REQUALIFICAÇÃO FLUVIAL INTEGRADA AO MANEJO DE ÁGUAS
URBANAS PARA CIDADES MAIS RESILIENTES
Aline Pires Veról
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Engenharia Civil, COPPE, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Doutora em Engenharia Civil.
Orientador(es): Marcelo Gomes Miguez
Ana Lúcia Nogueira de Paiva
Britto
Rio de Janeiro
Dezembro de 2013
Veról, Aline Pires
Requalificação Fluvial Integrada ao Manejo de Águas
Urbanas para Cidades mais Resilientes / Aline Pires
Veról. – Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2013.
XXII, 345 p.: il.; 29,7 cm.
Orientadores: Marcelo Gomes Miguez
Ana Lúcia Nogueira de Paiva Britto
Tese (doutorado) – UFRJ/ COPPE/ Programa de
Engenharia Civil, 2013.
Referências Bibliográficas: p. 309-330.
1. Requalificação Fluvial. 2. Águas Urbanas. 3.
Resiliência. I. Miguez, Marcelo Gomes. et al.. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE,
Programa de Engenharia Civil. III. Título.
iii
Para mamãe Suely, Marcelo e Duda, com todo o meu amor.
iv
Agradecimentos
Agradeço, primeiramente, a Deus, pela vida, pela saúde e pela oportunidade de
aprender, sempre. A Nossa Senhora, que ouviu minhas inúmeras preces, pela calma e
tranquilidade que me proporcionou ao longo dos 3 anos de doutorado e, sobretudo, na
etapa final deste trabalho.
Aos Professores Marcelo Miguez e Ana Lúcia Britto, pela dedicação e grandiosa
orientação. Sem vocês, a realização deste trabalho não seria possível. Deixo, aqui, meus
sinceros agradecimentos e minha eterna gratidão.
Aos membros da banca avaliadora, os Professores José Paulo Azevedo, Paulo
Canedo, Nilo Nascimento, Jaime Cabral, Rosa Formiga e Luciene Pimentel. Obrigada,
sinceramente, pela disponibilidade e pelas contribuições ao meu trabalho.
À Prefeitura Municipal de Mesquita, por ter me recebido e fornecido
informações importantes para o desenvolvimento desta pesquisa.
À Baixada Fluminense, em especial aos municípios de Mesquita e,
particularmente, Nova Iguaçu, pelas lembranças de uma infância tão feliz. O bairro do
K-11, onde cresci, é um dos principais acessos para o Parque Municipal de Nova
Iguaçu, próximo à nascente do Rio Dona Eugênia. Desenvolver este caso de estudo me
deixou profundamente feliz.
Ao grupo de pesquisadores envolvido no projeto SERELAREFA, que “abriu as
portas” para o tema que estudei, me proporcionou conhecer muitos casos de estudo
interessantes, deu sugestões de grande valia para este trabalho e compartilhou
momentos agradáveis em nossas várias viagens de intercâmbio. Também agradeço ao
CIRF e à UPM, pelas portas abertas para que eu pudesse me profundar no tema.
Aos alunos que passaram pelo LHC/COPPE/UFRJ ao longo dos meus anos de
doutorado, e que contribuíram em minhas pesquisas, em especial, Bruna Battemarco,
Bruna Amaral, Léa Bianchini, Ianic Bigate, Bianca Bellas e Laurent Feu Grancer.
Ao grupo de pesquisa orientado pela Prof.ª Ana Lúcia Britto, no
PROURB/UFRJ, pela contribuição com informações do trabalho realizado com o Rio
Dona Eugênia e pelas saudáveis discussões sobre a requalificação fluvial.
Aos parceiros de longa data, Osvaldo Rezende e Matheus Martins, muito
obrigada pelas vezes em que me acompanharam nas visitas de campo, pelas ajudas com
o modelo do Dona Eugênia, pelas discussões sobre o tema, por tudo que aprendi com
vocês e, principalmente, pela amizade.
v
Ao aluno de Arquitetura e Urbanismo, Leandro Giles, pela elaboração de
algumas figuras deste trabalho.
Ao Prof. Virgílio Noronha, pelas indicações de livros pertinentes ao tema, pelo
apoio, por acreditar em mim e sempre me lembrar quem eu sou e do que sou capaz.
Ao Prof. Cesar Augusto Pompêo, que compartilhou comigo seu material
pesquisado, contribuindo para o enriquecimento da pesquisa bibliográfica.
À Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, que me recebeu de braços
abertos. Aos meus colegas professores e, principalmente, aos meus tão queridos alunos,
com quem aprendi muito, e por quem me apaixonei completamente, tendo a maior
certeza da carreira que pretendo seguir.
A todos os meus queridos amigos que, longe ou perto, estão sempre torcendo
por mim, em especial àqueles que foram meus grandes parceiros na graduação e no
mestrado e que, de certo modo, participaram da minha construção como profissional,
dividindo as angústias e também a alegria das conquistas: Ian Vieira, Renata
Mentzingen, Igor Raupp, Mariana Tavares, Cecília Couri e Vívian Amaral.
A toda a minha família, que foi a base para que eu me tornasse quem sou hoje.
Amo todos vocês!
À minha mãe, quem sempre me ensinou, sabiamente, como fazer as melhores
escolhas, não tenho palavras para agradecer a dedicação de toda uma vida para
proporcionar a educação valiosa que tive. Cada sacrifício que passamos valeu a pena
para que eu valorizasse as oportunidades e persistisse em busca de meus mais altos
sonhos. Parabéns, mãe, você também, por mais uma conquista!
Ao meu marido Marcelo, sempre tão inteligente, obrigada pela paciência, pela
parceria, pela compreensão em meus momentos de desespero, pela calma, tranquilidade,
paz e pelo amor que nos faz seguirmos adiante, tão felizes com a vida. É uma alegria
imensa caminhar ao seu lado, escalando as mais altas montanhas, sempre de mãos
dadas. Sem o seu apoio e suas palavras encorajadoras, eu não teria tido tanta força.
À minha filha, Maria Eduarda, com quem aprendo cada vez mais, perdoe-me
todos esses anos em que não pude dedicar-lhe mais tempo. Obrigada pela paciência, por
compreender tudo isso e, principalmente, por me apoiar e me encorajar a cada vez que
eu fraquejava. Seu carinho me motivou a seguir em frente e a concluir este trabalho.
À COPPE/UFRJ, que me recebeu como aluna, pela oportunidade, pela
formação, obrigada sinceramente.
Ao CNPq, pelo suporte financeiro para a realização desta pesquisa.
vi
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do grau de Doutora em Ciências (D.Sc.)
REQUALIFICAÇÃO FLUVIAL INTEGRADA AO MANEJO DE ÁGUAS
URBANAS PARA CIDADES MAIS RESILIENTES
Aline Pires Veról
Dezembro/2013
Orientadores: Marcelo Gomes Miguez
Ana Lúcia Nogueira de Paiva Britto
Programa: Engenharia Civil
O desafio de requalificar rios urbanos traz uma discussão complexa, que precisa
focar a bacia como um todo e definir os limites desta requalificação, equilibrando
ambiente natural e construído de forma aceitável e harmônica. A requalificação de rios
urbanos, porém, deve focar no conceito de requalificação da própria bacia hidrográfica.
Os conceitos de drenagem urbana sustentável e de requalificação fluvial podem ter um
papel complementar, tratando bacia e faixa fluvial com resultados potencializados para
áreas urbanas. Este trabalho apresenta uma proposta metodológica para abordagem do
problema de cheias urbanas integrada com as necessidades dos ambientes natural e
construído, lançando mão de ferramentas de modelagem matemática, que respondem
por um modelo hidrodinâmico pseudobidimensional, o MODCEL, a adaptação e
utilização de um índice de risco de cheias, o IRC, e a construção de um novo índice, o
REFLU, para avaliar a melhoria obtida para ambiente fluvial urbano. Um estudo de
caso na Baixada Fluminense, área metropolitana do Rio de Janeiro, é utilizado na
construção deste quadro conceitual, que permite definir ações de controle de cheias
urbanas, considerando as necessidades da cidade e do rio, propriamente ditas, e a
revitalização e valorização do espaço urbano.
vii
Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Doctor of Science (D.Sc.)
RIVER RESTORATION INTEGRATED WITH URBAN WATERS MANAGEMENT
FOR RESILIENT CITIES
Aline Pires Veról
December/2013
Advisors: Marcelo Gomes Miguez
Ana Lúcia Nogueira de Paiva Britto
Department: Civil Engineering
The challenge of river restoration presents a complex discussion that needs to
focus on the basin as a whole and to define the limits of this restoration, balancing
natural and built environments in an acceptable and harmonious manner. Urban rivers
restoration, however, should focus on the concept of river basin restoration. The
concepts of sustainable urban drainage and river restoration can play a complementary
role, treating the river basin and the fluvial corridor with potentiated results for urban
areas. This work presents a methodology to approach the problem of urban flooding
integrated with the needs of the natural and built environments, with the aid of
mathematical modeling tools such as the pseudobidimensional hydrodynamic model,
MODCEL, the adaptation and use of a flood risk index, FRI, and the construction of a
new index, REFLU, to evaluate the urban fluvial environment improvement. A case
study in the region of Baixada Fluminense, metropolitan area of Rio de Janeiro, is used
in the construction of this conceptual framework, which allows to define urban flooding
control actions, considering the needs of the city and the river, and the revitalisation and
enhancement of urban space.
viii
ÍNDICE
1.
2.
Introdução ............................................................................................................... 1
1.1.
Contexto ............................................................................................................. 1
1.2.
Base Teórica ....................................................................................................... 3
1.2.1.
Requalificação Fluvial................................................................................. 3
1.2.2.
Drenagem Urbana Sustentável .................................................................... 5
1.2.3.
Uso de Ferramentas Matemáticas Como Apoio à Discussão ...................... 7
1.3.
Motivação ........................................................................................................... 8
1.4.
Formulação da Hipótese de Trabalho ............................................................... 10
1.5.
Objetivos .......................................................................................................... 11
1.5.1.
Objetivo Geral ........................................................................................... 11
1.5.2.
Objetivos Específicos ................................................................................ 11
1.6.
Caso de Estudo: Rio Dona Eugênia – Mesquita (RJ)....................................... 12
1.7.
Contribuição da Pesquisa ................................................................................. 13
1.8.
Metodologia Resumida..................................................................................... 14
A Água e as Cidades ............................................................................................. 16
2.1.
Aspectos Históricos .......................................................................................... 16
2.2.
O Ciclo Hidrológico Urbano ............................................................................ 24
2.3.
Desenvolvimento de Soluções de Drenagem – Das Práticas Tradicionais à
Drenagem Urbana Sustentável ...................................................................................... 28
3.
Requalificação Fluvial .......................................................................................... 37
3.1.
Conceitos Básicos............................................................................................. 37
3.2.
Requalificação Fluvial Urbana ......................................................................... 50
3.3.
Breve Panorama da Requalificação Fluvial no Mundo .................................... 56
3.3.1.
Brasil ......................................................................................................... 56
3.3.2.
Austrália .................................................................................................... 57
3.3.3.
Espanha ..................................................................................................... 57
3.3.4.
Itália ........................................................................................................... 58
3.3.1.
Inglaterra ................................................................................................... 58
3.3.2.
Ásia............................................................................................................ 58
3.4.
Casos de Exemplo ............................................................................................ 59
3.4.1.
Casos Nacionais ........................................................................................ 60
3.4.2.
Casos Internacionais .................................................................................. 69
ix
4.
Resiliência das Cidades ......................................................................................... 83
4.1.
Integração das Soluções de Engenharia Com Aspectos Urbanísticos e Paisagísticos e
as Cidades sensíveis à Água........................................................................................... 87
4.1.1.
Reorganização das Águas de Cheia – Medidas no Lote Urbano .............. 95
4.1.2.
Reorganização das Águas de Cheia – Medidas na Paisagem Urbana ............. 101
4.1.3.
Ações de Convívio com as Águas de Cheia ............................................ 105
5.
Metodologia ........................................................................................................ 109
6.
Ferramentas Metodológicas ................................................................................ 114
6.1.
6.1.1.
Modelação Através da Representação por Células de Escoamento .............. 116
6.1.2.
O Modelo Hidrológico ............................................................................ 119
6.1.3.
O Modelo Matemático ............................................................................ 120
6.2.
7.
8.
MODCEL ....................................................................................................... 114
Índice de Risco de Cheias (IRC) .................................................................... 122
6.2.1.
Subíndice Propriedades de Inundação (PI) ............................................. 125
6.2.2.
Subíndice Consequências (C).................................................................. 127
6.3.
Escala de Resiliência ...................................................................................... 132
6.4.
Índice de Requalificação Fluvial Urbana (REFLU) ....................................... 133
6.4.1.
Subíndice Estado Geral da Bacia (EGB)................................................. 136
6.4.2.
Subíndice Conectividades (C) ................................................................. 142
6.4.3.
Subíndice Situação das Margens (SM) ................................................... 149
6.4.4.
Subíndice Mitigação de Cheia (MC) ....................................................... 152
Estudo de Caso – Rio Dona Eugênia .................................................................. 156
7.1.
Antecedentes de Projeto da Baixada Fluminense........................................... 157
7.2.
Descrição da Região ....................................................................................... 163
7.2.1.
Bacia do Rio Dona Eugênia .................................................................... 163
7.2.2.
Município de Mesquita............................................................................ 171
7.3.
Histórico de Ocupação do Município de Mesquita ........................................ 176
7.4.
Problemas Identificados ................................................................................. 180
7.4.1.
Avaliação Técnica ................................................................................... 180
7.4.2.
Percepção da População Local ................................................................ 181
7.5.
Potencialidades ............................................................................................... 186
7.6.
Plano Diretor Participativo de Mesquita ........................................................ 187
Proposição de Projetos ........................................................................................ 191
8.1.
Modelagem Hidrológica ................................................................................. 191
x
8.2.
Modelagem Hidrodinâmica ............................................................................ 200
8.2.1.
Situação Atual – CENÁRIO 0 ................................................................ 200
8.2.2.
Passado (1970) – CENÁRIO 1................................................................ 203
8.2.3.
Desenvolvimento Sustentável – CENÁRIO 2 ........................................ 209
8.2.4.
Barragem – CENÁRIO 3 ........................................................................ 210
8.2.5.
Drenagem Urbana Sustentável – CENÁRIO 4 ....................................... 213
8.2.6.
Requalificação Fluvial – CENÁRIO 5 .................................................... 222
8.2.7.
Requalificação Fluvial + Barragem – CENÁRIO 6 ................................ 241
8.2.8.
Requalificação Fluvial + Drenagem Sustentável – CENÁRIO 7 ........... 241
Resultados ........................................................................................................... 242
9.
9.1.
Avaliação das manchas de alagamento .......................................................... 242
9.1.1.
Situação Atual – CENÁRIO 0 ................................................................ 242
9.1.2.
Cenário histórico e evolução sustentável hipotética – CENÁRIOS 1 e 2 250
9.1.3.
Cenários de Projeto – CENÁRIOS 3 a 7................................................. 257
9.1.4.
Comparação de resultados ....................................................................... 272
9.2.
Aplicação do IRC ........................................................................................... 276
9.3.
Aplicação da Escala de Resiliência ................................................................ 288
9.4.
Aplicação do REFLU ..................................................................................... 292
10.
Conclusão ............................................................................................................ 296
10.1. Considerações gerais: ..................................................................................... 296
10.2. Considerações específicas: ............................................................................. 301
10.3. Contribuições.................................................................................................. 306
10.4. Recomendações .............................................................................................. 306
Referências Bibliográficas ............................................................................................ 309
ANEXO ........................................................................................................................ 331
xi
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 2.1. As águas do Rio Nilo, no antigo Egito, favoreciam a agricultura, eram
utilizadas para beber, pescar e como meio de transporte (Festival do Nilo – obra de
Fréderic Louis Norden em Voyage d'Egypte et de Nubie, 1755). .................................. 17
Figura 2.2. (a) Aqueduto em Segóvia, Espanha; (b) Aqueduto em Spoleto, Itália. ....... 17
Figura 2.3. Ruínas das termas de Caracala em Roma. ................................................... 18
Figura 2.4. Travessia de pedestres em Pompeia. ............................................................ 19
Figura 2.5. Hidrograma antes e depois da retificação da calha principal de uma bacia
esquemática. ................................................................................................................... 22
Figura 2.6. Diques ao longo dos rios podem aumentar risco de cheias a jusante. ......... 22
Figura 2.7. Esquema das alterações no balanço hídrico, decorrentes da urbanização. .. 25
Figura 2.8. Variação dos hidrogramas para uma mesma chuva, em função das
modificações ocorridas no uso do solo. .......................................................................... 26
Figura 2.9. Habitações sem condições de infraestrutura adequada ao longo do Rio Dona
Eugênia, Mesquita/RJ. .................................................................................................... 28
Figura 2.10. Princípios da “Cidade do futuro”. .............................................................. 30
Figura 2.11. Ciclo hidrológico: (a) natural; (b) urbano; (c) WSUD. .............................. 34
Figura 2.12. WSUD deve ser aplicado de forma integrada – Esquema. ........................ 36
Figura 3.1: Proposta da requalificação fluvial. ............................................................... 46
Figura 3.2. Proposta da requalificação fluvial. ............................................................... 47
Figura 3.3: Diferenças entre termos – definição da requalificação fluvial. .................... 48
Figura 3.4: Página Principal do RiverWiki. .................................................................... 59
Figura 3.5: Localização da bacia hidrográfica dos Rios Iguaçu-Sarapuí (RJ) ............... 61
Figura 3.6: Rio Botas – Vista do Parque Elizabeth em Nova Iguaçu. ............................ 63
Figura 3.7: Bacia do Rio das Velhas e áreas de intervenção do DRENURBS. ............. 64
Figura 3.8: Bacia hidrográfica do Córrego 1º de Maio: (a) Parque do Córrego 1º de
Maio, Bairro de Minaslândia; (b) Bacia de detenção e pista de caminhada. .................. 65
Figura 3.9: Bacia do Rio das Velhas e área de intervenção do Programa Manuelzão. .. 66
Figura 3.10: Localização da bacia do Tijuco Preto. ....................................................... 68
xii
Figura 3.11: Histórico da região do Rio Tijuco Preto. Imagem do trecho entre as ruas
Monteiro Lobato e Totó Leite, nos anos de 1962, 1972, 1998, 2004 e 2013. ................ 69
Figura 3.12: Rio Isar: (a) Antes das intervenções; (b) Depois das intervenções. ........... 70
Figura 3.13: (a) Rio Besòs, Barcelona; (b) Bacia Hidrográfica do Rio Besòs. .............. 71
Figura 3.14: Figura 3: Rio Besòs na década de 1990. .................................................... 72
Figura 3.15: (a) Trecho de montante, mais sinuoso, com wetlands já implantadas. (b)
Aspecto geral da foz do Rio Besòs, com vegetação ribeirinha recuperada e retorno dos
peixes ao ecossistema; (c) Área do Parque – Trecho de jusante do Rio Besòs. ............. 73
Figura 3.16: (a) Bacia do Rio Brenta; (b) Rio Brenta em 1999, antes das intervenções. 74
Figura 3.17: Etapas do projeto de requalificação do Rio Brenta. ................................... 75
Figura 3.18: Projeto de requalificação do Rio Brenta se preocupou com a recuperação
dos meandros e das espécies nativas ao longo do mesmo. ............................................. 76
Figura 3.19: Rio Cheonggyecheon antes e depois das intervenções. ............................. 77
Figura 3.20: Seção – Rio Cheonggyecheon depois das intervenções............................. 78
Figura 4.1: Gestão de águas urbanas ao longo do tempo. .............................................. 89
Figura 4.2: Comportamento da bacia natural, com processos de interceptação vegetal,
infiltração e retenções superficiais desempenhando um importante papel na geração de
escoamentos superficiais. ............................................................................................... 90
Figura 4.3: Urbanização tradicional, sem a valorização da água como elemento da
paisagem. O excesso de impermeabilização e artificialização dos cursos d’água
principais marcam a cidade, escondendo os rios e subtraindo valor do ambiente
construído, enquanto agravando a geração de escoamento. ........................................... 90
Figura 4.4: Urbanização mais sustentável, com práticas preservacionistas e valorizando
a presença da água. Melhor integração entre ambiente natural e construído. ................ 91
Figura 4.5: Conceito WSUD aplicado a uma casa. ........................................................ 91
Figura 4.6: Conceito WSUD aplicado a uma quadra/edifício. ....................................... 92
Figura 4.7: Conceito WSUD aplicado a um loteamento. ............................................... 92
Figura 4.8: Exemplo de telhado verde em Gênova, Itália. ............................................. 98
Figura 4.9: Torre Guinigis em Lucca. ............................................................................ 99
Figura 4.10: Reservatório de detenção para águas captadas do telhado: (a) telhado verde,
com desconexão da drenagem; (b) barril de chuva. ..................................................... 100
Figura 4.11: Representação do rebaixamento da parcela permeável dos lotes. ........... 101
xiii
Figura 4.12: Bacia de detenção em Viena, Áustria. ..................................................... 102
Figura 4.13: Praça Afonso Pena, na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em dia de chuva
intensa, funcionando como reservatório de detenção. .................................................. 103
Figura 4.14: Representação do projeto de uma praça, funcionando como paisagem
multifuncional, agregando reservatórios de detenção para controle de cheias dentre suas
funções. ......................................................................................................................... 104
Figura 4.15: Exemplos de medidas de construção à prova de inundação. ................... 107
Figura 6.1: Escalonamento de níveis na superfície de uma célula urbanizada............. 117
Figura 6.2: Representação esquemática de uma região dividida em células, mostrando
interfaces dos escoamentos superficiais. ...................................................................... 118
Figura 6.3: Representação de uma célula: modelo hidrológico e troca entre células. .. 119
Figura 6.4: Função de normalização. ........................................................................... 128
Figura 6.5: Curva de normalização da renda. ............................................................... 129
Figura 6.6: Influência da redução da retenção superficial em uma bacia hidrográfica. 137
Figura 6.7:Trechos do Rio Dona Eugênia mais permeável (primeira imagem) e menos
permeável (segunda imagem). ...................................................................................... 138
Figura 6.8: Problemas de saneamento na bacia do Rio Dona Eugênia – lançamento de
esgoto in natura e de lixo no curso d’água e em suas margens.................................... 140
Figura 6.9: Muros construídos pelos moradores, como forma de “proteção” contra as
cheias funcionam como diques longitudinais ao longo do Rio Dona Eugênia. ........... 144
Figura 6.10: Barragem Epaminondas Ramos, localizada no Rio Dona Eugênia – barreira
física que interrompe os escoamentos naturais. ........................................................... 146
Figura 6.11: Dois trechos distintos do Rio Dona Eugênia: o primeiro, com fundo em
concreto, impedindo a conectividade vertical; o segundo, com fundo natural, permitindo
a conectividade vertical. ............................................................................................... 147
Figura 6.12: Rio Dona Eugênia, na área do Parque Municipal de Nova Iguaçu, com
vegetação marginal. ...................................................................................................... 150
Figura 6.13: Construções às margens do Rio Dona Eugênia (Mesquita/RJ) impedem a
chegada do escoamento superficial ao rio. ................................................................... 151
Figura 6.14: Enchente no Município de Mesquita. ...................................................... 153
Figura 7.1. Hidrograma afluente e efluente a barragem de amortecimento do Rio Dona
Eugênia, resultante do processo de modelagem para uma chuva com TR de 20 anos. 160
Figura 7.2. Diretrizes para recuperação ambiental do rio............................................. 162
xiv
Figura 7.3. (a) Brasil; (b) Rio de Janeiro; (c) Bacia do Rio Dona Eugênia é sub-bacia
dos Rios Iguaçu-Sarapuí. .............................................................................................. 164
Figura 7.4. Bacia do Rio Dona Eugênia. ...................................................................... 165
Figura 7.5. Pontos ao longo do Rio Dona Eugênia. ..................................................... 165
Figura 7.6. Parque Municipal de Nova Iguaçu e Represa Epaminondas Ramos. ........ 166
Figura 7.7. Rio Dona Eugênia na altura do bairro da Coreia. ...................................... 166
Figura 7.8. Obras no Rio Dona Eugênia, na altura do bairro da Coreia. ...................... 167
Figura 7.9. Rio Dona Eugênia, atrás da Prefeitura – Av. Brasil. .................................. 168
Figura 7.10. Rio Dona Eugênia, na região da Prefeitura – Av. Brasil. ........................ 168
Figura 7.11. Prefeitura Municipal de Mesquita. ........................................................... 169
Figura 7.12. Rio Dona Eugênia confinado em galeria de concreto, por baixo da Rua
Arthur de Oliveira Vecchi (a) vista de montante (b) vista de jusante. ......................... 169
Figura 7.13. Rio Dona Eugênia, próximo à linha ferroviária – Av. Brasil................... 170
Figura 7.14. Rio Dona Eugênia, próximo à Via Light – Av. Brasil. ............................ 170
Figura 7.15. Rio Dona Eugênia, próximo à foz no Rio Sarapuí. .................................. 171
Figura 7.16. Rio Dona Eugênia, na foz com o Rio Sarapuí. ........................................ 171
Figura 7.17. Divisão da ocupação rural e urbana do município de Mesquita. ............. 172
Figura 7.18. Hidrografia e relevo do Município de Mesquita. ..................................... 173
Figura 7.19. Tipologia socioespacial do Município de Mesquita. ............................... 174
Figura 7.20. Urbanização do município de Mesquita. .................................................. 174
Figura 7.21. Pavimentação no município de Mesquita. ............................................... 175
Figura 7.22. Rede de Esgoto no Município de Mesquita. ............................................ 176
Figura 7.23. Coleta de Lixo no Município de Mesquita. .............................................. 176
Figura 7.24. Ponte sobre o Rio Dona Eugênia, antigo rio da Cachoeira. ..................... 177
Figura 7.25. Vista de Mesquita – Forte, 1932. ............................................................. 178
Figura 7.26. Imagens de Mesquita no passado. ............................................................ 179
Figura 7.27. Características da Bacia do Rio Dona Eugênia. ....................................... 181
Figura 7.28. Área de Preservação Ambiental Gericinó/Mendanha. ............................. 186
xv
Figura 8.1. Localização dos postos na bacia dos rios Iguaçu-Sarapuí. ........................ 193
Figura 8.2: Interpolação para obtenção da precipitação máxima – TR 25 anos........... 197
Figura 8.3: Chuva de projeto – TR 25 anos.................................................................. 198
Figura 8.4. Esquema de modelagem adotado para a Bacia do Rio Dona Eugênia. ...... 199
Figura 8.5: Bacia do Rio Dona Eugênia marcada sobre imagem de satélite e divisão das
células para modelagem matemática. ........................................................................... 200
Figura 8.6: Esquema topológico de modelagem da Bacia do Rio Dona Eugênia. ....... 202
Figura 8.7: Mapa municipal censitário 1970 – Nova Iguaçu (RJ)................................ 203
Figura 8.8: Mesquita em 1970 – Início da expansão urbana no centro da cidade. ....... 204
Figura 8.9. Nova Iguaçu em 1958 – detalhe: Rio Dona Eugênia cruzando Mesquita.. 204
Figura 8.10. Mesquita na década de 1970. ................................................................... 205
Figura 8.11: Divisão em Células da Bacia do Rio Dona Eugênia com urbanização em
1970 demarcada. ........................................................................................................... 206
Figura 8.12: Áreas urbanizadas em 1970 e 2010 na Bacia do Rio Dona Eugênia. ...... 207
Figura 8.13. Casas “canalizam” o rio no trecho do centro de Mesquita....................... 209
Figura 8.14. Divisão da bacia em células; região central demarcada. .......................... 209
Figura 8.15. Divisão em Células da Bacia do Rio Dona Eugênia com áreas de
intervenção demarcadas. ............................................................................................... 210
Figura 8.16. Localização da barragem proposta. .......................................................... 211
Figura 8.17. Localização da barragem proposta. .......................................................... 212
Figura 8.18. Seção longitudinal da barragem proposta. ............................................... 212
Figura 8.19. Seção transversal da barragem proposta. ................................................. 213
Figura 8.20. Células analisadas. ................................................................................... 214
Figura 8.21: Corte representativo de sistema de naturação completo. ......................... 215
Figura 8.22. Experimento realizado com plantio de alface em escolar municipal – antes
e depois da semeadura. ................................................................................................. 215
Figura 8.23. Pavimento permeável – configuração típica. ........................................... 217
Figura 8.24. Simulação da aplicação de pavimento permeável em rua de Mesquita. .. 217
xvi
Figura 8.25. (a) Vista superior do reservatório e da área de entorno, onde a água retida
poderá ser utilizada como rega de jardim; (b) reservatório de lote implantado. .......... 220
Figura 8.26. Representação dos reservatórios implantados nos lotes........................... 221
Figura 8.27. Áreas afetadas pelas propostas de Requalificação Fluvial. ...................... 223
Figura 8.28. Parque de Transição. ................................................................................ 224
Figura 8.29. Células alteradas para corresponder à implantação do corredor verde no
modelo matemático....................................................................................................... 225
Figura 8.30. Parque de Borda. ...................................................................................... 225
Figura 8.31. Espaços Livres Urbanos: (a) Campo de Futebol; (b) Praça Brasil; (c)
Complexo da Prefeitura. ............................................................................................... 226
Figura 8.32. Proposta para o Campo de Futebol. ......................................................... 227
Figura 8.33. Células alteradas para corresponder à implantação do campo de futebol
rebaixado no modelo matemático. ................................................................................ 228
Figura 8.34. Proposta para a Praça Brasil. .................................................................... 228
Figura 8.35. Esquema da Praça Brasil em patamares. .................................................. 229
Figura 8.36. Esquema da Praça Brasil em patamares. .................................................. 230
Figura 8.37. Esquema da Praça Brasil em patamares. .................................................. 231
Figura 8.38. Praça da Prefeitura. .................................................................................. 232
Figura 8.39. Rio em perfil. ........................................................................................... 232
Figura 8.40. Praça da Prefeitura. .................................................................................. 233
Figura 8.41. Trecho crítico do Rio Dona Eugênia em que casas funcionam como diques
longitudinais, canalizando o rio. ................................................................................... 233
Figura 8.42. Área marginal crítica ................................................................................ 234
Figura 8.43: Área marginal crítica (a) atualmente; (b) após a abertura do Rio e
realocação de pessoas para a mesma área. ................................................................... 235
Figura 8.44. Proposta de abertura do rio no trecho crítico. .......................................... 235
Figura 8.45: Indicação das cotas de rebaixamento da área marginal crítica para a criação
do parque linear. ........................................................................................................... 236
Figura 8.46. Área marginal crítica (a) atualmente; (b) após a abertura do Rio e
realocação de pessoas para a mesma área. ................................................................... 237
xvii
Figura 8.47: Remoção de habitações irregulares e proteção das margens do rio com
vegetação. ..................................................................................................................... 237
Figura 8.48. Parque Zona Úmida.................................................................................. 238
Figura 8.49. Indicação das cotas de rebaixamento do Parque Zona Úmida. ................ 239
Figura 8.50. Parque Zona Úmida.................................................................................. 240
Figura 8.51. Células afetadas pelas propostas de Cenário de Requalificação Fluvial.. 240
Figura 9.1. Pontos de alagamento mapeados pela equipe do PROURB/UFRJ, em
entrevistas com a população. ........................................................................................ 243
Figura 9.2. Ponto de alagamento na Rua Virtude, Mesquita. ....................................... 244
Figura 9.3. Ponto de alagamento na Av. Pres. Costa e Silva, Mesquita. ...................... 245
Figura 9.4. Pontos de controle considerados nos perfis do Rio Dona Eugênia. ........... 246
Figura 9.5. Perfil Rio Dona Eugênia, Situação Atual (TR 25 anos)............................. 247
Figura 9.6. Mancha de alagamento, Situação Atual (TR 25 anos). .............................. 247
Figura 9.7. Mancha de alagamento, Situação Atual (TR 100 anos). ............................ 248
Figura 9.8. Vazões na Linha Férrea, Situação Atual (TR 25 e 100 anos). ................... 249
Figura 9.9. Vazões na foz, Situação Atual (TR 25 e 100 anos).................................... 250
Figura 9.10. Perfil Rio Dona Eugênia, Passado (1970) (TR 25 anos). ......................... 251
Figura 9.11. Mancha de alagamento, Passado (1970) (TR 25 anos). ........................... 251
Figura 9.12. Mancha de alagamento, Passado (1970) (TR 100 anos). ......................... 252
Figura 9.13. Vazões na Linha Férrea, Passado (1970) (TR 25 e 100 anos). ................ 252
Figura 9.14. Vazões na foz, Passado (1970) (TR 25 e 100 anos). ................................ 253
Figura 9.15. Perfil Rio Dona Eugênia, Desenvolvimento Sustentável (TR 25 anos). . 254
Figura 9.16. Mancha de alagamento, Desenvolvimento Sustentável (TR 25 anos). .... 254
Figura 9.17. Mancha de alagamento, Desenvolvimento Sustentável (TR 100 anos). .. 255
Figura 9.18. Vazões na Linha Férrea, Des. Sustentável (TR 25 e 100 anos). .............. 256
Figura 9.19. Vazões na foz, Des. Sustentável (TR 25 e 100 anos)............................... 256
Figura 9.20. Perfil Rio Dona Eugênia, Barragem (TR 25 anos). ................................. 257
Figura 9.21. Mancha de alagamento, Barragem (TR 25 anos). .................................... 258
xviii
Figura 9.22. Mancha de alagamento, Barragem (TR 100 anos). .................................. 258
Figura 9.23. Vazões na Linha Férrea, Barragem (TR 25 e 100 anos). ......................... 259
Figura 9.24. Vazões na foz, Barragem (TR 25 e 100 anos). ........................................ 259
Figura 9.25. Perfil Rio Dona Eugênia, Drenagem Sustentável (TR 25 anos). ............. 261
Figura 9.26. Mancha de alagamento, Drenagem Urbana Sustentável (TR 25 anos). ... 261
Figura 9.27. Mancha de alagamento, Drenagem Sustentável (TR 100 anos). ............. 262
Figura 9.28. Vazões na Linha Férrea, Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos). ..... 262
Figura 9.29. Vazões na foz, Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos). .................... 263
Figura 9.30. Perfil Rio Dona Eugênia, Requalificação Fluvial (TR 25 anos). ............. 263
Figura 9.31. Mancha de alagamento, Requalificação Fluvial (TR 25 anos). ............... 264
Figura 9.32. Mancha de alagamento, Requalificação Fluvial (TR 100 anos). ............. 264
Figura 9.33. Vazões na Linha Férrea, Requalificação Fluvial (TR 25 e 100 anos). .... 265
Figura 9.34. Vazões na foz, Requalificação Fluvial (TR 25 e 100 anos). .................... 265
Figura 9.35. Perfil Rio Dona Eugênia, RF + Barragem (TR 25 anos). ........................ 266
Figura 9.36. Mancha de alagamento, RF + Barragem (TR 25 anos)............................ 267
Figura 9.37. Mancha de alagamento, RF + Barragem (TR 100 anos). ......................... 267
Figura 9.38. Vazões na Linha Férrea, RF + Barragem (TR 25 e 100 anos). ................ 268
Figura 9.39. Vazões na foz, RF + Barragem (TR 25 e 100 anos). ............................... 268
Figura 9.40. Perfil Rio Dona Eugênia, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 anos). .... 269
Figura 9.41. Mancha de alagamento, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 anos). ...... 270
Figura 9.42. Mancha de alagamento, RF + Drenagem Sustentável (TR 100 anos). .... 270
Figura 9.43. Vazões Linha Férrea, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos). 271
Figura 9.44. Vazões na foz, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos). ........... 271
Figura 9.45: Manchas de alagamento para Cenários avaliados (TR 25 anos) –
Consolidação dos resultados......................................................................................... 273
Figura 9.46: Manchas de alagamento para Cenários avaliados (TR 100 anos) –
Consolidação dos resultados......................................................................................... 274
xix
Figura 9.47: Manchas de alagamento para Cenários avaliados (TR 25 e 100 anos) –
Consolidação dos resultados......................................................................................... 275
Figura 9.48: Centro de Mesquita. ................................................................................. 276
Figura 9.49: Mapa de risco, Situação Atual (TR 25 anos). .......................................... 278
Figura 9.50: Mapa de risco, Barragem (TR 25 anos). .................................................. 278
Figura 9.51: Mapa de risco, Drenagem Sustentável (TR 25 anos). .............................. 279
Figura 9.52: Mapa de risco, Requalificação Fluvial (TR 25 anos)............................... 279
Figura 9.53: Mapa de risco, RF + Barragem (TR 25 anos). ......................................... 280
Figura 9.54: Mapa de risco, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 anos). ..................... 280
Figura 9.55: Mapa de risco, Situação Atual (TR 100 anos). ........................................ 281
Figura 9.56: Mapa de risco, Barragem (TR 100 anos). ................................................ 281
Figura 9.57: Mapa de risco, Drenagem Sustentável (TR 100 anos). ............................ 282
Figura 9.58: Mapa de risco, Requalificação Fluvial (TR 100 anos)............................. 282
Figura 9.59: Mapa de risco, RF + Barragem (TR 100 anos). ....................................... 283
Figura 9.60: Mapa de risco, RF + Drenagem Sustentável (TR 100 anos). ................... 283
Figura 9.61: Mapa de risco para todos os Cenários avaliados (TR 25 anos) –
Consolidação dos resultados......................................................................................... 284
Figura 9.62: Mapa de risco para todos os Cenários avaliados (TR 100 anos) –
Consolidação dos resultados......................................................................................... 285
Figura 9.63: Manchas de alagamento para Cenários avaliados, Saturação Urbanística
(TR 25 anos) – Consolidação dos resultados. .............................................................. 289
Figura 9.64: Mapa de risco para todos os Cenários avaliados, Saturação Urbanística (TR
25 anos) – Consolidação dos resultados. ...................................................................... 290
xx
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 2.1. Impactos da urbanização sobre as cheias..................................................... 27
Tabela 3.1: Definições pesquisadas no contexto da requalificação fluvial .................... 41
Tabela 3.2: Ações para atuação na Requalificação Fluvial. ........................................... 49
Tabela 3.3: Ações estruturais e não-estruturais – Projeto Iguaçu................................... 63
Tabela 3.4: Ações estruturais e não estruturais – Projeto Manuelzão. ........................... 67
Tabela 3.5: Atuações na Requalificação Fluvial (RF) .................................................... 80
Tabela 3.6: Estudos de casos de Requalificação Fluvial – Brasil .................................. 81
Tabela 3.7: Estudos de casos de Requalificação Fluvial – Internacionais ..................... 82
Tabela 4.1: Classificação das consequências de alagamentos. ....................................... 85
Tabela 6.1: Limites de normalização da lâmina de alagamento. .................................. 125
Tabela 6.2: Critério brasileiro para classificação econômica. ...................................... 129
Tabela 6.3: Resumo das modificações introduzidas no IRC. ....................................... 131
Tabela 6.4: Estrutura conceitual do FLEA. .................................................................. 134
Tabela 7.1: Respostas ao questionário (indicado número perguntas selecionadas). .... 183
Tabela 7.2: Respostas ao questionário (indicado número perguntas selecionadas). .... 184
Tabela 7.3: Respostas ao questionário (indicado número perguntas selecionadas). .... 185
Tabela 8.1: Cenários de simulação – Bacia do Rio Dona Eugênia .............................. 191
Tabela 8.2. Posto pluviométrico Bangu – Precipitações máximas. .............................. 194
Tabela 8.3. Posto pluviométrico São Bento – Precipitações máximas......................... 194
Tabela 8.4: Posto pluviográfico Nova Iguaçu – Eq. Chuvas Intensas. ......................... 195
Tabela 8.5: Posto pluviográfico Xerém – Eq. Chuvas Intensas. .................................. 195
Tabela 8.6: Peso dos postos e características físicas por sub-bacia.............................. 196
Tabela 8.7: Dados para obtenção da precipitação – TR 25 anos. ................................. 197
Tabela 8.8: Coeficiente de runoff conforme tipo e ocupação do solo. ......................... 198
Tabela 8.9: Vazão máxima para cada condição de contorno – TR 25 anos ................. 199
xxi
Tabela 8.10: Evolução da população residente em Mesquita. ...................................... 207
Tabela 8.11: Cálculo do coeficiente de escoamento para o ano de 1970. .................... 208
Tabela 8.12: Relação cota x área - reservatório de amortecimento. ............................. 212
Tabela 8.13: Informações coletadas e cálculo dos novos coeficientes de escoamento. 219
Tabela 8.14: Dados de entrada dos reservatórios de lote. ............................................ 221
Tabela 8.15: Curva cota x área x volume – Campo de Futebol.................................... 227
Tabela 8.16: Curva cota x área x volume – Praça Brasil .............................................. 231
Tabela 8.17: Curva cota x área x volume – Praça da Prefeitura ................................... 232
Tabela 8.18: Curva cota x área x volume – Reservatório na foz .................................. 239
Tabela 9.1: Vazões em pontos de controle na Bacia do Rio Dona Eugênia................. 243
Tabela 9.2: Pesos associados a cada subíndice e a cada indicador considerado. ......... 277
Tabela 9.3: Resultados do IRC para a Bacia do Rio Dona Eugênia e para o Centro de
Mesquita, considerando TR 25 e 100 anos. .................................................................. 288
Tabela 9.4: Resultados – Escala de Resiliência. ........................................................... 291
Tabela 9.5: Resultados do REFLU para a Bacia do Rio Dona Eugênia. ...................... 292
Tabela 9.6: Resultados para o REFLU considerando os Cenários avaliados. .............. 293
Tabela 9.7: Resultados para o REFLU considerando Cenários sem a barragem. ........ 294
Tabela 10.1: Resultados do IRC para a Bacia do Rio Dona Eugênia e para o Centro de
Mesquita, considerando TR 25 e 100 anos. .................................................................. 303
Tabela 10.2: Resultados do REFLU para a Bacia do Rio Dona Eugênia. .................... 304
Tabela 10.3: Resultados – Escala de Resiliência. ......................................................... 305
xxii
1. Introdução
1.1. Contexto
As atividades humanas tendem a introduzir alterações no padrão de uso e
ocupação do solo, que, por sua vez, acabam por colocar em movimento uma série de
processos que modificam a qualidade do ambiente, tanto natural quanto construído. Ao
longo da história da humanidade, essas alterações de qualidade têm-se mostrado, na
maioria das vezes, com um viés negativo, resultando em um vetor de degradação do
espaço.
Este trabalho que aqui se inicia, em particular, se situa no contexto da relação
entre uso do solo e sua interação com os sistemas fluviais. De forma a definir contornos
mais precisos para esta discussão, o principal objeto de trabalho tratado foca no espaço
das cidades e nos rios urbanos, considerando seus principais problemas, com destaque
para as cheias urbanas, a degradação do rio e do próprio espaço urbano. Entretanto, não
é possível construir esta discussão em bases locais. O recorte de trabalho precisa
considerar a bacia hidrográfica, portanto, em escala global, com todas as interrelações
pertinentes. Nesse contexto, então, os espaços naturais, rurais e urbanos compartilham a
discussão e precisam se integrar na busca de soluções para um ambiente melhor.
Rios podem ser considerados como a síntese dos territórios a ele conectados
(CIRF, 2006), ou seja, as ações realizadas na bacia se refletem no corredor fluvial.
Dessa forma, pode-se dizer que rios em condições realmente naturais são minoria,
especialmente em área urbanas (HOUGH, 2004; RILEY, 1998).
Ações de desmatamento para extração de madeira ou para implantação de
agricultura, por exemplo, levam a uma maior produção de escoamentos superficiais e de
sedimentos na bacia (VIEIRA DA SILVA e WILSON JR., 2005), que acabam por
alterar o regime fluvial. Problemas de erosão/sedimentação do vale e do próprio rio,
bem como problemas de inundação, tendem a gerar a necessidade de intervenções para
a defesa do território. Na Europa, por exemplo, são muitos os casos de rios com
margens fixadas, canais retificados e planícies de inundação protegidas por diques e
desconectadas dos processos fluviais. A canalização artificializa o sistema fluvial,
transfere as cheias para jusante e promove, em geral, a incisão do leito, quando as
margens revestidas deixam de ser uma opção como fonte de sedimentos para os
1
escoamentos (VIEIRA DA SILVA e WILSON JR., 2005). São inúmeros os casos de
estudo e relatos que mostram uma espiral de ações de construção e intervenção na calha,
em um ciclo crescente que sempre demanda mais obras ao longo do tempo. No Brasil, a
canalização de rios em condições rurais é menos frequente, mas a construção de
barragens é um aspecto presente e tende a gerar, também, a jusante delas, um efeito de
incisão do leito, pela mudança na relação de transporte de sedimentos vale abaixo. Já o
desmatamento de bacias, uma ação frequentemente repetida, disponibiliza uma
quantidade significativa de sedimentos para os fundos de vale, gerando desequilíbrios.
A perda de naturalidade tende a fragilizar o sistema, aumentar riscos e prejuízos e
degradar o ambiente.
Nas cidades, por sua vez, o processo de ocupação do solo, ainda mais intenso,
tende a agravar a relação destas com a degradação dos recursos naturais. Há, porém, um
paradoxo na relação entre água e cidade. A água é um insumo fundamental à vida e
assume diversos papeis na origem das cidades. Grandes civilizações se desenvolveram
junto a rios, utilizando suas águas como fonte de abastecimento, veículo para a
condução de dejetos, irrigação para incremento da produção de alimentos, meio de
transporte, barreira natural como defesa do sítio da cidade contra invasões inimigas,
entre outros. Pode-se dizer que, na origem das cidades, os rios eram a base para a
constituição destas.
Porém, o processo de urbanização altera fortemente o ciclo hidrológico urbano e
as respostas dos sistemas fluviais no ambiente construído. A remoção da vegetação, a
consequente impermeabilização, a regularização de superfícies e a introdução de
sistemas artificiais de drenagem modificam significativamente o padrão de
escoamentos, produzindo maiores e mais rápidas respostas dos escoamentos superficiais
e menores oportunidades de infiltração, o que resulta em incremento de vazões de pico,
redução de vazões de base, redução do tempo de concentração da bacia e perda de
ecossistemas fluviais. Um resultado frequente observado nas cidades é o agravamento
do problema de cheias. Este problema das cheias urbanas se articula fortemente com as
questões de uso do solo e fatores tipicamente urbanos, como o déficit habitacional, por
exemplo, e acabam surgindo como agentes agravantes do problema, com a ocupação
irregular de faixas marginais, que deveriam ser espaço do rio. As cheias, por sua vez,
são responsáveis pela degradação do ambiente construído, interferindo sobre vários
outros sistemas urbanos. Elas geram danos a edificações e a equipamentos urbanos,
desvalorizam áreas sujeitas a alagamento, geram perdas associadas à paralisação de
2
negócios e serviços, interrompem a circulação de pedestres e de sistemas de transportes,
são potenciais veículos de difusão de doenças, afetam e são afetadas pela coleta e
disposição de esgotos e resíduos sólidos urbanos, dentre outros. Novamente aqui, como
no caso rural, e ainda de forma potencializada, o sistema se fragiliza, os riscos e os
prejuízos crescem, aumenta a degradação.
Dado este contexto, este trabalho procurará caminhar sobre duas vertentes
técnicas que, tradicionalmente, são apresentadas de forma separada: a drenagem urbana,
discutida sob o ponto de vista de ações sustentáveis para o controle de alagamentos; e a
requalificação fluvial, conceito que será discutido mais detalhadamente ao longo do
texto, como técnica efetiva de ação para controle de cheias. Destes caminhos, buscar-seá integrar um quadro conceitual, utilizando a drenagem urbana sustentável e a
requalificação fluvial como pilares de atuação em bacias urbanas, para controle de
cheias, com melhores resultados para o ambiente natural e construído, considerando a
bacia hidrográfica como unidade de referência e o controle de uso do solo urbano como
pano de fundo.
A mensuração dessas propostas será realizada através de ferramentas de
modelagem matemática e a construção de dois índices para a bacia de estudo: um que
avalia o risco de cheias em termos mais amplos (ZONENSEIN, 2007), e outro que
avalia o efeito das medidas de requalificação fluvial, em busca de uma melhora na
qualidade dos ambientes natural e construído.
1.2. Base Teórica
1.2.1. Requalificação Fluvial
A condição ambiental dos corpos d’água é um elemento chave para prover a
base necessária para o desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, preservar e
propriamente gerir corpos d’água, especialmente rios e o seu território associado, é uma
das principais linhas de pesquisa e de questões em estudo nos dias de hoje. Em muitos
casos, entretanto, preservar é apenas parte do problema: restaurar ou requalificar os
corpos d’água é uma necessidade devido a uma história de ações que degradaram esses
ecossistemas. Uma razão para avançar nessa discussão baseia-se estritamente em
conceitos ambientais, tais como a valorização da natureza e da biodiversidade. Outra
razão baseia-se na busca de uma melhor qualidade de vida, em geral, conectada à
3
recreação, com melhoria dos aspectos estéticos e naturais, por exemplo, e de dimensões
socioculturais, considerando a relação entre homem, água e herança cultural. Por fim,
mas não com menor importância, a dimensão socioeconômica aponta para outras
razões, uma vez que quando os ecossistemas estão funcionando bem, eles são aptos para
prover uma base fundamental para atividades econômicas produtivas como pesca,
ecoturismo, água de boa qualidade, com menor necessidade de tratamento, entre outras
possibilidades. Rios em bom estado, próximos do natural, tendem ainda a minimizar ou
evitar custos de manutenção.
A definição de um bom estado ecológico para um rio passa por uma série de
fatores articulados, em que se destacam a hidrologia e a avaliação do comportamento
hidráulico do canal, a morfologia, a qualidade da água e a presença de ecossistemas
fluviais saudáveis, sendo estes últimos, uma consequência dos outros itens.
Preservar e/ou restaurar rios vem sendo considerado um caminho consistente
para enfrentar o crescente risco de cheias e de desequilíbrios morfológicos (BINDER,
1998; CIRF, 2006; GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN, 2007;
RILEY, 1998; SELLES et al., 2001). A abordagem clássica que atribui aos rios
características de canais estáveis e fixos, com várias obras de defesa contra as cheias
(diques, proteção das margens, etc.), na maioria dos casos provou não ser a melhor
solução, ao longo do tempo. De fato, os prejuízos estão aumentando e enormes
quantidades de dinheiro são gastos a cada ano para reparar estes danos e para realizar
novas obras hidráulicas, numa espiral interminável de custos crescentes. A abordagem
da requalificação fluvial, por outro lado, inclui a procura por um balanço mais
compatível entre as necessidades do homem e a dinâmica da natureza, oferecendo
oportunidades efetivas e mais sustentáveis para enfrentar o problema do risco hidráulico
(CIRF, 2006).
Em áreas urbanizadas, é difícil discutir a possibilidade de requalificação fluvial
no contexto de um corredor fluvial. Este é parte do problema, mas as bacias urbanizadas
carregam a marca de alterações significativas, que modificam os padrões de
escoamento, tanto em termos de vazões líquidas como sólidas. Em áreas rurais ou mais
naturais, muitas vezes a degradação fluvial se refere à remoção de vegetação ripária,
erosão da bacia, promovida por cultivos de agricultura ou obras de canalização dos rios.
Com os cuidados apropriados, o corredor fluvial pode ser restaurado. Em áreas urbanas,
a artificialização da bacia é muito intensa e esta não conseguiria mais sustentar o
corredor fluvial, mesmo que este fosse restaurado. O ambiente construído muda as
4
respostas naturais e afeta fortemente o regime hidrológico que, por sua vez, muda as
vazões geradoras das formas do rio. Neste contexto, esta Tese propõe que a bacia
hidrográfica, considerada como o elemento básico e central de planejamento e projeto,
deve receber ações de compensação dos efeitos que a urbanização causa no ciclo
hidrológico, de forma que possam sustentar as propostas de requalificação fluvial.
Assim, o conceito de requalificação de rios urbanos precisa se expandir e migrar
para um conceito de requalificação da bacia hidrográfica, para ser mais efetivo. Isso
aponta para a necessidade de uma abordagem sistêmica onde, não somente os rios
urbanos, mas, toda a bacia hidrográfica deve ser considerada de forma integrada no
processo de requalificação das águas urbanas. Dentro dessa lógica, são enfatizados os
conceitos do Projeto Urbano Sensível à Água (ARGUE, 2004; COOMBES et al. 1999;
MELBOURNE WATER, 2005; WONG, 2006), onde a premissa está no tratamento
sustentável do ciclo hidrológico e do meio ambiente no processo de desenvolvimento
urbano e, mais importante, no processo de remodelação urbana.
A proposta de desenvolvimento de soluções de drenagem sustentável deve
integrar-se em arranjos articulados com a paisagem urbana, em uma abordagem que
estabeleça relações sistêmicas e multidisciplinares, visando integrar a engenharia, o
urbanismo e o paisagismo.
Assim, destaca-se a possibilidade da requalificação fluvial, em um sentido mais
amplo, como instrumento para auxiliar no controle de cheias e garantir ambientes mais
naturais e saudáveis, bem como soluções efetivas, econômicas, menos dependentes de
manutenção e mais sustentáveis.
1.2.2. Drenagem Urbana Sustentável
Em drenagem urbana, sustentabilidade implica que as inundações urbanas não
podem ser transferidas no espaço ou no tempo. Sistemas de drenagem urbana têm que
ser planejados de forma integrada com o crescimento urbano e as soluções de drenagem
devem ser integradas com a paisagem urbana (MIGUEZ et al., 2007a). Neste contexto,
tanto o processo de urbanização quanto o controle do uso do solo urbano devem ser
pensados de forma a minimizar os impactos sobre o ciclo hidrológico natural.
Esse conceito surgiu como alternativa às soluções de canalização, que não
conseguiam mais responder por todas as demandas de drenagem e passaram a ser
responsáveis pela transferência de problemas de cheia para jusante, mostrando a
5
necessidade de rever a concepção de drenagem urbana tradicional. A infraestrutura
existente estava sobrecarregada e o foco deveria sair da rede de canais, onde aportava a
consequência do processo de urbanização, ou seja, o aumento da geração do
escoamento. O controle na fonte, atuando nas causas das cheias e focando em medidas
de reservação e infiltração, surgiu como uma nova opção no final dos anos de 1970
(ANDOH e IWUGO, 2002). Dessa forma, o projeto de sistemas de drenagem passou a
se integrar com o desenvolvimento da cidade, buscando reduzir impactos sobre o ciclo
hidrológico, atuando nos processos de infiltração (BAHIENSE, 2013) e permitindo a
detenção em reservatórios urbanos artificiais (AUGUSTO e MIGUEZ, 2011; VERÓL,
2006), juntando as preocupações, restrições e sinergias da Engenharia e do Urbanismo,
agregando valor à própria cidade.
BATISTA et al. (2005), no Brasil, consolidou os conceitos de Técnicas
Compensatórias em projetos de drenagem urbana, com a proposta de introdução de
diferentes medidas, focando na capacidade de infiltração e armazenamento, com o
objetivo de compensar os impactos da urbanização no ciclo hidrológico.
O conceito formal de drenagem urbana sustentável, ou, do inglês, Sustainable
Urban Drainage System, que resulta na conhecida sigla SUDS (ELLIOTT e
TROWSDALE, 2007; WOODS-BALLARD et al., 2007) propõe tanto a redução dos
problemas de qualidade e quantidade, quanto à maximização das oportunidades de
revitalização do espaço urbano e incremento da biodiversidade. Essa última
preocupação já introduz a possibilidade de articulação com a questão da requalificação
fluvial.
A evolução dos conceitos de drenagem levou a outra abordagem, com bases
similares, mas com particularidades importantes para a discussão desta Tese: o conceito
do Projeto Urbano Sensível à Água, cujo termo em inglês é Water Sensitive Urban
Design, ou, simplesmente, WSUD (ARGUE, 2004; COOMBES et al. 1999;
MELBOURNE WATER, 2005; WONG, 2006), inicialmente desenvolvido na Austrália.
WONG (2006) afirma que o WSUD tenta integrar as ciências sociais e físicas em uma
proposição de gerenciamento holístico para águas urbanas, considerando conjuntamente
a oferta de água potável, os esgotos e a drenagem das águas pluviais, desde a escala do
lote até a escala da bacia, envolvendo o desenho de edificações e da própria paisagem,
alinhando medidas estruturais e não estruturais. A introdução da participação social
amplia aqui o quadro de requisitos para a solução integrada do problema e torna mais
densa a discussão sobre soluções sustentáveis para a drenagem urbana.
6
1.2.3. Uso de Ferramentas Matemáticas Como Apoio à Discussão
Ambientes urbanos podem ser responsáveis por uma gama muito variável de
possibilidades de escoamentos superficiais quando o sistema de drenagem falha
utilizando suas próprias estruturas de forma improvisada. É muito comum que grandes
áreas inundadas e estruturas urbanas passem a interagir com o sistema de drenagem,
criando uma rede de escoamentos não planejada que inclui superfícies planas e ruas, ao
mesmo tempo em que vários reservatórios indesejados são adicionados ao sistema, com
parques, praças públicas e edifícios temporariamente retendo água. Esta situação é
difícil de ser avaliada sem o apoio de um modelo matemático. Entretanto, modelos de
drenagem urbana, relativos à simulação da rede de drenagem ramificada, podem
conduzir a uma representação insuficiente da realidade física, pois os escoamentos
superficiais podem desempenhar um papel importante no processo.
Por outro lado, modelos bidimensionais estão se tornando mais populares,
devido a facilidades computacionais recentes. Entretanto, mais uma vez a representação
física pode não ser a mais adequada. É muito difícil ter uma situação de cheia urbana
que represente uma superfície de escoamento superficial realmente bidimensional. A
presença de barreiras e a diversidade do ambiente construído muitas vezes dão padrões
locais aos escoamentos, que nem sempre se conectam em diferentes partes da bacia.
Além disso, as técnicas mais recentes de controle de cheias envolvem controle de
escoamento na fonte e outras medidas distribuídas sobre a bacia, demandam o
reconhecimento de um sistema integrado que englobe até mesmo espaços abertos, não
diretamente conectados à rede coletora de águas pluviais. Esta situação também segue
na direção de se considerar a bacia como um todo, ao tratar o controle de enchentes
urbanas e as necessidades exigidas pelo processo de requalificação fluvial urbano. Esta
Tese propõe o uso
de MODCEL (MASCARENHAS
e MIGUEZ, 2002;
MASCARENHAS et al., 2005; MIGUEZ, 2001; MIGUEZ et al. 2011), que é um
modelo hidrodinâmico, quasi-bidimensional, que também realiza funções hidrológicas
simples, de forma distribuída e integra os escoamentos superficiais, a rede de drenagem
aberta e fechada e os rios da bacia modelada.
A possibilidade de estudar condições e tendências, comparar lugares, situações
ou alternativas, proporcionar antecedência ao advertir sobre algum efeito ou impacto de
uma ação e prever futuras condições e tendências (TUNSTALL, 1992 e 1994) são
alguns dos benefícios proporcionados pelo uso de índices, que traduzem, em um só
7
valor, informações relacionadas com indicadores de distintas naturezas. Nesse sentido,
o uso de índices como ferramenta de suporte à decisão é de grande valia.
Esta Tese propõe o uso de dois índices: o Índice de Risco de Cheias (IRC),
elaborado por ZONENSEIN (2007), e o Índice de Requalificação Fluvial Urbana
(REFLU), desenvolvido pela própria autora, durante as pesquisas para esta Tese.
O principal objetivo de utilização do IRC nesta Tese é para demonstrar, através
de um caso de estudo específico, que os riscos de inundações podem ser efetivamente
reduzidos quando aspectos de requalificação fluvial são considerados. Assim, o IRC é
utilizado como uma ferramenta de suporte para a comparação quantitativa das soluções
de projeto apresentadas nos diferentes cenários, em termos de redução de risco.
Destaca-se aqui que o risco inclui a avaliação também de aspectos socioeconômicos.
Já o índice de Requalificação Fluvial Urbana (REFLU) tem como objetivo medir
os efeitos das ações de requalificação fluvial em uma bacia urbana, sendo composto por
quatro subíndices: Estado Geral da Bacia, Conectividades, Situação das Margens e
Mitigação de Cheia.
1.3. Motivação
A degradação de rios no Brasil, especialmente em áreas urbanas, é um grave
problema. O planejamento urbano é um processo nem sempre presente, a pobreza ocupa
um papel de destaque e as cidades informais (conformando áreas favelizadas) são,
algumas vezes, quase tão significantes como as áreas de cidade formal (MIGUEZ et al.,
2013a; VERÓL et al., 2011). A remoção de vegetação, a ocupação de áreas ripárias, o
lançamento de esgoto e lixo diretamente nos rios são alguns dos problemas que as
grandes cidades brasileiras enfrentam, sendo este um quadro comum em países em
desenvolvimento.
Os problemas relacionados às cheias urbanas estão se tornando cada vez mais
frequentes e mais sérios. A comunidade acadêmica e parte da comunidade técnica já
propõem abordagens mais sustentáveis, tentando recuperar, tanto quanto possível, os
aspectos originais do ciclo hidrológico nos ambientes urbanos (BATISTA et al., 2005;
DUARTE, 2003; MAGALHÃES et al., 2003; MIGUEZ et al., 2007a; MIGUEZ et al.,
2012a, 2012b, 2012c; NASCIMENTO e BATISTA, 2009; PIMENTEL DA SILVA et
al., 2008). Esta situação contrasta com os projetos tradicionais, que são ainda muito
comuns na prática e focam, principalmente, em ações de canalização. Entretanto,
8
mesmo nos projetos mais sustentáveis, muitas vezes o foco usualmente recai na
preocupação com o controle de inundações, relacionado com uma possível revitalização
urbana, buscando resgatar o contato rio-cidade ao longo do caminho definido pela linha
d’água, em uma abordagem chamada, muitas vezes, de Waterfront Design
(GUSMAROLI et al., 2011). Outras vezes, há a preocupação com a qualidade da água,
que aparece relacionada com melhores condições de saneamento. Estes aspectos fazem
parte da discussão sobre requalificação de rios, mas este tema não é usualmente visto
em sua forma completa e integrada. Na verdade, nota-se que a requalificação fluvial,
como conceito, pouco aparece nestas discussões. É sobre esse ponto que a motivação
para o desenvolvimento desta pesquisa surge com maior força. A visão de
requalificação fluvial, considerando aspectos sistêmicos e um melhor resultado
ecológico, sob o ponto de vista do rio, pode ser um importante aspecto de integração
para os projetos de drenagem sustentável e de desenho das cidades.
O conceito de requalificação fluvial busca integrar o tratamento da hidrologia e
da morfologia fluvial, os riscos hidráulicos associados ao controle de cheias, a
qualidade das águas e o estado ecológico do rio em um sentido amplo, compondo uma
abordagem sistêmica. Sem dúvida, essas são tarefas muito complexas na atuação em
ambientes urbanos, devido a diversas restrições acumuladas ao longo do tempo,
resultantes de modificações extensivas na bacia. A canalização de rios, a desconexão de
planícies de inundação, a ausência de espaços livres, o lançamento descontrolado
esgotos nas redes pluviais ou diretamente nos rios, como acontece frequentemente nos
países em desenvolvimento, as pressões sociais, entre outras questões, aparecem como
dificuldades no caminho da requalificação fluvial. Uma possível decisão neste contexto
recai na definição de uma visão desejada para o rio e como integrá-la ao ambiente
construído e, a partir daí, avaliar as melhores alternativas para caminhar nessa direção,
ainda que o ponto de chegada, no exercício do possível, seja uma situação intermediária,
ao longo deste caminho.
GUSMAROLI et al. (2011) propôs a adoção de uma abordagem ecossistêmica
com o objetivo de suplementar ou substituir o conceito de Waterfront Design. Essa
possibilidade traz a oportunidade de propor o conceito de requalificação fluvial, sob o
ponto de vista de uma efetiva melhoria ambiental, olhando para a cidade como um
organismo em constante transformação e, por isso, capaz de modelar-se e adaptar-se
(ainda que apenas parcialmente) às demandas de uma recuperação mais natural dos
cursos d’água. A perspectiva de incorporar conceitos de sustentabilidade ambiental no
9
processo de repensar o crescimento da cidade abre um diversificado conjunto de
oportunidades a serem explorados como soluções integradas em um contexto
multidisciplinar.
Adicionalmente, como fator motivador, um projeto de cooperação técnica e de
pesquisa com a Comunidade Europeia, intitulado Semillas REd Latina Recuperación
Ecosistemas Fluviales y Acuáticos (Sementes de uma Rede Latino-Americana para a
Recuperação de Ecossistemas Fluviais e Aquáticos) – SERELAREFA, abriu a
oportunidade de inúmeras visitas de campo para conhecer a realidade de Itália e
Espanha, com a participação em eventos específicos (Curso na Universidade Politécnica
de Madri Management & Restoration of Fluvial Ecosystems – Madri/Espanha, 2011; 4°
Convegno Nazionale di Idraulica Urbana/Acqua e Città – Veneza/Itália, 2011; 2ª
Missão SERELAREFA –
Madri/Espanha, 2011; 2º Convegno Italiano sulla
Riqualificazione Fluviale – Bolzano/Itália, 2012; 5th European River Restoration
Conference – Viena/Áustria, 2013), a interação com pesquisadores da área e a
oportunidade de desenvolvimento de trabalhos conjuntos.
O Projeto SERELAREFA é financiado pelo programa europeu UE FP7PEOPLE IRSES 2009 e tem como objetivo melhorar a forma com que os cursos d’água
são geridos, a fim de obter benefícios tanto para meio ambiente quanto para as
atividades socioeconômicas. Este projeto estimula a adoção do conceito de
Requalificação de Rios. Missões de intercâmbio, viagens de estudo, acúmulo de
experiências, criação de estudos de casos e publicações são as principais atividades. O
projeto começou em setembro de 2010, tem duração de quatro anos e tem como
parceiros:
•
Itália – Centro Italiano per la Riqualificazione Fluviale – CIRF (coordenador)
•
Espanha – Universidad Politécnica de Madrid – UPM
•
Brasil – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
•
México – Universidad de Guadalajara – UDG
•
Chile – Dirección de Obras Hidráulicas – DOH
•
Chile – Universidad de Concepción – UDEC
1.4. Formulação da Hipótese de Trabalho
É possível integrar técnicas de engenharia, mais especificamente as técnicas
compensatórias em drenagem urbana, com o projeto urbano, em composições
10
paisagísticas que respeitem as vocações históricas e culturais de uma bacia, de forma a
produzir um desenvolvimento urbano de baixo impacto hidrológico, com participação e
aceitação das comunidades citadinas, capaz de gerar condições apropriadas para a
sustentação de medidas de requalificação de rios, associadas a um corredor fluvial, que,
por sua vez, aparece como alternativa de resgate da relação rio-cidade e solução prática
e efetiva de problemas críticos de cheias urbanas.
1.5. Objetivos
1.5.1. Objetivo Geral
O presente trabalho visa conjugar duas vertentes atuais, relacionadas a
problemas de cheias: uma relativa ao conceito de drenagem sustentável e outra relativa
ao de requalificação fluvial, ambas as tratadas e desenvolvidas, em geral,
separadamente, embora com interrelações diversas cabíveis. Dessa forma, introduz-se a
possibilidade de incorporar conceitos de requalificação fluvial como alternativa chave
em projetos sustentáveis de drenagem urbana, que, reciprocamente, por sua vez, são
elementos de suporte aos próprios objetivos da requalificação fluvial, ao permitirem
uma atuação distribuída na bacia, que reordena a hidrologia urbana, uma das bases para
o bom funcionamento dos rios. Nesse aspecto, introduz-se a necessidade do conceito de
requalificação fluvial migrar da escala de corredor fluvial para a escala da bacia.
Assim, pretende-se construir um quadro conceitual que permita definir ações de
controle de cheias urbanas, considerando as necessidades da cidade propriamente ditas e
a revitalização e valorização do espaço urbano, bem como a utilização de conceitos de
requalificação fluvial, garantindo ganhos de qualidade para o ambiente do rio.
Essa articulação denota a proposta de atuar de forma integrada e transdisciplinar
em bacias urbanas, com foco no controle de enchentes, que é o motivador principal
desta discussão, mas abordando também as questões de urbanismo, uso e ocupação do
solo, saneamento, habitação e recuperação fluvial, na construção de um projeto de
recuperação urbana que tenha o rio como elemento de partida.
1.5.2. Objetivos Específicos
Os objetivos específicos desta Tese são detalhados a seguir:
•
Elaborar um diagnóstico de cheias para a bacia em estudo.
11
•
Elaborar o mapeamento de cheias em uma data passada, anterior à intensificação
da urbanização.
•
Avaliar o efeito da urbanização no agravamento das enchentes.
•
Interagir ativamente com profissionais da Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo
na discussão de alternativas integradas para equacionamento da relação “Água e
Cidade”.
•
Propor diferentes concepções de medidas para o controle de cheias: desde a
construção de uma barragem até a adoção de técnicas de requalificação fluvial
urbana e de drenagem urbana sustentável, bem como a combinação destas
concepções.
•
Para os cenários propostos, avaliar a eficiência da solução em termos de redução
do risco de cheias e melhoria do ambiente fluvial urbano.
•
Avaliar a solução proposta em termos de resiliência.
•
Propor um conjunto de procedimentos gerais como sugestão para a abordagem
do problema em outras bacias.
1.6. Caso de Estudo: Rio Dona Eugênia – Mesquita (RJ)
O caso de estudo aqui proposto tem como objetivo apresentar e discutir a
situação do Rio Dona Eugênia, localizado na área metropolitana da cidade do Rio de
Janeiro. A bacia do Rio Dona Eugênia, com cerca de 18km², é densamente urbanizada e
sofre com inundações. Apesar de ter sua nascente no município de Nova Iguaçu, o Rio
Dona Eugênia tem seu maior trecho, e aquele que mais apresenta problemas, inserido
totalmente dentro do município de Mesquita. O fato de ser uma bacia pequena torna o
caso de estudo interessante, pois é possível propor soluções, olhando para a bacia como
um todo e tendo-a inteira como uma espécie de “piloto de testes”. Outro fator que
merece destaque para justificar a escolha pela mesma é que alguns estudos anteriores já
foram desenvolvidos na região, tanto pela COPPE/UFRJ (CARNEIRO, 2008;
COPPETEC, 2009; LABHID, 1996; MELLO, 2011) quanto pelo PROURB/UFRJ
(BRITTO et al., 2011; COSTA et al., 2011; OLIVEIRA e SILVA, 2011; ROYSE,
2009), pela equipe coordenada pela Professora Ana Lúcia Britto. A perspectiva de
agregar estas informações nesta Tese, buscando realizar um trabalho interdisciplinar é
um fator positivo.
12
O caso proposto nesta Tese abre a possibilidade de discutir alternativas para rios
melhores em cidades melhores. A proposição de abordagens mais sustentáveis,
ilustradas pela análise quantitativa apoiada em modelos matemáticos, pode ser uma
oportunidade para abrir uma porta para diferentes ações de engenharia, consideradas
conjuntamente ou em substituição às medidas tradicionais, considerando seu papel na
possibilidade de integração em um processo de requalificação fluvial.
1.7. Contribuição da Pesquisa
Esta pesquisa tem seu principal mérito no caráter integrador de conceitos e
disciplinas que têm andado separadas, mas que, segundo a hipótese de trabalho lançada,
têm potencial para o uso integrado, com resultados complementares que buscam dar
efetiva sustentabilidade ao desenho urbano da cidade e aos sistemas fluviais urbanos.
Pretende-se lançar uma proposição importante, que inverte a lógica presente em
inúmeros trabalhos que consideram o rio como parte da cidade, ou, mais precisamente,
como um de seus equipamentos urbanos e, muitas vezes, apenas como uma peça de
macrodrenagem. Na verdade, com a discussão aqui desenvolvida, propõe-se o conceito
que considera a cidade como parte do rio (DUFOUR e PIÉGAY, 2009), ou seja, o
homem faz parte da natureza e o seu habitat, que seria a cidade, deve igualmente
“pertencer” à natureza, ou seja, em termos práticos, deve estar integrada a esta. Desta
forma, a cidade, presente na bacia de um rio, deve estar articulada a esta, de forma
harmoniosa. Essa lógica, de fato, não pode ser considerada inovadora, mas a sua
explicitação não é usual e o objetivo é fazer uma reflexão sobre esta relação. Em termos
práticos, essa proposta se materializa pela adoção da bacia hidrográfica como referência
para o planejamento urbano, impondo limites a este, em lugar da simples consideração
de limites geopolíticos municipais. Assim, a cidade pertence à bacia, e não o inverso.
Outra discussão muito presente nos dias atuais, a questão da segurança contra
enchentes, pode ser vista de uma forma alternativa. É comum ver projetos de controle
de cheias em que medidas estruturais são propostas como uma correção necessária para
problemas já presentes na bacia, e medidas não estruturais, propostas como
complementares, visando dar sustentabilidade de longo prazo ao projeto. Porém, as
medidas não estruturais ainda são adotadas em menor escala, refletindo, de certa forma,
a própria criticidade do problema de cheias urbanas, cuja dimensão e urgência tornam
fundamentais as medidas estruturais. Entretanto, uma questão importante proposta neste
13
estudo considera outra possível inversão de foco: em vez de se procurar colocar todo o
território em condições seguras contra falhas do sistema de drenagem, pode-se procurar
criar condições de aumentar a resiliência do sistema, adaptando parte do desenho
urbano para um melhor convívio com as cheias e aceitando falhas do sistema sob
condições seguras (ou seja, preparando a cidade para possíveis falhas). Novamente
destaca-se a importância do planejamento urbano na racionalização do uso do solo,
reconhecendo os limites físicos impostos pela bacia hidrográfica.
Por fim, como produto principal de contribuição desta Tese, pretende-se chegar
a uma proposta de atuação que reflita esta discussão, com a definição de alguns
procedimentos metodológicos de ordem geral, para orientações de planejamento e
projeto que considerem de forma integrada: o desenvolvimento da cidade; as relações de
uso do solo; as condições da bacia hidrográfica em que a cidade se insere; o uso de
técnicas compensatórias em drenagem urbana para resgatar componentes do ciclo
hidrológico natural; a lógica da requalificação fluvial como alternativa para controle de
cheias, enquanto as próprias medidas sobre a drenagem urbana criam condições
favoráveis para manutenção do corredor fluvial associado à requalificação.
Essa proposta, como contribuição científica, então, integra ações de Engenharias
Civil e Ambiental, Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, com vistas à construção de
um quadro conceitual que permita a definição de procedimentos metodológicos no
contexto do manejo de águas pluviais, com objetivo de nortear caminhos para cidades
mais sustentáveis e resilientes e integradas a sistemas fluviais mais saudáveis, com
maior qualidade ambiental.
1.8. Metodologia Resumida
a) Revisão bibliográfica abrangendo:

Drenagem urbana sustentável

Requalificação fluvial

Resiliência
b) Proposta de integração de conceitos de requalificação fluvial e de drenagem
urbana sustentável como alternativa para tratamento de cheias em bacias
urbanas, aliando ambiente natural e construído, articulando uma construção
multidisciplinar, também com a participação de profissionais da Arquitetura e
Urbanismo e do Paisagismo.
14
c) Definição de um conjunto de medidas capazes de sustentar o passo anterior.
d) Construção de um índice que avalia o risco de cheias e outro para avaliação da
efetividade das medidas propostas.
e) Aplicação do conjunto de procedimentos ao estudo de caso proposto, localizado
em Mesquita, na Baixada Fluminense, área metropolitana do Rio de Janeiro.
f) Diagnóstico da situação atual.
g) Definição de cenário passado de referência.
h) Aplicação dos índices para o cenário da situação atual.
i) Simulação de cenários para aplicação das medidas propostas agregando aspectos
de urbanismo e de valorização do ambiente urbano nas soluções apoiadas na
requalificação.
j) Avaliação da efetividade das soluções quanto ao controle de cheias.
k) Reaplicação dos índices nos cenários de projeto simulados.
l) Avaliação da melhoria obtida em termos de qualidade do sistema fluvial.
m) Avaliação da solução proposta em termos de resiliência.
15
2. A Água e as Cidades
“A forma como nós gerimos as águas urbanas influenciam quase todos os
aspectos de nosso ambiente urbano e da qualidade de vida.” (WONG et al.,
2011).
A relação das cidades com as águas remonta à própria formação das cidades. As
cidades sempre necessitaram das águas como fator de fixação e desenvolvimento. De
forma geral, as águas são essenciais à vida e sua presença, como fonte de abastecimento
das cidades, é fundamental. A água, porém, também desempenhou papel fundamental
na fertilização de planícies, pós-cheias, garantindo a produção de excedentes agrícolas,
foi elemento de defesa contra povos inimigos, via de transporte para o comércio e
veículo condutor de águas residuais, contribuindo para a salubridade das cidades. A
relação das cidades com os rios foi sempre muito próxima. Porém, as cidades também
são um dos principais vetores de alteração da paisagem natural e este processo,
intensificado ao longo do tempo, especialmente após a Revolução Industrial, quebrou
um equilíbrio histórico e produziu um paradoxo: as águas de enchentes, com
alagamentos sobre a superfície impermeabilizada de bacias urbanas, com rios
descaracterizados e degradados, passam a assolar cidades, que, muitas vezes, voltam
suas costas para os rios (CARNEIRO e MIGUEZ, 2011).
Esse capítulo busca discutir essa relação entre água e cidade, avaliando a sua
evolução histórica, buscando compreender o processo de degradação de rios e cidades,
reciprocamente. As alterações no ciclo hidrológico urbano, a conceituação da drenagem
como elemento de saneamento das cidades, a visão higienista com suas soluções
estruturais de canalização, a compreensão da insustentabilidade da dicotomia entre água
e cidade e a necessidade de reintegrar a bacia e seus rios à paisagem e ao convívio
urbano, buscando cidades mais sensíveis à água, todos estes elementos, procuram ser
resgatados na discussão do texto a seguir.
2.1. Aspectos Históricos
A água é um fator fundamental para o crescimento das cidades e, desde a
Antiguidade, grandes civilizações floresceram junto a rios ou nas proximidades do mar.
Alguns exemplos de cidades marcantes deste período são: Babilônia (posteriormente
Bagdá, banhada pelos rios Tigres e Eufrates), Mênfis (posteriormente Cairo, banhada
16
pelo Rio Nilo - Figura 2.1), Harapa (na bacia do Rio Indu) e Roma (nascida junto ao
Rio Tibre, em meio às colinas da região do Lazio, em uma região de charco).
Figura 2.1. As águas do Rio Nilo, no antigo Egito, favoreciam a agricultura, eram
utilizadas para beber, pescar e como meio de transporte (Festival do Nilo – obra de
Fréderic Louis Norden em Voyage d'Egypte et de Nubie, 1755).
A engenharia romana possui destaque tanto no quesito edificações e
monumentos, quanto na questão básica do provimento de infraestrutura. As estradas e
os aquedutos romanos (Figura 2.2) foram pilares de seu crescimento e muitos se
encontram operacionais ainda hoje. Segundo MASCARÓ e YOSHINAGA (2005), na
época do apogeu romano, existiam mais de 50km de aquedutos e 350 km de
canalizações na cidade de Roma. O sistema de abastecimento de água era complexo,
envolvendo o uso de chafarizes, castelos d’água, canalizações, etc., que levavam a água
até os palácios, fontes públicas e residências.
Figura 2.2. (a) Aqueduto em Segóvia, Espanha; (b) Aqueduto em Spoleto, Itália.
(Fotos da autora, anos: 2011 e 2009).
17
A água esteve presente em abundância em todas as cidades do Império Romano,
muitas vezes trazida de grandes distâncias, para os mais diversos fins: cozinhar, fins
higiênicos, e até mesmo para o lazer. As termas de Caracala (Figura 2.3), em Roma, são
uma prova disto.
Figura 2.3. Ruínas das termas de Caracala em Roma.
(Fotos da autora, ano: 2009)
O interesse na mitigação das cheias urbanas e drenagem de áreas baixas foram
muito importantes para a cidade de Roma. Para atender às necessidades da drenagem
urbana, uma complexa rede de escoamentos em canais abertos e tubulações subterrâneas
foi construída. Este sistema também foi utilizado para transportar os esgotos das áreas
de moradia das pessoas (BURIAN e EDWARDS, 2002).
Outro marco da drenagem romana é visível na cidade de Pompeia, que foi
destruída após a erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C. e redescoberta, posteriormente,
em 1748, por arqueólogos. Em cada passagem de pedestres existem blocos de pedras,
separados entre si a uma distância que tornava possível a passagem das carroças locais
(Figura 2.4). Com os blocos, os pedestres tinham um caminho seguro para cruzar as
ruas, que funcionavam também como canais para escoar a água das chuvas
(CARNEIRO e MIGUEZ, 2011).
Durante a Idade Média, os centros urbanos sofreram uma grande decadência e as
pessoas tenderam a viver em comunidades esparsamente estabelecidas em áreas rurais,
próximas a rios, com menores preocupações com a drenagem urbana. Práticas de
saneamento deterioraram após o declínio do Império Romano e drenos superficiais e
ruas foram usadas indiscriminadamente como a única forma de disposição e transporte
de todos os efluentes (CHOCAT et al., 2001). Mesmo o esgoto, proveniente dos
“penicos”, era lançado nas ruas. Formavam-se pilhas grandes de resíduos e o cheiro
invadia as ruas e as casas. A sujeira era removida quando se tornava insuportável a
18
convivência, com a utilização de veículos de tração animal. As ruas, ainda não
pavimentadas, passam a ser condutores de esgotos e águas pluviais. A pavimentação se
popularizou nas cidades europeias somente a partir do século XIV.
Figura 2.4. Travessia de pedestres em Pompeia.
Fonte: CARNEIRO e MIGUEZ (2011).
Com carência de infraestrutura de saneamento, eclodiu em toda a Europa, no ano
de 1348, a peste negra, dizimando um terço da população. A recuperação foi lenta e
gradual. Ações de saneamento, após essa época, eram restritas à pavimentação das ruas.
No Renascimento, a Arquitetura começa a se preocupar com os espaços abertos,
valorizando praças e jardins. A cidade começa a recuperar importância. Com a ascensão
da burguesia, essa tendência se afirma (CARNEIRO e MIGUEZ, 2011).
No século XVIII, Paris, já completamente pavimentada, deu início a um sistema
de esgoto cloacal, incluindo a instalação de fossas sépticas nos domicílios. Em Lisboa,
na metade do século, foram instaladas tubulações cloacais, ligadas aos domicílios
(MASCARÓ e YOSHINAGA, 2005). Em suma, é possível dizer que a situação
sanitária da Europa neste período era comparável com a do Império Romano, contando
com melhores condições de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.
A partir do século XIX, as cidades de todo o mundo foram fortemente alteradas
por conta da Revolução Industrial. Com o rápido crescimento populacional, o núcleo
original das cidades não comportou a necessidade de aumento de moradias, as ruas eram
demasiado estreitas, a malha urbana cresceu de forma desordenada, carente de
infraestrutura e mais uma vez a questão do saneamento voltou a ser crítica (ibid.). A
consequência se refletiu em graves problemas de saúde pública e epidemias. A partir de
1830, começaram os primeiros surtos de cólera, o que colocava em dúvida a viabilidade
19
do desenvolvimento pelo qual as cidades estavam passando naquele momento. Novos
surtos ocorreram nos anos seguintes, 1831 e 1832, evidenciando a ligação entre falta de
higiene e as doenças, independente de classe social. Com isso, os ingleses despertaram
para a preocupação com as questões e saneamento, estabelecendo algumas regras, tais
como a obrigatoriedade de instalações sanitárias em cada residência, por exemplo.
Assim, uma série de leis surgiu, nos anos subsequentes, relacionadas à fixação de
requisitos higiênicos. Na França, surtos de cólera ocorreram em 1849 e a primeira lei
relacionada com as questões de saneamento foi lançada no ano seguinte, 1850.
A solução encontrada naquela época, para minimizar este problema, recaiu na
captação, condução e descarga rápida dos esgotos e águas pluviais e no afastamento
destes em relação à população. Surgiu, assim, o conceito higienista associado à
drenagem urbana.
Os efluentes domésticos e industriais passaram a ser canalizados e lançados nas
galerias de águas pluviais, então construídas enterradas. Surgiu o conceito de “sistema
unitário de esgotos”. Assim, todo o esgoto e a água das chuvas eram reunidos em uma
só canalização e lançados nos corpos d’água receptores. Nos dias atuais, no contexto do
sistema unitário, em dias secos, o esgoto percorre as galerias e é encaminhado às
estações de tratamento. Em dias chuvosos, é lançado, diluído pelas águas pluviais,
diretamente nos corpos d’água receptores, uma vez que as estações de tratamento não
suportariam um grande aumento do volume afluente a ser tratado.
No Brasil, os primeiros registros de saneamento são da época do período
colonial, com o surgimento das cidades brasileiras. Inicialmente, com serviços muito
precários, o saneamento se resumia na instalação de chafarizes, como fontes, e na
drenagem de algumas áreas.
A vinda da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, foi um grande
transformador da região. A população cresceu bastante, mesmo sem as condições
mínimas de higiene. O abastecimento de água era precário, dependendo do transporte de
vasos pelos escravos. De acordo com BRITTO (2008), entre 1808 e 1824 o Rio de
Janeiro passou por diversos períodos de seca, revelando que o reforço no abastecimento
obtido através da captação de novos mananciais estava longe de resolver os problemas
da cidade. O esgoto sanitário, por sua vez, também dependia do transporte dos escravos,
para serem lançados em pontos específicos, ou até mesmo no mar. Entre 1830 e 1851,
cerca de 20 epidemias causadas por doenças de veiculação hídrica ocorreram.
20
A partir do início do século XX, houve o surgimento de projetos que propunham
a retirada dos esgotos por meio de redes de tubulações subterrâneas. Estudos e projetos
do Engenheiro Saturnino de Brito contribuíram para que grandes avanços fossem
realizados nesse período, em relação ao saneamento das cidades. Surgiu, assim, no
Brasil, o ‘sistema separador absoluto’, que previa o descarte de esgoto sanitário em
tubulações distintas daquelas que carreavam as águas pluviais. O emprego desse sistema
passou a ser obrigatório nos projetos de urbanização do Brasil a partir de 1912. Assim, o
efluente da rede de esgotos é tratado antes de ser lançado nos corpos hídricos, mas a
rede de drenagem não precisa de tratamento. O Rio de Janeiro foi, assim, uma das
primeiras cidades da América Latina a possuir o sistema separador de esgotos
(BRITTO, 2008).
Foi a partir da década de 1950 que a urbanização no Brasil ganhou intensidade.
Este período foi marcado por inúmeras alterações sociais e econômicas, numa política
de modernização do país. Uma das consequências foi a grande migração de pessoas das
áreas rurais para os centros urbanos da Região Sudeste. Assim, os serviços de
infraestrutura já não eram mais suficientes e a demanda por saneamento nas cidades
cresceu.
Com vistas à melhoria das condições de salubridade das cidades e seguindo o
conceito de captação, condução e descarga rápida dos efluentes, muitos rios foram
canalizados, potencializando o extravasamento dos mesmos em pontos mais a jusante
na bacia, onde a capacidade de escoamento se torna insuficiente para suportar a vazão
máxima e os volumes gerados a montante. Com isso, as enchentes passaram a ser uma
grande ameaça para as zonas urbanas a jusante do trecho retificado. Dependendo da
conformação da calha de jusante, da resistência oferecida ao escoamento e da influência
de novas contribuições laterais, pode haver um agravamento ainda maior da situação. A
Figura 2.5 apresenta um esquema de uma bacia hidrográfica antes e depois da
retificação de um trecho de rio e os hidrograma gerados. É notório o aumento do pico da
vazão e a diminuição do tempo de concentração da bacia.
Outra obra muito difundida nesta mesma época foi a construção de diques
marginais. Com a presença dos diques, o extravasamento passa a ocorrer nas regiões de
jusante, transferindo o problema rio abaixo (Figura 2.6). Além disso, considerando um
ponto de vista sistêmico, quando diques são construídos ao longo de grandes trechos de
rios, pode haver uma elevação do nível d’água no curso d’água principal (VERÓL et
al., 2011) e todas as proteções podem se tornar sujeitas a um maior risco de falha
21
quando comparado às condições de projeto, devido às mudanças nos padrões de
escoamento. Uma série de diques construídos em sequência funciona da mesma forma
que uma obra de canalização, limitando a conectividade com as planícies de alagamento
e eliminando o efeito de laminação.
Figura 2.5. Hidrograma antes e depois da retificação da calha principal de uma bacia
esquemática.
Fonte: COSTA e TEUBER (2001)
Figura 2.6. Diques ao longo dos rios podem aumentar risco de cheias a jusante.
Fonte: BACA ARCHITECTS apud JHA et al. (2012)
A bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí, na Baixada Fluminense, região metropolitana
do Rio de Janeiro, recebeu uma série de obras hidráulicas tradicionais a partir do início
22
do século XX, como canalizações, barragens e diques marginais para a regulação de
cheias, conformando polders nas áreas ribeirinhas, o que favorecia a ocupação de zonas
mais baixas. No entanto, a aplicação de intervenções, de forma indiscriminada, sem uma
abordagem integrada, levou ao aumento do nível dos rios (SOUSA et al., 2009b).
De acordo com MIGUEZ e MAGALHÃES (2010), considerando o rápido
crescimento urbano dos dois últimos séculos, e o fato de que o perfil da população
estava mudando de rural para urbano, tornou-se difícil simplesmente olhar para os rios
urbanos e propor correções de canais, retificações e outras intervenções similares. A
canalização não conseguia mais responder por todas as demanda de drenagem e, de fato,
essa ação isolada passou a ser responsável por transferir problemas de cheia mais do que
solucioná-los, mostrando a necessidade de rever a concepção de drenagem urbana
tradicional.
O
aumento
dos
problemas
relacionados
às
cheias
mostrou
a
insustentabilidade da concepção tradicional de drenagem urbana e engenheiros da área
de drenagem tornaram-se conscientes de que a infraestrutura existente estava
ultrapassada (CARNEIRO e MIGUEZ, 2011). O foco nas consequências do processo de
urbanização, ou seja, no aumento da geração de escoamento, que se concentra nas
galerias de drenagem, precisava mudar. Começava, a partir de então, o desafio de se
encontrar uma abordagem sustentável para os sistemas de drenagem urbana.
Historicamente, os investimentos associados à água se destinavam aos setores de
recursos hídricos e de saneamento. No caso particular de saneamento, o governo
priorizava itens primordiais à sobrevivência da população, como a disponibilidade de
água tratada (como maior preocupação) e a coleta de esgotos sanitários, uma vez que
sua ausência poderia causar sérios danos à saúde pública. Como as águas pluviais eram
secundárias no setor de saneamento e, tradicionalmente não podiam ser classificadas
como recurso hídrico (dado que a água descartada não era aproveitada, não constituindo
recurso), os investimentos nesta área sempre foram poucos e insuficientes. Além disso,
a ausência de uma legislação específica que regulasse o setor de saneamento era
apontada pelas empresas prestadoras, tanto públicas quanto privadas, como um dos
entraves à ampliação de investimentos.
Dada a situação institucional e física dos serviços de saneamento básico no
Brasil e a complexidade inerente ao setor, era evidente a necessidade e urgência do
estabelecimento de um marco regulatório único para todo o país, que estabelecesse
diretrizes gerais, sem desconsiderar as múltiplas singularidades das heterogêneas
regiões brasileiras. Assim, em 05 de janeiro de 2007, entrou oficialmente em vigor a Lei
23
nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007), que estabelece diretrizes nacionais para o Saneamento
Básico no Brasil. Após longos períodos de debates, a lei veio regular um setor que,
apesar da indiscutível relevância, permanecia sem regulação específica.
Para os efeitos desta lei, considera-se saneamento básico como o conjunto de
serviços, infraestruturas e instalações operacionais de:
a) abastecimento de água potável…;
b) esgotamento sanitário…;
c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos…;
d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades,
infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de
transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento
e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas.
Desde então, a drenagem passou a ser reconhecia como importante no contexto
do saneamento básico, observando-se as interações que existem entre os sistemas.
Considerando essas relações, pode-se observar que as cheias são elementos de
degradação do ambiente construído e que a presença de lixo e esgoto no sistema de
drenagem, em função da inadequação do saneamento, de uma forma geral, é um fator de
agravamento do problema, com reflexo na saúde pública. Por outro lado, o
aproveitamento de água de chuva pode ser um fator importante para a redução da
demanda formal de abastecimento de água, elevando, portanto, a drenagem à categoria
de recurso aproveitável.
O projeto de um sistema de drenagem urbana, integrado com o desenvolvimento
da cidade, buscando reduzir os impactos no ciclo hidrológico, atuando em processos de
infiltração e permitindo a detenção em reservatórios urbanos artificiais, unindo os
interesses, as restrições e as sinergias da Engenharia Hidráulica, das disciplinas
ambientais e do Urbanismo, aparecem como uma opção fundamental para tratar as
cheias urbanas.
2.2. O Ciclo Hidrológico Urbano
Até a Revolução Industrial, durante séculos, as cidades tinham menor
importância (BENEVOLO, 2001). Com a mudança do perfil de distribuição da
população das áreas rurais para áreas urbanas, vários problemas de ocupação do solo
urbano surgiram. Mais de 50% da população mundial vive atualmente em cidades e é
24
esperado que a exposição dessas cidades às cheias cresça (WARD et al., 2013). Tendo
em vista essas considerações, crescem também as preocupações com a modificação do
ambiente natural, característica marcante da urbanização.
Uma bacia hidrográfica natural tem usualmente uma configuração equilibrada e
harmônica, com bosques protegendo o escoamento em encostas, vegetação ciliar
protegendo as margens dos rios, infiltração recarregando lençóis e garantindo a vazão
de base. A qualidade do curso d’água está intimamente relacionada com a qualidade da
sua bacia hidrográfica.
A ocupação urbana começa, normalmente, pelo desmatamento de parte da bacia,
para instalação das comunidades e de alguma atividade produtiva, como a agricultura,
por exemplo, num primeiro momento, e, depois, atividades industriais e comerciais. As
primeiras áreas a serem ocupadas são as planas próximas ao rio, por conta do fácil
acesso e da facilidade de construção de habitações. A urbanização, então, se desenvolve
a partir daí em direção às encostas (MIGUEZ e MAGALHÃES, 2010).
Quando ocorre a chuva, uma porção da precipitação total é interceptada pela
cobertura vegetal ou retida nas superfícies das depressões, outra parte infiltra e a
restante escoa superficialmente sobre o terreno, convergindo para canais e áreas baixas.
O processo de urbanização altera significativamente as parcelas do ciclo hidrológico,
geralmente acarretando na diminuição da retenção superficial e da infiltração e no
aumento dos escoamentos superficiais. Dentre essas modificações, aquela principal,
introduzida pelo processo de urbanização no ciclo hidrológico, em decorrência do
aumento de áreas impermeáveis, se refere a um aumento na produção de escoamento
superficial (runoff), como ilustrado na Figura 2.7, podendo corresponder a cerca de 6
vezes (LEOPOLD, 1968) o valor do escoamento natural.
Figura 2.7. Esquema das alterações no balanço hídrico, decorrentes da urbanização.
Fonte: BACA apud JHA et al.( 2012).
25
De forma geral, em áreas urbanas, o pico da cheia tende a ser maior e a
acontecer mais rápido, quando comparado à situação da bacia natural, uma vez que uma
maior quantidade de água fica disponível para escoar, e mais rapidamente, pela
diminuição das retenções superficiais (LINSLEY et al., 1982). A Figura 2.8 apresenta
uma relação entre a modificação do uso do solo, para uma dada bacia hidrográfica, e as
consequências, em termos dos hidrogramas correspondentes. Quanto maior a parcela de
solo impermeável, maior e mais rápido é o pico da vazão de cheia. MIGUEZ e
MAGALHÃES (2010) afirmam que, com o crescimento da ocupação, a própria calha
secundária do rio acaba recebendo obras de urbanização, com ruas e até quadras inteiras
tomando o seu espaço, o que agrava ainda mais o processo de cheias. Uma vez
eliminado o espaço que deveria ser deixado livre para acomodação das grandes
enchentes, as águas acabam procurando outros caminhos, se espalhando e atingindo
regiões antes não alagáveis naturalmente.
Rural
Tempo
Semiurbano
Tempo
Cidade
Tempo
Figura 2.8. Variação dos hidrogramas para uma mesma chuva, em função das
modificações ocorridas no uso do solo.
Fonte: BUTLER e DAVIES (2000).
26
A Tabela 2.1 resume os diferentes impactos da urbanização sobre uma bacia
hidrográfica.
Tabela 2.1. Impactos da urbanização sobre as cheias.
CAUSAS
EFEITOS
Remoção de vegetação natural
Maiores volumes de escoamento superficial e
aumento da vazão de pico; maiores velocidades
de escoamento; aumento da erosão do solo e
consequente sedimentação nos canais e galerias.
Aumento das taxas de
impermeabilização
Maiores volumes de escoamento superficial e
aumento da vazão de pico; menores detenções
em depressões e maiores velocidades de
escoamento.
Construção de uma rede de
drenagem artificial
Aumento significativo nas velocidades de
escoamento; redução do tempo de pico.
Ocupação das margens e
planícies de alagamento
População diretamente exposta a inundações
periódicas em áreas naturalmente inundadas;
aumento da extensão de áreas inundadas,
considerando que há menos espaço para
extravasamento e armazenamento nas planícies.
Lançamento de resíduos
Degradação da qualidade da água; doenças;
sólidos e esgoto na rede de
obstrução da rede de drenagem; sedimentação
drenagem
do canal.
Fonte: Adaptado de MIGUEZ e MAGALHÃES (2010)
O desenvolvimento da cidade por si só provoca alterações nos padrões de
escoamento superficial e no estado dos sistemas ecológicos, impactando, além dela
própria, todo o sistema fluvial que se encontra a jusante. Muitas vezes, este processo é
também associado à degradação ambiental. Alterações na ocupação do uso do solo,
relacionadas com a remoção de vegetação e a alta impermeabilização, faz com que
maiores volumes de escoamento superficial escoem mais rápido. A ocupação de áreas
ribeirinhas, as modificações no rio, pela retificação de seus cursos ou proteção de suas
margens, aliados com condições sanitárias inadequadas, que permite a presença de
resíduos sólidos e despejos de águas residuárias nos rios, são fatores comuns que
pioram a situação.
A abordagem tradicional para este problema foca na rede de drenagem,
arranjando canais e tubulações em um sistema artificial de escoamento, com o objetivo
de transportar rapidamente toda a água excedente para longe dos pontos de interesse.
Inicialmente, a canalização está apta para lidar com as inundações naquela área,
transferindo as águas para jusante. Conforme o tempo passa, a urbanização cresce e
27
mais áreas da bacia se tornam impermeáveis. O desenvolvimento de montante estressa o
sistema como um todo e a rede de drenagem falha. Neste momento, torna-se difícil
depender exclusivamente do aumento da capacidade de transporte dos canais para tentar
ajustar o comportamento do sistema.
Na maioria das vezes, esta situação é agravada por problemas de ordem
socioeconômica. As populações mais pobres e carentes acabam se instalando em
condições de subhabitação, em áreas de pouca ou nenhuma infraestrutura urbana,
configurando situações de risco. Em alguns trechos do Rio Dona Eugênia, em Mesquita
(RJ), existem habitações nessas condições (Figura 2.9).
Figura 2.9. Habitações sem condições de infraestrutura adequada ao longo do Rio Dona
Eugênia, Mesquita/RJ.
(Fotos da autora, ano: 2011)
Associados a esse problema, a coleta e o tratamento de esgotos nem sempre são
feitos de forma adequada, sendo estes despejos, com frequência, lançados nos corpos
d’água, sem nenhum tratamento. A questão dos resíduos sólidos e do lixo urbano
também contribui para a degradação ambiental dos sistemas hídricos.
2.3. Desenvolvimento de Soluções de Drenagem – Das
Práticas Tradicionais à Drenagem Urbana Sustentável
Comunidades urbanas bem sucedidas são sistemas complexos que estão
totalmente integrados e constantemente em evolução. A harmonia dos ambientes
construídos, sociais e naturais com a cidade é resultado de interações complexas entre a
qualidade do ambiente natural e construído, do capital social e institucional, e dos
recursos naturais que apoiam a mesma.
A forma de gestão das águas urbanas, particularmente as águas pluviais,
influencia quase qualquer aspecto do ambiente urbano e da qualidade de vida. A água é
28
um elemento essencial tanto para manter/aumentar os valores ambientais de cursos
d’água, quanto para as funções de amenidades e das conexões culturais do local.
Apesar dessas considerações, nem sempre a urbanização é acompanhada pelo
planejamento adequado e pela provisão de infraestrutura necessária para o crescimento
da cidade. Outras vezes, ainda que o processo de planejamento esteja implementado, o
crescimento não é adequadamente controlado. Por outro lado, embora a água seja um
elemento chave para a vitalidade da cidade, o problema de cheias e o risco hidráulico
associado acabam alavancando o mecanismo da degradação fluvial, porque as
abordagens tradicionais tendem a limitar a mobilidade dos rios, cortando sua conexão
com as planícies de inundação e empobrecendo os ecossistemas fluviais. Assim, existe
um paradoxo na relação entre a água e as cidades que precisa ser bem administrado. A
conexão entre a gestão sustentável de águas urbanas e a vitalidade e prosperidade dos
ambientes urbanos é um tema relativamente novo, que, segundo WONG et al. (2011),
deve incluir:

acesso seguro ao abastecimento de água de boa qualidade;

ambiente de águas limpas;

proteção contra as inundações;

estratégias de projeto urbano;

mitigação de calor urbano;

criação de paisagens produtivas; e

qualidade dos espaços públicos.
BINNEY et al. (2010) apresentou uma visão para as “Cidades do Futuro”,
compreendendo doze princípios organizados segundo 4 temas (Figura 2.10). Muitos
desses princípios se aplicariam à forma como as águas pluviais urbanas são geridas
atualmente, passando a considera-las como uma componente do ciclo hidrológico
urbano total.
O sistema de drenagem urbana deve ser considerado de uma maneira integrada,
no contexto do desenvolvimento urbano sustentável, compreendendo as relações
cruzadas entre o crescimento urbano e os problemas de cheias. Os aspectos envolvidos
variam desde a conservação ambiental, o controle de uso do solo, o desenvolvimento de
baixo impacto, até uma vida urbana mais saudável. Para atingir esses objetivos,
entretanto, é necessário construir uma estrutura que integre aspectos legais,
29
institucionais, sociais, técnicos e econômicos. Neste contexto, é importante identificar
claramente a legislação aplicada, em termos de zoneamento urbano e controle de uso do
solo, as políticas e as práticas de gestão de recursos hídricos, as oportunidades e
dificuldades do saneamento ambiental integrado, os padrões e limitações das
construções, o papel dos agentes institucionais e a participação da comunidade.
Figura 2.10. Princípios da “Cidade do futuro”.
Traduzido pela autora a partir do estudo de BINNEY et al. (2010), organizado por
WONG et al. (2011)
As áreas a serem protegidas do crescimento urbano precisam ser delimitadas,
assim como, algumas vezes, será importante recuperar áreas com ocupações já
consolidadas. Esta não é uma questão simples, devido às pressões sociais contra
possíveis procedimentos de realocação da população. Em países em desenvolvimento,
por exemplo, é comum ver “cidades informais”, compondo favelas que crescem ao
longo das margens de rios, em planícies de inundação, ou então em montanhas
aclivosas. Alterações da paisagem, assim como nas características originais dos rios,
devem ser minimizadas. Neste contexto, prevenir que áreas urbanas se tornem altamente
impermeáveis é um dos maiores objetivos da drenagem urbana sustentável. O
desenvolvimento urbano deve respeitar os aspectos naturais do ciclo hidrológico ou
fornecer medidas compensatórias pelas mudanças sofridas com a urbanização. A bacia
como um sistema complexo e integrado deve ser considerada como um todo, não só em
30
termos físicos – deve ser a unidade de planejamento e projeto. A água, no contexto
urbano, deve ser considerada de uma forma integrada e soluções sustentáveis para
sistemas de drenagem devem contar para a revitalização urbana e requalificação fluvial,
melhor qualidade de vida para a comunidade, processos participatórios e arranjos
institucionais para permitir a aceitação, suporte e continuidade dessas soluções
propostas.
Várias concepções diferentes, relativas ao projeto de um sistema de drenagem
integrado com o desenvolvimento da cidade, têm sido propostas nas últimas décadas,
principalmente na América do Norte e na Europa, a partir de 1970, com algumas
pequenas diferenças entre elas. Todas, entretanto, visam à diminuição dos efeitos da
urbanização, tentando resgatar características do ciclo hidrológico natural, enquanto
agregando valor à própria cidade.
COFFMAN et al. (1998) propôs um conceito de projeto que tem como princípio
básico captar, conduzir e, antes de descarregar, infiltrar e armazenar as águas fluviais.
O novo conceito foi denominado como Low Impact Development (LID), ou
Desenvolvimento de Baixo Impacto, em português.
O LID adota um conjunto de procedimentos que tenta compreender e reproduzir
o comportamento hidrológico anterior à urbanização. Neste contexto, o uso de
paisagens multifuncionais aparece como elemento útil na malha urbana, de modo a
permitir a recuperação das características de infiltração e detenção da bacia natural,
procurando imitar suas funções hidrológicas, envolvendo volume, vazão, recarga e
tempos de concentração. As águas passam a ser vistas como recurso em potencial e não
mais como resíduo a ser descartado. A partir dos princípios e práticas sugeridos pelo
LID, a água passa ser gerenciada de forma que reduza o impacto das áreas edificadas e
que seja promovido o seu movimento natural na bacia hidrográfica.
No Manual para Apresentação de Propostas de Drenagem Urbana Sustentável,
publicado pelo Ministério das Cidades em 2006 (BRASIL, 2006), o conceito de
desenvolvimento de baixo impacto já é mencionado como orientação à apresentação das
propostas técnicas. O conceito passa, assim, a ser fundamento dos princípios do manejo
sustentável das águas pluviais urbanas no Brasil. Para que se possam requerer recursos
da União para a realização das melhorias no sistema, o município deve apresentar um
Plano de Manejo de Águas Pluviais para o seu território, assegurando que as ações
pretendidas foram previamente planejadas dentro de um contexto mais amplo (BRASIL,
2006). Os princípios desta abordagem podem ser destacados:
31

minimizar o escoamento superficial, atuando na redução de taxas de
impermeabilização e mantendo áreas verdes;

preservar os tempos de concentração da situação de pré-desenvolvimento, pelo
aumento dos percursos de escoamento e rugosidade das superfícies;

uso de reservatórios de retenção para controle do pico de cheia e melhoria da
qualidade da água;

uso de reservatórios de detenção adicionais para prevenir enchentes, se
necessário.
As práticas adotadas atuam tanto na redução do volume do escoamento
superficial quanto na filtragem dos poluentes. Alguns exemplos são: bioretenção, valas
de infiltração, telhados verdes, pavimentos permeáveis, dentre outras.
De uma forma similar, outra tendência na evolução dos projetos de sistemas de
drenagem envolveu o uso das Best Management Practices (BMP) ou, em português,
Melhores Práticas de Gestão das Águas Pluviais. De acordo com AMEC (2001), as
BMPs compõem um conjunto de ações planejadas e/ou implementadas em uma bacia
hidrográfica com o objetivo de atenuar os impactos da urbanização, considerando não
só os aspectos relacionados à quantidade de água, mas também aqueles associados à
qualidade da água que escoa sobre a bacia. Assim, sua origem está relacionada com o
controle da poluição na área de efluentes industriais, nos Estados Unidos, mas logo sua
utilização foi associada ao gerenciamento de águas pluviais, de forma distribuída na
bacia, integrando o controle da quantidade e da qualidade de água (US EPA, 2004).
As BMPs estruturais operam capturando e detendo o escoamento superficial,
minimizando o impacto hidrológico da redução da capacidade de armazenamento
natural da bacia hidrográfica e também atuando na remoção dos constituintes poluidores
indesejáveis. Já as BMPs não estruturais são, tipicamente, sistemas de controle de fontes
poluentes, projetadas para minimizar a acumulação de poluentes e reduzir suas
concentrações iniciais no escoamento superficial de águas pluviais, sendo, geralmente,
usadas em conjunto com controles estruturais para criar um sistema de tratamento mais
eficiente.
As técnicas LID e BMP são, frequentemente, usadas em conjunto e uma pode
complementar a outra.
32
No Brasil, o conceito de Técnicas Compensatórias (BATISTA et al., 2005) tem
como objetivo compensar os impactos da urbanização no ciclo hidrológico através da
introdução de diferentes medidas, focando na capacidade de infiltração e
armazenamento. De acordo com NASCIMENTO e BATISTA (2009), essas técnicas, de
forma geral, focam em processos de armazenamento e de infiltração de águas pluviais,
embora soluções que promovem a interceptação e a evapotranspiração sejam também
adotadas. Ainda, segundo os mesmos autores, enfoques complementares podem ser
adotados, no sentido de valorizar a desconexão (ou a não conexão) de áreas
impermeáveis ao sistema de drenagem, dirigindo, sempre que possível, o escoamento
superficial para áreas verdes que tenham capacidade de infiltração adequada. Trabalhos
publicados recentemente e que abordam o tema podem ser citados como fonte de
referência de casos de estudo: CAPUTO et al. (2013), MELO et al. (2013), RICO et al.
(2013) e SOUZA et al. (2013).
Outra abordagem para as soluções de drenagem urbana está relacionada ao
conceito de Sistema de Drenagem Urbana Sustentável, cujo termo em inglês é
Sustainable Urban Drainage System, ou, simplesmente, SUDS (ELLIOT e
TROWSDALE, 2007; WOODS-BALLARD et al., 2007). Neste caso, os ideais de
desenvolvimento sustentável são incluídos no processo de concepção do sistema de
drenagem, ou seja, os impactos das soluções de drenagem não devem ser transferidos no
espaço ou no tempo. Além de contribuir para o desenvolvimento sustentável, os
sistemas de drenagem podem ser desenvolvidos para melhorar o desenho urbano,
gerenciando os riscos ambientais e melhorando o ambiente construído. O SUDS visa
tanto a redução dos problemas de qualidade e quantidade, quanto a maximização das
oportunidades de revitalização do espaço urbano e incremento da biodiversidade
(WOODS-BALLARD et al., 2007). Todos eles devem ser gerenciados coletivamente e
a solução desejada aparece na interface desses três objetivos (WOODS-BALLARD et
al., 2007). A filosofia do SUDS, similar à do LID, é também replicar, tanto quanto
possível, as condições de pré-desenvolvimento locais.
A evolução contínua de todos esses conceitos e a procura por novas soluções
para os sistemas de drenagem urbana levaram também ao conceito cujo termo em inglês
é Water Sensitive Urban Design, ou, simplesmente, WSUD, inicialmente desenvolvido
na Austrália (Projeto Urbano Sensível à Água). LANGENBACH et al. (2008) definem
WSUD como uma “cooperação interdisciplinar de gestão das águas, desenho urbano e
arquitetura paisagística, que considera todas as partes do ciclo hidrológico urbano,
33
combina a função de gestão da água e abordagens do desenho urbano e facilita as
sinergias para a sustentabilidade ecológica, econômica, social e cultural”. De acordo
com WONG (2006) “WSUD traz ‘sensibilidade à água’ dentro do desenho urbano. A
expressão ‘sensível à água’ define um novo paradigma na gestão integrada do ciclo
hidrológico urbano, que combina as várias disciplinas da engenharia e das ciências
ambientais, associadas com a provisão dos serviços de água, incluindo a proteção dos
ambientes aquáticos em áreas urbanas. Os valores da comunidade e as aspirações das
áreas urbanas necessariamente governam as decisões de projeto urbano e,
consequentemente, as práticas de gestão das águas”.
A integração dos usos das águas urbanas em diferentes escalas espaciais, com o
envolvimento de diferentes áreas do conhecimento, englobando engenharia hidráulica,
urbanismo, arquitetura, ciências sociais e ambientais e economia, tentando preservar a
natureza e agregando valor ao ambiente construído, em uma estrutura participativa em
que as comunidades desempenham um papel importante, parece ser o ponto principal
para caracterizar o conceito de WSUD. Os arranjos institucionais são elementos-chave,
com o objetivo de gerenciar este processo.
As três imagens apresentadas na Figura 2.11 ilustram como o ciclo hidrológico
funciona em área naturais e urbanizadas, bem como apresenta, na imagem da direita, os
benefícios potenciais do WSUD para obtenção de um regime hidrológico mais natural.
Figura 2.11. Ciclo hidrológico: (a) natural; (b) urbano; (c) WSUD.
Fonte: HEALTHY WATERWAYS (2013)
Os princípios básicos do WSUD, a partir de uma perspectiva de gestão e
planejamento das águas pluviais são (CSIRO, 1999):
34

Proteção dos sistemas naturais considerando o desenvolvimento urbano;

Proteção da qualidade da água água urbana;

Integração do tratamento das águas pluviais à paisagem pela incorporação de
usos múltiplos que proverão múltiplos benefícios, como o tratamento da
qualidade da água, espaço público aberto, lazer para a comunidade;

Redução de runoff e picos de vazão através do uso de medidas de
armazenamento temporário na fonte (com potencial para reuso) e minimização
das áreas impermeáveis. Dessa forma, agrega-se valor enquanto se minimizam
os custos de desenvolvimento da infraestrutura de drenagem;

Redução da demanda por água potável a partir do uso de águas pluviais como
recurso para fins não potáveis (ex. uso em descargas sanitárias, irrigação de
jardins, lavagem de carros, etc.).
Três princípios fundamentais adaptados de WONG e BROWN (2008) fixam as
bases para uma “Cidade Sensível a Água”:

Cidades como provedoras de abastecimento/fornecimento de água: acesso à
água através de uma diversidade de fontes em uma diversidade de escalas de
fornecimento;

Cidades provedoras de serviços ambientais: as funções do ambiente construído
complementam e apoiam a função do ambiente natural; e

Cidades que compreendem comunidades sensíveis a água: o capital sóciopolítico para a sustentabilidade existe e tanto o comportamento quanto o
envolvimento com a tomada de decisão, por parte dos cidadãos, são sensíveis a
água. O Projeto Urbano Sensível à Água é o processo e as cidades sensíveis à
água são o resultado.
Em uma cidade sensível à água, o escoamento de águas pluviais flui por uma
rede de corredores azuis e verdes em espaços abertos e paisagens produtivas que
também detêm a água para proteção das comunidades de jusante. Para a obtenção
efetiva desses resultados, é fundamental que a infraestrutura verde seja distribuída em
toda a área urbana. As soluções concentradas com foco na canalização têm impacto
apenas local (WONG et al., 2011).
35
O WSUD é uma oportunidade de criar lugares bonitos, bem sucedidos e
resilientes (CIRIA, 2013). É inegável que a relação entre a água e as áreas urbanas
precisa ser tratada com prioridade para fornecer soluções integradas de gestão do risco
de cheias, fornecimento e uso sustentável da água e a melhoria da qualidade da água nos
cursos d’água. Essa prioridade precisa ser aplicada de forma integrada pelas pessoas e
parceiros que planejam o ambiente construído (Figura 2.12).
Conexão com o ciclo
hidrológico
Transdisciplinaridade
Criação de boas
soluções para lugares
bons
Figura 2.12. WSUD deve ser aplicado de forma integrada – Esquema.
Fonte: CIRIA (2013)
Alguns exemplos de aplicação do WSUD em diferentes espaços urbanos, como
ruas e estacionamentos podem ser citados: sistemas de bioretenção, jardins de chuva,
pavimentos permeáveis, dentre outros. Adicionalmente a essas abordagens, ações de
requalificação de rios urbanos também surgem como uma nova possibilidade.
A canalização dos rios, a desconexão das planícies de inundação, a falta de
espaços livres, os sistemas combinados (ou até mesmo o lançamento descontrolado de
esgoto, como acontece frequentemente nos países em desenvolvimento), pressões
sociais e outras questões aparecem como dificuldades no caminho de uma
requalificação fluvial. Neste sentido, é um desafio encontrar formas de recuperar os rios
de maneira mais natural e repensar o crescimento da cidade como consequência. No
entanto, a combinação de medidas com foco na bacia, regorganizando escoamentos,
evitando lançamento de lixo e esgoto nas áreas de drenagem, valorizando a água no
meio urbano, pode criar condições de sustentação para um processo de requalificação
fluvial, que resgata o rio e as áreas ribeirinhas associadas, auxilia no controle de cheias
e completa o ciclo, integrando o rio de volta à paisagem urbana e à própria sociedade.
36
3.
Requalificação Fluvial
3.1. Conceitos Básicos
Rios em condições naturais sofrem variações de vazão, que levam à renovação
de sua morfologia típica e das áreas inundáveis. Assim, o ecossistema fluvial é
determinado por uma grande variedade de núcleos biológicos, estruturas e condições
específicas, que se interrelacionam. A variabilidade no curso d’água natural é, portanto,
normal. Nos cursos d’água urbanos, ela tenderia a ocorrer. No entanto, na “configuração
urbanizada”, muitas vezes o rio se encontra confinado e, assim, as variações naturais são
limitadas.
No passado, a retificação dos rios era muito empregada, com o objetivo de
aproveitamento de áreas para agricultura, urbanizações, construção de rodovias e
ferrovias e a minimização do efeito local das cheias. Os efeitos decorrentes desse tipo
de intervenção logo apareciam.
De acordo com VIEIRA DA SILVA e WILSON JR (2005), a retificação do leito
de um rio implica em que, para uma mesma energia potencial, o rio tenha um menor
percurso a percorrer. Assim, muitos efeitos são percebidos, com destaque para:

diminuição da frequência de extravasamento de cheias pequenas e médias;

aumento das vazões das áreas de jusante;

diminuição da biota aquática e terrestre, gerando empobrecimento do
ecossistema;

erosão das áreas de jusante;

redução do perfil com encurtamento do rio e aprofundamento do leito;

interrupção da conexão entre margens.
Com isso, o ecossistema fluvial como um todo sofre e o rio vai, aos poucos, se
degradando. Historicamente, atividades como a dragagem dos rios ou, em casos
extremos, o seu capeamento, foram utilizadas numa tentativa de solucionar parte dos
problemas dos rios em estado degradado. A dragagem, em particular, é uma solução de
engenharia convencional, que consiste na escavação do leito do rio ou de suas margens
e é usada em obras que exigem respostas de curto prazo. É uma opção cara, pois exige
equipamentos específicos, transporte do material retirado, estudo e licença para o bota37
fora e muito movimento de terra, além de ter caráter cíclico. As soluções de engenharia
mais comuns se traduzem em obras que, na maioria das vezes, buscam resolver o
problema localmente e em curto prazo, sem levar em consideração os aspectos
relacionados à sustentabilidade e os problemas que estas mesmas soluções poderão
gerar em longo prazo. Também devem ser mencionados os custos associados à
manutenção das obras.
Tendo em vista as questões mencionadas, percebeu-se a necessidade da
proposição de soluções que resgatassem a dinâmica do ecossistema fluvial, favorecendo
a contínua renovação da morfologia e dos biótipos. Nesse sentido, o foco deve recair na
capacidade natural de auto-sustentabilidade do rio. As condições mais naturais dos
ecossistemas fluviais estão fortemente associadas com um alto grau de saúde ecológica
(DUFOUR e PIÉGAY, 2009). É nesse contexto que está o conceito de requalificação
fluvial.
Já há alguns anos o conceito de recuperação de rios vem ganhando força,
principalmente em países europeus. De acordo com GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e
GARCÍA DE JALÓN (2007), pode-se dizer que os primeiros trabalhos nessa área
datam da década de 1960, com as políticas de melhora da qualidade das águas. Nas
décadas seguintes, de 1970 e 1980, houve uma melhor compreensão sobre os efeitos
negativos do desenvolvimento sobre os ecossistemas (GREGORY, 2006). Assim, o
foco recaiu em estudos sobre os efeitos das vazões e das canalizações e da importância
de recuperar o regime de vazões, a conectividade do rio com suas margens e o
intercâmbio entre as águas superficiais e subterrâneas para manter a produtividade e a
diversidade dos corredores fluviais (WARD, 1989).
Nos anos seguintes, inúmeros trabalhos que buscavam a recuperação dos rios se
iniciaram, como o de LARSEN (1994) na Alemanha e em outros países europeus, como
Reino Unido e Holanda (BOON et al., 1992).
A partir da década de 1990 se generaliza o reconhecimento da necessidade de
aproveitamento dos recursos naturais de forma sustentável e a proteção da
biodiversidade, e se estende o interesse da restauração e conservação de rios de forma
mais notável em âmbito científico e tecnológico.
Na Europa, uma Diretiva publicada no ano 2000, a Diretiva Marco da Água,
determinava que os rios europeus deveriam apresentar melhoria de suas condições
ecológicas até o ano 2015. Com isso, uma diversidade de estudos e projetos foi
desenvolvida, desde então, ganhando ainda mais força nos últimos anos.
38
Nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, o interesse pela restauração de rios
seguiu uma trajetória similar. Em 1992 o National Research Council – NRC, dos
Estados Unidos, publicou um tratado sobre restauração de ecossistemas aquáticos que
inclui numerosos exemplos práticos e é uma referência internacional sobre muitos
conceitos de restauração (NRC, 1992).
Na Austrália, têm destaque os programas de avaliação das funções ripárias e seu
estado ecológico, de integração de usos agrícolas, de técnicas de restauração e de
reabilitação, cujos princípios e muitas de suas metodologias são aplicáveis a outros
âmbitos geográficos GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN (2007).
No Brasil, o tema ainda é relativamente novo, embora já existissem publicações
na área desde o final dos anos 90. A principal referência sobre o tema de requalificação
de rios é o manual publicado e distribuído pelo governo do Estado do Rio de Janeiro,
fruto do Projeto Planágua – Semads/GTZ de Cooperação Técnica Brasil – Alemanha
(BINDER, 1998). Com o título “Rios e Córregos: Preservar – Conservar –
Renaturalizar”, este documento teve sua 1ª Edição datada de 1998 e a 4ª Edição (e
última), de 2002. Mesmo tendo sido lançado em uma época em que o assunto ainda não
estava tão em voga como nos dias atuais, o manual aborda adequadamente o tema e
mantém a sua atualidade. Posteriormente, em 2001, foi publicado um novo manual,
fruto do mesmo acordo técnico que o anterior, de título “Revitalização de Rios:
Orientação Técnica” (SELLES et al., 2001), dando continuidade aos trabalhos.
Resultado dos novos conhecimentos assimilados, este trabalho apresentava orientações
sobre procedimentos para conservação e revitalização de rios e córregos fluminenses,
indicando caminhos que, sob uma nova abordagem, possibilitassem a adoção de novas
técnicas de engenharia ambiental que contribuíssem para a preservação e o
desenvolvimento da biodiversidade e para que se obtivesse uma integração mais
saudável das atividades humanas com o rio. Ambos os documentos, escritos entre o
final da década de 1990 e início dos anos 2000, já traziam conceitos e visões que
continuam atuais nos dias de hoje.
Quando se fala de recuperação de rios, é comum que se imagine projetos de
restauração, reparação, renaturalização e tantas outras definições mais. De forma
comum a todas essas definições está o reconhecimento da degradação dos rios e que é
necessária e conveniente a melhora de seu funcionamento, tratando de recuperar um
estado mais natural, conforme tiveram em tempos passados. A recente atenção à
melhoria dos rios, com uma notável gama de abordagens e aplicações, produziu uma
39
variedade de neologismos. Somente no Brasil, foram encontrados termos como
revitalização, renaturalização, recuperação e restauração, por exemplo. Em outros
países, mais outros termos foram encontrados. Em 1998, a publicação desenvolvida no
âmbito do Projeto Planágua-SEMADS/GTZ (BINDER, 1998) apresentava o termo
“renaturalização”. A publicação posterior, da mesma coleção (SELLES et al., 2001) já
defendia o termo “revitalização”. A seguir, a publicação de COSTA e TEUBER (2001),
também da mesma série, mas que tratava especificamente a questão de cheias no estado
do Rio de Janeiro, admitia que a engenharia de recursos hídricos ainda não havia
estabelecido um termo técnico que pudesse ser adotado para caracterizar esse tipo de
intervenção, embora “revitalização” fosse a palavra mais empregada.
Atualmente, muitas vezes se vê o conceito de “revitalização” associado a
projetos de valorização urbana. É relativamente comum associar o termo “revitalização
fluvial” ao uso dos rios como elementos de referência para a revitalização urbana,
através de parques, áreas de lazer e pistas de caminhada, não englobando,
necessariamente, aumento do valor ambiental do próprio rio. Entretanto, no Brasil, o
termo “revitalização” foi utilizado como sinônimo de “renaturalização”.
Uma pesquisa realizada pela autora, e apresentada na Tabela 3.1 apresenta, para
a melhor compreensão do leitor, a variedade de termos pesquisados durante a confecção
desta Tese e suas definições correspondentes, compiladas das mais diversas referências,
desde manuais práticos até artigos científicos.
40
Restauração / Renaturalização
(Restoration)
Termo
Definição
Tabela 3.1: Definições pesquisadas no contexto da requalificação fluvial
Fonte
Tem como objetivo recuperar os rios e córregos de modo a regenerar o mais próximo possível a biota natural, através de manejo regular
ou de programas de renaturalização, preservar as áreas naturais de inundação e impedir quaisquer usos que inviabilizem tal função.
BINDER (1998)
Consiste no retorno do rio às condições originais a partir do alcance de cinco objetivos pré-definidos: o restabelecimento do nível natural
da qualidade da água; o restabelecimento da dinâmica sedimentar e do regime de fluxo natural; o restabelecimento da geometria natural do
canal e da sua estabilidade; o restabelecimento da comunidade de plantas ribeirinhas naturais e o restabelecimento das plantas e animais
aquáticos nativos (se não houver colonização/repovoamento espontâneos).
RUTHERFURD et al.
(2000)
Consiste no restabelecimento das funções aquáticas e das características físicas, químicas e biológicas próximas às existentes antes do
distúrbio; é um processo holístico que não é alcançado através da manipulação de elementos individuais. Frequentemente, a restauração
requer um ou mais dos seguintes processos: reconstrução das condições físicas, hidrológicas e morfológicas antecedentes; ajuste químico
do solo e da água; manipulação biológica, incluindo revegetação e reintrodução de espécies nativas ausentes ou daquelas que se tornaram
inviáveis pelos distúrbios ecológicos. Nesta forma de manejo, os danos ecológicos aos recursos são reparados, a estrutura e as funções do
ecossistema são recriadas, constituindo-se no ato de retornar o ecossistema a uma condição mais próxima daquela anterior ao distúrbio.
NRC (1992)
Retorno, a partir de uma condição disturbada ou totalmente alterada, para uma condição natural ou modificada por alguma ação humana
previamente existente; ou seja, a restauração refere-se ao retorno a uma condição pré-existente, não havendo a necessidade de ter completo
conhecimento de como esta condição era, nem de que o sistema retorne a um perfeito estado. Por exemplo: quando uma zona úmida
alterada e posteriormente danificada retornar à sua anterior condição de alteração, é considerada uma restauração.
LEWIS e ROY (1989)
Consiste no completo retorno do rio ao estado estrutural e funcional existente antes do distúrbio (Restauração Total).
BROOKES et al. (1996)
O retorno completo da estrutura e funcionamento do rio ao estado prévio a sua perturbação.
CAIRNS (1991)
Tem a finalidade de recuperar o funcionamento ecológico do rio e suas margens, alcançando uma estrutura mais natural.
Directiva 2000/60/CE
Promover a recuperação, estabelecendo o retorno do ecossistema a um estado que se assemelha aos sistemas adjacentes não perturbados.
GORE (1985)
O processo de reparação do dano causado pelo homem a diversidade e dinâmica dos ecossistemas primitivos.
JORDAN et al. (1987)
Pretende-se alcançar um estado do rio próximo ao natural e que entendemos como um bom estado ecológico, onde só se admitem baixos
níveis de distorção por atividades humanas, dando ênfase no resultado final que se conhece ou se define baseado em referências concretas.
Objetivos particulares: Recuperar os processos fluviais para que o rio possa reconstruir sua dinâmica e um funcionamento mais próximo
do natural ou de referencia; Fazer com que o rio aumente sua resiliência diante das perturbações naturais e antrópicas; Criar uma estrutura
sustentável e compatível com os usos do território e dos recursos fluviais; Recuperar a beleza dos rios e suas margens, assim como a
relação afetiva do homem com seu território e paisagem natural; Cumprir com os requisitos da Diretiva Marco da Agua.
GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO e GARCÍA DE
JALÓN (2007)
O processo de assistência a recuperação de um ecossistema que foi degradado ou destruído.
SER (2002)
41
Remediação
(Remediation)
Revitalização
(Revitalization)
Reabilitação
(Rehabilitation)
Termo
Definição
Fonte
Consiste em melhorar os aspectos mais importantes do ambiente do rio, tomando como referência as condições degradadas. Trata-se de
uma ação para retornar, artificialmente, as características dos elementos fundamentais do corpo hídrico original, por intervenção direta ou
acelerando-se o processo de recuperação.
RUTHERFURD et al.
(2000)
É empregado primariamente no sentido de devolver boas condições ou o funcionamento de um corpo hídrico; na sua aplicação mais
elementar, destina-se à obtenção de melhorias de natureza visual de um recurso natural.
NRC (1992)
É o retorno parcial do rio à estrutura ou função anterior ao distúrbio.
BROOKES et al. (1996)
Retorno a uma condição saudável ou a uma condição melhor. Pode ser: por método passivo - nele o distúrbio é reduzido ou removido e
opta-se por não fazer nada, ou seja, deixa-se o curso de água auto curar-se; por método ativo - se dá através da aplicação de procedimentos
específicos de reparo, sendo separados em duas categorias: modificações no canal e modificações estruturais dentro do canal, as quais
visam restaurar a diversidade do habitat físico no curso de água que tenha sido modificado ou degradado.
GORDON et al. (1992)
Implica na recuperação de um funcionamento mais natural do rio, com a tendência de conseguir que o rio reabilitado vá ficando cada vez
mais similar ao rio que era antes de sua degradação, reconhecendo nele certas limitações impostas pelas pressões existentes.
GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO e GARCÍA DE
JALÓN (2007)
Recuperação, melhoria dos atributos estruturais ou funcionais eventualmente não presentes no sistema natural.
CIRF (2006)
Consiste em melhorar a situação ecológica do rio com um conjunto de medidas envolvendo: o desenvolvimento de um curso mais natural
para o rio; a recuperação de uma morfologia mais natural; o manejo da mata ciliar; a eliminação dos impactos ao ambiente fluvial;
educação ambiental; saneamento básico; valorização e aproveitamento da paisagem fluvial.
SELLES et al. (2001)
É o tratamento nos casos em que mudanças irreparáveis no fluxo de água tornam impossível a sua reabilitação, e sendo o estado original
não mais um objetivo apropriado. Esta forma de manejo visa melhorar as condições ecológicas do fluxo de água, mas ao final esta
melhora não se assemelhará necessariamente ao estado original do rio. A aplicação desta forma de manejo reconhece que o rio mudou
tanto que a condição original não é mais relevante, mesmo assim ela visa uma condição inteiramente nova.
RUTHERFURD et al.
(2000)
Remediação significa a aplicação de um "remédio" para a melhora da situação atual (de um rio muito doente) e que se emprega com maior
frequência em casos em que se parte de um nível de degradação muito intenso, quando se reconhece que se inicia o processo de
recuperação com poucas possibilidades de ganhos em curto prazo, dando uma maior importância ao processo em si (ou seja ao fato de se
desejar caminhar em direção a uma recuperação), mais que aos resultados que se vão alcançando paulatinamente, que são incertos e não
permitem prever o estado futuro, que é desconhecido.
GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO e GARCÍA DE
JALÓN (2007)
42
NRC (1992)
Conceitua como o manejo de um rio ou do ecossistema fluvial que implica no retorno deste às condições anteriores ao distúrbio,
consistindo na estabilização do desenvolvimento de habitat e colonização a uma taxa mais rápida que a dos processos naturais físicos e
biológicos. A recuperação considera aspectos hidrológico e ecológico, qualidade da água, estética, além de uma visão integradora do
projeto sustentável de recuperação.
CUNHA (2003)
É a manutenção de um ecossistema aquático, envolvendo mais do que a prevenção de alterações explícitas. Também implica em
gerenciamento do ecossistema aquático para manter suas funções e características naturais.
NRC (1992)
A primeira regra da reabilitação é para evitar o dano. É fácil, rápido e barato danificar rios naturais. Porém, é difícil, lento e caro devolvêlos ao seu original estado. Por esta razão, a mais alta prioridade para os reabilitadores é evitar mais danos aos córregos, especialmente
córregos que permanecem em boas condições.
RUTHERFURD et al.
(2000)
O condicionamento dos rios implica em um enfoque destinado a potenciar um determinado uso do rio, sendo muito frequente neste
sentido a adequação recreativa das margens ou o condicionamento do canal para melhorar seu acesso aos diferentes usos, entre eles o
banho, a pesca, a canoagem, a prática de esportes, etc.
GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO E GARCÍA DE
JALÓN (2007)
Refere-se à criação de um ecossistema que não existia previamente no local.
NRC (1992)
Conversão ou mudança de uma condição para outra diferente, aplicada, no caso desde estudo, a conversão de uma área alagada não
permanente em uma área alagada permanente, através de alguma atividade humana.
LEWIS e ROY (1989)
Compreende o desenvolvimento de um recurso que não existia previamente no local.
BROOKES et al. (1996)
Criação
(Creation)
Recuperação
Processo destinado a adaptar um recurso "selvagem" ou "natural" para servir a propósito utilitário humano, dispondo um recurso natural
para um novo uso ou um uso modificado. Frequentemente, é empregado para referir-se a processos que destroem ecossistemas nativos e
os convertem para uso urbano ou agrícola.
Preservação
Fonte
Prevenção
Definição
Adequação
Termo
43
Mitigação
Melhoria / Melhora
Termo
Definição
Fonte
Aumento em um ou mais valores relativos a alguma característica ambiental de toda ou de parte de uma área alagada existente, em
decorrência das atividades humanas. A alteração intencional de uma área alagada existente para prover condições que previamente não
existiam, ao aumentar um ou mais valores destas características (variáveis) é considerada melhora.
LEWIS e ROY (1989)
É definido como sendo qualquer melhora na qualidade ambiental do rio.
BROOKES et al. (1996)
Significa um aumento do valor do rio, não necessariamente de acordo com a recuperação de seu funcionamento ecológico, mas sim focado
na melhora de seu aspecto estético, no aumento de sua estrutura ou diversidade física, sem que os elementos melhorados desta estrutura
sejam uma consequência do funcionamento do próprio rio.
GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO e GARCÍA DE
JALÓN (2007)
Ações tomadas para evitar, reduzir ou compensar os efeitos dos danos ambientais. Entre as ações possíveis, são aquelas que restauram,
melhoram, criam ou substituem ecossistemas danificados.
NRC (1992)
Realiza-se no âmbito da restauração ecológica e representa a moderação ou diminuição da intensidade dos efeitos que se consideram
nocivos para os ecossistemas e que são causados por determinadas ações humanas. A mitigação de tais efeitos implica muitas vezes na
substituição de um ecossistema por outro, o que significa a criação ou promoção de um ecossistema equivalente, mas distinto, que
substitui o primitivo aceitando que este último já não poderá se manter ou alcançar com as atividades humanas existentes.
GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO e GARCÍA DE
JALÓN (2007)
44
A partir da Tabela 3.1, é possível perceber que muitos dos termos não possuem
um significado unívoco, outros possuem pontos em comum e, por vezes, se confundem.
Apesar desta variedade, há uma mesma ideia base que, em maior ou menor escala,
permeia esses conceitos.
A requalificação fluvial é outro termo que aparece nesta discussão e que
corresponde a uma interpretação realizada pelo CIRF (2006). Ela aborda uma
multiplicidade de aspectos, focando, basicamente, na busca de uma melhoria ambiental
para os rios. A adoção desta referência italiana nesta Tese se dá pela concordância da
autora em relação à abrangência do termo em questão, conforme será explicado, em
linhas gerais, no texto que segue.
A preocupação com o conceito de requalificação fluvial, de um modo geral, e
coletivamente para as suas variações possíveis, tem sua origem, como discutido na
abertura deste capítulo, na percepção de que praticamente todos os rios sofreram algum
tipo de antropização, sendo quase impossível encontrar rios em condições naturais
(HOUGH, 2004; RILEY, 1998), e que esse processo veio acompanhado da verificação
de que rios que tiveram diminuição de diversidade ecossistêmica apresentam algum tipo
de degradação ou desequilíbrio, afetam o ambiente construído e as atividades
econômicas que se desenvolvem em seu entorno e demandam obras de proteção, quase
sempre em volumes crescentes. A perda de naturalidade e a redução da qualidade do
ambiente fluvial parecem vir acompanhadas, quase sempre, de maiores custos de
manutenção e de maiores prejuízos, especialmente com as cheias.
Nesse contexto, a requalificação surge como uma proposta de, tanto quanto
possível, recuperar a qualidade ambiental dos ecossistemas fluviais, buscando resgatar
valores naturais, articulando esse processo com as comunidades que vivem em torno do
rio e com as atividades econômicas ali desenvolvidas, de uma forma harmônica e
sistêmica. Essa definição, intrinsecamente, propõe a ideia de que rios melhores
ecologicamente irão satisfazer melhor também outros objetivos. Requalificar, então,
caracteriza-se como um objetivo ambiental, no senso de que um melhor estado geral dos
corpos d'água é desejável, pois pode proporcionar benefícios para uso recreativo ou
lazer, aspectos que agregam valor para a sociedade, e permite a preservação da natureza
e da biodiversidade. A requalificação pretende que rios mais naturais demandem menos
intervenções e sejam também economicamente mais viáveis, além de proverem
soluções mais sustentáveis, ao longo do tempo, para importantes problemas das bacias
hidrográficas, como o controle de cheias e a redução do risco hidráulico.
45
Nesse sentido, estabelece-se que a requalificação fluvial está articulada com a
hidrologia e a avaliação do comportamento hidráulico do canal, a morfologia, a
qualidade da água e a presença de ecossistemas fluviais saudáveis, sendo estes últimos,
uma consequência dos outros itens. Com isso, podem ser fixados quatro pilares
fundamentais que sustentam sua lógica, os quais se apresentam na Figura 3.1.
Figura 3.1: Proposta da requalificação fluvial.
Diagrama elaborado pela autora a partir de CIRF (2006)
O objetivo global da requalificação é obter um curso d’água que seja melhor.
Isto implica, naturalmente, antes de tudo, evitar o agravamento do estado atual e, em
seguida, tentar melhorá-lo, tanto quanto possível. Em síntese, deve estar claro que a
requalificação não deve ser a restauração das condições naturais, mas sim um
movimento no sentido de se atingir condições desejáveis, possivelmente mais próximas
àquelas pré-existentes.
A visão da requalificação começa, portanto, com a lógica de inverter a tendência
de degradação, não piorando, mas melhorando o rio, dentro do possível, até um estado
mais natural, obtendo um melhor compromisso socioeconômico e ambiental,
principalmente nos casos de contexto antrópico. A Figura 3.2 apresenta de modo
esquemático essa perspectiva.
46
Ontem
Hoje
Amanhã
Figura 3.2. Proposta da requalificação fluvial.
Fonte: NARDINI (2012)
É preciso ter cuidado para que não se confunda a proposta de requalificação
fluvial apenas com o emprego de técnicas de baixo impacto ambiental e de
bioengenharia isoladamente. A requalificação fluvial é um objetivo ambiental, um
processo verdadeiro e próprio. A bioengenharia, entretanto, corresponde a uma classe de
técnicas que podem vir a ser úteis também para a requalificação fluvial, mas que são,
por vezes, dispensáveis. Muitas vezes o objetivo de requalificar, quando se tem o tempo
necessário, pode adir exclusivamente da ação de recuperação natural, sem obras, depois
de tratado e finalizado o processo que dispara a degradação. Também é importante
mencionar que a requalificação pode, por vezes, coincidir com o “projeto da paisagem”,
no sentido da arquitetura paisagística, mas não se limita a isso e não é o seu sentido
mais geral e intrínseco. Essa interação é desejável, mas não basta, isoladamente, para
definir o conceito de requalificação.
A requalificação fluvial, em seu significado "maior", pode exigir uma grande
revisão na organização do território em termos de assentamentos, infraestrutura e
gestão. Ainda, muitas vezes, o desequilíbrio dos rios vem “de fora”, a partir de
intervenções sofridas pela bacia hidrográfica (poluição difusa, desmatamento,
impermeabilização do solo). Assim, pode ser inútil intervir no curso d’água sem
primeiro atuar na escala de bacia.
47
Em linhas gerais, a requalificação fluvial trata de uma abordagem, não uma
técnica, embora abarque um conjunto destas, e é caracterizada por uma forte
transdisciplinaridade.
O uso do termo requalificação é proposto nesta Tese porque expressa a ideia de
passar de uma situação degradada para uma melhor, o que é definitivamente pertinente
em nosso contexto, frequentemente degradado. Além disso, ela não propõe que se tente
a todo custo a volta ao estado original (que é a ideia da renaturalização), embora,
certamente, sempre considere as condições naturais potenciais, determinadas pela
localização geográfica do curso d’água, clima, topografia, características geológicas e
geomorfológica e sua história natural passada.
Com base nas discussões apresentadas, o esquema apresentado na Figura 3.3 foi
elaborado pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Hidráulica Computacional da
COPPE/UFRJ, do qual a autora desta Tese faz parte, a partir da proposta de
RUTHERFURD et al. (2000), que sintetiza as definições de reabilitação, restauração e
remediação, ampliando-a para englobar os conceitos de melhoria, revitalização,
remediação e, também, introduzir o conceito de requalificação fluvial. Percebe-se, a
partir da figura, que o conceito de requalificação é amplo, sendo o mais apropriado para
emprego em áreas urbanas.
Criação
Requalificação Fluvial
Remediação
Revitalização
Rio
Degradado
Melhoria
Reabilitação
Renaturalização
Degradação
Figura 3.3: Diferenças entre termos – definição da requalificação fluvial.
Adaptado pela autora a partir de RUTHERFURD et al. (2000)
48
A definição proposta para a requalificação fluvial, traduzida pela autora, a partir
do original em italiano publicado por CIRF (2006) é:
“Conjunto integrado e sinérgico de ações e técnicas, de tipo muito variado
(do jurídico-administrativo-financeiro, até o estrutural), que permite que tanto
o curso d’água quanto o seu território mais estreitamente conectado (‘sistema
fluvial’), volte a possuir um estado mais natural possível, capaz de
desempenhar
suas
características
funcionais
ecossistêmicas
(geomorfológicas, físico-químicas e biológicas), dotado de maior valor
ambiental, procurando satisfazer até mesmo os objetivos socioeconômicos.”
Para que os projetos de requalificação fluvial possam ser colocados em prática, é
preciso ter em mente quais ações podem ser realizadas. Basicamente, é possível dividilas em dois grupos: ações estruturais e ações não estruturais. Tal classificação guarda
semelhança com a lógica da drenagem sustentável, A seguir, com base em NARDINI
(2011) e SELLES et al. (2001), são apresentados possibilidades de ação em cada uma
dessas tipologias na Tabela 3.2.
Tabela 3.2: Ações para atuação na Requalificação Fluvial.
Ações estruturais
Ações não estruturais
Remoção de elementos de risco
Desenvolvimento de cultura fluvial
(conhecimento, sensibilidade,
consciência, valores, know-how)
Restauração da vegetação
Melhora do regime hídrico
Melhora da qualidade da água
Suspender a extração de areia para deter o
aprofundamento do leito do rio
Facilitar o acesso da população à água e às
margens para efeito de lazer e recreação
Buscar a morfologia mais natural dos rios.
Educação ambiental participativa
Planejamento e processos decisionais
compartilhados
Normas/Regulamentação
Incentivos/Desincentivos
Informação/Monitoramento
Restabelecer a continuidade dos cursos
d’água para a fauna migratória
Restabelecer locais para a desova e
biótipos aquáticos
Fonte: Adaptado de NARDINI (2011) e SELLES et al. (2001)
As estratégias traçadas para a obtenção de um bom estado ecológico para o rio
devem estar baseadas em princípios científicos e devem levar em conta, também,
critérios socioeconômicos, considerando a região ou país, e a bagagem histórica e
cultural. O conceito de sustentabilidade deve estar presente em todas as atuações
49
relacionadas à restauração e conservação de rios (GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e
GARCÍA DE JALÓN, 2007).
3.2. Requalificação Fluvial Urbana
Sabe-se que os sistemas fluviais autossustentáveis fornecem importantes bens
ecológicos e sociais e serviços para a vida humana (POSTEL e RICHTER, 2003 apud
PALMER et al., 2005). A requalificação fluvial é uma questão que vem como uma
necessidade para enfrentar a progressiva deterioração dos ecossistemas de rios em todo
o mundo, como discutido no item anterior. Os resultados podem aumentar a quantidade
e a qualidade dos recursos fluviais e seu uso potencial para a população ribeirinha
(GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN, 2007).
Em áreas urbanas, a requalificação fluvial é mais complexa, por conta das
grandes modificações sofridas pelas áreas ribeirinhas e pela própria bacia, com a
construção de edificações e ruas, que tornam mais difícil obter o espaço necessário para
recuperar os processos naturais do leito do rio e de suas margens (ibid.). Assim, o
processo de requalificação fluvial precisa ser discutido em uma forma particular para
áreas urbanas e uma solução de consenso entre a paisagem natural e o ambiente
construído precisa ser encontrada.
Entretanto, ainda que as áreas ripárias de rios urbanos pudessem ser restauradas
à sua condição natural original, as modificações pesadas que a bacia sofreu ao longo do
tempo, provavelmente, contribuiriam para que as cheias continuassem acontecendo. Ou
seja, o espaço necessário para recuperar as funções curso do rio, hoje, seria maior do
que na situação natural, exatamente pelas modificações introduzidas na bacia. Por isso,
é preciso que ações na bacia sejam consideradas, com o objetivo de diminuir a
impermeabilidade e prover retenções superficiais, com o uso de reservatórios. Essa
demanda caminha no sentido de encontrar com as medidas de controle de escoamento
na fonte, distribuídas pela bacia.
LOERNTHAL (1964) apud DUFOUR e PIÉGAY (2009) defende que o homem
é parte da natureza e não há razão para preferir o estado natural em detrimento do atual.
De fato, o homem é parte da evolução do ecossistema fluvial e em muitos contextos
retornar ao passado é impossível ou, no mínimo, difícil, além de ser, eventualmente,
indesejável. Entretanto, a capacidade para manter e recuperar os processos hidrológicos,
50
morfológicos e ecológicos deve ser levada em consideração, para garantir um ambiente
mais saudável, mesmo que não igual ao natural.
DUFOUR e PIÉGAY (2009), por sua vez, defendem que condições passadas
não devam ser usadas como referência porque nenhum estado histórico anterior pode ser
justificado em detrimento de outro, uma vez que a maioria dos sistemas já foi
influenciada pelo homem em todos os estados anteriormente conhecidos. Os mesmos
autores também defendem que cada um de nós está integrado em nossa própria cultura,
o que, inevitavelmente, influencia a forma como percebemos o papel da natureza e da
sociedade.
A Requalificação Fluvial Urbana (RFU) é um desafio para gestores,
pesquisadores, especialistas e cidadãos. Para tornar a requalificação algo viável, é
preciso integrá-la nos processos de planejamento urbanístico, permitindo a participação
ativa de todos os interessados, incluindo aí desde entes políticos e privados até a
população residente na área em questão. A recuperação da memória do rio entre os
cidadãos e sua adoção pela comunidade é um pré-requisito importante para o sucesso de
um projeto de RFU.
Para desenvolver uma verdadeira estratégia de RFU, é preciso considerá-la em
conjunto com o contexto local que abriga a cidade, observando aspectos tanto históricos
quanto socioeconômicos. A valorização e a reintegração do rio como parte da paisagem
urbana é fundamental neste processo. É preciso identificar um conjunto de medidas de
requalificação ambiental aplicável ao limitado contexto de ação sobre rios urbanos,
capazes de integrar, ou pelo menos permitir o convívio, dos múltiplos interesses da
cidade, como a exigência de segurança hidráulica, a recuperação de áreas degradas, a
necessidade de espaços para o lazer, dentre outros. Em ambientes urbanos, com todas as
dificuldades impostas, o foco principal pode recair na restauração da conectividade
lateral com as margens do rio e seus afluentes, aumento dos graus de liberdade do rio,
na restauração do seu regime de escoamento natural, no reequilíbrio das dinâmicas
geomorfológicas, na redução da poluição da água e a descontaminação dos solos e na
reativação das áreas pertencentes ao rio. A combinação de conceitos de gestão de riscos
de inundações com medidas de requalificação do rio pode ser uma solução de
aplicabilidade eficiente em rios urbanos, em comparação com as soluções tradicionais e
localizadas de drenagem (JORMOLA, 2008). Nesse contexto, uma abordagem
sustentável para o sistema de drenagem pode também considerar a requalificação fluvial
51
como uma das ferramentas alinhadas com o objetivo maior de gestão sustentável das
águas urbanas.
Assim, o que é esperado, em geral, como resultado mais provável de uma
requalificação fluvial urbana, é a criação de um sistema fluvial autossustentável, não
necessariamente similar ao natural, de forma a agregar valor ambiental ao rio e suas
áreas circunvizinhas, além de manter a função de controle de cheias, após a restauração
dos padrões de escoamento. No entanto, é importante notar que, mesmo quando as
medidas adotadas configurarem apenas uma requalificação parcial, elas são importantes.
Além de reduzir o pico das cheias, elas ajudam na divulgação deste tipo de técnicas e
proporcionam uma nova percepção sobre a existência do rio para a comunidade
envolvida.
FINDLAY e TAYLOR (2006) destacam que mesmo que um rio não possa
retornar para uma situação anterior, na maioria das vezes, surgem boas oportunidades
para melhorar o funcionamento ecológico de uma rede fluvial urbana.
Cabe salientar que o novo equilíbrio atingido por um curso d’água urbano não
provê um modelo para projetos de requalificação porque o desenvolvimento urbano está
em constante transformação (RILEY, 1998) e a situação muda de uma cidade para
outra. O grau de melhoria ambiental que pode ser alcançado depende das várias
condições do entorno, muitas vezes restritivas no sentido de uma abordagem
ecossistêmica para o curso de água. No entanto, é conveniente que, na tomada de
decisão, sejam desenvolvidas análises econômicas apropriadas para considerar
alternativas viáveis.
A requalificação fluvial em uma área densamente urbanizada não é uma tarefa
impossível. A grande chave para esta questão é encontrar o ponto de equilíbrio para a
coexistência da cidade com o rio em um estado de qualidade ecológica melhor.
DUFOUR e PIÉGAY (2009) acreditam que os objetivos de determinado projeto de
RFU devem resultar de uma combinação do estado desejado (o que se quer) com o
potencial de funcionamento (o que é possível ter).
Em relação a áreas em fase inicial de urbanização, é importante cuidar para que
as faixas fluviais sejam protegidas, garantindo a integridade dos recursos e das opções
para o futuro da paisagem. Os esforços devem se concentrar na proteção das planícies
de alagamento como corredores verdes, mantendo a urbanização distante dos cursos
d’água, e integrando o trecho como um recurso valorizado na paisagem, com trilhas,
52
parques e acessos. Medidas para gerir a erosão, a produção de sedimentos e água de
chuva devem ser postas em prática (RILEY, 1998) conjuntamente.
BINDER (1998) já se destacava no início das discussões sobre o tema de
requalificação fluvial de áreas urbanas no Brasil, por fazer menção específica a este
ambiente, colocando como requisitos:

acesso à água;

ampliação do leito do rio;

recuperação da continuidade do curso d’água;

aplicação de técnicas de bioengenharia;

recuperação das faixas marginais de proteção e da mata ciliar;

reconstituição das estruturas morfológicas;

promoção de biotas especiais;

propiciação de elementos favoráveis ao lazer.
É importante expandir a visão e passar a considerar, em projetos de RFU,
também o fator humano, discussão pouco desenvolvida até o momento. Ao minimizar
os desejos da sociedade, provavelmente são superestimados os valores de algumas
propriedades do rio e subestimados valores culturais e a complexidade da trajetória do
corredor fluvial (DUFOUR e PIÉGAY, 2009).
Existem várias razões válidas e tangíveis para que se decida pela requalificação
fluvial de um curso d’água. Alguns desses fatores incluem , por exemplo, a qualidade da
água, enquanto outros mais difíceis de especificar, se referem a benefícios econômicos e
ao valor ambiental. É a combinação desses fatores que, segundo FINDLAY e TAYLOR
(2006) determinam quando um curso d’água urbano deve ser ou não submetido à
requalificação fluvial, o grau de profundidade do projeto e os objetivos ambientais que
são fixados.
GUSMAROLI et al. (2011) afirma que a motivação para a RFU não é somente
ligada ao valor do rio em si, mas pode constituir uma oportunidade para a cidade, em
termos de valorização imobiliária dos quarteirões ribeirinhos, de revitalização
econômica de bairros depreciados por enchentes ou pela proximidade com um rio
degradado, de melhoramento da qualidade da vida dos habitantes e de redução do risco
hidráulico (geralmente presente).
53
Por fim, cabe destacar alguns pontos importantes, sinalizados por BINDER
(1998), em relação a projetos de RFU:

os custos para manter a evolução natural do rio são baixos quando comparados
às obras tradicionais;

o processo de recuperação das feições naturais do rio pode levar anos ou
décadas;

exige acompanhamento de pessoal técnico qualificado;

depende da possibilidade de evitar prejuízo para a população, oferecendo
compensações para determinado uso;

possui restrições econômica, financeira e social, como deslocamento de
população ribeirinha e remanejamento de áreas agrícolas.
Trabalhos recentes têm focado em projetos de requalificação em áreas urbanas.
Para conhecimento do leitor, alguns são citados a seguir.
Em CIRF (2006); GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN (2007);
RILEY (1998); SELLES et al. (2001), são apresentadas diversas formas de atuação em
rios urbanos, no âmbito da RFU, como por exemplo: melhoria da qualidade e da
distribuição da quantidade de água, reordenação do espaço fluvial, melhoria da
continuidade fluvial, diminuição do revestimento dos leitos, introdução de vegetação,
dentre outras medidas. Também são apresentados, nessas referências, exemplos de
casos bem-sucedidos para cada uma das intervenções realizadas. Outros trabalhos
recentes abordam a RFU; alguns destes são mencionados a seguir.
FINDLAY e TAYLOR (2006) discutem a questão de o porquê reabilitar rios
urbanos, considerando o contexto australiano. O trabalho analisa os fatores econômicos,
sociais e ambientais que influenciam a tomada de decisões com respeito à reabilitação e
gestão de rios urbanos e considera sua importância e valores relativos.
KIBEL (2007) discute os esforços para projetos de restauração fluvial nos
Estados Unidos, compilando uma série de estudos de caso em Los Angeles, Washington
D.C., Portland, Oregon, Chicago, Salt Lake City e San Jose. Também analisa o papel do
governo federal (em particular, do U. S. Army Corps of Engineers) e a atuação da
população nas questões políticas referentes a rios urbanos.
54
VIEIRA et al. (2008) sugerem metodologia para a realização de estudos
necessários à definição de projeto de requalificação na cidade de Guimarães, Portugal.
A Ribeira da Costa/Couras é o curso d’água escolhido como caso de estudo.
COSTA (2008) avaliou a degradação ambiental no Córrego Grande, curso
d’água em meio urbano no estado de Santa Catarina, visando a definição de medidas de
revitalização em situação consolidada de ocupação urbana na zona de proteção legal
daquele curso d’água, empregando metodologia de avaliação de impactos ambientais
como checklist e matriz de interação.
CASTRO et al. (2009) apresentaram metodologia consolidada para a avaliação
dos efeitos da urbanização na quantidade, qualidade e regime dos corpos de água. Sua
metodologia era fundada no uso de indicadores e métodos de análise multicritério,
objetivando proporcionar a análise global do desenvolvimento urbano.
KENNEY et al. (2012) utilizaram métodos econômicos padronizados para
comprovar que projetos com foco em qualidade da água e proteção e melhora de
infraestrutura poderiam ser quantificados e avaliados em termos de custos. Assim, o
trabalho pretendia avaliar o custo x benefício de projetos de requalificação fluvial.
GORSKI (2010) pesquisou um conjunto de planos e projetos paisagísticos de
recuperação de cursos d’água urbanos, desenvolvidos e/ou implementados entre 1990 e
2006, tratando de investigar as especificidades por eles estabelecidas, de acordo com o
sítio, aspectos socioculturais e aspectos políticos e de gestão e, então, extraiu referências
de projeto passíveis de orientar a abordagem técnica e sociopolítica de planos de
recuperação de rios urbanos.
MACEDO et al. (2011) avaliaram o emprego de projetos de restauração de
cursos d’água em áreas urbanizadas, apresentando um panorama sobre a restauração de
rios urbanos no mundo e, através de um estudo de caso em Belo Horizonte (MG),
apontou a viabilidade técnica e ambiental do emprego desta abordagem nas grandes
cidades brasileiras.
CARDOSO (2012) propôs uma sistemática voltada para a orientação de
processos de intervenção em cursos d’água urbanos – considerando etapas de
concepção, análise, comparação e seleção de alternativas – tendo por base o estado de
degradação dos sistemas fluviais e as condições urbanas da sua área de inserção, assim
como aspectos relacionados ao desempenho, impacto e custos das soluções.
RICO et al. (2013) apresentaram um caso de estudo na cidade de Bogotá,
utilizando metodologia de auxílio à decisão baseada em análise multicritério para
55
priorização de intervenções em cursos de água fundamentada em uma avaliação que
considerava os impactos sofridos pelo curso de água e a pressão por ocupação antrópica que
este sofria. Assim, visavam auxiliar os decisores quanto à priorização de intervenções em
trechos de cursos d’água.
Nos itens seguintes são apresentados, de forma breve, alguns dos manuais de
requalificação fluvial existentes e que foram pesquisados pela autora no decorrer deste
trabalho. Também serão apresentados alguns exemplos de casos de estudo de
requalificação fluvial, tanto no Brasil quanto em outros países.
3.3. Breve Panorama da Requalificação Fluvial no Mundo
3.3.1. Brasil
No Brasil, conforme já mencionado anteriormente, a publicação de BINDER
(1998) é uma referência pioneira sobre o tema. Seu objetivo era apresentar alternativas
de recomposição de rios impactados por obras realizadas em seu leito utilizando
referências de casos europeus. Com isso, o manual propunha regenerar o máximo
possível a biota natural, através de manejo regular ou de programas de renaturalização.
Assim, visava o desenvolvimento sustentável do rio e da paisagem, de acordo com as
necessidades. Também muito apropriadamente, o manual destaca que, com base no
diagnóstico e na avaliação das necessidades, é preciso definir: o mapeamento da
morfologia fluvial, o regime de vazões e a qualidade da água. Em relação à atuação em
áreas urbanas, ele já se destacava por fazer menção a este ambiente.
A publicação seguinte, de SELLES et al (2001), era resultado dos novos
conhecimentos assimilados. Assim, apresentava procedimentos para conservação e
revitalização de rios e córregos fluminenses, indicando caminhos que, sob uma nova
abordagem, possibilitassem a adoção de técnicas de bioengenharia que contribuíssem
para a preservação e o desenvolvimento da biodiversidade e para que se obtivesse uma
integração mais saudável das atividades humanas com o rio.
É importante ressaltar que algumas das técnicas propostas, apesar de serem
evoluídas em relação aos conceitos tradicionais de engenharia, eles não se encaixariam,
hoje, como sendo técnicas de requalificação, podendo se classificar como bioengenharia
ou engenharia naturalística. Um exemplo é a sugestão da proteção de margens com
enrocamento, o que pode ser mais facilmente integrado ao ambiente natural e é,
56
seguramente, melhor do que paredes de concreto, mas que fixa o rio e impede a sua
mobilidade natural. Hoje, a ideia de “dar espaço ao rio” e recuperar a sua vegetação
original, se encaixa melhor com a ideia da requalificação fluvial. A recuperação da mata
ciliar, por sua vez, é uma medida proposta nos manuais e que, portanto, continua atual.
3.3.2. Austrália
Outro manual de referência é o publicado pelo governo australiano no ano 2000,
intitulado A Rehabilitation Manual for Australian Streams (RUTHERFURD et al.,
2000). O manual tem como objetivos:

equipar gestores com algumas ferramentas, ideias e habilidades para melhorar as
condições físicas e biológicas dos rios;

encorajar a reabilitação de flora e fauna nativas, funcionando como um
ecossistema sustentável;

encorajar a proteção de rios saudáveis e propiciar o retorno, tanto quanto
possível, dos valores originais dos rios danificados.
3.3.3. Espanha
Na Espanha, o documento de referência publicado pelo Ministério do Meio
Ambiente em 2007 (GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN, 2007),
intitulado Restauración de ríos – Guía metodológica para la elaboración de proyectos,
vem sendo utilizado como guia de projetos de restauração fluvial para atender à
legislação europeia. São objetivos principais deste guia:

disponibilizar um documento com base científica que ajude a gestão e
restauração de rios;

oferecer princípios e metodologias para caracterização e avaliação das condições
hidromorfológicas dos rios;

unificar critérios de atuação e estabelecer pautas metodológicas para a gestão
dos projetos, considerando a participação dos cidadãos;

difundir o interesse pelo estudo e conservação dos rios e contribuir para o
aproveitamento sustentável dos recursos naturais que eles oferecem.
57
3.3.4. Itália
Na Itália, o Centro Italiano de Requalificação Fluvial (CIRF) publicou o manual
La Riqualificazione Fluviale in Italia: Linee Guida, strumenti ed esperienze per gestire
i corsi d’acqua e il território, cujos principais objetivos são (CIRF, 2006):

apresentar uma posição inovadora em relação não só às técnicas, mas também às
estratégias adotadas para a requalificação de um rio;

apresentar diretrizes operacionais, destinadas especialmente àqueles que têm o
poder de decisão, para que abordem uma ação técnica integrada.
3.3.1. Inglaterra
Na Inglaterra, o manual Manual of River Restoration Techniques (THE RIVER
RESTORATION CENTRE, 2002) apresenta técnicas para a requalificação de rios,
divididas em 11 partes.
Publicação recente, o manual Rivers by Design (RESTORE, 2013) explica o
contexto da requalificação fluvial e oferece orientações sobre o planejamento de
projetos para garantir que o desenvolvimento sustentável seja alcançado. Uma série de
estudos de caso demonstra exemplos de como o desenvolvimento bem planejado pode
aumentar a qualidade ecológica, reduzir o risco de cheias e criar benefícios econômicos
e sociais, tais como a melhoria das instalações de lazer e dos espaços públicos. Os
principais objetivos deste manual são:

mostrar aos projetistas, arquitetos e gestores o papel crucial que eles podem
desenvolver na requalificação fluvial;

oferecer recomendações práticas e informações destinadas a maximizar os
benefícios ecológicos, sociais e econômicos de desenvolvimento, integrando a
gestão da água no planejamento e projeto de desenvolvimento em todas as
escalas.
3.3.2. Ásia
O manual Reference Guideline for Restoration by Eco-Compatible Approach in
River Basin of Asia (ARRN, 2012), referência para os países asiáticos, tem como
principais objetivos:
58

apresentar ideias básicas e políticas indispensáveis para a restauração de
ambientes fluviais na Ásia;

aumentar o interesse dos leitores em um rio próximo;

criar oportunidades para novos projetos de requalificação fluvial; e

apoiar projetos de requalificação de rios atuais.
3.4. Casos de Exemplo
Existe, na Europa, um projeto chamado Restore (RESTORE, 2013), cuja
proposta inclui a divulgação das melhores práticas em requalificação de rios na Europa.
Com um total de 408 casos de estudo cadastrados até o momento, em 27 países, o site é
uma fonte de informações interativas na área em questão. A página de casos do projeto
(Figura 3.4) conta também com auxílio do Google Maps para apresentar e localizar os
casos. O banco de dados conta com informações sobre:

mitigação, adaptação e técnicas de compensação;

informações sobre valores e serviços ecossistêmicos; e

participação de stakeholders.
Figura 3.4: Página Principal do RiverWiki.
Fonte: RESTORE (2013)
59
Essa ideia será implantada na América Latina, por meio do projeto
SERELAREFA. Os integrantes do projeto, com a participação especial de alguns alunos
da COPPE/UFRJ, coletaram informações sobre casos brasileiros para ajudar a compor o
banco de dados latino-americano. Os primeiros quatro casos coletados já estão
disponíveis no site do projeto para consulta e são apresentados de forma resumida a
seguir. Além desses, também foram selecionados alguns estudos de casos a nível
internacional para apresentação. Na sequência, uma compilação maior, na forma de
tabela, apresenta todos os casos pesquisados nesta Tese.
3.4.1. Casos Nacionais
Durante o desenvolvimento desta tese, foram pesquisados diversos casos
nacionais que pudessem ser enquadrados como sendo de Requalificação Fluvial. Ao
final da pesquisa, foram selecionados dez casos, os quais são listados na Tabela 3.6.
Desse total, foram elaboradas, no âmbito do projeto SERELAREFA, e contando com o
auxílio dos alunos inscritos na disciplina “Requalificação Fluvial Urbana”, ministrada
em 2012, na COPPE/UFRJ, fichas descritivas de oito projetos. Dessas, quatro já tiveram
sua divulgação autorizada por membros da equipe idealizadora do projeto e são
apresentadas, na íntegra, no site do projeto (www.serelarefa.com). Tais casos, pela sua
aderência ao caso de estudo proposto por este trabalho, são apresentados a seguir, de
forma resumida. São eles: Projeto Iguaçu (RJ), Projeto DRENURBS (MG), Projeto
Manuelzão (MG) e Projeto PROTIJUCO (SP).

Rios Iguaçu-Sarapuí (Projeto Iguaçu)
As informações apresentadas a seguir foram obtidas em CARNEIRO (2008);
COPPETEC (2009); LABHID (1996).
A bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí é caracterizada, principalmente, por duas
unidades de relevo: a Serra do Mar e a Baixada Fluminense, com um forte desnível de
cerca de 1600 metros do ponto mais alto da serra (pico do Tinguá) até a planície. O Rio
Sarapuí passou a pertencer à bacia do Rio Iguaçu no início do século passado, por
ocasião das primeiras grandes obras de saneamento na Baixada Fluminense, quando seu
curso médio e inferior foi retificado e sua foz desviada para o curso inferior do Rio
Iguaçu; por isso a bacia hoje é chamada de bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí (Figura 3.5).
60
Figura 3.5: Localização da bacia hidrográfica dos Rios Iguaçu-Sarapuí (RJ)
Fonte: COPPETEC (2009)
Os órgãos do governo estudam e investem há muito tempo nessa área, visando
mitigar os problemas oriundos das inundações. Alguns exemplos de projetos realizados
são destacados a seguir.

Na década de 1930, o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) foi
criado para executar obras de saneamento na Baixada Fluminense, tornando áreas
alagadiças disponíveis ao cultivo. No entanto, como tais obras não foram
acompanhadas de um eficiente programa de ocupação, incentivo e apoio técnico, a
maior parte das áreas de intervenção ficou subutilizada ou abandonada.

Em 1988, o projeto “Reconstrução-Rio” foi iniciado, motivado pelas enchentes que
atingiram a Baixada Fluminense. A maior parte das obras era do setor de drenagem
e prevenção de enchentes. Devido à falta de manutenção, algumas obras foram
perdidas.

No ano de 1994, com o apoio do Banco Mundial (BIRD) e do Programa das
Nações Unidas (PNUD), foi montada uma equipe técnica para elaborar o “Plano
Diretor de Recursos Hídricos, Controle de Inundações e Recuperação Ambiental da
Bacia do Rio Iguaçu/Sarapuí”, conhecido como “Projeto Iguaçu”. As atividades
envolviam além de obras, o planejamento do uso do solo e a montagem de uma
nova estrutura institucional. Decorrida mais de uma década da sua elaboração, com
poucos investimentos na Baixada Fluminense, houve o agravamento do quadro,
com a ocorrência de inundações frequentes e o aumento do assoreamento dos
cursos d'água da região.
 Em 2007, todo o “Projeto Iguaçu” foi revisado, com o objetivo de atualizar os
projetos estruturais e, também, de conceber novas estratégias de planejamento do
uso do solo em bases sustentáveis, que permitissem o controle de inundações num
61
horizonte de longo prazo. Relançado pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA)
com o título “Projeto de Recuperação Ambiental dos Rios Iguaçu-Sarapuí e Botas
na Baixada Fluminense, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, RJ, Brasil”, o
“Projeto Iguaçu” é um importante instrumento para a gestão dos recursos hídricos
na região.
A bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí apresenta algumas características motivadoras
para a execução deste projeto, dentre as quais podem ser citadas:

localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro;

apresenta áreas de grande desenvolvimento urbano e industrial;

apresenta ampla zona rural em processo de urbanização;

seus mananciais desembocam na Baía de Guanabara, corpo hídrico de grande
importância para o Estado do Rio de Janeiro;

região que frequentemente sofria com grandes inundações na época do verão,
trazendo risco de vida a população, proliferação de doenças e perdas humanas e
materiais;

possui mananciais importantes para o abastecimento de água da Baixada
Fluminense;

apresenta áreas onde a ocupação do solo conflita com as condições de
habitabilidade, em especial zonas mal drenadas;

exibe características de alguns ecossistemas importantes do Estado, tais como
Mata Atlântica e manguezais da Baía de Guanabara.
Foram determinados como objetivos para a revisão do “Plano Iguaçu” aqueles
destacados a seguir:

evitar a reincidência de enchentes na época de fortes chuvas causadas pelo
acúmulo de resíduos o que prejudica os escoamentos;

contribuir para a despoluição da bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí e Botas;

recuperação ambiental;

controle do uso do solo, através de criação de APAs (Áreas de Preservação
Ambiental) e áreas com restrição de alguns tipos de ocupação; e

criação de parques com paisagens multifuncionais (esporte, contemplação e
interação).
62
As ações definidas para a execução do plano foram classificadas em estruturais e
não estruturais e estão apresentadas na
Tabela 3.3.
A Figura 3.6 apresenta uma das intervenções do “Projeto Iguaçu”: o Parque
Elizabeth, localizado em Nova Iguaçu, às margens do Rio Botas, com o objetivo de
delimitar as áreas habitáveis e as inundáveis.
Tabela 3.3: Ações estruturais e não-estruturais – Projeto Iguaçu.
Ações estruturais
Ações não estruturais
Dragagem de trechos assoreados
Formação de um Consórcio Público
Intermunicipal para a gestão do uso do
solo no espaço Metropolitano
Recomposição da vegetação nas margens
dos rios
Criação da APA do Alto Iguaçu
Remoção de moradias em áreas de risco e
reassentamento da população
Ampliação da APA Gericinó/Mendanha
Remoção de singularidades nos canais
(pontes, aterros)
Criação da APA da Foz do Iguaçu
Implantação de Parques Fluviais
Adequação dos Planos Diretores de
Desenvolvimento Urbano
Fonte: COPPETEC (2009)
Figura 3.6: Rio Botas – Vista do Parque Elizabeth em Nova Iguaçu.
(Fotos da autora, ano: 2011)

Rio das Velhas (Projeto DRENURBS)
As informações apresentadas a seguir foram obtidas em AROEIRA (2010) e no
site da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PROGRAMA DRENURBS, 2011).
O “Programa de Recuperação Ambiental de Belo Horizonte – DRENURBS” foi
criado pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte com o objetivo de implementar
63
ações para o melhoramento ambiental, priorizando a recuperação e conservação de
cerca de 200km de cursos d’água, ainda em leito natural, no município de Belo
Horizonte (MG). A área de intervenção do projeto está apresentada na Figura 3.7. O
projeto foi concebido em 2001 e encontra-se em execução até o momento.
Figura 3.7: Bacia do Rio das Velhas e áreas de intervenção do DRENURBS.
Fonte: PROGRAMA DRENURBS (2011)
Tendo como principais objetivos a despoluição dos cursos d’água, a redução dos
riscos de inundações e o controle do fluxo de sedimentos, as ações propostas pelo
projeto foram:

ampliação da coleta de esgotos sanitários (redes coletoras e interceptores);

tratamento de esgotos sanitários, quando for o caso;

ampliação da cobertura da coleta de resíduos sólidos;

ampliação da rede de drenagem pluvial;

implantação de equipamentos de controle de inundações;

controle do fluxo de sedimentos (combate às erosões e ao assoreamento de
corpos d’água);

ampliação da mobilidade e da acessibilidade urbana;

ampliação dos espaços comunitários de lazer e culturais;

implantação de programas sociais através da mobilização comunitária;

implementação de ações educacionais conservacionistas do ambiente urbano; e

implantação do monitoramento das condições hidrológicas, objetivando o
conhecimento real dos fenômenos meteorológicos relacionados com as cheias
urbanas.
64
Até o presente momento, já foram desenvolvidas, no âmbito do Programa
DRENURBS, as atividades descritas a seguir:

implantação do Sistema de Monitoramento Hidrológico e Alerta contra
Inundações do Município de Belo Horizonte;

modelagem
Matemática
Hidrológica
e
Hidráulica
do
Sistema
de
Macrodrenagem das Bacias dos Ribeirões Arrudas e Onça;

elaboração da Carta de Inundações de Belo Horizonte;

expansão do Sistema de Informação Geográfica- SIG de Drenagem e
Implantação do SIG Ambiental;

atualização Tecnológica para a Drenagem Urbana e Meio Ambiente; e

formulação de Modelo de Gestão Integrada das Águas Urbanas.
A imagem apresentada a seguir (Figura 3.8) é representativa de um trecho das
obras realizadas e foi obtida em PROGRAMA DRENURBS (2011).
Figura 3.8: Bacia hidrográfica do Córrego 1º de Maio: (a) Parque do Córrego 1º de
Maio, Bairro de Minaslândia; (b) Bacia de detenção e pista de caminhada.

Rio das Velhas (Projeto Manuelzão)
As informações apresentadas a seguir foram obtidas em LISBOA (2010) e
POLIGNANO (2010).
Além do DRENURBS, apresentado anteriormente, outro projeto nesta temática
também teve como foco o Rio das Velhas, em MG: o “Manuelzão”, que tinha como
proposta a revitalização da bacia hidrográfica do Rio das Velhas, com foco na volta do
peixe e conquista da balneabilidade como estratégia de transformação da mentalidade
social e das concepções políticas. Apesar de serem atuações no mesmo rio, o Manuelzão
trabalhou em uma sub-bacia diferente daquela trabalhada pelo DRENURBS (Figura
65
3.9). O projeto teve início em janeiro de 1997 e encontra-se em execução até o presente
momento. Ele foi idealizado por professores da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir de premissas relacionadas ao conceito de
saúde.
Figura 3.9: Bacia do Rio das Velhas e área de intervenção do Programa Manuelzão.
As ações, tanto estruturais quanto não estruturais, realizadas no âmbito do
“Projeto Manuelzão”, estão apresentadas na Tabela 3.4. Cabe ressaltar que o projeto não
tinha recursos próprios para a realização das intervenções propostas. No entanto, através
da construção de parcerias políticas e da forte mobilização social, o estado se convenceu
a realizá-las.
66
Tabela 3.4: Ações estruturais e não estruturais – Projeto Manuelzão.
Ações estruturais
Ações não estruturais
Obras de saneamento básico para a
eliminação de lançamentos de esgotos em
redes pluviais e corpos hídricos
Construção de parcerias entre sociedade
civil, entes federados (municípios
compreendidos na bacia e governo do
estado), universidades e setores da
economia (industrial e rural)
Implantação, ampliação e qualificação das
Estações de Tratamento de Esgoto
Construção de núcleo multidisciplinar
para o desenvolvimento de atividades de
pesquisa
Recuperação da vegetação natural e matas
ciliares
Mobilização social de toda a população da
bacia com foco na volta do peixe e na
balneabilidade dos cursos d’água
Proposição do aterro sanitário residual
mínimo
Cobrança da aplicação da Deliberação
Normativa COPAM nº 95/2006, que
restringe as possibilidades de canalização
de cursos d´agua em Minas Gerais
Incentivo à coleta binária ou ternária do
resíduo sólido, associada à reciclagem,
compostagem ou aterro residual mínimo
Inibir a construção de barragens na calha
do Rio das Velhas e na bacia do Rio Cipó
Monitoramento da qualidade da água
através da ictiofauna do Rio das Velhas,
como indicador de qualidade ambiental
“Expedição Manuelzão desce o Rio das
Velhas” para conhecimento da bacia
No âmbito do projeto foram realizadas diversas expedições ao longo do rio,
propiciando o contato da população com o mesmo. Também foi criado um Festival
chamado “Festivelhas”, editado em vários anos. Além disso, uma parceria com o curso
de Comunicação Social da UFMG resultou na publicação periódica da “Revista
Manuelzão” desde 1997.

Rio Tijuco Preto (Projeto Pró-Tijuco)
As informações relacionadas com este estudo de caso, incluindo as imagens,
foram obtidas em BARBOSA et al. (2005); LEAL e MENDIONDO (2004);
MENDIONDO et al. (2004); MENDIONDO (2008); PERES e MENDIONDO (2004).
O Rio Tijuco Preto está localizado na parte urbana do município de São Carlos
(SP), sendo um dos afluentes do Rio do Monjolinho, que nasce no mesmo município
67
(Figura 3.10). O Tijuco Preto se encontra próximo à Escola de Engenharia de São
Carlos (EESC), o que motivou o interesse dos pesquisadores por essa bacia. O sistema
está inserido totalmente na área urbana e possui uma área de 3,87km², com cerca de
115m extensão e largura entre 0,5 e 9,0m. É um rio perene, com vazão no trecho de foz
entre 0,03 e 0,06m³/s, podendo, em eventos de chuvas torrenciais, chegar a 10m³/s. A
bacia vem sofrendo, ao longo dos anos, crescente processo de degradação ambiental em
torno do córrego Tijuco Preto, com destaque para nascentes e corpo d’água poluídos e
assoreados, supressão de vegetação nativa, ocupação das APP, risco de alagamento,
depósito de lixo e entulho, lançamento de esgoto e ausência de espaços de lazer.
O “Projeto PróTijuco – Projeto de Recuperação Ambiental das Várzeas do Alto
Tijuco Preto”, elaborado pela Universidade de São Paulo, Departamento de Hidráulica e
Saneamento, através de uma equipe multidisciplinar coordenada pelo Núcleo Integrado
de Bacias Hidrográficas (NIBH), buscava, em linhas gerais, a implementação de
medidas estruturais e não estruturais de recuperação ambiental de córregos, área de
várzea e bacia de drenagem ambientalmente degradadas pela ocupação urbana
desordenada, especialmente em áreas de APPs, ocupadas por mananciais e nascentes,
visando um Plano Diretor para o manejo integrado na escala de bacia hidrográfica.
Figura 3.10: Localização da bacia do Tijuco Preto.
Fonte: LEAL e MENDIONDO (2004)
Até o momento, já foi concluída a primeira etapa do projeto, englobando as
seguintes atividades:

implementação do Parque Linear do Tijuco Preto, entre as ruas Monteiro Lobato
e Totó Leite – nesse trecho, o córrego, que no passado havia sido canalizado
com tubos de concreto, foi destamponado e recuperado com a aplicação de uma
68
biomanta composta por serragem e sisal, implantada às margens do córrego,
para reter sementes e proporcionar a recuperação da vegetação ciliar;

recuperação de quatro nascentes soterradas, a partir de uma ligação que permite
que a água escoe para o córrego; e

construção de um coletor tronco para captar os efluentes domésticos, que antes
eram lançados no córrego.
A Figura 3.11 apresenta o histórico de desenvolvimento da área próxima ao Rio
Tijuco Preto, onde é possível observar o grande crescimento urbano, acarretando na
impermeabilização de cerca de 95% da área. Ainda nesta mesma Figura, é possível
perceber a abertura do córrego e a criação do Parque do Rio Tijuco nos anos 2004 e
2013.
Figura 3.11: Histórico da região do Rio Tijuco Preto. Imagem do trecho entre as ruas
Monteiro Lobato e Totó Leite, nos anos de 1962, 1972, 1998, 2004 e 2013.
Fonte: LEAL e MENDIONDO (2004)
3.4.2. Casos Internacionais

Rio Isar - Alemanha
As informações sobre este caso de estudo foram obtidas em BINDER (2004) e
HARALD LEUMMENS (2008).
O Rio Isar, com 295km de extensão, se localiza no estado da Baviera,
Alemanha. Nascendo na fronteira com a Áustria, próximo aos Alpes, flui na direção
norte passando por Munique e depois a noroeste, onde se encontra, enfim, com o Rio
69
Danúbio. A bacia de drenagem do Rio Isar possui cerca de 9.000km², com cerca de 2,5
milhões de habitantes, sendo mais de 1,5 milhões na cidade de Munique. A água
drenada por ele vem dos Alpes e da parte nordeste das montanhas Karwendel. O
período de cheias acontece entre a primavera e o outono europeu.
A partir do início do século XIX, o rio foi canalizado, com o objetivo de reduzir
as inundações e proporcionar o uso do solo. As primeiras alterações foram realizadas
nas proximidades de Munique e Landshut. Cerca de um século mais tarde, a canalização
do rio foi completada, até o seu deságue no Rio Danúbio. Também foram construídos
diques para proteção de áreas rurais e urbanas contras as cheias do rio. Entre os anos de
1954 e 1959 foi construída a barragem de Sylvenstein, com o objetivo de ser um
reservatório de contenção de cheias. No início do século XX, houve a instalação de
hidrelétricas. O leito do rio permanecia seco a maior parte do ano, carreando água
apenas nos períodos de cheia.
O projeto de requalificação do Rio Isar teve início em 1995; as obras iniciaram
em 2000 e duraram 8 anos, com um custo de 28 milhões de euros (cerca de 90 milhões
de reais, em valores de novembro de 2013). Os principais objetivos do projeto eram
garantir a maior integridade ecológica e o menor risco hidráulico para a bacia do Rio
Isar, através da:

redução da descontinuidade longitudinal e lateral;

aumento do espaço para a mobilidade lateral e para a recuperação da dinâmica
geomorfológica; e

reconstituição do habitat.
A Figura 3.12 apresenta imagens do Rio Isar antes e depois das intervenções,
num trecho em que ele cruza Munique.
Figura 3.12: Rio Isar: (a) Antes das intervenções; (b) Depois das intervenções.
Fonte: GUSMAROLI (2010)
70
Muitas das intervenções tinham como objetivo, além dos listados anteriormente,
devolver o rio à população, tornando-o uma opção de lazer.
Rio Besòs

O Rio Besòs está localizado na região da Catalunha, na Espanha (Figura 3.13) e
é formado pela confluência dos rios Mogent e Congost, terminando em um delta, no
Mediterrâneo, após percorrer um total de 17,7km. Sua bacia hidrográfica completa
possui 1039km². Em Barcelona, o rio cruza sua área urbana, no limite norte da cidade.
A maior parte das informações sobre o projeto realizado foi retirada de MARTÍN-VIDE
(2001).
Rio Besòs
Figura 3.13: (a) Rio Besòs, Barcelona; (b) Bacia Hidrográfica do Rio Besòs.
Figuras obtidas em Wikipédia
A ocupação do leito, a canalização (com a redução da largura do rio de 300m
para 130m), a descarga de resíduos, a extração de areias, a eliminação da vegetação
ribeirinha, a contaminação das águas, o esgotamento dos recursos hídricos e, por último,
a degradação e a marginalidade, assim como a degradação urbana e fraca integração
com o rio, foram os problemas principais deste rio, rotulado por alguns meios de
comunicação como "esgoto a céu aberto" (Figura 3.14).
A situação de degradação ambiental e seus efeitos negativos para a população
ribeirinha determinaram um acordo institucional firmado entre os governos dos
municípios cortados pelo rio. O projeto foi chamado de “recuperação ambiental” e tinha
como objetivo recuperar mais recursos naturais para o rio, com melhor qualidade da
água, dentro do estreito corredor disponível. Foi definido um trecho de 6km de rio para
ser objeto do projeto de restauração
71
Figura 3.14: Figura 3: Rio Besòs na década de 1990.
Fonte: MARTÍN-VIDE (2001)
Com base em pesquisa realizada junto à população local, a Regional de
Barcelona (agência responsável pelo projeto de restauração) propôs usar os 130 metros
restantes do rio para construir um sistema de wetlands (charcos ou pântanos), para
tratamento de esgotos. O efluente da estação de tratamento mais próxima seria
bombeado para um número de células das wetlands nos quais a água escoaria através de
um substrato poroso, feito de material aluvial natural (cascalho). Já na região de jusante,
foi proposto o alargamento do canal, com utilização de grama nas planícies de
inundação que permitissem o uso público da região em forma de um parque urbano. A
Figura 3.15 apresenta imagens do rio após o projeto. Em Fevereiro de 2000, a Regional
de Barcelona decidiu ampliar o projeto, estendendo as obras para o restante do Rio
Besòs.
O projeto de restauração do Rio Besòs traz vários pontos positivos a serem
destacados, a saber:

Iniciativa;

recuperação da qualidade da água;

oferta de área de recreação para a população;

reintegração do rio à cidade;

consciência da importância do sistema por parte da população.
A iniciativa de um projeto como esse é importante, pois, considerando o seu
sucesso, poderá servir como exemplo para projetos similares. Cabe ressaltar que o fato
de o projeto ter sido realizado na década de 1990 também é um fator importante a
considerar, pois pouco se discutia sobre restauração fluvial e, principalmente, suas
técnicas, nessa época.
72
A recuperação da qualidade da água de um ambiente tão degradado como estava
o Rio Besòs é outro ponto bastante importante a destacar. Além de ser uma melhora
para o ecossistema, este era um dos objetivos do projeto, que foi cumprido por meio da
instalação de dispositivos do tipo wetlands. Além do tratamento da água, as wetlands,
que têm como base para o seu funcionamento a utilização de vegetação capaz de extrair
nutrientes do esgoto, também proporcionaram o replantio de vegetação ribeirinha, típica
de regiões mediterrâneas. Essa vegetação também ajudou a fixar as margens do rio,
evitando erosões acentuadas.
O outro objetivo que se tinha quando do início do projeto, da oferta de área de
recreação para a população, também foi atingido, com a instalação do parque urbano em
Santa Coloma. Com o alargamento do canal naquela região, seguido de plantação de
grama nas planícies de inundação, a população passou a poder utilizar essas áreas para
prática de esportes, piqueniques e períodos de lazer com a família, amigos, etc.
Pode-se dizer que, com a recuperação da qualidade da água e a oferta de área de
lazer para a população, o Rio Besòs, com um aspecto geral completamente diferente
daquele que possuía na década de 1990, voltou a se integrar à cidade. Antes, era
considerado até mesmo como “esgoto a céu aberto”, o que causa a repulsa de quem quer
que seja. Após a restauração, a cidade, que antes “virava as costas” para o mesmo, se
voltou para ele.
Para que o rio continuasse mantendo as boas características, recuperadas com o
projeto de restauração, é importante não só a manutenção das estruturas e do conjunto
como um todo por parte dos governos locais, mas também da consciência da
importância do sistema por parte da população, que ajudaria a conservar todo o sistema.
Considerando o sucesso do projeto e sua conservação até os dias de hoje, pode-se,
então, dizer que essa consciência foi despertada.
Figura 3.15: (a) Trecho de montante, mais sinuoso, com wetlands já implantadas. (b)
Aspecto geral da foz do Rio Besòs, com vegetação ribeirinha recuperada e retorno dos
peixes ao ecossistema; (c) Área do Parque – Trecho de jusante do Rio Besòs.
Fonte: MARTÍN-VIDE (2001)
73

Rio Brenta
As informações do projeto foram obtidas em ENVIRONMENT AGENCY
(2006).
O Rio Brenta é um dos principais rios que corre através da cidade de Londres.
Inglaterra. O rio nasce no ponto de fusão de vários cursos d’água, como a Dollis Brook
e a Silk Stream, seguindo através de Neasden até chegar ao Aqueduto do canal Grand
Union. Após a 2ª Guerra Mundial (anos 1950), o rio foi canalizado em forma de “U”,
com fundo em concreto, e sem nenhuma conexão com suas planícies de inundação
(Figura 3.16). O rio, então, deixou de ter vida, estava propenso a inundações e
inacessível ao público.
Figura 3.16: (a) Bacia do Rio Brenta; (b) Rio Brenta em 1999, antes das intervenções.
Fonte: ENVIRONMENT AGENCY (2006)
Na década de 1990, o rio, bastante degradado, sofreu intervenções de
requalificação. Dentre os principais objetivos do projeto, estavam:

Melhoramento do estado ecológico do curso d’água e reconstituição de uma rede
ecológica também em âmbito urbano.

Incremento da capacidade de amortecimento e redução do risco hidráulico.

Restituição de áreas naturais utilizáveis pelos cidadãos ao longo do corredor fluvial.

Incentivo às atividades ao ar livre e à uma vida mais saudável.

Educação ambiental da comunidade.

Desenvolvimento de atividades econômicas, em escala local, ligadas ao afluxo de
visitantes nas áreas requalificadas.

Aumento de valor da propriedade imobiliária.
74
O projeto de requalificação deste rio foi dividido em duas fases (Figura 3.17),
abrangendo 2km de seu percurso. A fase 1 do projeto iniciou em 1999 e terminou em
2003, com um custo de 1,5 milhões de libras esterlinas (aproximadamente 4,52 milhões
de reais em valores de novembro de 2013). A fase 2 ainda está aguardando
financiamento.
Figura 3.17: Etapas do projeto de requalificação do Rio Brenta.
Fonte: ENVIRONMENT AGENCY (2006)
De acordo com ENVIRONMENT AGENCY (2006), a Fase 1 restaurou duas
seções deste rio por meio da “re-meandrização” do canal, antes retificado, ao longo de
seu percurso original, naturalizando as suas margens. A Fase 2 irá articular-se com o
trabalho de requalificação anterior, para melhorar todo o parque. Dentre os principais
benefícios, podem ser destacados:

O canal foi restaurado, juntamente com suas características originais, como a
existência de lagos e pequenos degraus ao longo de seu curso, o que
proporcionou a criação de habitats sustentáveis.

A recuperação da estrutura fluvial proporcionou o retorno de espécies de
animais e plantas diversificadas.

A proteção contra as inundações foi aperfeiçoada, em função de se ter passado a
trabalhar com os processos naturais do rio.

A criação de um corredor fluvial proporcionou o contato com áreas verdes, a
instalação de áreas de lazer para as crianças, e também permitiu a reconexão
entre ambas as margens do rio.
O projeto contou com o envolvimento de uma equipe multidisciplinar com
geomorfólogos, ecologistas, hidrólogos, arquitetos paisagistas e engenheiros. Uma
75
contínua avaliação pós-projeto possibilita monitorar o seu sucesso. A Figura 3.18
apresenta imagens do rio após o projeto.
Figura 3.18: Projeto de requalificação do Rio Brenta se preocupou com a recuperação
dos meandros e das espécies nativas ao longo do mesmo.
Fonte: ENVIRONMENT AGENCY (2006)

Rio Cheonggyecheon
O Rio Cheonggyecheon, em Seul, Coreia do Sul, que sofria de graves problemas
de poluição, acabou sendo ocultado por uma avenida larga na década de 1960. Um
elevado de 6km tornava o cenário ainda mais árido. A ruptura entre cidade e rio estava
decretada. A partir da década de 1990, começaram discussões sobre a possível
demolição de toda a via, com a restauração do rio como um córrego aberto, uma via de
recreação e uma oportunidade de melhoria do ambiente, além de conservação histórica e
engrenagem para a revitalização econômica da região.
Segundo ROWE (2013), o projeto foi concebido pelo governo metropolitano de
Seul, com equipe multidisciplinar, que incluía engenheiros, arquitetos e urbanistas,
paisagistas, dentre outros. Em 2005, após 3 anos de obras (Figura 3.19), o contato com
o rio voltou a ser possível e a população passou a contar com a possibilidade de usufruilo para lazer e contemplação. Foram demolidas as vias elevadas e, também, os leitos
carroçáveis que encobriam o rio. Foram abertos cerca de 20% a mais de espaço em
largura para o córrego, considerando tempo de recorrência de 200 anos (Figura 3.20).
Dentre as intervenções paisagísticas, destaca-se a construção de 22 pontes para
conectar as margens do rio e a criação de corredores verdes e caminhos para pedestres
ao longo do rio. Houve um aumento geral na biodiversidade, com incremento
significativo das espécies de: plantas (de 62 para 308), peixes (de 4 para 25), pássaros
(de 6 para 36), invertebrados aquáticos (de 5 para 53), insetos (de 15 para 192),
mamíferos (de 2 para 4) e anfíbios (de 4 para 8). Também, dentre os efeitos percebidos,
76
verificou-se: redução na ilha de calor (de 3,3ºC a 5,9ºC, com aumento de 2,2% a 7,8%
da velocidade do vento ao longo do corredor verde); diminuição de pequenas partículas
de poluição em 35%; aumento de 30% a 50% do preço do terreno em propriedades e
menos de 50 metros do projeto (dobro da taxa em outras áreas da cidade). A obra total
foi avaliada em 380 milhões de dólares – aproximadamente 870 milhões de reais em
valores de novembro de 2013 (ROWE, 2013).
Figura 3.19: Rio Cheonggyecheon antes e depois das intervenções.
Fonte: CHUNG (2013)
Antes confinado e projetado em separado da cidade, o rio marcava uma forte
divisão entre dois lados, interrompendo a continuidade urbana. Após o projeto de
restauração urbana, o rio foi completamente transformado para se tornar parte integrante
da cidade, possibilitando novos usos, como recreação, lazer e paisagismo, além de
tornar mais contínua a cidade. Ainda que o rio não tenha sido resgatado para seu estado
original, a melhoria obtida com as intervenções foi enorme, proporcionando qualidade
de vida muito melhor do que o que se tinha antes.
77
Figura 3.20: Seção – Rio Cheonggyecheon depois das intervenções.
Fonte: CHUNG (2013)
As tabelas que seguem (Tabela 3.5, Tabela 3.6 e Tabela 3.7) apresentam, de
forma resumida, os casos de requalificação fluvial pesquisados neste trabalho, tanto a
nível nacional quanto internacional. A Tabela 3.5 sintetiza as dimensões da
Requalificação Fluvial e as respectivas atuações empregadas nos diversos casos. A
Tabela 3.6 e a Tabela 3.7 apresentam os casos em si, a nível nacional e a nível
internacional, respectivamente, com a descrição do nome do projeto vinculado, sua
localização, quais dimensões da Requalificação Fluvial estão envolvidas em cada um,
bem como quais atuações na Requalificação Fluvial foram empregadas.
O leitor irá perceber que, em alguns casos, são utilizadas técnicas mais
tradicionais de engenharia, o que demonstra, em alguns casos, uma fase preliminar de
desenvolvimento do conceito de requalificação fluvial ou mostra que este ainda não é
bem compreendido por parte dos gestores.
Com base nos dados observados, é possível perceber que a maioria dos casos
brasileiros tende a ter um foco maior no controle de cheias, em vez de uma visão mais
abrangente, como as bases do conceito de requalificação fluvial indicam. Os projetos
internacionais pesquisados, por possuírem uma visão mais ampla, se preocupam mais
78
com a melhoria do estado ecológico do rio como um todo, tornando-o uma opção de
lazer à população. Além disso, no Brasil, as medidas aplicadas buscam soluções mais
imediatistas, provavelmente por conta da criticidade de alguns rios e suas bacias, em
termos de degradação. Além disso, percebe-se que no Brasil, o processo de
requalificação dos rios brasileiros deve andar em paralelo com a conscientização
ambiental da população e com projetos primários, como criar e ampliar a rede de esgoto
e de drenagem pluvial.
79
Tabela 3.5: Atuações na Requalificação Fluvial (RF)
(d) Melhoria dos
ecossistemas fluviais
(c) Diminuição do risco hidráulico
(b) Recuperação
geomorfológica
(a) Melhoria da
qualidade da água
Dimensões da RF
Atuações na RF
(1)
Medidas relacionadas ao tratamento da água do rio
(2)
Medidas relacionadas ao tratamento e coleta de esgoto
(3)
Reciclagem e industrialização dos resíduos sólidos
(4)
Controle da poluição
(5)
Criação de reservatórios
(6)
Monitoramento da qualidade da água
(7)
Remoção de singularidades
(8)
Estabilização das margens e do fundo
(9)
Restauração da vegetação ribeirinha
(10)
Uso de biomantas
(11)
Uso de geotêxteis
(12)
Escavação do curso natural e/ou recriação de meandros
(13)
Implantação de parque fluvial
(14)
Medidas que melhorem o manejo de águas pluviais
(15)
Implantação de parques urbanos
(16)
Controle da ocupação humana
(17)
Criação de bacias de detenção e retenção
(18)
Áreas de retenção de sedimentos
(19)
Criação e ampliação de áreas de proteção ambiental
(20)
Monitoramento dos níveis de água
(21)
Recuperação de diques de contenção de marés
(22)
Elevação das margens para evitar extravasamento
(23)
Instalação de rip-raps enterrados
(24)
Recomposição da vegetação
(25)
Criação e ampliação de áreas que protejam os habitats existentes
(26)
Interligação de áreas verdes às áreas de lazer
(27)
Estudo de variáveis para possível recriação de habitats
(28)
Implantação de parque fluvial
(29)
Recriação de deltas e meandros
(30)
Habilitação de barragens para passagem de peixes
80
Tabela 3.6: Estudos de casos de Requalificação Fluvial – Brasil
Rio
Projeto
Localização
Dimensões da
RF
Atuações na Requalificação Fluvial
Piracicaba
Projeto Beira-Rio
Piracicaba (SP)
(a), (b), (c), (d)
(2), (3), (15), (24)
Córrego do Bananal
Plano da Bacia do rio
Cabuçu de Baixo
São Paulo (SP)
(a), (b), (c), (d)
(2), (4), (8), (9), (14), (17), (18), (26)
Guamá
Parque Mangal das
Garças
Belém (PA)
(d)
(24)
Iguaçu-Sarapuí
Projeto Iguaçu
Baixada Fluminense (RJ)
(a), (b), (c), (d)
(1), (7), (9), (13), (14), (15), (16), (19),
(25), (28)
Das Velhas
Projeto Manuelzão
MG
(a), (b), (d)
(2), (8), (9), (25), (27)
Das Velhas
Programa DRENURBS
MG
(a), (b), (c), (d)
(2), (8), (9), (14), (17), (25)
Tijuco Preto
Projeto Pró-Tijuco
SP
(a), (b), (c), (d)
(2), (10), (14), (24)
Barnabé
Parque Ecológico de
Indaiatuba
SP
(a), (b), (c), (d)
(2), (8), (14), (24)
João Mendes
Projeto de
Renaturalização do rio
João Mendes
RJ
(c)
(15)
81
Tabela 3.7: Estudos de casos de Requalificação Fluvial – Internacionais
Rio
Los Angeles
Anacostia
Don
Isar
Besòs
Manzanares
Brenta
Projeto
Plano de
Revitalização do Rio
Los Angeles
Plano de Recuperação
da Orla do Rio
Anacostia
Plano de Recuperação
do Rio Don
Plano do Isar
Projeto de
Restauração Fluvial
do Rio Besòs
Projeto Madri Rio
Projeto do Parque do
Rio Brenta (Parque
Tokyngton)
Orge
-
Aurino
-
Tagliamento
-
Skjern
Cheonggyecheon
Projeto de
Restauração do Rio
Skjern
Projeto de
Restauração do Rio
Cheonggyecheon
Localização
Dimensões da RF
Atuações na Requalificação Fluvial
Califórnia (EUA)
(a), (b), (c), (d)
(2), (7), (14), (24), (7)
Washington D.C. (EUA)
(a), (b), (c), (d)
(1), (2), (12), (14), (21), (24)
Toronto (Canadá)
(a), (b), (c), (d)
(1), (5), (12), (14), (24), (29)
Munique (Alemanha)
(a), (b), (c), (d)
(2), (7), (8), (14), (27)
Região da Catalunha
(Espanha)
(a), (b), (c), (d)
(2), (8), (9), (22), (23), (24), (29)
Madri (Espanha)
(a), (c), (d)
(2), (5), (14), (17), (24), (30)
Londres (Inglaterra)
(b), (c), (d)
(8), (12), (14), (27)
(a), (b), (c), (d)
(2), (6), (8), (9), (12), (16), (17), (21), (24)
(b), (c), (d)
(8), (12), (14), (24)
(a), (b), (c), (d)
(2), (15), (17), (30)
Jutlândia (Dinamarca)
(b), (d)
(7), (9), (12), (24), (27)
Seul (Coreia do Sul)
(b), (c), (d)
(13), (14), (15), (24)
Yvelines e Essone
(França)
Tirol do Sul (Itália)
Região de Friuli-Venezia
Giulia (Itália)
82
4. Resiliência das Cidades
Tradicionalmente, o problema das cheias, de forma geral, e o das cheias urbanas,
em particular, sempre foi tratado com foco nos alagamentos resultantes dos eventos de
chuva. Mais recentemente, o conceito de mitigação de risco vem crescendo e
substituindo a lógica simples da redução de alagamentos.
O conceito de risco possui significado variável, de acordo com o contexto em
que está inserido, seja ele social, econômico ou ambiental. É comum que os termos
risco e perigo (do inglês, risk e hazard, respectivamente) sejam confundidos na
linguagem cotidiana. Ainda que estes conceitos estejam de fato relacionados, eles não
devem ser utilizados como sinônimos na terminologia técnica. Neste contexto, perigo
refere-se à situação que tem potencial para causar danos e ameaça à existência ou aos
interesses de pessoas, propriedades ou meio ambiente (CETESB, 2003). Sendo assim,
destaca-se que o perigo é um evento inerente a determinada situação e não pode,
portanto, ser controlado ou reduzido. O risco, por sua vez, é passível de ser gerenciado,
alterando-se sua chance de ocorrência ou suas consequências.
No campo da engenharia, o risco está relacionado tanto à probabilidade de
ocorrência de um evento, quanto à expectativa de perdas causada por ele. Essa
expectativa de perdas pode ainda ser subdividida, pois depende tanto da vulnerabilidade
dos sistemas afetados, quanto de sua capacidade de reação e retorno ao estado de
referência, estando essa parcela usualmente associada ao conceito de resiliência
(ANDERSSON, 2006; GODSCHALK, 2003; JHA, 2012; PRASAD et al., 2009; VALE e
CAMPANELLA, 2005). Assim, o risco, de fato, está condicionado à existência de um
perigo, que é o evento fonte da origem deste risco. No caso em questão, o perigo é
representado pelos próprios eventos de chuva intensa, geradores dos eventos de cheia,
tomados como referência e associados a certo tempo de recorrência, ou seja, a certa
frequência que, por sua vez, se traduz em uma possibilidade de ocorrência. No entanto,
a simples ocorrência deste evento não determina a presença de risco, que também
dependerá da avaliação de como esse perigo acessa e afeta o sistema considerado. No
contexto aqui discutido, o sistema afetado é a própria cidade. Vale destacar que não há
risco associado a uma cheia se a ocorrência desta cheia não gera dano. Ou seja, em uma
área natural, sem elementos de valor expostos a possíveis danos, não se configura risco
quando da passagem de uma cheia. Esta cheia, provavelmente, mesmo que de grande
83
porte, presta serviços ecológicos importantes para a dinâmica natural da calha fluvial e
suas planícies de inundação, configurando um evento positivo.
Considerando essa definição, o risco estaria, portanto, dividido em três
componentes básicos: um que se refere à probabilidade de ocorrência de um evento;
outro, relativo ao processamento das consequências que, por sua vez, depende do nível
de exposição do sistema e sua susceptibilidade a danos; outro, ainda, associado a sua
capacidade de reação ou recuperação. Ou seja, especificamente, tem-se risco como
função do perigo, da vulnerabilidade e da resiliência. De forma um pouco mais simples,
pode-se definir o risco como o produto da ocorrência de uma cheia de referência e as
consequências que ela é capaz de causar (AERTS et al., 2009).
As consequências de alagamentos referem-se a todo tipo de dano com efeitos
prejudiciais a pessoas, saúde, propriedades, infraestrutura, sistemas ecológicos,
produção industrial e economia (MACHADO et al., 2005; MESSNER et al., 2006). É
possível classificar essas consequências de acordo com a facilidade em valorá-las em
termos monetários, em tangíveis, e intangíveis, e em relação ao contato com a água do
alagamento, em diretos e indiretos (Tabela 4.1).
Danos tangíveis são aqueles cujo valor econômico associado é bem definido, tal
como danos físicos a construções (sua estrutura e conteúdo). Já danos à saúde,
fatalidades e impactos ambientais podem ser classificados como intangíveis, devido à
sua difícil estimação monetária.
Danos diretos são os resultantes do contato direto com a água do alagamento e
referem-se basicamente à deterioração física de bens e pessoas. Os principais danos
indiretos, por sua vez, decorrem de perturbações físicas e econômicas do sistema
produtivo, além de custos emergenciais por causa do alagamento e que podem afetar
áreas significativamente maiores do que aquela diretamente afetada pelo alagamento.
Incluem custos de limpeza e de serviços de emergência, lucro cessante, transtornos ao
tráfego de veículos, interrupção de serviços de telecomunicação e perda de valor da
propriedade.
84
Setor
Tabela 4.1: Classificação das consequências de alagamentos.
Danos tangíveis
Danos intangíveis
Diretos
Indiretos
Diretos
Indiretos
Habitacional
Danos físicos à construção,
estrutura e seu conteúdo
Custos de limpeza,
alojamento,
medicamentos
Fatalidades
Estado psicológico de estresse e
ansiedade; danos em longo
prazo à saúde
Comércio e
Serviços
Danos físicos à construção,
estrutura e seu conteúdo
Perdas e danos ao estoque
Custos de limpeza
Lucro cessante
Desemprego
Perda de banco de dados
Fatalidades
Estado psicológico de estresse e
ansiedade; danos em longo
prazo à saúde
Industrial
Danos físicos à construção,
estrutura e seu conteúdo
Perdas e danos ao estoque
Custos de limpeza
Lucro cessante
Desemprego
Perda de banco de dados
Fatalidades
Estado psicológico de estresse e
ansiedade; danos em longo
prazo à saúde
Serviços públicos
e infraestrutura
Danos físicos à construção,
estrutura e seu conteúdo
Danos físicos ao
patrimônio
Custos de limpeza e de
interrupção de serviços
Custos de serviços de
emergência
Fatalidades
Estado psicológico de estresse;
danos em longo prazo à saúde
Inconvenientes de interrupção
de serviços
Patrimônio
histórico cultural
Danos físicos ao
patrimônio
Custos de limpeza e de
Fatalidades
interrupção de serviços
Fonte: MACHADO et al. (2005)
Inconvenientes de interrupção
de serviços
85
Assim, o aumento da resiliência da cidade, como sistema, implica na redução
das possíveis consequências que podem advir das inundações. É a partir desta
conceituação que se busca focar no aumento da resiliência das cidades como uma
medida de ação para diminuição das perdas associadas às cheias urbanas. Cabe ressaltar
que, embora seja um conceito não usado explicitamente até meados do século XX, a
ideia de cidades como sistemas existe há muito tempo (ALLAN e BRYANT, 2011).
GEDDES (1885) já se referia às cidades dessa forma desde o final do século XIX.
Segundo CIRIA (2010), resiliência, no contexto de infraestrutura, pode ser
definida como a habilidade de um bem ou conjunto de bens urbanos de continuar a
cumprir serviços essenciais, mesmo quando ameaçados por eventos incomuns (como,
por exemplo, inundações extremas), bem como a sua velocidade de recuperação e sua
habilidade para retornar ao funcionamento normal quando já não há mais a ameaça.
Como a natureza das ameaças pode mudar com o passar do tempo, a resiliência
está intimamente relacionada com a “capacidade de adaptação” do sistema, que é a sua
capacidade de se adaptar a um ambiente em mudança e continuar a fornecer os serviços
essenciais para o qual foi originalmente projetado. Uma infraestrutura resiliente pode
ser definida como: “sistemas de bens urbanos que serão capazes de sobreviver e ter um
bom desempenho em um futuro cada vez mais incerto”. Por bem urbano, de forma mais
ampla, pode-se entender o conjunto formado não só pelas redes de infraestrutura da
cidade, como também pelas edificações, de forma geral, e pelo mobiliário urbano.
O aumento da resiliência das cidades pode ser obtido a partir de dois caminhos,
que serão objeto de discussão nas próximas seções:

afastando a cidade do contato com a água das cheias, ou melhor, preparando-a
para um melhor convívio com as cheias, o que pode ser feito com um
zoneamento de inundações, evitando a construção em áreas passíveis de
alagamento e garantindo espaço para a passagem e amortecimento das cheias, ou
pelo aumento da resistência das edificações, utilizando o conceito de construção
“a prova de inundação”; ou

diminuindo a geração de escoamentos provocados pela transformação da chuva
em vazão e reorganizando os padrões de escoamento das vazões resultantes.
Esse caminho de ação utiliza medidas de infiltração e armazenamento, com a
incorporação de medidas de controle de escoamento na fonte, nos próprios lotes,
pela implantação de medidas de armazenamento e infiltração nos espaços
públicos, como paisagens multifuncionais e infraestruturas verdes, em nível de
86
loteamento, e por ações de requalificação fluvial, na escala da bacia, entre outras
possibilidades.
4.1. Integração das Soluções de Engenharia Com Aspectos
Urbanísticos e Paisagísticos e as Cidades sensíveis à Água
As cidades vêm presenciando um importante processo de revisão de conceitos
de drenagem, que levam esse assunto a convergir para ações integradas de planejamento
de uso do solo, de desenho urbano e de valorização da paisagem.
Conforme discutido anteriormente (Capítulo 2), a principal preocupação
associada ao projeto de drenagem, na origem, era servir à cidade de forma sanitária –
conduzir para longe do contato da população as águas sujas (de chuva e servidas) que
poderiam causar doenças. Essa fase é conhecida como fase higienista. A partir deste
contexto de partida, SILVEIRA (1998), em uma em uma classificação bastante
difundida, destaca as seguintes fases evolutivas da drenagem: fase higienista, fase de
racionalização e normatização de cálculos hidrológicos, e, mais recentemente, a fase de
abordagem de cunho científico, com novas tecnologias sustentáveis. Segundo esta
classificação, na fase higienista, o foco era a saúde pública. Da mesma forma, na fase da
racionalização e normatização de cálculos hidrológicos, o primeiro conceito é mantido,
porém, acrescenta-se o tratamento do esgoto doméstico e industrial e, ainda,
instrumentos de cálculos de obras hidráulicas e a racionalização do seu uso é procurada.
A fase atual estabelece a consciência ecológica e o desenvolvimento de novas
tecnologias, aplicadas em sistemas mais adaptáveis e integrados (WARD et al., 2013),
visando o desenvolvimento sustentável. Nesta fase, a conservação ambiental, a redução
das inundações e a melhoria da qualidade de vida das populações encontram destaque.
Essas fases não foram estanques, ou seja, de fato, elas não se sucederam
rigorosamente. Muitas vezes elas acontecem simultaneamente, em partes diferentes da
mesma cidade, que tem sistemas antigos convivendo com áreas revitalizadas e novos
desenvolvimentos. Outras vezes, cidades pequenas, com limitações técnicas e de
recursos, não promovem a evolução desejada dos conceitos. Porém, a classificação é
importante para que se possa compreender melhor o processo de evolução das soluções
para o saneamento ambiental e a forma como estas soluções se relacionam com a
própria cidade.
87
Também no Capítulo 2 foi abordado o processo de evolução da drenagem,
apresentando os conceitos atrelados a essa evolução e difundidos mundialmente: Best
Management Practices, que seriam as Melhores Práticas de Gestão de Águas de
Pluviais; Low Impact Development, ou Desenvolvimento de Baixo Impacto; as Técnicas
Compensatórias (conceito definido no Brasil); o Sustainable Urban Drainage System,
ou Sistemas de Drenagem Urbana Sustentável; e o Water Sensitive Urban Design, ou
Projeto Urbano Sensível à Água.
Com base no que foi discutido anteriormente, naquele Capítulo, pode-se
interpretar a evolução da drenagem como uma construção sucessiva, a partir de um
conceito básico: a substituição de medidas concentradas na condução de água por
medidas que buscam recuperar alterações introduzidas pela urbanização. Assim,
primeiro surge a necessidade de introduzir medidas de armazenamento e infiltração.
Depois, estas medidas são integradas em uma mímica da hidrologia natural. Mais
adiante, se expande o conceito para além da própria drenagem, procurando integrar as
várias áreas do saneamento e a água como recurso, valorizando também a sua interação
com a cidade, agregando valor a esta e gerando oportunidades de incremento de
biodiversidade. Por fim, ainda com problemas de cheia permeando as cidades, o
conceito sai do contexto exclusivamente técnico para uma esfera em que se busca um
arcabouço maior, com desdobramentos sociais, econômicos, legais e institucionais.
Neste contexto, tanto o processo de urbanização quanto o controle do uso do solo
urbano devem ser pensados de forma a minimizar os impactos sobre o ciclo hidrológico
natural. A partir destas considerações, o conceito de Cidades Sensíveis à Água será
discutido em sequência, bem como o processo que gera essa cidade, ou seja, o Projeto
Urbano Sensível à Água, ou, como destacado no Capítulo 2, WSUD (Water Sensitive
Urban Design).
Através de uma pesquisa histórica até os dias atuais e fazendo uma prospecção
de futuro, BROWN et al. (2008), a partir da análise de cidades australianas, propuseram
um quadro que apresenta uma tipologia de seis cidades representando as transições
ocorridas ao longo do tempo, no que se refere à relação entre água e cidade. Essa
tipologia inclui: a “Cidade do Abastecimento de Água”, a “Cidade do Esgotamento
Sanitário”, a “Cidade Drenada”, a “Cidade dos Cursos d’Água”, a “Cidade do Ciclo
Hidrológico” e a “Cidade Sensível à Água”. Este quadro, mostrado na Figura 4.1,
reconhece o movimento das cidades em direção a uma gestão sustentável das águas
urbanas.
88
Figura 4.1: Gestão de águas urbanas ao longo do tempo.
Traduzido pela autora a partir de BROWN et al. (2008)
Outra questão fundamental é destacada em CIRIA (2013), que afirma que a
presença da água é frequentemente central para a identidade de um local. No entanto, a
relação entre os lugares em que vivemos e os recursos hídricos dos quais dependemos,
muitas vezes, não é priorizado no projeto e na evolução desses lugares. Pode-se dizer
que a água define um local: ela é um elemento vital no crescimento da população, provê
suporte para a produção de alimentos, se associa a uma paisagem desejável e traz
oportunidades de recreação e lazer e, muitas vezes, é um elemento chave de identidade
de uma paisagem, com a presença de rios, lagoas, ou linhas de costa. A mesma
publicação (CIRIA, 2013) define o Projeto Urbano Sensível à Água como o processo de
integração da gestão do ciclo da água com o ambiente construído através de
planejamento e desenho urbano, tendo por base dois princípios fundamentais:

Todos os elementos do ciclo hidrológico e suas interconexões devem ser
considerados concomitantemente para alcançar um resultado que sustente um
ambiente natural saudável e atenda às necessidades humanas. Isto inclui a gestão
de: demanda por abastecimento de água; águas residuais e poluição, precipitação
e escoamento superficial, cursos de água e inundações.

Análise do ciclo hidrológico deve estar presente desde o início e ao longo dos
processos de planejamento e projeto. Assim, as soluções de gestão de recursos
hídricos buscam atender às expectativas para o projeto de cidades que respeitem
89
as características locais, o meio ambiente e a comunidade, otimizando as
relações custo-benefício da infraestrutura e da forma construída, melhorando a
qualidade de vida da população e proporcionando segurança de oferta dos
recursos e uma maior resiliência no futuro.
A sequência de figuras apresentada a seguir (Figura 4.2, Figura 4.3, Figura 4.4)
mostra esquematicamente e, respectivamente, o comportamento de uma bacia natural,
uma bacia urbanizada, considerando a abordagem tradicional para o sistema de
drenagem urbana, com foco no que se costuma chamar de infraestrutura cinza, e uma
bacia urbanizada com uma abordagem de desenvolvimento sustentável.
Figura 4.2: Comportamento da bacia natural, com processos de interceptação vegetal,
infiltração e retenções superficiais desempenhando um importante papel na geração de
escoamentos superficiais.
(Figura elaborada por Leandro Oliveira Giles)
Figura 4.3: Urbanização tradicional, sem a valorização da água como elemento da
paisagem. O excesso de impermeabilização e artificialização dos cursos d’água
principais marcam a cidade, escondendo os rios e subtraindo valor do ambiente
construído, enquanto agravando a geração de escoamento.
(Figura elaborada por Leandro Oliveira Giles)
90
Figura 4.4: Urbanização mais sustentável, com práticas preservacionistas e valorizando
a presença da água. Melhor integração entre ambiente natural e construído.
(Figura elaborada por Leandro Oliveira Giles)
Para ilustrar a forma como poderia se definir um lote, uma quadra e um novo
desenvolvimento, na ótica do projeto urbano sensível à presença da água, são
apresentadas as figuras a seguir (Figura 4.5, Figura 4.6 e Figura 4.7).
Figura 4.5: Conceito WSUD aplicado a uma casa.
Adaptado de CIRIA (2013) por Leandro Oliveira Giles
91
Figura 4.6: Conceito WSUD aplicado a uma quadra/edifício.
Adaptado de CIRIA (2013) por Leandro Oliveira Giles
Figura 4.7: Conceito WSUD aplicado a um loteamento.
Adaptado de CIRIA (2013) por Leandro Oliveira Giles
92
Conforme pode ser observado, podem ser introduzidas medidas distribuídas
sobre a paisagem urbana, em diferentes escalas, a fim de reduzir ou retardar os picos de
cheias, permitir a recarga das águas subterrâneas e procurar restaurar as condições do
escoamento natural aproximadamente aos padrões existentes antes da urbanização.
Diferentes concepções de reservatórios de armazenamento e dispositivos de infiltração
são as medidas adequadas disponíveis para chegar a uma abordagem de drenagem mais
sustentável. No entanto, a combinação destas medidas com a paisagem urbana ganha
destaque no conceito de cidades sensíveis à agua, assumindo características de
paisagens multifuncionais e integrando corredores verdes. Lagoas de detenção
associadas a praças públicas, parques ou outras áreas de lazer, jardins ornamentais,
capazes de maximizar a infiltração, são alguns exemplos interessantes destas
possibilidades.
SOUZA et al. (2005), discutiu e propôs uma série de procedimentos para aplicar
ao projeto de um loteamento urbano sustentável. Resumidamente, e de forma adaptada,
essa metodologia baseia-se nos seguintes passos:

identificar claramente a regulamentação aplicada em termos de zoneamento
urbano, usos do solo permitidos, parcelas reservadas a preservação e máxima
impermeabilização permitida, dentre outros requisitos urbanísticos mínimos a
serem observados;

definir claramente as áreas naturais a serem protegidas e as condições desejadas
para a nova urbanização, que deverão orientar os futuros desenvolvimentos;

minimizar movimentos de terra e a descaracterização das superfícies naturais;

fazer uso das características naturais locais, das chamadas "impressões digitais"
naturais, ou seja, usar os caminhos naturais de drenagem , em vez de propor
redes de drenagem artificial, minimizar a supressão de vegetação, desconectar
do sistema de drenagem o maior número possível de áreas impermeáveis
projetadas, favorecendo todas as oportunidades de infiltração e garantir
oportunidades de retenção, controlando os escoamentos na fonte;

minimizar a impermeabilização de superfícies, fazendo uso de pavimentos
permeáveis, calçadas verdes, telhados verdes, jardins de chuva;

considerar o comportamento hidrológico como elemento básico de subsídio aos
processos de planejamento e projeto urbano, utilizando o reconhecimento deste
comportamento para preservação do funcionamento natural da bacia, da forma
93
mais próxima possível, controlando o excesso de geração de escoamentos
superficiais e definindo locais propícios para medidas de controle de
alagamentos, como bacias de detenção e retenção e medidas de infiltração,
integradas aos demais elementos de drenagem;

aumentar os caminhos artificiais de drenagem a fim de manter o tempo de
concentração da bacia natural, buscando manter, também, este padrão de préurbanização;

comparar as condições pré e pós-desenvolvimento, avaliar as alterações
hidrológicas inevitáveis e quantificar o nível de controle e as medidas
necessárias para lidar com o novo desenvolvimento, na escala urbana,
considerando os objetivos de gestão e minimização de riscos de alagamento;

complementar o processo de planejamento de desenvolvimento de baixo
impacto com medidas adicionais, em um processo de projeto interativo,
preferencialmente com participação da comunidade.
ANDOH e DECLERCK (1999) fizeram algumas considerações interessantes
sobre os projetos de controle de cheias. Medidas de controle distribuído precisam de
manutenção e, algumas vezes, de operação, o que pode tornar este conjunto de
intervenções menos atraentes em um contexto de ampla aplicação sobre a bacia, devido
a sua quantidade. Medidas distribuídas tendem a ser numerosas e de pequeno porte,
controlando a geração de escoamentos em sua origem. No entanto, as estruturas
menores espalhadas pela bacia, embora possam ser mais trabalhosas para manter e
operar, no contexto da gestão municipal, podem ser menos sensíveis a falhas. Isto se
deve ao fato de que, em termos de desempenho global, a falha de uma ou de poucas
medidas, individualmente, pode ser parcialmente absorvida pelas estruturas restantes,
que devido a sua cobertura distribuída e farta, acabam recebendo uma contribuição
adicional residual. Por outro lado, as intervenções de maior porte e mais concentradas
podem ter consequências muito negativas, se eventualmente falharem. Por serem poucas
e envolverem grandes volumes, é difícil que outras medidas, em numero reduzido,
absorvam as vazões previstas para o dispositivo que falhou. Outra questão interessante
trazida por esses autores é que as medidas de controle distribuído ou na fonte
apresentam custos menores quando comparados com soluções de canalização. Esta
redução de custo varia de 25% a 80% e é mais significativa em bacias mais planas.
Portanto, o controle distribuído de escoamentos gerados pelo processo de urbanização
94
mostra uma possibilidade atraente de combinar medidas de controle de enchentes com
intervenções que agreguem valor à paisagem urbana. Além disso, medidas de controle
na fonte exigem a utilização de um grande número de estruturas pequenas, que podem
ser construídas com menores custos e menores consequências advindas da possibilidade
de falhas, contribuindo para uma maior resiliência do sistema.
4.1.1. Reorganização das Águas de Cheia – Medidas no Lote Urbano
A atuação de controle sobre a geração de escoamentos pode começar dentro do
próprio lote urbano. A urbanização, conforme discutido no Capítulo 2, modifica a
hidrologia urbana, alterando as parcelas do ciclo hidrológico. É muito frequente a
redução da superfície vegetal e a impermeabilização do solo como resultados da
urbanização. Desta forma, a ação no lote, que é a unidade básica do tecido urbano, pode
auxiliar na redução destes efeitos típicos, mantendo áreas verdes mínimas, reduzindo a
impermeabilização, favorecendo a infiltração e a retenção das águas e, até mesmo,
permitindo
desconectar
do
sistema
de
drenagem
partes
das
superfícies
impermeabilizadas do lote, ou seja, fazendo com que o lote trate, ele próprio, pelo
menos uma parte dos escoamentos gerados. Dentre as possibilidades de atuação nesse
contexto, podem ser citados:

o uso de reservatórios de lote, que aparecem já com alguma frequência em
legislações municipais, como uma compensação para o controle de vazões
geradas;

os telhados verdes, que permitem também ganhos de eficiência energética, com
redução de temperaturas internas na edificação, e introduzem uma possibilidade
interessante de composição paisagística;

os jardins de chuva, com objetivo de favorecer a infiltração;

a desconexão das áreas de telhados do sistema de drenagem, dirigindo suas
águas para áreas rebaixadas e permeáveis do próprio lote, onde ocorrerá a
infiltração, entre outras possibilidades.
Muitas cidades europeias têm trabalhado para minimizar a presença de
superfícies de concreto. A cidade de Saarbrücken, na Alemanha, por exemplo,
desenvolveu um programa de subsídios para projetos que permitam a conservação da
água e a redução dos escoamentos superficiais. Algumas ações destacadas referem-se a
95
projetos para a coleta e uso da água da chuva, projetos de substituição de pavimentos
impermeáveis por vegetação ou pavimentos permeáveis e projetos para a instalação de
telhados verdes (BEATLEY, 2000).
a) Reservatórios de Lote
Os reservatórios de lote apresentam-se como medidas de controle de cheias
urbanas introduzidas na fonte de geração de escoamentos, de forma distribuída na bacia
hidrográfica, dentro dos próprios lotes. Essa possibilidade de atuação atenua a produção
de escoamentos superficiais, procurando resgatar parte da capacidade de retenção da
bacia, evitando sobrecarregar as redes de drenagem e garantindo uma capacidade de
armazenagem que tende a aumentar a resiliência do sistema.
Assim, esses reservatórios consistem em “pequenas” unidades de detenção, que,
em conjunto, buscam restaurar a capacidade de armazenar parte da chuva e retardar o
escoamento que a bacia tinha antes de seu desenvolvimento, ou seja, resgatando
condições aproximadas de pré-urbanização. O grifo em “pequenos” é proposital. Os
critérios adotados para o projeto destes reservatórios podem levar desde volumes
realmente pequenos, até volumes consideráveis, dentro da escala do lote, embora sob a
ótica da bacia, estes reservatórios sejam, de fato, sempre pequenos. Essa discussão
depende dos critérios de projeto adotados, em função da chuva crítica utilizada como
condição de dimensionamento. Quando se olha para a escala do lote e a sua relação com
a rede de microdrenagem, associada à coleta de águas na origem, relativa às áreas de
contribuição de telhados, passeios e vias, as bacias são pequenas e a chuva crítica é
intensa e curta. Na escala da bacia maior, pensando em benefícios para a escala da
macrodrenagem, as chuvas são menos intensas e mais longas, tendo, portanto, maiores
volumes, o que tende a ser um fator que faz crescer o tamanho dos reservatórios.
Um reservatório dimensionado para tratar o problema crítico em nível do lote,
provavelmente não ajudará a controlar os problemas de alagamento na escala da bacia,
pois eles acabarão tendo sua capacidade esgotada precocemente. Assim, utilizando uma
chuva crítica na escala da bacia, pode se chegar a volumes consideráveis de
armazenamento, como mostrado no trabalho de DUARTE et al. (2003), que chegou a
encontrar um volume de 12 m3 para um lote de 360m2, totalmente impermeabilizado, de
modo a resgatar a vazão de pré-urbanização, tomando o tempo de 6h de duração da
chuva crítica, para a bacia do rio Joana, na cidade do Rio de Janeiro, com 10 anos de
tempo de recorrência.
96
Uma característica interessante deste tipo de medida é a difusão do conceito de
responsabilidade compartilhada entre poder público e proprietários urbanos para o de
controle de inundações, uma vez que a impermeabilização trazida pelas construções
tende a agravar o problema de cheias. Porém, para uma maior efetividade desta medida,
seria interessante uma ação integrada de planejamento para a bacia urbanizada,
adotando os limites impostos pela própria bacia como referência para o planejamento,
de forma a indicar um zoneamento mais eficaz para a implantação destes reservatórios.
Deste modo, considerando a vocação de alagamento de algumas áreas, que tendem a
acumular águas em partes mais baixas da bacia, estas não seriam áreas adequadas para a
implantação de reservatórios em lote, pois estes tenderiam a ser alagados, de fora para
dentro, ou seja, as águas das ruas, sem controle, tenderiam a invadir os lotes e eliminar a
capacidade de amortecimento destes reservatórios. Inversamente, áreas mais altas ou
mais afastadas, produtoras de escoamento e que fazem estes escoamentos chegarem
mais rapidamente para estressar as redes de drenagem e se acumular nas áreas baixas da
bacia, podem ser muito úteis na armazenagem e retardo dos escoamentos, a partir da
introdução dos reservatórios de lotes. Assim, seria importante se definir zonas
prioritárias de implantação, que pudessem trazer resultados mais efetivos. Este
zoneamento poderia ser formalizado no plano diretor da cidade e poderia ser importante
oferecer algum tipo de incentivo para a implantação destes reservatórios, inclusive nas
construções já existentes, garantindo não apenas a adoção desta medida como possível
solução, mas a efetiva apropriação desta medida pela população.
Na discussão sobre a adoção de reservatórios de lote, TSUCHIYA (1978),
SCHILLING (1982) e O’LOUGHLIN et al. (1995) analisaram as vantagens e
desvantagens desta proposta. As vantagens enumeradas por estes estudos são:

não transfere para jusante o impacto da urbanização;

o sistema é equitativo, colocando a responsabilidade do controle para quem
implementa a urbanização e se beneficia dela;

os problemas são resolvidos na origem;

possibilidade de controle da qualidade da água.

As desvantagens, por sua vez, são listadas como:

sob algumas condições hidrológicas, armazenamentos localizados nas partes
mais baixas das bacias podem aumentar os picos de vazão a jusante devido à
possibilidade do efeito de retardo do escoamento, nestas áreas mais baixas,
97
poder combinar-se com tempos de escoamento mais longos, de contribuições
que vêm de partes mais distantes da bacia, somando hidrogramas;

a manutenção é o maior problema, criando obrigações pesadas aos proprietários,
com dificuldades de fiscalização pelo poder público, o que demanda, de fato,
uma grande conscientização da população e a apropriação deste tipo de solução
como algo representativo do bem coletivo.
Esses reservatórios despontam ainda como uma oportunidade para o proprietário
do lote utilizar as águas da chuva para consumo próprio, de forma não potável,
tornando-se um empreendimento economicamente atraente, e aumentando a oferta
global de água no sistema de abastecimento (MAGALHÃES et al., 2003). A efetividade
desta medida está relacionada com a sua adoção em larga escala, com grande cobertura
espacial, dada a característica de intervenção na fonte. De modo geral, essa observação
se repete para as demais intervenções em nível de lote, que serão discutidas em
sequência.
b) Telhados Verdes
O escoamento produzido pelos telhados convencionais das casas e edifícios
pode ser tratado, alternativamente, com a utilização dos chamados telhados verdes. Esse
tipo de telhado basicamente corresponde a uma técnica de engenharia e arquitetura, que
consiste na aplicação e uso de vegetação sobre solo ou substrato, instalado sobre a
cobertura de edificações, conforme mostra a Figura 4.8.
Figura 4.8: Exemplo de telhado verde em Gênova, Itália.
(Foto da autora, ano: 2011)
98
Na Itália existe outro exemplo de telhado verde, que remonta ao século XIV: a
torre de Guinigis (1384), na cidade de Lucca, na região da Toscana. A torre apresenta,
ainda hoje, um jardim suspenso a uma altura de 36m do nível da cidade (Figura 4.9).
Figura 4.9: Torre Guinigis em Lucca.
(Fotos da autora, ano: 2012)
As principais vantagens dos telhados verdes se associam ao controle de
escoamentos, ao isolamento acústico e térmico, podem agregar valor estético e
ambiental à edificação. No caso específico de controle da geração de escoamentos,
auxiliando nas soluções de drenagem, estes telhados podem gerar maior interceptação
de água pela vegetação, armazenagem na cama de suporte da vegetação do telhado e
aumento no tempo de escoamento das águas que passam pelo sistema.
Essa é uma técnica que pode fornecer bons resultados em áreas densamente
ocupadas e pode ser considerada como uma variante do reservatório de lote, porém com
captação particular em “jardins” elevados.
O excedente das águas drenadas pelo telhado verde pode ainda ser direcionado
para algum dispositivo auxiliar de infiltração (como um jardim de chuva), ou para um
reservatório de lote convencional, enterrado; ou pode ainda ir diretamente para um
barril de chuva, cuja associação, geralmente, se dá diretamente com a drenagem do
telhado (Figura 4.10). Os barris de chuvas são reservatórios para as águas captadas em
níveis superiores das estruturas existentes e colocados sobre a superfície do terreno,
99
sempre drenado por gravidade e podendo ter um torneira para aproveitamento direto ou
descarga.
Figura 4.10:(i)Reservatório
de detenção para águas captadas
do
telhado:
roofroof
toptop
garden,
(ii) (ii)
rainrain
barrel,
(i)
garden,
barrel, (a) telhado verde,
disconnected
from
drainage
net
.
co
com
desconexão
da
drenagem;
(b)
barril
de
chuva.
llecting
roof
toprunoff.
runoff.
disconnected from drainage net.
collecting
roof
Fonte: CARNEIRO e MIGUEZ (2011)
O armazenamento em telhados, entretanto, apresenta algumas dificuldades
inerentes à estrutura, que passa a necessitar de um reforço para suportar sobrecargas, em
alguns dos casos. Nesse contexto, nem sempre é fácil pensar na adaptação de estruturas
existentes, sendo mais fácil a sua implementação em novos desenvolvimentos.
c) Desconexão da Drenagem e Jardins de Chuva
Uma concepção interessante, no que diz respeito à infiltração, é a possibilidade
de desconexão de áreas impermeáveis, evitando sua ligação com a rede de drenagem. A
drenagem tradicional de um lote pressupõe o encaminhamento das águas da cobertura
da edificação e de suas áreas impermeáveis para a rede, através da conexão com as
caixas-ralo. Alternativamente, as áreas impermeáveis do lote podem ser destinadas para
a infiltração. Para este fim, pode-se lançar mão de estruturas como poços de infiltração
ou trincheiras de infiltração. Porém, uma opção mais simples e adaptável a um lote
residencial pode ser a utilização da lógica de desconexão, associada ao conceito dos
jardins de chuva, que são áreas de jardins, com finalidade também paisagística, mas
com sua superfície rebaixada em relação às áreas de entorno e uma preparação do solo
com materiais mais permeáveis, como areia. Assim, um pequeno rebaixo da área
permeável do lote, preparando esta área para receber jardins de chuva, pode ser uma
medida de fácil difusão e que resulta na diminuição dos volumes escoados pelas redes
de drenagem. Esta medida retém a água pluvial acumulada nos reservatórios formados
100
pela parte rebaixada do lote, favorecendo a infiltração. Ao atingir a capacidade de
armazenamento destes reservatórios, o volume excedente verteria para a rede, seguindo
o caminho tradicional. O desenho esquemático representando esta medida é apresentado
na Figura 4.11.
excedente
Only Volume
exceeding
waters go
vertido para as ruas
to the drainage system
Figura 4.11: Representação do rebaixamento da parcela permeável dos lotes.
Fonte: MIGUEZ et al.(2012b)
4.1.2. Reorganização das Águas de Cheia – Medidas na Paisagem Urbana
As áreas públicas e livres de uma cidade podem ser importantes recursos no
processo de controle de cheias. De uma forma geral, o processo de crescimento urbano
se fez de forma dissociada dos limites impostos pelas bacias hidrográficas e, muitas
vezes, se viu uma dicotomia entre ambiente natural e ambiente construído. A arquitetura
e o urbanismo, por um lado, e a engenharia, por outro, colocados na encruzilhada criada
pelo crescimento urbano sem preocupação com a preservação do ciclo hidrológico, vêm
buscando soluções para revitalizar a cidade e integrá-la à paisagem natural.
A combinação de estruturas da paisagem urbana com funções hidráulicas
permite uma composição capaz de auxiliar a equacionar o problema de enchentes
urbanas de forma harmônica e sustentável. Nesse contexto, o conceito que integra
funções diversas, reunindo paisagismo, lazer, valorização ambiental e controle de cheias
é o da paisagem multifuncional.
Apesar de este conceito ser ainda hoje, em geral, pouco utilizado no
planejamento urbano, ele é bastante antigo. Pode-se citar o exemplo das antigas fontes,
que atendiam tanto ao abastecimento público quanto ao embelezamento das cidades.
101
No caso da aplicação deste conceito ao controle de cheias, além dos objetivos
urbanos originais, estruturas como praças e parques, com lagos temporários ou
permanentes, passam a ter também a função adicional de promover o controle da
quantidade e/ou da qualidade dos escoamentos gerados no meio urbano.
Medidas de infiltração, como pavimentos permeáveis, jardins de chuva,
trincheiras de infiltração, valas de infiltração, entre outras, medidas de armazenagem,
como reservatórios temporários de acumulação, além de ações de reflorestamento e de
preservação de áreas verdes, podem ser boas soluções para a consecução destes
objetivos multifuncionais.
HALL e PORTERFIELD (2001), buscando encontrar soluções para resgatar o
desenho harmônico de comunidades, acomodando o seu crescimento de uma forma
sustentável, enquanto preservando o caráter paisagístico, destacam a importância do
tratamento da questão das águas superficiais. Estes autores assinalam que bacias de
detenção ou de retenção, usadas para o controle de cheias, podem ser usadas como
amenidades, quando projetadas com imaginação, ajudando a criar ambientes saudáveis e
funcionais, favorecendo o desenvolvimento de uma diversidade de espécies vegetais e
animais, bem como agregando aspectos estéticos que valorizam o ambiente construído.
A Figura 4.12 apresenta exemplo de bacia de detenção em Viena, capital da Áustria,
compondo com o jardim de um dos palácios locais.
Figura 4.12: Bacia de detenção em Viena, Áustria.
(Foto da autora, ano: 2013)
102
A Figura 4.13 apresenta duas imagens de uma praça localizada no Rio de
Janeiro, usada para a recreação e espaço de lazer, em dia de chuva intensa em abril de
2007. Rebaixada em relação às ruas do se entorno, a praça funciona como reservatório
de detenção, armazenando parte do volume precipitado.
Figura 4.13: Praça Afonso Pena, na cidade do Rio de Janeiro (RJ) em dia de chuva
intensa, funcionando como reservatório de detenção.
(Fotos da autora, ano: 2007)
A integração de soluções de drenagem com a revitalização e valorização do
espaço urbano pode ser um caminho importante para a solução do problema de cheias,
seja pela possibilidade de projetar atuações distribuídas sobre toda a bacia urbanizada,
fugindo do foco tradicional que direciona esforços para a adequação da rede de
drenagem, seja pela possibilidade de financiamento, pelo poder público, de obras com
múltiplas finalidades, seja pela melhor aceitação destas obras pela população, que têm
nesta concepção a possibilidade de melhoria do ambiente em que ela se insere. A Figura
4.14 mostra uma medida de controle de enchentes proposta em uma simulação
acadêmica, para a Praça Edmundo Rego, no Bairro do Grajaú, integrante da bacia do
Rio Joana, na Cidade do Rio de Janeiro. Nesta praça, foi previsto o rebaixo de duas
áreas, uma contendo um anfiteatro, outra contendo uma área de ginástica e um
playground, para atuarem como reservatórios temporários, somando quase 3000m3.
Nesta configuração, a praça foi capaz de amortecer em 50% a vazão de projeto lançada
na rede de jusante.
103
Reservatório R1
Reservatórios R2
Figura 4.14: Representação do projeto de uma praça, funcionando como paisagem
multifuncional, agregando reservatórios de detenção para controle de cheias dentre suas
funções.
Fonte: MIGUEZ e MAGALHÃES (2010)
104
4.1.3. Ações de Convívio com as Águas de Cheia
Ao contrário de obras estruturais, que atuam fisicamente sobre os fenômenos de
formação dos alagamentos, o objetivo das medidas não estruturais é reduzir a exposição
da sociedade e dos sistemas econômicos às inundações. Um vasto conjunto de ações
possíveis pode ser desenvolvido com o intuito de permitir uma melhor convivência com
as cheias, que vão desde o zoneamento de inundações e o planejamento urbano até
ações individuais de construção de edificações à prova de inundações.
Nesse contexto, talvez a mais básica e mais importante de todas as medidas não
estruturais esteja relacionada com a ação preventiva de evitar ou restringir a ocupação
de várzeas naturalmente inundáveis. A inundação periódica de áreas ribeirinhas é um
processo cíclico e natural de grande relevância ambiental. Nas áreas urbanas, muitas
vezes ocorre a ocupação de planícies de inundação, por falta de uma definição clara
destas áreas, o que acaba por constituir um problema grave. Parte da população, muitas
vezes sem alternativas adequadas de habitação, exerce pressão para a ocupação destas
faixas de terra, especialmente nos casos em que não há registro de inundações recentes
ou onde o controle do uso do solo é ineficaz, uma situação comum observada em países
em desenvolvimento.
Legalmente, conforme define a Lei Federal 6.766 de 1979 (BRASIL, 1979), que
rege o parcelamento e uso do solo urbano, não é possível o loteamento de áreas sujeitas
à inundação, a menos que sejam tomadas as providências para sanar esta situação.
Dessa forma, a regulação de ocupação das várzeas deve ser baseada no mapeamento de
inundações, para diversas probabilidades de ocorrência, de forma a identificar os riscos
inerentes a cada faixa e a estabelecer critérios para esta ocupação. Assim, áreas mais
frequentemente inundáveis deveriam ser mantidas da forma mais natural possível,
configurando corredores verdes; áreas inundáveis com uma recorrência mediana
poderiam ser destinadas a parques e áreas de lazer; áreas menos sujeitas a inundação
poderiam receber restrições de ocupação, com a definição de cotas de segurança ou a
adoção de medidas de proteção individual das edificações; e áreas mais seguras
poderiam ser liberadas para a construção de forma mais irrestrita. Este tipo de
zoneamento deve, portanto, ser integrado com atividades de planejamento urbano.
Os Planos Diretores de Manejo de Águas Pluviais, como frequentemente
chamados hoje, ou Planos Diretores de Drenagem Urbana, como originalmente
conhecidos, consistem em um conjunto de estratégias, medidas e políticas organizadas
105
com fim de gerenciar os riscos de alagamento e orientar o desenvolvimento de sistemas
de drenagem, de forma integrada com os demais componentes do sistema de
saneamento básico e com o crescimento da cidade. Assim, o próprio Plano Diretor
Urbano deve estar associado ao mapeamento de cheias e precisa focar no controle do
uso do solo, para não conflitar com as áreas alagáveis, bem como deve procurar manter
as condições de ocupação da bacia com a menor interferência possível sobre o ciclo
hidrológico, controlando, principalmente, as condições de impermeabilização da bacia,
que são um efeito típico do próprio processo de desenvolvimento urbano. A gestão
adaptativa do risco de cheias requer mudanças no regime, nos processos e nas
instituições de manejo das águas (HUITEMA et al., 2009).
Uma forma de classificação das zonas de inundação está relacionada com: a
consideração de uma zona de inundação mais frequente, que pode ser vista como a
região de passagem das cheias (do inglês, floodway), com efeitos dinâmicos
importantes; a definição de uma zona de planícies de inundação (floodplain), que pode
ser inundada em eventos de maior porte, mas tem efeito, principalmente, de
armazenamento temporário das águas. Em geral, os limites destas zonas são definidos
com o intuito de planejamento da ocupação. Cada um desses limites é estabelecido de
acordo com as inundações de um determinado período de retorno. Muitas vezes, a zona
de passagem da cheia está relacionada com o período de retorno de 20 anos, enquanto a
planície de inundação está associada com eventos mais raros, por exemplo, de 100 anos
de período de retorno da inundação.
A prevenção da ocupação da zona de passagem da cheia é extremamente
importante; por isso a construção nesta área está proibida em muitos países. Estas áreas
são mais adequadas para o desenvolvimento de parques públicos, que podem agir como
paisagens multifuncionais, ou zonas de conservação ambiental, e podem ser gerenciados
de forma a tornar-se áreas verdes na paisagem da cidade.
Em geral, a ocupação da planície de inundação é permitida, embora com
restrições usualmente associadas, como a exigência do nível do piso da edificação estar
acima da inundação de base (para o período de retorno de 100 anos, por exemplo) ou
desenvolver o projeto e construção, de acordo com códigos de construção específicos,
adaptados a uma condição chamada “à prova de inundação”.
Medidas à prova de inundação estão associadas ao uso de técnicas permanentes,
eventuais ou de emergência, para evitar que a água atinja as edificações e seus
conteúdos, bem como infraestruturas diversas, ou para minimizar os danos causados
106
pelas inundações (ANDJELKOVIC, 2001). Basicamente, o projeto de construções à
prova de inundação deve considerar as forças devido à profundidade de alagamento, à
velocidade do escoamento e a potenciais impactos provocados por detritos trazidos pela
inundação. Existem vários tipos de técnicas de construção à prova de inundação, tal
como mostrado na Figura 4.15. Alguns dos ajustes que se fazem necessários para
garantir uma construção à prova de inundação são: a ancoragem da construção para
resistir à flutuação, movimentos laterais e colapso; instalação de vedações para portas e
janelas; reforço de paredes; instalação de válvulas de retenção para evitar a entrada de
águas pluviais ou de esgoto através de aparelhos sanitários e ralos; localização de
equipamentos elétricos, mecânicos e outros deterioráveis acima do nível de inundação
esperado; instalação de pequenos diques, bermas ou outros tipos de barreiras, entre
muitas outras ações possíveis (FEMA, 1993).
Figura 4.15: Exemplos de medidas de construção à prova de inundação.
Adaptado de UNESCO, 1995 por MIGUEZ e MAGALHÃES (2010)
107
Outras medidas de convívio com as cheias podem incluir a adoção de sistemas
de alarme de cheias e seguros contra inundação, por exemplo. Importante citar, também,
a própria conscientização da população e campanhas de educação ambiental. COAFFEE
et al. (2008) defendem que a resiliência é mais efetiva quando envolve uma rede mútua
e responsável de instituições e agências cívicas em conjunto com os cidadãos para
trabalhar em parceria, em busca de objetivos comuns e dentro de uma estratégia
comum.
108
5. Metodologia
Como ponto de partida para o desenvolvimento desta Tese, foi realizada ampla
revisão bibliográfica, abrangendo os seguintes temas:

drenagem urbana sustentável;

requalificação fluvial;

resiliência.
A partir desta revisão, foi possível propor a integração de conceitos de
requalificação fluvial e de drenagem urbana sustentável como alternativa para
tratamento de cheias em bacias urbanas, aliando ambiente natural e construído, bem
como definir um conjunto de medidas capazes de sustentar esse passo, como
apresentado a seguir.
O conjunto de procedimentos proposto foi aplicado à bacia do Rio Dona
Eugênia, na Baixada Fluminense, área metropolitana do Rio de Janeiro. O
desenvolvimento do caso de estudo proposto seguirá as etapas descritas ao longo deste
capítulo.
Inicialmente, foi realizado diagnóstico da situação presente de alagamentos na
bacia, para uma dada chuva de projeto. A coleta de informações históricas, visitas de
campo, relatos de moradores, registros de jornal, eventos efetivamente medidos e a
utilização de ferramentas de modelagem matemática são importantes aportes para a
confecção de um diagnóstico consistente e representativo.
Nesta Tese, em particular, preconiza-se o uso do modelo matemático de células
de escoamento, MODCEL (MASCARENHAS e MIGUEZ, 2002; MASCARENHAS et
al., 2005; MIGUEZ, 2001; MIGUEZ et al. 2011), como ferramenta de suporte ao
diagnóstico.
Na sequência, foi definido um horizonte passado, de referência, quando a
urbanização encontrava-se ainda em fase inicial e as inundações não desenvolviam um
papel crítico. A recomposição deste cenário permitiu trazer à tona um conhecimento
sobre como sua evolução ao longo do tempo introduziu modificações no
comportamento hidrológico, resultando no quadro presente de cheias. A modelação
deste cenário serve como ponto de partida para a avaliação dos efeitos do crescimento
urbano sobre o ciclo hidrológico e sobre as feições fluviais.
109
A partir da observação destes dois cenários, foi possível avaliar os efeitos do
agravamento do alagamento, sob o ponto de vista da comparação direta de lâminas de
alagamento. Entretanto, dentro de uma ótica de risco, que agrega à informação de
alagamento os danos que a cidade pode sofrer, os cenários presentes foram avaliados,
também, sob a ótica da caracterização do sistema posto em condições de risco. Nesse
contexto, resgata-se e adapta-se a metodologia proposta por ZONENSEIN (2007) para o
cálculo do risco de cheias. Essa proposta refere-se a uma abordagem multicritério, que
identifica características do evento de cheia, conjugando níveis de alagamento,
velocidades
de
escoamento
e
tempos
de
permanência,
com
indicadores
socioeconômicos, relacionados a edificações afetadas, perdas materiais, degradação das
condições ambientais e de saúde pública e restrições ao tráfego. Durante o
desenvolvimento do estudo de caso proposto, este índice de risco será detalhado e
utilizado para a comparação entre diferentes cenários de projeto para mitigação dos
efeitos adversos das cheias urbanas.
Com este arcabouço estabelecido, ou seja, tendo uma situação passada de
referência (pré-urbanização), conhecendo a situação atual de alagamentos e degradação
fluvial, compreendendo as interrelações entre uso do solo e geração de escoamentos e
mapeando a relação estabelecida entre água e cidade, postula-se a consideração da
abordagem de requalificação fluvial como alternativa para resolver o problema de
cheias e proporcionar uma cidade mais sustentável, com rios mais saudáveis, integrando
ambiente natural e construído e gerando oportunidades de revitalização da paisagem
urbana.
Nesse contexto, a requalificação fluvial, originalmente associada a paisagens
mais naturais, precisa ser adaptada ao contexto urbano, com algumas concessões
necessárias à sua articulação com a cidade, mas mantendo o foco na busca por uma
solução mais próxima do funcionamento natural do sistema, que, por premissa, tende a
ser mais resiliente, mais econômica e mais fácil de manter.
Uma proposta de requalificação fluvial urbana deve procurar agir sobre os
pilares fundamentais que sustentam esse conceito: redução do risco hidráulico, resgate
de características hidrológicas e morfológicas, melhoria da qualidade da água e
melhoria do ecossistema fluvial. Considerando que os três primeiros (redução do risco
hidráulico, resgate de características hidrológicas e morfológicas, melhoria da qualidade
da água) podem ser considerados como os elementos básicos que dão suporte ao último
(melhoria do ecossistema fluvial), estes três elementos, que são típicos da esfera de
110
atuação da Engenharia, foram tratados, em maior ou menor escala, na proposta desta
Tese. Em particular, o foco recaiu no controle da geração de escoamentos e na sua
reorganização espacial, na recuperação das áreas marginais ao rio e reconexão com suas
planícies de inundação, na valorização da manutenção de áreas permeáveis e na
composição de caminhos verdes ao longo do rio, compondo, sempre que possível, um
mosaico com a paisagem natural remanescente. A questão da qualidade da água não foi
particularmente tratada, exceto pela consideração da remoção de lançamentos diretos de
esgotos nos cursos d’água urbanos.
Para controle da geração e reorganização dos escoamentos, os conceitos de
requalificação fluvial serão complementados pelo uso de técnicas compensatórias em
drenagem urbana, para resgate de características de infiltração e retenção natural da
bacia hidrográfica, que foram perdidas com o processo de urbanização.
A composição de um cenário integrado de Requalificação Fluvial + Drenagem
Urbana Sustentável deverá ser capaz de equacionar os problemas da bacia, para o
cenário da chuva de projeto. Além disso, este deve ser um cenário capaz de minimizar
riscos de uma forma eficaz, enquanto cria oportunidades de valorização do solo urbano.
Adicionalmente, como parte da metodologia proposta, além da efetividade na
redução do risco de cheias, deve ser introduzida uma forma de avaliar a efetividade das
medidas propostas em relação à melhora do estado do rio, cumprindo também o papel
de requalificação fluvial. Assim, propõe-se o desenvolvimento de um índice de
requalificação fluvial, para proporcionar uma medida quantitativa (e passível de
comparação entre possíveis intervenções) de quanto melhora a qualidade do sistema
fluvial, como sistema mais próximo do natural e, portanto, mais equilibrado. A proposta
desse índice será detalhada no Capítulo 6.
Para validação da proposta como um todo, duas atividades adicionais foram
desenvolvidas:

A proposta e modelagem de um conjunto tradicional de medidas, com
canalização e barragem, que deverá manter o rio em condições de escoamento
em calha, sem extravasamento. Para esta condição, o índice de risco e o índice
de requalificação serão também aplicados para efeito de comparação com a
alternativa de requalificação fluvial + drenagem urbana sustentável. Entretanto,
o índice de requalificação fluvial, em particular, para esse conjunto de
intervenções, não deverá trazer qualquer mudança significativa.
111

Todos os cenários propostos serão também verificados para um evento de chuva
maior que o de projeto, simulando uma situação hidrológica extrema, de modo a
avaliar o comportamento das diferentes soluções (tradicionais/sustentáveis)
nesse cenário de falha. A comparação do índice de risco na situação de projeto e
na situação de eventual perda de eficiência, quando da ocorrência de evento
extremo, superior ao de projeto, será utilizado como indicador do grau de
resiliência da solução proposta.
Resgatando a lógica desenvolvida desde a formulação da hipótese básica deste
trabalho e sumarizando os procedimentos acima descritos, pode-se dizer que se espera,
ao final do estudo de caso postulado, chegar a conclusão que a requalificação fluvial
pode ser uma importante ferramenta para o controle de enchentes, enquanto resgatando
qualidade para o sistema fluvial e gerando oportunidades de revitalização urbana. Essa
alternativa deve ser conjugada com técnicas compensatórias de drenagem urbana para
suporte na recuperação de características do ciclo hidrológico natural. O resultado final
desta composição de projeto vem minimizar riscos e aumentar a resiliência da cidade.
Os cenários básicos a serem desenvolvidos no estudo de caso são listados a
seguir:

Situação atual (referência para o problema de alagamento);

Situação do passado, antes da urbanização mais intensa da bacia (referência para
a melhoria de comportamento procurada);

Proposta de requalificação fluvial;

Proposta de drenagem urbana sustentável, utilizando técnicas compensatórias
para controle de escoamentos na fonte;

Combinação da requalificação fluvial com a drenagem sustentável;

Proposta de barragem a montante;

Avaliação de uma situação atual alternativa, se a partir da situação passada
tivesse havido um controle de crescimento da cidade que já se preocupasse com
um desenvolvimento sustentável desde o inicio do processo de intensificação da
urbanização;

Combinação das medidas de requalificação, drenagem sustentável e introdução
da barragem, para avaliar complementaridades;
112
Assim, resumidamente, o procedimento proposto nesta Tese, que, se
confirmado, poderá ser replicado para controle de cheias em outras bacias urbanas,
contém os seguintes passos básicos:

Definição de cenário passado de referência;

Diagnóstico da situação atual;

Cálculo do índice de risco de cheia atual, como medida de quantificação de
danos gerados pelos alagamentos na situação atual, tomada como referência para
a avaliação das propostas de intervenções;

Cálculo do estado atual do rio pela aplicação do índice de requalificação fluvial,
também como referência de partida;

Avaliação do diagnóstico da situação atual, de forma multidisciplinar, por
profissionais de engenharia, arquitetura e paisagismo, para integração de ações
de controle de cheias, valorização urbana e composição da paisagem – nessa
composição é importante reorganizar escoamentos, valorizar ações de infiltração
e armazenagem, criar áreas de recreação e lazer, integrar essas áreas com
oportunidades de valorização das paisagens naturais, reorganizar a ocupação de
áreas de risco, criando alternativas de habitação viáveis e sustentáveis;

Geração de alternativas de controle de cheia, a partir da avaliação anterior,
introduzindo o cenário de requalificação fluvial combinado com ações de
drenagem sustentável distribuídas na bacia, mas sempre articulando essas
propostas com aspectos de arquitetura, urbanismo e paisagismo;

Recálculo do índice de risco de cheia para avaliação da eficácia dos controles
propostos;

Recálculo do índice de requalificação fluvial para avaliação da melhora no
estado de conservação do rio;

Consideração de uma situação adversa, de saturação urbanística, sem controle de
impermeabilização do solo, para avaliação do desempenho das alternativas
propostas no contexto de uma escala de resiliência.

Ajustar variáveis de projeto até obter valores satisfatórios para alagamentos,
riscos de cheias e requalificação fluvial, em um processo interativo.
113
6. Ferramentas Metodológicas
São apresentadas, neste capítulo, as ferramentas que serão utilizadas no estudo
de caso proposto nesta Tese: o MODCEL (MASCARENHAS e MIGUEZ, 2002;
MASCARENHAS et al., 2005; MIGUEZ, 2001; MIGUEZ et al. 2011), modelo
matemático hidrodinâmico que atuará como ferramenta de suporte ao diagnóstico da
situação presente de alagamentos na bacia, para uma dada chuva de projeto, e também
para a prospecção de cenários futuros; o IRC – Índice de Risco de Cheias
(ZONENSEIN, 2007), índice com uma abordagem multicritério, que identifica
características do evento de cheia, conjugando níveis de alagamento, velocidades de
escoamento e tempos de permanência, com indicadores socioeconômicos, relacionados
a edificações afetadas, perdas materiais, degradação das condições ambientais e de
saúde pública e restrições ao tráfego; e o REFLU – Índice de Requalificação Fluvial
Urbana, índice desenvolvido nesta Tese, que proporcionará uma medida quantitativa (e
passível de comparação entre possíveis intervenções) de quanto melhora a qualidade do
sistema fluvial, como sistema natural.
6.1. MODCEL
Em MIGUEZ (2003), é apresentado um detalhado histórico do Modelo de
Células, considerando um período a partir de 1960, quando foi proposto e construído o
primeiro modelo matemático bidimensional relevante, por ZANOBETTI e LORGERÉ
(1968), até os dias atuais. A seguir, é feita uma compilação do texto extraído deste
trabalho, focando apenas nos estudos de relevância para esta Tese.
A modelação matemática de grandes planícies de inundação através do esquema
de células de escoamento teve como aplicação pioneira no Brasil o trabalho realizado
por MIGUEZ (1994), com aplicação ao Pantanal Mato-Grossense, uma grande planície
rural alagável. O conceito de células de escoamento permite dividir uma bacia em
compartimentos homogêneos, que representam a superfície de forma integrada,
compondo a sua rede de escoamentos.
Em MIGUEZ (2001), este trabalho foi resgatado, desenvolvido e estendido, com
adaptações dos conceitos envolvidos na modelação por células, para aplicação a uma
bacia urbana. Neste novo estudo, o método numérico não foi modificado; todas as
114
alterações foram realizadas sobre o modelo matemático já desenvolvido anteriormente,
trabalhando sobre conceitos físicos, para aumentar o grau de representatividade do
modelo em relação às enchentes urbanas, a partir da definição de novos tipos de células
e novos tipos de ligação entre células. Esta nova versão do Modelo de Células foi
aplicada para um estudo de enchentes na bacia do Canal do Mangue, na cidade do Rio
de Janeiro/RJ.
A partir de então, o Modelo de Células desenvolvido por Miguez, também
conhecido como MODCEL, passou a ser utilizado em inúmeros estudos de enchentes
urbanas, em âmbito acadêmico, dentre os quais se destacam: BAHIENSE (2013),
MASCARENHAS e MIGUEZ (2002), MIGUEZ et al. (2007a, 2007b, 2009a, 2009b,
2012a, 2012b, 2012c, 2013a), REZENDE et al. (2013, 2008), SOUSA et al. (2009a),
ZONENSEIN et al. (2008).
As hipóteses do Modelo de Células para o caso de cheias urbanas são
brevemente descritas a seguir (MIGUEZ, 2001).
a) A natureza pode ser representada por compartimentos homogêneos, interligados,
chamados células de escoamento. Os rios, seus afluentes, planícies de inundação e
bacias de contribuição são subdivididos em células, formando uma rede de
escoamento bidimensional, com possibilidade de escoamento em várias direções nas
zonas de inundação, a partir de relações unidimensionais de troca.
b) Na célula, a área da superfície livre líquida depende da elevação do nível d’água no
interior desta e o volume de água contido em cada célula está diretamente
relacionado com o nível d’água no centro da mesma, ou seja:
Vi  V( Z i )
Equação 6.1
Vi  Asi x ( Zi - Z0i )
Equação 6.2
Onde:
Z0i é a cota do fundo da célula;
Asi é a área superficial da célula.
c) O modelo proposto articula as células em loop (modelo anelado), com possibilidade
de escoamento em várias direções na bacia modelada.
d) Cada célula comunica-se hidraulicamente com células de sua vizinhança próxima.
115
e) Cada célula recebe a contribuição de precipitações e realiza processos hidrológicos
internos para transformação de chuva em vazão.
f) Às vazões trocadas com as células vizinhas somam-se as vazões resultantes da
transformação da chuva.
g) O escoamento entre células pode ser calculado através de leis hidráulicas
conhecidas, como, por exemplo, a equação dinâmica de Saint-Venant, completa ou
simplificada, a equação de escoamento sobre vertedouros, livres ou afogados, a
equação de orifício, diversas combinações construídas para representar estruturas
hidráulicas, como bocas-de-lobo, galerias, comportas flap, entre outros.
h) A vazão entre duas células adjacentes, em qualquer tempo, é apenas função dos
níveis d’água no centro dessas células, ou seja:
Qi , k  QZi , Z k 
Equação 6.3
i) As seções transversais de escoamento são tomadas como seções retangulares
equivalentes, simples ou compostas.
j) Aplica-se o princípio da conservação de massa a cada célula.
k) As células são arranjadas em um esquema topológico, constituído por grupos
formais, onde uma célula de um dado grupo só pode se comunicar com células deste
mesmo grupo, ou dos grupos imediatamente posterior ou anterior, caracterizando as
relações de vizinhança e permitindo a solução numérica pelo método da dupla
varredura.
6.1.1. Modelação Através da Representação por Células de Escoamento
As células podem representar a natureza isoladamente ou em conjuntos,
formando estruturas mais complexas. Um conjunto resumido de tipos de células pode,
eventualmente, já fornecer grande capacidade de representação, ao se pensar em suas
possíveis associações. Porém, a possibilidade de definição de um conjunto de diferentes
tipos de ligação, que são representativas de leis hidráulicas que traduzem determinados
escoamentos, pode fazer grande diferença na tentativa de reproduzir a multiplicidade
dos padrões de escoamento em um vale e suas áreas de planície passíveis de sofrerem
inundações.
116
A atividade de modelação topográfica e hidráulica deve então contar com um
conjunto pré-definido de tipos de célula e de tipos possíveis de ligações entre elas. A
seguir, são descritos os tipos de células pré-definidos com os quais o modelo trabalha.

de rio ou canal, por onde se desenvolve o escoamento principal da drenagem a
céu aberto, podendo ser a seção simples ou composta;

de galeria, subterrânea, complementando a rede de drenagem principal,
representando trechos de rios capeados ou grandes galerias de macrodrenagem;

de planície urbanizada, para a representação de escoamentos à superfície livre
em planícies alagáveis, bem como áreas de armazenamento, ligadas umas às
outras por ruas, podendo também representar áreas de encosta, para recepção e
transporte da água aí precipitada para dentro do modelo, áreas de vertimento de
água de um rio para ruas vizinhas e vice-versa, considerando um dado padrão de
urbanização pré-definido, como mostrado na Figura 6.1;

de planície natural, não urbanizada, análoga ao tipo anterior, porém prismática,
sem considerar nenhum tipo de urbanização;

de reservatório, simulando o armazenamento d’água em um reservatório
temporário, dispondo de uma curva cota x área superficial, a partir da qual,
conhecendo-se a variação de profundidades, pode-se também conhecer a
variação do volume armazenado. A célula tipo-reservatório cumpre o papel de
amortecimento de uma vazão afluente.
Nível da edificação
Nível da calçada
Nível da rua
Figura 6.1: Escalonamento de níveis na superfície de uma célula urbanizada.
(Figura elaborada por Osvaldo Moura Rezende)
117
A Figura 6.2 mostra, esquematicamente, a modelação do espaço urbano através
de células de escoamento.
Figura 6.2: Representação esquemática de uma região dividida em células, mostrando
interfaces dos escoamentos superficiais.
Fonte: MIGUEZ (2001)
É interessante ressaltar que as células funcionam efetivamente como unidades
básicas, como se fossem tijolos de construções maiores, que se vão agregando para
montar a paisagem geral da bacia. Desse modo, uma célula pode representar um lago,
por exemplo, e um conjunto de células pode formar uma estrutura como a de um longo
canal, ou uma confluência entre rios. A soma de estruturas simples com estruturas
elaboradas forma, por sua vez, paisagens mais complexas, como, por exemplo, a
representação do escoamento integrado em extensas superfícies alagadas, em rios e
canais e na rede de microdrenagem.
A representação dos rios e canais principais pode ser feita pela composição com
as células de canal, margeadas por células de planície com função de vertedouro, que
recebem o extravasamento do rio na cheia, sendo estas células, por sua vez, ladeadas
por outras células de planície, para onde fluem as águas que saíram dos rios, podendo, a
partir daí, seguir seu próprio caminho através destas células que representam a paisagem
urbana. A própria calha pode, por exemplo, ser dividida em calha principal e
secundária, com células justapostas.
118
6.1.2. O Modelo Hidrológico
A separação do escoamento superficial foi originalmente representada no
MODCEL através do coeficiente de runoff, definido conforme características de cada
célula. Assim, num dado passo de tempo, a lâmina de chuva efetiva, numa célula
qualquer, pode ser obtida através do produto do seu coeficiente de runoff pela
precipitação referente ao mesmo período.
Adicionalmente, para uma representação mais detalhada dos fenômenos
hidrológicos envolvidos na geração de cheias em áreas urbanas, o MODCEL também
apresenta a alternativa de um modelo hidrológico simples (Figura 6.3), representando a
infiltração, a interceptação vegetal e a retenção em depressões, sendo estes dois últimos
considerados de modo combinado em uma parcela de abstração. A abstração se
manifesta enquanto se enche um reservatório que modela a sua capacidade, enquanto a
infiltração pode ocorrer paralelamente enquanto houver uma lâmina d’água sobre a
superfície da célula modelada. Num passo de tempo qualquer, os cálculos referentes às
rotinas hidrológicas são realizados em primeiro lugar, e, em seguida, a propagação dos
escoamentos é feita através das rotinas hidrodinâmicas.
Modelo hidrológico
Áreas de armazenagem
Interação entre galerias e
escoamentos nas ruas
Figura 6.3: Representação de uma célula: modelo hidrológico e troca entre células.
(Figura elaborada por Osvaldo Moura Rezende)
119
6.1.3. O Modelo Matemático
A variação do volume d'água em uma célula i, em um intervalo de tempo t, é
dada pelo balanço de massa nesta célula. Assim, em termos diferenciais, tem-se a
equação da continuidade representada a seguir (Equação 6.4):
Asi
dZi
 Pi   Qi,k
dt
k
Equação 6.4
onde,
Qi ,k
vazão entre as células i e k, vizinhas entre si;
Zi
cota do nível d’água no centro da célula i;
ASi
área superficial do espelho d’água na célula i;
Pi
vazão relativa à parcela de chuva ocorrida sobre a célula i e disponível para
escoamento;
variável independente relativa ao tempo.
t
As ligações típicas de escoamento entre células, que podem ser escritas em
função de leis hidráulicas, são listadas a seguir:

ligação tipo rio – para escoamento à superfície livre, considerando a equação
dinâmica de Saint Venant, incluindo seus termos de inércia;

ligação tipo planície – para escoamento à superfície livre, considerando a
equação dinâmica de Saint Venant, sem os termos de inércia;

ligação tipo vertedouro de soleira espessa – considerando a equação clássica,
para escoamento livre ou afogado;

ligação tipo orifício – também clássica;

ligação tipo entrada de galeria – com contração do escoamento, podendo ser
livre ou afogado;

ligação tipo saída de galeria – com expansão do escoamento, podendo ser livre
ou afogado;
120

ligação tipo galeria – com escoamento à superfície livre ou sob pressão,
podendo representar trechos de microdrenagem, entre poços de visita, ou canais
capeados, de macrodrenagem;

ligação tipo curva cota x descarga – estruturas especiais calibradas em
laboratório físico (modelos reduzidos);

ligação tipo descarga de galeria em rio – funcionando como vertedouro, livre
ou afogado, ou orifício, dependendo da relação entre os níveis d’água
calculados, sendo utilizados para galerias que chegam a um rio em cota superior
ao fundo deste, por uma das margens;

ligação tipo microdrenagem – como interface das células superficiais com as
células de galeria, são utilizadas na captação dos escoamentos superficiais;

ligação tipo bombeamento – representando uma descarga constante de uma
célula para outra a partir de uma cota de acionamento da bomba;

ligação tipo comporta flap – funcionando como comporta de sentido único de
escoamento.
A modelação hidráulica e topográfica de uma bacia hidrográfica refere-se à
forma como esta bacia é representada no modelo. Portanto, faz parte desta modelação:

a identificação de áreas alagáveis e das direções principais de escoamento, o que
por sua vez definirá o mapa geral do padrão do escoamento;

a definição das características hidráulicas e geométricas das seções de
escoamento em trechos de rio;

a definição geométrica de áreas homogêneas de armazenamento; e

a definição das interações que ocorrem entre os diversos elementos topográficos
ou estruturas hidráulicas identificados.
121
6.2. Índice de Risco de Cheias (IRC)
Índices são instrumentos de apoio à gestão, de caráter integrador, elaborados
com o objetivo de traduzir, em um só valor, informações relacionadas com indicadores
de distintas naturezas. Assim, tornam possível realizar comparações no tempo e no
espaço, pois refletem o efeito conjunto de um determinado grupo de indicadores
(ZONENSEIN, 2007).
Um indicador é algo que aponta um nível ou estado e é capaz de estimar
quantitativamente sua condição (social, econômica, física), de forma a representar o
sistema completo (PRATT et al., 2004). A escolha dos indicadores é fortemente
influenciada e condicionada pelas propriedades do índice (domínio, formulação e
escala). Como cada um dos indicadores pode ter naturezas e unidades distintas, é
necessário que eles sejam normalizados, convertidos a uma escala comum, para que
possam ser operados, segundo a sua formulação. Alguns exemplos de índices
desenvolvidos para a avaliação de distintos aspectos podem ser citados como exemplo:

Índice de Vulnerabilidade Ambiental (IVA), desenvolvido pela Comissão de
Geociências Aplicada do Pacífico Sul (SOPAC) e pelo Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para fornecer um panorama geral
sobre os processos que influenciam negativamente no desenvolvimento
sustentável dos países;

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para classificar os países pelo
seu grau de desenvolvimento humano, permitindo a comparação entre eles;

Índice de Qualidade da Água (IQA), criado pela National Sanitation
Foundation, Estados Unidos, e usado com pequenas modificações, pela
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), para avaliar a
qualidade da água destinada ao abastecimento público;

Índice de Risco de Cheia (IRC), desenvolvido por ZONENSEIN (2007) em
sua dissertação de mestrado para discutir os riscos de alagamento relacionados a
um ambiente urbano e as consequências das escolhas relacionadas com as
tentativas de atenuar o problema. Este índice será adaptado ao caso de estudo
particular e utilizado nesta Tese.
122
O conceito de risco (SAMUELS, 2006) combina a probabilidade de um evento
perigoso com os danos que são infligidos ao sistema submetido a este perigo. O IRC foi
desenvolvido considerando este contexto. Tradicionalmente, as avaliações de risco de
cheias enfrentam algumas dificuldades em função da natureza subjetiva da avaliação, do
grande número de fatores que interferem com o risco e da inexistência de uma
metodologia padronizada. O IRC é um índice quantitativo multicritério, que varia de 0 a
100, e é capaz de conjugar subíndices referentes tanto às características de alagamento,
quanto às características de vulnerabilidade local e de exposição. A aplicação do IRC
requer a discretização da região de interesse, ou seja, uma bacia urbana, em pequenas
áreas em que o valor de cada indicador possa ser considerado homogêneo.
Este índice constitui uma ferramenta de apoio à decisão, que permite a
determinação e a comparação das zonas críticas e a avaliação da eficiência de diferentes
medidas de controle de enchentes, entre outros usos potenciais. Sua formulação está
apresentada nas equações a seguir (Equação 6.5, Equação 6.6, Equação 6.7, Equação
6.8). O IRC combina o produtório de propriedades da inundação, agrupadas em um
somatório, pelas suas consequências, agrupadas em outro somatório. É importante
observar que, se qualquer um dos subíndices for nulo, o IRC será igual a zero. Porém,
um subíndice se anula apenas se todos os seus componentes forem zero.
 n

IRC    I iPI  piPI 
 i 1

q PI
 m

   I Cj  p Cj 
 j 1

P
qC
Equação 6.5
C
0  piPI , p Cj  1
n
p
i 1
n
PI
i
p
i 1
C
j
1
1
Equação 6.6
Equação 6.7
Equação 6.8
Onde:
IRC: Índice de Risco de Cheia variável entre 0 (menor risco) e 100 (maior risco);
PI: subíndice “Propriedades da Inundação” variável entre 0 e 100, relativo às
propriedades da inundação para uma chuva de tempo de recorrência determinado;
123
C: subíndice “Consequências” relativo às consequências da cheia, variável entre 0 e
100;
I iPI : i-ésimo indicador, previamente normalizado, que compõe o subíndice PI, variável
entre 0 e 100;
I Cj : j-ésimo indicador, previamente normalizado, que compõe o subíndice C, variável
entre 0 e 100;
n: número total de indicadores que compõe o subíndice PI;
m: número total de indicadores que compõe o subíndice C;
piPI : peso associado ao i-ésimo indicador do subíndice PI, atribuído em função de sua
importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.6 e Equação 6.7.
p Cj : peso associado ao j-ésimo indicador do subíndice C, atribuído em função de sua
importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.7. e Equação 6.8.
Os indicadores do IRC estão divididos em dois grupos, de acordo com o
subíndice ao qual pertencem: Propriedades de Inundação (PI) ou Consequências (C). O
subíndice PI relaciona indicadores relativos às características do alagamento, em geral,
relacionados às causas dos danos mencionados e à sua probabilidade de ocorrência:
Lâmina de Alagamento (LA); Fator de Velocidade (FV), resultante do produto máximo
entre o nível de água e a velocidade do escoamento; e Fator de Permanência (FP),
relacionado com a permanência do nível de água acima de certo nível. Já o subíndice C
relaciona indicadores que afetam a vulnerabilidade e a exposição, aumentando a
gravidade ou propensão aos danos: Densidade de Domicílios (DD); Renda (R); Tráfego
(T); e Saneamento Inadequado (SI). Cada um destes elementos deve ter seus valores
convertidos para uma escala de 0 a 100, de acordo com a normalização de funções
específicas.
Deve-se ressaltar que a escolha dos indicadores não é necessariamente inflexível
e
poderia
variar
de
acordo
com
as
características
locais
ou
com
a
disponibilidade/precisão de dados. Por outro lado, a formulação proposta é aplicável
independentemente de tais particularidades.
Por fim, cabe mencionar que alguns dos dados utilizados na composição dos
indicadores foram obtidos na base de dados do IBGE, que é constituída por 520
variáveis, cujo domínio é o setor censitário correspondente. A região da bacia do rio
Dona Eugênia, delimitada pelas 584 células do MODCEL, intercepta 163 setores
124
censitários no município de Mesquita, que serão considerados para o cálculo de alguns
dos indicadores sociais que compõem tanto o IRC, como o REFLU, a ser apresentado
no item seguinte.
6.2.1. Subíndice Propriedades de Inundação (PI)
a) Lâmina de Alagamento (LA)
Este indicador é representativo dos danos causados pelo contato direto com a
enchente. A lâmina d’água determina se as enchentes vão alagar as ruas, atingir a
calçada ou invadir o interior das casas ou outras áreas. A Tabela 6.1 apresenta a
normalização para este indicador, associando os valores de lâmina d’água normalizados
para a escala de 0 a 100, conforme a sua gravidade. Entre os limites estabelecidos, a
interpolação linear pode ser aplicada.
Ressalta-se que as faixas foram estabelecidas com base na realidade do
município de Mesquita (RJ), caso de estudo desta Tese, já se configurando como a
primeira adaptação do índice originalmente proposto.
Tabela 6.1: Limites de normalização da lâmina de alagamento.
Nível d’água (cm)
Efeito
0
O meio-fio costuma ter aproximadamente entre 10 e
15cm de altura, de maneira que a lâmina de 10cm de
água está limitada às ruas.
10<h≤25
0-50
Com 25 cm, o alagamento atinge as ruas, além de
parques,
calçadas,
canteiros,
quintais
e
estacionamentos. Pode interromper tráfego de
veículos e principalmente de pessoas, podendo
invadir casas mais simples, com soleiras próximas ao
nível das calçadas.
25<h≤50
50-75
A 50cm a água muito provavelmente já invadiu o
interior de casas, causando danos à sua estrutura e
conteúdo.
50<h≤75
75-90
Nesta altura d’água, a rede elétrica estará
comprometida e os prejuízos já são significativos.
75<h≤125
90-100
A esta altura, a água atinge praticamente todos os
bens no interior das casas.
h>125
100
Esta profundidade atinge não só bens, mas também é
suficiente para causar afogamentos.
≤10
Fonte: Adaptado de ZONENSEIN (2007)
125
b) Fator de Permanência (FP)
A duração do evento de cheia é um parâmetro importante para ser levado em
consideração, porque as áreas que permanecem inundadas por longos períodos podem
criar restrições no trânsito de pedestres e veículos, danificar estruturas, bem como
aumentar a chance de propagação de doenças transmissíveis pela água e forçar famílias
a evacuarem suas casas. O potencial de dano da permanência da cheia pode variar em
função da ótica sob a qual ele é avaliado, sendo os mais afetados os pedestres, os
veículos (incluindo os ocupantes) e as residências (incluindo os habitantes).
O fator de permanência (FP) visa representar o impacto da duração da enchente
a partir das três perspectivas citadas anteriormente (pedestres, veículos e residências),
tratando-os de maneira diferente, de acordo com a gravidade dos danos associados. Foi
considerado que t10, t25 e t50 correspondem aos tempos (em minutos) durante os quais
uma área permanece inundada com mais de 10, 25 e 50 cm, respectivamente, e que
esses intervalos (e suas profundidades associadas) são representativos dos efeitos de
longo prazo sobre os pedestres, veículos e residências, nesta ordem. Para representar o
impacto diferenciado sobre cada parte, t10, t25 e t50 foram normalizados separadamente,
de acordo com escalas específicas, resultando em T10, T25 e T50. Por fim, a Equação 6.9
apresenta o Fator de Permanência como resultado da ponderação destes valores. Os
pesos adotados aqui foram os mesmos originalmente propostos por ZONENSEIN
(2007).
PI
I FP
 FP  0,10  T10  0,22  T25  0,68  T50
Equação 6.9
Onde:
PI
ou FP : fator de permanência, adimensional, variável entre 0 e 100
I FP
T10 , T25 , T50 : correspondem a normalização (variável entre 0 e 100) dos tempos durante
os quais o alagamento permanece acima de 10cm, 25cm e 50 cm, respectivamente.
A normalização adotada considerou que o maior risco, associado à maior
criticidade da situação, seria 100% após 3h, para a lâmina de 10cm, após 1h, para a
lâmina de 25cm e após 0,5h para a lâmina de 50cm. Essas relações foram consideradas
lineares, entre 0 e 100. A justificativa para estas escolhas, diversas daquelas postuladas
por ZONENSEIN (2007), é detalhada a seguir:
126

para 10cm: considerou-se que, com 3h de permanência, esta lâmina afetaria
praticamente todos os pedestres, atingindo entrada ou saída das escolas, entrada
do trabalho, saída e volta do almoço e saída do trabalho.

para 25cm: considerou-se que com uma permanência de 1h, o trânsito
interrompido ficaria caótico, afetando pesadamente grandes áreas da cidade.

para 50cm: com a água entrando nas residências, considerou-se que uma
permanência de 0,5h já seria capaz de causar grandes estragos, danificando
móveis, pisos e revestimentos, além de aumentar o risco de propagação de
doenças de veiculação hídrica.
6.2.2. Subíndice Consequências (C)
C
a) Densidade de Domicílios ( I DD
)
Este indicador pretende ser uma estimativa da quantidade de pessoas e bens
afetados pela enchente. Nesse sentido, foram utilizados dados relativos ao número total
de domicílios e a área dos setores censitários (em km²). Essa relação (densidade de
domicílios ou, simplesmente, DD), em domicílios por km², é apresentada na Equação
6.10.
DD 
N º domicílios
Área
Equação 6.10
O uso da densidade, em oposição ao valor absoluto de habitações, impede
discrepâncias ao comparar regiões com diferentes áreas (como é o caso das células de
escoamento modeladas).
Para normalizar o indicador, considerou-se que 0 residências /km² é o valor com
o menor potencial de sofrer danos decorrentes dos alagamentos. Já o potencial máximo
desses danos está associado à densidade de domicílios correspondente a 75% da
distribuição desta variável no município de Mesquita, igual a 5.000 domicílios/km2. Foi
aplicada interpolação linear (Figura 6.4) entre estes dois extremos, levando à Equação
6.11. Essa escolha, associada ao terceiro quartil, repete a proposta original de
ZONSENSEIN (2007), porém adaptada às condições de Mesquita.
C
I DD

DD
50
Equação 6.11
127
120
5000
100
IDD = 100
IDD
80
60
40
20
0
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
Densidade de domicílios (domicílios/km²)
Figura 6.4: Função de normalização.
b) Renda (R)
Este indicador utiliza a renda per capita como uma indicação do valor total das
propriedades afetadas e seus conteúdos. É importante destacar que a renda per capita é
utilizada para indicar o valor econômico absoluto – e não relativo – das perdas devido a
danos de estrutura e de seu conteúdo.
MACHADO et al. (2005) realizou estudo construindo curvas profundidade-dano
para diferentes classes sociais. A partir dos resultados obtidos neste estudo, pode-se
inferir que, no Brasil, os danos sofridos pelas classes A e B (classes mais ricas) são
cerca de duas vezes mais altos que os sofridos pelas classes C e D, para a mesma cota
de alagamento. Assim, pode ser inferido que o potencial de prejuízos totais associado a
classes mais altas é duas vezes maior que em classes mais baixas.
Com base no estudo de MACHADO et al. (2005) e na renda per capita
associada a cada classe econômica no Brasil (ABEP, 2012), estabeleceu-se uma escala
de normalização para a renda per capita, considerando que a classe B2 sofre perdas
duas vezes mais importantes que as classes C e DE.
O valor da renda referente a cada uma das classes está apresentando na Tabela
6.2 e a curva de normalização da renda está apresentada na Figura 6.5.
128
Tabela 6.2: Critério brasileiro para classificação econômica.
Classes
Renda média bruta familiar
no mês em R$
Classe A
9263,00
Classe B1
5241,00
Classe B2
2654,00
Classe C1
1685,00
Classe C2
1147,00
Classe DE
776,00
Fonte: ABEP (2012)
120
3254.25
100
IR = 100
80
IR
IR = 100/2169,5R - 50
60
2169.5
40
IR = 50/2169,5R
20
0
0
R$ 0.00
R$ 1,000.00
R$ 2,000.00
R$ 3,000.00
R$ 4,000.00
R$ 5,000.00
Renda Mensal per Capita (R$)
Figura 6.5: Curva de normalização da renda.
c) Saneamento Inadequado (SI)
Entende-se, neste trabalho, por saneamento inadequado, de acordo com
categorias estabelecidas pelo IBGE, os domicílios que não estão ligados à rede de
abastecimento de água com canalização interna, não estão ligados à rede de
esgotamento sanitário ou não são atendidos pelo sistema de coleta de lixo domiciliar.
Nas regiões em que as comunidades sofrem com saneamento inadequado, há
uma maior chance de propagação de doenças transmissíveis pela água, uma vez que a
falta de sistemas adequados de tratamento de lixo e esgoto podem aumentar ainda mais
129
o problema das enchentes. Assim, o SI pode ser considerado um bom indicador deste
tipo de consequência, especialmente no Brasil e, particularmente, no Estado do Rio de
Janeiro, onde, de acordo com o Censo (IBGE, 2010), mais de 40% dos municípios não
dispõem de um sistema de tratamento de esgoto.
A normalização deste indicador é linear e considera que 0% dos domicílios com
saneamento inadequado é o valor mais favorável deste parâmetro, enquanto que 100%
de saneamento inadequado é o valor menos favorável.
Para a aplicação do índice IRC nesta Tese, foram considerados apenas os
indicadores mencionados anteriormente. Os indicadores Fator de Velocidade (FV) e
Tráfego (T) não foram considerados.
O Fator de Velocidade é utilizado, em diversos estudos experimentais
(DEFRA/EA, 2003; KELMAN, 2002; RESCDAM, 2000), como resultante do produto
da cota de alagamento pela velocidade, para determinar níveis de risco, em função dos
prejuízos e danos causados. O parâmetro velocidade individualmente não permite
avaliar a potencialidade de ocorrência de danos, uma vez que é a sua associação com a
cota que gera situações de risco. Assim, locais onde se verificam alagamentos com
baixas velocidades, mas grandes profundidades, não oferecem perigo considerável de
arraste. Nesse sentido, em relação a este indicador, considerou-se que o mesmo
influenciaria muito pouco no resultado final do IRC, porque a região adotada como caso
de estudo é bastante plana e, com isso, seu peso, na formulação aqui aplicada, será
tomado como igual a zero.
Já em relação ao indicador Tráfego, apesar de, no campo das atividades
rotineiras de uma cidade, sua interrupção temporária ser uma das consequências
imediatas dos alagamentos e responsável pelo desencadeamento de uma série de
deseconomias relacionadas ao sistema de transportes, aos veículos propriamente ditos e
aos motoristas, principalmente quando os alagamentos ocorrem em pontos chave do
trânsito das cidades, este não foi considerado na formulação do IRC para esta Tese.
Justifica-se essa escolha a partir do estudo de NAGEM (2008) que, ao elaborar um
modelo para estimativa de prejuízos causados pelas cheias, em termos monetários,
concluiu que os danos ao sistema de tráfego são relativamente baixos se comparados
com os demais danos, podendo ser desconsiderados em estudos que não possuam vias
arteriais primárias e/ou vias estruturais.
130
A Tabela 6.3 apresenta, de forma resumida, as modificações introduzidas pela
autora na composição original do IRC para sua utilização nesta Tese.
Tabela 6.3: Resumo das modificações introduzidas no IRC.
Subíndice
Indicador
Modificações introduzidas
Lâmina de
Alagamento
Limites de normalização do nível d’água
adaptados para a realidade do município de
Mesquita.
Não foi considerado.
Fator de
Velocidade
Fator de
Permanência
Propriedades da
Inundação (PI)
Densidade de
Domicílios
Renda
Consequências (C)
Tráfego
Saneamento
Inadequado
Intervalos de tempo e profundidades associadas
durante os quais uma área permanece inundada
foram reformuladas.
Distribuição da densidade de domicílios
adaptada para a realidade do município de
Mesquita.
Curva de normalização de renda adaptada para
valores atualizados em 2013.
Não foi considerado.
Zonensein considerou descarte do esgoto em
fossa (séptica ou rudimentar) como adequado.
Nesta Tese, essas formas foram adotadas como
inadequadas, em uma interpretação particular
para ajuste do indicador à situação de
saneamento do município de Mesquita.
A formulação final do IRC para este trabalho, conforme indicadores escolhidos,
tem a estrutura apresentada na Equação 6.12.

PI
PI
IRC  I LA
 pLA

qPI

C
C
C
 I DD
 pDD
 I SIC  pSI
PI

qc
Equação 6.12
C
A importância relativa dos indicadores e subíndices é expressa por pesos
associados a cada um deles. ZONENSEIN (2007) defende que a atribuição de pesos
deve ser realizada pelo gestor ou instituição que usará o índice como ferramenta de
suporte à decisão quanto à gestão de risco de cheia. Neste trabalho, porém, os pesos
serão definidos pela autora, em primeira aproximação, podendo ser revistos a
posteriori, conforme necessidade.
O principal objetivo de utilização do IRC nesta Tese é demonstrar, através de
um caso de estudo específico, que os riscos de inundações podem ser efetivamente
131
reduzidos quando aspectos de requalificação fluvial são considerados. Assim, o IRC é
utilizado como uma ferramenta de suporte para a comparação quantitativa da redução de
risco associada às soluções de projeto apresentadas nos diferentes cenários.
6.3. Escala de Resiliência
Como forma de avaliar a resiliência de projeto, uma situação adversa, diferente
daquela projetada, deve ser introduzida, de forma a se mapear a resposta das propostas
de projeto para essa nova situação imprevista. No contexto desta Tese, foi considerada
uma situação hipotética de saturação urbanística na área urbana da bacia do Rio Dona
Eugênia, na qual o grau de impermeabilização cresce significativamente. A situação de
saturação urbanística foi simulada apenas para o TR 25 anos.
Para a comparação entre os resultados obtidos nos cenários de projeto, que
consideram as intervenções propostas e aqueles que simulam uma saturação urbanística,
foi elaborada uma escala denominada “Escala de Resiliência”, que é composta por duas
parcelas, multiplicadas entre si (Equação 6.13).
Escala _ Re siliencia  Parcela _ 1  Parcela _ 2
Equação 6.13
A primeira parcela (Parcela_1) mede a perda de eficiência da solução em uma
situação adversa e é calculada conforme Equação 6.14. Ela considera o valor de 1 (que
seria o valor de 100% de eficiência mantida) subtraído da parcela do IRC na situação
futura (hipotética) de saturação urbanística menos o IRC na situação presente, dividido
pelo IRC na situação presente.
Parcela _ 1 
_ Sat.Urban_ TR 25
esente _ TR 25
1  ( IRC PrFuturo
 IRC PrProjeto
)
ojeto
esente _ TR 25
IRC PrProjeto
Equação 6.14
A segunda parcela (Parcela_2) mede a eficiência da solução na situação adversa,
dada pela redução do IRC e é representada pela Equação 6.15, ou seja, IRC na situação
futura (hipotética) de saturação urbanística para determinado Cenário, menos o IRC na
situação futura (hipotética) de saturação urbanística para o Cenário Atual, dividido pelo
IRC na situação futura (hipotética) de saturação urbanística para o Cenário Atual.
132
Parcela _ 2 
Futuro_ Sat.Urban_ TR 25
Futuro_ Sat.Urban_ TR 25
IRC Cenário
_ Atual( sem _ projeto)  IRC Pr ojeto
Futuro_ Sat.Urban_ TR 25
IRC Cenário
_ Atual( sem _ projeto)
Equação 6.15
O valor obtido é um número entre 0 e 1 e será tanto melhor quanto maior for, o
que equivale a dizer que há menor perda de eficiência com melhores resultados
absolutos.
6.4. Índice de Requalificação Fluvial Urbana (REFLU)
Como parte da metodologia proposta, além da efetividade na redução do risco de
cheias, como apresentado no item anterior, deve ser introduzida uma forma de avaliar a
efetividade das medidas propostas, em relação à melhora do estado do rio, cumprindo
também o papel de requalificação fluvial, assumindo que, nesta condição, as soluções
propostas seriam mais sustentáveis, em longo prazo, por reproduzirem condições
fluviais mais próximas das naturais.
CIRF (2006) desenvolveu a proposta de um índice, batizado inicialmente de
Fluvial Ecosystem Assessment (FLEA) ou, em português, Avaliação dos Ecossistemas
Fluviais (AEF), com o objetivo de caracterizar o estado dos cursos d’água segundo os
critérios estabelecidos pela Diretiva Marco da Água (2000). O índice ainda não foi
estruturado; seus idealizadores deixaram-no em forma de esquema conceitual, “aberto”
a contribuições de pesquisadores. Dentre os pontos levados em conta para o FLEA,
estão os atributos apresentados na Tabela 6.4. O propósito do FLEA é construir um
método utilizável em âmbito decisional e administrativo, que permita medir a distância
do estado atual do rio em relação a seu “estado de referência”, com base nos atributos
propostos, que envolvem todos os parâmetros considerados pela Diretiva Marco da
Água.
A pesquisa realizada pela autora desta Tese não encontrou na bibliografia
índices voltados especificamente para ambientes urbanos. Os índices encontrados são
voltados para áreas rurais e alguns são citados a seguir:

LIM – Livello Inquinamento Macrodescrittori (CIRF, 2006);

SECA – Stato Ecologico dei Corsi d’Acqua (CIRF, 2006);

SACA – Stato Ambientale dei Corsi d’Acqua (CIRF, 2006);
133

RCE – Riparian Channel and Environmental Inventory (PETERSEN, 1992);

SERCON – System for Evaluating Rivers for Conservation (BOON et al., 1997,
1998);

RESA – Riparian Evaluation and Site Assessment (FRY et al., 1994);

RHS – River Habitat Survey (RAVEN et al., 2000).
Tabela 6.4: Estrutura conceitual do FLEA.
Atributos principais
Descrição
Qualidade da água
(qualidade da água)
Condições gerais
Poluentes
Macroinvertebrados
Qualidade biológica do
ambiente fluvial
(vida aquática e terrestre)
Fauna ítica
Macrófitas e fitobentos
Vegetação terrestre
Regime hidrológico (vazões mínimas e variações
temporais de vazão)
Continuidade fluvial (longitudinal, vertical e lateral)
Qualidade hidromorfológica
(quantidade de água e
estrutura)
Mobilidade lateral (espaço disponível)
Equilíbrio geomorfológico (vertical e lateral)
Condições morfológicas (tipo morfológico, amplitude
de álveo, perfil altimétrico, sinuosidade, estrutura e
substrato)
Fonte: CIRF (2006)
Tomando como base algumas ideias sugeridas pelo CIRF, para a construção do
FLEA, esta Tese propõe o desenvolvimento do Índice de Requalificação Fluvial
Urbana (REFLU), para proporcionar uma medida quantitativa, e passível de
comparação entre possíveis intervenções, de quanto melhora a qualidade do sistema
fluvial como sistema natural, em bacias urbanas. Procurou-se desenvolver um índice
que fosse facilmente aplicado e compreendido na realidade brasileira e que fosse
particularizado para o ambiente urbano.
Para a concepção do REFLU, foi utilizado um somatório ponderado, pois está
sendo considerada a soma de efeitos e não se pretende permitir que a ausência de um
dos indicadores anulasse este índice. Assim, ainda que um dos fatores da soma seja
134
nulo, o resultado pode ser medido. O uso de produtórios é indicado quando a ausência
de um dos indicadores deve implicar em valor final nulo para o índice. Assim, temos
como formulação geral para o REFLU a Equação 6.16.
n
REFLU   I i . pi
Equação 6.16
i 1
Onde:
n: número total de indicadores que compõem o índice REFLU
: i-ésimo indicador, previamente normalizado, que compõe o índice REFLU,
variável entre 0 e 1.
: peso associado ao i-ésimo indicador do índice REFLU, atribuído em função de
sua importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.17 e da Equação 6.18.
0 ≤ pi
≤1
n
p
i 1
i
Equação 6.17
1
Equação 6.18
O índice REFLU varia entre 0 e 1, sendo os valores mais próximos a zero os
piores e, os mais próximos à unidade, os melhores. Sob o ponto de vista prático, se
desejado, para mantê-lo com a mesma faixa de variação do IRC, basta multiplicá-lo por
100.
A formulação do REFLU não é complexa nem exige conhecimentos avançados,
permitindo, assim, sua utilização irrestrita por pessoas não especializadas. Ele é
composto por quatro subíndices: Estado Geral da Bacia (EGB), Conectividades (C),
Situação das Margens (SM) e Mitigação de Cheia (MC).
O
subíndice
EGB
relaciona
indicadores
relativos
às
condições
de
impermeabilização e saneamento da bacia: Permeabilidade (P); Condições de
Saneamento (S). O subíndice C relaciona indicadores que indicam o nível de
conectividade do curso principal da bacia hidrográfica nos três sentidos: Conectividade
Transversal (Ct); Conectividade Longitudinal (Cl); Conectividade Vertical (Cv). O
subíndice SM relaciona os indicadores que traduzem a qualidade das margens dos rios:
Margens Vegetadas (MV) e Margens Não Ocupadas por Casas (MNOC). O subíndice
MC não foi desdobrado em indicadores por ser, ele, coincidente com o indicador. Cada
135
um destes elementos deve ter seus valores convertidos para uma escala de 0 a 1, de
acordo com a normalização de funções específicas. Todos os subíndices são justificados
e detalhados a seguir.
6.4.1. Subíndice Estado Geral da Bacia (EGB)
O estado ecológico dos rios depende não só do grau de ocupação dos espaços
fluviais, afetando os princípios de continuidade e conectividade fluvial, como também
das atividades que se realizam em sua bacia hidrográfica, relacionados com o uso do
solo e a gestão dos recursos hídricos.
Nesse sentido, este subíndice reflete as condições de impermeabilização e
saneamento da bacia
urbana,
como
macro referência de
avaliação. Mais
especificamente, o que se pretende medir é o nível de alteração da geração de
escoamentos superficiais em relação à situação original e a qualidade da água afetada
por condições de saneamento inadequadas. Assim, é composto por dois indicadores,
conforme descrição a seguir.
a) Permeabilidade ( I PEGB )
A urbanização de uma dada bacia hidrográfica altera drasticamente seus padrões
de drenagem natural, gerando consequências nas enchentes locais.
Considerando a necessidade humana de ocupar mais espaço, seja para fins
econômicos, seja para estabelecer domicílios, a urbanização traz consigo a modificação
do uso natural do solo, criando áreas impermeáveis, destruindo matas, aterrando áreas
alagadiças, retificando rios, etc. Essas ações contribuem para o aumento do risco de
extravasamento das calhas dos rios, à medida que a diminuição da retenção natural
fornece mais água para o escoamento superficial que, por sua vez, aumenta o pico e o
volume dos hidrogramas de enchentes. Quanto maior a transformação e a modificação
da superfície dos terrenos, tornando-os menos permeáveis à infiltração das águas e
diminuindo a capacidade de retenção natural, maior será a parcela contribuinte para os
escoamentos superficiais e maior será a probabilidade de inundações.
A Figura 6.6 apresenta um exemplo de como a redução da retenção superficial
modifica o ciclo hidrológico em bacias urbanizadas. O desmatamento e a
impermeabilização do solo da bacia hidrográfica corta o ciclo de reabastecimento da
camada superficial do solo (composta pelo húmus e ocupada pelas ramificações das
136
raízes), potencializa os processos erosivos, diminui a capacidade de infiltração e
aumenta o volume dos escoamentos superficiais, que atuarão diretamente no formato
dos hidrogramas de enchente. É explícito, na figura, o aumento do volume local do
escoamento superficial quando a bacia está urbanizada. Com a ocupação da bacia pelo
homem acontecendo de forma desordenada, aumenta o risco de extravasamentos e
alagamentos para as mesmas chuvas intensas que, no passado, se moldavam às
condições naturais das calhas dos cursos de água, fluindo sem problemas. Com isso,
tem-se um hidrograma com um pico muito maior do que na condição natural, e um
tempo de base bem menor.
Figura 6.6: Influência da redução da retenção superficial em uma bacia hidrográfica.
Fonte: COSTA e TEUBER (2001)
O índice REFLU leva em conta os efeitos da impermeabilização do solo em uma
bacia hidrográfica, considerando a relação entre a área permeável da bacia e sua área
total (Equação 6.19). Será considerado fator positivo a maior área permeável possível.
Quanto mais impermeável a bacia hidrográfica, menos será possível infiltrar e, com
isso, há um aumento na parcela correspondente ao escoamento superficial. Nesse caso,
o indicador será pior.
I PEGB 
AP
Atotal
Equação 6.19
Onde:
I PEGB : indicador de permeabilidade
AP: área permeável da bacia
Atotal: área total da bacia
137
A Figura 6.7 apresenta dois trechos distintos do Rio Dona Eugênia: o primeiro,
próximo à Via Light, onde a bacia é mais permeável; o segundo trecho, no centro do
município, onde há uma grande praça bastante impermeável.
Figura 6.7:Trechos do Rio Dona Eugênia mais permeável (primeira imagem) e menos
permeável (segunda imagem).
(Fotos da autora, ano: 2012)
b) Condições de Saneamento ( I SEGB )
O crescimento acelerado do processo de urbanização aliado à falta de controle e
planejamento adequado do uso do solo urbano resulta em uma baixa eficiência da
infraestrutura urbana e, consequentemente, degrada os ambientes natural e construído,
resultando em graves problemas de saneamento para as cidades.
Uma das maiores consequências do crescimento descontrolado das cidades, sem
padrões adequados e pré-definidos, é o aumento dos danos causados pelas cheias. Os
sistemas de drenagem existentes perdem suas capacidades de projeto ao longo do
tempo. A vazão excedente gerada pela remoção da vegetação e pelo aumento das áreas
impermeáveis tende a agravar o problema das enchentes, alagando grandes áreas
urbanas. Nos países em desenvolvimento, as condições mais severas associadas a este
processo afetam, principalmente, a população de baixa renda, estabelecida em áreas
degradadas e de risco, muitas vezes, em favelas. Estas áreas carecem de saneamento
básico, entre outros serviços de infraestrutura, devido à sua situação irregular e
acessibilidade precária (MAKSIMOVIĆ e TEJADA-GUIBERT, 2001; PATERSON et
al., 2007).
Num projeto de requalificação fluvial, a qualidade do curso d’água, por ser um
dos seus quatro pilares básicos, é fator importante a se considerar. Esse ponto é
traduzido pelas condições de saneamento da bacia hidrográfica. Entre as questões de
138
saneamento ambiental, o problema do lixo e dos esgotos sanitários são aqueles mais
críticos.
O lixo descartado diretamente sobre as margens ou no leito dos rios gera
poluição, mau cheiro, disseminação de doenças de veiculação hídrica, é fator acelerador
da proliferação de vetores e diminui a capacidade de condução da vazão dos
dispositivos de drenagem, por tenderem a gerar obstruções das suas seções de
escoamento. Tais obstruções podem acarretar na elevação do nível d’água à montante,
configurando gradativo remanso, com possível extravasamento para as áreas marginais,
podendo atingir as residências dos próprios responsáveis pelo lançamento inadvertido
de lixo no rio, e o surgimento de novos caminhos de drenagem não previstos (e não
projetados). A situação se agrava nas regiões de baixada, onde as declividades menores
causam a redução das velocidades do escoamento, a consequente sedimentação do
material sólido em suspensão e a deposição do lixo lançado ao longo dos trechos de
montante. Além disso, o lixo, principalmente o flutuante, pode prender-se na vegetação,
ameaçando a fauna e a flora, modificando significativamente a paisagem e a qualidade
das águas.
A presença de lixo nos cursos de água pode ser considerada um indicador da
distorção de hábitos entre os habitantes de uma bacia hidrográfica. O problema é
agravado pela carência de infraestrutura de coleta pública de resíduos sólidos urbanos,
em áreas de difícil acesso, junto aos corpos hídricos e encostas.
Além da presença de lixo, o lançamento de esgoto in natura nos corpos d’água
também é um agravante da qualidade da água. A diminuição do oxigênio dissolvido
compromete a existência de fauna aquática. Apesar de ser considerado um destino
inadequado, existem muitos rios recebendo lançamento de esgoto diretamente. No
próprio Rio Dona Eugênia, muitas ligações clandestinas de esgoto sanitário são visíveis,
ao longo de todo o seu curso. Do mesmo modo que acontece para o lançamento de lixo
em locais inapropriados, conforme mencionado anteriormente, tais ligações, na maioria
das vezes, são fruto da falta de infraestrutura adequada, com a insuficiência de redes
formais de esgotamento sanitário na área urbana.
A Figura 6.8 apresenta algumas imagens, da bacia do Rio Dona Eugênia, que
ilustram a situação de degradação da qualidade de suas águas por lixo e esgoto.
139
Figura 6.8: Problemas de saneamento na bacia do Rio Dona Eugênia – lançamento de
esgoto in natura e de lixo no curso d’água e em suas margens.
(Fotos da autora, ano: 2012)
O IBGE disponibiliza as informações quanto ao número de domicílios, em um
setor, segundo as diferentes formas de abastecimento de água, esgotamento sanitário e
destino do lixo. Como são apresentadas em separado, não é possível saber a interseção
entre elas. Assim, para esse estudo, optou-se por considerar como representativo de
condições adequadas de saneamento o percentual de domicílios, em cada setor, com
esgotamento sanitário adequado e lixo coletado.
Correspondiam a domicílios com esgotamento sanitário adequado aqueles
ligados à rede geral de esgoto ou à rede pluvial. Foram consideradas inadequadas todas
as demais formas de descarte de esgoto, a saber: descarte em fossa séptica, fossa
rudimentar, vala, rio, lago ou mar, outros escoadouros. Vale destacar que, de fato, não
pode ser aceitável considerar adequado o lançamento de esgoto em rede pluvial, em um
sistema separador absoluto. Entretanto, da forma como a informação está agrupada no
IBGE, não foi possível distinguir essa situação, que infelizmente se verifica na bacia. O
descarte em fossa séptica foi considerado inadequado, diferentemente do que se poderia
esperar, dado que é uma forma de tratamento possível, uma vez que têm manutenção
privada, não necessariamente adequada, e os resultados não podem ser facilmente
aferidos pelo município. Além disso, o quadro de saneamento obtido pela interpretação
dos dados do IBGE mostra uma situação positiva, que não se observa na prática,
conforme pode ser confirmado em visitas de campo. Dessa forma, essa decisão também
140
foi um modo de penalizar o indicador S. Essas considerações são coerentes com aquelas
já adotadas no IRC, mantendo a coerência entre os dois índices, no que diz respeito à
avaliação do saneamento adequado. Nesse sentido, foi calculado o total de domicílios
cujo esgotamento era adequado (Equação 6.20).
N EA  N rede _ geral _ esgoto, pluvial
Equação 6.20
Onde:
NEA: número de domicílios com esgotamento adequado
Nrede_geral_esgoto,pluvial: número de domicílios com banheiro de uso exclusivo dos
moradores ou sanitário e esgotamento sanitário via rede geral de esgoto ou pluvial
Em relação ao lixo, correspondiam a domicílios com coleta adequada aqueles
com lixo coletado por serviço de limpeza e em caçamba de serviço de limpeza. Foram
consideradas inadequadas todas as demais formas de destinação do lixo, a saber: lixo
queimado na propriedade, lixo enterrado na propriedade, lixo jogado em terreno baldio
ou logradouro, lixo jogado em rio, lago ou mar, outro destino do lixo. O total de
domicílios cuja coleta de lixo se dava de forma adequada é obtido a partir dos dados do
IBGE (Equação 6.21).
N Coleta_ Lixo  N serviço _ lim peza  N caçamba_ serviço _ lim peza
Equação 6.21
Onde:
NColeta_lixo: número de domicílios com coleta de lixo adequada
Nserviço_limpeza: número de domicílios com lixo coletado por serviço de limpeza
Ncaçamba_serviço_limpeza: número de domicílios com lixo coletado em caçamba de serviço
de limpeza
Calculou-se, a seguir, a relação entre número de domicílios com esgotamento ou
coleta de lixo adequados (considerando sempre a pior situação, por célula, para evitar
duplicação de resultados onde ambas as condições forem inadequadas) e o total de
domicílios. Essa relação deve ser aplicada à área correspondente a cada célula, para
estimar a área correspondente a serviços de saneamento inadequados. A área que possui
serviço de saneamento adequado é obtida a partir desse valor.
Para determinar o valor do indicador das condições de saneamento, foi calculada
a razão entre a área da bacia com esgotamento ou coleta de lixo adequada e sua a área
total (Equação 6.22).
141
I SEGB 
AS
Atotal
Equação 6.22
Onde:
S: indicador de condições de saneamento
AS: área da bacia com esgotamento/coleta de lixo adequados
Atotal: área total da bacia
Da mesma forma que considerado para o IRC, a normalização deste indicador é
linear. No entanto, o REFLU considera que 100% dos domicílios com saneamento
adequado é o valor mais favorável deste parâmetro, enquanto que 0% de saneamento
adequado é o valor menos favorável.
A formulação final para o subíndice EGB é aquela apresenta na Equação 6.23.
EGB  I PEGB . pPEGB   I SEGB . pSEGB 
Equação 6.23
Onde:
EGB : Estado Geral da Bacia
I PEGB : indicador de permeabilidade, previamente normalizado, variável entre 0 e 1.
I SEGB : indicador de condições de saneamento, previamente normalizado, variável entre 0
e 1.
p PEGB : peso associado ao indicador de permeabilidade, atribuído em função de sua
importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.17 e Equação 6.18.
pSEGB : peso associado ao indicador de saneamento, atribuído em função de sua
importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.17 e Equação 6.18.
6.4.2. Subíndice Conectividades (C)
Rios em condições naturais, apesar de apresentarem formas e estruturas bastante
distintas, segundo as peculiaridades biogeográficas e hidromorfológicas de sua bacia
hidrográfica, têm um funcionamento que responde aos mesmos princípios de
continuidade dos escoamentos e conectividade dos habitats em suas três dimensões
espaciais: longitudinal, transversal e vertical. Nesse sentido, para analisar as condições
142
de bom estado ecológico dos sistemas fluviais é importante considerar as conectividades
do curso principal da bacia hidrográfica segundo suas três dimensões espaciais. Assim,
esse índice é composto por três indicadores, conforme descrição a seguir.
C
a) Conectividade Transversal ( I CT
)
A dimensão transversal do ecossistema fluvial pode ser representada através da
seção transversal do vale, onde se diferenciam o canal, as margens e a planície de
inundação.
A principal característica que configura e mantém a dimensão transversal dos
sistemas fluviais é a conectividade do canal com os espaços adjacentes. Através desta
conexão lateral, gerada pela inundação se produz um intercâmbio de água, sedimentos,
nutrientes e organismos entre o canal e as margens, que é essencial para o
funcionamento e integridade dos ecossistemas fluviais (WARD, 1998). Este
intercâmbio durante o extravasamento também facilita o fluxo de carbono e nutrientes
da planície de inundação até o canal, constituindo uma fonte energética de grande
importância para as cadeias tróficas do meio aquático e a produtividade do conjunto do
sistema fluvial (THOMS, 2003). Por outro lado, as águas, ao extravasarem, dissipam
sua energia cinética na planície de inundação efetuando um trabalho de remodelação
dos sedimentos e da vegetação existente nas zonas inundadas. Assim são criadas novas
barras de sedimentos, ocorrem erosão e sedimentação, o transporte de sedimentos e
vegetação em algumas zonas, o transporte de restos vegetais ou detritos orgânicos, e,
com isso, se fomenta a renovação dos habitats, a manutenção da heterogeneidade fluvial
e a regeneração natural da vegetação.
O grau de funcionalidade da dimensão lateral do rio pode ser estimado através
da frequência com que os extravasamentos, que ocupam dimensões diferentes, ocorrem,
de acordo com a magnitude das cheias correspondentes.
As cheias e os extravasamentos têm importância ecológica, determinando a
manutenção da heterogeneidade do substrato da planície de inundação, a conectividade
dos habitats ripários, a recarga de umidade do solo e a evolução da vegetação ribeirinha
condicionando os espaços e períodos de tempo em que é possível sua regeneração
natural (GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN, 2007).
Os rios em bom estado ecológico mantêm intacta a facilidade de extravasamento
das cheias, existindo neles um espaço lateral que periodicamente fica em contato com o
143
canal principal, onde se dissipa a energia das cheias, e onde se produzem intercâmbios
de matéria e energia, se regenera a vegetação ribeirinha, se refugiam ou reproduzem
diferentes espécies de animais, etc. (GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE
JALÓN, 2007). São inúmeras as intervenções humanas que diminuem a dimensão
lateral dos rios: a regulação das vazões diminuindo drasticamente a frequência das
cheias ordinárias; a construção de diques longitudinais reduzindo consideravelmente o
espaço de inundação; a elevação das margens, as dragagens e canalizações para
desconectar o canal de suas margens, etc. A recuperação da funcionalidade desta
dimensão transversal deve ser um objetivo prioritário nos projetos de restauração
fluvial. Assim, será necessário, em muitos casos, melhorar o regime de vazões
circulante, aumentando a frequência e a magnitude das cheias, e eliminar as estruturas
longitudinais que limitam o seu extravasamento, requerendo em todos os casos uma
gestão mais apropriada das zonas inundáveis, cujas ocupações devem ser compatíveis
com a dinâmica fluvial.
A Figura 6.9 apresenta dois trechos do Rio Dona Eugênia em que muros foram
construídos pelos moradores, como forma de se protegerem contra as inundações, e que
acabam funcionando como diques longitudinais, eliminando, nos respectivos trechos, a
conectividade transversal do rio com suas margens.
Figura 6.9: Muros construídos pelos moradores, como forma de “proteção” contra as
cheias funcionam como diques longitudinais ao longo do Rio Dona Eugênia.
(Fotos da autora, ano: 2013)
A conectividade transversal entre o rio e suas margens se relaciona com a
comunicação do rio com suas planícies de inundação. Assim, será medida pela relação
entre a extensão das margens que mantêm conexão com as planícies de inundação e a
extensão total das margens (Equação 6.24). Cada uma das margens é analisada e
144
contabilizada individualmente. Para manter a coerência da relação, a extensão total
contabiliza ambas as margens. Quando maiores as extensões de margens que se
conectam com suas planícies de inundação, maior será o REFLU, indicando rios em
bom estado ecológico. Quanto menores as extensões de margens conectadas, menor será
o valor do REFLU. Margens ocupadas imediatamente por ruas ou áreas construídas são
consideradas obstáculos à continuidade transversal, mesmo que sejam inundáveis.
C
I CT

Lconexão
Ltotal
Equação 6.24
Onde:
C
: indicador de conectividade transversal
I CT
Lconexão: extensão de margens com conexão com planície de inundação (não construída)
Ltotal: extensão total (de ambas as margens)
C
b) Conectividade Longitudinal ( I CL
)
A dimensão longitudinal representa o eixo central através do qual se mantém a
continuidade dos escoamentos, se transfere matéria (água, sedimentos, matéria
orgânicas e nutrientes) e energia desde as partes mais altas até as mais baixas,
assegurando a existência de um mosaico de habitats fluviais conectados entre si ao
longo do corredor fluvial.
Dentre as principais variáveis morfológicas e hidráulicas dos rios que
apresentam gradiente de variação relacionado com o perfil longitudinal estão a
declividade longitudinal, o tamanho médio dos sedimentos do leito e a velocidade das
águas, que geralmente diminuem na área mais de jusante. A largura do rio e a sua
profundidade aumentam, assim como a magnitude da vazão em função do incremento
de área contribuinte.
As características que melhor refletem o bom estado ecológico desta dimensão
do rio são a continuidade dos fluxos de matéria e energia, a conservação dos gradientes
naturais de diminuição da declividade longitudinal e do tamanho dos sedimentos do
leito, à medida que se caminha para jusante, o aumento das vazões circulantes e largura
do leito com o aumento da superfície drenante, e manutenção das formas do leito
relacionadas com a declividade e o traçado do curso d’água, com uma sinuosidade
crescente na região de jusante (GONZÁLEZ DEL TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN,
2007).
145
Estruturas transversais para o armazenamento ou derivação das águas, como
diques, açudes, represas, etc., introduzem uma barreira física para a manutenção da
continuidade das vazões circulantes e o transporte dos sedimentos, mas também
impedem ou dificultam os movimentos migratórios de muitas espécies piscícolas, a
dispersão das sementes, a colonização de novos habitats, etc. O impacto produzido por
tais barreiras físicas é visto como fator crítico na gestão dos ecossistemas fluviais
(ibid.).
A recuperação e a manutenção da continuidade fluvial, relacionada com a
ausência de barreiras transversais que possam interromper os escoamentos naturais,
desde as áreas mais altas até as de desembocadura, devem ser um objetivo prioritário
em qualquer projeto de restauração e conservação de rios e suas planícies.
A Figura 6.10 apresenta um exemplo de desconexão longitudinal: a barragem
Epaminondas Ramos, hoje desativada, localizada no Rio Dona Eugênia.
Figura 6.10: Barragem Epaminondas Ramos, localizada no Rio Dona Eugênia – barreira
física que interrompe os escoamentos naturais.
(Fotos da autora, ano: 2012)
A Conectividade Longitudinal (Cl) do rio se dá quando não há presença de
soleiras ou barragens ao longo de sua extensão. Assim, este indicador considerará a
existência ou não desses dispositivos (Equação 6.25). A presença dessas intervenções
faz com que o indicador seja igual a 0, o que acarretará em um valor para o índice
REFLU menor (pior situação). Já a ausência dos referidos dispositivos resulta em valor
do indicador igual a 1, o que levará a um maior valor para o REFLU.
C
I CL
=
0, com soleira/barragem
1, sem soleira/barragem
Equação 6.25
146
C
c) Conectividade Vertical ( I CV
)
O fluxo subsuperficial e subterrâneo de água, nutrientes e organismos de grande
importância para o funcionamento ecológico dos canais e de suas margens é
representativo da dimensão vertical dos sistemas fluviais. Através dessa troca ocorre a
migração vertical de muitos invertebrados e pequenas espécies de peixes, e é essencial
para o desenvolvimento dos ciclos de nutrientes, o processamento da matéria orgânica e
a manutenção da diversidade e da produtividade fluvial (WARD, 1998).
Os rios em bom estado ecológico mantêm inalterados os escoamentos
subsuperficiais entre o canal, as margens e o meio hiporreico, que só são possíveis se,
por outro lado, se mantêm inalterados os materiais originais e as condições de
infiltração e de drenagem em profundidade dos solos marginais (GONZÁLEZ DEL
TÁNAGO e GARCÍA DE JALÓN, 2007).
Assim, ao longo de seu comprimento, a função que predomina no eixo
longitudinal dos rios é a de transporte de matéria e energia rio abaixo, enquanto que as
funções que adquirem maior importância nos eixos transversal e vertical são as de
armazenamento de água, retenção de sedimentos e dissipação de energia das cheias.
A Figura 6.11 apresenta dois trechos distintos do Rio Dona Eugênia: o primeiro,
no bairro Coreia, com margens e fundo em concreto, impedindo a conectividade
vertical; o segundo trecho, próximo à foz, no bairro Vila Norma, possui fundo natural,
permitindo que haja um fluxo subsuperficial e subterrâneo de água, nutrientes e
organismos, característicos de rios com conectividade vertical.
Figura 6.11: Dois trechos distintos do Rio Dona Eugênia: o primeiro, com fundo em
concreto, impedindo a conectividade vertical; o segundo, com fundo natural, permitindo
a conectividade vertical.
(Fotos da autora, ano: 2013)
147
C
O indicador Conectividade Vertical ( I CV
) mede a extensão de margens e de
fundo naturais em relação à extensão total do rio, conforme apresentado pela Equação
6.26. Assim, é possível verificar o quanto dos diferentes trechos do rio ainda mantêm
percolação e comunicação com o seu lençol freático.
Aqui neste indicador, da mesma forma que nos outros, quanto menor a extensão
de margens e de fundo naturais, menor será o valor obtido para o RELFU, indicando
pior situação. Maiores extensões de margens e de fundo naturais acarretarão em maiores
valores para o REFLU, traduzindo-se em rios com melhor estado ecológico.
C
I CV

Lnat
Ltotal
Equação 6.26
Onde:
Cv: indicador de conectividade vertical
Lnat: extensão de margens e de fundo naturais
Ltotal: extensão total do rio
A formulação final para o subíndice C é aquela apresenta na Equação 6.27.
Onde:
C
C
  ICLC . pCLC   ICVC . pCVC 
C  I CT
. pCT
Equação 6.27
C : Conectividade
C
: indicador de conectividade transversal, previamente normalizado, variável entre 0
I CT
e 1.
C
: indicador de conectividade lateral, previamente normalizado, variável entre 0 e 1.
I CL
C
I CV
: indicador de conectividade vertical, previamente normalizado, variável entre 0 e 1.
C
: peso associado ao indicador de conectividade transversal, atribuído em função de
pCT
sua importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.17 e Equação 6.18.
C
: peso associado ao indicador de conectividade lateral, atribuído em função de sua
pCL
importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.17 e Equação 6.18.
C
: peso associado ao indicador de conectividade lateral, atribuído em função de sua
pCV
importância relativa. Deve atender às restrições da Equação 6.17 e Equação 6.18.
148
6.4.3. Subíndice Situação das Margens (SM)
O subíndice SM considera a situação das margens do curso d’água principal da
bacia hidrográfica levando em consideração as extensões de margens que sejam
vegetadas e margens não ocupadas por casas.
Note-se que este subíndice poderia se confundir com a conectividade
transversal, mas seu objetivo é medir uma situação diversa. A presença de vegetação
nas margens é um elemento fundamental da qualidade fluvial, permitindo o
desenvolvimento de ecossistemas mais naturais, além de funcionarem como filtro para
sedimentos e eventuais contribuições indesejadas dos escoamentos superficiais urbanos
para o rio. Na avaliação da conectividade transversal, se a margem for não revestida
artificialmente, mas não contar com vegetação, e permitir a comunicação com uma área
verde, de expansão dos escoamentos, esta é considerada positivamente no cômputo da
conectividade. Portanto, a avaliação de margens vegetadas surge com uma função
específica.
No caso da avaliação das margens não ocupadas por casas, mais uma vez poderse-ia intuir que há superposição com a conectividade transversal, mas explica-se a sua
inclusão por outro motivo. A presença de casas na margem funciona como dique e corta
a conectividade e isso, certamente, foi computado no indicador específico. Entretanto,
uma casa posta na margem, em condições informais, traz 3 elementos específicos, que
não se relacionam com a conectividade do rio e que, nesta proposta, foram considerados
de fundamental importância para avaliação da situação do rio.
A primeira questão refere-se ao lançamento direto de esgotos e lixo no rio,
exatamente pela ocupação de caráter informal e sem infraestrutura, que acaba por
degradar o rio. Indo na direção contrária da presença da vegetação, que funciona como
filtro, a presença de casas nas margens seria uma condição de agravamento direto da
qualidade da água.
A segunda questão se refere ao funcionamento destas casas como barreira para
as águas superficiais, geradas pelo tecido urbano, que não podem mais verter para o rio
(é o caso inverso da conectividade transversal, mudando o foco da cidade para o rio)
dado que, como “diques” não planejados, a microdrenagem tende a não ser prevista para
esta situação.
A terceira questão se refere à possibilidade de colapso destas construções,
quando submetidas às cheias, o que agrava a situação de risco e pode gerar graves
149
acidentes, inclusive em uma ação em série, pela obstrução ou barramento temporário do
rio, que poderia desencadear ondas de ruptura destas pequenas “obras imprevistas” que
se formam, mas não resistem ao galgamento subsequente. Neste caso extremo,
modificações morfológicas a jusante e destruição de outras casas e elementos da
infraestrutura urbana seriam esperadas. Assim, foram definidos dois indicadores para
esse subíndice, conforme apresentado a seguir.
SM
a) Margens Vegetadas ( I MV
)
As matas ciliares são importantes para a manutenção da qualidade da água, a
estabilidade dos solos das margens (evitando erosão e assoreamento), no
desenvolvimento e sustento da fauna silvestre aquática e terrestre ribeirinha e na
regularização dos regimes dos rios através dos lençóis freáticos. Adicionalmente, ainda
funcionam como espécie de “filtro” do escoamento superficial das chuvas. Assim, para
garantir o bom estado ecológico do rio, é imprescindível a existência de matas ciliares.
A Figura 6.12 apresenta um trecho do Rio Dona Eugênia, onde ele ainda possui um
estado mais natural, em que é possível ver sua vegetação ribeirinha.
Figura 6.12: Rio Dona Eugênia, na área do Parque Municipal de Nova Iguaçu, com
vegetação marginal.
Fonte: PMM (2012)
SM
O indicador Margens Vegetadas ( I MV
) mede a extensão de margens vegetadas
em relação à extensão total das margens (Equação 6.28). Pode-se fazer uma média das
extensões de margens vegetadas medidas pela margem esquerda e direita do rio, para
então dividir pela extensão total do rio considerada.
150
SM
I MV

LMV
Ltotal
Equação 6.28
Onde:
SM
: indicador de margens vegetadas
I MV
LMV: extensão de margens vegetadas
Ltotal: extensão total das margens
Neste trabalho, margens vegetadas serão consideradas, mesmo que a vegetação
existente não seja a vegetação ciliar original. Essa é uma concessão feita como forma de
adequação à realidade urbana.
SM
b) Margens Não Ocupadas por Casas ( I MNOC
)
As imagens apresentadas na Figura 6.13, ilustram a ocupação das margens de
um rio por casas. A imagem da esquerda apresenta uma série de casas construídas ao
longo das margens do Rio Dona Eugênia (Mesquita/RJ). A imagem da direita apresenta
o detalhe dos fundos de uma das casas, onde é possível ver um muro que de algum
modo, protege o imóvel das cheias. Cabe ressaltar que essas casas, uma vez
estabelecidas, passam a ser não só uma restrição à capacidade de escoamento da calha,
mas, também, fontes de poluição, por conta dos esgotos sanitários e do lixo gerados
pelos moradores lançados, em ligações clandestinas nas redes de drenagem pluvial ou,
até mesmo, diretamente nos rios.
Figura 6.13: Construções às margens do Rio Dona Eugênia (Mesquita/RJ) impedem a
chegada do escoamento superficial ao rio.
(Fotos da autora, ano: 2012)
151
A existência de construções ao longo das margens dos rios provoca, em ocasião
de chuvas, a elevação do nível da água para montante, a diminuição da capacidade de
fluxo e o possível extravasamento com consequente alagamento de áreas vizinhas a
montante. Ainda, dependendo da velocidade do escoamento, a pressão exercida sobre
tais construções pode causar seu colapso, introduzindo novos elementos de risco, pelo
carreamento de escombros, ou pela obstrução temporária da seção do rio e a
possibilidade de formação de ondas de ruptura destas obstruções para jusante.
SM
O indicador Margens Não Ocupadas por Casas ( I MNOC
) mede a extensão de
margens livres em relação à extensão total das margens (Equação 6.29).
SM
I MNOC

LMNOC
Ltotal
Equação 6.29
Onde:
SM
: indicador de margens não ocupadas por casas
I MNOC
LMNOC: extensão de margens não ocupadas por casas
Ltotal: extensão total das margens
Assim, para o cálculo desse subíndice (Equação 6.30), foram levadas em
consideração as extensões de margens vegetadas e as não ocupadas por casas, sempre
em relação à extensão total.
SM
SM
SM
SM
SM  p MV
 I MV
 p MNOC
 I MNOC
Equação 6.30
Onde:
SM: indicador de situação das margens
SM
: indicador de margens vegetadas
I MV
SM
: indicador de margens não ocupadas por casas
I MNOC
6.4.4. Subíndice Mitigação de Cheia (MC)
Pode-se definir Risco como sendo o valor esperado do dano associado a um
dado sistema, em um tempo pré-estabelecido. Assim, o conceito de Risco Hidráulico
corresponde ao (s) dano (s) causado (s) por uma possível inundação (CIRF, 2006). A
ideia é somar o dano esperado (probabilidade do evento pelo dano correspondente)
152
sobre todos os eventos possíveis dentro de um intervalo definido. Um conceito prático
está por detrás desta definição: existe risco hidráulico apenas quando acontecer uma
inundação que possa causar danos. Se, por exemplo, houvesse uma inundação em uma
área deserta, pode-se dizer que o risco é zero ou inexistente, visto que não existe a
possibilidade de haver danos. Por outro lado, se houver uma inundação de menor
magnitude, porém, em área altamente urbanizada, com presença de inúmeras
residências, o risco é bastante alto, pois poderá haver danos.
A Figura 6.14 ilustra esse ponto, mostrando evento de chuva no município de
Mesquita em região residencial. O aumento do nível d’água pode acarretar em perdas
materiais e, em situações mais drásticas, em perdas de vidas.
Figura 6.14: Enchente no Município de Mesquita.
Fonte: AGÊNCIA NACIONAL DE FAVELAS (2013).
O subíndice Mitigação de Cheia (MC) procura refletir esse conceito do risco
hidráulico, porém, com a preocupação de não se superpor ao cálculo do IRC,
preconizado anteriormente e feito de forma particular, em separado, dada a importância
considerada para este fator. Assim, o subíndice MC focará no “perigo”, ou seja, nos
próprios alagamentos, sem avaliar diretamente ou de forma particular as consequências,
mas focará apenas nos alagamentos nas áreas especificadas de ocupação urbana,
considerando que há dano associado.
Cabe aqui, para evitar sobreposições, discutir a diferença entre este subíndice e a
conectividade transversal. Uma das funções mais importantes associadas à
conectividade transversal é o armazenamento temporário das cheias na própria planície
de inundação do rio. Desta forma, deve-se esperar que o aumento da conectividade
153
transversal atue na redução das cheias. Entretanto, no contexto desta tese, a
requalificação vem como um dos elementos da discussão, mas o foco é deslocado para a
bacia hidrográfica e para atuações sobre esta bacia como elemento de reequilíbrio da
hidrologia que dará suporte ao próprio processo de requalificação. Assim, como forma
de medir de maneira abrangente as ações de controle de cheias e a restauração de
padrões hidrológicos mais semelhantes aos naturais, este subíndice abrange a avaliação
na redução dos alagamentos sobre a bacia, originados a partir de qualquer fonte
(inclusive por falha de microdrenagem e excesso de escoamento superficial).
O MC, então, avaliará o grau de alagamento da bacia hidrográfica urbanizada,
ao considerar o volume de alagamento no pico da cheia em relação ao volume total
precipitado (Equação 6.31). Para ser coerente com todos os outros subíndices, optou-se
por calcular a porcentagem da bacia que não sofre com o risco hidráulico. Assim,
quanto melhor for o estado ecológico da bacia, em termos de risco hidráulico, maior
será o valor de MC, podendo chegar a 1. Valores próximos a 0 indicam bacia com
situação de alagamentos crítica.
MC  1 
VA
Vtotal
Equação 6.31
Onde:
MC: Mitigação de Cheia
VA: volume de alagamento, calculado segundo a Equação 6.32.
Vtotal: volume total da precipitação, calculado através do total precipitado, da área e do
coeficiente de escoamento de cada célula
VA  Alag máx  Aarmaz
Equação 6.32
Onde:
VA: volume de alagamento total na bacia no momento máximo do pico da cheia.
Alagmáx: alagamento máximo (nível d’água no pico da cheia)
Aarmaz: área de armazenagem total na bacia
Cada um dos fatores considerados possui determinado peso associado, para
representar a sua importância relativa. Tal fato é traduzido matematicamente na equação
154
final do índice. Além disso, para que seja possível operacionalizar indicadores de
naturezas e unidades distintas, lança-se mão da normalização, convertendo todos os
indicadores a uma mesma escala de variação.
A formulação final do REFLU, conforme indicadores escolhidos, tem a estrutura
apresentada na Equação 6.33.
REFLU  EGB  p EGB   C  p C   SM  p SM   MC  p MC 
Onde:
Equação 6.33
REFLU : índice de REqualificação FLuvial Urbana
EGB : subíndice Estado Geral da Bacia
C : subíndice Conectividade
SM : subíndice Situação das Margens
MC : subíndice Mitigação de Cheia
p EGB : peso atribuído ao subíndice Estado Geral da Bacia
p C : peso atribuído ao subíndice Conectividade
p SM : peso atribuído ao subíndice Situação das Margens
p MC : peso atribuído ao subíndice Mitigação de Cheia
155
7. Estudo de Caso – Rio Dona Eugênia
A industrialização tardia em países de terceiro mundo levou a um processo de
urbanização acelerado, observado na segunda metade do século XX. O rápido
crescimento da população urbana dificultou o estabelecimento de um planejamento
adequado, que criaria uma paisagem urbana projetada e funcional, numa cidade
orientada por planos diretores. Muitas áreas cresceram sem planejamento e,
principalmente, sem controle, algumas vezes levando à criação de áreas com
subhabitações e regiões com muitos problemas e desafios, onde a arquitetura e a
engenharia precisavam buscar novas soluções, integradas, para adaptar essas
irregularidades urbanas. Em alguns casos, o processo de urbanização progride em
direção a um nível em que altas taxas de impermeabilização e densidade populacional
são atingidas, com uma ocupação generalizada da bacia inteira, incluindo áreas que são
naturalmente sujeitas a enchentes e que deveriam ser preservadas.
No Brasil, muitas abordagens convencionais para a drenagem urbana e o
controle de cheias podem ser encontradas. A Baixada Fluminense é, sem dúvida, uma
região representativa da história do desenvolvimento das medidas de combate às
enchentes no estado do Rio de Janeiro. Ela apresenta uma gama de dificuldades e
problemas relacionados com o processo de urbanização em regiões metropolitanas, tais
como crescimento populacional vertiginoso, ocupação e uso do solo sem planejamento
e controle, falta de investimentos em infraestrutura urbana e descontinuidade nas
políticas públicas.
Neste contexto, projetos de controle de cheias são uma dos principais
preocupações e, muitas vezes, uma das causas da degradação fluvial. Este contexto é
certamente uma situação muito difícil em termos de requalificação fluvial, mas é
preciso ter em mente que o ambiente urbano não pode ser esquecido e que os desafios
devem ser enfrentados, a fim de encontrar um melhor equilíbrio entre o meio ambiente
natural e o construído, buscando uma oportunidade de recuperar o máximo possível a
qualidade ambiental do rio e de sua bacia. Desta forma, novos conceitos de drenagem
urbana sustentável, planejamento urbano e ações de desenvolvimento e possibilidades
de requalificação fluvial, mesmo que parcialmente, serão integrados em uma discussão
onde
o
desenvolvimento
passado
e
as
soluções
tradicionais
estão
sendo
156
complementados ou substituídos por novos conceitos que ainda estão em evolução, para
também considerar as necessidades dos ecossistemas fluviais.
7.1. Antecedentes de Projeto da Baixada Fluminense
A Baixada Fluminense cobre uma grande área na Baía de Guanabara, limitada
pelas serras de Tinguá, Gericinó e do Mar, originalmente apresentando muitas áreas de
pântanos ao longo dos rios Iguaçu, Inhomirim, Sarapuí, Meriti e vários de seus
tributários. Hoje, a Baixada Fluminense é composta pelos municípios de Magé, Duque
de Caxias, São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Mesquita e Nova Iguaçu.
Uma das bacias de maior importância da região é a dos Rios Iguaçu-Sarapuí,
com uma área de aproximadamente 726 km. Além da importância regional e econômica
da área em que se encontra, cabe destacar, como questões importantes para a bacia: a
presença de áreas com grande desenvolvimento urbano e industrial; a presença de áreas
rurais em processo de urbanização; a existência de mananciais importantes para o
abastecimento de água da Baixada Fluminense; e o grande número de habitações em
áreas inundáveis. A região da Baixada sempre sofreu com o extravasamento de seus rios
e, desde cedo, precisou aprender a lidar com a questão das cheias.
“A historia do povoamento da Baixada resume-se num combate permanente
contra o pântano. Para explorar a terra, foi preciso, antes, conquista-la ás
aguas que a afogavam.” (GÓES, 1939: p15)
“As várzeas indundam-se, facilmente, pelas aguas que descem bruscamente
da serra, espraiando-se pela planura de declive muito fraco. (...) Os rios da
Baixada têm, em sua maioria, secção transversal insuficiente para escoar
grandes volumes de agua durante as cheias.” (GÓES, 1939: p16)
A partir do final do século XIX, os pântanos existentes foram considerados
inimigos da saúde pública e da qualidade de vida dos moradores da Baixada Fluminense
e iniciaram-se inúmeros planos e intervenções para promover o dessecamento dessas
regiões.
“Desde 1891, os governos, federal e estadual, tentam restabelecer a antiga
prosperidade da região. (...) Exame minucioso revela as várias causas de
insucesso. (...) Os projetos eram elaborados e as obras iniciadas sem que os
problemas fossem bem compreendidos e meditados. (...) Não havia uma
visão de conjunto. (...) Retificações, ligações de rios, dragagem de barras e de
canais, eram efetuadas sem que se avaliassem suas consequências. (...) Em
geral, a descrença sobre o saneamento da Baixada Fluminense era completa.”
(GÓES, 1939: p19)
157
Dentre as inúmeras obras realizadas desde o final do século XIX, uma delas
corresponde à retificação do Rio Sarapuí e seu desvio para o curso inferior do Rio
Iguaçu, ocorrida no início do século XX (LABHID, 1996).
Em 1933 foi criada a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, com a
missão de estabelecer um programa geral de ação, para tornar agricultável a vasta
planície lacustre do Estado do Rio de Janeiro e, secundariamente, erradicar a febre
amarela e controlar as inundações (CARNEIRO, 2003). Nessa fase, foi determinado que
se levantassem as causas dos insucessos das obras ocorridas no final do século XIX e se
estabelecessem novas diretrizes para que não incorressem nos mesmos erros. O
Governo aprovou um programa integrado, que cuidava tanto da parte hidráulica quanto
dos transportes e colonização das áreas conquistadas.
“Os problemas para o saneamento de grande planície fluminense enquadramse em seis categorias: (1) Recuperação de áreas alagadas, periodicamente,
pelas marés; (2) Defesa contras as inundações; (3) Dragagem de novos leitos
para rios que se perderam em brejais; (4) Ligação permanente das lagôas
costeiras com o oceano; (5) Drenagem subterrânea de determinadas áreas; (6)
Obras de arte.” (GÓES, 1939: p30)
“A escolha do método há de se decidir pelo aumento da capacidade de vazão
dos cursos dagua ou pela utilização dos reservatórios compensadores de
cheia, pela derivação do excesso das descargas ou pela construção de diques
longitudinais de proteção.” (GÓES, 1939: p23)
A década de 1950 foi marcada por especulação imobiliária, através da criação de
loteamentos sem controle na região da Baixada Fluminense, resultando em intenso
crescimento populacional. As estruturas implantadas na década de 1930 tornaram-se
obsoletas e a população passou a sofrer constantemente com os efeitos das inundações
urbanas.
Dentre as intervenções mais recentes, está a criação do Programa Reconstrução
Rio, proposto pelo Governo do Estado após a calamitosa enchente de 1988.
Implementado no biênio 1994-95, tinha como objetivo enfrentar os problemas
acumulados ao longo dos anos (CARNEIRO, 2008). Os investimentos foram
direcionados para um grande projeto de infraestrutura dos sistemas de macrodrenagem
locais e as principais ações desenvolvidas foram a melhoria da capacidade de
escoamento dos rios e canais; a construção de duas barragens de controle de cheias,
localizadas em um campo de provas militar em Gericinó; a remoção de singularidades
de drenagem – obstáculos localizados no caminho das inundações, principalmente
pontes mal projetadas (muito baixas ou muito curtas), que funcionavam como barreiras
reais ao escoamento; a substituição dos bueiros com dimensões insuficientes, instalados
158
pela municipalidade sem critérios técnicos sistêmicos para a bacia como um todo; e a
relocação de tubulações de água e de gás que cruzavam os cursos d’água em alturas
inadequadas, funcionando como verdadeiros “retentores de lixo” (ibid.).
Nessa mesma época, e também desenvolvido neste contexto, o Plano Diretor de
Recursos Hídricos da bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí, também conhecido como Projeto
Iguaçu, foi concluído no final de 1995, após dois anos de trabalho. O principal foco
deste projeto eram as preocupações com o controle de cheias. O Projeto Iguaçu
identificou que a principal causa dos graves padrões de alagamentos observados na
bacia era o inadequado processo de ocupação e uso do solo, considerando a
característica particular da área: uma vasta planície em área de baixada. Neste processo,
outros fatores contribuíram para a piora da situação: a inadequação ou falta de
infraestrutura, a ocupação informal e ilegal das margens dos rios e suas planícies de
alagamento; a presença de várias obstruções locais no caminho dos escoamentos; a
exploração de areia do leito dos rios e outras atividades de mineração; o processo de
assoreamento, devido ao desmatamento das encostas e ao lançamento de resíduos
sólidos, não coletados por localidades menores e mais pobres; o aumento do
escoamento superficial devido à impermeabilização da bacia; e uma legislação
inadequada ou, em muitos casos, o não cumprimento da legislação existente.
As principais ações do Projeto Iguaçu estavam mais relacionadas a uma
abordagem hidráulica tradicional, que definia seções em canal para o escoamento das
águas, diques ao longo das margens dos rios para proteger as áreas de baixada ocupadas,
conformando polderes. Entretanto, com o objetivo de organizar o crescimento futuro,
também foi estabelecida a elevação mínima de referência para novos projetos de
loteamentos e desenvolvimento urbano, com o objetivo de evitar a ocupação de áreas
impróprias e de risco. O Projeto Iguaçu frisava a importância do controle de uso do solo
e também propôs o reflorestamento de algumas áreas, com o objetivo de fazer com que
as intervenções de controle de cheias propostas funcionassem corretamente,
Após essas intervenções, vários lugares continuaram a ter problemas de cheias,
principalmente por causa da dificuldade em resolver o problema da ocupação em áreas
de risco. Por conta deste problema, um conjunto de medidas estruturais mais custosas
teve que ser adotado, como a implementação de galerias de drenagem maiores e a
canalização dos cursos d’água em concreto, comprometendo o plano de orçamento
global e tornando impraticável a construção de medidas de controle de cheias em outros
159
lugares (LABHID, 1996). Como não foram realizados investimentos de grande porte na
Baixada Fluminense ao longo dos 13 anos que sucederam o fim do projeto, houve um
agravamento do quadro, com a ocorrência de inundações e o assoreamento dos cursos
d’água. Recentemente, em 2009, uma revisão completa deste estudo foi realizada, com a
intenção de criar uma base técnica atualizada para realização de projetos de controle de
cheias que poderiam ser financiados pelo Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), do Governo Federal. Este estudo previu uma série de ações integradas para
proporcionar a preservação ambiental e evitar a degradação da área urbana, através de
intervenções estruturais, na macrodrenagem, e não estruturais, como a revisão das
regras de ocupação e uso do solo. Essas ações foram baseadas em conceitos de
drenagem sustentável, tais como o uso de medidas de armazenamento, a restauração das
características naturais de cursos d’água e o impedimento de ocupações das planícies de
inundação, para garantir espaço para o extravasamento natural dos rios.
Apesar da grande preocupação em aplicar medidas que estivessem de acordo
com os conceitos de drenagem sustentável, como a proposição da tipologia de parques
urbanos com diferentes funções, variando desde proteção das margens até reservatórios
temporários, e manutenção de taxas maiores de permeabilidade, ainda assim, a solução
para o Rio Dona Eugênia, afluente do Rio Sarapuí pela margem esquerda, continuou
dependente da barragem de controle de cheias, proposta no primeiro estudo, em 1996. A
barragem foi ajustada para a situação atual (mais de 10 anos depois) e a simulação do
seu funcionamento para controle da cheia de projeto indicou uma redução de 84% nas
vazões do Rio Dona Eugênia (Figura 7.1) a jusante.
Hidrogramas Barragem Projetada
50
45
Q afluente
40
Q efluente
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
0
50
100
150
Tem po (m in)
200
250
300
Figura 7.1. Hidrograma afluente e efluente a barragem de amortecimento do Rio Dona
Eugênia, resultante do processo de modelagem para uma chuva com TR de 20 anos.
Fonte: COPPETEC (2009).
160
A barragem teve um excelente resultado do ponto de vista de não mais haver
extravasamento do canal principal. Entretanto, o problema de ocupação das margens do
rio e os alagamentos urbanos gerados pelo excesso do escoamento superficial não são
modificados pela barragem, o que, sob o ponto de vista sistêmico da bacia ainda gera
vetores de degradação fluvial e urbana respectivamente.
As intervenções propostas no Projeto Iguaçu são voltadas, de uma forma geral,
para a reversão do quadro de degradação dos corpos hídricos e melhoria das condições
de escoamento. As obras de alguns pontos já foram finalizadas e outras estão em
andamento.
Dentre os trabalhos recentes, para a área de estudo, cabe ainda destacar alguns,
como resumido a seguir, para formar a base de trabalho relativa aos antecedentes desta
pesquisa.
CARNEIRO (2008) discutiu a integração do planejamento do uso do solo à
gestão dos recursos hídricos, com enfoque no controle de inundações. Em seu trabalho,
procurava elucidar os desafios e as perspectivas para o seu gerenciamento em bacias
densamente urbanizadas. Assim, discutia os possíveis paradigmas que poderiam emergir
dos novos instrumentos de ordenamento do solo com as diretrizes da Política Nacional
de Recursos Hídricos e da Política Nacional de Saneamento, que havia sido aprovada
pouco tempo antes. Com isso, propunha alternativas que conduzissem à gestão
integrada em bacias metropolitanas. Dentre os Planos Diretores analisados, destaca-se o
do município de Mesquita.
Com um trabalho complementar ao de Carneiro, MELLO (2011) desenvolveu
uma metodologia de análise de Planos Diretores no que concerne à utilização dos
instrumentos de controle e gestão do uso do solo, com vista à conservação ambiental,
controle da expansão urbana desordenada, mitigação de riscos de alagamento e
deslizamento e expansão dos serviços de saneamento básico, que foi aplicada a
municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo Mesquita e Nova Iguaçu
dois deles. Em seu estudo, foi ressaltada a importância de políticas de integração entre
planejamento urbano, gestão de recursos hídricos e saneamento ambiental.
ROYSE (2009) propôs metodologia de recuperação ambiental do rio Botas, na
Baixada Fluminense, tendo como foco o tratamento e ordenamento de suas margens, a
fim de possibilitar uma nova forma de relação da população local com o rio, onde se
destaca a sua utilização como potenciais espaços de lazer. Sua proposta prevê, ainda, a
aplicabilidade desta metodologia a outros rios da bacia. Neste sentido, insere-se o caso
161
do Rio Dona Eugênia e a parceria estabelecida com o Programa de Urbanismo da UFRJ.
Assim, pretende-se, de forma análoga, aplicar as diretrizes apresentadas na Figura 7.2 à
Bacia do Rio Dona Eugênia, observando que as dimensões apresentadas (físicas,
políticas,
socioculturais
e
ambientais)
devem
estar
integradas
e
acontecer
concomitantemente.
Figura 7.2. Diretrizes para recuperação ambiental do rio.
Fonte: ROYSE (2009)
Especificamente em relação à Mesquita e à Bacia do Rio Dona Eugênia, outros
trabalhos foram desenvolvidos, recentemente. Dentre eles, destacam-se BRITTO et al.
(2011, 2012); COSTA et al. (2011, 2012); OLIVEIRA e SILVA (2011); PARENTPOTHIER (2012), desenvolvidos no PROURB/UFRJ, no contexto do projeto
"Sustentabilidade na Gestão das Águas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro",
que abordava a relação entre urbanismo e a gestão das águas e do saneamento na região
e AMARAL (2012); BIANCHINI (2012); BIGATE (2013); MIGUEZ et al. (2013b);
MIGUEZ e VERÓL (2012d); VERÓL et al. (2012, 2013); VERÓL e MIGUEZ (2012),
desenvolvidos na COPPE/UFRJ, no contexto do projeto “SERELAREFA” (Semillas
REd Latina Recuperación Ecosistemas Fluviales y Acuáticos ou, em português,
“Sementes de uma rede Latino-Americana para a recuperação de ecossistemas fluviais e
aquáticos”, que propunha o lançamento de uma rede latino-americana de recuperação
162
fluvial, fomentando um fluxo de ideias, conhecimentos e contatos que ajudassem a
todos os participantes e a comunidade internacional a entender melhor a dinâmica dos
processos fluviais, os efeitos das intervenções antrópicas e quais podem ser as ações
encaminhadas à solução de numerosos problemas.
O Projeto SERELAREFA é financiado pelo programa europeu UE FP7PEOPLE IRSES 2009 e tem como objetivo melhorar a forma com que os cursos d’água
são geridos. Instituições de cinco países diferentes integram o projeto: Itália e Espanha,
na Europa, Brasil, Chile e México, na América Latina. A Universidade Federal do Rio
de Janeiro, através da Escola Politécnica, é a representante brasileira do projeto, que tem
a coordenação técnica do Professor Marcelo Gomes Miguez. projeto teve início em
setembro de 2010, com uma missão de intercâmbio de experiências na Itália. Pouco
depois, em fevereiro de 2011, a UFRJ recebeu a 1ª Missão Brasileira do
SERELAREFA, no período de 31 de janeiro a 11 de fevereiro de 2011. Naquela
ocasião, professores, pesquisadores e alunos de doutorado, mestrado e graduação
participaram, ao longo das duas semanas de missão, de seminários, visitas de campo e
debates que giravam sempre em torno do tema ‘Requalificação Fluvial’. Como produto
da missão, foi assinada, em 11 de fevereiro de 2011, a “Carta do Rio de Janeiro”, onde
foram estabelecidos os objetivos formais a serem percorridos ao longo do período do
projeto. Assim, foram definidos estudos de caso específicos, que pudessem auxiliar na
busca contínua por melhores condições dos rios e de vida para as populações que
ocupam suas bacias, dentre os quais, se encontrava a Bacia do Rio Dona Eugênia, em
Mesquita (RJ).
“Estudar de forma integrada e transdisciplinar a Bacia do Rio Dona Eugênia,
abordando as questões de planejamento urbano, arquitetura e urbanismo,
saneamento, controle de enchentes, habitação e recuperação fluvial,
envolvendo a prefeitura, vários atores institucionais e a população local.”
(Carta do Rio de Janeiro, 2011)
A Tese aqui desenvolvida teve origem e foi desenvolvida no âmbito do projeto
SERELAREFA.
7.2. Descrição da Região
7.2.1. Bacia do Rio Dona Eugênia
A Bacia do Rio Dona Eugênia, com 18 km² de área de drenagem, é sub-bacia do
Rio Iguaçu-Sarapuí, que possui um total de 727 km². Está situada na área metropolitana
163
do Rio de Janeiro, cruzando duas cidades da Baixada Fluminense – Nova Iguaçu e
Mesquita. Com clima quente, úmido e estação chuvosa no verão, a bacia tem uma
temperatura média anual de 22˚C e uma precipitação média anual de 1.700mm
(COPPETEC, 2009). Sua localização está apresentada na Figura 7.3.
O Rio Dona Eugênia nasce no município de Nova Iguaçu, mais precisamente no
interior da APA de Gericinó/Mendanha, a aproximadamente 300m de altitude. Dali
segue por aproximadamente 10 km, percorrendo todo o Município de Mesquita,
inicialmente no sentido sudeste, atravessando os bairros Coréia e Centro e,
posteriormente, no sentido oeste, os bairros Vila Emil, Cosmorama e Rocha Sobrinho,
num trajeto total de 6,2 km de extensão, até desaguar no Rio Sarapuí, na fronteira entre
Mesquita e Nilópolis, aproximadamente 17 km a montante da sua foz no Rio Iguaçu.
Figura 7.3. (a) Brasil; (b) Rio de Janeiro; (c) Bacia do Rio Dona Eugênia é sub-bacia
dos Rios Iguaçu-Sarapuí.
(Mapa do Brasil obtido no Wikipédia; demais mapas desenvolvidos pela autora)
Na Figura 7.4, é possível ver o traçado da bacia e o próprio Rio Dona Eugênia,
em uma imagem aérea obtida com auxílio do software Google Earth.
164
Figura 7.4. Bacia do Rio Dona Eugênia.
(Adaptado de Google Earth)
Para uma melhor caracterização e entendimento da bacia, a Figura 7.5 apresenta
9 pontos, ao longo do rio, os quais são descritos e apresentados em fotos, na sequência.
P2
P3
P1
P4
P5
P6
P7
P8
P9
Figura 7.5. Pontos ao longo do Rio Dona Eugênia.
(Adaptado de Google Earth)

Ponto P1 – Represa Epaminondas Ramos
Dentro da APA Gericinó/Mendanha, está localizado o Parque Municipal de
Nova Iguaçu. No parque, está a represa Epaminondas Ramos que, segundo PMNI
(2001), até 1981, era responsável pelo abastecimento de grande parte da população do
bairro e áreas adjacentes. Sua desativação deveu-se ao despejo irregular de esgotos
domésticos procedentes de sítios clandestinos (Figura 7.6 e Erro! Fonte de referência
não encontrada.).
Esta área possui características mais naturais, com vegetação razoavelmente
preservada, rio com aspecto de boa qualidade, no trecho à montante da represa, com
escoamento e morfologia não perturbados pela urbanização.
165
Figura 7.6. Parque Municipal de Nova Iguaçu e Represa Epaminondas Ramos.
(Fotos da autora, ano: 2012)

Ponto P2 – Bairro Coreia
Um dos 19 bairros do município de Mesquita, o bairro Coreia pertence ao 1º
Distrito, do Centro. Nesta região, o rio ainda apresenta alguns traços de suas
características naturais, mas já com alguns sinais de interferência humana. É nesta parte
que ocorre a transição para o trecho urbano, no qual o rio está canalizado. A Figura 7.7
mostra algumas dessas características. Na primeira imagem é possível ver o rio
correndo ainda em um canal natural. No entanto, percebe-se, também, a presença de
lixo nas margens. Na imagem seguinte, é possível perceber a contenção de uma das
margens, com gabiões, e a existência de lixo no leito do Rio Dona Eugênia.
Figura 7.7. Rio Dona Eugênia na altura do bairro da Coreia.
(Fotos da autora, ano: 2012)
A partir deste trecho já se começam a observar as canalizações de esgoto sem
tratamento em direção ao rio, além de outros problemas, como por exemplo, ao
166
relacionados à coleta de lixo, como mostram as imagens, que revelam a precariedade de
infraestrutura do trecho.

Ponto P3 – Bairro Coreia (obra)
Ainda no bairro Coreia, em um ponto mais à jusante, no momento das fotos
(Julho de 2012), estavam sendo realizadas intervenções no rio, pela Prefeitura local. As
fotos que compõem a Figura 7.8 ilustram a situação. Tal fato faz com que as
características do trecho urbano do rio avancem para o trecho de montante. Essa é uma
situação preocupante, pois agravará a situação de jusante, que já é crítica e implica em
mais uma artificialização em direção à área da reserva, implicando na perda de
oportunidade de valorização do rio como elemento da paisagem e possibilidade de lazer.
Figura 7.8. Obras no Rio Dona Eugênia, na altura do bairro da Coreia.
(Fotos da autora, ano: 2012)

Ponto P4 – Bairro Centro (atrás da Prefeitura)
Na região central da cidade, onde estão localizados o comércio local, bancos, um
importante clube (Tênis Club de Mesquita) e até mesmo a Prefeitura Municipal de
Mesquita (PMM), o rio está canalizado em canal de concreto, passando, em alguns
pontos específicos, por galerias subterrâneas. Nas imagens da Figura 7.9, é possível ver
o rio correndo no canal e, também, a presença de lixo em suas margens. Esse é um dos
pontos de alagamento mais importantes da bacia.
167
Figura 7.9. Rio Dona Eugênia, atrás da Prefeitura – Av. Brasil.
(Fotos da autora, ano: 2012)

Ponto P5 – Bairro Centro (Prefeitura)
Esta área, bastante urbanizada, apresenta alto grau de impermeabilização. Aqui é
possível notar a presença de muitas edificações às margens do Rio Dona Eugênia,
confinando ainda mais o seu canal. Além das ocupações, esta área apresenta graves
problemas de alagamentos, que nos últimos anos vêm tentando ser contornados através
de obras no local. Essas características estão bem claras no conjunto de imagens que
formam a Figura 7.10. Neste trecho está localizada a PMM, cuja parte dos fundos de
sua edificação está voltada para o Rio Dona Eugênia (Figura 7.11).
Figura 7.10. Rio Dona Eugênia, na região da Prefeitura – Av. Brasil.
(Fotos da autora, ano: 2012)
168
PMM
Figura 7.11. Prefeitura Municipal de Mesquita.
(Fotos da autora, ano: 2012; mapa adaptado de Google Earth)
É no trecho próximo à PMM que o Rio Dona Eugênia sofre o maior
estrangulamento ao longo de todo o seu comprimento. Escoando em canal de seção
retangular, em concreto, ele cruza por baixo da Rua Arthur de Oliveira Vecchi,
seguindo confinado entre habitações irregulares e em estado de degradação já avançado
(Figura 7.12). Neste trecho o rio tem aspecto ruim, cor escura, presença de muito lixo,
baixa vazão e maus odores.
Figura 7.12. Rio Dona Eugênia confinado em galeria de concreto, por baixo da Rua
Arthur de Oliveira Vecchi (a) vista de montante (b) vista de jusante.
(Fotos da autora, ano: 2012)

Ponto P6 – Bairro Centro (próximo à linha ferroviária)
No trecho entre as ruas Verdade e Sarmento, próximo à linha ferroviária, o rio
continua com aspecto degradado, com cor e odor comprometidos, escoando confinado
entre habitações. Dali ele segue, em galeria, por baixo da ferrovia, para a região do
bairro Vila Emil (Figura 7.13).
169
Figura 7.13. Rio Dona Eugênia, próximo à linha ferroviária – Av. Brasil.
(Fotos da autora, ano: 2012)

Ponto P7 – Bairro Cosmorama (próximo à Via Light)
Esta área, de caráter mais residencial, chama a atenção por comportar, de um
lado da margem, habitações populares e, do outro, habitações recentes com melhores
condições de infraestrutura. Neste trecho, no bairro de Cosmorama, o rio volta a ter um
aspecto mais “natural”, escoando em canal de terra. Ainda assim, possui características
de degradação, com cor e odor comprometidos, presença de lixo em seu leito e nas
margens (Figura 7.14).
Figura 7.14. Rio Dona Eugênia, próximo à Via Light – Av. Brasil.
(Fotos da autora, ano: 2012)

Pontos P8 e P9– Bairro Cosmorama (próximo à foz no Rio Sarapuí)
O Rio Dona Eugênia desemboca no Rio Sarapuí, próximo ao bairro Vila Norma.
Esta área, de ocupação mais recente, apresenta ainda maior precariedade, seja quanto
aos componentes do saneamento ambiental, seja quanto às habitações (Figura 7.15).
170
Recentemente, intervenções relativas ao PAC vêm sendo implantadas, promovendo
algumas realocações de moradores em situações de risco. Ainda assim, as ações não
demonstram ser suficientes para resolver todos os problemas locais.
Figura 7.15. Rio Dona Eugênia, próximo à foz no Rio Sarapuí.
(Fotos da autora, ano: 2012)
Neste trecho, apesar de correr em seu canal natural, o rio está bastante
degradado, trazendo consigo as marcas do trecho urbano: presença de lixo, cor e odor
característicos de lançamento de esgotos. Observa-se a presença de vegetação às
margens do rio (Figura 7.16).
Figura 7.16. Rio Dona Eugênia, na foz com o Rio Sarapuí.
(Fotos da autora, ano: 2012)
7.2.2. Município de Mesquita
Considerando que o maior trecho do Rio Dona Eugênia corta a malha urbana do
município de Mesquita, este trabalho dedicará um tópico para este município. Com um
diagnóstico da região, será possível propor soluções no âmbito da requalificação fluvial.
171
O município de Mesquita, localizado junto à região metropolitana do Rio de
Janeiro, é o mais recente da Baixada Fluminense. Sua emancipação do município de
Nova Iguaçu ocorreu em 2001. Além de Nova Iguaçu, o município faz divisa com
Nilópolis, Belford Roxo, Rio de Janeiro e São João de Meriti. Sua população estimada é
de 168.376 habitantes, segundo o IBGE (2010) e seu Índice de Desenvolvimento
Humano (0,77) é o segundo maior dentre os municípios da Baixada Fluminense,
ficando apenas atrás do município de Nilópolis. Possui um PIB municipal de
R$1.187.697,00 e um PIB per capita de R$ 6.508,00 (IBGE, 2007). Um aspecto
importante a ressaltar é que o município aprovou, em 2006, seu Plano Diretor
Participativo (PMM, 2006).
O município de Mesquita tem muitos problemas de infraestrutura. Nas suas
áreas mais populosas, são inúmeros os loteamentos irregulares. Mesmo loteamentos
regulares, porém resultantes de intenso parcelamento da terra, sem praticamente
nenhuma infraestrutura ou beneficiamento, aparecem com frequência. Outra importante
questão é que, devido à falta de programas adequados para solucionar o problema de
moradia, a população de baixa renda passou a ocupar as encostas de forma desordenada,
não levando em conta fatores de riscos ambientais. Na Figura 7.17, é apresentado um
mapa com a indicação dos principais rios que cortam o município e a divisão entre as
áreas de proteção ambiental, rural e urbana do mesmo. A área rural corresponde a
2,2km², a urbana a 14,2km² e a APA municipal a 25,2km².
Figura 7.17. Divisão da ocupação rural e urbana do município de Mesquita.
Fonte: PMM (2011)
172
A sequência de mapas apresentada a seguir foi elaborada pela equipe de
pesquisa coordenada pela Prof.ª Ana Lúcia Britto, do PROURB/UFRJ, e auxiliam a
leitura deste trabalho, no sentido de que ajudam a traçar o perfil do município hoje, em
relação à tipologia socioespacial, uso e ocupação do solo, saneamento, dentre outras
características avaliadas.
A Figura 7.18 apresenta um mapa de Hidrografia e Relevo do município de
Mesquita. A partir da análise deste mapa, é possível observar que todos os rios que
nascem no município de Mesquita deságuam no Rio Sarapuí. Suas nascentes estão em
área de preservação ambiental, porém, ao longo de seu curso, os rios sofrem com a
poluição. O município é dividido em duas áreas bem marcadas: a que está localizada em
área de proteção ambiental, em área elevada, e a área urbana, plana.
Figura 7.18. Hidrografia e relevo do Município de Mesquita.
Fonte: BRITTO et al. (2011)
A Figura 7.19 apresenta a Tipologia socioespacial do município de Mesquita. A
partir do mapa, é possível perceber que a tipologia predominante é a “Popular”, com
uma proporção considerável de “Popular Operário” e, em escala menor, o padrão
“Médio Inferior”.
173
Figura 7.19. Tipologia socioespacial do Município de Mesquita.
Fonte: BRITTO et al. (2011)
Nota-se, porém, que a área de urbanização alta junto ao Rio Dona Eugênia, onde
se encontra a Prefeitura, é justamente uma das mais críticas em termos de alagamentos.
Na Figura 7.20 está apresentado o mapa de Urbanização do município de
Mesquita. É possível perceber uma área bem urbanizada, com predominância do padrão
“urbanização média”.
Figura 7.20. Urbanização do município de Mesquita.
Fonte: BRITTO et al. (2011)
174
Mesquita está localizada próxima às grandes vias de acesso à cidade do Rio de
Janeiro, o que facilita a locomoção para a capital do estado. Porém as vias municipais
são marcadas pela deficiência quanto às dimensões e à manutenção. A Figura 7.21
apresenta o mapa de Pavimentação do município de Mesquita.
Figura 7.21. Pavimentação no município de Mesquita.
Fonte: BRITTO et al. (2011)
A Figura 7.22 apresenta o mapa com a rede de esgoto sanitário e a Figura 7.23, o
mapa com as regiões em que há coleta de lixo. Assim como ocorre na maioria dos
municípios da Baixada Fluminense, verifica-se uma infraestrutura de saneamento
precária.
175
Figura 7.22. Rede de Esgoto no Município de Mesquita.
Fonte: BRITTO et al. (2011)
Figura 7.23. Coleta de Lixo no Município de Mesquita.
Fonte: BRITTO et al. (2011)
O município ainda precisa investir em aspectos como: melhoria dos sistemas de
coleta e tratamento de esgoto, drenagem urbana e fiscalização do uso e ocupação do
solo, evitando a ocupação das faixas marginais. Além disso, também é preciso
desenvolver programas de provisão de habitação para a população de baixa renda, e
promover a reabilitação das margens dos rios. O planejamento conjunto de aspectos das
águas urbanas precisa ser uma meta, oferecendo melhoria da qualidade de vida à
população e propiciando a conservação ambiental.
7.3. Histórico de Ocupação do Município de Mesquita
A descrição histórica apresentada a seguir se baseia em documentos publicados
por IBGE (2010); INEPAC (2012); PESSOA (2010); PMM (2011); SILVA (2007).
Inicialmente, a região hoje conhecida como Mesquita era habitada por índios
acostumados à guerra, da tribo dos jacutinga. Estes índios, que também participaram da
Confederação dos Tamoios, foram desaparecendo, aos poucos, por conta dos embates
com os portugueses e da contração de doenças.
176
Por volta de 1700, as terras foram ocupadas por canaviais, que atendiam ao
engenho da Fazenda da Cachoeira, situado às margens do rio de mesmo nome – atual
Dona Eugênia – ao pé do Maciço de Gericinó (Figura 7.24).
Figura 7.24. Ponte sobre o Rio Dona Eugênia, antigo rio da Cachoeira.
Fonte: PMM (2011)
Produzindo açúcar e aguardente, este engenho pertencera à família Mesquita:
Jerônimo José de Mesquita, primeiro Barão, Visconde e Conde de Mesquita (1826 –
1886), fazendeiro, empresário e político brasileiro, e a seu filho, Jerônimo Roberto de
Mesquita (1857 – 1927), que viria a ser o segundo Barão de Mesquita, responsável pela
extensão da rede ferroviária até a Baixada Fluminense (Figura 7.25). Próximo a este
engenho, cresceu um arraial, que supria a demanda de tropeiros e carroceiros que por ali
passavam e abasteciam-se na cachoeira localizada nos arredores.
Em 1884, com a expansão do sistema ferroviário, várias estações foram
implantadas, com uma delas localizada no centro do antigo arraial da Cachoeira, que
logo mudou de nome para Jerônimo de Mesquita sendo, posteriormente, simplificado
para Mesquita. Nessa época, as fazendas começaram a não dar mais lucros,
principalmente por conta da abolição da escravatura. A fazenda Cachoeira entra em
declínio, é vendida e transformada em chácaras de plantio de laranjas. No início do
século XX, surgiram as olarias, atraídas pela qualidade do barro e por áreas alagadas da
região. Assim, às margens da ferrovia, parte mais baixa da Baixada, sempre alagada,
cerâmicas e olarias foram instaladas.
177
Figura 7.25. Vista de Mesquita – Forte, 1932.
Fonte: PMM (2011)
Em 1908, foi instalada a Companhia Material de Construção Ludolf e Ludolf,
uma das maiores empresas de cerâmica do Brasil, junto à margem da estação de
Mesquita. A ocupação ao longo da Rua da Cachoeira, se dava pelo estabelecimento de
algumas poucas pessoas, embora o destaque estivesse no entroncamento das vias que
ligavam a Fazenda da Cachoeira com a Freguesia de Santo Antônio de Jacutinga (atual
Prata), e com Maxambomba (atual Nova Iguaçu). A ligação entre Maxambomba e
Cachoeira, depois da ferrovia, ficou ao pé da Serra Cachoeira-Maxambomba, passando
pelo Quanza (Cauanza, Caonze – atual K-11), por terrenos não alagados.
Laranjais, olarias e poucas residências formavam a paisagem de Mesquita, até
que, com a decadência da produção de laranja, as chácaras deram lugar aos primeiros
loteamentos. A explosão demográfica destes lugares deveu-se à ferrovia, notadamente a
partir do trem elétrico, na década de 1930, e do declínio da citricultura. Na Figura 7.26
são apresentadas imagens do município na década de 1930. No final da década de 1940
e início dos anos 1950, começaram a se estabelecer ali fábricas que contribuíram para
alavancar a economia da região, quais sejam: Brasferro, metalúrgica de grande porte;
Ibt, também metalúrgica; e Pumar, indústria de sombrinhas. Começava, então, o
período de industrialização, empregando centenas de moradores locais. Pouco a pouco
as olarias também deram lugar aos loteamentos e, em 1950, já havia ocorrido o
adensamento populacional da região, que somava 28.835 habitantes. Com o fechamento
da Companhia Ludolf e Ludolf, em 1957, os quase 400 mil m² de área da Olaria foram
loteados, para venda. Esse loteamento deu origem ao bairro Vila Emil, e hoje a Rua
Ambrósio é a sua principal rua comercial.
178
Matadouro e Olaria.
Rua Alice, 1930.
Figura 7.26. Imagens de Mesquita no passado.
Fonte: PMM (2011)
O município de Mesquita é oriundo de terras pertencentes ao atual município de
Nova Iguaçu. Nova Iguaçu, por sua vez, é originária da ocupação portuguesa no século
XVI, que estava interessada em sua situação estratégica, entre rios, trilhas e estradas, e
pela facilidade de comunicação entre o Rio de Janeiro e o interior do país. Com os
ciclos da cana-de-açúcar e da laranja, Nova Iguaçu se tornou, a partir dos anos 1950, um
centro com expressivo parque industrial e intensa atividade comercial. Depois de
atingir, em 1989, a soma de 1.700.000 habitantes, tornando-se a sexta mais populosa
cidade do Brasil na época, o município foi abalado pelas emancipações de importantes
distritos ao longo da década 1990: Belford Roxo, Queimados, Japeri e Mesquita.
Mesquita era um distrito subordinado ao município de Nova Iguaçu, conforme a
Lei Estadual nº 1472, de 28/04/1952. O movimento pela sua emancipação teve início na
década de 1950, embora naquela época não tenha obtido nenhum sucesso. Após essa
fase inicial, o movimento ressurgiu com iniciativas concretas – realização do primeiro
plebiscito – apenas na década de 1980. Segundo o Tribunal Regional Eleitoral (TRE),
há registros de três plebiscitos, ocorridos em: 6 de setembro de 1987, 28 de novembro
de 1993 e 26 de novembro de 1995. Em 1999, após uma batalha judicial que envolveu o
Comitê Pró-Emancipação, a Câmara de Vereadores e a Prefeitura de Nova Iguaçu, o
Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro e o Supremo Tribunal Federal, este
último decidiu pela emancipação de Mesquita do município de Nova Iguaçu. Com a
edição da Lei Estadual n.º 3.253, de 25 de setembro de 1999, Mesquita é desmembrado
de Nova Iguaçu e instalado em 01 de janeiro de 2001.
179
7.4. Problemas Identificados
“Nenhuma causa, porém, contribuiu mais decisivamente para o retrocesso do
que o abandono dos rios.” (GÓES, 1939: p15-16)
A seguir são apresentadas observações fruto de avaliação técnica, realizada por
engenheiros, a partir de visita no campo e, também, qualitativa, com base em
questionário aplicado aos moradores locais.
7.4.1. Avaliação Técnica
A partir de visita de campo e análise de informações disponíveis em relatórios e
estudos anteriores, foi possível observar, na Bacia do Rio Dona Eugênia, os problemas
listados a seguir.
•
Ocupação intensa e irregular de margens.
•
Escassez de vegetação no trecho urbano do rio.
•
Assentamentos em áreas de risco, por vezes dentro da calha do rio.
•
Em alguns trechos do rio, a presença de casas nas suas margens produz o mesmo
efeito de uma “canalização por diques”.
•
Assoreamento do rio em diversos pontos.
•
Lançamento de esgoto e lixo no rio, com visível degradação ambiental e risco à
saúde.
•
Problema recorrente de enchentes, afetando cerca de 80% de sua população.
•
Precariedade de infraestrutura.
•
Degradação do ambiente urbano.
A Figura 7.27, elaborada por COSTA et al. (2011), destaca alguns desses
problemas, como os principais pontos de alagamentos da bacia e a zona com ocupação
que está sujeita a inundação. Além disso, também destaca um fator positivo, que é a
proximidade do trecho urbano do rio com a área de proteção ambiental.
180
Zonas de inundação;
Zona com ocupação
sujeita a inundação;
Proximidade com a
Unidade de
Conservação Natural
Figura 7.27. Características da Bacia do Rio Dona Eugênia.
Fonte: COSTA et al. (2011)
7.4.2. Percepção da População Local
Com o intuito de compreender como a população atual do município de
Mesquita percebe a situação do saneamento na cidade, foi realizada, em 2011, uma
pesquisa de campo, coordenada pela Professora Ana Lúcia Britto (PROURB/UFRJ), em
que 98 moradores de quatro áreas distintas ao longo do curso do rio, abrangendo
diferentes situações de uso e ocupação do solo, foram entrevistados. O questionário
continha 109 perguntas, sendo algumas de resposta livre e outras, de resposta limitada
por opções. As perguntas buscavam identificar as características socioambientais de
cada uma das áreas selecionadas, a percepção dos moradores com relação ao Rio Dona
Eugênia e a maneira como ele afeta a vida da comunidade.
Dentre as questões elaboradas, muitas estavam relacionadas ao Rio Dona
Eugênia e aos problemas causados pelas enchentes locais. A riqueza e a diversidade das
respostas trouxeram elementos para caracterizar a percepção ambiental dos moradores
do lugar sobre o rio. Com isso, foi possível alimentar a reflexão sobre um possível
projeto de requalificação desse rio, de forma que o mesmo venha a ser feito com e para
as pessoas que vivem neste lugar.
181
As respostas foram variadas: parte dos moradores, sobretudo os mais velhos, ou
que vivem na área há mais tempo, conhecem o nome do rio e defendem a sua
recuperação; entretanto também foi significativo número de moradores que percebem o
rio como um “valão”, e que defendem que ele deva ser fechado. Alguns pontos são
ressaltados:
•
Há indicação de degradação da água que a drenagem carrega, bem como a
confirmação de ocorrência de inundação.
•
A maioria da população entrevistada entende que há algum problema
relacionado à poluição dos rios locais, embora sem conhecimento sobre o que
exatamente pode ser a fonte desta poluição. Chama a atenção o fato de que 7%
das pessoas usam o rio para jogar lixo e apenas 2% reconhece que a presença de
lixo causa poluição. Uma especulação sobre essa diferença pode estar associada
ao fato de que a população não conhece outra realidade e tem no rio a única
forma de “coleta de lixo”.
•
Uma quantidade não desprezível de pessoas entende que o rio ideal seria aquele
concretado, o que provavelmente mostra, de forma intrínseca, um desejo de se
afastar do rio poluído e degradado.
•
A maioria dos entrevistados não sabe o nome do rio com o qual convivem.
•
Identificação do rio como sendo um “valão”: o termo valão, na linguagem
popular, é utilizado para cursos d’água degradados e que funcionam como
“condutores de lixo e esgoto”.
•
A maioria dos que responderam ao questionário não usa o rio para nenhum
propósito, o que é compreensível, em decorrência do fato de que o rio é
reconhecido como “valão”. Dentre aqueles que declararam usar o rio, uma parte
afirmou que jogava lixo.
•
Há, dentre os entrevistados, vontade de ver o rio recuperado, com água limpa.
As questões foram tratadas e reproduzidas na Tabela 7.1, Tabela 7.2 e Tabela
7.3. Ressalta-se, porém, que o principal resultado desta consulta é qualitativo, não sendo
feito, aqui, nenhum tratamento estatístico. Outros itens do questionário são analisados
em BRITTO et al. (2011). O questionário está reproduzido, na íntegra, no Anexo.
182
Tabela 7.1: Respostas ao questionário (indicado número perguntas selecionadas).
Quais os problemas relacionados à ausência
72. Quais os problemas relacionados à
ou Quais
à precariedade
sistema deà esgotos?
os problemasdo
relacionados
ausência
ausência ou à precariedade do sistema de
ou à precariedade do sistema de esgotos?
esgotos?
12%
3%
3%
Existe rede de escoamento das
86.
Existe
de escoamento
das águas
águas
derede
chuva
na sua rua?
Existe rede de escoamento das
de chuva na sua rua?
águas
1% de chuva na sua rua?
Proliferação de insetos e outros
12%
25%
25%
3%
3%
2%
Mau cheiro
Mau cheiro
33%
19%
34%
34%
Sim
39%
37%
Sim
Não
37%
Contaminação da água para
Contaminação da água para
abastecimento
60% 60%
abastecimento
Sim,
com
frequência
Sim,
com
frequência
Às
Àsvezes
vezes
Não
Não
existem
problemas
Não
existem
problemas
19%
quando chove forte?
quando chove forte?
2%
1%
animais nocivos
Proliferação
de insetos e outros
animais nocivos
esgoto
retorna
casa
ou
39%
OO
esgoto
retorna
para para
a casaaou
para
o quintal
quando
para
o quintal
quando
encheenche
33%
Existem problemas de inundações
87. quando
Existem problemas
de inundações
chove forte?
Existem problemas de inundações
Nunca
Nunca
Sem
Semresposta
resposta
Sem resposta
Sem resposta
Doenças
Doenças
Sem resposta
5%
Sem resposta
5%
Que iniciativas você toma para se proteger
88. Que iniciativas você toma para se
Que iniciativas
toma para se proteger
dasvocê
inundações?
proteger
inundações?
dasdas
inundações?
27%
27%
Quais os problemas relacionados à ausência ou
Existe
rede
de
escoamento das
89.
Quais
os
problemas
relacionados
à
ausência
ou
ao mauQuais
funcionamento
do sistemaà de
escoamento
96. Existem problemas de poluição dos
os problemas relacionados
ausência
ou
ao mau funcionamento
do
sistema
de
escoamento
águas de chuva na sua
rua?
de águas do
pluviais?
ao mau funcionamento
sistema de escoamento
Existem problemas derios?
poluição dos rios?
dedeáguas
pluviais?
águas pluviais?
1%
13.27%
13.27%
37.76%
37.76%
8%
Obras
8.16%
8.16%
Obras
Organização dos bens
34.18%
34.18%
Organização dos bens
31.63%
31.63%
4.08%
4.08%
5.10%
5.10%
Outro
Outro
Desmoronamento
Desmoronamento
Nenhuma
precisa)
Nenhuma
(ou(ou
nãonão
precisa)
Limpeza
Limpeza
Proliferação
deinsetos
ratos,e insetos
Proliferação
de ratos,
outros
animais
nocivosnocivos
outros
animais
Contaminação da água para
consumo
Contaminação da água
53.06%
53.06%
Semconsumo
resposta
Sem
resposta
Sem
resposta
9.18%
3.57%
4%
e
Sim
39%
Sim
NãoNão
para
60%
SemSem
resposta
resposta
Sem resposta
88%
9.18%
3.57%
183
O que você identifica como fonte de
Que cor e que cheiro você acha que tem o rio?
poluição dos rios?
Tabela 7.2: Respostas ao questionário (indicado número perguntas selecionadas).
97.2.4%
O que você identifica como fonte de
O que você identifica como fonte de
0.3%
poluição
dos
rios?
poluição
dos
rios?
2.4%
98. Que cor e cheiro você acha que tem o
Que cor
e que cheiro
rio?”você acha que tem o rio?
3% 3%
Você
rio que
próximo
99. sabe
Vocêo nome
sabe odonome
dopassa
rio que
passa
Você sabe o nome
do rio
que passa próximo
a sua
casa?
próxima
a sua
casa?
a sua casa?
5%
0.3%
5%
3% 3%
3% 5%
3% 5%
Cheiro e cor ruim
Lixo e Esgoto15%
Cheiro e cor ruim
Outros
Sim
Sim
Sim, com nome certo
Sim, com nome certo
Não, ou disse o nome errado
Não, ou disse o nome errado
Sem resposta
Sem resposta
Cor ruim, sem cheiro
15%
Lixo e Esgoto
13%
13%
Cor ruim, sem cheiro
Outros
Bom
Bom
Sem
resposta
Sem
resposta
Variável
Variável
Sem resposta
74%
Sem resposta
79%
79%
74%
97.3%
Como você97.3%
identifica este curso de água?
100.
Como
vocêeste
identifica
este curso
Como
você
identifica
curso de água?
d’água?
Você usa o rio de alguma forma? Qual?
Você
usa ousa
rio de
alguma
forma? Qual?
101.
Você
o rio
de alguma
forma? Qual?
2%
33%
33%
Rio
Rio
Valão
Valão
1%
1%
1%
recuperado?
1%
Não usa
11%
5%
3%
Não usa
7%
1%
1%
Você tem vontade de vê-lo recuperado?
11%
1%
2%
Existe rede de escoamento das
águas de103.
chuva
sua
rua? de vê-lo
Vocênatem
vontade
Pescar
7%
Pescar
Nadar
39%
Sim
Sim
Não
Nadar
Não
Jogar lixo
Jogar lixo
Sem resposta
65%
65%
Sem resposta
79%
79%
60%
Outros
Outros
Sem
resposta
Sem
resposta
Sem resposta
Sem resposta
92%
184
Como você imagina um rio ideal?
O que poderia ser feito para haver
esta 7.3: Respostas ao questionário (indicado número perguntasExiste
rede de escoamento das
Tabela
selecionadas).
recuperação?
O que poderia ser feito para haver esta
104. O que poderia ser feito para haver
recuperação?
esta recuperação?
7%
15%
7%
Limpo
5%
18%
Não jogar lixo ou esgoto
35%
35%
Com peixes
18%
Prefeitura
Prefeitura
SemOutro
resposta
19%
6%
Sem resposta
9%
Com atividades
Com atividades
6%
Outro
15%
Não
3%
3%
Conscientização
64%
4%
60%
Concretado
Concretado
Sem
resposta
64%
4%
107. De que forma
você
se relacionaria
De que
forma?
com ele?
De que forma?
Existe 108.
redeVocê
de escoamento
das de
tem conhecimento
águas
de chuva napara
suao Rio
rua?Dona
intervenções
Você tem conhecimento de intervenções
Eugênia?”
para
1%o rio Dona Eugênia?
15%
Banho Banho
22%
28%
39%
22%
Outro
Sem resposta (ou inadequada)
7%
Não
Não
60%
Outro
Sem resposta (ou inadequada)
Sim
Sim
Pesca Pesca
22%
22%
15%
Caminhada, contemplação, lazer
38%
38%
10%
Sem resposta
Sem resposta
Quais seriam as intervenções de que você tem
conhecimento?
109.
Quais seriam as intervenções de que
Quais seriam as intervenções de que você tem
você tem conhecimento?
conhecimento?
Caminhada, contemplação, lazer
21%
9%
Não
75%
1%
21%
10%
Sim
Sem resposta
9%
19%
9%
Sim
39%
Banho
possível
Banho
possível
Nada ou não sabe
15%
22%
Com peixes
Nada ou não sabe
Conscientização
3%
Limpo
Não jogar lixo ou esgoto
15%
106. águas
Se o riode
fosse
bem na
tratado,
você se relacionaria
chuva
sua rua?
Se o rio fosse bem tratado, você se
com
ele
de
forma
diferente?
relacionaria
1% com ele de forma diferente?
105. Como você imagina um rio
Como você imagina
um rio ideal?
ideal?
5%
Sem resposta8%
Canalização
Canalização
Limpeza,
dragagem
Limpeza,
dragagem
7%
Realocação
Realocação
8%
PAC - Projeto Iguaçu
Sem resposta
PAC - Projeto Iguaçu
Sem resposta (ou inadequada)
71%
48%
Sem resposta (ou inadequada)
48%
185
7.5. Potencialidades
O município de Mesquita e, em particular, as áreas vizinhas ao Rio Dona
Eugênia, também apresentam algumas potencialidades, aqui destacadas.
Grande parte da bacia (mais de 60%) está localizada em Área de Proteção
Ambiental (APA), cujas características físicas ainda são praticamente as naturais. O rio,
que tem sua nascente dentro da APA de Gericinó/Mendanha, nasce em área natural,
limpa, praticamente livre de degradação. Ali não há lançamento de esgotos ou de
resíduos sólidos em seu leito. A qualidade da água é boa e o rio segue para jusante com
sua dinâmica natural. Além disso, cabe destacar a presença de vegetação conservada. A
Figura 7.28 apresenta algumas imagens desta área.
Figura 7.28. Área de Preservação Ambiental Gericinó/Mendanha.
Fonte: PMM (2011)
186
A população de Mesquita, e também parte da população de municípios vizinhos,
como Nova Iguaçu e Nilópolis, utilizam a área do Parque Municipal de Nova Iguaçu,
dentro da APA, para lazer. Essa população reconhece o prazer em desfrutar do rio em
seu aspecto mais natural. Muitos, inclusive, exaltam a importância da existência desta
área preservada como possibilidade de lazer, ainda que habite nas proximidades do rio
em seu trecho urbano, quando o mesmo se encontra degradado. Percebe-se, aí, por um
lado, a vontade dos moradores de terem um ambiente com mais qualidade e, também,
em contrapartida, o fator desinformação, que não os permite perceber que o rio em
estado degradado (e que eles próprios, ainda que sem notar, ajudam a degradar ainda
mais) é o mesmo que nasce em boas condições na área de preservação ambiental.
7.6. Plano Diretor Participativo de Mesquita
O Plano Diretor Participativo do Município de Mesquita (PD) foi publicado em
25 de outubro de 2006, sob a lei nº 355 (PMM, 2006) e está organizado em Títulos,
desdobrados em capítulos, seções e subseções. São destaques:

TÍTULO II – Das Políticas Públicas
o Capítulo I: Da Política de Saneamento Ambiental;
o Capítulo II: Da Política de Conservação, Recuperação e Controle
Ambiental;
o Capítulo V: Da Política de Acesso à Moradia Digna;

TÍTULO III – Das Orientações Para a Integração Regional E Metropolitana

TÍTULO IV – Do Ordenamento Territorial
o Capítulo I – Do Macrozoneamento
o Capítulo III: Das Áreas Especiais

TÍTULO V Da Legislação Urbanística
o Capítulo I – Do Uso, Ocupação e Parcelamento Do Solo
De forma geral, o PD de Mesquita aponta para uma política integrada de
saneamento básico, em consonância com a Lei de Saneamento, também conhecida
como Lei nº 11.445/2007 (BRASIL, 2007), mesmo tendo sido publicado em data
anterior à sua publicação. Assim, apresenta-se como um Plano com medidas e diretrizes
articuladas com a política nacional.
187
“Art. 8º. (...) §1o. Compreendem os serviços de saneamento ambiental os
serviços de manejo das águas pluviais, manejo de resíduos sólidos,
abastecimento de água e esgotamento sanitário.” (PMM, 2006)
MELLO (2011), em sua dissertação, realizou avaliação dos Planos Diretores de
três municípios da Baixada Fluminense (Belford Roxo, Mesquita e Nova Iguaçu),
concluindo que Mesquita foi o município mais bem articulado em relação às questões
de planejamento urbano, recursos hídricos e saneamento. O Plano Diretor de Mesquita
também é objeto de estudo em BRITTO et al. (2011, 2012).
Dentre as promessas do PD de Mesquita, estão a elaboração do Plano Municipal
de Saneamento (Artigo 144) e do Plano de Manejo da APA Municipal de Mesquita
(Artigo 145), nos prazos de 1 ano e 6 meses, respectivamente, a contar da data de sua
publicação. Ainda não foram executados, mas estão em fase de discussão.
Caberá ao Plano Municipal de Saneamento Ambiental, a ser elaborado, incluir o
conteúdo mínimo previsto, tais como: gestão dos serviços de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo de resíduos sólidos. Ainda
em relação ao Plano Municipal de Saneamento, determina-se que deverá incluir: a
delimitação de áreas para absorção de água nos períodos de cheia; ações e programas
para a integração da política de saneamento ambiental com as políticas de saúde,
educação, transporte e mobilidade, habitação; implantação de equipamentos públicos e
de pavimentação, de forma articulada com ações de educação ambiental; e definição das
ações de educação sanitária e ambiental, de combate ao desperdício e de mobilização
social.
É previsto que até a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Ambiental,
todas as praças e áreas destinadas a equipamentos públicos deverão apresentar as taxas
de permeabilidade mínima exposta no PD, quais sejam: 20% para equipamentos
públicos e 50% para as praças. Neste sentido, os projetos de urbanização e de melhorias
em logradouros públicos deverão buscar soluções que permitam a infiltração de água no
solo.
“Art. 135. Até que seja elaborado o Plano Municipal de Saneamento
Ambiental, todas as praças e áreas destinadas a equipamentos públicos
deverão observar as seguintes taxas de permeabilidade mínima:
I - 20% para equipamentos públicos;
II - 50% para as praças.
§ 1o. Taxa de Permeabilidade é a relação entre a parte permeável, que
permite a infiltração de água no solo, livre de qualquer edificação, e a área do
lote, da praça ou do logradouro público.
188
§ 2º. Os projetos de urbanização e de melhorias em logradouros públicos
deverão buscar soluções que permitam a infiltração de água no solo,
garantida a plena mobilidade e o conforto dos cidadãos de Mesquita.
§ 3o. O Plano Municipal de Saneamento Ambiental poderá rever as taxas de
permeabilidade definidas neste artigo.” (PMM, 2006)
Em relação à Política de Manejo de Águas Pluviais, é prevista a implementação
da gestão integrada das ações de manejo das águas pluviais, manejo de resíduos sólidos,
fiscalização ambiental, controle de vetores, defesa civil, abastecimento de água e
esgotamento sanitário. A política de manejo das águas pluviais deve ser voltada para a
melhoria da qualidade de vida e para o combate e a prevenção de enchentes e
alagamentos, bem como de doenças de veiculação hídrica vinculadas a tais fenômenos.
O PD Diretor perpassa diversos pontos da implementação de medidas não
estruturais voltadas para sustentabilidade da drenagem urbana, ressaltando a criação de
áreas de preservação ambiental, voltando-se para a importância da área de preservação
permanente, proibindo a ocupação de áreas alagadas e destinando parte do solo para
áreas permeáveis, além de estimular a educação ambiental. No Artigo 11, é prevista a
isenção de impostos aos usuários no que apresentarem projetos de reaproveitamento das
águas pluviais para sanear as enchentes e alagamentos.
Em relação à questão da habitação, o Artigo 37 define como moradia digna
aquela que está ligada às redes de infraestrutura e é atendida pelos serviços de transporte
coletivo, abastecimento de água, esgotamento sanitário, iluminação, coleta de lixo,
telefonia e pavimentação; localiza-se em área servida ou acessível por meio de
transporte público e por equipamentos sociais básicos de educação, saúde, segurança,
cultura e lazer; dispõe de instalações sanitárias adequadas; tem garantida as condições
mínimas de conforto ambiental e habitabilidade, de acordo com padrões técnicos; e é
passível de regularização fundiária.
Assim, no que diz respeito às diretrizes da política habitacional, vale ressaltar: a
previsão da ocupação das faixas marginais de proteção dos cursos d’água com praças e
atividades de lazer compatíveis com a sua preservação; e a garantia, nos programas
habitacionais, de atividades conjuntas de proteção ao meio ambiente e de educação
ambiental, de modo a assegurar a preservação da APA Municipal de Mesquita.
“Art. 6º. (...) XII - o reassentamento da população residente em áreas de risco
nos casos em que for inviável ou contrário às normas ambientais a
implementação de medidas de erradicação do risco.
(...)
Art. 38. (...)
189
V - o reassentamento da população residente em áreas de risco em áreas com
condições adequadas de moradia;
VI - o controle e a prevenção da ocupação das áreas de risco;
VII - a previsão da ocupação das faixas marginais de proteção dos cursos
d’água com praças e atividades de lazer compatíveis com a sua preservação;
(...)
XII - a garantia, nos programas habitacionais, de atividades conjuntas de
proteção ao meio ambiente e de educação ambiental, de modo a assegurar a
preservação da APA Municipal de Mesquita.” (PMM, 2006)
O poder executivo priorizará investimentos para a realização de ações como
assentamento da população residente em área de risco, especialmente a população
residente nas áreas de absorção necessárias para a manutenção da vazão em períodos de
cheias dos rios Sarapuí, Dona Eugênia, Canal do Socorro e Rio da Prata. No entanto, o
PD não indica quais seriam as áreas sujeitas a inundações e nem fornece diretrizes para
a publicização dos riscos, apesar de citá-los.
“Art. 39. Na implementação da política habitacional o Poder Executivo
priorizará investimentos para a realização das seguintes ações:
I - o reassentamento da população residente em área de risco, especialmente a
população residente nas áreas de absorção necessárias para a manutenção da
vazão em períodos de cheia dos Rios Sarapuí, Dona Eugênia, Canal do
Socorro e Rio da Prata.
(...)
§ 1o. O reassentamento a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá
ser feito para área próxima a da ocupação original.” (PMM, 2006)
Não poderão ser delimitadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em
áreas de baixada sujeitas a alagamento e inundação e faixas marginais de proteção de
águas superficiais.
De forma geral, é possível concluir que o PD de Mesquita apresenta áreas
sujeitas ao controle do processo de expansão urbana, seja através da implementação de
unidades de conservação, seja através de regulação urbanística e fundiária, ou mesmo
delimitação de áreas destinadas ao adensamento, entretanto, de forma controlada, de
maneira que não prejudique os recursos naturais ou se intensifique o processo de
degradação ambiental.
É importante ter conhecimento do conteúdo do PD de Mesquita para que as
proposições de projeto estejam em consonância com o mesmo.
190
8. Proposição de Projetos
O sistema de modelagem envolveu o uso de dois modelos, um hidrológico,
utilizado para previsão das vazões nos afluentes ao curso d’água principal, e um modelo
hidrodinâmico para simular o comportamento de uma onda de cheia ao longo do canal.
A bacia do Rio Dona Eugênia foi totalmente representada pelo modelo hidrodinâmico,
até nas cabeceiras, sendo esses processos hidrológicos internalizados por este modelo.
Entretanto, a sua relação com o Rio Sarapuí e afluentes deste utilizou o recurso de
modelagem hidrológica para trechos não modelados de forma hidrodinâmica nesta
bacia.
Para a base de modelagem preparada, foram propostos 8 (oito) cenários
diferentes, apresentados na Tabela 8.1, para avaliação do comportamento da bacia.
Todos os cenários foram simulados considerando dois tempos de recorrência diferentes:
25 anos, que é o recomendado pelo Ministério das Cidades para projetos de
macrodrenagem (BRASIL, 2004), e 100 anos, para verificação de uma condição mais
crítica (ou extrema). A seguir será apresentada cada solução proposta, segundo os
diferentes cenários de simulação definidos.
Cenário
Tabela 8.1: Cenários de simulação – Bacia do Rio Dona Eugênia
Identificação
TR (anos)
0
Situação Atual
25 / 100
1
Passado (1970)
25 / 100
2
Desenvolvimento Sustentável
25 / 100
3
Barragem
25 / 100
4
Drenagem Urbana Sustentável
25 / 100
5
Requalificação Fluvial
25 / 100
6
Requalificação Fluvial e Barragem
25 / 100
7
Requalificação Fluvial e Drenagem Urbana Sustentável
25 / 100
8.1. Modelagem Hidrológica
Para a caracterização hidrológica da região foram considerados dados dos
estudos hidrológicos do Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio IguaçuSarapuí (COPPETEC, 2009). As seguintes premissas foram consideradas para o cálculo
das vazões de enchente:
191

o tempo de recorrência das vazões de projeto foi tomado como equivalente ao
tempo de recorrência da chuva de projeto que a originou, como hipótese de
trabalho, tendo em vista não haver registro de vazões que permitisse o cálculo da
recorrência das vazões diretamente;

tempo de recorrência de 25 anos para a chuva precipitada sobre a área interna da
Bacia do Rio Dona Eugênia;

tempo de duração da precipitação igual ao tempo de concentração da Bacia do
Rio Dona Eugênia;

Para o hidrograma de vazão do Rio Sarapuí, o resultado dos estudos
hidrológicos do Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio IguaçuSarapuí (COPPETEC, 2009) gerou as condições de contorno necessárias para
entrada no modelo hidrodinâmico aplicado para avaliação do projeto.
a) Antecedentes
Inicialmente, foram recuperadas as informações de chuvas com tempos de
recorrência (TR) de 20 e 50 anos, nas estações pluviométricas de Bangu e São Bento e
nas estações pluviográficas de Nova Iguaçu e Xerém (Figura 8.1.) a partir da base do
Projeto Iguaçu. As precipitações máximas para diferentes durações e tempos de
recorrência de 20 e 50 anos para os postos de Bangu e São Bento são apresentadas,
respectivamente, na Tabela 8.2 e Tabela 8.3. Para os postos de Nova Iguaçu e Xerém,
foram utilizadas as equações de chuvas intensas definidas no estudo desenvolvido pela
SERLA/TECNOSOLO e apresentadas em LABHID (1996). Os parâmetros das
equações de chuvas intensas para esses postos estão apresentados, respectivamente, na
Tabela 8.4 e Tabela 8.5. As equações ajustadas são do tipo apresentado a seguir
(Equação 34).
Equação 34
Onde:
i: intensidade, em mm/h;
t: duração da precipitação, em min;
A, t0 e b: parâmetros ajustados para cada tempo de recorrência.
192
Figura 8.1. Localização dos postos na bacia dos rios Iguaçu-Sarapuí.
Fonte: LABHID (1996)
193
Tabela 8.2. Posto pluviométrico Bangu – Precipitações máximas.
Tempo de recorrência (anos)
Duração da chuva
(horas)
20
50
1
80,6
93,4
2
101,3
117,6
3
113,3
131,7
4
121,9
141,7
5
128,5
149,5
6
134,0
155,8
7
138,5
161,2
8
142,5
165,9
9
146,0
170,0
10
149,2
173,6
11
152,0
176,9
12
154,6
180,0
13
157,0
182,8
14
159,2
185,3
15
161,2
187,7
24
175,3
204,0
1 dia
159,3
185,5
Fonte: LABHID (1996)
Tabela 8.3. Posto pluviométrico São Bento – Precipitações máximas.
Duração da chuva
(horas)
Tempo de recorrência (anos)
20
50
1
81,9
94,7
2
102,9
119,2
3
115,2
133,5
4
123,9
143,6
5
130,6
151,5
6
136,1
157,9
7
140,8
163,4
8
144,8
168,1
9
148,4
172,2
194
10
151,6
175,9
11
154,5
179,3
12
157,1
182,4
13
159,5
185,2
14
161,8
187,8
15
163,8
190,3
24
178,1
206,8
1 dia
161,9
187,96
Fonte: LABHID (1996)
Tabela 8.4: Posto pluviográfico Nova Iguaçu – Eq. Chuvas Intensas.
Parâmetros
Tempo de recorrência (anos)
20
50
A
1422
1521
b
0,7488
0,7347
t0
6
6
Fonte: LABHID (1996)
Tabela 8.5: Posto pluviográfico Xerém – Eq. Chuvas Intensas.
Tempo de recorrência (anos)
Parâmetros
20
50
A
1043
1058
b
0,6232
0,6006
t0
14
14
Fonte: LABHID (1996)
Para o cálculo da chuva média sobre as bacias hidrográficas, foram definidos
pesos para os postos através da proporcionalidade com o inverso do quadrado da
distância entre cada posto e o centro de gravidade da sub-bacia em análise (Tabela 8.6).
195
Tabela 8.6: Peso dos postos e características físicas por sub-bacia.
Fonte: LABHID (1996)
196
b) Cálculo da Chuva de Projeto
Para o cálculo da chuva de projeto, o tempo de concentração utilizado para a
Bacia do Rio Dona Eugênia foi de 108 minutos (Tabela 8.6), considerando o estudo
realizado anteriormente (COPPETEC, 2009). Esse tempo foi utilizado como igual ao da
duração da chuva crítica para a bacia. O tempo de recorrência para avaliação do
funcionamento da rede de macrodrenagem foi adotado como 25 anos, atendendo à
recomendação do Ministério das Cidades para estudos e projetos de macrodrenagem
(BRASIL, 2004).
A precipitação total do TR de 25 anos foi determinada a partir da interpolação
das chuvas calculadas para os TR de 5, 10, 20, 50 e 100 anos, obtidas no estudo
hidrológico da Bacia do Rio Iguaçu-Sarapuí (COPPETEC, 2009). A Tabela 8.7
apresenta os dados utilizados para esta interpolação e o gráfico da Figura 8.2 mostra a
interpolação em si.
Tabela 8.7: Dados para obtenção da precipitação – TR 25 anos.
TR (anos)
P (mm)
5
63,64
10
72,30
20
79,71
25
83,10
50
91,83
100
99,90
200
108,31
120
Precipitação (mm)
110
100
90
80
70
60
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
Tempo de Recorrência (anos)
Figura 8.2: Interpolação para obtenção da precipitação máxima – TR 25 anos.
197
O hietograma para alimentação do modelo foi calculado para 18 intervalos de
tempo de 6 minutos, e a chuva foi distribuída de forma constante no tempo (Figura 8.3).
5.00
4.50
4.00
Precipitação (mm)
3.50
3.00
2.50
2.00
1.50
1.00
0.50
0.00
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Intervalo de tempo (a cada 6 min)
Figura 8.3: Chuva de projeto – TR 25 anos.
c) Separação da Chuva Efetiva
O cálculo do escoamento superficial produzido na área modelada foi feito
utilizando-se o Método Racional aplicado de forma distribuída e incorporado ao modelo
hidrodinâmico. Assim, as áreas superficiais foram associadas a um coeficiente de
runoff. A Tabela 8.8 resume os valores adotados para esse coeficiente em função do tipo
de ocupação e uso do solo, conforme valores típicos da literatura e experiências
pregressas com os modelos aqui adotados.
Tabela 8.8: Coeficiente de runoff conforme tipo e ocupação do solo.
Tipo de Ocupação e Uso do Solo
Coeficiente de runoff
área verde sem urbanização / vegetação densa
0,20
urbanização muito leve / vegetação rasteira
0,40
urbanização moderada
0,55
urbanização densa
0,70
espelho d’água
1,00
d) Condições de Contorno
Uma parcela significativa da bacia do Rio Sarapuí não foi modelada
hidrodinamicamente. Essas áreas foram representadas como condição de contorno do
198
tipo vazão a partir de modelagem hidrológica, apresentadas de forma esquemática na
Figura 8.4.
Condição de contorno
Vazão de base constante D. Eugênia
Condição de
contorno de jusante
Q
Q
Condição de contorno
para o rio Socorro
Bacia hidrográfica modelada por uma malha
de células, integrada por leis hidráulicas em
uma rede de escoamentos bidimensional, que
inclui canais, ruas, galerias, etc.
Q
Condição de
contorno para o
rio Peri-Peri
Condição de contorno
para o rio Sarapuí
Figura 8.4. Esquema de modelagem adotado para a Bacia do Rio Dona Eugênia.
(Elaborado pela autora)
As condições de contorno de entrada de vazão nos rios Sarapuí, Peri-Peri e
Socorro foram calculadas com tempo de recorrência de 25 anos para a chuva de projeto,
através da interpolação das vazões máximas obtidas no estudo hidrológico da Bacia dos
Rios Iguaçu-Sarapuí (COPPETEC, 2009) para os tempos de recorrência de 5, 10, 20, 50
e 100 anos. No caso do Rio Sarapuí, a vazão considera a barragem de regularização de
Gericinó existente a montante do mesmo, acrescida da bacia incremental, e os seus
afluentes contribuintes.
Os valores de vazão máximos de todas as condições de contorno foram feitos
coincidentes com o tempo de concentração do Rio Dona Eugênia. Esta configuração,
mais simplificada, foi utilizada aqui, com a intenção de se obter uma envoltória de
resultados críticos. A Tabela 8.9 apresenta os valores de vazão máxima para cada
condição de contorno.
Tabela 8.9: Vazão máxima para cada condição de contorno – TR 25 anos
Condição de contorno
Qmáx (m³/s)
Rio Sarapuí
78,00
Rio Peri-Peri
17,75
Rio Socorro
12,75
199
Foi considerada, também, uma vazão de base na nascente do Rio Dona Eugênia,
com valor constante, arbitrado, de 1 m³/s.
Já a condição de contorno de jusante, que fecha o modelo, foi considerada como
uma descarga livre, em região que não provoca perturbação na área de interesse
estudada, considerando a extensão final do Rio Sarapuí, de modo virtual, expediente
este utilizado frequentemente no uso do MODCEL e já utilizado pela própria autora em
sua dissertação de mestrado (VERÓL, 2010).
8.2. Modelagem Hidrodinâmica
8.2.1. Situação Atual – CENÁRIO 0
Para a simulação da Situação Atual, foram levadas em consideração todas as
informações já apresentadas anteriormente, relacionadas às características atuais do rio
e da bacia como um todo. A Figura 8.6 apresenta imagem da bacia, com detalhe na área
urbana, marcada sobre imagem de satélite (Google Earth) e a divisão de células adotada
para a modelagem matemática.
Figura 8.5: Bacia do Rio Dona Eugênia marcada sobre imagem de satélite e divisão das
células para modelagem matemática.
Fonte: Google Earth; Esquema de modelagem elaborado pela autora.
Diferentes tipos de células foram utilizados para representar a superfície da
bacia, integrando canais, galerias e áreas de armazenagem, levando em conta o padrão
200
de urbanização. A interação entre as células, a partir da definição de leis hidráulicas
adequadas, materializou, então, a rede de escoamentos representativa da região
modelada, cujo esquema está representado na Figura 8.4. Para representar a bacia em
suas condições atuais no modelo matemático, foram utilizadas células de planície
urbanizada, planície natural, reservatório, galeria e canal. As ligações utilizadas foram:
canal, vertedouro, planície, orifício, entrada de galeria, galeria, saída de galeria,
captação por microdrenagem.
a) Levantamento de Dados
Para a confecção dos arquivos de entrada de dados no modelo, foram
necessários dados topográficos, fisiográficos, hidrológicos e hidráulicos da bacia em
estudo. Os dados topográficos foram retirados de um conjunto de plantas na escala
1:10.000 e 1:2.000, referentes ao levantamento realizado pela fundação CIDE em 1996,
abrangendo todo o curso do Rio Dona Eugênia, desde a cabeceira da bacia até sua foz
no Rio Sarapuí.
b) Modelação Topográfica, Hidráulica e Topológica
A modelação da bacia do Rio Dona Eugênia abrange desde a nascente,
localizada na área do Parque Municipal de Nova Iguaçu, até a sua foz, no Rio Sarapuí.
Após sua delimitação, foram divididas as células de escoamento, totalizando 584,
articulando a comunicação hidráulica de cada uma com suas vizinhas. Para esta divisão,
foi necessário considerar de forma conjunta a topografia da região e o padrão de
organização urbano. Ao término desta divisão, foi construído um esquema topológico
que integra a rede de células, mostrando as suas interações com as células vizinhas e
com as condições de contorno localizadas nas fronteiras da área modelada, apresentado
na Figura 8.6. O esquema da divisão em células foi apresentado anteriormente, na
Figura 8.4.
201
9
640
1641
650
1651
660
1661
670
8
7
30
1022
1046
1041
40
1032
1044
1019
1051
50
1052
1048
1062
1011
10
1013
1021
20
1015
1031
1671
1017
680
1681
2217
2219
2711
2721
720
5
4
1038
1036
1126
1054
1056
1034
1018
1024
1074
1106
1072
1058
1064
1066
1028
1104
1026
1068
5008
1076
1108
1012
1014
1016
690
1691
1023
1061
60
700
1701
1025
1071
70
2081
80
2082
2084
2086
2088
2158
880
2154
2148
630
5001
1078
1114
1124
2109
2107
2093
2105
2091
90
540
550
560
570
580
2156
600
610
620
2146
1084
1116
1118
5009
1094
1096
740
2731
2123
2125
2225
2223
2103
2099
2097
2095
2113
2115
2117
2101
100
2092
2094
2096
2098
2346
590
2354
2356
2358
2144
1086
1088
2133
2127
2165
2163
2155
2153
2145
2143
2135
2119
2137
2111
110
2102
2104
2106
2108
2116
2348
2124
2126
2128
2134
2138
2136
2129
2167
2159
2157
2149
2147
2139
2203
2121
120
2112
2304
2164
2114
2168
2118
2176
2178
2184
2215
2213
2209
2207
2205
2131
130
2122
2204
2166
2174
2175
2177
2179
2183
2171
2161
2151
2141
140
2132
2208
2206
2218
2196
170
160
150
180
2142
2234
2214
2216
2224
2226
2228
2254
2256
2298
2306
2244
2246
2248
2276
2296
2338
2344
2266
2268
2274
2294
2336
2328
2334
2318
750
2741
2227
2751
760
2229
2233
2761
770
2771
2169
2173
2237
2235
780
790
3811
3791
3781
CC01
810
800
3801
3821
3507
3493
820
830
3523
3535
3505
3489
3499
3485
3483
3479
5003
2172
2162
2181
190
2182
2258
2236
2238
840
3831
3519
3533
3503
3487
3515
3497
5004
3495
3263
2187
2185
2191
200
2192
2376
2278
2284
3517
3851
3529
3513
5006
5005
3279
3509
3259
2189
2193
2201
210
2212
2308
2286
2288
3861
3543
3527
3315
3313
3537
3525
3283
3257
2195
2211
220
2232
2324
2326
2314
3317
3539
3309
3307
3285
3477
2197
2221
230
2242
3305
3255
3287
2199
2231
240
3253
850
3841
860
3871
870
3
2781
710
730
6
5007
3553
3269
3267
3319
3549
3475
3265
3273
3469
3473
3277
3465
3467
3407
3275
3365
3367
3373
3369
3357
3333
3303
3289
2241
250
3335
3329
3299
3293
3251
260
3337
3327
3297
3295
3261
270
3272
3264
3363
3339
3325
3323
3271
280
3282
3266
3359
3343
3345
3347
3281
290
3292
3268
3375
3355
3353
3349
3291
300
3302
3314
3274
3403
3377
3379
3383
3385
3301
310
3312
3308
3276
3399
3397
3395
3389
3387
3311
320
3322
3306
3304
3278
3413
3409
3321
330
3332
3296
3298
3284
3415
3331
340
3352
3316
3294
3286
3288
3423
3419
3417
3425
3429
3417
3351
350
3362
3318
3439
3427
3433
3361
360
3372
3324
3435
3443
3437
3371
370
3382
3326
3453
3445
3447
3381
380
3392
3328
3455
3449
3391
390
3402
3338
4433
3457
3401
400
3412
3344
3411
410
3422
3346
3459
3421
420
3432
3463
3431
430
4441
440
4442
4451
450
4452
4461
460
4462
4471
470
4472
4481
480
4482
4435
4491
490
4492
4501
500
4502
4439
4437
4511
510
4512
4443
4445
4447
4521
520
4522
4453
4459
4449
4531
530
4532
4465
4463
4457
4455
4469
5010
2186
2194
2188
2198
2316
3262
3405
3393
2264
5002
3442
3334
3374
3348
3368
3376
4467
Figura 8.6: Esquema topológico de modelagem da Bacia do Rio Dona Eugênia.
202
8.2.2. Passado (1970) – CENÁRIO 1
O Cenário Passado, que remete à década de 1970, foi proposto para que se
pudesse avaliar a influência da urbanização desordenada sobre o hidrograma de cheias,
na Bacia do Rio Dona Eugênia. Foi realizada uma vasta pesquisa em diversos órgãos
públicos, em busca de mapas antigos da região em estudo. O mapa apresentado na
Figura 8.7 foi encontrado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e
apresenta o município de Nova Iguaçu, na escala 1:50.000, segundo a divisão municipal
censitária da época, e corresponde ao ano de 1970.
Figura 8.7: Mapa municipal censitário 1970 – Nova Iguaçu (RJ).
Fonte: IBGE (1970)
Deste mapa, foi extraído um zoom na Bacia do Rio Dona Eugênia, com foco na
área urbana de Mesquita. Esta imagem está apresentada na Figura 8.8.
Parte da bacia, a do trecho mais de montante, anterior à região onde hoje está
instalada a Prefeitura Municipal de Mesquita, também pode ser vista na Figura 8.9, que
apresenta imagem aérea de Nova Iguaçu em 1958, com escala aproximada 1:35.000, em
foto do Serviço Geográfico do Exército. Essa imagem auxiliou na construção no
cenário, uma vez que evidencia que a ocupação daquele trecho realmente ocorre no
trecho entre o rio e a ferrovia.
203
Figura 8.8: Mesquita em 1970 – Início da expansão urbana no centro da cidade.
Fonte: IBGE (1970)
Figura 8.9. Nova Iguaçu em 1958 – detalhe: Rio Dona Eugênia cruzando Mesquita.
Fonte: SEGADAS SOARES (1962)
204
A Figura 8.10 apresenta algumas imagens da mesma época do mapa, ajudando a
caracterizar o cenário em questão. É possível verificar que a urbanização se
concentrava, naquela época, próxima à Estrada de Ferro, o que é condizente com o que
já fora apresentado no capítulo anterior.
Figura 8.10. Mesquita na década de 1970.
(Fotos da Prefeitura Municipal de Mesquita – PMM, 2011).
205
Para montar a base do modelo matemático para este cenário, utilizou-se o
Cenário Atual como partida e, nele, foram realizadas as alterações. Identificou-se,
inicialmente, quais células correspondiam à urbanização apresentada na Figura 8.8 e
Figura 8.9. Essas células são destacadas na Figura 8.11. Para essas células, manteve-se,
no modelo, o tipo de célula definido no Cenário Atual: células de planície urbanizada.
Entretanto, para tentar se aproximar da realidade em 1970, considerou-se um coeficiente
de escoamento superficial diferente associado a uma urbanização menos densa. Para
estimar o valor deste coeficiente em 1970, realizou-se uma ponderação com base na
relação entre a densidade populacional dos anos de 1970 e 2010. Para isso, foi preciso
considerar os dados do Censo do IBGE (população em ambos os anos) e das plantas
topográficas (áreas urbanizadas em ambos os anos).
Figura 8.11: Divisão em Células da Bacia do Rio Dona Eugênia com urbanização em
1970 demarcada.
Segundo dados do Censo 2010, a população de Mesquita era de 168.376
habitantes naquele ano (IBGE, 2010). Como a emancipação aconteceu em janeiro de
2001, essa foi a primeira vez que o município figurou na lista de municípios do IBGE.
Para avaliar o crescimento da população em relação ao ano de 1970, ano do mapa que
aparece na Figura 8.8, e que será simulado com o MODCEL, utilizou-se as informações
disponibilizadas por SILVA (2007), a partir de dados do Anuário Estatístico da
Fundação CIDE 2003, e que são apresentadas na Tabela 8.10. Em 1970, Mesquita era
parte do município de Nova Iguaçu. Além dele, naquele ano também pertenciam a Nova
206
Iguaçu os municípios hoje emancipados como: Queimados, Japeri e Belford Roxo. A
população de Nova Iguaçu em 1970, segundo IBGE (1970), era de 727.140 pessoas e a
de Mesquita era de 93.678.
Tabela 8.10: Evolução da população residente em Mesquita.
Ano
Número de habitantes
1940
9.109
1950
28.835
1960
58.835
1970
93.678
1980
125.239
1991
142.058
2000
164.879
2010
168.376
Fonte: Organizado por SILVA (2007)
Também com base no mapa apresentado na Figura 8.8 e em plantas topográficas
atuais, foram demarcadas as áreas urbanizadas nos anos de 1970 e 2010. A Figura 8.12
apresenta essas áreas.
Figura 8.12: Áreas urbanizadas em 1970 e 2010 na Bacia do Rio Dona Eugênia.
A Tabela 8.11 apresenta o cálculo da densidade populacional, para o município
de Mesquita, nos anos 1970 e 2010. A partir dessa informação, é formulada a hipótese
207
de que a impermeabilização do solo é proporcional à densidade populacional de forma
que essa relação será utilizada na estimativa passada do coeficiente de escoamento
superficial, no modelo matemático, para representar a situação da impermeabilização do
solo em 1970. Com base na tabela em questão, a relação entre a densidade populacional
de 1970 e 2010 é igual a 0,74, o que significa, em termos de modelagem matemática,
que o coeficiente de escoamento em 1970 deverá ser 74% do valor adotado para o ano
de 2010. Essa alteração foi introduzida no modelo.
Tabela 8.11: Cálculo do coeficiente de escoamento para o ano de 1970.
Densidade
População (habitantes)
Área ocupada
populacional
Ano
Nova Iguaçu
Mesquita
(m²)
(m²/habitante)
1970
727.140
93.678
9.574.828
0,00978
2010
796.257
168.376
12.677.883
0,01328
Além da alteração do coeficiente de escoamento nas células de planície
urbanizada, também foram alteradas as demais células. Todas as que não foram
marcadas na Figura 8.11 foram consideradas como células de planície natural. Para o
coeficiente de escoamento foi considerado o valor de 0,3 para as células da região mais
próxima à foz e 0,2 para a região de montante. As galerias hoje existentes nessas regiões
também foram removidas. Em 1970, apenas as galerias no Centro do município
existiam. Essas, então, permaneceram no modelo matemático.
Outra modificação introduzida no modelo, considerando a realidade local no ano
de 1970, foi em relação à região central do município, onde hoje casas “canalizam” o
Rio Dona Eugênia (Figura 8.13). Segundo relatos obtidos com funcionários da
Prefeitura local, a ocupação do trecho central não era, naquela época, como é hoje.
Considerou-se, então, que essa área era livre. Para ilustrar melhor, a Figura 8.14
apresenta as células modificadas no modelo. No cenário atual, as células marginais ao
rio vertiam em altura e largura correspondentes às das janelas e portas das casas da
região. Agora, neste cenário, elas passam a verter na altura da planície marginal ao rio.
208
Figura 8.13. Casas “canalizam” o rio no trecho do centro de Mesquita.
(Fotos da autora, ano: 2013)
Figura 8.14. Divisão da bacia em células; região central demarcada.
Fonte: Google Earth; Esquema de modelagem elaborado pela autora.
8.2.3. Desenvolvimento Sustentável – CENÁRIO 2
O Cenário de Desenvolvimento Sustentável foi desenvolvido a partir do Cenário
Passado (1970), considerando que a evolução da urbanização na Bacia do Rio Dona
Eugênia se deu de forma sustentável. Dessa forma, será possível avaliar como a bacia se
comportaria caso tivesse se desenvolvido de forma ordenada e com a adoção de
medidas de drenagem urbana sustentável. Para tanto, foram consideradas as seguintes
premissas:

adoção de uma zona úmida na foz, preservando a área próxima à foz com o Rio
Sarapuí, naturalmente mais baixa em relação ao restante da bacia;

adoção de corredor fluvial, preservando uma faixa marginal de proteção com 30m
de largura em dois trechos distintos da bacia: um mais à montante, próximo à
região que hoje se tornou o Parque Municipal de Nova Iguaçu e, outro, mais a
jusante, no trecho após a linha férrea, onde a urbanização era praticamente nula na
década de 1970 – deve-se destacar, porém, que não se alterou o trecho já ocupado, a
209
montante da ferrovia, considerando-se apenas o não agravamento da ocupação das
margens do rio neste local;

consideração de que a área que se urbanizou com o passar do tempo o fez de forma
controlada, adotando medidas que visam à manutenção da áreas permeáveis da
bacia, tais como telhados verdes, pavimentos permeáveis, jardins de chuva,
trincheiras de infiltração, etc.;

abertura do rio no trecho próximo à Prefeitura Municipal, onde, anteriormente,
existia uma galeria de drenagem subterrânea.
Para a simulação da zona úmida, considerou-se a adoção de um reservatório, em
cotas mais baixas, com coeficiente de escoamento 0,3. Para a simulação da área que
recebeu a nova urbanização, foi considerado um coeficiente de escoamento médio de
0,5. A Figura 8.15 apresenta uma síntese das intervenções propostas, indicando quais
áreas foram afetadas.
Figura 8.15. Divisão em Células da Bacia do Rio Dona Eugênia com áreas de
intervenção demarcadas.
8.2.4. Barragem – CENÁRIO 3
A recente revisão do Plano Diretor das bacias dos Rios Iguaçu-Sarapuí
(COPPETEC, 2009) ratificou a construção de uma barragem para minimizar os
alagamentos, mantendo o rio completamente em sua calha. Sua localização (Figura 8.16
210
e Figura 8.17) será na Serra da Madureira, no Maciço de Gericinó, dentro do Parque
Municipal de Nova Iguaçu, à jusante da barragem Epaminondas Ramos, já existente,
mas que não tem função de controle de cheias e que se encontra, atualmente, desativada
e assoreada.
Nesta localidade, a montante do trecho urbano, o Rio Dona Eugênia caracterizase por uma declividade muito acentuada, leito rochoso e superfície da bacia com
condições naturais de vegetação. A bacia hidrográfica contribuinte para a barragem é de
cerca de 12,2km².
Segundo as informações de projeto (COPPETEC, 2009), a barragem possui a
crista na cota 125m, sendo dotada de um orifício de descarga na cota 105m e diâmetro
de 0,85m. A relação cota x área do reservatório da barragem de amortecimento é
apresentada na Tabela 8.12. A Figura 8.18 apresenta a seção longitudinal da barragem
proposta e a Figura 8.19 apresenta sua seção transversal.
Barragem
Proposta
Barragem
Epaminondas Ramos
Figura 8.16. Localização da barragem proposta.
Fonte: Google Earth
211
Tabela 8.12: Relação cota x área - reservatório de amortecimento.
Cota (m)
Área (m²)
105
2367
110
5251
115
9675
120
14510
125
22269
Fonte: COPPETEC (2009)
DIRETRIZ DA
ESTRADA RELOCADA
EIXO DA BARRAGEM
(CRISTA EL.123,00)
ESTRADA DA CACHOEIRA
(EXISTENTE)
N.A. EL.122,00
LIMITE MÁXIMO DE INUNDAÇÃO
(CHEIA TR 20 ANOS)
BARRAGEM A
SER CONSTRUÍDA
N.A. EL.132,00
(RESERVATÓRIO EXISTENTE)
BARRAGEM DA CEDAE EXISTENTE
(CRISTA EL.132,00)
Figura 8.17. Localização da barragem proposta.
Fonte: COPPETEC (2009)
Figura 8.18. Seção longitudinal da barragem proposta.
Fonte: COPPETEC (2009)
212
Figura 8.19. Seção transversal da barragem proposta.
Fonte: COPPETEC (2009)
8.2.5. Drenagem Urbana Sustentável – CENÁRIO 4
O cenário de Drenagem Urbana Sustentável procurou mitigar o problema das
cheias na Bacia do Rio Dona Eugênia por meio da aplicação de técnicas compensatórias
em drenagem urbana, distribuídas na bacia. Considerando as características locais e a
possibilidade de implantação, as seguintes técnicas foram escolhidas e simuladas:

telhados verdes (sistema de naturação);

pavimentos permeáveis;

reservatórios de lote.
A modelagem matemática foi desenvolvida a partir da base do Cenário Atual,
tendo sido introduzidas as modificações pertinentes, de forma a simular as técnicas
propostas. Para que fosse possível introduzir as modificações no modelo, foi realizada
uma análise criteriosa da bacia, a partir de imagens aéreas, com o objetivo de identificar
quais áreas seriam propícias a receber cada uma das técnicas propostas. A análise foi
feita por amostragem. Inicialmente dividiu-se a bacia em quatro áreas distintas,
conforme semelhanças na tipologia da urbanização e, a partir daí, foram escolhidas
quatro células em cada área, para serem analisadas. Após a análise de cada uma, obtevese uma média para cada parâmetro avaliado, que seria aplicada de forma homogênea nas
células contidas na área correspondente. A Figura 8.20 apresenta as células analisadas,
marcadas sobre imagem obtida do software Google Earth.
213
Figura 8.20. Células analisadas.
(Adaptado pela autora, a partir de Google Earth)
Telhado Verde em casas com laje ou terraço ou com telhas de amianto ou zinco
Os telhados verdes, também conhecidos como sistema de maturação, consistem
em uma tecnologia de aplicação de vegetação sobre superfícies construídas, com vistas
a amenizar os impactos do desenvolvimento urbano (ROLA et al., 2003). A técnica da
naturação pode ser aplicada em qualquer área construída, transformando a referida área
em um sistema de revegetação do espaço construído com benefícios para o meio
ambiente. Este sistema é formado, principalmente, de quatro camadas, com igual
importância: vegetação, substrato, drenagem e impermeabilizante (ibid.). A Figura 8.21
apresenta um corte representativo de um sistema de maturação completo, contendo
impermeabilizante, drenagem, substrato e vegetação. De acordo com ROLA (2008), tal
sistema pode ser aplicado diretamente na superfície da estrutura de suporte. O geotêxtil
funciona como camada secundária e tem como objetivo proteger o impermeabilizante
da ação mecânica da drenagem, além de funcionar como filtro das partículas mais finas
do substrato para a drenagem, evitando seu entupimento.
ROLA (2008) menciona, em seu trabalho, as vantagens da aplicação do sistema
de maturação, dentre as quais se destacam: aumento da área verde útil, redução do
volume de água na drenagem urbana, aumento no valor da propriedade e retorno da
água de chuva ao seu ciclo natural.
214
Figura 8.21: Corte representativo de sistema de naturação completo.
Fonte: ROLA (2008)
Em PIMENTEL DA SILVA et al. (2011) é apresentado um experimento
demonstrativo de instalação de telhado verde em uma construção pré-existente: a escola
municipal Professor Teófilo, localizada na Comunidade da Vila Cascatinha, bairro de
Vargem Grande, região hidrográfica da baixada de Jacarepaguá, Rio de Janeiro. O
projeto consistiu na plantação de espécies de gênero alimentício, como a alface,
utilizando, para a adaptação do telhado, materiais de baixo custo, facilmente
encontrados no mercado, e com composição final relativamente leve, com pequena
camada de substrato. Os resultados foram bons, apresentando redução no volume de
escoamento superficial e atraso no hidrograma de cheias. A Figura 8.22 mostra imagens
do experimento antes e depois da semeadura. O experimento foi desenvolvido no
âmbito do Projeto HIDROCIDADES (PIMENTEL DA SILVA et al., 2008),
coordenado pela Professora Luciene Pimentel da Silva, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), e enfoca questões relacionadas à conservação da água em meios
urbanos e periurbanos.
Figura 8.22. Experimento realizado com plantio de alface em escolar municipal – antes
e depois da semeadura.
Fonte: PIMENTEL DA SILVA et al. (2011).
215
Esse cenário prevê a aplicação de telhados verdes em todas as construções que
tiverem condições de recebê-lo. Essa avaliação foi aproximada e utilizando apenas
recursos visuais sobre imagem do Google Earth. Para considerar essas intervenções,
utilizou-se como artifício a modificação do valor do coeficiente de escoamento
superficial das células, utilizando um valor que correspondesse ao efeito da introdução
dos telhados verdes.
Assim, foram observadas e contabilizadas, a partir de imagens aéreas, as casas
que possuíam cobertura com laje impermeabilizada ou telhados de fácil adaptação – os
telhados de telhas de barro foram excluídos. A partir da consideração de uma área de
cobertura média, fez-se uma estimativa de qual porcentagem de cada célula
corresponderia a casas passíveis de receberem telhado verde.
Considerando que os telhados verdes reteriam cerca de 40% do volume
precipitado (FLL, 2002), liberando os 60% restantes para a rede de drenagem pluvial,
aplicou-se esse percentual sobre o coeficiente de escoamento superficial de cada célula,
levando em conta a porcentagem da área de cada uma que correspondia a casas aptas
para o telhado verde. Dessa forma, obteve-se um valor de coeficiente de escoamento
superficial modificado para ser introduzido na modelagem matemática.
Pavimento permeável nas calçadas;
O aumento da infiltração em áreas urbanas, aumentando a permeabilidade do
solo pode reduzir o risco de cheias, mas, em muitas cidades, o contrário é o que de fato
está acontecendo. A crescente densificação das cidades faz com que a população urbana
utilize cada espaço ao máximo. Tal fato leva a um aumento das superfícies
impermeáveis e, consequentemente, a um decréscimo na permeabilidade de todo e
qualquer espaço aberto deixado livre após a construção das edificações (JHA et al.,
2012). Um exemplo recorrente é a pavimentação de áreas de estacionamentos abertas
em shoppings e supermercados. A criação de áreas para lazer e usos recreacionais, em
muitos casos, também acabam por envolver a utilização de superfícies impermeáveis.
O uso de pavimentos permeáveis cria uma superfície que permite a infiltração,
para um reservatório localizado sob a superfície do terreno antes da infiltração, de fato,
no solo. As aplicações mais comuns são em estacionamentos e ruas com baixo tráfego
(JHA et al., 2012), pois sua resistência é baixa para suportar o tráfego pesado
(DUARTE, 2003).
Pode ser de três tipos: asfalto poroso, concreto poroso ou de blocos de concreto
vazado (ARAÚJO et al., 2000). A infiltração é facilitada pela porosidade do material
216
utilizado ou porque foram deixados espaços abertos entre blocos (JHA et al., 2012),
como é o caso do concregrama. A sub-base permite o armazenamento para água de
chuva, geralmente, nos espaços entre as partículas granulares. A água coleta pode,
então, infiltrar no solo ou, em casos que se deve proteger o lençol subterrâneo de
possível poluição, ser encaminhada para a rede de drenagem pluvial, de forma mais
lenta do que seria em situações normais. Para evitar migração de partículas finas e,
consequentemente, a colmatação, são utilizados geotêxteis no limite com o solo
(DUARTE, 2003). A Figura 8.24 apresenta a configuração típica de um pavimento
permeável.
Figura 8.23. Pavimento permeável – configuração típica.
Fonte: JHA et al. (2012)
A Figura 8.24 ilustra um exemplo hipotético de como ficaria determinada rua de
Mesquita caso recebesse a instalação de pavimento permeável.
Figura 8.24. Simulação da aplicação de pavimento permeável em rua de Mesquita.
Fonte: PARENT-POTHIER (2012)
217
Com o objetivo de aumentar a permeabilidade da Bacia do Rio Dona Eugênia, esta
Tese propõe a aplicação de pavimentos permeáveis ao longo das calçadas daquela
localidade. Não foi considerada a sua aplicação nas ruas, mesmo nas de tráfego mais leve,
para evitar problemas com a capacidade de suporte.
Para introdução desta intervenção no modelo matemático, foram medidas as
extensões das calçadas, em função das extensões totais de ruas, nas células adotadas como
representativas de cada área. A partir daí, calculou-se a área de cada calçada, passível de
receber pavimentos permeáveis, considerando cada uma com largura média de 1,5m.
Também foram consideradas as áreas de parques e praças existentes na bacia, que, do
mesmo modo que as calçadas, receberiam esses pavimentos. A partir das áreas calculadas,
foi possível estabelecer a fração de cada célula que receberia pavimento permeável e
descontar essa fração do coeficiente de escoamento superficial adotado, incialmente, para
cada região.
Foi realizada uma composição entre o coeficiente de escoamento modificado em
função da introdução dos telhados verdes com aquele modificado para a introdução dos
pavimentos permeáveis. O novo valor do coeficiente de escoamento foi, então, introduzido
no modelo. A Tabela 8.13 apresenta as informações coletadas.
218
Tabela 8.13: Informações coletadas e cálculo dos novos coeficientes de escoamento.
REGIAO
AREA VERDE
MONTANTE
EMILIO
GUADAGNY
VILA EMIL
COSMORAMA
CELULA
Nº CASAS
EXTENSAO
RUAS E
PARQUES
AREA CEL
AREA 1
CASA
AREA DE
CASAS
area casas /
area cel
3391
3447
3382
3326
3269
3287
3495
3329
2294
2286
2244
2114
2137
2103
2225
41
115
50
82
162
84
59
49
58
68
62
138
30
50
35
302
414
354
390
400
270
232
264
196
303
272
533
128
708
374
11314
27670
12948
27107
30070
16962
13613
16914
8889
13843
14516
29116
3710
19574
12908
111
153
164
103
153
83
101
90
75
65
68.5
115
88
85
164
4551
17595
8200
8446
24786
6972
5959
4410
4350
4420
4247
15870
2640
4250
5740
0.40
0.64
0.63
0.31
0.82
0.41
0.44
0.26
0.49
0.32
0.29
0.55
0.71
0.22
0.44
MEDIA
0.50
0.48
0.41
0.46
% casas aprov
0.76
0.87
0.70
0.88
0.91
0.90
0.88
0.84
0.91
0.93
0.89
0.94
0.77
0.80
0.29
X% (casas
% média de casas aproveitáveis
aprov
em relação à
área da célula
0.80
0.88
0.92
0.62
0.37
0.43
0.35
0.44
0.44
0.44
0.43
0.40
0.38
0.38
0.37
0.39
0.35
0.37
0.13
Xmédio
0.40
0.43
0.38
0.28
C atual
A ruas
Aruas / a cel
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.7
0.55
0.55
0.55
906
1242
1062
1170
1200
810
696
792
588
909
816
1599
384
2124
1122
0.080
0.045
0.082
0.043
0.040
0.048
0.051
0.047
0.066
0.066
0.056
0.055
0.104
0.109
0.087
MEDIA
0.06
0.05
0.06
0.10
C modificado 1
0.55
0.54
0.56
0.53
0.54
0.55
0.55
0.55
0.55
0.59
0.60
0.59
0.42
0.47
0.52
MEDIA
0.55
0.55
0.58
0.47
219
Reservatórios de lote de 2,0m³ em cada casa
Reservatórios que armazenam água durante a passagem do pico da cheia e
esvaziam em um momento posterior configuram medidas de armazenamento,
simulando o armazenamento que ocorria naturalmente na bacia, antes da urbanização,
pela interceptação vegetal e pelo armazenamento no solo após infiltração. Um exemplo
de este tipo de reservatório, em escala local, são aqueles previstos para instalação nos
lotes urbanos, também conhecidos como reservatórios de lote. Tais reservatórios, atuam
de modo distribuído sobre a bacia, controlando a geração de escoamento na fonte.
De acordo com MAGALHÃES et al. (2003), a á água captada no reservatório
pode ser devolvida ao sistema público de microdrenagem pluvial após a passagem do
pico da cheia, ou, alternativamente, pode ser aproveitada pelo proprietário do lote,
atentando para o destino adequado, em função de sua qualidade. São indicados usos não
potáveis, como volume de combate a incêndios, limpeza de pisos e rega de jardins.
MAGALHÃES et al. (2003) realizou experimento com um dispositivo de 1m³
em lote urbano no município do Rio de Janeiro, obtendo uma eficiência de
amortecimento de cerca de 29% para uma chuva de 5 anos de tempo de recorrência. A
Figura 8.25 apresenta imagens do experimento.
Figura 8.25. (a) Vista superior do reservatório e da área de entorno, onde a água retida
poderá ser utilizada como rega de jardim; (b) reservatório de lote implantado.
Fonte: MAGALHÃES et al. (2003)
BAHIENSE (2013) analisou, com apoio de modelagem matemática, a
implantação de reservatórios de lote conectados à rede de drenagem através de orifícios
dimensionados de acordo com a área impermeável do lote, em um loteamento hipotético e
obteve redução de 19% da vazão total máxima, quando comparada àquela referente à
implantação do sistema de drenagem tradicional. A configuração final de projeto é
apresentada na Figura 8.26.
220
Figura 8.26. Representação dos reservatórios implantados nos lotes.
Fonte: BAHIENSE (2013)
Com o objetivo de propiciar a reservação de parte do volume precipitado na Bacia
do Rio Dona Eugênia, esta Tese propõe a instalação de reservatórios de lotes com volume
de 2m³ em cada lote da bacia. Essa medida foi implementada no modelo matemático por
meio de um artifício, que considerava a diminuição do volume da chuva de projeto,
proporcionalmente ao volume que seria reservado pelos reservatórios de lote. Os dados
considerados estão apresentados na Tabela 8.14. Algumas das informações utilizadas para
o cálculo, como o número de casas por célula, área medida de casas por célula e área média
das células foram apresentadas anteriormente, na Tabela 8.13.
Dado
Tabela 8.14: Dados de entrada dos reservatórios de lote.
Valor
Reservatório de lote
2 m³
Nº de casas por célula
72,3 un.
Volume médio de armazenagem em uma célula
144,4 m³
Área média de casas por célula (que contribuem para o reservatório 8162,4 m²
de lote através do telhado)
Área média das células
17276,9 m²
% da célula que, em média, contribui para o reservatório
0,47
Volume médio de armazenagem/área de contribuição
17,69 mm
221
Foi retirado da chuva de projeto o correspondente a 17,69mm, como artifício,
para evitar a introdução dos reservatórios nas células, o que levaria à necessidade de um
novo arranjo de células. Porém, de cada intervalo de precipitação foi retirada a fração de
47%, que corresponde à porcentagem da célula que, em média, contribui para o
reservatório. Esse artifício foi aplicado tanto para o caso da chuva de TR25 anos quanto
para o caso da chuva de TR 100 anos, sempre associado às células que apresentam
urbanização. Células com áreas não urbanizadas mantêm a chuva integral.
Após todas as considerações realizadas anteriormente, as seguintes modificações
foram introduzidas no modelo, para obtenção dos resultados referentes ao Cenário de
Drenagem Urbana Sustentável:

para considerar a implantação de pavimentos permeáveis e de telhados verdes,
foi aplicado um coeficiente de escoamento reduzido;

para considerar a implantação de reservatórios de lote foi aplicada redução na
chuva de projeto.
8.2.6. Requalificação Fluvial – CENÁRIO 5
A proposta para o desenvolvimento do Cenário de Requalificação Fluvial
considerou a atuação sobre a redução do risco hidráulico, o resgate de características
hidrológicas e morfológicas (tanto quanto possível) e a melhoria da qualidade da água.
Assim, consequentemente, a proposta também acarretaria em melhoria do ecossistema
fluvial, como consequência, embora o tratamento desta questão, de forma direta, não
seja objeto deste estudo.
Em particular, o foco deste projeto estava sobre o controle da geração de
escoamentos e na sua reorganização espacial, na recuperação das áreas marginais ao rio
e reconexão com suas planícies de inundação, na valorização da manutenção de áreas
permeáveis e na composição de caminhos verdes ao longo do rio, compondo, sempre
que possível, um mosaico com a paisagem natural remanescente.
A questão da qualidade da água não foi diretamente tratada. No entanto, com a
remoção de lançamentos diretos de esgotos nos cursos d’água urbanos, em alguns
trechos, considera-se que a proposta também abrange, de certa forma, este item, embora
certamente não na medida da real necessidade da bacia.
222
As soluções de projeto foram desenvolvidas pela autora da Tese em conjunto
com a aluna de mestrado em Arquitetura Paisagística Ianic Bigate, cuja dissertação foi
defendida em julho de 2013, utilizando como base as ideias de projeto propostas por
COSTA et al. (2011) e inúmeras reuniões de projeto com os orientadores desta Tese. O
projeto paisagístico foi elaborado por BIGATE (2013) e as soluções hidráulicas
modeladas pela autora desta Tese. Para manter a coerência com o trabalho apresentado
por BIGATE (2013), as soluções serão apresentadas seguindo a mesma divisão por
trechos que aquela autora adotou em seu trabalho. A Figura 8.27 apresenta uma imagem
geral da bacia, com as proposições de projeto em destaque, por trechos.
Figura 8.27. Áreas afetadas pelas propostas de Requalificação Fluvial.
Fonte: BIGATE (2013)
223
Trecho I – Parque de Borda / Parque de Transição
O primeiro trecho considerado é o que está localizado na região de montante,
próximo à área do Parque Municipal de Nova Iguaçu. As intervenções neste trecho
referem-se a uma proposta de conectar a cidade até a área de preservação ambiental de
montante. Assim, foi proposto um trecho de corredor fluvial (Parque de Transição), que
conectasse a Área de Proteção Ambiental (APA) com o meio urbano, de forma suave
(Figura 8.28). Essa área conjuga o seu caráter de parque verde com o de zona de
habitação de baixa densidade. É prevista a remoção das habitações do primeiro
quarteirão junto ao rio, com ocupação precária em área de pouca infraestrutura, para
locais próximos. A ocupação remanescente permanece adensada a certa distância do rio.
A implantação de um corredor fluvial aproximará as duas áreas e fará uma transição
gradual entre a área verde e a área urbana. Com isso, aproxima-se a população do
contato com o rio.
Figura 8.28. Parque de Transição.
Fonte: BIGATE (2013)
224
O corredor verde foi introduzido no modelo por meio da alteração das células
correspondentes que, anteriormente, possuíam características de planície urbanizada e,
agora, passaram a ter de planície não urbanizada. O coeficiente de escoamento
superficial das mesmas também foi alterado e passou a ser igual a 0,3, correspondendo a
áreas verdes com baixa densidade de urbanização. As células alteradas estão marcadas
na Figura 8.29.
Figura 8.29. Células alteradas para corresponder à implantação do corredor verde no
modelo matemático.
(Adaptado de Google Earth)
A solução dada foi complementada por BIGATE (2013), que propôs um Parque
de Borda (Figura 8.30), no entorno de toda a área ainda não ocupada, na região de
montante. Esse Parque tem o objetivo de preservar a APA, a nascente do Rio Dona
Eugênia e evitar o avanço do crescimento urbano em direção ao Maciço GericinóMendanha. Além disso, também faz parte de sua proposta a sua utilização pela
população, uma vez que conteria espécies frutíferas para consumo e comercialização.
Figura 8.30. Parque de Borda.
Fonte: BIGATE (2013)
225
Trecho II – Espaços Livres Urbanos
Neste trecho foram identificados três locais que poderiam atuar como
reservatórios de detenção, amortecendo as vazões do rio em época de cheia. A bacia, de
forma geral, quase não possui espaço livres para medidas de reservação. Assim, a
conjugação da solução hidráulica com objetos paisagísticos, configurando paisagens
multifuncionais (MIGUEZ et al., 2007a), demonstra ser uma solução interessante.
As áreas escolhidas como espaços livres urbanos para uso como bacia de
detenção correspondem a um campo de futebol, uma praça já existente, e uma área
aparentemente abandonada. Todas as três áreas se localizam no trecho a montante da
Linha Férrea e estão demarcadas na Figura 8.31.
Figura 8.31. Espaços Livres Urbanos: (a) Campo de Futebol; (b) Praça Brasil; (c)
Complexo da Prefeitura.
Fonte: BIGATE (2013)
226
a) Campo de Futebol
Na região de montante, existe hoje uma área utilizada como campo de futebol
pelos moradores. Foi proposto o rebaixamento desta área, em patamares, para funcionar
como reservatório de detenção em períodos de cheias (Figura 8.32).
Figura 8.32. Proposta para o Campo de Futebol.
Fonte: BIGATE (2013)
Ele foi rebaixado em 1,86m em relação à sua cota original. O rio seria aberto
neste trecho, de forma a verter diretamente para o reservatório em caso de
extravasamento. Foi previsto orifício para conectar a saída do reservatório com o trecho
de rio a jusante. A curva cota x área x volume deste reservatório em patamares está
apresentada na Tabela 8.15, onde a faixa de funcionamento do reservatório está
destacada no retângulo central. As células que compreendem esta alteração estão
marcadas na Figura 8.34.
Tabela 8.15: Curva cota x área x volume – Campo de Futebol
Cota (m)
Área (m²)
Volume (m³)
26,34
5.819
0
26,80
8.622
3.321
27,40
10.033
8.917
28,20
12.366
17.877
28,45
16.778
-
30,0
16.778
-
227
Figura 8.33. Células alteradas para corresponder à implantação do campo de futebol
rebaixado no modelo matemático.
(Adaptado de Google Earth)
b) Praça Brasil
A Praça Brasil, já existente atualmente, foi pensada para também atuar como
bacia de detenção. Assim, ela também foi rebaixada, conformando um reservatório
em patamares.
Figura 8.34. Proposta para a Praça Brasil.
Fonte: BIGATE (2013)
A Figura 8.35 apresenta o perfil da Praça Brasil, de forma esquemática, com as
respectivas cotas de cada patamar. A Figura 8.36 também apresenta um esquema que
auxilia a compreensão do projeto previsto para a praça.
228
Área no nível da urbanização
(21,9m)
Área no nível de alagamento da
praça, antes de verter para rua, que
representaria uma falha do projeto
(21,3m)
Vertimento do rio para praça
(20,8m)
Fundo do Rio
(19,8m)
Figura 8.35. Esquema da Praça Brasil em patamares.
229
Corte AA
Último nível no tamanho total da célula
(21,9m)
Vertimento praça-rua
(21,3m)
Vertimento rio-praça
(20,8m)
Fundo do Rio
(19,8m)
Área urbana em
torno da praça
Praça
Limite da calha
principal
Fundo do rio
Figura 8.36. Esquema da Praça Brasil em patamares.
230
A curva cota x área x volume deste reservatório em patamares está apresentada
na Tabela 8.16, onde a faixa de funcionamento do reservatório está destacada no
retângulo central.
Tabela 8.16: Curva cota x área x volume – Praça Brasil
Cota (m)
Área (m²)
Volume (m³)
Observações
19,80
2.080
-
Fundo do rio
20,80
4.480
0
Limite da calha
21,30
6.600
2.770
Limite da praça
21,90
8.650
-
Nível da urbanização
A Figura 8.37 apresenta a indicação da célula que será modificada para a
implantação da Praça Brasil no modelo matemático.
Figura 8.37. Esquema da Praça Brasil em patamares.
(Adaptado de Google Earth)
c) Complexo da Prefeitura
A região onde atualmente funciona a Prefeitura Municipal de Mesquita, no
centro do município, e que sofre bastante com o problema de enchentes, receberá um
projeto paisagístico na parte da frente do terreno, visando aumentar a infiltração. O
trecho do rio que atualmente está canalizado nesta região, será aberto, permitindo o seu
extravasamento para a margem esquerda, onde há um terreno desabitado. A Figura 8.38
apresenta o projeto para a área.
231
Esquerda
Direita
Figura 8.38. Praça da Prefeitura.
Fonte: BIGATE (2013)
Para este trecho, onde houve abertura do rio, sua forma final será aquela da
Figura 8.39. A curva cota x área x volume deste reservatório em patamares está
apresentada na Tabela 8.17, onde a faixa de funcionamento do reservatório está
destacada no retângulo central. As células que serão alteradas no modelo matemático
estão apresentadas na Figura 8.40.
Figura 8.39. Rio em perfil.
Tabela 8.17: Curva cota x área x volume – Praça da Prefeitura
Cota (m)
Área (m²)
Volume (m³)
Observações
17,38
3.481
-
Fundo do rio
18,38
6.962
0
Limite da calha
20,0
6.962
11.278
Extravasamento para área urbana
232
Figura 8.40. Praça da Prefeitura.
(Adaptado de Google Earth)
Trecho III – Área Marginal Crítica
O Trecho III corresponde ao trecho mais crítico do Rio Dona Eugênia. Há casas
em situação irregular e de risco, “canalizando” o rio (Figura 8.41) e lançando esgoto e
lixo irregularmente em seu leito.
Figura 8.41. Trecho crítico do Rio Dona Eugênia em que casas funcionam como diques
longitudinais, canalizando o rio.
(Foto da autora, ano: 2012)
É prevista a abertura do rio neste trecho, com remoção das habitações em
situação irregular. As mesmas serão realocadas no mesmo local, com verticalização da
ocupação. Também foi previsto um parque, em cota mais baixa, integrado à paisagem
urbana, devolvendo parte da planície de inundação para o Rio Dona Eugênia e dividindo
espaço com os novos prédios. A Figura 8.42 apresenta o projeto para este trecho.
233
Figura 8.42. Área marginal crítica
Fonte: BIGATE (2013)
234
A Figura 8.46 apresenta um esquema deste trecho antes e após a intervenção,
com a realocação das pessoas para prédios sobre pilotis na mesma região; a Figura 8.44
ilustra como ficaria o trecho após a intervenção, a partir do trabalho em foto real, e na
Figura 8.45 são indicadas as cotas de rebaixamento da área marginal crítica para a
criação do parque linear.
Figura 8.43: Área marginal crítica (a) atualmente; (b) após a abertura do Rio e
realocação de pessoas para a mesma área.
(Figura elaborada por Leandro Oliveira Giles)
ATUAL
PROPOSTA
PROPOSTA
Figura 8.44. Proposta de abertura do rio no trecho crítico.
Fonte: COSTA et al. (2011)
235
Figura 8.45: Indicação das cotas de rebaixamento da área marginal crítica para a criação
do parque linear.
O volume total de armazenamento corresponde a 35.466m³. Esse volume está
compreendido entre a área de armazenamento de 14.082m², nas cotas indicadas na
figura, e 46.827m², no limite de vertimento para a rua.
Para alteração do modelo matemático, as células apresentadas na Figura 8.46
foram modificadas. Antes, elas correspondiam a células de planície urbanizada. Agora,
passaram a ser células de planície não urbanizada. O valor do coeficiente de escoamento
foi alterado, nas margens do rio, para 0,5. Com a retirada das casas das margens do rio,
o vertimento passa a ocorrer na cota da planície de alagamento (anteriormente ele
ocorria somente quando o nível d’água atingia as janelas das casas). Foi acrescentado,
ainda, um patamar de armazenamento, cerca de 1,20m abaixo da cota das planícies
marginais.
236
Figura 8.46. Área marginal crítica (a) atualmente; (b) após a abertura do Rio e
realocação de pessoas para a mesma área.
(Adaptado de Google Earth)
Trecho IV – O rio sob novo ângulo
Neste trecho são previstas remoções das habitações irregulares que existem ao
longo do rio (Figura 8.47). Não foi necessário introduzir modificações no modelo, uma
vez que a baixa densidade não provocava obstrução do vertimento e pelo fato de não ter
sido introduzido nenhum rebaixo neste trecho.
Figura 8.47: Remoção de habitações irregulares e proteção das margens do rio com
vegetação.
Fonte: BIGATE (2013)
Trecho V – Parque Zona Úmida
O Trecho V se refere à proposta de implantação de uma zona úmida, próximo à
foz com o Rio Sarapuí, aproveitando as cotas mais baixas da área. Essa região
transforma-se também em um parque. Também foi previsto trecho com parque fluvial
na área preservada ao lado da Via Light. A Figura 8.48 apresenta o projeto para a área e
a Figura 8.49 apresenta a indicação das cotas de rebaixamento do Parque Zona Úmida.
237
Figura 8.48. Parque Zona Úmida.
Fonte: BIGATE (2013)
238
Figura 8.49. Indicação das cotas de rebaixamento do Parque Zona Úmida.
O volume total de armazenamento junto à faixa que acompanha o rio
corresponde a 56.390m³. Esse volume é referente ao armazenamento sobre a área de
27.472m², nas cotas indicadas na figura. A área total do parque soma,
aproximadamente, 148.544m² (referente ao detalhamento visto na Tabela 8.18). A curva
cota x área x volume do reservatório proposto para a foz está apresentada na Tabela
8.18, onde a sua faixa de funcionamento está destacada no retângulo central.
Tabela 8.18: Curva cota x área x volume – Reservatório na foz
Cota (m)
Área (m²)
Volume (m³)
Observações
7,0
49.000
0
Cota de fundo do parque
8,0
121.072
85.036
Limite do parque
9,0
121.072
206.108
Extravasamento para área urbana
As células que serão modificadas para atender às modificações propostas neste
trecho estão demarcadas na Figura 8.50. As células, antes de planície urbanizada,
passaram a ser de planície não urbanizada, com coeficiente de escoamento igual a 0,55.
Algumas células tiveram sua cota de fundo rebaixada para ficarem na mesma altura do
ponto mais baixo existente nessa região. Com isso, as cotas variaram de 6,5m a 7,5m.
239
Destaca-se que a maior parte dessa área já se encontra nessas cotas, configurando uma
área úmida natural. Nas células que correspondem ao parque fluvial na área preservada
ao lado da Via Light, o coeficiente de escoamento superficial foi alterado para 0,3.
Figura 8.50. Parque Zona Úmida.
(Adaptado de Google Earth)
Para auxiliar a compreensão do leitor, a Figura 8.51 apresenta, de forma
resumida, as intervenções propostas e as células que serão atingidas pelas mesmas, na
modelagem matemática.
Figura 8.51. Células afetadas pelas propostas de Cenário de Requalificação Fluvial
240
Em resumo, para a implantação de cada uma dessas medidas, foram introduzidas
as seguintes modificações no modelo matemático:

corredor verde (Parque de Transição) – alteração do coeficiente de escoamento
superficial;

reservatórios de detenção – rebaixamento de cota e criação de reservatório em
patamares;

Abertura do rio/realocação – aumento na largura do canal e alteração da cota de
vertimento;

Parque fluvial – criação de área de armazenamento temporário e alteração do
coeficiente de escoamento superficial;

Zona úmida – rebaixamento da cota e alteração do coeficiente de escoamento
superficial.
8.2.7. Requalificação Fluvial + Barragem – CENÁRIO 6
Este cenário é uma conjugação entre os Cenários 3 (Barragem) e 5
(Requalificação Fluvial). Assim, todas as medidas propostas para ambos foram
reproduzidas neste cenário, funcionando em conjunto.
8.2.8. Requalificação Fluvial + Drenagem Sustentável – CENÁRIO 7
Este cenário é uma conjugação entre os Cenários 4 (Drenagem Urbana
Sustentável) e 5 (Requalificação Fluvial). Assim, todas as medidas propostas para
ambos foram reproduzidas neste cenário, funcionando em conjunto.
A proposta deste Cenário tem como objetivo analisar a resposta da bacia ao
aplicar as técnicas compensatórias em drenagem urbana, de forma distribuída, sobre a
mesma, gerando condições apropriadas para a sustentação de medidas de requalificação
de rios, associadas a um corredor fluvial, que, por sua vez, aparece como alternativa de
resgate da relação rio-cidade e solução prática e efetiva de problemas críticos de cheias
urbanas. Desta forma, a hipótese de trabalho formulada no item 1.4 será verificada.
241
9. Resultados
9.1. Avaliação das manchas de alagamento
O diagnóstico das cheias na Bacia do Rio Dona Eugênia se apoia principalmente
no mapeamento das manchas de alagamento, geradas pela modelação matemática com o
MODCEL. Os resultados são apresentados a seguir, separados por Cenário de
simulação.
9.1.1. Situação Atual – CENÁRIO 0
O Cenário 0 considerou toda a Bacia do Rio Dona Eugênia, nas condições em
que se encontra hoje, submetida a uma vazão de tempo de recorrência igual de 25 anos.
Esse Cenário é a referência para as futuras comparações e é a partir dele que se garante
a confiabilidade no processo de modelagem. Assim, apesar da pequena disponibilidade
de informações, estas foram utilizadas para ajustar os valores obtidos na modelagem
para a situação atual.
Etapa de calibração
Em 2007, na ocasião da revisão do Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH)
da bacia dos Rios Iguaçu-Sarapuí (COPPETEC, 2009), foi realizada simulação
matemática para esta mesma bacia, para o Cenário de diagnóstico e também o da
implantação da barragem de controle de cheias. O relatório foi entregue e aceito pelo
INEA.
Os dados de vazão nos pontos de controle, para aquela simulação, foram
resgatados, de forma a auxiliar na calibração do modelo matemático desenvolvido nesta
Tese. A Tabela 9.1 apresenta essas informações e, também, as calculadas pela nova
modelagem matemática para dois pontos: um próximo à Linha Férrea (antiga RFFSA),
e outro na foz com o Rio Sarapuí. O modelo do PDRH utilizou chuva com tempo de
recorrência de 20 anos, e o calculado, de 25 anos. Destaca-se que a chuva de 25 anos foi
adotada como resultado das recomendações do Ministério das Cidades para projetos de
drenagem. Como o procedimento de calibração aqui adotado é apenas aproximado, em
virtude da ausência de dados medidos, e como a diferença da chuva de TR 20 anos para
242
TR 25 anos é pequena, não se considerou necessário fazer a simulação rigorosa para o
mesmo TR 20 anos utilizado anteriormente.
Tabela 9.1: Vazões em pontos de controle na Bacia do Rio Dona Eugênia.
Ponto
Vazão – Cenário Atual
PDRH (COPPETEC, 2009)
Calculado
Linha Férrea (antiga RFFSA)
33,71m³/s
27,91m³/s
Foz no Rio Sarapuí
40,09m³/s
41,12m³/s
Outra informação importante, também considerada nesta etapa de ajuste da
modelagem, foi o mapa apresentado na Figura 9.1, elaborado pela equipe de pesquisa
orientada pela Prof. Ana Lúcia Britto, do PROURB/UFRJ, a partir de entrevistas com
os moradores, realizadas em 2011. É possível perceber que existem quatro pontos
críticos no município de Mesquita: um deles na região central, próximo à Prefeitura
Municipal, dois deles próximos à foz do rio e um quarto na região do bairro da Chatuba,
perto do Rio Sarapuí. Este último ponto não se encontra dentro da Bacia do Rio Dona
Eugênia e, portanto, não foi considerado para ajuste da modelagem.
Figura 9.1. Pontos de alagamento mapeados pela equipe do PROURB/UFRJ, em
entrevistas com a população.
Fonte: PROURB (2011)
Também, com base em informações levantadas pela própria autora, junto a
moradores locais e funcionários da prefeitura, bem como em vídeos disponíveis na
243
internet, para eventos de cheias, foram selecionados dois pontos de alagamento na
região central do município: um ao longo da Linha Férrea, em avenida de grande
movimento, e outro na região central, em uma rua que historicamente alaga muito. Tais
pontos são apresentados a seguir.
A Figura 9.2 apresenta imagens da Rua Virtude, ponto que alaga
costumeiramente. Nas imagens, é possível ver o local em dia comum e, também, em dia
chuvoso, quando a água se eleva consideravelmente.
Figura 9.2. Ponto de alagamento na Rua Virtude, Mesquita.
(Imagens do Google Earth)
A Figura 9.3 também apresenta imagens de um dos principais pontos de
alagamento na bacia, localizado próximo à Linha Férrea, na Avenida Presidente Costa e
Silva. Os alagamentos nessa região são constantes e, quando acontecem, atrapalham o
trânsito da via, uma das principais de comunicação entre Mesquita e municípios
vizinhos, como Nova Iguaçu e Nilópolis. No conjunto de imagens apresentado é
possível ver o ponto em dias comuns e de chuva, quando ocorre o alagamento da região.
244
Figura 9.3. Ponto de alagamento na Av. Pres. Costa e Silva, Mesquita.
(Imagens do Google Earth)
Todas as informações coletadas, tanto no relatório da COPPETEC, quanto no
mapa produzido pelo PROURB e até mesmo nas imagens capturadas de vídeos de
cheias no local e de informações de moradores e funcionários da prefeitura, foram úteis
245
para a etapa de ajuste do modelo que, pela falta de dados medidas, substitui a etapa de
calibração formal.
Assim, após a montagem e aceitação de toda a base para avaliação do Cenário
Atual com o uso do MODCEL, foram obtidos os resultados que seguem, na forma de
perfis longitudinais e manchas de alagamento, com foco na área urbana. Ressalta-se que
todas as manchas de alagamento, com foco na área urbana, e perfis foram elaborados
pela autora.
Para facilitar a interpretação dos perfis, apresenta-se a Figura 9.4, com a
localização dos pontos de controle.
Figura 9.4. Pontos de controle considerados nos perfis do Rio Dona Eugênia.
(Adaptado de Google Earth)
O perfil do Rio Dona Eugênia, para o tempo de recorrência de 25 anos, é
apresentado na Figura 9.5. É possível perceber que o rio não se mantém em calha em
diversos trechos de seu percurso. As regiões mais críticas, em que ocorre
extravasamento para as margens, correspondem às áreas próximas à Prefeitura
Municipal, à Linha Férrea e à Via Light.
246
28
Prefeitura
26
24
22
Linha Férrea
20
18
Via Light
16
Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.5. Perfil Rio Dona Eugênia, Situação Atual (TR 25 anos).
A Figura 9.6 mostra o mapa de alagamento para a Bacia do Rio Dona Eugênia,
na Situação Atual, considerando a chuva de projeto com 25 anos de tempo de
recorrência. Uma chuva de TR 100 anos também foi utilizada, como representativa de
um Cenário mais extremo, com o objetivo de, principalmente nos Cenários seguintes de
projeto, avalia-los para uma situação mais crítica do que aquela definida pela vazão de
projeto adotada. Para a chuva de TR 100 anos, a mancha de alagamento da situação
atual, que também será adotada como referência, está apresentada na Figura 9.7.
Figura 9.6. Mancha de alagamento, Situação Atual (TR 25 anos).
247
Figura 9.7. Mancha de alagamento, Situação Atual (TR 100 anos).
Como foi possível perceber na avaliação das manchas, o problema de cheias no
município de Mesquita é crítico. Existem registros de alagamentos frequentes e a
modelagem matemática apresentou áreas importantes embaixo d’água, com níveis
d’água que chegam, em alguns lugares, a mais de 0,75m de altura no tempo de
recorrência de 25 anos e até mais de 1,25m no tempo de recorrência de 100 anos. Os
pontos críticos estão associados a regiões próximas à calha do Rio Dona Eugênia, bem
como na região à montante da Linha Férrea. Nota-se que a ferrovia funciona como um
obstáculo aos escoamentos superficiais.
O alto grau de urbanização da bacia, com grandes taxas de impermeabilização, e
a ocupação irregular do solo são fatores típicos de agravamento das cheias. Ressalta-se
que alguns alagamentos observados na situação atual são decorrentes da falta de
microdrenagem adequada. Assim, alagamentos ficam retidos na planície, não
conseguindo escoar para o rio. O centro da cidade é muito afetado. Dois processos
importantes foram verificados: tanto a macro quanto a microdrenagem falham. Deve-se
destacar, porém, que, no modelo matemático, apenas as galerias de maior porte estão
representadas.
De uma forma geral, no que se refere diretamente à observação de regiões
alagadas, percebem-se alguns problemas a serem destacados. De acordo com a mancha
mapeada para a situação atual, percebe-se haver problemas de capacidade de condução
248
de vazão em calha, notadamente em pontos associados a contração da seção,
principalmente, à ferrovia e à parte do rio que se encontra capeada próximo à Prefeitura.
O extrato do livro publicado pelo Engenheiro Hildebrando de Araújo Góes, apresentado
a seguir, confirma que já em 1939 as estradas de ferro potencializavam a retenção da
lâmina d’água em diversos pontos da Baixada Fluminense.
“As estradas de ferro e de rodagem - Os aterros das estradas que cortam a
Baixada agem como verdadeiras barragens, impedindo o escoamento livre
das aguas. A insuficiência da secção das obras de arte, represando as aguas
para montante, tem uma ação muito sensível sobre as inundações. Em muitos
casos, os boeiros e pontilhões estão, também, construídos em cótas altas,
resultando, em consequência, a formação de pântanos permanentes.” (GÓES,
1939: p19)
Uma condição bastante adversa, encontrada em vários locais, e que causa grande
prejuízo às comunidades locais, refere-se à ocupação de margens, situadas ao longo da
calha secundária do rio. Ao longo de todo o Rio Dona Eugênia existem várias
construções situadas junto às suas margens, interferindo com o extravasamento para a
calha secundária e sofrendo muito com os efeitos das cheias. O extravasamento do rio é
responsável pelas cheias mesmo na Prefeitura Municipal de Mesquita.
A Figura 9.8 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário Atual, para TR 25 e 100 anos. A Figura 9.9 apresenta as vazões na foz com o
Rio Sarapuí, para os mesmos tempos de recorrência.
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Situação Atual
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.8. Vazões na Linha Férrea, Situação Atual (TR 25 e 100 anos).
249
Foz no Rio Sarapuí
Situação Atual
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.9. Vazões na foz, Situação Atual (TR 25 e 100 anos).
Nota-se que a Figura 9.8 tem hidrogramas “achatados” – este formato se deve ao
extravasamento que ocorre no trecho anterior à passagem sob a ferrovia, mais
precisamente, na região da Prefeitura, ao passar pelo trecho insuficiente de galeria.
Além disso, no trecho seguinte a este extravasamento, o rio se encontra ocupado por
casas, que agem como verdadeiros diques, dificultando o recebimento de escoamentos
superficiais neste trecho.
9.1.2. Cenário histórico
CENÁRIOS 1 e 2
e
evolução
sustentável
hipotética
–
 Passado (1970) – CENÁRIO 1
Conforme descrito no Capítulo 8 (Proposição de Projetos), os Cenários 1 e 2
compõem um par hipotético de análise, que estabelece uma referência passada, com
informações de urbanização de 1970, e simula este passado, para comparação com a
situação atual e avaliação de como a intensificação da urbanização tornou mais crítica a
situação de cheias. Além disso, também permite partir desta data de referência
considerando mecanismos de controle da urbanização, de forma sustentável, para criar
uma realidade atual alternativa.
A Figura 9.10 apresenta o perfil do Rio Dona Eugênia para o Cenário 1 relativo
ao Passado (1970), com tempo de recorrência de 25 anos. Verifica-se que os pontos
próximos à prefeitura, à Linha Férrea e à Via Light se confirmam como críticos, pois, já
250
naquela época, o rio sofria extravasamento, ainda que em menor magnitude, nessas
regiões.
A Figura 9.11 apresenta a mancha de alagamento obtida, para o TR de 25 anos,
para o Cenário em discussão. Observa-se que há uma concentração dos alagamentos na
região que, na época simulada, era urbanizada. A parte central, próxima à Linha Férrea,
apresenta as mesmas características da Situação Atual, com o represamento de água ao
longo da Av. Presidente Costa e Silva. Destaca-se que a parte não urbanizada da bacia
não mostra qualquer alagamento.
28
Prefeitura
26
24
22
Linha Férrea
20
18
Via Light
16
Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.10. Perfil Rio Dona Eugênia, Passado (1970) (TR 25 anos).
Figura 9.11. Mancha de alagamento, Passado (1970) (TR 25 anos).
251
Figura 9.12. Mancha de alagamento, Passado (1970) (TR 100 anos).
A Figura 9.13 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 1, para TR 25 anos. A Figura 9.14 apresenta as vazões na foz com o Rio
Sarapuí, para o mesmo tempo de recorrência.
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Passado (1970)
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.13. Vazões na Linha Férrea, Passado (1970) (TR 25 e 100 anos).
252
Foz no Rio Sarapuí
Passado (1970)
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.14. Vazões na foz, Passado (1970) (TR 25 e 100 anos).
Comparando a vazão na foz, em relação ao diagnóstico feito para a situação
atual, nota-se que a vazão em 1970 era cerca de 15% menor, o que não chega a ser uma
diferença tão grande quando se compara a diferença na área urbanizada, que quase
dobrou. Isso indica, provavelmente, que os alagamentos da situação atual são realmente
críticos e as áreas urbanas estão sendo (indesejavelmente) utilizadas como reservatórios
temporários de cheias. Mais uma prova desta observação é o nítido aumento de volume
associado ao hidrograma atual. Na Linha Férrea, percebe-se que a não ocupação das
margens favorecem o recebimento de contribuições superficiais no trecho a montante
deste ponto de controle.
 Desenvolvimento Sustentável – CENÁRIO 2
Na sequência da avaliação do Cenário 1, aplicam-se sobre a referência passada
as medidas associadas a uma proposta de desenvolvimento sustentável para as áreas que
ainda estavam livres em 1970, conforme detalhado no Capítulo 8.
O perfil do Rio, para este novo Cenário, está apresentado na Figura 9.15.
Percebe-se que, com a adoção das medidas para um desenvolvimento sustentável da
bacia, o rio extravasa em menos pontos do que na situação passada. A abertura da
galeria na região da Prefeitura, dando mais espaço ao rio e eliminando essa restrição ao
escoamento, possibilita a diminuição da lâmina de alagamento naquele ponto. A adoção
da área baixa de jusante como zona úmida é outro fator positivo, evitando a ocupação de
uma região crítica.
253
28
Prefeitura
26
24
22
Linha Férrea
20
18
Via Light
16
Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.15. Perfil Rio Dona Eugênia, Desenvolvimento Sustentável (TR 25 anos).
A mancha de alagamento está representada na Figura 9.16, para o tempo de
recorrência de 25 anos.
Figura 9.16. Mancha de alagamento, Desenvolvimento Sustentável (TR 25 anos).
254
Figura 9.17. Mancha de alagamento, Desenvolvimento Sustentável (TR 100 anos).
Nota-se que nenhum alagamento ultrapassa a faixa de 0,25-0,50m. Porém, notase também como passam a surgir áreas alagadas (ainda que de forma não crítica) na
região que recebeu a expansão urbana, mostrando o efeito dessa expansão. O ponto
mais crítico corresponde à região central do município, no trecho em que a urbanização
é mais antiga e se aproxima da faixa fluvial.
Em linhas gerais, caso a bacia se desenvolvesse conforme as premissas de
desenvolvimento sustentável modeladas, a resposta da mesma, em termos de
alagamento, teria sido melhor do que na situação atual.
A Figura 9.18 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 2, para TR 25. A Figura 9.19 apresenta as vazões na foz com o Rio Sarapuí,
para o mesmo tempo de recorrência.
255
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Desenvolvimento Sustentável
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.18. Vazões na Linha Férrea, Des. Sustentável (TR 25 e 100 anos).
Foz no Rio Sarapuí
Desenvolvimento Sustentável
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.19. Vazões na foz, Des. Sustentável (TR 25 e 100 anos).
Observando a Figura 9.18 se vê claramente um incremento na vazão em calha,
quando comparado com a situação atual. Esse efeito se dá pela eliminação da restrição
associada ao trecho em galeria do rio, junto à Prefeitura, e implica em menores
extravasamentos e menos vazões nas ruas. A Figura 9.19, por sua vez, mostra um
hidrograma amortecido, como efeito da preservação da Faixa Marginal de Proteção de
30m, durante a expansão urbana, com a associação de um patamar rebaixado de 1,00m a
1,20m em relação ao nível das ruas do entorno, funcionando como área de
armazenamento temporário. A área úmida próxima à foz do Rio Dona Eugênia também
funciona como reservatório para as águas de cheia.
256
A simulação destes três Cenários iniciais foi importante para que se dispusesse
de um conjunto de informações que servissem como base para a simulação dos Cenários
seguintes, que propõem soluções de projeto para minimizar o alagamento na Bacia do
Rio Dona Eugênia.
9.1.3. Cenários de Projeto – CENÁRIOS 3 a 7
 CENÁRIO 3 – Barragem
A Figura 9.20 apresenta o perfil do Rio Dona Eugênia para o Cenário 3, relativa
à barragem proposta do Projeto Iguaçu. As manchas de alagamento obtidas para o
tempo de recorrência de 25 anos são apresentadas na Figura 9.21, para TR 25 anos e na
Figura 9.22 para TR 100 anos.
28
Prefeitura
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Linha Férrea
20
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Via Light
16
Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.20. Perfil Rio Dona Eugênia, Barragem (TR 25 anos).
257
Figura 9.21. Mancha de alagamento, Barragem (TR 25 anos).
Figura 9.22. Mancha de alagamento, Barragem (TR 100 anos).
Este Cenário mostra o rio sob controle, completamente mantido em calha.
Porém, os escoamentos superficiais ainda geram muitos alagamentos sobre a bacia.
A Figura 9.23 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 3, para TR 25 e 100 anos. A Figura 9.24 apresenta as vazões na foz com o Rio
Sarapuí, para os mesmos tempos de recorrência.
258
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Barragem
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.23. Vazões na Linha Férrea, Barragem (TR 25 e 100 anos).
Foz no Rio Sarapuí
Barragem
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.24. Vazões na foz, Barragem (TR 25 e 100 anos).
Nota-se que a vazão amortecida pela barragem provê um resultado cerca de 50%
menor na Linha Férrea, quando comparado ao Cenário Atual, para o TR de 25 anos. Na
avaliação do tempo de recorrência de 100 anos, percebe-se a formação de um segundo
pico, dado por um vertimento da barragem, mas que ocorre após a passagem do pico
principal e não chega a comprometer a sua capacidade de amortecimento de cheia no
contexto deste evento. A área crítica de alagamento, junto à Prefeitura, passa a não
alagar em ambas as recorrências.
259
De forma geral portanto, esse Cenário mostra resultados efetivos para a calha do
rio, mas com alagamentos que continuam disseminados na bacia resultado do excesso
de escoamentos superficiais. Um resultado que chama a atenção refere-se à manutenção
de áreas alagáveis junto ao rio, mesmo sem extravasamento, pela retenção de águas nas
planícies marginais, em função da presença de ocupações irregulares de margens, que
acabam funcionando como diques.
Assim, é possível dizer que o Cenário que considera a barragem como solução
controla adequadamente o escoamento do rio, mantendo-o na calha, mas não tem uma
ação efetiva fora de seu canal principal (como era de se esperar). A microdrenagem
falha e existem várias partes da cidade ainda inundadas (com menores níveis d’água).
Próximo ao centro da cidade, as casas localizadas irregularmente nas margens do rio,
funcionam como se fossem diques, impedindo a conexão do rio com as suas planícies
de alagamento e vice-versa. Nessa área, o escoamento superficial gerado e não coletado
pela microdrenagem se acumula nas ruas e tem escoamento lento até achar um caminho
para o rio.
 CENÁRIO 4 – Drenagem Urbana Sustentável
A Figura 9.25 apresenta o perfil do Rio Dona Eugênia para o Cenário de
Drenagem Urbana Sustentável. Há uma leve atenuação na linha d’água, principalmente
no trecho entre a Linha Férrea e a Via Light. Os pontos críticos continuam sofrendo
com o extravasamento do rio mesmo após a implantação das medidas de drenagem
urbana sustentável. As medidas distribuídas propostas, com atuações na fonte, ajudam a
minimizar os escoamentos superficiais excedentes, mas não conseguem uma maior
efetividade para o escoamento em calha, que está, hoje, já em uma situação bastante
crítica.
260
28
Prefeitura
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Linha Férrea
20
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Via Light
16
Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.25. Perfil Rio Dona Eugênia, Drenagem Sustentável (TR 25 anos).
As manchas de alagamento para o referido Cenário são apresentadas na Figura
9.26, para TR 25 anos e na Figura 9.27 para TR 100 anos.
Figura 9.26. Mancha de alagamento, Drenagem Urbana Sustentável (TR 25 anos).
261
Figura 9.27. Mancha de alagamento, Drenagem Sustentável (TR 100 anos).
Percebe-se, de forma geral, através da observação das manchas, uma atenuação
do alagamento na bacia, conforme adiantado anteriormente. Entretanto, as áreas mais
críticas (próximas ao centro do município), permanecem alagadas, com lâminas na faixa
de 0,75m-1,25m.
A Figura 9.28 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 4, para TR 25 e 100 anos. A Figura 9.29 apresenta as vazões na foz com o Rio
Sarapuí, para os mesmos tempos de recorrência.
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Drenagem Urbana Sustentável
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
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10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.28. Vazões na Linha Férrea, Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos).
262
Foz no Rio Sarapuí
Drenagem Urbana Sustentável
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.29. Vazões na foz, Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos).
Apesar de uma ação menos efetiva em calha, essa medida pode ser muito
importante na reorganização espacial dos escoamentos superficiais, por agir sobre toda a
área urbanizada.
 CENÁRIO 5 – Requalificação Fluvial
A Figura 9.30 apresenta o perfil do Rio Dona Eugênia para o Cenário de
Requalificação Fluvial. Percebe-se uma considerável diminuição na linha d’água, no
trecho entre a Linha Férrea e a Via Light. Praticamente não há extravasamento de calha,
que fica bem perto desse limite, entre a Prefeitura e a Linha Férrea, havendo apenas um
ponto que falha.
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Prefeitura
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Linha Férrea
20
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Via Light
16
Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.30. Perfil Rio Dona Eugênia, Requalificação Fluvial (TR 25 anos).
263
A Figura 9.31 apresenta o mapa de alagamento para esta proposição para TR 25
e a Figura 9.32 apresenta a mancha de alagamento para TR 100 anos. Percebe-se, de
uma forma geral, uma melhora dos níveis de alagamento. Para o TR 25 anos já não há
mais alagamentos superiores a 0,50m na bacia e todo o centro melhora
significativamente. O alagamento nos pontos críticos (Prefeitura e Linha Férrea)
diminuiu consideravelmente. No entanto, ainda é preciso evoluir com a atuação
distribuída na bacia, que não foi explorada neste Cenário.
Figura 9.31. Mancha de alagamento, Requalificação Fluvial (TR 25 anos).
Figura 9.32. Mancha de alagamento, Requalificação Fluvial (TR 100 anos).
264
A Figura 9.33 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 5, para TR 25 e 100 anos. A Figura 9.34 apresenta as vazões na foz com o Rio
Sarapuí, para os mesmos tempos de recorrência.
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Requalificação Fluvial
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.33. Vazões na Linha Férrea, Requalificação Fluvial (TR 25 e 100 anos).
Foz no Rio Sarapuí
Requalificação Fluvial
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.34. Vazões na foz, Requalificação Fluvial (TR 25 e 100 anos).
Deve-se notar aqui a presença do mesmo efeito obtido no Cenário hipotético de
Desenvolvimento Sustentável: as vazões crescem no trecho da Linha Férrea, com a
reabertura da calha do Rio Dona Eugênia junto à Prefeitura; depois as vazões no rio
265
aparecem amortecidas junto a foz, pela recuperação das planícies de inundação no
trecho central da cidade e pela reservação na área úmida junto à foz.
 CENÁRIO 6 – Requalificação Fluvial + Barragem
Esse Cenário procura combinar a requalificação fluvial com a barragem para
avaliação desses resultados conjuntos. Em princípio, a introdução de uma barragem em
um Cenário de requalificação fluvial seria uma incoerência conceitual, devido à
interferência introduzida na continuidade longitudinal. Porém, alguns fatores devem ser
considerados. A barragem proposta se encontra pouco a jusante de uma barragem já
existente e que já afeta a continuidade. Além disso, essa barragem será exclusiva para
controle de cheias, permitindo a passagem da vazão em águas baixas, só gerando
acumulação nos momentos de chuva. Adicionalmente, a barragem faz parte do Projeto
Iguaçu, que está em fase de implantação e, portanto, será uma realidade em breve.
Dessa forma, buscando avaliar o grau de complementação destas duas propostas no
controle de cheias, ambas são colocadas juntas neste Cenário 6. Os resultados são
apresentados na Figura 9.35 (Perfil do Rio Dona Eugênia), Figura 9.36 (Mancha de
alagamento para TR 25 anos) e Figura 9.37 (Mancha de alagamento para TR 100 anos).
28
Prefeitura
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Linha Férrea
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Via Light
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Rio Sarapuí
14
12
10
8
6
4
2
0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.35. Perfil Rio Dona Eugênia, RF + Barragem (TR 25 anos).
266
Figura 9.36. Mancha de alagamento, RF + Barragem (TR 25 anos).
Figura 9.37. Mancha de alagamento, RF + Barragem (TR 100 anos).
Apesar do paradoxo conceitual, este Cenário mostra o rio controlado, mantido
em calha, com grande redução de alagamentos na área central da cidade e nenhum
ponto de alagamento em faixa superior a 0,25-0,50m, mesmo para o TR de 100 anos,
onde apenas uma exceção localizada ocorre. Este resultado mostra que, em termos
práticos, a requalificação fluvial poderia ser considerada ainda como complemento para
a barragem, ajudando a reverter parte dos efeitos negativos da urbanização e trazendo
267
uma melhoria da qualidade do rio, como sistema fluvial, apesar das limitações
existentes.
A Figura 9.38 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 6, para TR 25 e 100 anos. A Figura 9.39 apresenta as vazões na foz com o Rio
Sarapuí, para os mesmos tempos de recorrência.
Destaca-se o aumento da capacidade de amortecimento pela combinação das
soluções, como poder ser visto pelos hidrogramas na foz do Rio Dona Eugênia, na
Figura 9.39.
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Requalificação Fluvial + Barragem
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.38. Vazões na Linha Férrea, RF + Barragem (TR 25 e 100 anos).
Foz no Rio Sarapuí
Requalificação Fluvial + Barragem
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
10
5
0
-5
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.39. Vazões na foz, RF + Barragem (TR 25 e 100 anos).
268
 CENÁRIO 7 – Requalificação Fluvial + Drenagem Sustentável
A combinação das medidas de drenagem urbana sustentável com a da
requalificação fluvial configura o Cenário que, conceitualmente, representa a principal
proposição de trabalho desta Tese, no sentido de verificar a hipótese postulada na
abertura do trabalho. As medidas de drenagem sustentável têm vocação para resgatar
características do ciclo hidrológico natural, reorganizando os escoamentos superficiais
da bacia, ao passo que as medidas de requalificação fluvial procuram resgatar a relação
entre rio e cidade, enquanto controlam as inundações associadas à macrodrenagem.
Os resultados são apresentados na Figura 9.40 (Perfil do Rio Dona Eugênia),
Figura 9.41 (Mancha de alagamento para TR 25 anos) e Figura 9.42 (Mancha de
alagamento para TR 100 anos).
28
Prefeitura
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Linha Férrea
20
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Via Light
16
Rio Sarapuí
14
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10
8
6
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0
0
500
1000
FUNDO
1500
2000
NA Max.
2500
3000
ME
MD
3500
4000
Figura 9.40. Perfil Rio Dona Eugênia, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 anos).
O perfil do rio apresenta o rio quase sempre contido em calha, salve um dos
pontos críticos, a montante da Linha Férrea, em que ocorre pequeno extravasamento
para TR 25 anos.
269
Figura 9.41. Mancha de alagamento, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 anos).
Figura 9.42. Mancha de alagamento, RF + Drenagem Sustentável (TR 100 anos).
A Figura 9.43 apresenta as vazões na região de montante da Linha Férrea, no
Cenário 7, para TR 25 e 100 anos. A Figura 9.44 apresenta as vazões na foz com o Rio
Sarapuí, para os mesmos tempos de recorrência.
270
Linha Férrea (antiga RFFSA)
Requalificação Fluvial + Drenagem Urbana Sustentável
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
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200
300
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600
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Tempo (min)
Figura 9.43. Vazões Linha Férrea, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos).
Foz no Rio Sarapuí
Requalificação Fluvial + Drenagem Urbana Sustentável
50
TR 25 anos
45
TR 100 anos
40
Vazão (m³/s)
35
30
25
20
15
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0
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300
400
500
600
700
Tempo (min)
Figura 9.44. Vazões na foz, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 e 100 anos).
A mancha de alagamento para o Cenário 7 apresenta os melhores resultados,
quando comparada aos demais Cenários. A Prefeitura tem alagamentos na ordem de até
0.25m, tendo diminuído bastante os alagamentos nas áreas próximas, para níveis
aceitáveis.
O trecho central, em que o rio era “canalizado” por residências, e que foi aberto,
já permite que haja conexão entre a drenagem natural, proveniente das ruas do entorno,
com o próprio rio. O alagamento na bacia, de uma forma geral, diminui bastante,
quando comparado com aquele da situação atual.
271
9.1.4. Comparação de resultados
A Figura 9.45 apresenta um quadro resumo com as manchas de alagamento para
os Cenários 0, 1, 4, 5, 6 e 7, para TR 25 anos e a Figura 9.46 apresenta os mesmos
Cenários para TR 100 anos. A Figura 9.47 apresenta um quadro resumo com as
manchas elaboradas para os Cenários 2, 3 e 7, para ambos os tempos de recorrência de
25 e de 100 anos.
A partir desta comparação, é possível perceber que o Cenário que apresentou
melhor resultado tanto para o rio quanto para a bacia se aproxima, em termos de
resposta da bacia, àquele que simula um possível desenvolvimento sustentável,
considerando como partida a bacia em 1970, antes da urbanização de grandes áreas.
272
Cenário Atual
Barragem
Drenagem Sustentável
Requalificação Fluvial
RF + Barragem
RF + Drenagem Sustentável
Figura 9.45: Manchas de alagamento para Cenários avaliados (TR 25 anos) – Consolidação dos resultados.
273
Cenário Atual
Barragem
Drenagem Sustentável
Requalificação Fluvial
RF + Barragem
RF + Drenagem Sustentável
Figura 9.46: Manchas de alagamento para Cenários avaliados (TR 100 anos) – Consolidação dos resultados.
274
Passado (1970) – TR 25 anos
Desenvolvimento Sustentável– TR 25 anos
RF + Drenagem Sustentável– TR 25 anos
Passado (1970) – TR 100 anos
Desenvolvimento Sustentável– TR 100 anos
RF + Drenagem Sustentável– TR 100 anos
Figura 9.47: Manchas de alagamento para Cenários avaliados (TR 25 e 100 anos) – Consolidação dos resultados.
275
9.2. Aplicação do IRC
O Índice de Risco de Cheia (IRC) foi aplicado ao estudo de caso do Dona
Eugênia, usando informações do Censo de 2010 (IBGE, 2010). As outras fontes de
dados consistiram nos resultados de simulação de cheias realizada com o auxílio do
MODCEL, considerando os tempos de recorrência de 25 e de 100 anos.
Os pesos foram determinados, em uma primeira abordagem, usando a
experiência da autora e de seus orientadores, simulando as preferências do decisor. A
normalização para cada indicador utilizado foi apresentada no Capítulo 6 (Ferramentas
Metodológicas). Todos os valores foram associados a uma escala de importância que
varia entre 0 e 100.
A avaliação do IRC, neste trabalho, tem como objetivo expandir a discussão
sobre a criticidade de alagamentos, para considerar também a combinação de aspectos
socioeconômicos. O IRC será aplicado a duas áreas: primeiro, levará em conta toda a
bacia hidrográfica urbanizada e, em sequência, apenas a região do Centro de Mesquita,
onde está localizada a Prefeitura Municipal (Figura 9.48). Os Cenários avaliados foram
o “Atual”, “Barragem” “Drenagem Urbana Sustentável”, “Requalificação Fluvial”,
“Requalificação Fluvial + Barragem” e “Requalificação Fluvial + Drenagem Urbana
Sustentável”.
Figura 9.48: Centro de Mesquita.
(Adaptado pela autora a partir de Google Earth).
276
Considerou-se que os subíndices Propriedades da Inundação (PI) e
Consequências (C), possuíam a mesma importância. Assim, atribuiu-se aos expoentes
qPI e qC pesos iguais a 0,50. Já os pesos atribuídos a cada indicador consideraram o grau
de importância de cada um, segundo interpretação da autora. Os valores adotados estão
apresentados na Tabela 9.2. No subíndice de propriedades da inundação, a lâmina de
alagamento atingida pela inundação foi considerada mais importante que o fator de
permanência na proporção de 2 para 1. Em relação às consequências, a densidade de
domicílios, que indica o número de pessoas e bens imóveis postos em risco, foi tomado
como principal fator para avaliação deste risco. Já a renda, que atribui, indiretamente,
um valor econômico às perdas, foi adotada como segundo fator mais importante. Por
fim, as condições de saneamento inadequado, que tem relação com a saúde pública, foi
adotado com peso bem menor, quase que apenas como um ajuste fino, tendo em vista a
aparente fragilidade dos dados do IBGE para caracterizar essa condição.
Observando as condições mapeadas pelas variáveis do IBGE, a situação geral de
saneamento na bacia seria bastante razoável, com o descritor de saneamento adequado
superando 80%, o que não parece condizer, de fato, com a realidade do município, o
que pode ser visualizado em uma visita de campo. Na variável do IBGE não se
consegue distinguir entre o lançamento de esgoto em rede apropriada ou rede pluvial.
Assim, só os casos mais críticos de saneamento são identificáveis. Essa observação
levou à forte redução do peso deste indicador, para não distorcer o índice.
Tabela 9.2: Pesos associados a cada subíndice e a cada indicador considerado.
Peso
Indicador
Peso
Subíndice
Propriedades da Inundação
(PI)
Consequências (C)
0,50
0,50
Lâmina de Alagamento
Fator de permanência
0,67
0,33
Densidade de domicílios
Renda
Saneamento Inadequado
0,60
0,30
0,10
Foram elaborados, pela própria autora, mapas de risco, segundo o julgamento
considerado. Para melhor compreensão, eles foram divididos em apenas quatro classes,
podendo corresponder a Risco Alto (75-100%), Médio Alto (50-75%), Médio Baixo
(25-50%) e Baixo (0-25%), seguindo a mesma classificação adotada por ZONENSEIN
(2007). As figuras a seguir apresentam todos os mapas de risco elaborados, para os
Cenários considerados. Ressalta-se que as áreas em branco correspondem a células que
277
não tiveram IRC calculado por se tratarem de áreas sem ocupação (cemitérios, estádios
de futebol e faixa non aedificandi da Via Light). Um resumo dos mapas está
apresentado, para facilitar a comparação entre Cenários, na Figura 9.61 para o TR 25
anos e na Figura 9.62 para o TR 100 anos.
Figura 9.49: Mapa de risco, Situação Atual (TR 25 anos).
Figura 9.50: Mapa de risco, Barragem (TR 25 anos).
278
Figura 9.51: Mapa de risco, Drenagem Sustentável (TR 25 anos).
Figura 9.52: Mapa de risco, Requalificação Fluvial (TR 25 anos).
279
Figura 9.53: Mapa de risco, RF + Barragem (TR 25 anos).
Figura 9.54: Mapa de risco, RF + Drenagem Sustentável (TR 25 anos).
280
Figura 9.55: Mapa de risco, Situação Atual (TR 100 anos).
Figura 9.56: Mapa de risco, Barragem (TR 100 anos).
281
Figura 9.57: Mapa de risco, Drenagem Sustentável (TR 100 anos).
Figura 9.58: Mapa de risco, Requalificação Fluvial (TR 100 anos).
282
Figura 9.59: Mapa de risco, RF + Barragem (TR 100 anos).
Figura 9.60: Mapa de risco, RF + Drenagem Sustentável (TR 100 anos).
283
Situção Atual
Barragem
Drenagem Sustentável
Requalificação Fluvial
RF + Barragem
RF + Drenagem Sustentável
Figura 9.61: Mapa de risco para todos os Cenários avaliados (TR 25 anos) – Consolidação dos resultados.
284
Situação Atual
Barragem
Drenagem Sustentável
Requalificação Fluvial
RF + Barragem
RF + Drenagem Sustentável
Figura 9.62: Mapa de risco para todos os Cenários avaliados (TR 100 anos) – Consolidação dos resultados.
285
A avaliação dos mapas de risco de cheias para ambos os tempos de recorrência
leva à percepção de que o problema de cheia na Bacia do Rio Dona Eugênia é
localizado de forma mais importante na região central da cidade. A maior parte da
cidade, como um todo, apresenta riscos relativamente baixos, contrastando com a região
central do município e adjacências que apresenta tendência a riscos mais altos.
Para o Cenário Atual, observa-se que na área central do município, numa faixa
que se estende desde a Prefeitura Municipal até próximo à Linha Férrea, o risco é
classificado principalmente como Médio Alto e Alto. Essa região é a que concentra
maiores lâminas de alagamento, conforme já verificado no item anterior. Além disso,
também é a região da bacia que apresenta maior densidade de domicílios e situação de
saneamento mais crítica, com margens do rio não ocupadas por casas que lançam
diretamente seus esgotos no mesmo. Tais fatores influenciam em valores mais altos para
o IRC. Também foram verificados valores de IRC na faixa de risco Médio Alto e Médio
Baixo em pontos disseminados pela bacia. Tais valores são influenciados, de forma
geral, pelas lâminas de alagamento, decorrentes de falhas na microdrenagem. Em
determinada região, à leste da Linha Férrea, no bairro conhecido como Vila Emil,
também influencia o IRC para que forneça valores mais altos, o indicador renda. Nessa
área, são encontradas as maiores médias de renda per capita da bacia. Na lógica do IRC,
quem possui mais renda, tem bens com maior valor a perder.
Quando é prevista a instalação da barragem para contenção de cheias, observa-se
que a região que responde melhor, em termos de risco de cheias, é aquela central,
próxima à Prefeitura Municipal. O risco passa de Alto e Médio Alto para Baixo e, em
alguns pontos, para Médio Baixo. Todos os valores considerados para os indicadores se
mantiveram, em relação ao Cenário anterior, com exceção para o Fator de Permanência
e a Lâmina de Alagamento, que foram quem influenciou a alteração da classe de risco,
pela eliminação dos extravasamentos. Como já observado anteriormente, nas manchas
de alagamento, realmente a barragem é bastante eficaz para a região central da cidade,
restando, ainda, pontos de alagamento distribuídos pela bacia.
O Cenário de Drenagem Sustentável apresenta um bom resultado geral, do ponto
de vista da bacia como um todo, mas a região central do município continua com
classes de risco Alto e Médio Alto, de forma muito similar àquela do Cenário Atual.
Essa avaliação leva à percepção de que medidas de drenagem sustentável na fonte são
mais efetivas para a prevenção do que para a correção de áreas alagadas, quando estas
são resultantes de extravasamento do rio.
286
Por outro lado, quando a Requalificação Fluvial foi considerada, o projeto
proposto foi capaz de manter o rio dentro da calha, ainda que quase sem nenhuma borda
livre, como o que ocorreu para o Cenário da Barragem, embora, nesse caso anterior, o
rio tivesse ainda uma razoável folga. Entretanto, por conta da possibilidade de atuar em
áreas
ribeirinhas,
abrindo espaço para
armazenamento temporário
enquanto
reconectando o rio às suas planícies de alagamento, parte dos problemas de drenagem
superficial e microdrenagem do entorno foram também solucionados.
Ao abrir espaço para o rio, eliminando as construções irregulares localizadas na
calha, também foram diminuídas as ligações de esgoto in natura, que existe na condição
atual. Assim, há uma melhora nas condições de saneamento deste trecho, fator que
também contribui para a diminuição do IRC neste Cenário.
A combinação dos Cenários de Requalificação Fluvial e Barragem
potencializam a melhora do IRC para a região central do município, principalmente no
trecho do corredor fluvial, que passa a ter valores de risco classificados como Baixo. No
entanto, ainda existem pontos distribuídos pela bacia classificados como Médio Baixo e
Médio Alto.
A combinação dos Cenários de Requalificação Fluvial e Drenagem Sustentável,
numa avaliação geral, é aquela que apresenta melhor resultados para o IRC. Há uma
melhora significativa do risco de cheias, em comparação à situação atual, na bacia como
um todo.
A avaliação dos mapas de risco para o tempo de recorrência de 100 anos indica
que os resultados mantêm a mesma tendência, de forma geral, mesmo quando a bacia
está submetida a uma chuva maior do que a de projeto. A Tabela 9.3 consolida os
resultados obtidos.
O IRC calculado para a toda a bacia urbana apresenta resultados de baixo risco,
sendo o maior, naturalmente, para o Cenário Atual (21,9% para TR 25 e 25,9% para TR
100) e o menor, dentre as soluções individuais, o do Cenário da Drenagem Urbana
Sustentável (14,4% para TR 25 e 19,5% para TR100). Quando se olha para a região
central, a mais crítica da bacia, e calcula-se o índice apenas para ela, verifica-se que o
maior valor do IRC se mantém sempre para o Cenário Atual (38,0% para TR 25 e
43,9% para TR 100). Dessa vez, entretanto, o IRC para o Cenário da Drenagem Urbana
Sustentável apresenta o maior valor dentre as soluções individuais (32,1% para TR 25 e
39,4% para TR100). Tal fato leva à percepção de que, esta solução contribuiu para
mitigar o impacto das cheias na bacia como um todo com importante ação distribuída,
287
mas que, sozinha, não é efetiva para a região considerada mais crítica da bacia, onde
não só são encontrados problemas de microdrenagem, como também de macro. Assim,
o melhor resultado para esta região é aquele que combina os Cenários de Drenagem
Urbana Sustentável e de Requalificação Fluvial, com ações efetivas sobre as planícies
de alagamento (15,3% para TR 25 e 22,6% para TR100).
O IRC não foi calculado para os Cenários Passado (1970) e Desenvolvimento
Sustentável porque os dados coletados para o subíndice “Consequências” levaram em
conta o Censo 2010, que retrata a situação socioeconômica atual da bacia.
Tabela 9.3: Resultados do IRC para a Bacia do Rio Dona Eugênia e para o Centro de
Mesquita, considerando TR 25 e 100 anos.
Bacia
Centro
Cenário
TR 25
TR 100
TR 25
TR 100
Atual
21,9
25,9
38,0
43,9
Barragem
19,6
22,8
24,9
28,6
Drenagem Sustentável
14,4
19,5
32,1
39,4
Requalificação Fluvial
17,8
22,1
21,7
27,6
RF + Barragem
17,4
20,9
19,4
22,4
RF + Drenagem Sustentável
10,4
15,2
15,3
22,6
9.3. Aplicação da Escala de Resiliência
Para simular a situação hipotética de saturação urbanística na área urbana da
bacia do Rio Dona Eugênia, na qual o grau de impermeabilização cresce
significativamente, foi adotado coeficiente de escoamento igual a 0,90 para todas as
áreas que, hoje, já eram urbanizadas.
No Cenário de Drenagem Urbana Sustentável, também foi considerado esse
nível de impermeabilização, mas com a atuação das medidas de drenagem sustentável
(pavimentos permeáveis, telhados verdes e reservatórios de lote atuando). Com isso,
foram realizados os abatimentos correspondentes, a partir deste novo valor de “C”,
conforme já explicado anteriormente (item 8.2.5 – Drenagem Urbana Sustentável –
CENÁRIO 4).
As manchas de alagamento que correspondem à situação adversa de saturação
urbanística estão apresentadas na Figura 9.63 e os mapas de risco, obtidos a partir da
aplicação do IRC, estão apresentados na Figura 9.64.
288
Situação Atual
Barragem
Drenagem Sustentável
Requalificação Fluvial
RF + Barragem
RF + Drenagem Sustentável
Figura 9.63: Manchas de alagamento para Cenários avaliados, Saturação Urbanística (TR 25 anos) – Consolidação dos resultados.
289
Situação Atual
Barragem
Drenagem Sustentável
Requalificação Fluvial
RF + Barragem
RF + Drenagem Sustentável
Figura 9.64: Mapa de risco para todos os Cenários avaliados, Saturação Urbanística (TR 25 anos) – Consolidação dos resultados.
290
A Tabela 9.4 apresenta os resultados do IRC e a classificação segundo a escala
de resiliência proposta para a Bacia do Rio Dona Eugênia e para o Centro de Mesquita.
Os resultados do IRC para a condição futura de saturação urbanística são, em todos os
cenários, superiores àqueles da situação presente.
Tabela 9.4: Resultados – Escala de Resiliência.
Bacia
Cenário
Futuro
Centro
Presente
TR 25
Sat. Urb.
TR25
Escala de
resiliência
(0 a 1)
Situação Atual
21,9
28,6
Barragem
19,6
Drenagem Sustentável
Futuro
TR 25
Sat. Urb.
TR25
Escala de
resiliência
(0 a 1)
-
38,0
46,6
-
25,9
0,06
24,9
32,9
0,20
14,4
19,4
0,21
32,1
38,5
0,14
Requalificação Fluvial
17,8
22,9
0,14
21,7
26,5
0,34
RF + Barragem
17,4
22,4
0,15
19,4
23,9
0,37
10,4
14,5
0,30
15,3
18,7
0,47
Presente
RF + Drenagem
Sustentável
Ao analisar a bacia hidrográfica como um todo, quando aplicada a escala de
resiliência, verifica-se que, dentre as soluções de projeto individuais (Barragem,
Drenagem Sustentável, Requalificação Fluvial), aquela que é mais resiliente é a que
corresponde ao Cenário de Drenagem Sustentável, obtendo um valor igual a 0,21. Tal
fato se justifica pela atuação, de forma distribuída, sobre a bacia hidrográfica, focando
em aumentar as oportunidades de infiltração e armazenagem.
Já quando consideradas as soluções combinadas propostas, o Cenário de
Requalificação Fluvial + Drenagem Sustentável, com resultado igual a 0,30, se mostra
como o mais capaz de se adaptar e responder aos desafios futuros, sendo, portanto, o
mais resiliente. Esse resultado está relacionado, em grande parte, com a combinação dos
efeitos positivos sobre a bacia, que vêm da drenagem sustentável, e aqueles atuantes
sobre o corredor fluvial, que permitem também um acréscimo na capacidade de
armazenagem e um controle de uso do solo nas imediações do rio.
Ao analisar apenas a região central de Mesquita, e considerando apenas as
soluções individuais, o Cenário de Requalificação Fluvial é o mais resiliente (0,34), o
que é justificado pela forte atuação nessa região, com a retirada das casas irregulares do
291
trecho central. Nesse caso, a Drenagem Urbana Sustentável é muito menos efetiva,
porque tem menos capacidade de atuação nos extravasamentos do rio e a própria
focalização de uma área menor minimiza o seu efeito que é, principalmente, distribuído.
Quando consideradas todas as soluções propostas, o cenário mais resiliente é,
novamente, o da Requalificação Fluvial combinada com a Drenagem Sustentável (0,47),
repetindo o efeito positivo já verificado na situação anterior (bacia inteira).
9.4. Aplicação do REFLU
O índice REFLU, construído com a finalidade de prover uma indicação do
estado do sistema fluvial urbano, tem um caráter integrador e não permite a construção
de mapas. Seu valor é único para a bacia estudada, para cada Cenário. A distribuição de
pesos foi equânime, com pesos iguais a 0,25 para cada um dos quatros subíndices.
A Tabela 9.5 apresenta os resultados obtidos para o índice REFLU para todos os
Cenários avaliados.
Tabela 9.5: Resultados do REFLU para a Bacia do Rio Dona Eugênia.
Cenário
REFLU
Situação Atual
0,46
Barragem
0,48
Drenagem Sustentável
0,53
Requalificação Fluvial
0,61
RF + Barragem
0,64
RF + Drenagem Sustentável
0,66
A Tabela 9.6 apresenta todos os resultados obtidos para o REFLU, bem como os
obtidos para indicadores e subíndices de todos os Cenários avaliados.
Em relação ao indicador Condições de Saneamento, sempre foi considerada a
pior situação (entre condições de esgotamento e lixo), para não haver contagem
duplicada desses itens. No caso estudado, sempre foi o valor do esgoto que prevaleceu.
.
292
Tabela 9.6: Resultados para o REFLU considerando os Cenários avaliados.
Situação Atual (REFLU = 0,46)
Barragem (REFLU = 0,48)
Drenagem Sustentável (REFLU = 0,53)
Indicador
Subíndice
Indicador
Subíndice
Indicador
Subíndice
P
0,36
P
0,36
P
0,53
EGB
EGB
EGB
0,60
0,60
0,69
S
0,84
S
0,84
S
0,84
CT
0,08
CT
0,08
CT
0,08
CL
0
C
0,25
CL
0
C
0,25
CL
0
C
0,25
CV
0,67
CV
0,67
CV
0,67
MV
0,27
MV
0,27
MV
0,27
SM
0,46
SM
0,46
SM
0,46
MNOC
0,66
MNOC
0,66
MNOC
0,66
MC
0,53
MC
0,62
MC
0,70
Requalificação Fluvial (REFLU = 0,61)
RF + Barragem (REFLU = 0,64)
RF + Drenagem Sustentável (REFLU = 0,66)
Indicador
Subíndice
Indicador
Subíndice
Indicador
Subíndice
P
0,36
P
0,36
P
0,54
EGB
EGB
EGB
0,61
0,61
0,70
S
0,86
S
0,86
S
0,86
CT
0,41
CT
0,41
CT
0,41
CL
0
C
0,42
CL
0
C
0,42
CL
0
C
0,42
CV
0,86
CV
0,86
CV
0,86
MV
0,57
MV
0,57
MV
0,57
SM
0,78
SM
0,78
SM
0,78
MNOC
1,00
MNOC
1,00
MNOC
1,00
MC
0,61
MC
0,76
MC
0,76
Subíndices: (EGB) Estado Geral da Bacia (C) Conectividades (SM) Situação das Margens (MC) Mitigação de Cheias
Indicadores: (P) Permeabilidade (S) Condições de Saneamento (CT) Conectividade Transversal (CL) Conectividade Lateral (CV) Conectividade Vertical
(MV) Margens Vegetadas (MNOC) Margens Não Ocupadas por Casas
293
Considerando a retirada da barragem Epaminondas Ramos como uma possível
ação adicional de requalificação fluvial, dado ela se encontra assoreada e desativada, o
resultado para os Cenários de Requalificação Fluvial e Requalificação Fluvial +
Drenagem Sustentável seria o apresentado na Tabela 9.7. A única modificação
introduzida no índice seria a restituição da conectividade longitudinal.
Tabela 9.7: Resultados para o REFLU considerando Cenários sem a barragem.
Requalificação Fluvial (REFLU = 0,69) RF + Drenagem Sustentável (REFLU = 0,75)
Indicador
Subíndice
Indicador
Subíndice
P
0,36
P
0,54
EGB
EGB
0,61
0,70
S
0,86
S
0,86
CT
0,41
CT
0,41
CL
1
C
0,75
CL
1
C
0,75
CV
0,86
CV
0,86
MV
0,57
MV
0,57
SM
0,78
SM
0,78
MNOC
1,00
MNOC
1,00
MC
0,61
MC
0,76
Subíndices:
(EGB) Estado Geral da Bacia (C) Conectividades (SM) Situação das Margens (MC) Mitigação de Cheia
Indicadores:
(P) Permeabilidade (S) Condições de Saneamento (CT) Conectividade Transversal (CL) Conectividade
Lateral (CV) Conectividade Vertical (MV) Margens Vegetadas (MNOC) Margens Não Ocupadas por
Casas
Como se deve esperar, o REFLU, construído para medir ações de requalificação
fluvial como forma de melhoria do próprio ambiente fluvial, provê maior (e melhor)
valor, individualmente para o Cenário de requalificação fluvial. Nessa comparação, a
barragem, por ter ação efetiva apenas sobre os escoamentos, não consegue pontuar em
vários quesitos de análise. Na avaliação da capacidade de resgatar qualidade ao rio, a
barragem só seria competitiva no valor final do índice se a maioria absoluta dos
problemas de alagamento fosse por extravasamento e se as medidas de requalificação
fossem ineficazes neste aspecto. No caso da drenagem urbana sustentável, as ações de
reorganização do ciclo hidrológico aparecem com mais destaque e pontuam
positivamente na redução da impermeabilização da bacia e no controle de cheias, de
forma distribuída.
Na avaliação dos cenários combinados, a soma da Barragem + Requalificação
Fluvial não chega a produzir diferença no valor já obtido para o REFLU com o Cenário
de Requalificação Fluvial. Porém, a combinação de Drenagem Sustentável +
294
Requalificação Fluvial provê o melhor resultado para o rio, caminhando na direção da
hipótese formulada neste trabalho.
Destaca-se, porém, que a utilização prevista para este índice, na metodologia
descrita no Capítulo 5, não lhe atribui um poder decisional de forma isolada. Ele é um
dos elementos propostos para uma avaliação mais ampla das possíveis alternativas de
projeto e deve ser considerado conjuntamente com o IRC, com os mapas de alagamento,
com os processos históricos de ocupação da bacia e a compreensão das causas que
levaram ao desequilíbrio na relação entre as águas pluviais e a cidade. Entretanto, o
REFLU traz um elemento novo para esta discussão, que procura apontar alternativas
que melhor resgatem as características e a qualidade do sistema fluvial no ambiente
urbano.
Por fim, observa-se que, na sequência destes resultados e seguindo a
metodologia proposta, novas rodadas de ação integrada e multidisciplinar, entre
profissionais de Engenharia Civil e Ambiental, Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo,
poderiam levar a ajustes e modificações de projeto para reduzir ainda mais o risco,
melhorar a qualidade do sistema fluvial e resgatar o rio para o convívio saudável com a
cidade. Outros profissionais, como biólogos, químicos, profissionais das ciências
sociais, da educação, da comunicação, entre outros, poderiam se agregar a essas
discussões, com papeis específicos.
295
10. Conclusão
10.1. Considerações gerais:
Essa Tese postulou a hipótese de que seria possível integrar técnicas
compensatórias em drenagem urbana com o projeto da cidade, atuando de forma efetiva
sobre os problemas críticos de cheias urbanas, em composições paisagísticas que
respeitam as vocações históricas e culturais de uma cidade, considerando este problema,
portanto, de forma multidisciplinar com profissionais da Arquitetura e Urbanismo, com
objetivo de produzir um desenvolvimento urbano mais sustentável e de baixo impacto
hidrológico. Essa condição, por sua vez, seria capaz de gerar condições apropriadas para
a utilização de medidas de requalificação de rios urbanos, para melhoria das condições
ambientais destes rios, resgatando um equilíbrio entre ambiente natural e construído e a
relação rio-cidade.
No contexto desta hipótese, o presente trabalho lançou o objetivo geral de
conjugar duas vertentes relacionadas ao controle de cheias, uma relativa ao
desenvolvimento do conceito de drenagem sustentável e outra relativa ao conceito de
requalificação fluvial, introduzindo a concepção de que a requalificação fluvial pode ser
uma alternativa chave em projetos urbanos sustentáveis. Assim, propôs-se construir um
quadro conceitual que conjugasse ações de controle de cheias urbanas, considerando as
necessidades da cidade propriamente ditas e a revitalização e valorização do espaço
urbano, bem como a utilização de conceitos de requalificação fluvial, garantindo, por
esse viés, também ganhos de qualidade para o ambiente do rio. Este quadro conceitual
também frisa a necessidade de migrar o conceito de requalificação fluvial do seu foco
no espaço fluvial mais diretamente conectado ao rio e passar esse olhar para a bacia
hidrográfica. Esse intento coaduna proximamente com a integração entre os conceitos
de drenagem sustentável e os de requalificação fluvial para o controle de alagamentos
em bacias urbanas, enquanto devolvendo qualidade aos ambientes urbano e natural.
A construção do quadro conceitual proposto partiu da consideração de que o
processo de urbanização, reconhecidamente, é um fator de degradação dos sistemas
fluviais, como pode ser largamente observado na literatura. Para dar forma à discussão
proposta nesta Tese, foi estudado o caso do Rio Dona Eugênia, em Mesquita, estado do
Rio de Janeiro, que sofre com problema de cheias urbanas, degradação do rio e do
296
espaço urbano, considerando a bacia como um todo. O efeito da urbanização sobre a
degradação do funcionamento de uma bacia hidrográfica pôde ser ratificado pela
observação do cenário urbano passado, construído para a representação da situação de
alagamentos em 1970, quando comparado com a situação atual, que é muito mais crítica
nesse aspecto. No cenário passado, verificou-se a ausência de alagamentos nas áreas não
urbanizadas – fato emblemático, que mostra o efeito da urbanização. Além disso,
explorando esse contexto, propôs-se avaliar também como teria sido a situação atual de
alagamentos na cidade de Mesquita, se esta tivesse crescido de forma mais ordenada,
com preocupações de controle da impermeabilização durante o processo de
urbanização. Esse cenário hipotético, chamado de “Desenvolvimento Sustentável”, teria
conseguido reduzir o problema atual. Esses três primeiros cenários, “Situação Atual”,
“Passado” e “Desenvolvimento Sustentável”, foram objeto de modelação matemática
através do modelo hidrodinâmico MODCEL. Para o cálculo dos alagamentos, foram
considerados dois tempos de recorrência de chuva distintos, de 25 e de 100 anos, que,
por hipótese, foram considerados equivalentes aos tempos de recorrência das vazões de
projeto geradas por estas chuvas.
Na sequência da construção deste quadro conceitual, propôs-se, então, conjugar
os conceitos de requalificação e a drenagem urbana sustentável como um binário capaz
de tratar adequadamente o problema de cheias urbanas, enquanto resgatando valor para
a cidade e melhorando a qualidade do sistema fluvial. Destaca-se que o palco de atuação
para essas proposições deve ser a própria bacia hidrográfica, ultrapassando os limites
administrativos municipais. A requalificação fluvial pode prover importante auxílio para
o controle de cheias, principalmente pela recuperação de áreas de armazenagem e
reconexão do rio com suas planícies de inundação. Porém, no ambiente muito
modificado de uma bacia urbanizada, a requalificação fluvial, com medidas associadas à
faixa fluvial, precisa contar com medidas adicionais de suporte, associadas à própria
necessidade de recuperar características do ciclo hidrológico em nível de bacia. Nesse
contexto, a lógica de atuação distribuída, com medidas de controle de escoamento na
fonte, surge como uma possibilidade complementar importante para dar sustentação ao
conceito de requalificação fluvial.
Essa composição foi proposta e verificada, através de um processo comparativo
que utilizou três ferramentas principais: o modelo MODCEL, para produzir os mapas de
alagamento; o Índice de Risco de Cheias, IRC, para combinar os efeitos da inundação
com suas consequências socioeconômicas; e um novo índice para avaliação da
297
qualidade do sistema fluvial, construído nesta Tese e chamado de Índice de
Requalificação
Fluvial
Urbana,
REFLU.
Adicionalmente,
uma
verificação
complementar, de caráter fundamental no contexto desta Tese foi realizada: foi proposta
a introdução de uma escala de resiliência para medir o quanto uma determinada solução
é capaz de se sustentar, no longo prazo, dadas condições adversas, distintas daquelas de
projeto. Essa escala, basicamente, mede o quanto os resultados obtidos com o projeto
proposto se reduzem, na presença da situação adversa introduzida, e o quanto eles ainda
são importantes nesta situação adversa, quando comparados com a não realização de
intervenção alguma. Nesta Tese, a situação adversa concebida refere-se a um processo
de urbanização descontrolado, levando à saturação urbanística e a elevados índices de
impermeabilização do solo (90%).
O cenário resultante da composição do quadro conceitual montado, então, foi
verificado, primeiro, para cada conceito em separado, depois estes foram comparados
com uma medida tradicional, associada à barragem proposta para a bacia, no Projeto
Iguaçu, tomada como referência, e foram, por fim, combinados em sequência. Assim,
foram desenvolvidos mais 5 cenários distintos: Barragem, Drenagem Urbana
Sustentável, Requalificação Fluvial, Requalificação Fluvial + Drenagem Urbana
Sustentável e Requalificação Fluvial + Barragem. Para o cálculo dos alagamentos,
foram considerados, novamente, os tempos de recorrência de 25 e de 100 anos. O tempo
de 25 anos se refere à recomendação do Ministério das Cidades para a macrodrenagem
(principal objeto de avaliação nesta Tese), enquanto o tempo de 100 anos se refere a
uma recorrência que introduz a expectativa de falha das obras propostas, inclusive aa
barragem, que, por concepção de projeto, no contexto do Projeto Iguaçu, teve seu
dimensionamento realizado para amortecer a cheia de 25 anos, mas foi verificada para
uma cheia de 50 anos de tempo de recorrência, ainda sem vertimento, porém, sem borda
livre.
Em linhas gerais, a proposta conceitual da conjugação da requalificação fluvial
com a drenagem urbana sustentável se mostrou eficaz na redução das manchas de
alagamento, na redução do risco e no resgate de características do sistema fluvial, com
benefícios para o próprio rio e para a cidade, e, ainda, apresentando maior resiliência,
conforme escala concebida nesta Tese, como será detalhado no sumário de resultados
apresentado na sequencia desta conclusão. Deve-se destacar, porém, como observação
pertinente à utilização de modelos, que os resultados são condicionados pelas
simplificações e hipóteses introduzidas e sempre devem ser analisados a luz destas
298
limitações, conjugadas com a análise local da realidade em estudo e do conhecimento
técnico pertinente. Deve-se destacar, ainda, que a avaliação comparativa tende a ser um
insumo mais importante para a tomada de decisão do que os números absolutos obtidos,
cuja precisão é mais difícil de definir. A avaliação de ganhos pela análise dos resultados
relativos é uma informação mais confiável, de forma geral, em qualquer processo de
modelagem.
Completando o quadro conceitual proposto, destaca-se a necessidade deste
projeto integrado (de requalificação fluvial + drenagem urbana sustentável) ser
discutido e construído em um processo multidisciplinar, com a participação de
Arquitetos, Urbanistas e Paisagistas, de forma a introduzir uma análise transversal, que
reconheça as necessidades da cidade e o processo histórico de sua evolução, avalie as
questões de ordenação do uso do solo e incorpore propostas de solução para os
problemas habitacionais, sempre críticos na realidade brasileira, e considere ainda os
aspectos culturais associados às comunidades que convivem com o rio, de forma que o
desenho final de projeto possa ser apropriado por estas comunidades. Essa composição
busca gerar aceitação e adoção, pela sociedade, das medidas propostas, de modo a
integrar a cidade com o rio e sua bacia, dando sustentabilidade à solução desenvolvida.
Sob o ponto de vista prático, nesta Tese, houve uma interação importante entre o
grupo de Águas Urbanas do Laboratório de Hidráulica Computacional, da
COPPE/UFRJ e o grupo de Arquitetura Paisagística, do PROURB/UFRJ. Em particular,
como resultado dessas interações, uma mestranda profissional da Arquitetura
Paisagística, entre outras coisas, desenvolveu, em nível de projeto urbano e da
paisagem, as soluções de controle de cheias propostas nesta Tese, no contexto,
principalmente, das soluções de requalificação fluvial urbana, dando forma às propostas
estudadas, para equacionamento da relação ‘Água e Cidade’.
Perseguindo os objetivos propostos inicialmente nesta Tese, considerando
também o detalhamento referente aos objetivos específicos formulados, cabe destacar
como produto deste trabalho a proposição de um conjunto de procedimentos gerais,
como sugestão para a abordagem do problema de controle de cheias em outras bacias
urbanas, de forma a gerar uma linha de ação que poderia se tornar uma alternativa de
referência para decisões de projeto de controle de cheias urbanas. Esta proposição,
formulada no Capítulo 5, foi considerada adequada, conforme aplicação realizada no
caso de estudo, e é ratificada nesta conclusão, sendo transcrita nos passos abaixo, para
marcar sua presença entre as conclusões gerais aqui desenhadas:
299

Definição de cenário passado de referência;

Diagnóstico da situação atual;

Cálculo do índice de risco de cheia atual, como medida de quantificação de
danos gerados pelos alagamentos na situação atual, tomada como referência para
a avaliação das propostas de intervenções;

Cálculo do estado atual do rio pela aplicação do índice de requalificação fluvial,
também como referência de partida;

Avaliação do diagnóstico da situação atual, de forma multidisciplinar, por
profissionais de engenharia, arquitetura e paisagismo, para integração de ações
de controle de cheias, valorização urbana e composição da paisagem – nessa
composição é importante reorganizar escoamentos, valorizar ações de infiltração
e armazenagem, criar áreas de recreação e lazer, integrar essas áreas com
oportunidades de valorização das paisagens naturais, reorganizar a ocupação de
áreas de risco, criando alternativas de habitação viáveis e sustentáveis;

Geração de alternativas de controle de cheia, a partir da avaliação anterior,
introduzindo o cenário de requalificação fluvial combinado com ações de
drenagem sustentável distribuídas na bacia, mas sempre articulando essas
propostas com aspectos de arquitetura, urbanismo e paisagismo;

Recálculo do índice de risco de cheia para avaliação da eficácia dos controles
propostos;

Recálculo do índice de requalificação fluvial para avaliação da melhora no
estado de conservação do rio;

Avaliação da solução proposta em termos de resiliência;

Ajustar variáveis de projeto até obter valores satisfatórios para alagamentos,
riscos de cheias e requalificação fluvial, em um processo interativo.
Deve-se acrescentar que esse conjunto de procedimentos não depende, por
conceito, das ferramentas utilizadas especificamente neste trabalho. Nesta Tese, a
modelagem hidrodinâmica, o cálculo do risco, da melhora da qualidade fluvial e da
resiliência deixam sugestões específicas que, entretanto, podem ser adaptadas ou
substituídas por outras ferramentas. Não há impedimento, na adaptação da metodologia,
por exemplo, que o modelo MODCEL seja substituído por outra ferramenta
computacional, como um modelo 2D, por exemplo.
300
10.2. Considerações específicas:
Nesse tópico, procura-se resgatar os principais resultados e conclusões obtidas
no desenvolvimento da Tese. A metodologia proposta foi aplicada em oito cenários
distintos, relacionados, como já mencionado antes, com a bacia do rio Dona Eugênia e a
cidade de Mesquita. Esses cenários foram: Situação Atual, Passado (1970),
Desenvolvimento
Sustentável,
Barragem,
Drenagem
Urbana
Sustentável,
Requalificação Fluvial, Requalificação Fluvial + Drenagem Urbana Sustentável e
Requalificação Fluvial + Barragem. Para o cálculo dos alagamentos, foram
considerados dois tempos de recorrência distintos, de 25 e de 100 anos.
Nas condições atuais, o problema de cheias na bacia do Rio Dona Eugênia, e que
atinge parte importante do município de Mesquita, é bastante crítico. Além dos relatos
de inundações frequentes, a modelagem matemática desenvolvida nesta Tese apresentou
áreas importantes embaixo d’água, com lâminas de alagamento entre 0,75m e 1,25m
considerando tempo de recorrência de 25 anos e, em situação mais crítica, superior a
1,25m considerando uma recorrência de 100 anos. Foram identificados alguns pontos
críticos, em termos de alagamento, que estão na área central do município: a Prefeitura
Municipal de Mesquita e ao trecho em que o rio cruza a Linha Férrea (Avenida
Presidente Costa Silva). De forma geral, pôde-se concluir que tanto a macro quanto a
microdrenagem são, nas condições atuais, insuficientes. Além disso, a ocupação
irregular do solo, com habitações também irregulares ao longo da calha secundária em
determinados trechos do rio, e o alto grau de impermeabilização da parte urbana da
bacia contribuem, também, para intensificar a questão das cheias em Mesquita.
Além do cenário atual, mais outros dois cenários foram simulados para compor
o conjunto de informações básicas para a simulação dos cenários de projeto, conforme
já
adiantado
nas
considerações
gerais:
“Cenário
Passado
(1970)”
e
de
“Desenvolvimento Sustentável”. A partir desses cenários, foi possível concluir que se a
bacia tivesse se desenvolvido em condições consideradas sustentáveis, sua resposta, em
termos de alagamento, seria melhor do que a situação atual.
Mais outros cinco cenários foram simulados, no intuito verificar a hipótese
inicial apresentada no Capítulo 1. O cenário principal de trabalho, associado a esta
hipótese, conjugando requalificação fluvial e drenagem urbana sustentável, apresentou o
rio quase sempre contido na calha, com exceção de apenas um ponto, próximo à Linha
Férrea, em que há pequeno extravasamento. Em termos de resposta da bacia, pode-se
301
dizer que os resultados obtidos foram positivos, eliminando vários pontos de
alagamento e diminuindo a lâmina d’água em vários outros pontos. A proposta realizada
nesta Tese (Requalificação Fluvial + Drenagem Urbana Sustentável) configurou-se
como a melhor, dentre as soluções testadas, para resgatar a qualidade do rio e da bacia
do Dona Eugênia. Como será visto na sequencia, essa conclusão é resultante da
observação dos índices IRC e REFLU, bem como da escala de resiliência proposta.
Como já mencionado anteriormente, os alagamentos mapeados para a bacia do
Rio Dona Eugênia são resultado, principalmente, de falhas na micro e na
macrodrenagem. A informação relativa às propriedades das inundações é o ponto de
partida para calcular o risco, combinando seus efeitos com as suas consequências sobre
o sistema. O problema nas áreas consideradas críticas pode ser resolvido com medidas
que foquem tanto na mitigação de inundações ou na redução da exposição e
vulnerabilidade. O impacto dessas medidas foi simulado com o IRC (Índice de Risco de
Cheias) e os resultados obtidos são apresentados, de forma resumida, na Tabela 10.1.
Poucos dados relacionados com a análise de risco de cheias ou avaliação dos danos das
cheias estão disponíveis para esta região, assim como para a maior parte do território
brasileiro. Entretanto, o IRC conseguiu quantificar o risco de cheias pela integração de
vários fatores, expressos por indicadores facilmente disponíveis agregados em uma
formulação simples. Observa-se, porém, a fragilidade dos dados de saneamento
advindos do IBGE, que mostra, em teoria, uma situação de saneamento muito mais
positiva do que aquela que se vê na prática. Os resultados obtidos, de forma geral,
permitiram calcular, identificar, e comparar áreas críticas, assim como simular o
impacto das medidas de controle de cheias propostas nos diversos cenários avaliados.
A estrutura do IRC, por concepção, é suficientemente flexível para expressar
diferentes percepções de risco de cheias, assim como as decisões dos gestores,
consultores ou da população, tanto pela variação dos pesos, como pelo conjunto de
indicadores escolhidos. Entretanto, deve-se ressaltar que esta Tese utilizou pesos
decididos em comum acordo entre orientadores e autora, ou propostos anteriormente por
Zonensein (2007). Essa é uma lacuna que deve ser preenchida em trabalhos futuros: a
definição de um procedimento para a sugestão de pesos e a análise da sensibilidade do
índice a diferentes conjuntos de pesos.
Considerando os resultados obtidos para o IRC, na formulação adaptada para
esta Tese, os problemas críticos na Bacia do Rio Dona Eugênia estão restritos a áreas
302
particulares e importantes, como o centro de Mesquita, enquanto que a maior parte da
bacia poderia ser classificada como de risco médio baixo.
O Cenário que combina medidas de Requalificação Fluvial com as de Drenagem
Sustentável foi o que indicou resultados melhores para o IRC para o centro do
município. As medidas introduzidas tendem a tratar o problema de forma integrada,
focando em ações distribuídas, para resgatar, dentro do possível, a capacidade de
infiltração e de armazenamento da bacia, bem como as funções hidráulicas do rio e
áreas de armazenamento. O desenvolvimento urbano deve ser realizado considerando
baixos impactos hidrológicos e a ocupação do solo deve também ser controlada, com o
objetivo de minimizar a degradação da bacia como um todo.
Tabela 10.1: Resultados do IRC para a Bacia do Rio Dona Eugênia e para o Centro de
Mesquita, considerando TR 25 e 100 anos.
Bacia
Centro
Cenário
TR 25
TR 100
TR 25
TR 100
Situação Atual
21,9
25,9
38,0
43,9
Barragem
19,6
22,8
24,9
28,6
Drenagem Sustentável
14,4
19,5
32,1
39,4
Requalificação Fluvial
17,8
22,1
21,7
27,6
RF + Barragem
17,4
20,9
19,4
22,4
RF + Drenagem Sustentável
10,4
15,2
15,3
22,6
Uma observação importante, e que cabe destacar, é que a medida que
isoladamente reduziu mais os riscos na bacia foi a drenagem urbana sustentável Por
outro lado, esta é a medida de pior resultado na região central. Isso mostra que, no
contexto da bacia, que ainda não apresenta uma criticidade alta de risco, as ações
distribuídas são muito eficazes. Na região central, já crítica e afetada por grandes
extravasamentos de calha, a atuação local, na fonte, mostrou-se menos capaz de
reorganizar os escoamentos, sendo necessária uma intervenção de maior escala para
amortecer os escoamentos.
O índice de Requalificação Fluvial Urbana, REFLU, proposto nesta Tese, com a
finalidade de indicar o estado do sistema fluvial urbano, gerou como resultados os
valores apresentados na Tabela 10.2. Destaca-se, também aqui, que os pesos adotados
para o REFLU foram objeto de definição entre orientadores e autora da Tese. Essa
303
primeira escolha, na maioria das vezes, optou por uma divisão equânime de pesos,
sendo necessários trabalhos posteriores de avaliação destes, com uma visão mais crítica
a partir destes primeiros resultados, para uma proposta de pesos mais consistentes.
Também aqui, como já proposto para o IRC, uma análise de sensibilidade é desejável.
Tabela 10.2: Resultados do REFLU para a Bacia do Rio Dona Eugênia.
Cenário
REFLU
Situação Atual
0,46
Barragem
0,48
Drenagem Sustentável
0,53
Requalificação Fluvial
0,61
RF + Barragem
0,64
RF + Drenagem Sustentável
0,66
O Cenário que engloba as soluções de Requalificação Fluvial e Drenagem
Urbana Sustentável foi o que apresentou melhor resultado para o resgate de qualidade
para o rio, comprovando a hipótese de trabalho. Contudo, este índice não deve ser
utilizado de forma isolada. Como o REFLU foi construído para mapear ações de
requalificação fluvial, era esperado este resultado. Entretanto, o REFLU não foi pensado
como elemento decisor isolado. Ele é uma informação complementar, adotado em uma
sistemática integrada, que visa mapear resultados mais positivos para a cidade e para o
rio. Assim, ele deve ser utilizado, da mesma forma como feito nesta Tese: em conjunto
com o IRC, com as manchas de alagamento, com o reconhecimento dos processos
históricos de ocupação da bacia e a compreensão das causas do desequilíbrio na mesma.
Adicionalmente, a avaliação da escala de resiliência aponta os resultados obtidos
na Tabela 10.3. Conforme observado nesta escala, mais uma vez a combinação do
Cenário que contém Requalificação Fluvial e Drenagem Urbana Sustentável mostra-se
favorável, sugerindo que esta solução consegue controlar cheias, recuperar a qualidade
fluvial e, conforme estes resultados, produzir também uma cidade mais resiliente.
O desenho de projeto final mais adequado, porém e provavelmente, na escala
daquilo que é real, será composto por um conjunto de intervenções, de diferentes
concepções, combinadas para cumprir uma série de objetivos técnicos, econômicos,
sociais e políticos. A divisão conceitual dos cenários propostos nesta Tese se adequa à
sustentação da discussão, também conceitual, sobre como abordar os problemas de
304
cheia em uma cidade e como cada abordagem age, contribui e interage com a própria
cidade. No caso do Rio Dona Eugênia, por exemplo, é provável que a barragem,
projetada no contexto do Projeto Iguaçu (que é muito eficaz no controle dos
escoamentos do rio, mantendo-os com folga em calha) e que deve ser financiada pelo
Programa de Aceleração do Crescimento, seja implantada. Isso, porém, não invalida
ações de requalificação fluvial, que poderiam ser utilizadas conjuntamente com uma
política habitacional para relocação das ocupações das margens e prover espaços livres
para a população, tanto na forma de parques urbanos ou naturais, conectado com a
reserva existente a montante.
Tabela 10.3: Resultados – Escala de Resiliência.
Bacia
Cenário
Futuro
Centro
Futuro
TR 25
Sat. Urb.
TR25
Escala de
resiliência
(0 a 1)
Situação Atual
21,9
28,6
-
38,0
46,6
-
Barragem
19,6
25,9
0,06
24,9
32,9
0,20
Drenagem Sustentável
14,4
19,4
0,21
32,1
38,5
0,14
Requalificação Fluvial
17,8
22,9
0,14
21,7
26,5
0,34
RF + Barragem
17,4
22,4
0,15
19,4
23,9
0,37
10,4
14,5
0,30
15,3
18,7
0,47
Presente
RF + Drenagem
Sustentável
Presente
TR 25
Sat. Urb.
TR25
Escala de
resiliência
(0 a 1)
Adicionalmente, ações tradicionais focadas na adequação da rede de
microdrenagem seriam fundamentais para tratar os excedentes superficiais. Entretanto,
essa ação lança mais água no rio, que precisa estar preparado para tal. Nesse contexto, as
medidas de controle na fonte, que vêm do conceito de drenagem urbana sustentável,
seriam muito úteis e efetivas. Seria utopia, porém, pensar em um programa público
imediato de larga escala ou imaginar uma adesão voluntária maciça dos proprietários de
lote. Mas seria factível introduzir controles legais para futuras construções, ordenar o uso
do solo para futuros desenvolvimentos e, eventualmente, prevenir incentivos fiscais para
antigas construções se adaptarem. Seria um trabalho estruturante de longo prazo, somado
aos demais. Todas essas ações, ainda, deveriam ser regradas pela capacidade de
investimento, que certamente demandaria um escalonamento no tempo para o seu
305
equacionamento econômico-financeiro. Nesse contexto, acredita-se que a metodologia
proposta adiciona valor à discussão, tratando facetas do ambiente natural e construído em
paralelo, procurando dar indicadores quantitativos para orientação das decisões e
desenhos de projeto.
10.3. Contribuições
O desenvolvimento desta Tese permitiu o estabelecimento de novas parcerias e
alianças, tais como, entre dois programas de Pós-Graduação da UFRJ, os Programas de
Engenharia Civil da COPPE/UFRJ e o de Urbanismo, da FAU/UFRJ. Além disso,
também permitiu a aliança da UFRJ com instituições internacionais, como o Centro
Italiano de Requalificação Fluvial (CIRF), na Itália, e a Universidade Politécnica de
Madri (UPM), na Espanha.
A Tese deixa como contribuição para a comunidade e os residentes locais a
proposta de recuperação da qualidade ambiental do Rio Dona Eugênia, com redução do
risco de cheias no município de Mesquita e a valorização do ambiente urbano, através
da constituição de um sistema de espaços livres públicos que visem a melhoria da
qualidade da infraestrutura urbana e a aproximação da população com os recursos
naturais.
Em termos de inovação e criatividade, destaca-se a aplicação de conceitos
inovadores, pouco difundidos no Brasil, tais como: Requalificação Fluvial, Projeto
Urbano Sensível à Água e Paisagens Multifuncionais. Além disso, a explicitação da
bacia hidrográfica como referência para a requalificação fluvial urbana foi um
diferencial nas discussões usualmente dedicadas a este tema, com origem na
requalificação de bacias mais rurais.
Por fim, pode-se concluir que a integração entre equipes multidisciplinares, no
âmbito da Engenharia, Arquitetura e do Paisagismo fortificam a capacidade para
transformar visões partilhadas em projetos realizáveis.
10.4. Recomendações
De uma forma geral, a metodologia proposta mostrou-se eficiente, mas seria
importante desenvolver novas aplicações, para realizar a consolidação da abordagem
proposta, com a utilização desta metodologia em casos similares. Essa replicação
306
ajudará a consolidar as propostas e a identificar elementos que eventualmente precisam
de adaptação. Além disso, uma questão crucial na utilização de índices trata da
definição dos pesos envolvidos na ponderação de seus indicadores e, eventualmente,
subíndices. Nesta Tese, dois índices foram utilizados como pilares da análise, um
envolvendo a estimativa do risco, adaptado do trabalho de Zonensein (2007), outro
original, para avaliação da efetividade da requalificação fluvial. Respectivamente, são o
IRC e o REFLU. Uma recomendação importante para o desenvolvimento e
consolidação do uso destes índices e de sua incorporação na metodologia proposta
envolve uma avaliação crítica dos pesos escolhidos e uma análise de sensibilidade para
estes pesos, para verificar a robustez e coerência da proposta efetuada.
Uma questão de partida, já aqui levantada como objeto de primeira verificação,
no que diz respeito ao REFLU, cujo desenvolvimento é original, trata da questão das
conectividades. Após a aplicação do índice, uma pergunta recorrente se destinou à
avaliação da importância relativa das 3 conectividades. A conectividade transversal
parece, em princípio, mais importante que as demais, especialmente em um contexto em
que o controle de cheias aparece como motivador para a discussão e para a combinação
das técnicas de requalificação e drenagem urbana sustentável.
Outras duas possibilidades que se colocam, e que merecem investigação
posterior específica, se referem à questão da morfologia e da qualidade da água, ambas
consideradas pilares fundamentais da requalificação e aqui tratadas de forma indireta. A
morfologia foi considerada apenas superficialmente, assumindo-se que um rio não
revestido e com conectividade lateral teria espaço de movimentação. Isso pode ser
suficiente em grande parte para ambientes urbanos, com grandes limitações e pequenos
rios, mas pode ser insuficiente para rios maiores que passam pela cidade, mas que têm
uma bacia importante e de maior espectro espacial, quando comparado ao espaço da
cidade. A qualidade da água, por sua vez foi associada a condições de saneamento, em
vez de diretamente avaliada, o que pode ser revisto ou complementado em versões
posteriores.
Em relação ao REFLU, sugere-se ainda a incorporação de um subíndice que
indique o ganho de áreas verdes e/ou livres para a cidade, como resultado positivo
urbano, além do resultado positivo para o sistema fluvial, dado que este índice é de
requalificação fluvial urbana. Essa sugestão busca refletir esse importante ganho para a
cidade, cujo efeito na formulação atual não aparece. Essa percepção veio junto com a
307
observação final das propostas de projeto que, na prática, trouxeram vários novos
parques e áreas de lazer para a comunidade.
Outra lacuna percebida depois de desenvolvido o trabalho, e que fica como
recomendação subsequente, se refere a ausência da simulação hidrodinâmica de uma
chuva de projeto de menor tempo de recorrência, (5 ou 10 anos), que seria compatível
com a verificação do funcionamento da bacia em nível de microdrenagem. Como a
microdrenagem tende a ser dimensionada para tempos menores – tempos de 10 anos são
típicos no estado do Rio de Janeiro e recomendados especificamente na cidade do Rio
de Janeiro, a utilização de um tempo de 25 anos como tempo de referência já começa
por penalizar estas redes, que falham. Para ter um quadro mais completo, a introdução
deste cenário, com um tempo de recorrência menor é desejável.
Seria fundamental, ainda, avançar com a metodologia também no sentido de
incorporar uma análise econômica para avaliação das alternativas de projeto.
Em relação ao estudo de caso do Rio Dona Eugênia, em específico, sugere-se a
realização de levantamentos adicionais de campo, especialmente de topografia,
sedimentologia, cadastro de redes e qualidade da água. Esses levantamentos devem ser
levados em consideração para o aprimoramento do estudo, de forma geral, e seu
desdobramento em um projeto real. Ainda em relação ao levantamento de informações,
destaca-se a necessidade de uma avaliação mais realista da situação de saneamento,
além dos dados obtidos a partir de informações do IBGE. Um ponto de partida para essa
consideração pode ser o banco de dados do Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS).
Outra atuação desejável seria a revisão do Plano Diretor Urbano de Mesquita,
para sua complementação, a partir das lições aprendidas com este trabalho.
Como complementação do trabalho realizado, sugere-se a execução de ações
junto à comunidade local, tais como reuniões de esclarecimento e apresentação de
projeto, coleta de sugestões, revisões de projeto para incorporar as sugestões realizadas
e ações de educação ambiental. Essa relação com a comunidade para ajuste do projeto,
hoje não contemplada na metodologia proposta, seria um importante elemento na
aceitação dessas medidas pela população.
308
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330
ANEXO
331
Anexo 1
Pesquisa de Campo – Rio Dona Eugênia (PROURB/UFRJ, 2011)
332
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
PROURB - Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
Pesquisa de campo - Rio Dona Eugênia - Mesquita
1. Área:
14. Trabalha?
1. Sim
2. Nº do questionário:
2. Não
15. Principal ocupação:
3. Município:
16. Quantas pessoas contribuem com
as despesas fixas mensais desta
residência?
4. Entrevistador responsável:
17. A renda total mensal de sua família
é de:
Valor ex. 1500
5. Nome do entrevistado:
Pode ser anônim o e se este for o caso, num erar.
18. Quantos cômodos servem de
dormitório neste domicílio?
19. Quantos banheiros tem este
domicílio?
6. Endereço domicílio:
20. Onde se localiza o banheiro?
1. Dentro da casa
2. Fora da casa
7. Quantas famílias vivem neste
domicílio?
21. Tipo de residência:
1. Casa
2. Casa em vila
4. Sobrado
5. Outros
8. Quantas pessoas vivem neste
domicílio?
9. Sexo da pessoa:
1. Homem
3. Apartamento
22. Se 'Outros', defina:
2. Mulher
23. Quantas casas possui este
terreno?
10. Idade 1ª pessoa:
11. Posição na família:
1. Responsável pela família
3. Filho(a)/enteado(a)
5. Neto(a)/bisneto(a)
7. Primo(a)
9. Cunhado(a)
11. Agregado(a)
2. Cônjuge
4. Pai/mãe/sogro(a)
6. Irmão/irmã
8. Tio(a)
10. Outro parente
12. Grau de instrução:
1. não estudou
2. até 3 anos de estudo
3. elementar ou primário
4. ensino fundamental ou 1º grau
5. ensino médio ou 2º grau
6. ensino superior ou 3º grau
7. pós-graduação lato sensu ou especialização
8. pós-graduação stricto sensu ou mestrado/doutorado
9. curso técnico
24. Este domicílio é?
1. Próprio
2. Alugado
4. Ocupado
5. NS/NR
3. Cedido
25. Se for próprio, qual o valor
atualizado aproximado deste
imóvel?
26. Se for alugado, qual o valor do
aluguel?
27. Há quanto tempo mora nesta
cidade?
28. Há quanto tempo você mora neste
bairro?
29. Há quanto tempo você mora neste
domicílio?
30. Qual o principal fator considerado na escolha deste bairro?
13. Continua estudando?
1. Sim
2. Não
333
31. O que você acha de morar aqui?
32. O que você mais gosta do lugar onde você mora?
Considerar os critérios de: acessibilidade, casa própria, tranquilidade,
vizinhança, serviços em geral, transportes, lazer, segurança,
33. Você considera que o bairro está:
1. Melhorando
2. Mantendo-se na mesma situação
3. Piorando
4. Não sabe
5. Outros
34. De acordo com a sua resposta anterior, explique por que:
Questione sobre os seguintes aspectos: infra-estrutura, equipam entos,
segurança e transportes.
35. Quais os 2 principais problemas do seu bairro?
Considerar: violência, falta de (equipam entos), o valão, vizinhança,
enchente, m osquitos, lixo
36. Quais os problemas ambientais que você identifica no seu
bairro?
37. Você acha que em relação ao resto da cidade seu bairro
está numa situação ambientalmente favorável ou
desfavorável?
1. Favorável
2. Desfavorável
3. Não sabe
43. Caso o domicílio seja servido pelo sistema de abastecimento
d'água, com que frequência a água entra nas casas?
1. Todo dia
2. Dia sim, dia não
3. Duas vezes por semana
4. Uma vez por semana
5. Não sabe
44. A água entra na sua casa de dia ou a noite?
1. De dia
2. De noite
3. Ambos
4. Não sabe
45. Existe variação no abastecimento entre verão e inverno?
1. Sim
2. Não
46. A quantidade de água que entra é?
1. Suficiente para as necessidade diárias da família
2. Insuficiente para as necessidades diárias da família
3. Não sabe
47. Costuma faltar água na sua casa?
1. Sim
2. Não
4. De vez em quando
5. Não sabe
3. Sempre
Caso não, Questão nº 49.
48. Que tipo de problema você identifica relacionado à falta de
água?
1. Dificuldade para limpar a casa
2. Dificuldade para lavar a roupa
3. Dificuldade para higiene pessoal
4. Problemas de saúde
5. Nenhum
6. Não falta água
7. Não sabe
Caso haja problem as de saúde vá para a Questão nº 48. Caso não, vá
para a Questão nº 49.
49. Caso tenha identificado problemas de saúde relacionados à
falta d'água, quais seriam?
38. Quais as situações de risco que você enfrenta no seu
bairro?
39. Você gostaria de se mudar?
1. Sim
2. Não
Caso não, pule para a Questão nº41.
40. Porque você gostaria de se mudar?
50. Onde é armazenada a água?
1. Caixa d'água tradicional coberta
2. Caixa d'água improvisada
3. Cisterna
4. Outros tipos de recipientes
5. Não sabe
51. Você faz a limpeza da caixa d'água com que frequência?
41. Caso prefira morar em outro lugar, o que o impede?
52. Como é a água que chega até a sua casa com relação à cor?
1. Transparente
2. Turva
3. Não sabe
42. Qual(is) as formas de abastecimento de água da sua casa?
1. Abastecimento por rede oficial (CEDAE)
2. Ligação feita por você ou pela comunidade
3. Poço ou nascente
4. Outro sistema
5. Não sabe informar
Caso som ente poço, pular para Questão nº 51
334
53. Você costuma filtrar ou ferver a água?
1. Filtra
2. Ferve
3. Filtra e ferve
4. Compra água para beber
5. Nenhuma das duas
6. Não sabe
54. Como é a pressão da água que entra na sua casa?
1. Forte
2. Fraca
3. Utiliza bomba
4. Não sabe
55. Existe variação da pressão da água ao longo do dia ou em
dias diferentes?
1. Sim, ao longo do dia
2. Sim em dias diferentes
3. Não
4. Não sabe
56. Você paga conta de água?
1. Sim
2. Não
3. Não recebe
4. Não sabe
57. O valor que você paga de conta varia a cada mês?
1. Sim
2. Não
3. Não sabe
58. A sua casa tem hidrômetro (medidor de água)?
1. Sim
2. Não
3. Não sabe
59. Você sabe quem faz a manutenção do sistema de
abastecimento de água implantado no seu bairro?
1. CEDAE
2. Associação de Moradores
3. Prefeitura
4. A comunidade
5. Outra
6. Não sabe informar
60. Quando existem reclamações sobre o funcionamento do
sistema a quem se dirigem estas reclamações?
1. Ao D.A.E.
2. A CEDAE
3. A Prefeitura
4. A Associação de moradores
5. Não faz
6. Outros
7. Não sabe
61. Quais os tipos de sistema de evacuação de esgotos que
existem na sua casa?
1. Rede de esgotamento da CEDAE
2. Rede de drenagem
3. Rede de esgotamento construída pela comunidade
4. Fossas
5. Valas
6. Não sabe
62. O sistema de esgotamento existente funciona de maneira:
1. Satisfatória, raramente apresenta problemas
2. Regular, com alguns problemas que são resolvidos
pouco a pouco
3. Precária com problemas frequentes
4. Precária, mas funciona
66. Existem problemas de entupimento das tubulações de
esgoto?
1. Sim
2. Às vezes
3. Frequentemente
4. Não ou rarissimamente
5. Não, apesar de precária
6. Não sabe
67. Quem faz a manutenção da rede de esgoto resolvendo
problemas de entupimento das tubulações?
1. A Prefeitura
2. A CEDAE
3. A Associação de moradores
4. Os Moradores da rua
5. Ninguém
6. Não sabe
68. Quando existem reclamações sobre o funcionamento do
sistema de esgoto a quem são dirigidas estas reclamações?
1. Ao D.A.E.
2. A CEDAE
3. A Associação de moradores
4. Não faz
5. Não sabe
6. Outros
69. Se 'Outros', defina:
70. Você sabe informar qual o destino dos esgotos coletados
pelo sistema na sua rua?
1. Sim
2. Não
Caso não, vá para a Questão 71.
71. Se sim, qual o destino?
1. Rede de águas pluviais do bairro
2. Rede de esgotamento do bairro
3. Valão
4. Rio
5. Outros
72. Quais os problemas relacionados à ausência ou à
precariedade do sistema de escoamento de esgotos?
1. Mau cheiro
2. Proliferação de insetos e outros animais nocivos
3. Contaminação da água para abastecimento
4. O esgoto retorna para a casa ou para o quintal quando
enche
5. Doenças
6. Não existem problemas
Caso não haja doenças, vá para a Questão nº 73.
73. Quais as doenças decorrentes do mau funcionamento da
coleta de esgotos?
Caso satisfatória ou Regular, vá para Questão nº 65.
65. Se a resposta for precária com problemas frequentes, quais
seriam estes problemas?
335
74. Como é feita a retirada de lixo de sua casa?
1. Caminhão passa na porta e recolhe o lixo
2. Você leva o lixo até a caçamba
3. Leva o lixo até um local de coleta
4. Joga em um terreno baldio ou canal dentro do território
da comunidade
5. Joga em um terreno baldio ou fora do território da
comunidade
6. É coletado pelo gari comunitário
7. Coleta seletiva
Você pode m arcar diversas casas.
75. Se existe coleta domiciliar, com que frequência é feita?
1. Três vezes por semana
2. Duas vezes por semana
3. Uma vez na semana
4. Menos de uma vez na semana
5. Muito irregular
6. Não sabe
76. Existe algum sistema de limpeza das ruas e vias públicas?
1. Sim
2. Não
77. Quais os problemas relacionados à precariedade do
sistema de coleta de lixo?
1. Mau cheiro
2. Proliferação de insetos e outros animais nocivos
3. Contaminação da água para abastecimento
4. Doenças
Caso não haja doenças, vá para a Questão nº 78.
78. Quais as doenças relacionadas a falta de coleta de lixo ou
ao contato com o lixo?
83. Caso exista sistema de coleta de lixo na comunidade, a
quem são dirigidas as reclamações sobre o funcionamento
do sistema?
1. A Prefeitura
2. A Região Administrativa
3. Empresa de coleta
4. A Associação de moradores
5. A outros agentes
6. Não faz
7. Não sabe
84. Que outros agentes?
85. Algum membro da sua família já apresentou ou apresenta
uma das doenças abaixo listadas?
1. Diarréias e disenteria
2. Dengue
3. Febre tifóide
4. Leptospirose (rato)
5. Amebíase
6. Ascaridíase (lombriga)
7. Esquistossomose (parasita)
8. Malária
9. Cólera
10. Filariose (elefantíase)
11. Hepatite tipo A
12. Bronquite
13. Doenças de pele
14. Doenças do sistema cardiovascular
Você pode m arcar diversas casas.
79. Quando não existe coleta domiciliar, com que frequência é feita a retirada do lixo da caçamba?
1. Todo dia
2. Três vezes por semana
3. Duas vezes na semana
4. Uma vez na semana
5. Menos de uma vez na semana
6. Muito irregular
80. Quem faz a limpeza das ruas e vias públicas?
1. A Prefeitura
2. A Associação de moradores
3. Os próprios moradores
4. Outros
81. A casa tem lixão perto?
1. Sim
2. Não
82. Existem terrenos baldios próximos à sua casa?
1. Sim
2. Não
336
86. O que você identifica como fonte de poluição do ar?
1. Indústria próxima
2. Tráfego de veículos
3. Poeira/fuligem
4. Outra
5. Não existe problema
Você pode m arcar diversas casas (4 no m áxim o).
87. Quais os problemas relacionados à poluição do ar?
1. Poeira em casa
2. Roupas manchadas
3. Irritação nos olhos
4. Dor de cabeça
5. Dor de garganta
6. Irritação nasal
7. Doença respiratória
Você pode m arcar diversas casas.
88. Existem problemas de poluição sonora na área?
1. Sim
2. Não
101. Você usa o rio de alguma forma? Qual?
1. Nadar
2. Passear nas margens
3. Contemplar a paisagem
4. Pescar
5. Jogar lixo
6. Lavar roupa
7. Retirar água para uso doméstico
8. Não usa
Você pode m arcar diversas casas.
102. Você conhece alguém que já usou o rio para atividades de
lazer no passado? Quando?
Caso não, vá para a Questão nº 95.
89. O que você identifica como fonte de poluição sonora?
95. Quais os problemas relacionados à poluição sonora?
1. Perturba o sono
2. Impede a audição da televisão
3. Perturba a concentração
4. Dor de cabeça
5. Janelas permanentemente fechadas
6. Tensão nervosa
Você pode m arcar diversas casas.
96. Existem problemas de poluição dos rios?
1. Sim
2. Não
Caso não, vá para a Questão nº 97.
103. Você tem vontade de vê-lo recuperado?
104. O que você poderia fazer para ajudar nesta recuperação?
105. Como você imagina um rio ideal?
106. Se o rio fosse bem tratado, você se relacionaria com ele de
forma diferente?
1. Sim
2. Não
107. De que forma?
97. O que você identifica como fonte de poluição dos rios?
98. Que cor e que cheiro você acha que tem o rio?
108. Você tem conhecimento das intervenções que estão sendo
propostas para o rio Dona Eugênia?
1. Sim
2. Não
109. Quais intervenções?
99. Você sabe o nome do rio que passa próximo a sua casa?
100. Como você identifica este curso de água?
1. Rio
2. Valão
Para perceber que tipo de relação a pessoa tem com o rio.
337
Anexo 2
Linha do Tempo – Bacia do Rio Dona Eugênia
338
SÉCULO XVI
SÉCULO XVIII
SÉCULO XIX
- Ocupação
da Baixada
Fluminense
- Final do século: Auge e
posterior decadência do ciclo do
açúcar.
-A produção e exportação de café trouxeram consigo a Estrada
de Ferro D. Pedro II (hoje Central do Brasil). A primeira linha
férrea construída chegou às cidades das encostas da serra do
Gericinó e sul da serra do Mar em 1858, juntamente com
Maxambomba (atual Nova Iguaçu), Queimados e Japeri.
SÉCULO XVII
- Primeiros anos do século: o uso e ocupação das
terras da Serra do Gericinó e adjacências já estava
consumado. Aos poucos, o processo de ocupação foi
se interiorizando, deixando as margens do rio Iguaçu e
avançando para as terras mais altas, menos sujeitas à
inundação.
- Instalação do Engenho da Cachoeira: Situado ao pé
da serra da Cachoeira (maciço do Gericinó) e às
margens do rio de mesmo nome, mais tarde
denominado rio D. Eugênia, esse engenho foi o
principal responsável pelo povoamento da região que
hoje corresponde à Coréia, Presidente Juscelino e
Santa Terezinha.
- Início do ciclo do açúcar: introdução da cultura da
cana-de-açúcar em Iguaçu.
- Em 1884, foi inaugurada uma parada de trem nas terras cedidas
pelo Barão de Mesquita para passagem dos trilhos, que recebeu
o nome de Jerônimo de Mesquita (posteriormente Mesquita).
Estação Ferroviária de Mesquita
-Início do ciclo do café: cultivo nos terrenos elevados, que
resultou na intensa destruição da vegetação nativa que revestia a
serra de Madureira.
- Início do ciclo das laranjas (anos noventa do século):
proporcionou à Baixada Fluminense, em especial as terras de
Nova Iguaçu (que englobava ao que corresponde atualmente aos
municípios de Queimados, Belford Roxo, Nova Iguaçu, Japeri, São
João de Meriti, Mesquita, Nilópolis, Duque de Caxias) um novo
desenvolvimento econômico para área.
1908
O Barão de Mesquita vende
aos irmãos Américo e Alfredo
Ludolf a propriedade que
SÉCULO XX
para fins de registro levou o
nome de “Companhia
Materiais de Constução”. A
fábrica Ludolf & Ludolf
torna-se então, uma das
maiores empresas de
cerâmica do Brasil.
1940
1905
Instalação da
“Companhia Materiais
de Construção”
(grande olaria),
quando, loteada a
fazenda do Barão de
Mesquita, adquiriu os
lotes onde hoje está
localizada.
População
residente em
Mesquita:
9.109 hab.
1941
Grande parte das
terras devolutas
do topo das serras
do Gericinó,
Madureira e
Mendanha foram
agrupadas e
declaradas como
Floresta Protetora
da União.
Final da década de 1940 e início dos anos 50:
começaram a se estabelecer, em Mesquita, fábricas
que ajudaram a impulsionar a economia da região:
BRASFERRO, metalúrgica de grande porte, a IBT,
também metalúrgica e a PUMAR, indústria de
sombrinhas. Começava o período de industrialização
que iria empregar centenas de moradores
mesquitenses.
BRASFERRO
1948
Construção da
Represa
Epaminondas Ramos.
Inauguração da Represa
Epaminondas Ramos (1948)
Os loteamentos
mais antigos são da
década de 40,
todos situados na
parte baixa, ou seja,
próximo à linha do
trem.
Represa Epaminondas
Ramos
Olaria Ludolf & Ludolf
340
População
residente em
Mesquita:
28.835 hab.
1960
1950
As partes
mais altas
têm sua
ocupação
iniciada no
final dos
anos 50.
1952
Criação do
Distrito com a
denominação de
Mesquita expovoado, pela lei
estadual nº 1472,
de 28 de abril,
subordinado ao
município de
Nova Iguaçu.
A partir da década
de 60, com a
inauguração da
Estação Ferroviária
Presidente Juscelino
Kubitschek, facilitouse o acesso aos trens
urbanos e Mesquita
assume, na época, a
fisionomia já
assumida por Nova
Iguaçu, a de cidade
dormitório.
População
residente em
Mesquita:
58.835 hab.
Centro de Mesquita na década de
1960.
1968
Os últimos loteamentos,
que datam do final da
década de 60, mais
precisamente 1968, já
foram projetados nos
trechos mais elevados, nas
encostas da serra.
341
1980
1970
A partir dos anos 70,
Mesquita já havia se
consolidado como a
área mais
densamente povoada
de Nova Iguaçu,
depois da sede.
1983
Elaboração do Programa de Saneamento da
Baixada Fluminense, elaborado pelo governo do
Estado, visando à realização de obras de
esgotos sanitários, identificando como
prioridade, para o atendimento com ligação
predial e dispositivo de tratamento, as áreas
sujeitas a inundações frequentes e definiu,
ainda, as bacias hidrográficas dos rios Sarapuí,
Pavuna, Meriti e Botas para fazer parte do
sistema de esgotos da Baixada.
1988
Autorização da criação da Área de Proteção
Ambiental (APA), através da Lei Estadual nº 1.331.
Cerca de um ano depois, a Câmara de Vereadores
do Rio de Janeiro aprovou a Lei nº 1.483, fixando a
cota de 80 metros como limite de uma APA
Municipal, na vertente da serra voltada para o
município do Rio de Janeiro, e autorizando o Poder
Público Municipal a criar o Parque do Mendanha.
População
residente em
Mesquita:
93.678 hab.
População
residente em
Mesquita:
125.239 hab.
Rio D. Eugênia na APA
Gericinó-Mendanha
342
1990
1992
Integração dos
remanescentes do
maciço do GericinóMadureira-Mendanha
à Reserva da Biosfera
da Mata Atlântica,
homologada pela
UNESCO.
1998
Criação do Parque
Natural Municipal
de Nova Iguaçu unidade de
conservação criada
pelo Decreto nº
6.001, de 5 de
junho.
1996
Elaboração do Plano
Diretor de Recursos
Hídricos da Bacia dos
Rios Iguaçu-Sarapuí
(Ênfase: Controle de
Inundações), em
agosto.
População
residente em
Mesquita em
1991:
142.058 hab.
Tal Plano, também
conhecido como Projeto
Iguaçu, foi criado com o
objetivo de despoluir a
bacia dos rios IguaçuSarapuí e evitar a
reincidência de enchentes
na época de fortes chuvas
causadas pelo acúmulo de
resíduos que impede a
vazão das águas.
Entrada do
Parque
Municipal de
Nova Iguaçu
1999
Emancipação de
Mesquita pela
edição da Lei
Estadual nº
3253 de 25 de
setembro,
desmembrado
de Nova Iguaçu.
SÉCULO XXI
› Nesse estudo, fez-se um
diagnóstico da situação de
inundações na bacia, tendo
sido proposta uma barragem de
controle de cheias para o caso
do rio Dona Eugênia.
› Também fez parte deste
estudo uma avaliação do
movimento de sedimentos no
rio (campanhas de
1994).
343
O Plano dispõe, entre
outras ações, sobre a
criação da APA
Mesquita, que visa a
preservação do conjunto
natural e paisagístico
com ênfase na proteção
e preservação florestal e
na qualidade das águas
e mananciais dos rios
Dona Eugênia, Canal do
Socorro e Rio da Serra
do Gericinó.
2000
População
residente em
Mesquita:
153.712 hab.
SÉCULO XXI
2001
Instalação do
Município de
Mesquita em
01 de janeiro.
2006
Elaboração do
Plano Diretor
Participativo
de Mesquita,
em outubro.
2009
-Revisão do Plano Diretor
de Recursos Hídricos da
Bacia dos Rios IguaçuSarapuí;
- Definição dos limites do
município de Mesquita e
distritos de acordo com a
Lei Complementar 009, de
25 de agosto.
Além da barragem, tais
intervenções foram
propostas para o rio D.
Eugênia: limpeza para
desobstrução da galeria
paralela à Estrada de
Ferro; desassoreamento;
implantação da seção
trapezoidal e recuperação
da mata ciliar em trechos
do rio.
Ainda com a revisão
das obras originais ,
recuperação da
infraestrutura existente
e introdução do
conceito de drenagem
sustentável, a solução
para o rio Dona
Eugênia, porém,
continuou dependente
da barragem.
Sede da Prefeitura de Mesquita
Barragem proposta pelo Projeto Iguaçu
344
2010
População
residente em
Mesquita:
168.376 hab.
2012
Lançamento do Programa
Limpa Rio Baixada,
desenvolvido pelo Governo do
Rio, através do Instituto
Estadual do Ambiente – INEA,
em março. Nas primeiras
intervenções, já foram
desobstruídos cerca de 700
metros do Rio Dona Eugênia,
no Centro, com a retirada de
140 toneladas de resíduos por
dia.
Programa Limpa Rio
Baixada, Rio D.
Eugênia
2013
Elaboração do
Plano Municipal de
Saneamento de
Mesquita, em fase
de licitação de
projeto em 30 de
abril.
345
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