina, João Batista Freire, Valter
Bracht, Lino Castellani Filho, Carmem Soares,
dentre tantos outros.
Esses autores, segundo Bregolato (2007), questionam as concepções pedagógicas com as idéias
positivistas tais como: 1 - que o movimento corporal
base do estudo da Educação Física não se encerre
em si como num ato mecânico e desvinculado da
vida do aluno, mas que os significados atribuídos
aos exercícios que ele realiza estejam atrelados a
sua vida em sociedade; 2 - Educação Física deslumbrando a totalidade humana, considerando-se
também os aspectos culturais e biopsicosociais dos
educando; 3 - que a educação escolar desperta o
espírito crítico do aluno para que este possa interferir em sua realidade propondo a democratização
do ensino; 4 - que Educação Física desenvolva
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
197
autonomia do aluno e para isso se faz do saber;
5- que Educação Física trabalha os conteúdos
historicamente colocados: os jogos, as danças, as
lutas, os esportes a história saber as interferências
políticas-sociais-religiosas-filosóficas que levaram
a humanidade construir o conhecimento corporal
e o conhecimento escolar no decorrer dos tempos,
efetuando-se na práxis, que a integração da teoria
com a prática, do movimento corporal com a reflexão, da ação consciente as quais promovem grandes
transformações nas sociedades.
Para Castellani Filho (2001), já na década de
30 com o intuito de compreender em que medida as mudanças ocorridas no reoordenamento
econômico-social sugerirão através dos estimulo à
Educação Física, a concretização de uma identidade
moral e cívica Brasileira analisar o envolvimento
da Educação Física com os princípios segurança
Nacional, tanto no alusivo à temática da Eugênia
da raças, quanto àquela inerente a constituição dos,
na época , “Estados Unidos do Brasil” .
Referente à necessidade do adestramento físico,
no primeiro momento necessário à defesa da pátria
da ordem política e econômica constituída, como
também à eminência de configuração de um conflito
bélico a nível mundial, e, em outro instante visando
assegurar aos processos de industrialização implantado no país, mão-de-obra fisicamente adestrada
e capacitada cabendo e ela cuidar da recuperação
manutenção da força do trabalho do trabalhador
brasileiro. (CASTELLANI FILHO, 2001).
Estudos de Romero (2005), enfatizam que a
temática do corpo vem sendo discutida para apontar elementos para compreensão das atividades
corporais que vem sendo desenvolvidas na práxis
da Educação Física sob o olhar do gênero como
categoria histórica, analista e relacional.
198
Para Santin (2001), a maneira mais frequente
e mais banal de tratar o esporte consiste em considerá-lo um mero instrumento posto a serviço de
idéias, de interesses, de ideologias ou de qualquer
ordem de valores que não sejam ele próprio neste
caso o esporte propriamente não tem valor em si
mesmo.
Seu valor é extrínseco, o que o transforma na
ferramenta que produz um determinado fim. Em
geral, todas as pessoas que não praticam esporte,
mas se interessam pelas atividades esportivas, são
aquelas que mais cultivam essa idéia de funcionalidade instrumental do esporte. Há também um
numero razoável de praticantes de esportes que
buscam o esporte com objetivos não tanto esportivos (SANTIN, 2001).
Segundo Soares (2007), a objetivação do corpo
é parte de um processo que o coloca no campo no
centro de nossas expectativas, constituindo-se
em alvo dos anseios da existência, numa difícil
distinção entre desejos que se transformam em
necessidades, sobretudo a partir dos investimentos
midiáticos.
A satisfação desses desejos vai constituindo-se
como algo imprescindível para a continuidade da
vida, para um ideal sempre inatingível da felicidade.
Desejos que se tornam tão essenciais que se impõem
à vida, restringindo as possibilidades humanas, ampliando a ausência de liberdade. (SOARES, 2007).
CARAZINhO: SUA
hISTÓRIA E SUA GENTE
Os registros populacionais de Carazinho, que
era o quarto distrito, ou seja, da grande região
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
que se tornaria antes de sua emancipação eram
imprecisos. Os primeiros registros mostram que
eram 9.546 habitantes, sendo que, a população
urbana era de 900 pessoas e rural eram 8646 pessoas
(BOCOURNY, 2006).
Em 1917, aconteceu à primeira tentativa de
transformar o então Distrito de Passo Fundo em um
futuro município, somente em 1930 fortaleceramse os desejos para que realmente a emancipação se
consolidasse no dia 24 de janeiro de 1931 o intervalo federal no Estado General Flores da Cunha
baixou o decreto número 1707 emancipando o
município de Carazinho (BOCOURNY, 2006).
O nome Carazinho tem sua origem segundo
Bocourny (2006) um tanto conturbado, devido a
grande circulação de versões as quais originaram
seu nome: o mais provável é a derivação do nome
ao povoado, pela denominação do Arroio Carazinho, que tem a denominação anterior á primeira
aglomeração de casas.
Entretanto, para Bocourny (2006, p.25), outra
versão muito corrente nas duas primeiras décadas
do século XX é que Carazinho seria uma corruptela
de Jacuizinho, surgida de erros de escrituras, e era
voz corrente que os dois primeiros escrivões do
povoado eram “analfabetos”. Também era muito
questionado o fato de que Cará não provinha, nem
do tubérculo alimentar, nem do peixe Acará e sim,
de uma taquarinha que os índios chamavam de
“Carafá” e que abundava ás margens dos arroios
que de mais tarde formariam a bacia do nosso
município.
Sem dúvida alguma, a versão mais pitoresca
conhecida é a de uma placa de madeira com a
inscrição” CARAZINHO” , para indicar que uma
passagem em um curso hídrico próximo à primeira
povoação, e que outrora seria mais caudaloso, era
favorável à travessia das tropas de mulas que aqui
cruzavam (BOCOURNY, 2006).
Bocourny (2006, p.26), enfatiza que Carazinho
teve variações ortográficas desde a sua emancipação, pois, no Decreto numero 4.709, de 24/10/1931,
foi batizado como CARASINHO. Em 1942, por
reforma na língua portuguesa, de acordo com
novas regras, a denominação foi alterada para CARÀZINHO e motivada por outras regras da língua
pátria, perdeu o acento á atual denominação de
CARAZINHO.
Os registros populacionais de Carazinho, que
era o quarto distrito, ou seja, da grande região
que se tornaria antes de sua emancipação eram
imprecisos. Os primeiros registros mostram que
eram 9.546 habitantes, sendo que, a população
urbana era de 900 pessoas e rural eram 8646 pessoas
(BOCOURNY, 2006).
Segundo dados do IBGE (2007), indicam que
atualmente, Carazinho possui cerca de 58.196
habitantes. O município se destaca por possuir o
maior entroncamento rodoviário do sul do Brasil e
ainda tem a maior cancha reta da América Latina.
Sua economia está baseada na agricultura, mas conta também com algumas empresas de grande porte
como a Parmalat (laticínios) e Semeato (implementos agrícolas), Rotoplastyc (Rotomoldagem),TW
Transportes, SODER Tecno, GIHAL e Implementos Agrícolas MAX.
O comércio local é destaque entre os municípios da Região. No âmbito educacional conta com
46 escolas de ensino fundamental e médio além
de duas universidades: Universidade Luterana do
Brasil (ULBRA). Universidade de Passo Fundo
(UPF). Também Carazinho conta com uma escola
de aviação sediada no Aeroclube de Carazinho,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
199
onde são ministrados cursos de piloto privado,
piloto comercial, piloto de planador, paraquedismo
e aeromodelismo. (IBGE, 2007).
O Esporte Carazinhense de 1930
a 1950
Muitas coisas evoluíram desde a emancipação
da cidade de Carazinho, no esporte não foi diferente, pois nas décadas de 1930 a 1950, muitos foram
os fatos marcantes ocorridos, entre eles destacamos
a área desportista e social. Através da análise e
leitura do Jornal Noticioso que faz parte do acervo
da biblioteca Martinho Lutero da Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA) - campus Carazinho,
obtivemos os primeiros fatos transcorridos na história do esporte em Carazinho.
O Noticioso foi um dos primeiros meios de
comunicação da cidade, sendo lançado em 22 de
agosto de 1942, pelo então Sr. Nestor Moojen,
diretor chefe, que mostrava fato local e do mundo,
em destaque nesta década a política onde havia
muitos conflitos, e se não bastasse havia uma guerra
em ascensão.
De posse deste material que foi doado pela Sra.
Vera Lúcia Dall Valle a esta entidade educacional,
percebe-se que o esporte na região tinha uma grande aceitação pela comunidade, sendo que o futebol
teve seu destaque muito em suas equipes locais.
O primeiro clube de Carazinho foi o Esporte
Clube América, fundado em 1924, mais tarde
fundi-se com o time Veterano Futebol Clube.
Dois clubes se destacaram em nível local,
ambos fundados em 1933: além do Veterano,
o Grêmio Atlético Gloria. Os dois clubes,
por muito tempo disputaram competições e,
âmbito regional e estadual. A união dos dois
200
clubes deu origem em 1970 ao clube Atlético
também conhecido como Galo serrano (MUSEU OLÍVIO OTTO, 2010).
Em um dos momentos da pesquisa tivemos a
oportunidade de conversar com o Sr. Sérgio Silva,
um jornalista apaixonado pelo esporte, o qual
lançou o livro “Memória de Sérgio Silva”, em sua
obra ele aborda o esporte sob o olhar do jornalista
esportivo.
Também em diversos momentos pudemos conhecer e descobrir fatos sobre aquela época, nas
visitas ao Museu Olívio Otto onde percebemos
e sentimos a história de toda a cidade, através de
imagens ali expostas, isso foi uma grande viagem
ao tempo, sempre auxiliados pelo historiador Lucas
Cabral Ribeiro, responsável pelo núcleo de história
e cultura, que com grande alegria nos possibilitou
ter o acesso ao acervo do museu, através de documentos, livros e ícones fotográficos.
Uma contribuição muito valiosa nos foi dada
pelo escritor Carazinhense Lio Bocourny, o qual
enfatiza também em sua obra Carazinho: Nossa Terra Nossa Gente (2006), o qual aborda os
principais fatos e personalidades relacionados ao
desenvolvimento de Carazinho.
Futebol em Carazinho:
Revendo a história
O esporte clube América foi o primeiro clube
de futebol de Carazinho, com data de 1925. A
Figura 1 foi registrada no campo da Vila Santo
Antonio, com as seguintes referências, (mais
ou menos na zona da casa do Sady de Quadros,
Gutmann, Nestor de Quadros, Sulina etc. Naquela zona . Entrada do campo, onde está o prédio
de Oscarzinho Kraemer, morava ali na época
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Pedrinho Pereira. Desta sociedade que nasceu o
Veterano F. C. Em 22 de outubro de 1933. (SILVA, 2007).
A data oficial de fundação é 25 de outubro de
1933. A escalação do América vem nesta ordem:
ponta direita , Hermínio Bassani,meia direita ,
Amadeu, centro, Dr. Léo Pinto, meia esquerda, Camilo Scherer, ponta esquerda, Stangler esta a linha. Os
demais atletas : Veríssimo, Dorinieli, Pires (alfes),
Armando Borges, Magala (backs), Paulino Biachi
(goleiro), (SILVA, 2007).
Fonte: Acervo Olívio Otto
Figura 1 - Time do América – 1º equipe de futebol de
Carazinho – 1925
Grêmio Aquático:
Ênfase no Esporte
De acordo com Bocourny, (2006), o Grêmio
Atlético Carazinhense foi fundado em 2 de fevereiro de 1948, pelas seguintes pessoas: Arno
Edmund Arend, Arno Franzen, Belmiro Correa,
Francisco Fabel, Frederico Oscar Dietschi, Felipe
Gerling (Mocotó), Irmão Estevão, Lauro Borges e
Lauro Franzen. E neste mesmo ano inaugurou-se
sua piscina olímpica. O remador Lauro Franzen
juntamente com seus irmãos resolveram fundar a
colméia aquática.
O Grêmio Aquático Carazinhense continua
ainda a ser um ponto de reunião da sociedade. Em
1948 eram praticados os esportes aquáticos, mas
também o tênis, bolão e atletismo. A entidade na
época era dirigida pelo Major Darci Vignoli.
Basquete e Vôlei:
força no esporte
Embora sejam esportes bem distintos, o vôlei
e o basquete sempre estiveram interligados em
Carazinho, pois tanto os atletas que se dedicavam
aos esportes de mão, via de regra destacavam-se
em ambos, e por outro lado, os clubes na maioria
surgidos na década de 50. A história nos conta
que pouca importância era dada ao “voleibol”,
cuja tendência inicial seria mais para uma modalidade feminina, porém já nos anos quarenta,
principalmente nos colégios, foi difundido, tanto
entre moças e rapazes (Figura 2).
Armando Barleze escreveu no Jornal da Serra em
20 de setembro: No basquete e vôlei, esportes que
permitem desenvolver-se técnica e fisicamente uma
grande parte de nossos jovens conterrâneos, temos a
União, a frente do qual se encontra Jairo Brum, coadjuvado por um grupo de abnegados desportistas.
O União já fez realizar uma competição ainda
inédita na região, reunindo representantes de
Passo Fundo, Cruz Alta e Ibirubá, que, por dois
dias consecutivos, realizaram embates sensacionais e que despertam o interesse do público
para essas espécies de esporte. Continua ainda
o união na vanguarda das realizações no setor
de basquete e vôlei, fazendo-se recentemente
representar na Semana da Pátria, trazendo
maior brilho às comemorações que assinalaram
mais um aniversário de nossa Independência.
Sendo criada a Liga Carazinhense de Vôlei e
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
201
Basquete em junho de 1956 (BOCOURNY,
2006, p.267).
Bolão: mulheres em ação!
O bolão sempre foi um esporte tradicional em
Carazinho, não só na cidade como também nos
distritos, tanto é que a única obra escrita sobre esse
interessante esporte, no Estado, é autoria carazinhense de Helaine Maria Kreling. O clube Caixeiral
destacou-se em promover a modalidade (Figura 4)
(BOCOUNRY, 2006, p. 266).
Fonte: Acervo Olívio Otto
Figura 2 - Basquete no pátio do colégio La Salle,
1938.
Bocha: um esporte popular
Um esporte muito popular que até hoje vem
conquistando dia-a-dia mais simpatizantes, inclusive o público feminino, embora seja bem antigo, trazido pelos italianos como “boccia”, já tinha canchas
em vilas e no interior desde os anos 20 (Figura 3).
Popularizou-se em Carazinho através do Aquático
desde 1950 (BOCORURNY, 2006, p. 266).
Fonte: Acervo Olívio Otto.
Figura 4 - Grupo feminino de bolão – Clube Caixeiral
1948.
Aeroclube de Carazinho
Fundado em plena efervescência da Segunda
Guerra mundial, em 5 de agosto de 1940, durante
uma campanha nacional para incrementar a formação de pilotos brasileiros, nosso Aeroclube é hoje
uma das mais tradicionais instituições da cidade.
A pista foi inaugurada em 9 de julho de 1970. Em
1943, o primeiro hangar, de madeira, foi totalmente
destruído, causando na época sérios problemas.
Fonte: Acervo Olívio Otto
Figura 3 - Inauguração da cancha de bocha do clube
Caixeiral com a presença do Padre João
Ghenno Neto e Alnir Rojas.
202
Após ser oficializado, o Aeroclube abriu inscrição para a escola de aviadores, inclusive com a
adesão de senhoritas da sociedade, que foram: Elba
Branda Saldanha, Irmã Hammes, Jenny Branda,
Marina Farias Vargas e Zuleika Notari. Em 23 de
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
janeiro de 1940, pela primeira vez, um avião aterrissou em local da atual Vila Santo Antônio, tendo
o campo sido preparado pela prefeitura. O primeiro
Avião a ser adquirido pelo Aeroclube foi “Henrique
Dias”, batizado, em 1946, pelo então ministro da
Aeronáutica, Salgado Filho, e pelo presidente dos
Diários Associados, Assis Chateaubriand (BOCOURNY, 2006).
Jockey Club a Maior Cancha
Reta do País
Segundo Silva (2007) o Jockey Club Carazinhense foi inaugurado no dia 16 de abril de
1950, como Sociedade Hípica Carazinhense e
em 1º de abril de 1973, passou a denominar-se
Jockey Club Carazinhense, tendo se destacado
como A MAIOR CANCHA RETA DO BRASIL.
Constitui-se num dos principais pontos turísticos
do município e região, movimentando os meios
turfísticos de vários Estados do país. Ao Longo
de sua história, inúmeros colaboradores e ilustres
presidentes contribuíram para elevar o Jockey
Club, numa privilegiada condição, no cenário do
turfe nacional e internacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora esta pesquisa esteja em andamento,
percebemos quão são fortes os laços que ligam
o esportes com as atividades cultuais e sociais, e
de acordo com essas primeiros contatos com os
documentos e ícones da época de 1930 a 1950,
percebe-se a tendência à diversidade esportiva,
porém podemos perceber a dimensão e a beleza no
que se refere a interligação dos esportes. O esporte
aproxima e apaixona as pessoas.
Há muito ainda para descobrirmos sobre o esporte
em Carazinho, no entanto de acordo com os dados já
coletados percebe-se o grande interesse de nossa gente
pelo esporte e pelas atividades físicas. Estamos descobrindo o seu significado resgatando nossas raízes!
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Analise de conteúdo.
Lisboa: Ed. 70, 2004.
BARBANTI, Valdir J. Formação de esportistas.
Barueri: Manole, 2005.
BOCOURNY, Lio. carazinho: Nossa terra,
nossa gente. Carazinho: Contato, 2006.
BREGOLATO, Roseli Aparecida. cultura
corporal do esporte. São Paulo: Ícone, 2007.
(Coleção Educação Física escolar: no princípio
totalidade e na concepção histórico-críticasocial; 3).
CASTELLANI Filho, Lino. A educação Física
no Brasil a história que não se conta. 6. ed.
Campinas: Papirus, 2001. (Coleção corpo e
motricidade).
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA. Senso Demográfico. 2007.
Disponível em: <http: //www.ibge.gov.br.>
Acesso em: 16 set. 2009.
MUSEU OLÍVIO OTTO. Acervo Fotográfico.
Carazinho, 2010.
ROMERO, Elanine. Do corpo Docilizado na
Aufklarung ao corpo generificado no século
XXI. In: DANTAS, Estelio. Pensando o Corpo
e o Movimento. Rio de Janeiro: Shape, 2005.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
203
204
SANTIN, Silvino. educação Física da Alegria:
do lúdico à opressão do rendimento. 3. ed.
Porto Alegre: EST, 2001.
SOARES, Carmem (Org.). Pesquisa sobre o
corpo ciências Humanas e educação. Campinas: FAPESP, 2007.
SILVA, Sérgio. Fatos e grandes feitos esportivos de carazinho: Memória Sérgio Silva.
Carazinho, 2007.
TUBINO, Manoel Gomes. O esporte no Brasil:
do período colonial aos nossos dias. São Paulo:
IBRASA, 1997.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Síndrome de Burnout em profissionais da saúde
de Unidades Básicas de Saúde
luanna TaBorda1
íTala chinazzo2
Mary sandra carloTTo3
RESUMO
O objetivo do estudo foi identificar a prevalência da Síndrome de Burnout e associação entre variáveis sociodemográficas, laborais e psicossociais em uma amostra de 37 profissionais da área da saúde. A prevalência
encontrada foi de 27% com alto nível de Baixa Realização Profissional, 10,8% de Exaustão Emocional e nenhum caso de Despersonalização. Com relação às variáveis sociodemográficas somente ter filhos associou-se a
Exaustão Emocional. Variáveis laborais não apresentaram relação com Burnout e das psicossociais, somente a
satisfação associou-se a Exaustão Emocional e a Despersonalização. Os resultados apontam a necessidade de
ações preventivas com relação ao Burnout.
palavras-chave: estresse ocupacional, Síndrome de Burnout, profissionais da área da saúde.
ABSTRACT
The present study has as objective to identify the prevalence of Burnout’s Syndrome and the association among
social demographic, work and psychosocial variables in a sample of 37 health professionals. The prevalence
found was of 27% with high Low Professional Achievement, 10.8% with high Emotional Exhaustion and no
1
Acadêmica do Curso de Psicologia/ULBRA, Bolsista PROICT/ULBRA
2
Acadêmica do curso de Psicologia da ULBRA, Bolsista PIBIC/
CNPq
3
Professora-Orientadora do Curso de Psicologia e do PPG em
Saúde Coletiva - ULBRA. Bolsista produtividade do CNPq
([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
205
cases of high Depersonalization. As for the sociodemographic variables, only having children was associated with
Emotional Exhaustion. Labor variables showed no relation with Burnout and psychosocial characteristics, only
satisfaction was associated with emotional exhaustion and depersonalization. The results point out to the necessity
of interventions in a sense of prevention for the Burnout Syndrome.
Keywords: occupational stress, Burnout Syndrome, health professionals.
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Burnout (SB) vem sendo pesquisada desde a década de 70, tendo sido identificados
resultados importantes que levaram a OMS (2000)
a considerá-la um risco para a saúde física e mental
do trabalhador. Estudos têm apontado e confirmado
a SB como uma relevante questão de saúde pública
(CEBRIÀ-ANDREU, 2005; GIL-MONTE, 2005;
PALMER et al., 2005).
Burnout é uma resposta emocional a situações de estresse crônico em função de relações
interpessoais constantes, afetivas e intensas em
situações de trabalho. Trata-se de um fenômeno
psicossocial constituído de três dimensões: Exaustão Emocional (EE), Despersonalização (DE) e
Baixa Realização Profissional (BRP) (MASLACH;
JACKSON, 1981).
Maslach e Schaufeli (1993) pontuam que todas
as várias definições da SB, embora com algumas
questões divergentes, ressaltam no mínimo cinco
elementos comuns: (a) predominância de sintomas relacionados à exaustão mental e emocional, fadiga e depressão; (b) ênfase nos sintomas
comportamentais e mentais e não nos sintomas
físicos; (c) estes são relacionados ao trabalho;
(d) manifestação em pessoas que não sofriam de
distúrbios psicopatológicos antes do surgimento
da síndrome; (e) diminuição da efetividade e
do desempenho no trabalho ocorre por causa de
atitudes e comportamentos negativos.
206
Embora a SB já seja reconhecida como doença
na Classificação Internacional das Doenças nº 10
(CID-10), com o código Z-73.0 e contemplada no
Decreto nº 3048 de 06 de maio de 1999 do Ministério da Previdência e Assistência Social do Brasil
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001), que apresenta,
na Lista B do Regulamento da Previdência, a Nova
Lista de Doenças Profissionais e Relacionadas ao
Trabalho, sua dimensão e caracterização específica
ainda são pouco conhecidas (CARLOTTO; CâMARA, 2008).
Burnout é um tema que tem adquirido crescente
relevância e preocupação por parte de profissionais, gestores institucionais, entidades sindicais
e governamentais devido à presença de inúmeros
estressores aos quais estão expostos os trabalhadores
do campo da saúde e que afetam diretamente o seu
bem estar. Dentre vários, os mais referidos são as
longas jornadas de trabalho, o número insuficiente
de pessoal, a falta de reconhecimento profissional,
a alta exposição a riscos químicos e físicos, assim
como o contato constante com o sofrimento, a dor
e muitas vezes a morte. O desempenho destes profissionais envolve uma série de atividades que necessitam de um controle mental e emocional muito
maior que em outras profissões (BENEVIDESPEREIRA, 2002; MASLACH; JACKSON, 1981).
No cotidiano de seu trabalho, têm que manejar com
pacientes em estado grave, compartilhando com o
paciente e seus familiares a angústia, a dor e o medo
de padecerem (ARANDA-BELTRÁN et. al., 2004;
CORNELIUS; CARLOTTO, 2007; PAREDES;
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
PEREIRA; MONTIEL, 2008). Esta é considerada
uma das principais causas da SB, pois estas relações,
não raras vezes, estão acompanhadas de sentimentos
de tensão, ansiedade e até mesmo de hostilidade
encoberta (RODRIGUEZ-MARÍN, 1995).
Burnout é um dos caminhos para que o profissional da área da saúde chegue a outras patologias mais
incapacitantes como a depressão, resultado com
sérios prejuízos para o paciente, para o profissional
e para instituição de saúde. Equipes com Burnout
podem ser menos produtivas e tendem a apresentar menor qualidade no atendimento ao cliente
(SCHMITZ; NEUMANN; OPPERMANN, 2000).
Os efeitos do Burnout envolvem toda a organização do
serviço prestado, uma vez que tendem a disseminação
irregular entre os membros de uma equipe, de uma
equipe para outra e destas para os pacientes. Nestes, o
contato com profissionais com Burnout é frustrante e
ineficaz (PURICELLI et al., 2008). Segundo Leiter,
Harvie e Frizzell (1999), o profissional é parte vital
do sistema de saúde para garantir a oferta de atenção com qualidade.
Estudo realizado por Grau et al. (2009) com
profissionais da saúde, realizado na Espanha, identificou uma maior prevalência em mulheres, com
menor número de filhos, trabalhadores jovens,
profissionais médicos, realização de horas extras,
apresentavam faltas devido a doenças e que não
percebiam seu trabalho como importante e que
apresentavam menor satisfação com a remuneração e desenvolvimento profissional. Villalobos et
al. (2004) identificou associação entre Burnout e
satisfação no trabalho em pesquisa realizada com
profissionais de atenção primária. A relação encontrada foi com as variáveis sobrecarga de trabalho,
conflito de papel e relacionamento com pacientes.
Em outra investigação realizada por Caballero et al.
(2001) com 354 médicos, enfermeiros e auxiliares
clínicos de atenção primária de Madri relevou
que 43,9% apresentavam ou haviam apresentado
algum tipo de alteração física o psíquica relacionada diretamente com o desenvolvimento de sua
profissão e em 38,3% associava-se diretamente ao
desgaste com o excesso de demanda suportado
habitualmente em suas consultas.
Ao longo dos estudos sobre a SB tem se verificado um aumento da ênfase entre o desequilíbrio
entre demandas e recursos de trabalho, e no
conflito entre os valores pessoais e organizacionais
assim como os valores declarados oficialmente pela
da organização e os valores colocados em ação
(SCHAUFELI; LEITER; MASLACH, 2009).
Assim, considerando que a SB é um fenômeno
psicossocial relacionado diretamente à situação
laboral e que a atividade produtiva é um elemento
constitutivo da saúde mental individual e coletiva,
este estudo pretende, através de um delineamento
observacional de corte transversal, identificar a prevalência e a relação entre a SB e variáveis laborais
e psicossociais em profissionais da área da saúde
que atuam em duas Unidades Básicas de Saúde
(UBS) da rede municipal de uma cidade da região
metropolitana de Porto Alegre.
O presente estudo é parte de um maior, intitulado “Síndrome de Burnout em profissionais da
saúde”, realizado com apoio financeiro do CNPq.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra
Constituiu-se de 37 trabalhadores da saúde
pertencentes a duas Unidades Básicas de Saúde
(UBS). Usou-se como critério de inclusão o fato
de não ter se afastado por licença-saúde nos últi-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
207
mos seis meses. A maioria dos participantes são
mulheres (83,3%), solteiros, separados e viúvos
(55,6%), com companheiro fixo (68,6%), com
filhos (64,9%), possuem remuneração maior
que três salários mínimos (61,1%). Quanto
à formação dos participantes, identificam-se
enfermeiros (27,0%), técnicos de enfermagem
(24,3%), médicos (21,6%), dentistas (8,1%) e
outras formações (18,9%). Também, a maioria
não possui outra atividade a não ser no posto em
que trabalham (77,8%). Possuem uma média de
idade de 37 anos (DP=±11,01), tem em média
10 anos e 4 meses (DP=±10) de experiência
profissional e 5 anos e 9 meses (DP=±6) de
exercício profissional no posto de saúde. Possuem uma carga horária média de 36,61 horas
(DP=±10,33) e atendem em média de 61
pacientes (DP=±59,34).
Instrumentos
• Questionário para levantamento de variáveis
sociodemográficas, laborais e psicossociais elaborado especificamente para este
estudo.
• MBI - Maslach Burnout Inventory (1986)
– para avaliar a SB. O MBI avalia como
o trabalhador experiencia seu trabalho,
de acordo com as três dimensões estabelecidas no estudo realizado pelas autoras:
Exaustão Emocional (9 itens), Realização
Profissional (8 itens) e Despersonalização
(5 itens) em profissões que possuem relação de ajuda.
208
Procedimentos
Primeiramente foi realizado um contato com a
Secretaria da Saúde no qual foi apresentado o objetivo do estudo a fim de obter a autorização e o apoio
para a aplicação dos instrumentos. Após, foi contatada a chefia da UBS para explanação dos objetivos
e estruturação da logística de coleta de dados.
Foram realizados os procedimentos éticos
conforme resolução 196 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS), no que diz respeito à pesquisa com
seres humanos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997).
Foi esclarecido aos profissionais e chefia dos postos
tratar-se de uma pesquisa sem quaisquer efeitos
avaliativos individuais e/ou institucional e que as
respostas e os dados referentes aos resultados serão
anônimos e confidenciais.
Para garantir estes aspectos éticos foi fornecido
aos participantes um Termo de Consentimento
Informado para eles assinarem sua conformidade na
participação da pesquisa. A pesquisa possui aprovação do Comitê de Ética de afiliação das autoras.
O banco de dados foi digitado e, posteriormente,
analisado no pacote estatístico SPSS, versão 11.0.
Primeiramente foram realizadas análises descritivas de
caráter exploratório a fim de avaliar, no banco de dados,
a distribuição dos itens, casos omissos e identificação de
extremos. Posteriormente, foram calculadas freqüências
para variáveis categóricas e médias para variáveis contínuas. Para comparação de médias foi utilizada o teste
t de student. Os resultados da análise bivariada serão
considerados estatisticamente significativos quando o
valor de p for igual ou menor que 0,05.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
RESULTADOS
Tabela 2 – Número e porcentagem de participantes
com altos e baixos níveis de Burnout
Quanto aos índices de Burnout, verificou-se
que a Realização Profissional foi a dimensão que
atingiu maior índice médio, seguida pela dimensão
Exaustão Emocional, sendo que a de menor índice
foi Despersonalização (Tabela 1).
Tabela 1 – Amplitude, média, desvio-padrão das dimensões de Burnout
Burnout
Exaustão Emocional
Despersonalização
Realização Profissional
Min
1,00
1,00
2,63
Max
5,00
3,60
4,88
M
2,57
1,95
3,83
DP
1,04
0,76
0,56
Os resultados indicam que 27% possuem níveis
elevados de Baixa Realização Profissional e 10,8%
apresentam elevada Exaustão Emocional, de acordo
com o ponto corte da escala tipo Likert (Tabela 2).
Dimensões
Níveis altos (≥4)
Níveis baixo (<4)
Exaustão Emocional
4
(10,8%)
37
(89,2%)
Despersonalização
Baixa Realização
Profissional
-
-
37
(100%)
14
(27%)
23
(73%)
Quanto às variáveis quantitativas, a dimensão
Exaustão Emocional se correlacionou negativamente com as variáveis de satisfação com o trabalho, com o salário, com a salubridade do local,
com a chefia e com a participação nas decisões
institucionais. Já a dimensão Despersonalização
se correlacionou negativamente com as variáveis
de satisfação com o trabalho, com a salubridade
do local e com a chefia. A dimensão Realização
Profissional não se associou com nenhuma variável
quantitativa (Tabela 3).
Tabela 3 - Matriz de correlação entre dimensões de Burnout e variáveis quantitativas.
Variáveis
EE
DE
RP
Idade
-0,115
-0,178
-0,223
Remuneração
0,156
0,129
0,145
Tempo de profissão
-0,031
-0,133
-0,141
Tempo na UBS
0,189
0,169
-0,097
Carga horária semanal
-0,160
0,092
0,189
Número de pacientes/dia
0,037
0,106
0,021
Satisfação com o trabalho
-0,351*
-0,165
-0,107
Satisfação com o salário
-0,524**
-0,496**
0,080
Satisfação com ambiente físico do local
-0,536**
-0,417*
0,124
Satisfação com promoções
-0,308
-0,195
0,126
Satisfação com chefia
-0,351*
-0,334*
0,118
Satisfação com a participação
-0,364*
-0,292
-0,147
*Correlação significativa ao nível de 5%
**Correlação significativa ao nível de 1%
EE=Exaustão Emocional; DE=Despersonalização; RP=Realização Profissional
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
209
As variáveis qualitativas sociodemográficas
e laborais apresentou associação somente entre
ter filhos e a dimensão Exaustão Emocional
(Tabela 4).
Tabela 4 – Relação entre as dimensões de Burnout e variáveis qualitativas
Variáveis
Sexo
Feminino
Masculino
Companheiro
Sim
Não
Filhos
Sim
Não
Trabalha em outra instituição
Sim
Não
Tipo de vínculo
Estatutário
Contrato
M
3,06
2,98
EE
DP
0,85
0,62
p
0,659
M
3,11
3,06
DE
DP
0,49
0,78
3,06
3,04
p
0,240
M
3,83
3,52
RP
DP
0,54
0,80
0,72
0,85
0,879
3,28
3,18
0,63
0,46
0,537
3,43
3,22
0,68
0,51
0,332
3,27
2,92
0,78
0,86
0,009*
3,41
3,18
0,54
0,62
0,711
3,52
3,32
0,61
0,45
0,173
3,62
3,07
0,45
0,85
0,109
2,91
3,38
0,46
0,58
0,111
3,35
2,95
0,45
0,65
0,164
3,01
3,08
0,86
0,43
0,953
3,14
3,30
0,59
0,53
0,425
3,17
3,40
0,60
0,63
0,227
p
0,235
Nota: *Diferença significativa ao nível de 5%
EE=Exaustão Emocional; DE=Despersonalização; RP=Realização Profissional
DISCUSSÃO
Em relação à prevalência de Burnout, verificouse que a dimensão de Baixa Realização Profissional
foi a que atingiu maior percentual de nível alto
(27%), seguida pela dimensão Exaustão Emocional,
com 10,8%, e a dimensão de Despersonalização, não
evidenciou nenhum caso. Geralmente, a síndrome
inicia com prevalência dos sintomas característicos
da Exaustão Emocional ou da Baixa Realização
Profissional (TELLES; PIMENTA, 2009), no caso
do estudo é a falta de realização o que predomina.
Sendo a Exaustão Emocional a segunda em termos
de prevalência, esta não vem sendo implicada com
o sentimento de não realização. Já com relação à
Despersonalização pode-se supor que o conflito
entre as perguntas e a desejabilidade da imagem
social dos profissionais da saúde tenha interferido
nos resultados (TAMAYO, 1997).
210
Conforme o índice de Exaustão Emocional apresentado pelos resultados, pode-se pensar que 10,8%
da amostra está se sentindo emocionalmente esgotada
para lidar com as demandas profissionais. Esse fenômeno pode ser compreendido pelo contato diário e
integral com outras pessoas (TELLES; PIMENTA,
2009), principalmente, porque essas relações estão
marcadas por acontecimentos de supra importância
aos pacientes e que, geralmente, são negativos e geradores de angústias e ansiedades, como, por exemplo,
o adoecimento. Assim, a exigência do profissional da
saúde é muito grande, pois além das demandas do
trabalho em si, há as demandas do âmbito das relações
interpessoais, uma vez que o profissional acaba por se
envolver em relações permeadas por fortes sentimentos, como frustração, medo e tensão.
Apesar de a Exaustão Emocional ser a dimensão
mais elevada na amostra, essa ainda não é suficiente
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
para interferir na dimensão interpessoal, a da Despersonalização. Mesmo os profissionais estarem se
sentindo esgotados com as demandas profissionais,
estes ainda mantêm relacionamentos emocionais
com os pacientes, e não os evitam. Todavia, é
preciso atenção para isso, pois a elevada Exaustão
Emocional desencadeia a Despersonalização, visto
que ao se sentir sobrecarregado e oprimido pelas
demandas emocionais exigidas pelas outras pessoas,
o profissional pode não dispor de energia física e
emocional para investir em suas relações com os
pacientes. Isto é, o profissional assume uma posição
de defesa em relação ao esgotamento emocional e
se distancia – caracterizando a dimensão Despersonalização (BONTEMPO, 1999).
Com relação às variáveis sociodemográficas,
somente os profissionais com filhos apresentaram
índices significativamente maiores de Exaustão
Emocional. Os trabalhadores podem sentir-se mais
sobrecarregados, pois tem que conciliar as atividades do trabalho e as atividades junto aos filhos. Um
percentual elevado dos profissionais da amostra tem
filhos menores de 18 anos (41,2%), que demandam
uma maior atenção e responsabilidade. Santos,
Alves e Rodrigues (2009) encontraram resultado
semelhante em sua pesquisa com enfermeiros, em
que os profissionais que tinham filhos apresentaram
maior percentual nas três dimensões de Burnout em
relação aos sem filhos.
A relação entre a SB e a satisfação no trabalho
tem sido demonstrada de forma consistente na
literatura, sejam estas variáveis estimadas de forma
global ou mediante suas diferentes dimensões (GILMONTE; PEIRÓ, 1997). Segundo os autores, as
dimensões de Burnout e satisfação no trabalho são
negativamente relacionadas com os sentimentos de
exaustão emocional e despersonalização e positivamente relacionada com a dimensão de realização
pessoal no trabalho. Os resultados obtidos confirmam o referido, com exceção da dimensão de Realização profissional que não apresentou associação
com nenhuma das dimensões da satisfação.
A satisfação com o ambiente e as condições
de trabalho é considerada peça fundamental para
o crescimento e desenvolvimento da prática profissional do trabalhador da saúde (LILLEHAUG;
LAJOJE, 1998). No estudo, verifica-se que quanto
maior a satisfação com o trabalho, com o salário,
com o ambiente físico do local, com a chefia e com
a participação na instituição, menor a Exaustão
Emocional. Resultado semelhante com relação ao
trabalho por Patrician, Shang e Lake (2010), com
o ambiente físico por Rosa e Carlotto (2005) e com
a chefia por Silva e Carlotto (2008). Conforme
Malmann et al. (2009), os escores de Burnout são
reduzidos nas situações em que há suporte gerencial
adequado. Assim, o profissional ao estar satisfeito
com o trabalho que realiza, tendo condições de
desenvolvê-lo e uma chefia que o apóia, faz com
que as demandas inerentes a sua profissão atenuem
a carga emocional. Este resultado implica também em um menor distanciamento com relação
a sua clientela. Curiel-García, Rodríguez-Morán
e Guerrero-Romero (2006) reforçam a importância das variáveis contextuais na explicação
da SB em profissionais da saúde. As organizações
de atendimento à saúde possuem uma estrutura
organizacional complexa quanto aos profissionais,
papéis, estrutura, divisão de trabalho, metas, hierarquia e normas que a regulam. Há uma prática
profissional voltada, quase que exclusivamente para
a eficácia do atendimento ao paciente (ROSA;
CARLOTTO, 2006). O grau de satisfação que os
profissionais têm em relação ao seu trabalho é um
importante elemento de produtividade e qualidade
dos serviços de saúde (BARQUERO; HERRER;
MUNOZ, 2009).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
211
Burnout é avaliado, não por sua presença ou
ausência, por ser uma variável dicotômica (MASLACH; JACKSON, 1981, 1986). A SB se caracteriza por ser uma variável contínua, a qual oscila
entre níveis baixo, moderado e alto (GIL-MONTE;
PEIRÓ, 1997; MASLACH; JACKSON, 1986). Na
maior parte dos estudos, altos escores em Exaustão
Emocional e Despersonalização e baixos escores
em Realização Profissional indicam alto nível de
Burnout (MASLACH; JACKSON, 1981). Assim,
não se verifica a caracterização de Burnout na
amostra, devido principalmente da ausência de
casos na dimensão de despersonalização.
É importante salientar, no entanto, que a dimensão Exaustão Emocional é a primeira a surgir
de acordo com o Modelo processual de Maslach
e na sua fase subsequente costuma conduzir o
profissional a atitudes defensivas sendo uma delas a ocorrência da dimensão Despersonalização.
Assim, o profissional esgotado tende a se afastar
dos pacientes, desqualificando o seu serviço. Com
isso, é importante pensar-se os resultados obtidos
em uma perspectiva preventiva tendo em vista a
possibilidade quanto ao agravamento das dimensões de Burnout tendo em vista que sua ocorrência
repercute negativamente na qualidade de vida do
profissional assim como na qualidade dos serviços
prestados. De acordo com Crawford et al. (2010),
baixos níveis podem refletir uma fase inicial que já
deve ser alvo de intervenções.
Algumas limitações devem ser consideradas
na análise dos resultados e conclusões realizadas.
A primeira limitação é que o estudo tem delineamento transversal, o que impede conclusões em
termos de causalidade. É importante considerar o
efeito do trabalhador sadio, questão peculiar em
estudos transversais em epidemiologia ocupacional
que, muitas vezes, exclui o possível doente (Mc
212
MICHAEL, 1976). Essa é uma situação que pode
subestimar o tamanho dos riscos identificados, porque os mais afetados não conseguem manter-se no
emprego, afastando-se por licenças para tratamento
de saúde. A segunda é que a literatura sobre a SB
em trabalhadores neste contexto ainda é incipiente
(CARLOTTO; CâMARA, 2008), dificultando a
comparação com outros estudos nacionais. Neste
sentido, torna-se importante a realização de novos
estudos com outros delineamentos e variáveis. A
terceira é a possibilidade ocorrência do erro tipo
II (falso negativo), de não revelar diferenças e
associações entre determinadas variáveis devido
ao pequeno tamanho da amostra.
O estudo aponta para um quadro de variáveis
que podem prevenir ou ocasionar Burnout no grupo de trabalhadores investigado, principalmente
relacionados às variáveis psicossociais. Esse resultado aponta para ações importantes em termos de
prevenção da SB, através de novas metodologias de
análise considerando as variabilidades humanas, do
meio e o saber dos trabalhadores (NASCIMENTO;
VIEIRA; CUNHA, 2010).
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
215
Ciências Sociais Aplicadas
O preço da bola: processo de formação de
crianças e adolescentes das categorias de
base do Sport Club Internacional
zilka vargas1
honor de alMeida neTo2
RESUMO
Esta pesquisa investiga o processo de formação de jovens atletas das categorias de base do Sport Club Internacional, visa reconstituir a construção do habitus dessas crianças e adolescentes, analisando os riscos a que são
expostos e a forma como reagem à pressão que caracteriza o contexto do futebol, bem como os saberes instaurados
neste processo. Busca também identificar as expectativas de pais/responsáveis quanto ao futuro das crianças e,
ainda, mapear o perfil sócio-econômico dos atletas. Neste estudo de casos realizou-se entrevistas com uma amostra
representativa de atletas e pais de atletas com idade entre 10 e 11 anos. A amostra atual compreende 42 atletas,
nascidos em 1997 e em 1998, e 41 pais o que compreende 70% deste recorte da população.
palavras-chave: formação, infância, futebol, adultização.
ABSTRACT
The current paper investigates the formation process of young athletes from Sport Club Internacional base
soccer team and aims at reconstructing the habitus construction of such children and teenagers by analyzing the
risks to which they are exposed as well as how they react to the pressure which characterizes the soccer context
1
Acadêmica do Curso de Serviço Social. Bolsista PROICT/
ULBRA
2
Professor-Orientador do Curso de Serviço Social ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
219
and the knowledge involved in the process. It also attempts to identify the expectations of parents/guardians related
to the future of such children and, yet, to map the socio-economic profile of the athletes. The study was based
on interviews with a representative sample of athletes and athletes’ parents aged between 10 and 11 years old.
The current sample comprises 42 athletes, born in 1997 and 1998 and 41 parents , representing 70% of the
population sample.
Keywords: formation, childhood, soccer, adultization.
INTRODUÇÃO
O ingresso da criança no universo do futebol
traz a possibilidade de materialização de um sonho
infantil e de ascensão social de sua família. Porém,
poucos se tornam profissionais e as demandas desse
subcampo do campo esportivo1 que é o futebol
exigem de todos a antecipação de etapas no seu
desenvolvimento.
Na comparação com anos anteriores vê-se
que hoje modificou-se o processo de formação
de jovens atletas das categorias de base do Internacional, que alterou-se em seus propósitos e
sua estruturação. As novas disputas e interesses
que distinguem hoje o campo esportivo pressionam cada vez mais a infância2 destas crianças e
adolescentes adultizando-as3 precocemente. Na
1
2
3
220
O campo esportivo “..pode ser construído a partir de um
conjunto de indicadores, como, de um lado, a distribuição
dos praticantes segundo sua posição no espaço social, a
distribuição das diferentes federações, segundo o número
de adeptos, sua riqueza, as características sociais dos
dirigentes...e de outro lado, o tipo de relação com corpo
que ele favorece ou exige..” (BOURDIEU, 1990, p.208).
“A infância é análoga ao aprendizado da linguagem. Tem uma
base biológica, mas não pode se concretizar a menos que
um ambiente social a ative e a alimente....se as necessidades
da cultura não a exigem então a infância continua muda
(POSTMAN, 1999, p. 158).
Quanto ao conceito de adultização: “Hoje o trabalho infantil pode
ser traduzido por adultização, a adultização de crianças não é
uma novidade na história humana, ela sempre existiu. A questão
central é que ela não atinge mais somente a criança “pobre”, tem
uma amplitude muito maior, é uma “epidemia” que assola todas
as camadas sociais” (ALMEIDA NETO, 2006, p.118).
relação entre ser criança (idade biológica) e ter
infância (tempo do brinquedo), a criança tem
infância quando brinca, e se adultiza quando
tem muita responsabilidade, controle, rigidez.
Quando se depara então, com um conjunto de
obrigações e responsabilidades prematuras, no
intuito de preparar-se para ingressar no mercado
de trabalho.
No caso específico dos esportes de alto desempenho, um exemplo disso é a pressão por
resultados. Essa pressão, embora seja amenizada
nas categorias de base, até mesmo por seu caráter até certo ponto amador e de fabricação de
atletas para a categoria profissional, existe, e é
inerente a esse processo de formação4. Pressão
para manter-se pertencente ao clube e ao time,
tendo em vista a alta competição que caracteriza
essa realidade. Porém, concomitantemente a
isso, este processo instaura também um conjunto
de competências5 e tende a ser gradativamente
aprimorado, frente à enorme estrutura e investimento dos grandes clubes de futebol profissional
na formação de novos atletas, como é o caso do
4
5
Formação é a ação pela qual algo se forma, é produzido; é
a ação de formar, de organizar, de instruir, de educar e seu
resultado. E formado é aquele que recebeu uma certa forma;
que foi habituado conforme tal forma ou tal feitio” (MIALARET
apud DESAULNIERS, 1997, p.191).
A competência envolve todas as dimensões do individuo
com ênfase na capacidade crítica e de autonomia, espírito
de iniciativa, de responsabilidade, flexibilidade, além da visão
empreendedora (DESAULNIERS, 1998).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Sport Club Internacional, cujo trabalho realizado
nas categorias de base é referência nacional e
internacional. A instauração de um conjunto de
competências e a conquista de uma maior autonomia são neste contexto potencializadas, visto
que o tensionamento entre o habitus6 dos jovens
atletas e as estruturas objetivas do campo esportivo demandam uma nova prática formativa, que
otimize a aquisição de saberes que possibilitem
uma visão diferenciada do mundo que o cerca e
do papel que desempenha nas relações que neste
se estabelecem, em outras palavras demandam,
por exemplo, a aquisição de um maior volume
de capital intelectual.
Os objetivos da pesquisa foram: analisar o
processo de formação de jovens atletas das categorias de base do Sport Club Internacional; reconstituir a construção do habitus dessas crianças
e adolescentes; mapear o perfil sócio-econômico
dos responsáveis; analisar quais competências são
instauradas através deste processo de formação;
verificar a percepção dos pais ou responsáveis
dos atletas quanto ao universo e importância da
escola em sua formação; analisar os riscos a que
são expostos e a forma como reagem à pressão
constante que caracteriza o jogo de futebol e seu
contexto. Apresentam-se a seguir alguns dados
tabulados e quantificados a partir das respostas
de crianças e pais.
6
Quanto ao conceito de habitus: “Os ‘sujeitos’ são, de fato,
agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso
prático, de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (o que comumente chamamos
de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são
essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas e de esquemas de ação que orientam a percepção da
situação e a resposta adequada). O habitus é essa espécie
de senso prático do que se deve fazer em dada situação...”
(BOURDIEU, 1997, p. 42).
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de um estudo de casos. Nesta primeira
fase da pesquisa foram aplicados questionários junto
às crianças e adolescentes atletas do Sport Club
Internacional, e seus familiares. Para isso foram
utilizadas as próprias dependências do clube, através de uma parceria com a equipe de Assistentes
Sociais7 que disponibilizaram os cadastros dos
atletas e cederam suas salas para a realização das
entrevistas. As entrevistas foram previamente
agendas e autorizadas através do preenchimento
de termos de consentimentos por parte dos pais,
foram todas gravadas e transcritas. Os dados quantitativos que aqui apresentamos referem-se a uma
amostra de 42 crianças (categorias 97 e 98) e 41
pais/responsáveis pelos respectivos atletas. A pesquisa responde ao seguinte problema de pesquisa:
Como vem se constituindo o processo de formação de
crianças nascidas entre 1998 e 1997, das categorias
de base do Sport Club Internacional em Porto Alegre
nos anos de 2008 e 2009?
RESULTADOS
Na Tabela 1, podemos perceber que o processo
de formação de atletas começa desde tenra idade:
Tabela 1- Tempo em que está no inter
RESPOSTAS
Até 6 meses
De 7 a 10 meses
1 ano
1 ano e 6 meses
2 anos
3 anos
4 anos
TOTAL
7
Nº RESPOSTAS
05
09
06
03
06
09
04
42
FREQUÊNCIA %
11.9
21.9
14
7
14
21.9
9.7
100
Assistentes Sociais Bernardette Mole Richard e Patrícia Bom
Vasconcellos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
221
Embora haja uma constante rotatividade de
atletas, sobretudo de uma temporada para outra,
não há ampliação de espaço, ou seja, há sempre o
limite de em torno de 30 a 35 vagas para atletas por
categoria (determinada pelo ano de nascimento).
Há em torno de 46% de atletas que estão no clube
há mais de 4 (quatro) anos. Esse dado é relevante
se analisarmos os possíveis efeitos de dispensas de
atletas na transição das categorias, frente ao investimento tanto dos pais quanto das crianças de tempo
e dinheiro na busca pela realização de seu sonho
maior, o de tornar-se jogador profissional:
Tabela 4 - O que aprende na escola é importante para
a carreira de jogador de futebol?
RESPOSTAS
Sim
Não
TOTAL
Nº RESPOSTAS
41
00
41
FREQUÊNCIA %
100
00
100
Tabela 5 - Como a escola auxilia na carreira de jogador
de futebol?
Vê-se que muitas crianças acabam transferindose de escola por virem de outras cidades, ou por
buscarem adaptar o local da escola à proximidade
do clube onde treinam.
RESPOSTAS
Nº RESPOSTAS FREQUÊNCIA %
Para saber conceder
24
28.9
entrevistas
Para saber lidar com
16
19.3
o dinheiro/números
Para aprender outras
12
14.4
línguas
Para ser educado e
10
12
disciplinado
Para ser esperto/
07
8.4
inteligente
Ensina a se rela04
4.8
cionar
A ser humilde
02
2.4
A ter raciocínio rápi02
2.4
do, dentro de campo
Poder ter outra
02
2.4
profissão se não for
jogador
Para conhecer outras
01
1.2
culturas do país e
exterior
É uma exigência do
01
1.2
clube
A não pensar só em
01
1.2
dinheiro
Saber sobre o corpo
01
1.2
TOTAL
83
100
Nas Tabelas 4 e 5 é possível visualizar as novas
exigências demandadas ao futuro jogador profissional, muito além do que apenas saber jogar
futebol. Neste sentido, quando questionados sobre
a importância da escola para sua futura carreira,
as crianças apontam a relação entre o aprendizado
Foi possível observar todo o zelo do clube com
relação à formação formal das crianças. O departamento de Serviço Social efetivamente valoriza e
fiscaliza a presença das crianças na escola, o que é
condição para que participem dos times e disputem os torneios. Para participarem das categorias
Nas Tabelas 2 e 3 percebe-se como o futebol é
prioridade na vida dessas crianças e de boa parte
dos pais, o que faz com que busquem adaptar os
horários da escola em função dos dias e horários
dos treinamentos:
Tabela 2- Já trocou de colégio?
RESPOSTAS
Sim
Não
TOTAL
Nº RESPOSTAS
25
17
42
FREQUÊNCIA %
59.5
40.5
100
Tabela 3 - Período em que frequenta a escola
RESPOSTAS
Manhã
Tarde
TOTAL
222
formal e aquilo que precisarão para vencerem como
jogadores:
Nº RESPOSTAS
40
02
42
FREQUÊNCIA %
95.2
4.8
100
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
de base, os atletas precisam estar matriculados na
escola. Essa preocupação com o acesso à escola tem
relação com todo o movimento hoje observado de
maior cuidado com a infância, associado aos avanços legais e a preocupação do clube com sua imagem
e sua política de responsabilidade social. Quanto à
exigência da freqüência à escola, é importante levar
em conta que aqueles atletas que têm um bom desempenho escolar, possivelmente não identifiquem
essa necessidade de freqüência e desempenho na
escola, relacionado à sua permanência no clube,
daí os 36% que não apontaram essa preocupação
do clube (Tabela 6). Porém, essas iniciativas por
parte do clube não excluem a pressão excessiva à
infância que caracteriza essa prática esportiva, e
de resto, todo o esporte de competição voltado ao
alto desempenho.
Tabela 6 - O inter exige frequência e bom desempenho
na escola?
RESPOSTAS
Sim
Não
Mais ou menos
TOTAL
Nº RESPOSTAS
27
12
03
42
FREQUÊNCIA %
64.3
28.6
7.1
100
Quando questionados se desejariam tornar-se
jogadores profissionais, as respostas são praticamente unânimes: todos sonham em tornarem-se
jogadores. Nesse sentido esse tipo de trabalho
diferencia-se de outras modalidades de trabalho
infantil8, em que a criança, embora saiba da necessidade de contribuir para o orçamento familiar,
não tem prazer e desejo de seguir na atividade.
A Tabela 7 demonstra claramente a idéia de formação para trabalho que está relacionada a esta
atividade.
8
É toda e qualquer atividade útil, executada por crianças com menos
de 16 anos, com certa regularidade (média de 15 horas por semana), com salário ou remuneração e ainda que envolva situações
de risco tanto no cotidiano do trabalho como também para uma
formação escolar regular (ALMEIDA NETO, 2003, p.16).
Tabela 7 - Desejas te tornar jogador profissional?
RESPOSTAS
Sim
Não sei ainda
Não
TOTAL
Nº RESPOSTAS
41
01
00
42
FREQUÊNCIA %
97.6
2.4
00
100
No que diz respeito à pressão que caracteriza
esta atividade, as crianças mostram-se resignadas,
considerando-a natural e inerente ao processo
de formação do jogador de futebol profissional
(Tabela 8):
Tabela 8 - Reação da criança à pressão
RESPOSTAS
Normal / Fico
tranquilo
Fica nervoso
Procura melhorar cada vez
mais
Normal mas às
vezes chateia
Não tem pressão
Fica estressado /
Briga em casa
Procura esquecer
TOTAL
Nº RESPOSTAS
23
FREQUÊNCIA %
54.8
08
05
19
11.9
02
4.8
02
01
4.8
2.4
01
2.4
42
100.1
Foi possível constatar que o desejo de sucesso na
futura carreira está intimamente ligado ao desejo da
família. É comum observar a frustração dos pais por
não terem conseguido vencer quando adolescentes
no futebol, e a forma como transferem essa responsabilidade aos seus filhos. A pressão, portanto se dá,
sobretudo pela família. Porém, essa oportunidade
que efetivamente requer investimento e dedicação
prematura, representa também uma chance de
ascensão social, daí todo o investimento feito e
os sacrifícios a que todos se sujeitam. Apenas um
atleta trouxe o fato de que sua família não apoiava
sua idéia e seu sonho de ser jogador de futebol
(Tabela 9):
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
223
Tabela 9 - Quem mais te incentiva a ser jogador de
futebol?
RESPOSTAS
Pai
Pai e mãe
Pai, mãe e irmãos
Mãe
Toda família
Avós e dindo
Pai e irmãos
Pai e avô
Mãe e avós
Ninguém
TOTAL
Nº RESPOSTAS
17
06
07
03
03
02
01
01
01
01
42
FREQUÊNCIA %
40.4
14.3
16.3
7.1
7.1
4.8
2.4
2.4
2.4
2.4
100
Vê-se pelos dados que os pais são os maiores
incentivadores das crianças, o que, evidentemente, não exclui o desejo das mesmas, embora
influencie nas suas escolhas e nos seus sonhos.
Os dados apresentados nas Tabelas 10 e 11
referem-se a respostas dadas pelos responsáveis
pelas crianças, corroboram este desejo e explicam o porquê deste investimento que em muitos
casos requer a reorganização de toda a estrutura
familiar.
Tabela 10 - Expectativa quanto ao futuro do menino no
futebol profissional?
RESPOSTAS*
Que seja um bom
profissional
Que se realize seu
sonho
Melhores possíveis
Que seja uma
grande pessoa/
cidadão
Que vença como
jogador
Não tenho grandes expectativas
Que seja um grande jogador (atleta)
224
Nº RESPOSTAS
11
FREQUÊNCIA%
18
08
13.1
06
04
9.8
6.5
04
6.5
04
6.5
03
4.9
RESPOSTAS*
Hoje é uma diversão
Priorizamos o
estudo
Que não decepcione e vá longe
na carreira
Que seja feliz
Ele está aqui porque ele gosta
Estar sempre do
lado dele, incentivar
O futuro dele vem
de berço o guri é
bom de bola
Que não se decepcione no futuro
Que tenha boas
lembranças desse
momento
Depende da oportunidade que tiver
Não sabe, não respondeu
TOTAL
Nº RESPOSTAS
03
FREQUÊNCIA%
4.9
03
4.9
02
3.3
02
02
3.3
3.3
02
3.3
01
1.6
01
1.6
01
1.6
01
1.6
03
4.9
61
100
* Alguns pais deram mais que uma resposta
Constata-se que essas crianças já sentem o peso
da responsabilidade de ter que ajudar sua família,
principalmente em retribuição ao apoio e ao investimento, tanto financeiro, quanto do tempo gasto.
Tabela 11 - Acha importante as crianças ajudarem os
pais financeiramente?
RESPOSTAS
Sim
Não
TOTAL
Nº RESPOSTAS
38
04
42
FREQUÊNCIA %
90.4
9.5
99.9
Via de regra a família aposta e acredita no futuro
profissional dos jovens atletas, sentimento este que
certamente se reflete na criança e tende a deixar
marcas caso haja uma frustração desta expectativa
no futuro (Tabela 12).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Tabela 12- Acredita que ele vence como jogador?
RESPOSTAS
Nº RESPOSTAS
FREQUÊNCIA %
Sim
Depende
Não
TOTAL
32
09
0
41
78.1
21.9
0
100
A Tabela 13 a seguir ilustra a idéia de que há
todo um investimento voltado ao sucesso das crianças no esporte. Há uma migração das famílias para
apoiar a futura carreira de seus filhos como atletas
e, por vezes, toda a organização familiar se dá em
função deste empreendimento:
Tabela 13- Local de moradia
RESPOSTAS
Porto Alegre (RS)
Viamão (RS)
São Leopoldo (RS)
Taquara (RS)
Gravataí (RS)
Alvorada (RS)
Santa Cruz (RS)
Veranópolis (RS)
Passo Fundo (RS)
Encantado (RS)
Vale Real (RS)
Santo Antônio da
Patrulha (RS)
Camboriú (SC)
Maravilha (SC)
TOTAL
Nº RESPOSTAS
26
02
02
01
01
01
01
01
01
01
01
01
FREQUÊNCIA %
63.1
4.8
4.8
2.4
2.4
2.4
2.4
2.4
2.4
2.4
2.4
2.4
01
01
41
2.4
2.4
100
Os dados reforçam a idéia da pressão a que
nos referimos e que efetivamente tensiona a
infância destas crianças, trazendo um excesso de
responsabilidade e um peso que criança alguma
tem condições de suportar. A importância que as
crianças atribuem a essa atividade como forma
de retribuição ao esforço da família é corroborada
pelos dados (Tabela 14).
Tabela 14- Por que é importante as crianças ajudarem
os pais financeiramente?
RESPOSTAS*
Retribuir o esforço/
ajuda que receberam quando
criança
Porque os pais têm
dificuldades / para
não trabalharem
sozinhos
Somente após os
18 anos
Depende, se a família for correta
Para que eles aproveitem a vida
Não respondeu
TOTAL
Nº RESPOSTAS
26
FREQUÊNCIA %
57.8
03
6.7
02
4.4
01
2.2
01
2.2
03
45
6.7
100
* Alguns pais deram mais que uma resposta.
Chama a atenção o fato de que na visão dos pais
essa pressão a que são submetidas as crianças não
significa nenhum tipo de prejuízo ao seu processo
de formação, ao contrário. É comum que muitos
considerem positiva essa tensão e essa responsabilidade, tendo em vista que, na visão destes pais,
prepara-os para o mundo competitivo em que
vivem e que enfrentarão quando adultos. Quando
questionados sobre esse fato as respostas foram as
seguintes (Tabela 15).
Tabela 15- A pressão por resultados e a responsabilidade são benéficas ao seu filho?
RESPOSTAS
Sim
Às vezes
Não
Não tem pressão,
não sabe
TOTAL
Nº RESPOSTAS
33
02
04
02
%
80.5
4.8
9.7
4.8
41
100
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
225
Associado a isso, a pressão pelos resultados
e pelo bom desempenho a cada treino e a cada
jogo, que é inerente a esportes de competição,
está bem presente nesta realidade. Há uma tensão
constante por parte dos atletas, o que é agravada
pela enorme rotatividade e constante apresentação de novos concorrentes, hoje vindos de todo
o Brasil e também do exterior. Constata-se um
certo temor entre as crianças e os responsáveis,
quer seja por parte dos jogadores titulares, neste
caso de perderem a posição entre os 11 jogadores
do time, quer seja dos reservas, de perderem o
espaço no grupo que é composto por em torno de
30 a 35 atletas.
Para entendermos melhor esses dados devemos
levar em conta que para essa faixa etária há o
compromisso dos treinamentos em pelo menos
três dias por semana, realizados no turno inverso
ao da escola e ocupando toda a tarde, das 14 as
17h30min. E, há ainda os dias de jogos, muitos
deles realizados aos finais de semana. Porém, mesmo que tenham consciência dos riscos à formação
escolar, quando questionados sobre as alternativas
que vislumbram fora da carreira profissional de
jogador de futebol, o estudo é reforçado como uma
alternativa e uma necessidade em caso de fracasso
na carreira que, como estamos demonstrando,
começa desde cedo.
Sobre a relação entre esta atividade e a formação
escolar regular das crianças, todos os pais/responsáveis falaram da importância do estudo na vida dos
filhos (Tabela 16).
Tabela 18- Alternativas que vislumbras fora do futebol
Tabela 16- A escola tem papel importante na formação
de teu filho?
RESPOSTAS
Sim
Não
TOTAL
Nº RESPOSTAS
41
0
41
%
100
0
100
Porém, embora seja consenso entre os responsáveis a importância da escola, quando questionados
sobre os possíveis prejuízos que esta atividade representa para a formação escolar, mais de 60% das
respostas apontam para esse prejuízo (Tabela 17).
Tabela 17- O futebol atrapalha de alguma forma a vida
escolar do seu filho?
RESPOSTAS*
Sim
Às vezes
Não
TOTAL
Nº RESPOSTAS
22
04
15
41
* Alguns pais deram mais que uma resposta
226
%
53.6
9.7
36.6
99.9
RESPOSTAS*
Estudo / faculdade
em primeiro lugar
Não respondeu / o
filho nunca deu outra alternativa
Seguir no esporte
(atleta, jornalista esportivo)
Que seja um bom
cidadão
Que ele escolha
Médico
Com o estudo buscar outra profissão
Que tenha sabedoria
para fazer as melhores escolhas
Trabalhar na loja
(empresa familiar)
Bombeiro como
o pai
Veterinário
Engenheiro Civil
Cantor
Escritor
TOTAL
Nº RESPOSTAS
16
%
37.1
07
16.3
03
6.9
03
6.9
03
03
01
6.9
6.9
2.3
01
2.3
01
2.3
01
2.3
01
01
01
01
43
2.3
2.3
2.3
2.3
100
* Alguns pais deram mais que uma resposta
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Chama a atenção também na Tabela 18 que
16,3% das respostas não levam em conta outra
possibilidade para os filhos que não o sucesso na
carreira profissional, o que se considerarmos o grau
de competitividade e as inúmeras possibilidades de
insucesso inerentes a esta atividade, não passa de
uma ilusão. Como alternativa a um possível insucesso na futura carreira, percebe-se que a grande
maioria das crianças concentra seus projetos futuros
relacionados ao campo esportivo (Tabela 19).
Tabela 19- Se não fores jogador profissional tu te imaginas fazendo o quê?
RESPOSTAS
Não sei
Médico / Enfermeiro
Praticar outro esporte
Professor de educação física/Treinador
Motoqueiro/ Piloto
de MotoCross
Advogado/trabalhar
em escritório
Comentarista de
futebol
Palhaço de circo
Empresário
Engenheiro
Arqueólogo
Cantor
Cuidador de crianças
Desenhista
Administrador de
Empresas
Marceneiro
Substituir meu pai
na Agricultura
TOTAL
restrita aos segmentos populares, o que aumenta
o número de concorrentes e amplia o universo de
crianças envolvidas nesta atividade e que alimentam
este sonho distante, como apontam os dados abaixo
relativos à renda familiar das crianças (Tabela 20).
Tabela 20 - Renda mensal
RESPOSTAS
Entre R$ 500,00 e R$
1000,00
Entre R$ 1.200,00 e
R$ 1.500,00
Entre R$ 2.000,00 e
R$ 3.000,00
Entre R$ 4.000,00 e
R$ 5.000,00
Entre R$ 6.000,00 e
R$ 8.000,00
Entre R$ 10.000,00 e
R$ 15.000,00
Em torno de R$
30.000,00
TOTAL
Nº RESPOSTAS
09
%
21.9
09
21.9
09
21.9
07
17
04
9.7
02
4.9
01
2.4
41
100
Nº RESPOSTAS
13
07
06
FREQUÊNCIA %
29.5
15.9
13.6
03
6.8
02
4.6
02
4.6
01
2.3
01
01
01
01
01
01
2.3
2.3
2.3
2.3
2.3
2.3
Ao analisar o novo perfil de jogador exigido pelo
mercado do futebol, hoje globalizado, é possível em
alguma medida considerar a formação escolar como
um elemento importante para o sucesso do atleta
profissional. E, neste sentido pode-se amenizar o desinteresse pela escola que, via de regra encontramos
em crianças e em pais de crianças que sonham em
tornarem-se jogadores profissionais (Tabela 21).
01
01
2.3
2.3
Tabela 21 - Como a formação escolar pode ajuda na
carreira de jogador de futebol?
01
01
2.3
2.3
44
99.4
*Alguns atletas deram mais que uma resposta
Para além da questão econômica que está também na origem de todo o investimento feito, de uma
maneira geral a procura por esta profissão não é mais
RESPOSTAS*
Aprender a falar para
dar entrevista
No caso de ir para
outro país, adquirir
cultura
Vida social / Conviver
em grupo, com as diferenças
Para administrar o dinheiro, bens
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Nº RESPOSTAS
13
%
13.3
13
13.3
12
12.2
11
11.2
227
RESPOSTAS*
Nº RESPOSTAS
Ser educado / Ter
08
orientação, conhecimento
Incentivar e entender o
07
mundo do futebol
Para fazer amizades,
06
desenvolver o carisma/
imagem
Ter respeito / respeitar
05
adversários / hierarquia
Ter disciplina
04
Facilita a expressão e
03
a comunicação
Ler o contrato / tratar
03
com advogado/ não
ser enganado
Não ajuda na carreira /
03
Não opinou
Valores Humanos /
03
desenvolver como
pessoa
Aprender línguas es02
trangeiras
Porque tem que ter
01
Amplia a visão e facilita
02
a adaptação às diferenças
A escola que ele está
01
prioriza o esporte
A diretora do colégio
01
é esposa de um conselheiro
TOTAL
98
%
8.2
7.1
6.1
5.1
4
3.1
3
3
3
2
1
2
1
1
RESPOSTAS*
Nº RESPOSTAS
A ser responsável
39
A respeitar a hierarquia
38
A trabalhar em equipe
37
A lidar com a pressão
36
Afasta das drogas e da
35
marginalidade
A conviver com as difi35
culdades
A organizar-se melhor/
36
ser disciplinado
A conviver com as
07
diferenças e com os
diferentes
A buscar seus sonhos e
02
lutar pelo que deseja
A ser: educado/respei03
toso/cidadão
A aceitar a derrota/ter
02
autocrítica
A ser flexível
01
A não ficar ocioso
01
Ele amadureceu
03
Amizade / carisma
03
Experiência
01
Superação
02
Não dar atenção à co01
mentários
TOTAL
282
%
13.8
13.5
13.1
12.8
12.4
12.4
12.8
2.5
0.7
1
0.7
0.3
0.3
1
1
0.3
0.7
0.3
99.6
*Alguns pais deram mais que uma resposta
99.6
*Alguns pais deram mais que uma resposta
Se é verdade que esta atividade traz inúmeros
riscos à formação da criança e, sobretudo, ao que
concebemos neste estudo como infância, é preciso
levar em conta também que, como todo o processo
formativo, a experiência nas categorias de base do
futebol instaura também um conjunto de saberes,
de competências (Tabela 22).
228
Tabela 22- O que ele mais aprende neste convívio?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que diz respeito à construção da infância
através desta experiência vivenciada pelas crianças
no universo que envolve o futebol profissional, e
como de resto todo e qualquer esporte voltado ao
alto desempenho, é preciso levar em conta que a
infância se constrói sempre na recorrência de experiências particulares das crianças. A questão central é
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
a quantidade de tempo em que este ser é criança, que
tem tempo livre e que não sofre pressão excessiva,
o tempo do brinquedo, do lúdico, na comparação
com o tempo da responsabilidade e da disciplina. Ou
seja, as relações que estes agentes estabelecem nas
disputas que distinguem este subcampo do campo
esportivo que são as categorias de base dos clubes
de futebol, constroem a infância dessas crianças e
deixam marcas para a vida adulta.
Não apenas no futebol, mas de uma maneira
geral, a infância das nossas crianças neste início de
milênio vem sendo tensionada, colocada em tensão,
em cheque. As crianças vêm sendo obrigadas a,
cada vez mais cedo, depararem-se com questões
para as quais ainda não tem estrutura cognitiva e,
sobretudo, emocional para resolver.
No campo esportivo há a cada dia novas demandas
ao processo de formação das crianças. Hoje, se requer
um conjunto de novas competências com vistas a
uma formação integral do atleta, como flexibilidade,
autonomia, capacidade de trabalhar em grupo, postura
pró-ativa, controle emocional, entre outras. Competências e habilidades que não se instauram apenas com
treinamentos técnicos, mas que estão relacionadas
com o desenvolvimento pessoal da criança e que,
certamente, refletem-se no seu desempenho como
atleta, como jogador de futebol.
Não obstante as exigências demandadas aos
atletas de alto rendimento é possível aprimorar
essa escola de formação que são as categorias de
base de futebol, através da realização de pesquisas
e de projetos de intervenção junto a esses agentes,
com vistas a humanizar ainda mais esse espaço.
Essa humanização passa por iniciativas voltadas à
conscientização das famílias sobre as dificuldades
a serem enfrentadas até a profissionalização e,
sobretudo, dos riscos à formação das crianças inerentes a esse percurso. O que passa também pela
conscientização das características e dos limites que
distinguem a infância da idade adulta. Conscientização das inúmeras dificuldades e riscos a serem
enfrentados até a profissionalização, do preço a ser
pago pelo sonho de tornar-se jogador profissional,
de vestir a camiseta de um grande clube, de realizar
o sonho de tornar-se rico e famoso. Este é o “preço
da bola” e a questão central é se vale ou não a pena
pagar este preço, frente às inúmeras incertezas e
riscos inerentes a esta realidade.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA NETO, Honor de. trabalho Infantil na terceira Revolução Industrial. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2007. 244 p.
________. trabalho Infantil em Rede. Canoas:
Editora da ULBRA, 2006. 372 p. (Série Teses
e Dissertações).
BOURDIEU, Pierre. coisas ditas. São Paulo:
Brasiliense, 1990. 233p.
_________. Razões práticas: sobre a teoria da
ação. São Paulo: Papirus, 1997.
DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Formação e pesquisa: condições e resultados. Veritas,
Porto Alegre, v. 42, n. 2, p.183-204, jun. 1997.
DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos (Org.).
Formação trabalho competência. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1998.
POSTMAN, Neil. O desaparecimento da
Infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
229
Percepções urbanas em cidades periféricas:
o caso de Guajuviras em Canoas, RS, Brasil
saMy souza1
luTiane BoM Berch2
kaTia M. P. Pozzer3
heloísa g. l. lindau4
cláudia l. z. Pires5
ana r. F. siMão6
RESUMO
O Observatório Franco-Brasileiro de Cidades da Periferia é composto pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Université
de Paris 8 - Saint Denis (França), tendo como parceiros as prefeituras das cidades de Canoas e Nanterre (França). O projeto visa
estudar o espaço urbano da Região Metropolitana de Porto Alegre nos aspectos políticos, socioeconômicos, culturais e ambientais.
palavras-chave: cidade, observatório, periferia, juventude, violência.
ABSTRACT
The Centre Franco-Brazilian cities of the periphery is composed of the Lutheran University of Brazil (ULBRA) and Université
de Paris 8 - Saint Denis (France), having as partners the prefectures and cities in Canoas Nanterre (France). The project aims to
study the urban space in the metropolitan region of Porto Alegre in the political, socioeconomic, cultural and environmental.
Keywords: city, centre, periphery, younger, violence.
1
2
Acadêmica do Curso de Geografia/ULBRA. Bolsista PROICT/
ULBRA
Acadêmica do Curso de História/ULBRA. Bolsista de Extensão/FULBRA
3
Professora do Curso de História/ULBRA
4
Professora do Curso de Geografia/ULBRA
5
Professora-Orientadora do Curso de Ciências Políticas/
ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
231
INTRODUÇÃO
O Observatório Franco-Brasileiro de Cidades
da Periferia é um projeto que integra a pesquisa
e a extensão na busca da compreensão das diferentes realidades enfrentadas pelos habitantes
que ocupam áreas sócioespaciais periféricas. Esta
investigação teve início em maio de 2008, a partir
da assinatura do Protocolo de Cooperação firmado
entre a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)
e a Université de Paris 8 - Saint Denis (França). O
projeto conta, ainda, com a parceria da Prefeitura
da cidade de Canoas, da Prefeitura da cidade de
Nanterre (França), do Fórum de Autoridades Locais de Periferia (FALP), da Rede de Cidades e da
Central Única das Favelas – CUFA (Brasil).
O projeto do Observatório Franco-Brasileiro das
Cidades Periféricas visa estudar o espaço urbano da
Região Metropolitana de Porto Alegre nos aspectos
políticos, socioeconômicos, culturais e ambientais,
aprofundando temas relacionados à identidade,
territorialidade, segurança, mobilidade, cidadania,
política, capital social, entre outras questões correlatas que dialogam diretamente com a cultura
da periferia.
A partir da análise de dados da realidade da
cidade de Canoas levantadas no Atlas Urbano de
Canoas: Território e Paisagens na Entrada do Século
XXI (prelo) foi estabelecido que a pesquisa iniciaria
no bairro Guajuviras, pois o mesmo se originou em
1987, a partir de um processo de invasão da área
pela população sem moradia. O Conjunto Habitacional Guajuviras é um bairro da cidade de Canoas,
no Rio Grande do Sul, localizado na parte nordeste
232
da cidade, sendo um dos mais populosos, com cerca
de 40 mil habitantes, conforme estimativas do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A
cidade de Canoas possui 364 mil habitantes.
O bairro Guajuviras nasceu da ocupação, em
17 de abril de 1987, do Conjunto Habitacional
Ildo Meneguetti, na época, o maior aglomerado de
habitações populares do Rio Grande do Sul. Neste
período, o Brasil vivia uma situação de crise econômica, com uma inflação vertiginosa, que arruinava
o salário dos trabalhadores.
Ocupações das Habitações Populares no Rio Grande do
Sul em 1987
Porto Alegre
6
Alvorada
5
Gravataí
2
Canoas
1
Cachoeirinha
1
Segundo Luiz Carlos Zacher, um dos participantes da ocupação “O preço muito alto dos aluguéis,
a política de salários do governo Sarney, o fracasso
do Plano Cruzado e a imigração massiva da população do campo para a cidade, foram elementos
que contribuíram para que a situação chegasse à
esse ponto”. Após seis meses de ocupação e de
negociações com a Companhia de Habitação do
Estado (COHAB), os ocupantes aprovaram, em
assembléia geral, a proposta do governo e os 5.924
imóveis invadidos foram regularizados.
A Figura 1 apresenta a localização do município
de Canoas na Região Metropolitana de Porto Alegre e a Figura 2 representa o município de Canoas
e seus bairros.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Figura 1 – Localização do Município de Canoas na
Região Metropolitana de Porto Alegre.
Fonte: Atlas Urbano de Canoas: Territórios
e Paisagens na Entrada do Século XXI. (no
prelo)
Figura 2 – Divisão administrativa dos bairros de Canoas. O bairro Guajuviras localiza-se no setor
leste do município. Fonte: Atlas Urbano de
Canoas: Territórios e Paisagens na Entrada
do Século XXI. (no prelo)
As questões supracitadas impõem-se na atualidade de nossas cidades, não apenas por sua
importância no âmbito do estudo acadêmico, mas,
sobretudo, pelo papel fundamental na formulação
de políticas públicas, uma vez que hoje, cada vez
mais, os governos e os movimentos sociais compartilham enorme responsabilidade na busca conjunta de
ações capazes de resultar em benefícios potenciais,
especialmente para aqueles que mais sofrem com
processos de exclusão, pelo simples fato de serem da
periferia. Assim, espera-se que tais estudos possam
colaborar efetivamente para a melhoria da qualidade de vida das distintas comunidades que habitam
a região metropolitana de Porto Alegre.
moradores das periferias, ainda pouco estudado no
Brasil. O Observatório é uma instância de reflexão
crítica que contribui para a pesquisa e enquetes
sobre a realidade social; estudo das relações entre as
periferias e as metrópoles e para a formação cidadã
dos seus habitantes.
O Observatório Franco-Brasileiro de Cidades
da Periferia propõe-se como um espaço de reflexão,
de formação e de pesquisa, visando o diálogo, o
conhecimento e o sentimento de pertencimento de
Entende-se que o Observatório Franco-Brasileiro de Cidades da Periferia proporciona um espaço
amplo de pesquisa e de extensão universitária integradas, envolvendo o diálogo entre a Universidade,
os gestores públicos da cidade e as comunidades
organizadas. Pretende-se realizar uma reflexão
sobre questões como: O que é ser periférico? O que
é uma periferia? Qual a relação de uma periferia
com uma metrópole? Qual a relação entre uma
periferia e uma cidade qualquer do mundo? Como
são as relações no espaço público em uma periferia? A partir destes questionamentos, pretende-se
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
233
relacionar e comparar a realidade de diferentes
periferias e ouvir os moradores locais; conhecer
seus saberes e as formas como reconhecem suas
identidades, buscando soluções para problemáticas
associadas aos diversos sistemas socioambientais e
culturais. Os resultados da pesquisa serão analisados
e comparados com os trabalhos realizados sobre as
periferias francesas, especialmente aquelas situadas
na região metropolitana de Paris, produzidas pelos
pesquisadores da Universidade Paris 8.
MATERIAL E MÉTODOS
Para atingir a orientação metodológica deste
projeto, que integra pesquisa e extensão, além dos
objetivos que o compreendem, a metodologia teve
duas etapas de construção:
etAPA 1 – Durante o primeiro semestre de 2009,
a pesquisa foi construída a partir de um grupo de estudo
que pretendia desenvolver uma proposta dialógica de
investigação. Numa perspectiva metodológica, três
pesquisadores (representantes da universidade, da
gestão pública e da comunidade local) desenvolveriam
um conjunto de questões acerca das identidades locais
e dos possíveis conflitos territoriais. Este grupo realizaria, em conjunto, os trabalhos de campo, constituindo
categorias explicativas de diferentes agentes que configuram o espaço geográfico das periferias urbanas. Deste
trabalho resultou um primeiro roteiro de entrevistas a
ser aplicado em um bairro do município de Canoas.
Esta etapa passou por ajustes, resultando numa nova
proposta de pesquisa, conforme segue.
etAPA 2 – A partir do segundo semestre de
2009, o grupo de professores e estudantes pesquisadores iniciaram um processo de reconhecimento
territorial do bairro Guajuviras. Esta etapa constituiu
na elaboração de um segundo e definitivo roteiro de
234
entrevista a ser aplicado em Escolas do bairro mencionado. Foi escolhida como escola piloto para este
estudo, o Colégio Estadual Jussara Maria Polidoro.
Neste momento, foram realizadas 25 entrevistas com
jovens entre 15 e 25 anos. Abaixo segue a apresentação do roteiro na íntegra:
1)
Fale sobre você.
2)
Como você veio morar aqui?
3)
O que você pensa do lugar onde você mora?
4)
O que você gosta do lugar onde você mora?
Por quê?
5)
O que você não gosta do lugar onde você
mora? Por quê?
6)
Em sua opinião, qual o maior problema que
existe neste bairro? Como ele poderia ser
resolvido?
7)
Existe alguma associação neste bairro? O que
ela faz? O que você pensa desta associação?
8)
Em sua opinião, qual é o papel da prefeitura?
Ela está cumprindo este papel?
9)
Em sua opinião, qual é o papel do governo do
Estado? Ele está cumprindo este papel?
10) Em que você confia?
11) O que significa o Estado para você?
12) Para você o que é justiça?
13) O que é comunidade?
14) Você se sente fazendo parte de uma comunidade?
15) Se existe algo para mudar, o que você mudaria?
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
16) O que você quer dizer ainda?
17) O que você pensa desta entrevista?
Em todas as etapas, os seguintes procedimentos
metodológicos, também fizeram parte:
Levantamento bibliográfico e de dados quantitativos e qualitativos: As referências bibliográficas
têm como objetivo específico detalhar e levantar
questões sobre as informações obtidas através dos
dados levantados.
trabalhos de campo: Os trabalhos de campo
visam analisar diferentes paisagens, assim como
realizar entrevistas;
Análise e Interpretação dos dados: A partir
da coleta de dados, foi construído um relatório
que servirá de base, num momento seguinte, para
refletir, junto com a comunidade e gestores da
administração pública, quais medidas poderão ser
tomadas com o objetivo de acionar mecanismos
legais de fortalecimento de identidades, de justiça
socioambiental e de valorização do patrimônio
cultural.
RESULTADOS PARCIAIS
A partir da análise dos resultados das entrevistas,
observou-se que grande parte dos entrevistados reclamam da ausência do Estado no cumprimento de
direitos fundamentais como saúde educação e, principalmente, a garantia de segurança no bairro onde
moram, neste caso o Bairro Guajuviras. Conforme
um dos relatos, é dito acerca da violência: “acho que
não tem fórmula (sic), a polícia faz a parte dela, vai
no bairro, nas vilas, prende, mas a demanda é muito
grande para eles, falta policial.” Outra observação
realizada pelos entrevistados refere-se à educação: “o
papel é melhora (sic) o ensino das escolas, o ensino
da população, dar estrutura de vida pros moradores.
Não vi esses governantes fazerem nada, deviam
colocar a mão na consciência.”
Considerando muitos problemas mencionados,
os jovens entrevistados possuem um forte sentimento de pertença com o bairro Guajuviras, pois
de forma majoritária responderam que gostam de
morar neste bairro, que se sentem fazendo parte
desta comunidade e que acreditam na sua melhoria.
Um exemplo disto está na seguinte fala: “Eu gosto
de mora (sic) aqui, claro que tem o problema da
violência, mas isso não tem só aqui, né? Tem em
tudinho quanto é lugar, só que aqui as coisas aparecem mais. Penso que é um lugar que se tivesse (sic)
mais investimento da prefeitura, ia se (sic) muito
melhor, o Guajuviras é quase uma cidade, ai vocês
imaginam, tem muitos problemas, mas pode crescer
como qualquer outra cidade ou bairro”.
A preocupação com a violência é unânime, demonstrando que as limitações no direito à liberdade
de ir e vir são agravantes do bairro. A confiança está
depositada na família, sendo esta a maior referência
dos princípios éticos. A noção de organização da
comunidade é vaga, observando-se o não saber
atuar comunitariamente. Apesar dos entrevistados
vivenciarem a falta de investimentos na escola,
reconhecem nela, um espaço de inclusão social.
Além das entrevistas, também foram realizados
intercâmbios através de encontros e seminários,
entre as Universidades participantes do projeto,
e está sendo organizada a construção do site do
Observatório. Um exemplo disso aconteceu no
curso de extensão “O Lugar no Mundo e o Mundo
no Lugar”, realizado na Ulbra, em 2008, e também
a Publicação do Livro do Professor Alain Bertho,
“Os Outros Somos Nós”, na 54ª Feira do Livro de
Porto Alegre, em 2008.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
235
Com a análise das entrevistas que vem sendo
realizadas, já foram identificados os temas centrais
para a população do bairro Guajuviras: violência;
ausência do Estado na saúde, educação e segurança
pública; falta de confiança nas instituições políticas;
predominância das relações familiares sobre as
sociais e políticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço é um polarizador de desenvolvimento
e objeto do processo de planejamento que deve
ser compreendido em dois níveis: no mundo e no
lugar. Este é o desafio epistemológico enfrentado
na atualidade e por pesquisadores acadêmicos,
planejadores territoriais e gestores públicos. A
totalidade almejada pelo planejamento não deve
ser entendida como mera soma dos setores abordados metodologicamente. Uma metrópole com um
sistema de transporte, de vias públicas, de áreas
236
de lazer, de educação e de saúde bem planejados
não se constitui, necessariamente, num excelente
lugar. Se fosse assim, as regiões metropolitanas
seriam grandes paraísos. Na metrópole encontramos o que Milton Santos (1999) chama de
“tempos curtos” (cotidiano), “tempos ocultos”,
“tempos acelerados” e “tempos herdados”; que
impõem ritmos e ações que singularizam os lugares
que compõem cada região metropolitana. Nesta
perspectiva, as informações obtidas pelos relatos
de entrevistas levantadas nesse projeto de pesquisa
e extensão visam contribuir para repensar o espaço
metropolitano.
REFERÊNCIAS
BERTHO, Alain. Os outros somos nós. Canoas:
Ed. ULBRA, 2008.
______. Técnica, espaço, tempo: razão e emoção.
São Paulo: Hicitec, 1999.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Resident Evil e redes sociais: atualizações,
virtualizações e audiovisualidades
Taís seiBT1
nísia MarTins do rosário2
RESUMO
Este artigo aborda as significações que se constituem nos processos de circulação de produtos midiáticos em
interação com redes sociais, considerando as conexões entre o imaginário social, os contextos da evolução científica, o imaginário tecnológico e as tecnologias do imaginário. O objeto de estudo é o produto midiático Resident
Evil em suas versões para jogos on-line, filmes, vídeos, blogs, comunidades da web. A análise dessa diversidade
permitiu vislumbrar nas redes sociais um meio de legitimação de significações compartilhadas pelos sujeitos que as
constituem. Mas elas são, igualmente, espaços de reterritorialização das virtualidades e das significações produzidas
acerca de determinado produto midiático.
palavras-chave: audiovisualidades, corporalidades, imaginário, redes sociais.
ABSTRACT
This article discusses the meanings that are constituted in the process of movement of media products in interaction with social networks, considering the connections between the social imaginary, the contexts of scientific
evolution, the technological imaginary and the technologies of the imagination. The object of study is the Resident
Evil media product in its versions for online gaming, movie, videos, blogs, web communities. The analysis of this
1
Acadêmica do Curso de Comunicação Social - Habilitação
Jornalismo/UNISINOS. Bolsista PIBIC/CNPq
2
Professora-Orientadora do PPG em Comunicação/UNISINOS
(Ní[email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
237
diversity allowed to glimpse in the social networking a source of meanings legitimation shared by the individuals
that constitute them. But they are, also, places of repossession of the virtues and meanings produced about a
particular mediatic product.
Keywords: audiovisual, imaginary, social networks.
INTRODUÇÃO
O imaginário social, de uma maneira bastante
sintética, é uma espécie de repositório de imagens
com sentidos partilhados por determinada sociedade.
Esse conjunto de significações nunca é estanque, ao
contrário, mantém-se em movimento de acordo com
o contexto de cada época. As tradições populares, a
literatura e as artes foram algumas das ferramentas
de que o homem dispôs para representar e alimentar seu imaginário ao longo dos tempos. Contudo,
os avanços tecnológicos que resultaram, também,
no aperfeiçoamento das técnicas de comunicação,
permitiram uma eficiência maior na representação
desse imaginário, pelo menos no que diz respeito ao
audiovisual. Unindo som, imagens em movimento
e efeitos especiais, o audiovisual (cinema, televisão,
vídeos, jogos digitais) revela-se capaz de simular uma
“realidade” muito semelhante à realidade cotidiana,
que, ao mesmo tempo em que atualiza1, também
virtualiza outras significações.
O objetivo deste estudo é abordar as significações
que se constituem da interseção de produtos midiáticos, tecnologias do imaginário, redes sociais e imaginário tecnológico, no contexto da efervescência dos
estudos genéticos. Dentre os produtos audiovisuais
que apresentam a temática da engenharia genética,
escolhemos trabalhar com o jogo digital Resident Evil,
objeto de adaptações para o cinema e de discussões
online, entre outros desdobramentos.
1
238
Os conceitos de atualização e virtualização, para este artigo,
são os conceitos de Bérgson (ou Lévy).
Para trilhar o caminho dessas inter-relações,
será necessário abordar, num primeiro momento,
como se dá a construção do imaginário e como a
nossa imaginação se relaciona com a historicidade
em que estamos inseridos. No que tange ao estudo
de Resident Evil, será analisada a participação dos
estudos genéticos na construção do imaginário
social e tecnológico representados por meio de
corpos eletrônicos materializados pelas tecnologias
do imaginário, que seriam, neste caso, os jogos
digitais, o cinema e os vídeos postados na internet.
Tais tecnologias são entendidas como instrumentos de expressão do modo de significação social
do mundo no contexto dos avanços científicos
e tecnológicos da contemporaneidade. Também
serão estudadas as apropriações midiáticas geradas
nessas interseções, as quais podem ser observadas
na atuação de fãs que recriam personagens na vida
“real” - ou cotidiana – imitando suas vestimentas
e trejeitos em encontros de simpatizantes, bem
como em pequenos vídeos postados na internet.
Para que o leitor menos inteirado da temática
do jogo possa, mesmo assim, compreender os
desdobramentos de Resident Evil sob a perspectiva aqui trabalhada, este artigo tratará também
de oferecer um panorama sobre a forma como a
mutação genética é representada nos construtos
audiovisuais e sociais relacionados ao objeto deste
estudo.
O alinhamento teórico escolhido para nortear
esta análise vem, principalmente, de Pierre Lévy,
que versa sobre o atual e o virtual, sendo que as
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
atualizações e virtualizações serão tomadas aqui
sob a perspectiva das audiovisualidades, conceito
cunhado pelo Grupo de Pesquisa Audiovisualidades (GPAv)2.
Na análise dos efeitos das novas tecnologias na
construção do imaginário contemporâneo, partimos
da representação desse imaginário no audiovisual,
por meio de corpos eletrônicos mutantes. Neste
artigo, considera-se “corpo mutante” as representações de corpos que sofreram alteração genética
visível ou não. Mutante, portanto, é um indivíduo
que tem alguma de suas características modificadas como resultado de uma mutação genética que
ocorre em nível do DNA, por uma alteração num
gene ou num cromosssoma. Tal alteração resulta
de uma nova criação física ou mental que gera características que acabam por manifestar-se ou não
de forma aparente. Não estão incluídos no estudo,
portanto, os corpos que sofreram mutações físicas
em função de razões outras, que não a genética,
tampouco corpos que desenvolvem anomalias.
Por serem representados audiovisualmente, tais
corpos mutantes são, também, corpos eletrônicos,
ou seja, representações eletrônicas do humano,
podendo ser produzidos analógica, digital ou figurativamente e assumir as mais diversas formas
como objetos de textos audiovisuais na televisão,
2
O Grupo de Pesquisa Audiovisualides é formado por pesquisadores de quatro universidades brasileiras (Unisinos,
UFRGS, UFSC e UFMG), os quais se propõem a estudar o
audiovisual a partir de três dimensões. Segundo o diretório
de pesquisa, a primeira dimensão “encontra e analisa audiovisuais em contextos não reconhecidamente audiovisuais. A
segunda percebe o audiovisual como campo contemporâneo
de convergência de formatos, suportes e tecnologias, resguardadas as especificidades do cinema, da televisão, do vídeo
e das mídias digitais. A terceira reconhece suas linguagens,
configurações, usos e apropriações. A partir dessa compreensão, o diretório volta-se para pesquisas teórico-metodológicas
e para experimentações audiovisuais que contemplem as
dimensões nas quais as audiovisualidades se atualizam como
devires de cultura.”
no cinema, no vídeo e em produtos da internet
(ROSÁRIO, 2008). O corpo eletrônico, portanto,
configura uma corporalidade própria vinculada à
técnica, à tecnologia e as gramáticas audiovisuais.
Ele carrega uma multiplicidade de sentidos – midiáticos, culturais, econômicos, estéticos, entre
tantos outros – capazes de comunicar e representar
o social.
Criar, interpretar ou traduzir textos de corpos
eletrônicos torna-se possível em função de que o seu
processo de significação estruturar-se sobre um conjunto de códigos partilhados – códigos midiáticos.
Alguns deles mais arbitrários, outros produzidos,
adaptados e convencionados por grupos sociais que
os manejam conforme suas necessidades e sua visão
de mundo. Não se pode desconsiderar, nessa linha
de raciocínio, a competência de ordenar sentidos
que (en)formatem o audiovisual pela repetição e
legitimação de determinadas técnicas, formatos e
narrativas. A análise desses textos, aos quais Felinto
(2005, p. 90) chama de “produtos concretos” do
imaginário da cibercultura3, é necessária para identificar os aspectos desse imaginário, uma vez que ele
é “posto em ação através de atos de ficcionalização”.
Os produtos audiovisuais incluem-se no hall das
tecnologias do imaginário, que, segundo Felinto
(2005, p. 92), “seriam as tecnologias de comunicação e informação capazes de excitar os sentidos
(especialmente a visão) e fomentar a atividade
do imaginário”. Isto é, ao mesmo tempo em que
as tecnologias possibilitam que o imaginário seja
atualizado, elas também induzem a construção do
imaginário tecnológico. Logo, a representação dos
corpos mutantes no audiovisual não apenas mate3
É difícil formular uma definição para cibercultura. Em linhas
gerais, ela pode ser compreendida como a forma sociocultural que emerge da relação entre a sociedade, a cultura
e as novas tecnologias que surgiram com a convergência
das telecomunicações com a informática na década de 70
(LEMOS, 2003).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
239
rializa o que já está presente no imaginário acerca
desses seres, como também constrói significações
a partir do que representa.
No ciberespaço, o processo de ressignificação
dos corpos mutantes pode ser verificado por meio
da formação de redes sociais online. Lemos (2003)
aponta que o maior uso da internet hoje é para a
busca efetiva de conexão social (e-mail, listas, blogs,
fóruns, webcams…). “Trata-se de uma nova forma
de religiosidade social trazida à tona pelas tecnologias digitais. Assim, ver o outro e ser visto, trocar
mensagens e entrar em fóruns de discussão é, de
alguma forma, buscar o sentimento de re-ligação”
(LEMOS, 2003). O autor salienta que a relação
mediada pela tecnologia não necessariamente
substitui as formas tradicionais de interação social
(face a face, espaço público físico), o que pode ser
verificado nos desdobramentos de Resident Evil
em redes sociais que transcendem o ciberespaço e
alcançam a vida cotidiana, por meio de movimentos como Cosplay4 e Zombie Walk5, os quais serão
examinados ainda neste artigo.
MATERIAL E MÉTODOS
Resident Evil é um jogo eletrônico de survival
horror criado pela empresa japonesa Capcom, em
1996. Em meio à efervecência dos estudos gené4
5
240
Termo derivado das palavras inglesas: costume (traje, fantasia) e play (brincar, jogar), indica o movimento de jovens
que se vestem como seus personagens de ficção favoritos,
imitando seu jeito, suas poses, seu modo de falar e de se
portar. O movimento começou na década de 1970, no Japão,
e hoje tem adeptos no mundo todo, contando, inclusive, com
encontros locais, nacionais e internacionais de cosplayers.
O movimento Zombie Walk teve início nos Estados Unidos,
em 2001, reunindo fãs de filmes de horror, que se fantasiaram
de zumbis para realizar passeatas. Atualmente, os zombie
walkers estão em cidades do mundo inteiro, apresentando
grande capacidade de mobilização a partir de redes sociais
online.
ticos, o jogo apostou nesse viés para embasar sua
história e atrair jogadores. Os mutantes de Resident
Evil resultam do vazamento de uma substância
criada em laboratório por uma indústria farmacêutica, a Umbrella Corporation. O jogador é conduzido ao porão da mansão onde a empresa executa
experiências secretas que acabaram expondo seres
humanos, animais e insetos a um agente biológico
altamente contagioso e mutagênico, conhecido
como T-Vírus. Ao serem infectados, os seres
primeiramente parecem mortos, mas na verdade
sofrem uma mutação gradativa em seu DNA, até
se transformarem em zumbis. O desafio do jogador
é escapar dos mortos-vivos mutantes.
O sucesso do primeiro game levou a empresa a
continuar investindo na série. Já foram lançados
17 jogos, tanto para videogame como para computador, com possibilidades de enfrentamento entre
jogadores on e offline, entre outros desdobramentos, tais como: sete livros, cinco séries de gibis, três
filmes, um curta em 3D (lançado exclusivamente
no Japão), um longa de animação, milhares de pequenos vídeos em sites de compartilhamento (uma
rápida busca no Youtube pelo nome do jogo aponta
quase 300 mil resultados), centenas de comunidades em sites de relacionamento (pesquisa no Orkut
pelo nome do jogo resulta em 211 comunidades),
entre outros tantos sites, blogs e perfis em microblogs. O tema da engenharia genética se manteve
em pauta e até ganhou novas referências, como
no quarto jogo da cronologia principal da série,
Resident Evil: Code Veronica. Neste, um cientista
cria seus filhos em laboratório, utilizando o gene
da inteligência de sua mãe, em busca de seres
humanos com capacidade intelectual superior. Isso
introduz uma outra perspectiva para a acepção do
corpo mutante no jogo. Agora, ele já não é mais
o resultado monstruoso de uma experiência que
deu errado, mas sim um ser acima da média, este
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
mais facilmente compreendido como mutante no
imaginário produzido/representado hegemonicamente pelos produtos audiovisuais.
O método usado para desenvolver essa pesquisa sobre corpos mutantes está integrado ao
de uma pesquisa maior intitulada Corporalidades
audiovisuais: técnicas, discursos e devires de cultura6.
Nessa via, incorpora também os seus referenciais
teóricos e os seus procedimentos metodológicos.
Um dos conceitos que se destaca é o de semiose,
pela via peirceana (1990), uma vez que, ao considerar
a produção do interpretante e, consequentemente, a
necessidade de um sujeito afetado pelo signo, permite
uma aproximação do processo de comunicação. Ao
prever a constituição de uma cadeia de significação –
um signo que leva a outro signo – a semiose também
está antecipando a impossibilidade do emissor ter
controle sobre essa série de eventos interpretantes.
Isso se revela de forma substancial nas tantas interconexões que compõe o complexo produto midiático
de Resident Evil. O que se acredita ser plausível não
é delinear suas especificidades de sentidos, mas as
tendências dos discursos, as redes de significação que
se constituem, as suas potencialidades e, em parte,
seus diversos modos de significar.
Por sua vez, Lotman (1978) trata dos processos
de construção de sentidos que permeiam a narrativa fílmica e dos elementos que configuram uma
linguagem própria do meio. Apesar de centrar sua
abordagem no cinema, o autor faz afirmações que
podem ser aplicadas ao audiovisual como um todo,
uma vez que, para ele, as imagens projetadas na
tela são signos, carregam significados e informação, constituindo uma linguagem ao reproduzir
6
A referida pesquisa é coordenada pela prof. Dra. Nísia Martins
do Rosário e se propõe a estudar as corporalidades audiovisuais
no âmbito da técnica, do discurso e da cultura de quatro tipos
de corpos artificiais: robôs, mutantes, avatares e ciborgues.
objetos do mundo real, elas, entretanto, reproduzem também elementos subjetivos do mundo,
estabelecendo significados suplementares. É nessa
perspectiva que a linguagem audiovisual entra em
inter-relação com sua função social e, desta forma,
as trocas construídas entre os contextos sociais, o
imaginário coletivo e tecnológico vão formar uma
rede semiótica discursiva.
Outros conceitos relevantes nessa pesquisa
são atual e virtual. A palavra virtual vem do latim
medieval virtualis e significa força, potência. Na
filosofia, é virtual o que existe em potência e não
em ato. A árvore está virtualmente presente na semente. Nesses termos, o virtual não se opõe ao real,
mas ao atual. A dialética do real, por sua vez, seria
o possível. O possível já está constituído, tal como o
real, ao passo que o virtual é um nó de tendências,
que serão em algum momento concretizadas por
meio de atualizações.
A atualização é uma solução que não estava
contida previamente no enunciado. Ocorre “uma
produção de qualidades novas, uma transformação
das idéias, um verdadeiro devir que alimenta de
volta o virtual” (LÉVY, 1996, p.17). O atual oferece uma solução para um problema, mas ainda
carrega consigo o virtual, o que desencadeia um
processo de virtualização, movimento inverso da
atualização. De uma solução dada, passa-se para
outro problema.
Nessa via, podemos afirmar que se estabelece
uma rede de semioses dos discursos acerca do corpo
mutante audiovisual a partir das várias midiatizações de Resident Evil. Tal rede se organiza numa
tecitura de significações discursivas não apenas
a partir do audiovisual em si, mas também nas
conexões entre os blogs, os jogos, os usuários, os
contextos, a cultura, o cotidiano, entre outros. Esse
viés encaminha, também, para o desvendamento
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
241
dos percursos da significação, considerando sempre
os deslizamentos, as linhas de fuga, as desterritorializações e reterritorializações presentes na circulação
dos discursos.
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Não apenas a racionalidade, mas também a imaginação diferencia o ser humano dos outros seres.
Primeiramente, aliás, a imaginação. O ser humano,
antes de pensar logicamente, imagina. Para o ser
humano, o mundo nunca é apresentado, sempre
representado. É a partir dos sentidos imaginados
que se constrói o que chamamos de imaginário,
como explica Ruiz (2004, p. 48):
A pessoa, por diversos motivos, seleciona do
fluir caótico de sensações que invadem os sentidos,
determinadas imagens e as institui com um sentido
específico. Da amálgama de sensações sem sentido que fluem perante ela, algumas são captadas
e transformadas em imagens. Essas imagens são
imediatamente significadas. Desse modo, o caos
fugidio das impressões sensoriais se organiza como
um cosmo de sentidos imaginados.
Todo pensamento implica numa construção
de sentido. O homem transforma elementos insignificantes em objetos carregados de significados.
Tais significações são determinadas pelo contexto
social de cada época. É, portanto, de se esperar
que na contemporaneidade os avanços científicos
e tecnológicos estimulem a construção de um novo
imaginário.
Nesse ponto, parece necessário desmistificar o
senso comum de que imaginação é o modo de existir
das coisas fantasiosas, oníricas, lúdicas, pueris. Essa
242
concepção ganhou força na modernidade, quando
a racionalidade era tida como sinônimo do que é
verdadeiro e bom e a imaginação aparecia como
estéril, relegada ao divertimento. Mais adiante,
percebeu-se que a imaginação é necessária até
mesmo para a racionalidade:
A imaginação e o imaginário constituem
dimensões antropológicas e sociais que
interagem com a racionalidade de forma
necessária. (...) Não há racionalidade, nem
ciência ou tecnologia fora da imaginação,
assim como não existe imaginação fora da
dimensão racional. Ambas se correlacionam,
interagem e criam a partir da dimensão
simbólica inerente ao ser humano. (RUIZ,
2004, p. 32)
É o imaginário que possibilita presentificar
passados, atualizando conceitos antigos de acordo
com novos contextos sociais, ao mesmo tempo em
que permite projetar futuros, imaginando o porvir.
O potencial criador do imaginário se concretiza em
modos de produção, formas de organização social,
escalas de valores, obras de arte e criações tecnológicas segundo determinações históricas.
A historicidade contemporânea é a dos avanços científicos e tecnológicos, dentre os quais
fazemos aqui um recorte voltado às pesquisas
genéticas. Os seres fantásticos da ficção de outrora
tinham suas características explicadas por aspectos
místicos, mágicos e sobrenaturais, ao passo que
as descobertas de agora inspiram justificativas
alinhadas ao progresso da ciência e da tecnologia. No entanto, parece ainda ser a incerteza e a
sensação de vulnerabilidade diante de tamanhas
transformações o que inspira as fantasias do nosso
tempo. “Talvez o maior medo do homem seja este:
ser substituído por tudo aquilo que ele próprio
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
criou. Ataque de clones, império de máquinas”
(MüLLER; MARKENDORF, 2006).
A mutação genética, desde os estudos desenvolvidos por Darwin, é o ponto fundante da evolução
das espécies, baseada na sobrevivência dos mais
aptos, com a diferença de que o avanço da ciência
e da tecnologia possibilita que o homem manipule
seu DNA e seja soberano perante sua constituição
física. Com ou sem interferência em laboratório,
entretanto, ocorrem mutações cotidianamente ao
nosso redor, ainda que não sejam perceptíveis à
primeira vista. Segundo a revista Mundo Estranho,
“um estudo americano publicado em dezembro de
2007 estima que a taxa de mutação na humanidade aumentou em cem vezes nos últimos cinco mil
a 10 mil anos, provocando mudanças em cerca de
7% da nossa genética” (2008, p. 24).
Não é nosso propósito imergir numa discussão
filosófico-antropológica acerca do que define a
humanidade. Antes, consideramos o corpo como
“o primeiro suporte dos textos culturais e dos
processos comunicativos” (BAITELLO, 2005, p.
7). Em outras palavras, o corpo é o primeiro meio
de comunicação do homem, seu primeiro instrumento de vinculação com o mundo e com o outro.
É a partir de seu corpo que o homem constrói
identidades e se confronta com alteridades, sendo
também objeto de segregação social, pois identificação e alteridade são projeções estabelecidas
com base na cultura (TUCHERMANN, 1999, p.
105). Não é apenas na identidade que se demarca
a fronteira entre o que é idêntico (mesmo) e o que
é diferente (outro). Uma vez que o corpo também
é o limite que separa o indivíduo do mundo, a
delimitação da alteridade passa obrigatoriamente
pelas demarcações do grupo social pelo qual se
deseja ser acolhido e reconhecido. É necessário
encaixar-se na rede de signos que uma sociedade
estabelece para si como aceitável.
A corporalidade dos mutantes e a consequente
dificuldade de interação social que a fisiologia
lhes impõe levanta a discussão proposta por
Tuchermann: “Até que grau de deformação (ou
estranheza) permanecemos humanos?” (1999,
p. 101).
O problema da alteridade é recorrente entre
os corpos eletrônicos mutantes, tanto aqueles
com capacidades sobre-humanas como os que
apresentam características “monstruosas”. Eles são
retratados como seres conflituados com sua condição: sofrem com o sentimento de não pertença,
de exclusão social. Em Code Veronica a insatisfação
do irmão gêmeo por ter sido criado em laboratório
causou-lhe um problema psicológico, que pode
também ter sido motivado por sua sensação de
inferioridade em relação à inteligência da irmã.
Por outro lado, a irmã gêmea quer se aproveitar de
sua superinteligência para dominar a humanidade.
Tal enfrentamento, aliás, é comumente retratado
nos produtos audiovisuais. Em geral, o mutante
é visto como um ser que precisa ser destruído,
porque representa um risco para a continuidade
da espécie humana. Nesse aspecto se revela a
importância das tecnologias do imaginário na
representação/construção de significações acerca
não só dos mutantes, como também da humanidade no contexto dos estudos genéticos. O que
significa, afinal, ser humano? Acaso não seríamos
todos mutantes?
Os desdobramentos de Resident Evil para outras
formas de expressão e sua presença no contexto
das relações sociais, ao mesmo tempo representando e construindo significados, motivam
sua leitura sob a perspectiva das atualizações e
virtualizações.
Sob essa ótica, poderíamos considerar o imaginário social como uma grande teia de virtuais,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
243
uma negociação sobre significações, de um
processo de reconhecimento mútuo dos indivíduos e dos grupos via atividade de comunicação. O ponto capital aqui é a objetivação
parcial do mundo virtual de significações
entregue à partilha e à reinterpretação dos
participantes nos dispositivos de comunicação todos-todos. Essa objetivação dinâmica
de um contexto coletivo é um operador de
inteligência coletiva, uma espécie de ligação
viva que funciona como uma memória, ou
consciência comum. Uma subjetivação viva
remete a uma objetivação dinâmica. O objeto
comum suscita dialeticamente um sujeito
coletivo. (LÉVY, 1996, p.114)
dentre os quais o audiovisual seleciona determinados vetores e os atualiza em seus construtos. Faz-se
importante destacar que, mesmo que os virtuais
se atualizem, eles não se atualizam por completo,
deixando sempre um devir, uma potência de
atualização que se mantém virtual. No caminho
inverso, os produtos audiovisuais devolvem ao
virtual novas imagens significadas, as quais são
incorporadas ao imaginário social e ao próprio
audiovisual.
Os corpos mutantes de Resident Evil, antes
ainda de configurarem o imaginário sobre o efeito
das mutações genéticas no homem, são – além de
uma atualização do virtual mutante que está em
potência nas pesquisas científicas – uma atualização da representação do zumbi no imaginário
social e, com certeza, uma atualização das técnicas
audiovisuais. Segundo a crença popular, zumbi (palavra do idioma africano Quimbundo, que significa
fantasma) é um ser humano dado como morto que
foi posteriormente desenterrado e reanimado por
meios desconhecidos, mágicos. Em Resident Evil a
magia perde campo para a tecnologia, ndoe a volta
dos mortos se dá por meio da engenharia genética
criando zumbis mutantes. Cabe ainda destacar,
nesse mesmo processo, os movimentos Zombie
Walk e Cosplay, por uma perspectiva oferecida
pelas audiovisualidades.
Esse conceito se aproxima das atualizações e
virtualizações se considerarmos que há uma dimensão virtual – que nada tem a ver com o digital
– do audiovisual (modo de ser) capaz de fornecer
elementos para as diversas atualizações audiovisuais
com as quais temos contato (modo de agir):
Não se trata mais apenas de uma difusão ou
de um transporte de mensagens, mas de uma
interação no seio de uma situação que cada
um contribui para modificar ou estabilizar, de
244
Na via dessa pesquisa, o ciberespaço é, portanto,
um ambiente de atualizações de um virtual mutante
e de um virtual audiovisual, assim como é um ambiente de legitimação das significações negociadas
entre os sujeitos que constituem determinada rede
social. No caso em estudo, o compartilhamento de
sentidos produzidos em torno de um produto audiovisual (Resident Evil) leva ao entrelaçamento de
sujeitos por meio de ferramentas de comunicação
online, como sites de relacionamento, de compartilhamento de arquivos e, principalmente, sites e
blogs. Esses últimos se apresentam como o instrumento mais apropriado para constituir-se como
ponto de encontro entre os sujeitos e de partilha
de significações. Tanto o movimento Cosplay como
o Zombie Walk apresentam grande capacidade de
mobilização a partir do ciberespaço7. Esses espaços,
além de servirem como repositório de fotos e vídeos registrados pelos usuários, oferecem também
orientações para os que desejam ingressar na rede,
por meio de tutoriais do tipo “como se transformar
7
A referência a esses movimentos é recorrente em sites, blogs e
comunidades virtuais dedicados a simpatizantes do jogo Resident Evil, por essa razão eles foram incluídos neste estudo.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
em zumbi”. Nesse processo há, portanto, traços
explícitos de convergência de formatos, suportes
e tecnologias.
Esse tipo de informação será revertida, num
estágio seguinte, na reterritorialização das redes
sociais. No ciberespaço, não é a geografia que
determina a formação de uma comunidade, mas
a afinidade de interesses. “Apesar de ‘não presente’, essa comunidade está repleta de paixões e de
projetos, de conflitos e de amizades. Ela vive sem
lugar de referência estável: em toda parte onde se
encontrem seus membros móveis... ou em parte
alguma.” (LÉVY, 1996, p. 20). Os membros dessas
redes sociais se tornam “não-presentes”, se desterritorializam. Mas em algum momento se inserem em
suportes físicos, se atualizam e se reterritorializam,
por meio de passeatas de zumbis pelas cidades, ou
em encontros de fãs que sobem ao palco para fazerem a performance de seu personagem favorito.
Paralelamente à reterritorialização dos sujeitos
das redes sociais, tais fenômenos constituem uma
extensão das audiovisualidades fora do contexto
reconhecidamente audiovisual. Nas redes sociais
offline, identifica-se rastros do audiovisual. Quando um fã imita a vestimenta de certo personagem
de algum produto audiovisual com o qual se identifica, aquele personagem é atualizado no contexto
social, num tempo-espaço não digital, mas físico.
Convém ressaltar que a presença das audiovisualidades no dia a dia é, na maioria das vezes, muito
mais sutil. Gestos, falas e comportamentos que
povoam nossos meios de convivência, não raro,
são igualmente inspirados no audiovisual. Logo, o
transbordamento das audiovisualidades para fora
das telas não é particularidade de uma legião de
fãs de determinados produtos.
De rastros, esses movimentos, quando registrados pelos sujeitos das redes sociais em suas câmeras
digitais e postos de volta no ciberespaço sob uma
nova forma de apresentação, passam a compor
outro construto audiovisual, que desencadeará
um novo processo de significação e apreensão de
sentido. Esse movimento configura a virtualização
que retorna do atual para o virtual. De uma solução dada, passa-se a um novo problema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As redes sociais on e offline podem ser consideradas meios de legitimação de significações compartilhadas pelos sujeitos que as constituem. Mas
elas são, igualmente, espaços de reterritorialização
das virtualidades e das significações produzidas
acerca de determinado produto midiático – nesse
caso, Resident Evil. No seio da formação de comunidades simpáticas a determinado produto audiovisual, está a produção conjunta de sentido sobre
ele. Em bate-papos via internet, seja em fóruns
de discussão, por meio de comentários em blogs,
artigos em sites, os usuários colocam em comum o
que pensam a respeito do que viram, manifestam
suas impressões. Assim, dão vazão ao imaginário, que por sua vez será também partilhado por
determinado grupo social on e/ou offline. Esses
percursos diversos que vão se formando na construção de sentidos de Resident Evil – alavancados
pelo imaginário social, o imaginário tecnológico,
as pesquisas científicas e o próprio audiovisual –
acabam configurando novas problematizações e
a própria desterritorialização e reterritorialização
dos significados dos jogos, do filme, dos sites, dos
blogs, dos eventos e assim por diante.
No caso dos corpos mutantes de Resident Evil,
percebe-se que a significação predominante carrega
consigo a ideia de enfrentamento, de ameaça, de
destruição. Os mutantes são frutos de um fracasso da
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
245
ciência, que, no ambiente simulado pelo jogo, precisa
ser revertido não somente por meio do combate aos seres originados a partir da experiência equivocada, mas
também pela destruição do conglomerado farmacêutico que comandava os estudos genéticos. O fato de os
estudos serem feitos secretamente também reforça o
imaginário – pessimista e desconfiado – de boa parte
dos indivíduos em relação aos avanços científicos: ao
mesmo tempo em que se aposta no desenvolvimento
tecnológico como fonte de uma melhor qualidade de
vida para a humanidade, há um temor de que a ciência
crie monstros ao invés de heróis. O risco de falha acaba
criando uma aura proibitiva em torno do tema. Essa
falha da ciência, por sua vez, reflete o medo presente
no imaginário coletivo acerca das criações científicas
que se voltam contra o próprio homem. A tecnologia
e a máquina que destroem o humano configuram um
temor anterior a história de Frankstein.
Por um lado, cosplayers e zombie walkers se
vestem como zumbis para se divertirem, desenvolvendo uma forma lúdica de lidar com o que
o imaginário lhes apresenta. O mesmo acontece
com os usuários dos jogos que são capazes de enfrentar zumbis e outros perigos, assumindo o papel
de heróis – temporariamente – e os espectadores
de filmes e usuários de sites e blogs espelham e
atualizam seu imaginário acerca dos mutantes.
Por outro lado, essa diversão pode ocultar dúvidas
latentes sobre a capacidade do homem de atualizar
a si mesmo sem que isso represente a sua própria
extinção. Como diz Tuchermann:
Que humanos somos nós? A que nova raça
pertencemos? O que é hoje a nossa corporeidade?
Modificam-se o ambiente, a questão e os afectos:
agora não se trata apenas do que podemos ser ou
fazer, mas também, e principalmente, se podemos
controlar aquilo que faremos e o resultado do que
fizermos. (1999, p. 17)
246
Dessa forma, acredita-se que as atualizações on e
offline de Resident Evil – assim como de outros jogos
– trazem, em potência, as virtualizações (das territorializações, desterritorializações e reterritorializações)
provocadas nesse intrincado processo. As fronteiras
entre ciência, ficção e realidade estão cada vez mais
estreitas e o destino provável da interação entre imaginação e genética é a criação não apenas de um novo
imaginário, como também de uma nova humanidade.
O que não se pode garantir é que isso representará
progresso. Da mesma maneira que se deve admitir a
possibilidade de que o homem, tal qual o conhecemos
hoje, não necessariamente triunfará.
REFERÊNCIAS
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ensaios de comunicação e cultura. São Paulo:
Hacker, 2005.
FELINTO, Erick. A religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário da cibercultura. Porto
Alegre: Sulina, 2005.
LEMOS, André. Cibercultura: alguns pontos para
compreender a nossa época. In: LEMOS, André;
CUNHA, Paulo (Orgs.). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003. p. 11-23.
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo:
Editora 34, 1996.
LOTMAN, Yuri. Estética e Semiótica do Cinema. Lisboa:
Estampa, 1978.
MüLLER, Fernanda; MARKENDORF,
Marcio. Apontamentos para um imaginário
contemporâneo. 2006. Disponível em: <http://
www.duplipensar.net/artigos/2006-Q3/apontamentos-para-um-imaginario-contemporaneo.
html> Acesso em: 2 jul. 2009.
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PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São
Paulo: Perspectiva, 1990.
ROSÁRIO, Nísia Martins. Imagens midiáticas em corpos eletrônicos. InTexto, v. 1, p.
6, 2008.
RUIZ, Bartolomé Castor. Os paradoxos do imaginário: ensaios de filosofia. São Leopoldo: Editora
Unisinos, 2004.
TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e
de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.
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247
Engenharias
Aplicação de nanocatalisadores sintetizados em
laboratório para remoção de fenol via fotocatálise
LuCas bystRonski abReu1
LiLiana aMaRaL FéRis2
RESUMO
Efluentes industriais contendo fenol, poluente extremamente tóxico à vida aquática, mesmo que em concentrações
muito baixas pode geral impacto ambiental significativo. É essencial o estudo de alternativas técnicas que viabilizem a
remoção deste contaminante para que sejam atendidos os padrões da legislação ambiental referentes a efluentes industriais
tratados a serem descartados em corpos receptores. Neste contexto, o presente estudo objetiva avaliar a eficiência de aplicação de três diferentes nanocatalisadores no tratamento de águas contendo fenol via fotocatálise. A principal vantagem
desse processo é que, devido aos radicais hidroxilas serem altamente oxidantes, os mesmos reagem com grande variedade
de compostos orgânicos e promovem a sua mineralização para compostos não-tóxicos, como gás carbônico e água. Esta
é a terceira etapa de um grande projeto em desenvolvimento, a qual consiste na síntese e aplicação de novos catalisadores
utilizando nanomateriais. Maiores índices de remoção foram encontrados utilizando-se o catalisador chamado Ti-Lap.
Os catalisadores chamados Ti-Lap-NT e Ti- Lap -Na apresentam índices de remoção entre 25 e 35%.
palavras-chave: efluentes, fotocatálise, remoção de fenol.
ABSTRACT
Phenolic compounds are common pollutants in many industrial wastewaters including those coming from pesticides,
dyes, pharmaceuticals and petrochemical industries. Most of these compounds are known by their high toxicity level and their
1
Acadêmico do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRABolsista PROICT/ULBRA
2
Professora-Orientadora do Curso de Engenharia Ambiental/ULBRA
e do PPG em Engenharia/ULBRA ([email protected])
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
251
persistence, and thus their recovery or elimination is required prior to the discharge or the reuse of the waste flow. Concerning
wastewater treatment techniques, heterogeneous photocatalysis is a promising alternative method for the removal of organic
pollutants in water. The degradation of this kind of pollutant in water, using irradiated dispersions of nanomaterials, is a
growing area of both fundamental and applied research. It can be stated that current technologies concerning photocatalyzed oxidative degradation processes can be considered as practical alternatives to existing wastewater treatments. In the
present study, tree photocatalysts have been prepared using different synthesis. The photodestruction of phenol compounds
in synthetic wastewater was studied applying the prepared samples (Ti-Lap, TiO2-Lap-Na and TiO2-Lap-NT). Results
showed best performance was achieved by the catalyst synthesized called Ti-Lap.
Keywords: wastewater, phenol removal, photocatalysis.
INTRODUÇÃO
O controle e a prevenção da poluição adquire
importância crescente à medida que os cuidados
com a questão ambiental tornam-se mais presentes
na sociedade. O ideal seria que a poluição pudesse
ser evitada na fonte. Entretanto, muitas vezes a fonte
não pode ser alcançada e ações para o tratamento, a
reciclagem e o reaproveitamento devem ser consideradas (WOODSIDE ; KOCUREK, 1997). Ainda,
dificilmente é possível obter grau zero de poluição em
atividades industriais e por esta razão existem níveis
de descarte de elementos poluentes estabelecidos
para proteger o meio ambiente. A legislação varia
conforme a região e o país e a tendência é que se
torne cada vez mais restritiva. Todo este contexto
serve de força motriz para sejam estudadas novas
técnicas de controle da poluição.
O controle de poluentes orgânicos na água é
uma importante medida de proteção ambiental.
Além dos muitos processos propostos e/ou que
estão sendo desenvolvidos para a destruição dos
contaminantes orgânicos, a biodegradação tem
recebido bastante atenção. Porém, muitos desses
contaminantes, especialmente aqueles que são
tóxicos ou recalcitrantes, não são passíveis de
degradação microbiológica (MUNEER et al.,
2005).
252
De forma geral, os compostos orgânicos aromáticos
representam os principais poluentes industriais. O fenol
e seus derivados ocupam uma posição proeminente na
lista dos principais poluentes da Agência de Proteção
Ambiental dos Estados Unidos (EPA) e, além da suspeita de serem carcinogênicos, são tóxicos ou letais a
peixes em concentrações de 5 a 25 mg/L e inibidores
de biodegradação (SERPA, 2000). Assim, efluentes
contendo fenol e outros compostos tóxicos requerem
tratamento especial antes de serem dispostos em corpos
de água (ECC apud TZIOTZIOS et al., 2005).
Entre as diversas técnicas existentes para tratamento de águas contaminadas, a fotocatálise surge
como alternativa técnica e economicamente viável
para a remoção de contaminantes orgânicos. A aplicação de processos oxidativos avançados (POA)
apresenta muitas vantagens, como a utilização de
unidades compactas, alta velocidade de tratamento, não geração de outros resíduos provenientes
do processo e alta eficiência. As técnicas POA
podem ser divididas em dois grupos: a oxidação
fotocatalítica homogênea, com o uso de UV (luz
ultravioleta) e peróxido de hidrogênio ou UV/
fotocatalisador semicondutor. Nestes processos
ocorre a reação entre os radicais hidroxila e os
componentes orgânicos na presença de oxigênio e
luz ultravioleta. Vantagem única de sua aplicação
é que os elementos orgânicos são completamente
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
mineralizados, sendo o produto final dióxido de
carbono, água e alguns ãnions, como nitrato, sulfato
ou cloreto (KARTINI, 2004).
Neste contexto, o presente estudo objetiva
avaliar a eficiência de aplicação de três diferentes
nanocatalisadores no tratamento de águas contendo fenol via fotocatálise em escala laboratorial.
MATERIAL E MÉTODOS
Os experimentos foram realizados utilizando-se
2L de efluente sintético, fixando a concentração
inicial do efluente (10 ppm), a quantidade de catalisador utilizada (2g) e o número de lâmpadas UV
ativo (12 lâmpadas de 8W), variando-se o tipo de
catalisador. Foram realizados experimentos de fotocatálise com coleta de amostras durante 2h, a cada
15min. A Figura 1 apresenta o reator utilizado.
Figura 1 - Reator de fotocatálise utilizados para os
experimentos.
RESULTADOS
As Figuras 2 e 3 mostram os resultados comparativos de remoção de fenol entre os nanocatalisadores aplicados nos experimentos.
Figura 2 - Efeito do tempo de residência na concentração residual de fenol. Condições: 1g/L de catalisador, 2 L
de efluente.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
253
não conseguindo atingir índices maiores, geralmente após 2 horas de agitação.
REFERÊNCIAS
Figura 3 - Efeito do tempo de residência na remoção
de fenol. Condições: 1g/L de catalisador, 2
L de efluente.
Os catalisadores utilizados nos ensaios são
denominados Ti-Lap, Ti-Lap-NT, Ti-Lap-NA, TiLap-NA 600º e Ti-Lap-NA 700º. Os dois últimos
correspondem ao catalisador Ti-Lap-NA com diferentes temperaturas de calcinação. O objetivo dos
experimentos foi verificar o efeito da alteração na
rota de síntese na degradação do composto. Os resultados mostraram que maiores índices de remoção
(65%) foram obtidos com o catalisador Ti-Lap.
Pode ser observado que a concentração de fenol
foi reduzida de forma significativa nos primeiros
30 min de reação para a amostra de Ti-Lap-Na.
As amostras de Ti-Lap e Ti-Lap-NT mostraram
leve redução nos primeiros 30 min com alterações
posteriores.
MUNEER, M. et al. Heterogeneous photocatalysed reaction of three selected pesticide derivatives, propham, propachlor and tebuthiuron
in aqueous suspensions of titanium dioxide.
chemosphere, v. 61, p. 457–468, 2005.
SERPA, Ana Lidia Wild. Adsorção de fenol e
de azul de metileno em flocos de carvão ativado pulverizado. 2000. Dissertação (Mestrado
em Engenharia), Faculdade de Engenharia,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre, 2000.
TZIOTZIOS, G. et al. Biological phenol removal using suspended growth and packed bed
reactors. Biochemical engineering Journal, v.
26, p. 65–71, 2005.
WOODSIDE, G.; KOCUREK, D. environmental, Safety, And Health engineering. New
York, John Wiley & Sons, 1997.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados apresentados observa-se
que, comparando os resultados obtidos na aplicação de
cada nanocatalisador, a amostra Ti-Lap foi a mais eficiente, chegando a índices de remoção de até 65%.
Observa-se também que, após determinado
tempo de residência, a curva de remoção estabiliza
254
KARTINI, I. Synthesis and characterisation
of Mesostructured titania for Photoelectrochemical Sollar cells. 2004. Tese (Doutorado
em Engenharia) - Universidade de Queensland,
Australia, 2004.
AGRADECIMENTOS
Os pesquisadores agradecem à ULBRA, ao apoio
técnico do CEPPED, à Universidade Queensland
(Austrália) e ao CNPq pelos recursos recebidos.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Aprimoramento de um
Motor a Combustão Interna
luís Fernando Backes de leon¹
luiz carlos gerTz²
charles rech²
andré cervieri²
raFael anTônio caMParssi laranJa3
RESUMO
O presente trabalho trata do aprimoramento de um motor a combustão interna, através diminuição de perdas por bombeamento, da diminuição de atrito interno e da otimização do controle do sistema de alimentação
e ignição de um motor monocilíndrico, 35 cc, 4 tempos e ciclo otto. Para desenvolver esta pesquisa foi utilizado
um composto redutor de atrito baseado em bissulfeto de molibdênio, além de aumentar a razão de compressão,
sistema de injeção e ignição eletrônica e modificação dos coletores de admissão e escape. Os dados estudados
foram obtidos em um dinamômetro de bancada, com uma célula de carga para medir torque e outra para medir
massa de combustível consumida e a rotação foi medida através de um sensor Hall
palavras-chave: eficiência energética, injeção eletrônica, rendimento, atrito.
ABSTRACT
This paper work consists in the improvement of an internal combustion engine, trought reduction of friction losses, reduction of pumping losses and fuel injection and igntion control of a monocylinder engine, 35cc,
¹ Aluno do Curso de Engenharia Mecânica Automotiva-Bolsista
PROICT/ULBRA
² Professor do Curso de Engenharia Mecância/ULBRA
3
Professor-Orientador do Curso de Engenharia Mecânica/
ULBRA e do PPG em Engenharia/ULBRA (rafaellaranja@
yahoo.com.br)
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255
4 stroke and otto cycle. Likewise was used an friction reductor compound based on bisulfide of molibdenium,
raise of the compression ratio, eletronic ignition and fuel injection and new intake and exhaust headers. Was
utilized for that a bench dynamometer, to results collect, equipped with a load cell to measure torque and
another to measure consumed fuel mass.
Keywords: energy efficiency, eletronic fuel injection, performance, friction.
INTRODUÇÃO
Análise do consumo de energia e combustíveis é fundamental na produção e utilização
de qualquer equipamento, quando são consideradas as emissões de poluentes e a escassez
dos recursos naturais. Uma das principais metas
da engenharia mecânica é o desenvolvimento
de sistemas com melhor aproveitamento de
energia. As vantagens não são apenas as diminuições de custos, mas também a diminuição
de emissões expelidas através do sistema de
descarga. Sistemas automáticos e o uso racional
de energia vêm recebendo atenção de forma
crescente por estarem diretamente relacionados
com a preservação ambiental.
POTÊNCIA
Conforme Giacosa (1999), a energia gerada
pela combustão dentro do cilindro não se transmite integralmente ao virabrequim do motor, pois
uma parte dela é perdida pelas resistências passivas. Existem três classes de potência: potência
indicada, potência absorvida pelas resistências
passivas e potência efetiva no eixo. A potência
indicada pode ser calculada partindo do ciclo
indicado, cuja área representa o trabalho realizado pela mistura no interior do cilindro durante
um ciclo, a potência efetiva é obtida medindo-se
com um freio o trabalho no eixo virabrequim do
motor e a potência absorvida pelas resistências
256
passivas é medida, fazendo-se girar o motor, sem
que haja combustão, com o uso de uma outra
fonte de potência externa. A potência absorvida pelas resistências passivas, também pode ser
obtida pelo cálculo da diferença entre a potência
indicada e a potência efetiva:
Ni = Np+ Ne
(1)
Onde: Ni = Potência indicada [W]; Np = Potência absorvida pelas resistências passivas [W]; Ne
= Potência efetiva [W].
POTÊNCIA EFETIVA
De acordo com Giacosa (1999), a potência
efetiva é a potência medida no eixo virabrequim
do motor, também chamada de potência ao
freio, porque pode ser medida com o uso de um
dispositivo frenante adaptado no eixo do motor,
permitindo que se meça o valor do momento
frenante, conhecendo este valor e o número de
revoluções por minuto do motor, pode-se calcular
a potência efetiva. Como exemplo de dispositivo
frenante utiliza-se o freio de Prony. O dispositivo
mostrado na Figura 1, é constituído de uma roda
de raio r, fixa ao eixo do motor, disposta no centro
de duas sapatas de freio reguláveis, um braço de
comprimento R, que fixa as sapatas numa extremidade e possui mobilidade dentro de um certo
ângulo, sendo que na outra extremidade é fixa
um peso F :
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
de medição das forças de atrito e pelas variações
do resultado nas condições de funcionamento do
motor, se torna mais conveniente medir a potência
efetiva do motor com uso de um dinamômetro e
depois com a ignição desligada usar o dinamômetro
para impulsionar o motor nas condições medidas
anteriormente (rotação), dessa maneira a potência
utilizada pelo dinamômetro para fazer o motor
girar será a potência perdida em atrito pelo motor. Conhecendo a potência indicada e a efetiva,
podemos obter o rendimento mecânico do motor
Giacosa (1999).
Figura 1 - Dinamômetro do tipo freio de Prony (DUTRA
1993).
(4)
No caso do equipamento a potência efetiva será
dada pela equação em watts.
Onde: Ni = Potência Indicada [W]; Ne = Potência Efetiva [W].
Ne = 2 πRMn
Da potência total perdida (em condições de carga
plena), aproximadamente 60% é devida ao atrito do
êmbolo e das bronzinas, 25% no bombeio e o restante
por atritos de outros acessórios (GIACOSA 1999).
(2)
Sendo: F = Força [N]; R = Raio [m]; n =
Número de revoluções do motor por unidade de
tempo [Hz].
RENDIMENTO TERMODINÂMICO
POTÊNCIA ABSORVIDA PELAS
RESISTÊNCIAS PASSIVAS
De acordo com Giacosa (1999), a potência absorvida pelas resistências passivas é a diferença entre
a potência indicada e a efetiva.
Nf = Ni - Ne
(3)
Sendo: Ni = Potência Indicada [W]; Ne =
Potência Efetiva [W].
Esta potência é utilizada para superar os atritos entre as partes mecânicas do motor, como o
trabalho de bombeio, acionar acessórios, bomba
d’água, bomba de óleo, etc. Devido à dificuldade
Conforme Giacosa (1999), o rendimento termodinâmico é a relação entre trabalho indicado,
medido pela área do ciclo indicado, e o equivalente em trabalho do calor gasto para obtê-lo.
Equivale ao produto dos rendimentos térmico
ideal e rendimento indicado. O rendimento térmico ideal é a relação entre trabalho médio pela
área do ciclo ideal e o equivalente em trabalho do
calor introduzido no ciclo. O rendimento térmico
dos ciclos ideais é:
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
(5)
257
Sendo: ρ = Relação de compressão; k = Eficiência Térmica, sendo: k = 1,4, para o ar.
O rendimento indicado é a relação entre a área
do ciclo indicado e a do ciclo ideal, levando em
consideração que a diferença entre o ciclo ideal
e o real depende em grande parte da qualidade
termodinâmica da câmara de combustão (forma e
disposição das válvulas, da vela ou do bico injetor).
O rendimento mecânico é a relação do trabalho útil
medido sobre o eixo do motor e o trabalho indicado, tendo em conta o trabalho perdido em atritos
pelo próprio mecanismo do motor. O rendimento
mecânico está normalmente compreendido entre
0,8 e 0,9, sendo que valores mais baixos se referem
a motores de alto giro e de pequena cilindrada. O
rendimento total de um motor é a relação entre o
trabalho útil no eixo do motor e o equivalente a
energia calorífica do combustível consumido ou
seja, é o produto do rendimento termodinâmico
pelo mecânico (Hey Wood, 2001).
hi = ht hm
6)
Onde: nt = Rendimento termodinâmico; nm =
Rendimento mecânico.
O objetivo deste trabalho é aumentar a eficiência
energética de um motor ciclo otto, quatro tempos.
Para obter este resultado será utilizado um sistema
de injeção e ignição eletrônica marca Fueltech
modelo RacePRO 1Fi+, um composto redutor de
atrito baseado em bissulfeto de molibdênio, marca
Molykote modelo D-321R, será aumentada a taxa
de compressão através de uma biela mais longa, e
modificado a geometria dos coletores de admissão e
descarga, espera-se com estas modificações extrair
dados referentes à rotação e consumo que eviden-
258
ciem a diferença da potência e consumo específico
em um motor com maior emprego de avanços tecnológicos para o seu funcionamento.
MATERIAL E MÉTODOS
O motor utilizado é um Honda GX35 quatro
tempos, monocilíndrico com duas válvulas e um
comando no cabeçote, sistema OHC, cabeçote
fundido ao bloco, com acionamento de válvulas por
correia dentada, de 980 W de potência, consumo
específico 360g/kW-h com razão de compressão de
8:1, rotação máxima de 8.000 r.p.m, e torque máximo de 1,6 Nm. O óleo lubrificante indicado é o de
viscosidade SAE 10W30 e API SL, possuindo um
sistema de lubrificação por pulverização, o combustível recomendado é a gasolina com 86 octanas ou
mais (Honda, 2008). Este motor é utilizado em em
roçadeiras e bombas d´agua. Na ULBRA é utilizado
como propulsor de veículos super econômicos.
Para realizar os ensaios, foi utilizado uma bancada dinamométrica, conforme Figura 2, construída
no próprio Laboratório de Tecnologia Automotiva
da Ulbra. Esta consiste em um motor/gerador elétrico, um sistema de acoplamento ao motor Honda
GX35 (Figura 3) e uma célula de carga, que pode
ser visualizada na Figura 4, ligada ao braço de alavanca que é fixo a carcaça do gerador elétrico. O
reservatório de combustível é fxado em uma célula
de carga, conforme Figura 5, que mede a variação
do peso no tempo. Através desta medição é possível estimar a massa de combustível consumida em
tempo real. Uma terceira parte da bancada consiste
no sistema de variação de carga do motor, com
lâmpadas e interruptores de controle.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Figura 2 – Bancada dinamométrica
Figura 5 – Célula de carga para massa de combustível.
Figura 3 – Acoplamento do motor a combustão com o
gerador elétrico.
O sistema de injeção eletrônica utilizado é da
marca Fueltech, modelo RacePRO 1Fi+ (Figura
6), este sistema permite o acerto dos parâmetros do
motor. Aliado a isso, a eliminação da necessitade
de um venturi por parte do sistema original de
alimentação, carburador, diminui parte das perdas
por bombeamento. A ignição também é capaz
de aumentar o centelhamento da vela do motor,
melhorando a qualidade da combustão na câmara
de combustão. Para facilitar o acerto, foi utilizado
também um sistema de sonda lambda banda larga
Bosch LSU 4.2 de 5 fios com controlador Fueltech
Wideband (Figura 7).
Figura 4 – Célula de carga acoplada ao gerador
Figura 6 – Sistema de injeção e ignição eletrônica.
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259
Para reduzir o atrito interno foi utilizado o produto D-321R da marca Molykote, composto redutor de atrito, baseado em bissulfeto de molibdênio.
É aplicado a peças metálicas, de coloração grafite,
tem como objetivo evitar o contato do metal com
metal nos casos de falta de lubrificação.
Os coletores de admissão e exaustão foram confeccionados devido a utilização da injeção eletrônica e uma sonda lambda. Foram desenvolvidos com
o mínimo de curvas possíveis e com curvas de maior
raio possível, como diâmetro interno compatível
com o diâmetro interno dos dutos do cabeçote. Foi
utilizado alumínio e plástico no coletor de admissão
e aço carbono no coletor de exaustão.
Figura 8 – Relação entre rendimento térmico teórico e
razão de compressão.
O sistema de aquisição de dados é composto por
um computador em que foi instalada uma placa da
National Instruments modelo NI PCI-1200 e o programa utilizado para a coleta dos dados oriundos das
células de carga posicionadas na bancada dinamométrica foi o LabVIEW. Utilizou-se, também, um leitor de
sonda lambda banda larga Fueltech Wideband Meter
para monitoramento do resultado da combustão.
TESTES E ENSAIOS
Figura 7 – Coletor de descarga com sonda lambda
banda larga.
A razão de compressão foi alterada através da
modificação do comprimento da biela do motor,
foi possível diminuir o volume total da câmara de
combustão quando o êmbolo encontra-se em PMS
sem afetar o deslocamento. Com isto foi possível
elevar a razão de compressão de 8:1 para 11:1. Esta
modificação está ligada diretamente ao aumento do
rendimento térmico do motor, conforme equação
5 e Figura 8.
260
A seguir serão descritos os testes utilizados para
determinar a potência e o consumo em relação às
modificações realizadas no motor em estudo.
EXPERIMENTO - Considerando-se o objetivo principal desse trabalho que é determinar as
mudanças de comportamento do motor Honda
GX35, ao reduzir o atrito, atuar sobre o controle
de alimentação de combustível e ignição, da alteração da geometria dos coletores, enumeraram-se
os experimentos realizados com a utilização do freio
dinamométrico.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
O propósito desse experimento consiste em
fazer o motor trabalhar a carga plena, válvula de
aceleração totalmente aberta, variando rotação,
e com isso determinar sua potência e o consumo
específico. Para aquisição desses dados foram usadas
duas células de carga, uma para se medir a variação
da massa do combustível e outra colocada no braço
de alavanca acoplada ao freio.
Figura 9 – Gráfico do consumo.
RESULTADOS
A cada 10 s foram coletados dados fornecidos
pelas células de carga instaladas no reservatório do
combustível e no braço de alavanca do gerador e rotação através de um sensor Hall, conforme Tabela 1.
Tabela 1 – Resultados obtidos através da bancada
dinamométrica.
Rotação
[rpm]
Consumo
[gf]
Potência
[W]
3000
4000
5000
6000
7000
8000
0,22
0,06
0,07
0,14
0,18
0,22
390
670
870
1045
1145
1080
Consumo
Específico
[g/kWh]
2030
322
289
482
566
733
Através dos resultados encontrados na Tabela 1,
foi possível desenhar os gráficos da potência, consumo e consumo específco, assim como da diferença
de potência do motor original para o modificado,
mostrados nas Figuras de 9 a 12.
Figura 10 –
Gráfico da potência.
Figura 11 –
Gráfico do consumo específico.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
261
rotação. Para se atingir este objetivo foi acoplado ao
motor um freio em forma de gerador para a variação
da carga, e por consequencia, rotação, e através
dos testes executados conclui-se que o motor pode
ser aprimorado com o objetivo de se obter maior
potência específica e menor consumo específico,
reduzindo, então, os índices de poluição e ao mesmo
tempo preservando recursos naturais.
Os resultados obtidos nos testes mostraram que com
as modificações sugeridas no trabalho é possível obter
uma diferença na potência máxima de 165 W e um
decréscimo no consumo específico de 71 g/kWh.
REFERÊNCIAS
Figura 12 – Gráfico comparativo da potência.
CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como principal objetivo
à determinação da diferença do rendimento do motor Honda GX35 na sua forma original e com aprimoramentos tecnológicos, à carga plena variando a
262
HONDA. OWNeR’S MANUAL: GX 35.
Disponível em: <www.honda- engines.com>
Acesso em: 10 jun. 2008.
HEYWOOD, John B. Internal combustion
engine fundamentals. New York: McGrawHill, 2000.
GIACOSA, Dante Motores endotérmicos.
São Paulo: Cientifico Médica, 1999.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Linguística, Letras e Artes
Contemporaneidade na pintura:
o campo específico
Jander luiz raMa1
icleia Borsa caTTan2
RESUMO
Esta pesquisa se desenvolve a partir da observação de obras artísticas contemporâneas que trazem consigo
referências a problemáticas da pintura, e a utilização destes recursos por artistas que não trabalham necessariamente com pintura, mas com questões específicas do campo pictórico. Este trabalho insere-se na pesquisa
Pintura Contemporânea Em Seu Campo Específico iniciada em março de 2007 e constitui parte de sua reflexão
teórica. Propõe, primeiramente, uma análise de algumas possíveis questões pictóricas que encontram lugar em
obras artísticas contemporâneas. Dentre estas, encontra-se o uso das camadas da pintura, das transparências,
da planaridade, da perspectiva linear, das sobreposições, das justaposições e de colagens; no segundo momento
aborda como estes elementos são usados e apropriados por artistas em suas poéticas e de que maneira são aplicadas em algumas obras especificas. Como exemplos e objetos de análise, são referenciados alguns trabalhos de
Daniel Senise, Lucia Koch, Myra Gonçalves, Hélio Oiticica, Amélia Brandelli e Karin Lambrecht que levam
estas reflexões a um novo patamar, tratando da pintura em um campo específico.
palavras-chave: pintura contemporânea, problemáticas pictóricas, pintura.
1
Bacharel em Artes Visuais /UFRGS, Aluno de Licenciatura
em Artes Visuais/UFRGS – Bolsista IC/CNPq
2
Professora – Orientadora do Curso de Artes Visuais/UFRGS
e da Pós-Graduação em Artes Visuais/UFRGS (icleiacattani@
uol.com.br)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
265
ABSTRACT
This research is developed from observation of contemporary artworks that bring references to issues of painting,
and use these resources for artists who do not necessarily work with paint, but with specific issues of the pictorial
field. This work is part of the research Contemporary Painting in their specific field began in March 2007 and
is part of his theoretical reflection. Proposes, first, an analysis of some potential issues that are pictorial place in
contemporary artworks. Among these, is the use of layers of paint, the transparencies, the flatness of linear perspective, overlay, and the juxtapositions of collage; in the second step addresses how these elements are used and
appropriated by artists and their art how they are applied in some specific works. Examples and analysis objects
are referenced some work of Daniel Senise, Lucia Koch, Myra Gonçalves, Hélio Oiticica, Amelia Brandelli and
Karin Lambrecht that lead to thoughts a new level, dealing with the painting in a specific field.
Keywords: contemporary painting, pictorial problems, painting.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se desenvolve a partir
da observação de: obras artísticas contemporâneas que trazem em si questões referentes a
problemáticas da pintura; e da ocorrência de tais
problemáticas em obras que não são enquadradas
necessariamente como pintura, mas que possuem
relações com o campo pictórico.
Quando se fala de problemáticas da pintura, fala- se de paradigmas presentes em
determinados espaços e épocas da história da
arte, que nortearam as produções pictóricas
correspondentes. Estes paradigmas, observados e trabalhados pelo artista contemporâneo,
ganham novo fôlego e novo sentido dentro da
produção artística atual. Este cruzamento de
sentidos, entre o velho e o novo, é o foco onde
esta pesquisa se posiciona. Dentre as problemáticas trabalhadas na atualidade, procurou-se
abordar algumas muito específicas como: o uso
de camadas da pintura, as transparências, a cor,
as justaposições, a diversidade de materiais empregados, a perspectiva linear e a planaridade.
Esta análise insere-se como um elemento da
pesquisa Pintura Contemporânea Em Seu Campo
Específico1, iniciada em março de 2007 pela Profª
Drª Icleia Borsa Cattani, e constitui parte de
sua reflexão teórica.
Primeiramente, procurou-se analisar o que se
definiu como pintura, ou campo pictórico, em
alguns momentos mais recentes da história da
arte. Esta análise é importante para discutir de
que maneira estas questões acima mencionadas,
próprias da pintura, são tratadas em obras artísticas contemporâneas, principalmente por serem
encontradas em obras com características tão
diversas ao que se poderia entender como pertencentes a um campo específico da pintura.
No segundo momento aborda-se como estes
elementos da pintura são apropriados por artistas
em suas poéticas e de que maneira são tratados
em algumas obras especificas. Como exemplos
e objetos de análise, são referenciados alguns
trabalhos de Daniel Senise, Lucia Koch, Myra
Gonçalves, Hélio Oiticica, Amélia Brandelli e
Karin Lambrecht que levaram estas reflexões
a um novo patamar, tratando da pintura, ora
1
266
Grupo de Pesquisa registrado no CNPq/ Lattes.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
em um campo específico, ora em um campo
ampliado.
Estas reflexões sobre questões específicas da
pintura são relevantes no sentido de possibilitar a
compreensão de que a pintura permanece como
pesquisa na arte contemporânea, porém, abordada
de diversas maneiras: inovadoras e condizentes com
a contemporaneidade.
ALGUNS CONCEITOS
SOBRE A PINTURA
CONTEMPORÂNEA
Na contemporaneidade, observamos a ausência de limites pré-determinados que possam
conferir à arte algum tipo de delimitação de linguagem, dividindo a arte em pintura, escultura
e etc. Na atualidade as experimentações, no
âmbito de cruzamentos de linguagens e mídias,
são muito presentes. Porém, ao longo do século
XX, houve vários posicionamentos críticos,
tanto de artistas como de críticos de arte, que
buscaram a compreensão do lugar da pintura,
como uma linguagem específica em determinados
momentos.
Na década de 1960, apresentando um discurso
referenciado nos conceitos de “autocrítica” e de
“pureza”, Greenberg2, defendeu as competências
próprias de cada linguagem como a pintura e a escultura, como meio de sobrevivência e legitimação
das mesmas. Na pintura, Greenberg defendeu a
pureza do meio através da eliminação de características não naturais a este, como a representação
perspectiva e o volume escultórico (elementos
2
GREENBERG, Clement. Pintura Modernista. In: arte y Cultura: ensayos criticos. Barcelona: Gustavo Gili, 1979.
ilusionistas). Segundo ele, estas características não
fariam parte da pintura como linguagem, mas sim
da escultura. A planaridade, o formato do suporte
e as propriedades das tintas seriam as qualidades
realmente determinantes na pintura.
Já nos anos 1970, Rosalind Krauss3 propôs
uma nova abordagem sobre a arte, porém, ainda
seguindo a tendência colocada por Greenberg de
uma visão compartimentada do campo artístico.
Segundo sua definição de “campo expandido”,
a pós-modernidade apresentaria possibilidades
múltiplas de construção. As obras de arte ainda
seriam trabalhadas envolvendo questões próprias
de um determinado campo como, por exemplo:
a pintura, a escultura e etc. Porém as características próprias de cada campo ou linguagem
poderiam ocorrer em um estado expandido, pois,
naquele momento, o termo específico e histórico
(exemplo: pintura) não abrangia a totalidade das
características das obras que se firmaram naquela
época: como a instalação, a land-art e etc. Deste
modo, a autora pretendia manter classificações
dentro de uma linguagem, mesmo que as obras
apresentassem algumas características diversas
à mesma.
Na atualidade, pode-se afirmar que existem
artistas que lidam com as questões historicamente propostas pela pintura, como também
fazem uso de referências a questões próprias
da contemporaneidade – miscigenação de
linguagens -, surgindo assim os hibridismos e
as mestiçagens. Quando se trata de pintura, o
que se vê hoje, são estudos e desdobramentos
de pesquisas, que podem ser entendidas como
experimentações em busca de novos espaços
para o campo pictórico.
3
KRAUSS, Rosalind E. La originalidad de la Vanguardia y
otros mitos modernos. Alianza Editorial: Madri, 2006.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
267
Deste modo, na contemporaneidade, é de grande utilidade o conceito de mestiçagem4 no momento
de compreender a constituição de uma determinada
obra que envolva questões centrais da pintura.
Pois este conceito de mestiçagem é definido como
a coexistência entre o velho e o novo, as novas
tecnologias e as velhas práticas, somando-se umas
às outras sem manter um eixo ou uma linha que
delimite os elementos entre si, mantendo determinadas zonas de tensão na obra.
Hoje, nas obras produzidas, observa-se um esquema de possibilidades abertas em partes que se
combinam e recombinam sem restrições de linguagens. Neste contexto, há obras em que ocorre um
entrecruzamento entre linguagens (tradicional com
o uso de uma nova tecnologia), bem como há obras
que se utilizam de uma única linguagem, aplicada
de maneira nova sobre outros meios. Assim, há a
possibilidade de inúmeros sentidos e significações
que se alteram tanto quanto há possibilidades de
combinações entre os elementos.
Deste modo, esta abordagem tenta identificar
estes cruzamentos pelo prisma da mestiçagem.
Focalizando, também, alguns pontos específicos
e históricos que caracterizam tradicionalmente o
campo da pintura e procurando relacioná-los com
questões presentes em obras contemporâneas.
PERSPECTIVA E
PLANARIDADE: A OBRA
DE DANIEL SENISE
A perspectiva e a planaridade são questões historicamente ligadas à pintura e estão diretamente
relacionadas ao âmago da concepção dos espaços
pictóricos do Renascimento, do Impressionismo e
do Cubismo respectivamente.
Figura 1 - Daniel Senise: Cícero, 2009, acrílica em
colagem sobre alumínio, 200cm x 155cm
Em relação ao Renascimento, Francastel5 afirma
que o espaço perspectivo foi fruto de um processo
gradual que instituiu o suporte da pintura como
uma janela, onde o primeiro plano seria como um
vidro transparente. E na modernidade, os meios da
pintura que eram dissimulados no realismo, passam
a ser reconhecidos como propriedades positivas
(GREENBERG, 1960). Dentre estes meios, a planaridade do suporte assume um lugar de destaque
no desenvolvimento da pintura.
Na contemporaneidade, estas duas questões –
perspectiva e planaridade - são abordadas em obras
de alguns artistas. Como exemplo cita-se Daniel
Senise que optou pela pintura utilizando a técnica
de frottage6 com tinta óleo. Senise extrai texturas
5
6
4
268
CATTANI, Icleia Borsa. Mestiçagens na Arte Contemporânea:
Conceito e Desdobramentos. In: Mestiçagens na arte
Contemporânea. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.
FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade. São Paulo:
Martins Fontes, 1990.
Foi desenvolvida pelo pintor, escultor e artista gráfico alemão, Max Ernst, em 1925. No frottage o artista utiliza um
lápis ou outra ferramenta de desenho e faz uma “fricção”
sobre uma superfície texturizada.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
de diversos assoalhos e superfícies ressaltando o
aspecto planar de sua pintura, ao mesmo tempo
em que, através da colagem e justaposição destas
texturas recortadas, traz a representação da perspectiva (Figura 1). O embate entre planaridade
e perspectiva confere certas zonas de tensão às
suas obras.
TRANSPARÊNCIA E COR:
CORREÇÕES DE LUZ DE
LUCIA KOCh
Outro elemento ligado à pintura diz respeito
à transparência. Esta foi introduzida na pintura
através da técnica de veladura: uma conquista
alcançada no século XV pela difusão das tintas
com base oleosa e que consistia na sobreposição
de finas camadas com pigmento moderado, proporcionando atenuações e jogos de luz jamais
alcançados com outras técnicas envolvendo
tintas a base de água.
No momento contemporâneo, a transparência
persiste como elemento de pesquisa entre os artistas. Como um dos focos da pesquisa optou-se por
analisar o modo como a artista Lucia Koch utiliza
este elemento em suas obras.
Na obra Correções de Luz (Figura 2), a artista trabalha com a transparência e a cor. Neste caso estas duas
características pictóricas apresentam-se de modo a
trabalhar a percepção do espectador, tal como ocorria
quando os antigos mestres da pintura utilizavam tais
recursos. Mas estas características, outrora cristalizadas em um corpo pictórico da matéria e da tinta, agora
ocorrem sem este corpo: a artista trabalha apenas a luz
na ambiência do espectador, utilizando filtros coloridos
sobre aberturas como janelas.
CAMADAS: OS
quimigramas DE
MyRA GONÇALVES
A utilização de camadas é própria dos processos
pictóricos e se apresentou de diversas maneiras
em determinados períodos da história da arte: no
Renascimento, o uso de camadas de tinta esteve
diretamente ligado ao desenvolvimento de pinturas cada vez mais próximas de imagens ópticas
através do chiaroscuro7, esfumato8 e da veladura;
no Cubismo, utilizando processos diversos com
camadas – papier collé9 – os artistas encontraram
7
8
Figura 2 - Lucia Koch, Correções de Luz. Placa de acrílico sobre janela, Fundação Iberê Camargo,
2008.
9
o sfumato permite uma passagem harmônica e suave entre
volumes e objetos, eliminando a marca da linha de contorno
e dando maior naturalidade à pintura.
o chiaroscuro é empregado para dar volume através do
jogo de tons claros e escuros. Este jogo escultórico pode
obedecer a um esquema com uma única fonte de luz ou,
como era mais praticado, a vários focos de luz conforme a
necessidade de ressaltar determinados volumes.
É uma técnica de pintura, do tipo colagem. Com papier collé
o artista cola os pedaços de material liso (papel, oleados,
jornal) sobre a tela como uma pintura.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
269
MATERIALIDADE NA
PINTURA: AS POÉTICAS
DE AMÉLIA BRANDELLI E
KARIN LAMBREChT
lugar para construções com camadas de diferentes
materiais; e na contemporaneidade, os procedimentos com camadas persistem, porém com
outras leituras.
Como exemplo toma-se o trabalho de Myra
Gonçalves que desenvolve experimentações com
fotografia, realizando uma pesquisa sobre a utilização do papel fotográfico como meio para a sua
produção artística. Usando elementos de processos
como o fotograma e o quimigrama10, a artista trabalha
sobre a emulsão do papel fotográfico. Com pincéis,
pontas secas, e o uso de fixador, revelador e outros,
Myra remove certas regiões da película fotossensível
revelando camadas subjacentes do material fotográfico, mostrando cores e tonalidades outrora ocultas.
Desta maneira, obtém resultados do cruzamento de
materiais fotográficos com elementos da linguagem
pictórica (Figura 3).
Figura 3 - MYRA GONÇALVES: S/t, 2003, quimigrama
colorido, 30cm x 45cm, 2007
10
270
Quimigrama: “também chamado de pintura química, constitui-se em uma imagem produzida através da utilização da
química do processo fotográfico: revelador, fixados, tonalizadores. Sem a interferência de meios mecânicos, tal processo
fotográfico produz efeitos de características únicas. Tem na
figura do belga Pierre Cordier, seu introdutor.” (MONFORTE
apud GONÇALVES, 2007, p.22)
Os procedimentos e as operações dos artistas
com materiais diversos foram fundamentais para
a construção de novos espaços dentro da pintura,
ao longo da história.
Na contemporaneidade, a escolha dos materiais possui motivações de muitas ordens como a
carga simbólica e o resultado estético, abrindo a
possibilidade do uso de praticamente qualquer
material para se trabalhar em arte e em processos pictóricos. Como exemplo destes processos
tomam-se as obras de Karin Lambrecht e Amélia
Brandelli.
Nos trabalhos de Karin Lambrecht, mais especificamente nos trabalhos pertencentes à série
Registros de Sangue (Figura 4), a artista utiliza materiais repletos de carga simbólica. Karin explora
outras formas de suporte como, por exemplo,
panos e toalhas de valor pessoal, que pertenceram
a sua avó. Estes panos são pintados ou sofrem
impressões feitas com sangue de cordeiros. O
sangue de cordeiro possui diversas relações com
inúmeras culturas como parte de rituais de catarse
ou expiação, e com a própria cultura ocidental,
especialmente no cristianismo e na representação
do Cristo, ao qual Karin faz referência no seu
trabalho11.
11
ARAÚJO, Viviane Gil. Karin Lambrecht : as vestes e
o corpo na série registros de sangue. Dissertação
(mestrado) - UFRGS. Instituto de Artes. PPGAV, Porto
Alegre, 2008.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Figura 4 - Karin Lambrecht, Díptico. 2000.
No trabalho de Amélia Brandelli, especialmente
os trabalhos que compuseram sua dissertação de mestrado, a materialidade se apresenta de outro modo.
Sua poética também se relaciona com os materiais
empregados na pintura, porém estes são justapostos
(Figura 5). A carga simbólica está presente nos vidros e nas madeiras empregadas. Segundo a artista,
o vidro é utilizado como elemento que discute a
própria transparência e brilho presentes na história
da arte, além de estar ligado à concepção do plano
transparente da pintura, quando este pertencia a
uma janela representativa e ilusionística no Renascimento. A madeira e sua textura entram em seu
trabalho como elementos de paisagem. Sua relação
com a paisagem, segundo a artista, está na própria
matéria constituinte desta madeira, que é um ser
com odor, parasitas, e está ligado à terra12.
12
BRANDELLI, Amélia Duarte Teixeira. Re-encontros: o
sentido poético na justaposição pictórica. Porto Alegre,
2006.
Figura 5 - Amélia Brandelli, Rodeada de sombras pela
sonolência da folhagem, pelo ouro escuro
de girassóis fanados, 2005.
COR, ESPAÇO E TEMPO:
PENETRáVEIS DE hÉLIO
OITICICA
A cor, outro elemento indissociável da idéia
de pintura, é um elemento que não é menor nas
discussões e reflexões que se deram ao longo da
história da arte. Foi deste modo no Impressionismo,
no Fauvismo e nas vanguardas modernistas, fazendo
parte também das discussões ocorridas na década
de 1960 sobre a morte da pintura13.
13
OITICICA, Hélio. Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Projeto Hélio
Oiticica, 1993.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
271
Na contemporaneidade, analisando mais especificamente a obra de Hélio Oiticica, a cor passa
a ser problematizada em consonância com outros
elementos da pintura: o tempo, a estrutura e o
espaço. Para Oiticica a cor possuía um tempo próprio. E a tela plana e convencional sobre a parede
limitaria este tempo.
meio artístico contemporâneo. A pintura, como
campo e linguagem artística não se restringe somente a um campo específico, mas, especialmente
na contemporaneidade, surge dentro de um campo
pictórico ampliado e mestiço onde a mesma é,
muitas vezes, o assunto desenvolvido pelo artista
contemporâneo.
Os Penetráveis (Figura 6) e Núcleos seriam a
interpretação de Oiticica à mudança de tempos
destas estruturas, onde o espectador (agora incitado
a interagir com a obra) poderia ter a real experiência
da cor, em um tempo diferente do convencional –
um tempo não representado ou fictício -.
Ainda no século XIX, a tela, como espaço
pictórico, foi o lugar onde o artista trabalhou suas
reflexões em relação ao mundo. Porém, a partir
dos primeiros indícios da modernidade, mais significativamente dentro das vanguardas, os próprios
elementos constitutivos da pintura passaram a
ser objeto e alvo de reflexões dos artistas. E estas
reflexões se consolidam na contemporaneidade,
tanto pelas características investigativas desta
época como pela diversidade de recursos que
ampliam possibilidades.
Figura 6 - Hélio Oiticica, Penetrável Magic Square # 5
. 1977.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhando com os princípios da perspectiva
linear, com a planaridade, com a luz, com a cor,
transparências e outros elementos, os artistas
abordados nesta análise encontram lugares para
pesquisas plásticas distintas, lançando um olhar
novo sobre antigas problemáticas da pintura.
Apesar de algumas vezes ter-se decretado a
“morte da pintura”, esta continua vigorando no
272
Os processos envolvendo elementos específicos
da pintura proporcionam reflexões sobre o espaço
e constroem novas possibilidades na produção
artística. Assim, este fenômeno persiste na atualidade e os processos que utilizam tais elementos,
em um campo ampliado da pintura, são abordados
por diversos artistas do meio artístico brasileiro e
internacional.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Viviane Gil. Karin Lambrecht: as vestes e o corpo na série registros
de sangue. 2008. Dissertação (Mestrado em
Artes) – Instituto de Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
BRANDELLI, Amélia Duarte Teixeira. Re-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
encontros: o sentido poético na justaposição
pictórica. Porto Alegre, 2006.
In: Arte y cultura: ensayos criticos. Barcelona:
Gustavo Gili, 1979.
CATTANI, Icleia Borsa. Mestiçagens na Arte
Contemporânea: Conceito e Desdobramentos.
In: ______. Mestiçagens na Arte contemporânea. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.
KOCH, Lucia. Lucia Koch Website. Disponível
em: < http://www.luciakoch.com >. Acesso
em: 30 abr. 2009.
FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade.
São Paulo: Martins Fontes, 1990.
GONçALVES, Myra Adam de Oliveira. A
Fotografia sem câmera: revelações de especificidades da fotografia através do quimigrama.
Porto Alegre, 2007.
GREENBERG, Clement. Pintura Modernista.
KRAUSS, Rosalind E. La originalidad de la
Vanguardia y otros mitos modernos. Madri:
Alianza, 2006.
OITICICA, Hélio. Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Projeto Hélio Oiticica, 1993.
SENISE. Daniel. [Site do Artista Daniel
Senise]. Disponível em: <http://www.daniel
senise.com> . Acesso em: 15 mai. 2009.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
273
Registros de dança:
a trajetória do grupo Terra
MíriaM Medeiros sTrack1
Flavia Pilla do valle2
RESUMO
Esta pesquisa busca registrar dados do Grupo Terra, uma companhia gaúcha independente que atuou entre os
anos de 1981 e 1984, a nível nacional e internacional. O trabalho identifica a formação do grupo; mapeia a produção
artística; traz questões abordadas em obras relevantes; e busca traçar, ao longo da investigação dos registros, considerações sobre o panorama histórico da cena de dança teatral do Rio Grande do Sul. Num primeiro momento, a pesquisa
coleta fotos, imagens, recortes de jornais e programas de espetáculos, para mapear a trajetória do grupo. Posteriormente,
realiza entrevistas com membros do grupo para se ter acesso a outras idéias e interpretações que não estão ainda escritas.
A pesquisa se identifica com o que se tem chamado de Nova História, isto é, uma nova forma de visualizar a história
escrita, que considera o olhar particular e reconhece que a realidade é um ponto de vista embebido de pré-concepções.
Por fim, o Grupo Terra se configurou como um grupo de grande expressão no cenário gaúcho do início dos anos de
1980. Deste grupo, muitos profissionais ainda se encontram atuantes, dentro e fora do Brasil.
palavras-chave: dança, Rio Grande do Sul, história, Grupo Terra.
ABSTRACT
This study wants to register data of Terra Group, an independent south Brazilian company that acted between
the years of 1981 and 1984, at national and international level. This work identifies the formation of the group;
1
Acadêmica do curso de Dança/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA
2
Professora- Orientadora do curso de Dança/ULBRA (danca@
ulbra.br)
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
275
relates its artistic production; brings approached aspects of relevant pieces; and search to relate, as long the study
takes, considerations about the historical view of theatrical dance of Rio Grande do Sul. First, this research collects
pictures, images, newspapers and programs of spectacles, to clear the group trajectory. Then, it makes interviews
with group members to access other ideas and interpretations not still written. This research identifies itself to the
New History, it means, a new way to visualize the written history, which takes account the particular look and
recognizes that reality is a point of view surrounded of preconceptions. Indeed, the Terra Group was a group of
great expression in the south Brazilian scene in the beginning of the years 1980s. From this group, many professionals still are acting, inside and outside Brasil.
Keywords: dance, Rio Grande do Sul, history, Grupo Terra.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surge a partir da preocupação com
a investigação científica dos fatos e personalidades
locais e seu registro através da escrita. Os livros de
história da dança normalmente tratam da história
da dança européia e americana e, quando se referem
ao Brasil, tendem a se concentrar na história do eixo
Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. O presente
trabalho se propõe a suprir uma demanda regional
pela preservação da memória da dança, criando
oportunidades para que as futuras gerações tenham possibilidade de acesso a esse conhecimento.
Ainda hoje, apesar de trabalhos estarem surgindo
no âmbito universitário, poucas pessoas tem se
preocupado em registrar e difundir a dança do Rio
Grande do Sul.
Preservar a memória da dança e conhecer suas
raízes, através de um estudo histórico, é importante
para sua valorização, registro, cultura e formação de
uma identidade cultural forte no Estado. Segundo
Layson (1995):
[...] a história é frequentemente justificada por seu valor inerente, uma vez que
o passado de qualquer grupo de pessoas é
considerado como um legado cultural a ser
valorizado. Além disso, a história parece
prover ligações entre o passado e o presente
276
e assim, através do seu estudo, o aqui e agora
pode ser informado.
O presente trabalho busca registrar a trajetória
do Grupo Terra, uma companhia gaúcha independente que atuou entre os anos de 1981 e 1984, a
nível nacional e internacional. O trabalho identifica
a formação do grupo; mapeia a produção artística,
buscando, dentro dos recursos e registros existentes, um banco de dados audiovisual1; traz aspectos
abordados em obras relevantes, registrando outras
questões como colaborações, escolhas musicais,
elementos cênicos, críticas de época, etc.; e busca
traçar, ao longo da investigação dos registros, considerações sobre o panorama histórico da cena de
dança teatral do Rio Grande do Sul.
Neste sentido, esta pesquisa quer informar
futuras gerações sobre a dança construída no Rio
Grande do Sul, mais especificamente em Porto
Alegre. Que aspectos sobre a história da dança em
Porto Alegre emergem na investigação da história
deste grupo de dança local? Esta pesquisa não busca
estabelecer a verdade absoluta ou esgotar tudo
sobre o assunto, apenas organizar dados de forma
a oferecer ao leitor um ponto de vista.
1
Há um DVD com imagens do grupo disponível na coordenação do Curso de Dança da ULBRA – Canoas.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
MATERIAL E MÉTODOS
Ao revitalizar a memória, remonta-se eventos de
uma época determinada através do ato da escrita.
Ao registrar, une-se os diversos pontos de vista, seja
da mídia, dos registros existentes e dos depoimentos
e dados colhidos.
O percurso se faz ao caminhar e as escolhas
vão acontecendo rizomaticamente, porém
percebem-se regiões de silêncio bastante
significativas às quais me rendo e tento ouvir
o que elas murmuram baixinho ou ecoam.
Trabalhar com memória ensina-nos a percorrer essas regiões .... Para suprir algumas
carências relativas aos lapsos de memória
ou por falta de informação ou de registro,
tentamos ouvir depoimentos de pessoas que
fizeram parte desta história. Sempre existem
espaços, lacunas que não serão preenchidas,
com as quais aprendemos a conviver, ou
deles armamos um quebra-cabeça com as
peças que faltam, e que são ocupadas por interpretações mais viáveis (FREIRE, 2005).
A partir da perspectiva da Nova História, esta
pesquisa concentra-se em um grupo já extinto do
estado gaúcho: Grupo Terra. Diferente do paradigma tradicional de fazer história, que pode ser visto
como uma visão do senso comum, influenciada
mais pela política nacional e internacional do que
local, e por uma visão de cima de grandes homens
e grandes feitos, a Nova História considera o olhar
particular. Na história tradicional os documentos
são geralmente registros oficiais que expressam o
ponto de vista oficial e se vangloriam da grande
ênfase na objetividade. A Nova História propõe
que, ao invés de ver este paradigma como a maneira de se fazer história, este deve ser percebido
como uma dentre várias abordagens percebidas
possíveis do passado, uma vez que a realidade é
culturalmente construída. Essa perspectiva é uma
forma diferenciada de visualizar a história escrita,
na qual considera o olhar particular e reconhece
que a realidade é, na verdade, um ponto de vista
embebido de pré-concepções associadas a cor,
credo, classe ou sexo – isto é, não é neutro. Além
disso, vai passar pela experiência pessoal do escritor,
que não estão isentas de representações.
Tudo o que foi um dia poderá vir a ser contado de outra forma, cabendo ao historiador
elaborar uma versão plausível, verossímil
de como foi. Mesmo admitindo uma certa
invariabilidade no ter sido, as formas de narrar o como foi são múltiplas e isso implica
colocar em xeque a veracidade dos fatos
(PESAVENTO, 2005).
A história da dança quer apontar mudanças na
dança através dos tempos, destacar feitos importantes e discutir certos eventos. Entretanto, quando
os fatos ainda não estão disponíveis necessita-se
fazer um trabalho de campo, e utilizar a descrição.
O objetivo seria fomentar “o alargamento do universo do discurso humano” (GEERTZ, 1989). Esta
pesquisa busca uma inspiração no olhar etnográfico,
que perpassa por procurar narrativas e enredos que
nos tornem visíveis para nós mesmos.
[...] a análise cultural é (ou deveria ser) uma
adivinhação dos significados, uma avaliação
das conjeturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas,
e não a descoberta do continente dos significados e o mapeamento da sua paisagem
incorpórea (GEERTZ, 1989).
Num primeiro momento, a pesquisa coleta fotos,
imagens, recortes de jornais e programas de espetáculos, para mapear a trajetória do grupo. Posterior-
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
277
mente, realiza entrevistas com membros do grupo
para se ter acesso a outras idéias e interpretações
que não estão ainda escritas. As entrevistas são
semi-estruturadas, realizadas num clima de diálogo,
registradas através de filmagem. A escolha dessas
pessoas deu-se pelo fato de serem pessoas com as
quais as pesquisadoras têm alguma relação. Este
contato estabelece um laço de confiança que pode
ser um meio facilitador da conversa.
As tentativas abordadas e os possíveis erros
cometidos em campo, constituem informações
que serão levadas em conta. Essa pesquisa evita
a utilização de protocolos rígidos, determinados a
priori. O método não pode ser concebido como algo
que aprisiona a investigação.
A análise e interpretação dos dados foram feitas
durante o processo da pesquisa em si. Conforme o
corpo de conhecimentos foi sendo constituído fez-se
textos sobre o assunto expondo recortes de um todo.
Construir textos ao longo do processo é uma forma de
análise, interpretação e organização dos dados coletados. A análise, interpretação e escrita é um momento
conectado, no qual se tenta ver o sentido do todo.
Em 12 de março de 1981 uma nota no Segundo
Caderno do jornal Zero Hora chama a atenção de
muitos bailarinos. A Associação dos Professores de
Dança do Rio Grande do Sul promove a seleção de
bailarinos para fazer parte de sua Companhia de Dança. Segundo a nota, seriam selecionados 14 bailarinos
fixos e 16 com bolsa de estudos, para ambos os sexos.
“Carmina Burana”, o primeiro espetáculo, já estava
com data marcada: 26 de abril. Pela primeira vez na
história da dança de Porto Alegre estaria sendo formada uma Companhia de Dança com a participação
de bailarinos profissionais. Segundo Dreher, Queiroz
e Steckert (2004) era a realização de um sonho. Era
a chance de trabalhar naquilo que gostavam sem
precisar sair de sua própria terra, sem precisar tentar
vencer em outros lugares. Segundo a crítica de Heemann (1981): “uma iniciativa de mérito”.
A formação do Grupo Terra remete a tentativa
anterior de formação de uma Companhia do Estado
do Rio Grande do Sul pela Associação dos Professores de Dança do Rio Grande do Sul - ASGADAN.
Essa associação já havia tentado formar um grupo
de dança estável, porém, sem subsídios oficiais era
muito difícil. Até o dia em que a Associação resolveu, primeiro, mostrar um trabalho de alto nível
para, depois, lutar por auxílio.
A resposta foi tamanha e o nível dos bailarinos
tão acima do esperado que a seleção teve que ser
feita em mais de um dia. Só assim poderiam analisar as possibilidades dos 50 bailarinos inscritos. Os
critérios de escolha do elenco fixo não se limitaram
apenas à técnica, mas principalmente à sensibilidade e responsabilidade artística dos bailarinos. A
idéia inicial da Companhia era trabalhar sempre
junto com a OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto
Alegre) e, além de “Carmina Burana” montar mais
quatro obras grandes e dezesseis medianas.
Em novembro de 1980, o bailarino e coreógrafo
argentino Valério Césio veio a Porto Alegre minis-
O espetáculo “Carmina Burana” foi um sucesso e
um marco na carreira dos bailarinos, principalmente
RESULTADOS
278
trar um curso de dança a convite de Tony Petzhold.
O sucesso foi tão grande que foi montado um espetáculo em apenas quinze dias com coreografias dele
em parceria com a ASGADAN. Por conseguirem
resultados excelentes neste tempo curtíssimo, a
Associação resolveu criar a Companhia convidando
o professor Valério para dirigi-la, já que o mesmo
soube tão bem aproveitar o pessoal disponível.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
porque, para esta montagem, pela primeira vez no
município de Porto Alegre, foi concedido o Prêmio
Açoriano de Dança, categoria que até então não
existia. A pré-estréia, conforme já dito, se deu em
26 de abril no Clube Aliança na cidade de Novo
Hamburgo. As demais apresentações foram no Salão
de Atos da PUC (Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul) nos dias 28 e 30 de abril e dois e
três de maio. Contaram com a parceria da Orquestra
Sinfônica de Porto Alegre, regida por Túlio Belardi
e mais quatro corais convidados. As coreografias
nos mostraram sete paisagens distintas dos conflitos
humanos segundo as músicas de Carl Orff.
Houve, entretanto, apenas essas apresentações,
cujo patrocínio inicial era da Secretaria de Cultura,
Desporto e Turismo e apoio da Rede Brasil Sul de
Comunicações (RBS). A associação não obteve
êxito em relação a patrocinadores e nem apoio do
governo e, por motivos que até hoje os ex-bailarinos
questionam, o grupo acabou por se dissipar. Eles
não sabem ao certo quais foram os empecilhos que
impediram os planos da Companhia Estadual de
serem levados adiante.
Foram três dias de seleção, e participaram
centenas de bailarinos de todo o Brasil e de
países vizinhos. A companhia foi idealizada
pela ASGADAN, na época presidida por
Eva Landes, com o apoio da PUC e do
próprio Estado. [...] Dois meses depois,
ninguém.... nenhuma satisfação. Alguns
especulam que, uma vez que as próprias
escolas patrocinavam a existência do grupo,
as mesmas escolas se desentenderam por não
terem suas próprias alunas representadas na
seletiva. Outros especulam que a briga foi
no entendimento de quem dirigiria o grupo.
Desta seleção e desta indignação surge o
Grupo Terra (VALLE; STRACK, 2009).
GRUPO TERRA
A maioria dos bailarinos se dispersaram com o
fim da Companhia Estadual, mas houveram alguns
no qual a inquietude e a vontade de vencer foram
maior. Esses resolveram se unir e fundar o grupo
que seria um dos mais conhecidos do Rio Grande
do Sul: Terra Companhia de Dança. Estes bailarinos
foram Andréa Druck, Carlota Albuquerque, Carlos
Rosito, Eneida Dreher, Eliane Dupuy, Heloiza Paz
Vielmo, Luciana Burgos, Maria José Mesquita,
Sayonara Pereira, Simone Rorato e o diretor artístico e coreógrafo Valério Césio, todos integrantes
da Companhia de Dança que recém acabara. Os
objetivos e as motivações da nova Companhia eram
similares às daquela que acabava de findar, como
podemos perceber na fala de Valério pela entrevista
realizada por Campuoco aos integrantes do grupo
em 1981:
De nossa parte, a fundação do Grupo
Terra busca a criação de um grupo artístico e pedagógico de primeiro nível, para o
desenvolvimento e difusão de trabalho da
maior seriedade e vitalidade, oferecendo
obras coreográficas ligadas às problemáticas
de nossa época, ao mesmo tempo em que
oferecemos também formação de dança o
mais completa possível.
Além disto, o grupo também visava não ter barreiras estilísticas de nenhuma espécie e elegeu como
personalidade a força e a ductibilidade, motivo pelo
qual deram ao grupo “o curto e eloqüente nome
de nosso planeta: ‘Terra’” (DREHER; QUEIROZ;
STECKERT, 2004).
O grupo passou por um demorado período de
estruturação, incluindo o Cadastramento Nacional
como Pessoa Jurídica (CNPJ) e a legalização de
contrato de trabalho com o coreógrafo argentino,
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
279
e durante este tempo trabalharam na escola de
Eneida, a Simon-Dreher Dance, que mais tarde
seria fechada para que a bailarina pudesse dedicarse integralmente à companhia. O Grupo procurou
logo uma estruturação como entidade particular,
pois este era um dos pontos fracos das tentativas anteriores de formação de uma companhia de dança
no Estado. Para isso foram criados departamentos
jurídico, administrativo, de arquivos, de correspondência constante com o exterior, de representação
artística, de pesquisa técnica e teórica de dança, de
capacitação pedagógica, de cenografia e vestuário,
de arquivo musical e de difusão e relações públicas.
A direção artística estava com Valério Césio e a
administrativa com Eneida Dreher.
Além dos dez integrantes fundadores que
formavam o núcleo da Companhia, já contavam
com um grupo adjunto de dezesseis bailarinos que
participavam das montagens. Havia também um
grupo de bolsistas exclusivamente masculino, cuja
formação estava nas mãos do núcleo, levando em
conta a dificuldade de encontrar bailarinos homens na cidade, e um grupo de aperfeiçoamento
intensivo, exclusivamente feminino, cuja formação
também estava nas mãos do núcleo. Os grupos de
bolsistas e de aperfeiçoamento intensivo contavam
com dez integrantes cada um.
1981
Após o período de estruturação, dançaram pela
primeira vez em 02 de agosto de 1981, no Auditório
Araújo Viana para a Campanha do Agasalho. Neste
espetáculo foi apresentado “Bachianas n°5” de
Heitor Villa Lobos e, segundo Heloiza Paz Vielmo
(apud COSTA; STUMPF, 2004), “foi um momento
muito especial para todos nós, e para a Companhia
um ótimo início”.
280
Em 24 de outubro do mesmo ano apresentaram
uma Aula Master no Teatro Renascença, onde Valério comunicou às pessoas especializadas em Porto
Alegre os novos rumos de sua técnica com uma
palestra ilustrada. A partir do dia 14 de novembro,
levaram a dança a lugares inusitados como penitenciárias, centros sociais, hospitais psiquiátricos
entre outros lugares. Com o projeto “Dança para
todos, cultura para a comunidade”, mais de 100 mil
pessoas assistiram a apresentações do Terra, pessoas,
estas, que de outra maneira não poderiam ter acesso
a esta linguagem da dança. Além disto, dançaram
no Gigante do Beira Rio e na inauguração do Centro Cultural de Montenegro. Um dos símbolos do
grupo era uma gota vermelha com purpurina em
forma de lágrima utilizada na testa, entre o nariz e os
olhos. “Nosso protesto, nossa alegria, nossa marca
registrada. Desta forma ficamos conhecidos. Conquistamos respeito, admiração e platéia” (VIELMO
apud COSTA; STUMPF, 2004).
A estréia oficial do grupo se deu nos dias 29 e 30
de dezembro de 1981 com um espetáculo feito em
duas partes. A primeira “Building Clown” com música de Astor Piazzola e a segunda “Essas Canções”
que reuniu cerca de uma dúzia de composições de
Mercedes Sosa. A esta altura, o Grupo já tinha
trinta e duas coreografias montadas.
Quando o grupo foi criado, no segundo trimestre de 1981, havia apenas um homem entre
os bailarinos. Quando dançaram pela primeira vez
na Campanha do Agasalho em agosto do mesmo
ano, já havia quase um homem para cada bailarina.
Já na época da estréia oficial, o time masculino
estava reforçado e recebendo elogios da crítica:
“... excelente grupo masculino, [...] em sua maioria
aparentemente bem mais jovens que as moças, mas
demonstrando segurança, concentração e ótimo
domínio técnico” (HOHLFELDT, 1982).
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
O elenco sofreu algumas variações ao longo
de sua existência, porém sua principal formação
administrativa e artística era: Maestro, coreógrafo
e diretor artístico: Valério Césio; Diretora Administrativa: Eneida Dreher; Diretor de Produção:
Rosito Di Carmine; Assistente de Coreografia:
Simone Rorato; Departamento Legal: Dr. Arlindo
Dreher, Dr. Paulo Wainberg, Dra. Lúcia Brunelli;
Departamento Contábil: Bel. Cilo Hummes;
Professores estagiários: Simone Rorato, Sayonara
Pereira; Fotógrafos: Cláudio Etges, Francisco Filho, Irene Santos, Leko Vielmo e Ricardo Tisser;
Massagistas: Antonio e Dario Muto; Auxiliares de
produção: Equipe Butterflies, Arq. Regina Graciolli,
RP. Maria Tereza Brunelli, Bea Rossato e Profª Zica
Vargas; Bailarinos: Eneida Dreher, Rosito Di Carmine, Simone Rorato, Andréa Druck, Margareth
Markus, Sayonara Pereira, Heloíza Paz, Carlota
Albuquerque, Lucia Brunelli, Ana Holderbaun,
Eliane Dupuy, Fabiana Bulgarini, Zezé Mesquita,
entre outros.
As obras que compunham o repertório da
Companhia foram: Carmina Burana, música de
Carl Orff (1981); Catulli Carmina, música de Carl
Orff (1982); Os Triunfos de Afrodite, música de
Carl Orff (1982); Blue (fragmentos da obra A. F. F.
Chopin), música de John Lennon (1981); Building
Clown, música de Astor Piazzolla (1981); Estas
Canções, música de Mercedes Sosa (1981); Batalhas, Música de Astor Piazzolla (1982); Solidões I
e II, montagem sonora de música popular (1982);
Suspiros I e II, Música de Rodolfo Medeiros (1982);
Cartão Postal N°1, música de George Gershein
(1982); Vozes, música de Carlos Lyra, Tom Jobim,
Baden Powell, Toquinho, sobre poemas de Vinícius
de Moraes (1982); Building Birds, música de Astor
Piazzolla (1983); Expedientes Extraviados, música
de Astor Piazzolla (1983); e Five Inn, música de
Villa-Lobos (1983).
1982
O Grupo abriu o ano de 1982 com o show
“Para os olhos nas tardes de domingo”, projeto
temporariamente patrocinado pelas Lojas Renner
que consistiu em apresentações gratuitas durante
os três últimos domingos de janeiro ao ar livre nos
parques Moinhos de Vento, Marinha do Brasil e
Farroupilha. Trinta mil pessoas assistiram às apresentações, lotando literalmente os parques, uma
iniciativa inédita para a época, principalmente por
contar com o patrocínio de uma grande empresa.
Em maio daquele ano, puderam dançar ao lado
de Mercedes Sosa, a intérprete das músicas do espetáculo “Essas Canções”, em participação especial
na turnê da cantora quando a mesma passou por
Porto Alegre. No mesmo mês estrearam o espetáculo “As Solidões”, onde mostraram “Solidões I”, já
montada por Césio em 1978, quando ministrou um
curso em Porto Alegre e “Solidões II”, que estreou
mundialmente nesta data. Nos meses seguintes,
fizeram apresentações sem recebimento de cachê
para que a verba fosse destinada à reconstrução do
Theatro São Pedro. Pelo depoimento de Eva Sopher
(apud COSTA; STUMPF, 2004) podemos notar a
importância deste gesto:
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
281
A reconstrução do Theatro São Pedro foi
tarefa das mais complicadas. Era opinião
geral que jamais chegaríamos ao final das
obras. Por isso aqueles poucos que acreditaram em nós e nos apoiaram com suas
respectivas participações foram muito mais
importantes emocionalmente falando do
que com recursos financeiros que ocasionalmente nos foram entregues.
No mês de julho de 1982 foi o único grupo sulamericano e o primeiro brasileiro selecionado para participar do Festival Internacional de Dança de Colônia
na Alemanha Ocidental, antes mesmo de a companhia
completar um ano de existência. O público vibrou com
a apresentação de um fragmento de “Carmina Burana”,
e os bailarinos tiveram que voltar quatro vezes ao palco
para novos aplausos. Em entrevista à Fleck (1982), os
bailarinos notaram que a principal diferença foi a de que
“nossa dança é mais quente, mais envolvente, enquanto
os europeus optam por um desempenho mais frio”. O
coreógrafo observou que não era possível pensar em
copiar modelos europeus
[...] porque a vivência e a idade da América
Latina são diferentes da Europa. Nós apenas
confirmamos com essa excursão, que estamos no rumo certo. Os europeus até nos
consideraram atrevidos no sentido da plena
criação (apud FLECK, 1982).
Esta apresentação rendeu ao grupo convites
para dançaram naquela mesma noite numa exibição
noturna, numa exibição particular na Itália e num
festival em 1983 na Alemanha.
Em agosto gravaram uma nova abertura para
o Jornal do Almoço. As gravações foram feitas no
Parque Laje de Pedras em Canela e visavam um
caleidoscópio coreográfico com base no repertório
original do grupo.
282
Com um ano de existência, o grupo fez nova
estréia em setembro de 1982. Apresentou “Vozes”,
uma homenagem à Vinícius de Morais, uma coreografia considerada de caráter singelo, e “Batalhas”,
do qual consistia em um sexteto feminino com
música de Astor Piazzolla já montado por Valério
Césio em 1976 em Buenos Aires. “Batalhas” era
considerada uma obra com características dramáticas que insere-se no gênero da dança-teatro. Obino
(1982) nos fala deste contraste entre as duas partes
da peça: “Se a outra dança foi de espírito poético,
essa foi de densidade dramática e aqui Valério Césio
mostrou o poder de contrastar, em gênero e espécie,
sua criatividade”.
Vinte e cinco dias depois da estréia de “Vozes” e “Batalhas” o grupo surpreende novamente
o nos apresenta “A Trilogia” formada por três
peças de Carl Orff, cada uma apresentada em
um final de semana de outubro: “Carmina Burana”, já apresentada anteriormente, “Catulli
Carmina” e “Os Triunfos de Afrodite”. Presser
(1982a) nos fala um pouco sobre cada parte
da obra: “Carmina Burana” exalta a juventude
com conotações eróticas; “Catulli Carmina”,
uma grande paixão com desfecho trágico; e “Os
Triunfos de Afrodite” “é uma visão cósmica do
amor que exalta como valor supremo a união dos
dois sexos”. Esta última é certamente a peça de
maior destaque, não só da trilogia, mas de todo o
repertório do grupo. Além das bailarinas dançarem com o torso nu e os seios à mostra, Eneida,
no papel de Afrodite dançou com uma jibóia de
dois metros e dez centímetros de comprimento,
chamada pelo grupo de Colette, que representava
o pecado capital. Esta obra fala do rito animal do
amor e nos mostra o homem simplesmente com
suas emoções e necessidades, posição que Césio
deixou bem marcada na opção de não usar vestes
nas bailarinas.
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
Quanto à cobra, o grupo diz não ter sido nada
fácil acostumar-se, mas, “como a participação do
réptil, segundo o coreógrafo e diretor Valério Césio,
era indispensável, a idéia foi, aos poucos, digerida
pelos doze bailarinos” (PRESSER, 1982b). Para isso
contaram com a colaboração do zoólogo Thales
de Lemos da Fundação Zoobotânica e Eneida, que
dançou com a cobra enrolada no corpo, foi aos
poucos, tocando nela, acariciando, pegando-a até
que ela escorregasse em seu corpo como uma das
colegas humanas.
Os Triunfos de Afrodite causou furor na época
e o público
[...] talvez tenha descoberto, com espanto,
que os propósitos da Cia Terra não são ser
mais uma escola de dança na cidade, mas
firmar-se na dança como forma de expressão
cênica, além dos códigos e preconceitos
burgueses (HEEMANN, 1982).
Em novembro, o grupo dançou na inauguração
do Teatro do Liceu no Rio de Janeiro, onde, além
da Trilogia também dançaram “Vozes” e “Batalhas”.
Também com estas coreografias fizeram uma turnê
pelas principais capitais brasileiras entre elas São
Paulo e Belo Horizonte.
Em dezembro de 1982 o grupo percorreu o interior gaúcho apresentando “Batalhas”, “Vozes” e
“Estas Canções”. “A turnê, aliada às apresentações
na Capital, em Centros Comunitários, [...] é de
extrema importância ao grupo ‘pois nossa intenção
é dançar sempre para mais gente’, afirma Valério”
(PRESSER, 1982c). Neste mesmo mês ainda comemoraram a 150ª apresentação do ano com um
espetáculo no Estádio Olímpico na chegada do
Papai Noel da RBS (Rede Brasil Sul) e fizeram seu
primeiro teste de seleção para novos bailarinos,
estagiários e bolsistas.
1983
No início do ano de 1983, a companhia montou
o espetáculo “Expedientes Extraviados”. Segundo
o programa das apresentações, o espetáculo “é
uma seqüência de peças, de roteiro muito simples
e linguagem extremamente elaborada”. Durante o
final de abril e todo o mês de maio, levaram este
espetáculo em pré-estréia pelo interior do Estado.
De primeiro a três de julho, estrearam oficialmente
a nova peça no Teatro Presidente, arrancando elogios do crítico Heemann (1983): “As apresentações
de Expedientes Extraviados mostraram o grupo em
boa forma” e ainda “O rendimento revelou a Terra
em seu melhor momento”.
Em 07 de julho de 1983 o grupo participou
da “II Rezegna Metropolitana de Dança Moderna e Novas Tendências” no Palácio de Rivaldi
na Itália. Lá mostraram fragmentos de “Vozes”
e “Estas Canções”. Ao final do evento, Maria
Helena Gonzalez, diretora do encontro, acabou
por convidar o grupo para fechar o evento, com
uma noite inteira reservada a eles, o que permitiu a programação de grande parte do repertório
do grupo. Césio (apud CAMPUOCO, 1983)
contou que
[...] em Roma aconteceu-nos o que jamais
conseguimos nem aqui nem no centro do
país. Maria Helena é diretora do Miskro
Dança, um conjunto bastante contemporâneo, e fomos literalmente adotados por
eles, o que nos permitiu fazer aulas, mostrar
repertório e discutir longamente sobre
dança, aprendendo inclusive algumas coisas
importantes.
Na mesma época do encontro em Roma, viajam para a Alemanha onde, na cidade de Colônia,
participaram novamente do Festival Internacional
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
283
de Danças, juntamente com outros grupos de
várias partes do mundo. Neste festival, o grupo
estreou “Five in...” com música de Villa Lobos.
Como a música ainda não havia sido editada no
Brasil, foi executada pelo pianista cubano José
Echaniz. O êxito foi tamanho que a brasileira Sandra Diecken, ex-primeira bailarina do Municipal
do Rio e na época professora na Universidade de
Colônia dedicou um espaço no programa “A Voz
da Alemanha” para comentar a apresentação do
grupo.
Porém, ao voltarem ao Brasil, deparam-se com
uma situação angustiante: a falta de sede para ensaios do grupo. Porém o grupo não se deixou abater,
como falam Césio e Rorato (apud CAMPUOCO,
1983):
Nossa viagem, principalmente, decidiu-nos
de maneira irreversível. Vamos ensaiar oito
horas por dia, dedicarmo-nos inteiramente
à dança, com ou sem apoio das chamadas
autoridades culturais da cidade e do estado.
E haveremos de chegar onde queremos,
porque trazemos uma certeza: estamos no
caminho certo.
Em julho ainda levaram à Assembléia Legislativa a montagem “Suítes em Pauta”, com suítes de
“Vozes”, “Estas Canções” e “Building Birds”, esta
última, retirada de “Expedientes Extraviados”. Em
agosto de 1983 dançaram na VII Semana das Artes
em Porto Alegre e em setembro voltaram a dançar
no Teatro do Liceu no Rio de Janeiro no Ciclo de
Dança 83. Nos dois eventos levaram a obra “Expedientes Extraviados”.
Entretanto, por falta de apoio do governo e
de patrocinadores, o grupo resolveu encerrar as
atividades, fazendo suas últimas apresentações em
1984.
284
CONCLUSÃO
Este trabalho quer informar futuras gerações sobre a dança gaúcha. Não busca estabelecer a verdade
absoluta ou esgotar tudo sobre o grupo, apenas organizar dados de forma a oferecer ao leitor um ponto de
vista. O Grupo Terra revela um pouco da realidade
da dança em Porto Alegre, sendo algumas questões
ainda bem comuns nos grupos da atualidade, como
a questão da estabilidade financeira. Valério Césio
trouxe, através do Grupo Terra, uma ideia até então inovadora em Porto Alegre, que era a questão
de ter um grupo independente, que não estivesse
vinculado a nenhuma escola de dança. Também
inovou com a proposta de dançar em vários lugares,
para aproximar-se do público. Por isso, o Terra tinha
um público cativo que via o Terra com olhos de
renovação e rebeldia. A falta de apoio, entretanto,
levou o Grupo a se extinguir. A personalidade de
Valério também é apontada como uma das causas,
uma vez que ele centralizava bastante a atenção em
si. Quando Valério Césio deixou o grupo, esse ainda
tentou manter-se, mas parece que neste momento
já havia um desgaste de toda a situação – o que não
tira o mérito da iniciativa.
De agosto de 81 a setembro de 84, o Grupo
Terra realizou 431 apresentações entre nacionais e
internacionais (média de 14 apresentações por mês)
e tinham uma carga horária de trabalho de oito por
dia. Levou a dança a lugares não convencionais,
pois esta foi uma meta abraçada pela Companhia.
Para isso, tinham um número grande de coreografias: umas mais leves, com músicas populares,
para os trabalhos apresentados na rua, e outras
mais densas e intimistas, englobando assim os mais
diversos tipos de palcos onde dançavam.
O Grupo Terra se configurou como um grupo
de grande expressão no cenário gaúcho do início
Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
dos anos de 1980. Deste grupo, muitos profissionais
ainda se encontram atuantes, dentro e fora do Brasil. Uma vertente deste grupo, com sua identidade
própria, mas com passagem de vários colaboradores
do Grupo Terra, é a Companhia Terpsí Teatro de
Dança, hoje atuante em Porto Alegre desde 1987.
Deste modo, podemos afirmar que o Grupo Terra
foi de grande importância para o cenário artístico
gaúcho, seja por ter sido uma das primeiras companhias de dança estruturadas do Estado, bem como
pela grande atuação e repercussão durante seu
período de existência.
REFERÊNCIAS
CAMPUOCO, Antônio de. Grupo Terra e
seus planos de implantação estável. correio do
Povo, Porto Alegre, 21 out 1981. Dança.
______. Grupo Terra: dois anos de sucesso.
correio do Povo, Porto Alegre, 02 ago 1983.
Dança.
COSTA, Raquel; STUMPF, Liane. Pesquisa
Histórica: Eneida Dreher. 2004. Trabalho
Acadêmico (Graduação em Dança) - Técnica
de Dança II, Curso Superior Tecnológico em
Dança, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, 2004.
DREHER, Eneida; QUEIROZ, Letícia; STECKERT, Liane. terra companhia de Dança.
2004. Trabalho Acadêmico (Graduação em
Dança) - Técnica de Dança II, Curso Superior
Tecnológico em Dança, Universidade Luterana
do Brasil, Canoas, 2004.
FLECK, Roberto Antunes. Público na Alemanha
vibrou com a companhia gaúcha de dança “Terra”.
correio do Povo, Porto Alegre, 23 jul 1982. Balé.
FREIRE, Ana Luiza Gonçalves. cecy Frank.
Porto Alegre: Movimento, 2005.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
HEEMANN, Cláudio. A excelente versão cênica de Carmina Burana. Zero Hora, Porto Alegre, 06 mai. 1981. Segundo Caderno. Crítica.
______. A celebração da dança. Zero Hora,
Porto Alegre, 02 nov 1982. Teatro/Crítica.
______. Bom rendimento cênico em Expedientes Extraviados. Zero Hora, Porto Alegre, 12
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Revista de Iniciação Científica da ULBRA - 2009/2010
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE TRABALhOS
A Revista de Iniciação Científica editada pela Universidade Luterana do Brasil publica artigos de Iniciação Científica selecionados durante o Salão de Iniciação Científica da ULBRA que ocorre anualmente
e no ano de 2009 efetivou sua 15ª edição. A Revista encontra-se indexada no LATINDEX e possui Qualis
B5 para Medicina I e Ciências Biológicas I e Qualis C para Ensino de Ciências e Matemática.
Segue abaixo as normas para publicação desses artigos:
1) O artigo de iniciação científica deve ser encaminhado à Diretoria de Pesquisa via e-mail (propesq@ulbra.
br ou [email protected]) ou em CD-ROM em Word for Windows.
2) O trabalho completo deverá ser digitado em espaço 1,5, fonte arial 12, em um número máximo de 15 laudas
A4 incluindo tabelas, quadros e figuras.
3) O artigo deverá conter os seguinte tópicos: Título (em caixa alta, negrito e alinhado à direita); Nomes dos
Autores (iniciando pelos alunos de iniciação científica); Resumo (no máximo 10 linhas); Palavras-chave (no
máximo cinco); Abstract; Key words; Introdução (com revisão bibliográfica e objetivos); Material e Métodos
(descrição da metodologia utilizada para a execução da pesquisa); Resultados e/ou Discussão; Conclusões e/ou
Considerações Finais; Agradecimentos (quando houver) e Referências (conforme indicado nos itens 7 e 8).
4) Para artigos de revisão bibliográfica, não é necessário as subdivisões citadas no item anterior, mas no artigo,
obrigatoriamente, deverá conter: Título, Nomes dos Autores, Resumo, Palavras-chave, Abstract e Key
words.
5) Os nomes dos autores deverão ser colocados por extenso, alinhados à direita, um embaixo do outro, iniciandose pelo(s) aluno(s) de iniciação científica, seguidos de índice numérico, que será repetido no rodapé, onde
deve constar:
5.1) se o autor for aluno (Ex: 1Acadêmico do curso de Medicina Veterinária/ULBRA – Bolsista PROICT/
ULBRA;
5.2) se o autor for professor participante da pesquisa (Ex: 2Professor do curso de Medicina Veterinária/
ULBRA;
5.3) se o autor for de outra instituição deverá constar a profissão e a Instituição (3Aluno de Pós-Graduação
e Anestesiologista da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre)
5.4) se o autor for professor – orientador(Ex: 3Professor – Orientador do Curso de Engenharia Ambiental/
ULBRA (inserir o e-mail do orientador para correspondência)
6) O significado das siglas e abreviações deverá estar explicito na primeira vez que aparecerem no texto.
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7) Quanto às citações bibliográficas no texto, a ordem vai depender se o(s) autor(es) está(ão) sendo citado(s)
como parte integrante da frase, nesse caso, somente o ano da publicação deve vir entre parênteses, por exemplo: Coelho (2005). Se no final da frase ou parágrafo, o(s) autor(es) será(ão) citado(s) juntamente com
o ano da publicação, somente entre parêntese, por exemplo: (COELHO, 2005) :
a) quando a citação for de um autor: Santos (2001) ou (SANTOS, 2001);
b) quando for com dois autores: Keep e Corrigan (2000) ou (KEEP; CORRIGAN, 2000);
c) quando for com três autores: Sanches, Pull e Reeve (2003) ou (SANCHES; PULL; REEVE, 2003);
d) quando for com mais de três autores: Rename et al. (1997) ou (RENAME et al., 1997).
e) quando houver, no mesmo ano, mais de um artigo de mesma autoria, acrescentar letras minúsculas, após
o ano (BACK et al., 1996a, 1996b).
f) quando, dentro de um mesmo parêntese, houver mais de uma citação, estas devem ser colocadas em ordem
cronológica de publicação (KLEIN, 1983; CARVALHO, 1994; MARTINELLO et al., 1999)
8) Segue-se a ABNT 6023 quanto à citação dos autores em caixa alta ou caixa baixa de acordo com a indicação
dos mesmos ou fazendo parte do texto ou somente referenciando-o no final do parágrafo.
9) A citação das referências no final do artigo deverá ser por ordem alfabética de autores e sequência cronológica
crescente, seguindo a ABNT 6023.
10) Os gráficos, fotos e desenhos, com enunciado na porção inferior, devem ser citados como figuras numeradas
com algarismos arábicos em ordem crescente e corrida, conforme citadas no texto. As tabelas e quadros,
com enunciados na parte superior, devem ter sequência numérica corrida indicada com algarismos arábicos
e de acordo com a sua indicação no texto.
11) O trabalho será analisado pelos consultores da Comissão Editorial da Revista.
12) Quando os referis sugerirem alterações no artigo, o(s) autor(es) deve(m), após fazer(em) as correções,
encaminhar a versão definitiva em CD-ROM, em Word for Windows.
13) Os textos apresentados são de inteira responsabilidade de seu(s) autor(es), inclusive de digitação.
14) A Diretoria de Pesquisa guardará por três meses os artigos não aceitos para publicação, ficando os mesmo à
disposição do(s) autor(s) neste período. Após os artigos serão inutilizados.
15) Cada autor receberá uma revista, gratuitamente, independente do número de artigos publicados na mesma.
Universidade Luterana do Brasil
Diretoria de Pesquisa
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