LABORATÓRIO – PORTAL TEATRO SEM CORTINAS
HISTÓRIA DO TEATRO MUNDIAL – IDADE MÉDIA
Título: Idade Média – Europa Central
Autor: Alexandre Mate
Revisão: Diego Cardoso
Arquivo: 03.HTM.0002
Laboratório-Portal Teatro Sem Cortinas
Idade-Média Europa Central
03.HTM.0002
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IDADE MÉDIA - EUROPA CENTRAL1
O teatro medieval: características gerais, desenvolvimento dos gêneros dramáticos característicos
do período. Os dogmas religiosos e as interdições impostas às manifestações artísticas e
fundamentalmente ao teatro. Os ‘processos de luta’ desigual entre o erudito (eclesiástico) e o
popular.
Apontamentos sobre aspectos culturais da cultura medieval
O traço mais marcante do teatro medieval é que começou como uma
comunhão na igreja e terminou como uma festa comunal. Mais uma vez a
humanidade, emergindo de um novo vagalhão de barbarismo com ajuda da
religião, encontrou na dramaturgia um órgão potente, para exprimir tanto a
realidade comum quanto as aspirações. Mais uma vez o teatro demonstrou
sua adequação como ponto de encontro do homem com Deus. Deus foi o
protagonista visível e invisível das peças medievais.
J. GASSNER. Mestres do
teatro I.
O que nos interessa especialmente, são as grosserias blasfematórias
dirigidas às divindades e que constituíam um elemento necessário dos
cultos cômicos mais antigos. Essas blasfêmias eram ambivalentes: embora
degradassem e mortificassem, simultaneamente regeneravam e renovavam.
(...) Apesar de sua heterogeneidade original, essas palavras assimilaram a
concepção carnavalesca do mundo, modificaram suas antigas funções,
adquiriram um tom cômico geral e converteram-se, por assim dizer, nas
centelhas da chama única do carnaval, convocada para renovar o mundo.
Mikhail BAKHTIN. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento.
O debate transformou-se em contenda, mas ao final obtiveram-se duas
conclusões claras e irrefutáveis: o poder, qualquer poder, teme, mais do que
tudo, o riso, a troça, a gargalhada. Pois a risada denota senso crítico,
fantasia, inteligência, distanciamento de todo e qualquer fanatismo. Na
escala da evolução humana, temos, inicialmente, o homo faber, em seguida
o homo sapiens, e finalmente, sem dúvida, o homo ridens. Este é o mais
sutil, difícil de submeter e enquadrar. Segunda conclusão: o zé-povinho, a
gente mais simples, nunca renunciou, mesmo ao representar as histórias
mais trágicas, a incluir o humor, o sarcasmo, o paradoxo cômico.
Dario FO. Manual mínimo do ator.
476
XI
1453
..._____×___.____.___.___.___.___.___×____.____.____×_____...
falta de documentação
_________________________
×
______________
formação e apogeu do Feudalismo
(Alta Idade Média)
1
×
(Baixa Idade Média – período de decadência do
Material especialmente preparado por Alexandre Mate para estudo e discussão acerca das
características gerais do Teatro Medieval desenvolvido na Ocidente.
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Feudalismo e de florescimento da arte)
476 – Queda do Império Romano do Ocidente
1453 – Queda do Império Romano do Oriente – Constantinopla (pelos turcos)2
Numa concepção positivista de história (e que tem lá, se se quiser suas vantagens
didáticas), convencionou-se chamar Idade Média ao período compreendido entre 476 a
1453; período este correspondente à hegemonia da Igreja, em todos os aspectos sociais:
da política às artes, passando evidentemente pela religião. Trata-se de um período
bastante extenso, complexo e contraditório: tanto geográfica quanto no concernente à
temporalidade, posto que, se por um lado, os representantes da Igreja desenvolveram
métodos brutais e absolutamente ‘eficientes’ para eliminação e supressão das vozes
contestatórias e dissonantes; por outro (e, como soe acontecer), foi impossível conter o
‘vazamento - a despeito da eficiência cruel dos “representantes de Deus na terra” - das
manifestações populares e pagãs das mais diversas matizes, opostas aos ‘ensinamentos
morais’ impostos. Enfim, apesar de todas as formas de repressão, aqueles defensores
não conseguiram erradicar com as formas de possessão e tentação demoníaca do pobre,
imperfeito e mesquinho ser humano (criado à imagem e semelhança de Deus...)
Dessa forma, a despeito de concentrado num único período histórico (conceito este
‘arriscado’ e característico, como já mencionado, de proposição positivista), pode-se
2
A divisão do Império deu-se a partir do século IV e, com a morte do imperador Teodósio. O
Império do Oriente foi conhecido como Império Bizantino (cuja capital era a antiga cidade
grega chamada Bizâncio), compreendendo os territórios da península Balcânica, Síria,
Egito, Ásia Menor, Líbia e Palestina; posteriormente, em homenagem ao imperador
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afirmar que qualquer tentativa de caracterização e enquadramento do período em uma
unidade é inteiramente artificial, fundamentalmente por conta de as contradições internas
do período terem ‘sofrido’ – e, no mínimo, – dois tipos de pressão: da antiga cultura
greco-romana e por aquelas que, posteriormente, serão conhecidas como características
do Renascimento: movimento este que, como se sabe, retomou algumas das
características formais da cultura da Antiguidade. Assim – e, naturalmente, de modo
exagerado, metafórico e impensado – poder-se-ia dizer que a Idade Média
constituído em uma espécie de recheio
teria se
‘transbordante’ e de gosto ‘amargridoce’ (ou
agridoce) entre duas fatias de pães que seguiram uma mesma receita, apesar de os
ingredientes terem sido diferentes...
No sentido de facilitar a apreensão das características fundamentais do período,
além das duas ‘clássicas’ e tradicionais fatias: alta e baixa Idade Média, esta segunda
pode ser dividida em dois momentos, de certo modo articulado. O primeiro durou do
século XI ao XIII e caracterizou-se pelo aumento do poder dos senhores feudais e
também do da Igreja. O segundo, principalmente na Inglaterra e na França (países que
fundarão posteriormente os ‘fortes’ Estados modernos, libertando-se, portanto, do jugo da
Igreja), a partir do século XIV, em oposição ao primeiro, caracterizou-se por um processo
de restauração da autoridade dos reis (que durante o período em epígrafe era vassalo do
poder exarado pelos representantes do poder absoluto eclesiástico). Nesse segundo
aspecto, vale observar que os futuros reis, pelo menos nos países aqui destacados, foram
ajudados pela nascente burguesia e, principalmente, pela crise do feudalismo. Fatores
estes que acabaram por diminuir o poder da Igreja e dos senhores. A despeito, entretanto,
dessa clássica divisão, afirmam alguns historiadores que de 476 a 814 (morte de Carlos
Magno) assistiu-se ao mais negro período do que se convencionou chamar de Idade
Média.
Constantino, recebeu o nome de Constantinopla.
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Data, talvez, do período denominado de Baixa Idade Média o desenvolvimento
mais contundente (tanto ideológica quanto pelo terror, ignorância e força cabal) dos
processos de cooptação dos indivíduos, através da apropriação de suas tradições
atávico-populares e seu retorno – passando pelos viéses da dominação e interesses nada
espirituais – ao povo de modo absolutamente esvaziado/repleto por uma ideologia
aprisionante e eivada de complexos de culpa e conceitos de pecado: representado
fundamentalmente pelos mea culpa “acabaçados” no peito.
Esquadrinhadores de corpos, em sintonia direta com a promessa de vida eterna, os
representantes da Igreja (que adotaram originalmente para sua administração interna
exatamente a estrutura administrativa do Império Romano) conseguiram conciliar seus
interesses expansionistas, imperializando territórios geográficos e humanos, num domínio
aparentemente sem rivais, sendo o prestígio do seu monopólio os (por eles aludidos)
meios de salvação inquestionáveis e, de certo modo, os únicos que permaneceram
intatos por todo o período compreendido pelos tirânicos detentores do poder.
Há, inclusive, uma tese (moral, ideológica, bélica...) – que perpassa todo o período
– aceita e considerada ‘normal’: tendo em vista a eliminação dos opositores e por ser uma
sociedade estamental e por quase todos, segundo a qual (‘dura lex sed lex’3): caberia aos
ricos (senhores feudais – e claro que dentro de seus apertados limites regionais!) mandar;
3
Termo em latim que significa ‘a lei é dura, mas é a lei’.
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aos representantes da Igreja (donos de territórios extensíssimos!: tanto geográficos como
espirituais) orar e aos servos trabalhar.
Dessa forma, como se pode observar – a despeito de todas as diferenças entre
essa nova ordem e aquela derrocada: a romana, consubstanciada pela grega –, houve
uma confluência no que dizia respeito ao trabalho ser considerado desonroso. Assim, a
‘legitimação’ da ardilosa tese (como inúmeras outras) apresentada acima fundamentavase no princípio segundo o qual
a Bíblia era concebida como a única fonte de verdade.
Nessa perspectiva, e coerentemente aos princípios norteadores da estratificação social –
característica dessa sociedade que ‘adotou’ a proposição estamental – o acesso à ‘fonte
de verdade única’, ficava exclusivamente
a cargo dos representantes da hierarquia
eclesiástica.4
A complexidade do período é tão grande que inúmeras são as teses defendidas por
historiadores: das mais diversas colorações, demonstrando as incontestáveis ‘trevas’,
para uns; e, as inquestionáveis ‘luzes’ (a partir do século XI), para outros.
Independentemente das posturas e demonstrações de um ou outro ‘bloco’, o certo é que
o teatro medieval, à semelhança do dos gregos (e diferentemente do dos romanos), teve
sua origem no culto ritualístico da missa, no concernente à cultura hegemônica.
Dessa forma, e adiando momentaneamente esta introdução, é pertinente que se
apresente
algumas
considerações
iniciais,
circunstanciando
contextos
significativos.
4
Das excelentes reflexões acerca dessa ‘exclusividade’ e alguns dos métodos mais usuais,
utilizados pela Igreja, Carlo GINZBURG – O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de
um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Cia. das Letras, 1987 – apresenta um
trabalho de pesquisa cuja leitura ganha a condição de ‘obrigatória’, fundamentalmente
pelas luzes que traz para ilustrar e redimensionar a questão.
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sociais
O papa João XII nomeia Otto I imperador do Sacro Império RomanoGermânico (I Reich), numa tentativa de conter os ataques húngaros na Europa
cristã. Seus domínios abrangem a porção ocidental da Alemanha, a Áustria, a
Holanda (Países Baixos), parte da Suíça, da Polônia e o leste da França.
Acentua-se a corrupção e a Igreja Católica torna-se mais suscetível ao poder
político, promovendo a venda de cargos eclesiásticos (simonia).
A Renascença reforça o Estado e nela se teme a máscara que elimina
nomes próprios em proveito do teatro político. No francês, diz-se melhor tal
loucura: "personne" traduz o latim "persona", podendo significar "alguém" e
"ninguém". Com as formas repressivas, perdemos o primeiro sentido.
Antecedentes do período
Era uma coisa muito grande para poder pensar em todas aquelas coisas e
em todos aqueles lugares. Só Deus podia fazer isso. Tentou imaginar que
enorme pensamento deveria ser esse mas só conseguiu pensar em Deus.
Deus era o nome de Deus, assim como o nome dele era Stephen. Dieu era
o nome francês para Deus, e era também o nome de Deus; e quando
alguém rezava para Deus e dizia Dieu, então Deus imediatamente ficava
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sabendo que era uma pessoa francesa que estava rezando. Mas embora
houvesse nomes diferentes para Deus em todas as diferentes línguas do
mundo, e Deus compreendesse o que era que todas as pessoas que
rezavam diziam em suas línguas diferentes, ainda assim Deus permanecia
sempre o mesmo Deus e o nome verdadeiro de Deus era Deus.
James JOYCE. Retrato de um artista quando jovem.
Ele nunca tinha ouvido falar em inferno. Estranhando a linguagem de sinha
Terta, pediu informações. Sinha Vitória, distraída, aludiu vagamente a certo
lugar ruim demais, (...) Tinha um vocabulário quase tão minguado como o
do papagaio que morrera no tempo da seca. Valia-se, pois, de exclamações
e de gestos, (...) A culpada era sinha Terta, que na véspera, depois de curar
com reza a espinhela de Fabiano, soltara uma palavra esquisita, chiando, o
canudo do cachimbo preso nas gengivas banguelas. Ele tinha querido que a
palavra virasse coisa e ficara desapontado quando a mãe se referia a um
lugar ruim, com espetos e fogueiras. Por isso rezingara, esperando que ela
fizesse o inferno transformar-se. (...) Entristeceu. Talvez sinha Vitória
dissesse a verdade. O inferno devia estar cheio de jararacas e suçuaranas,
e as pessoas que moravam lá recebiam cocorotes, puxões de orelhas e
pancadas com bainha de facas.
Graciliano RAMOS. Vidas secas.
A majestade de Deus distribuiu o Espírito Santo para todos: cristãos,
heréticos, turcos, judeus, e tem a mesma consideração por todos, e de
algum modo todos se salvarão’ –, acabou numa explosão violenta contra os
juízes e sua soberba doutrinal: ‘e vocês, padres e frades, querem saber
mais do que Deus; são como o demônio, querem passar por deuses na
terra, saber tanto quanto Deus da mesma maneira do demônio. Quem
pensa que sabe muito é quem nada sabe.
Depoimento de Menocchio em O queijo e os vermes. Carlo GINZBURG.
No século IV, os bárbaros e povos do norte invadem o Império Romano, já em
decadência pelo movimento revolucionário5 de escravos e colonos. Com as práticas
comerciais debilitadas e o despovoamento das cidades (fenômeno chamado de
ruralização do Império) e o êxodo para o campo, muitos povoados novos foram fundados,
recebendo originalmente o nome de Vilas Romanas6. Tais ‘vilas’, em seu processo de
5
Dentre outros autores que se utilizam desse termo, Arnold HAUSER (Op.cit.) é um deles.
6
Roma pela franca e acintosa vida parasitária tornou-se, também, ‘a parasita do Império’
acabando por corromper-se completamente. Desse modo, todo o esplendor da velha e
austera República, à luz da decadência terminou por revelar-se incapaz de manter longe
todos os inimigos. Desse modo, e dentre outras coisas, Constantino acabou por abrir mão
do mito Roma, levando a capital do Império para Constantinopla por reconhecer que a
quase totalidade das bases econômicas encontravam-se no Oriente. Assim, para além dos
graves problemas internos, os bárbaros invadiram Roma e impuseram, pela força, sua
mitologia e valores, considerados pobres em relação àqueles de Roma. Desse modo, as
tribos bárbaras, apesar de terem dominado Roma (e de modo semelhante ao ocorrido com
os romanos com relação aos gregos), ao adotar e assimilar muitos dos valores romanos,
foram se ‘espalhando’ pela Europa Ocidental, definindo o panorama racial e político que
configuraria até mesmo a Europa de hoje. Isto é: Anglos, Saxões e Jutos na Inglaterra,
Francos na Gália, Godos na Espanha, Lombardos no norte da Itália e Bongurdios junto ao
Ródano. Esses grupos acabaram por adotar o código romano, previsto por Justiniano, a
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formação e mesmo em sua evolução, apresentavam um pré-modelo de economia de
autoproteção e de autossuficiência. Esse modelo de agrupamento social deu
posteriormente origem a um sistema de organização social e política conhecido com o
nome de
Feudalismo.
Essa
nova
formação político-social atendeu,
de modo
absolutamente coerente, aos anseios da Igreja e aos dos senhores feudais, na medida
em que o vislumbrado por eles era o poder em âmbito do micro e do macro.
Do ponto de vista artístico, a chamada arte primitiva cristã, durante os dois ou três
primeiros séculos, representou um mero prolongamento ou variante da arte romana tardia
(em decadência no próprio Império Romano). Como característica básica, as obras
produzidas nesse período (e mesmo aquelas do final do imperador Constantino)
apresentaram um impulso para a espiritualização e abstração, com preferência para as
formas planas, incorpóreas, diáfanas, exigindo uma determinada frontalidade, tom solene,
indiferença pelo prosaico e pela vida orgânica e humana: expressando uma vontade de
representação mais para o espiritual do que para o sensível. Tais características iniciais,
no concernente às artes visuais, apontaram para o desejo de simplificação e estilização,
renúncia à profundidade espacial e à perspectiva, tratamento arbitrário das proporções e
das funções corporais.
De modo diferente, do das artes plásticas, o teatro parece ter sido ‘suprimido’ da
vida social (fundamentalmente por seu aspecto belicoso, escatológico, pouco infenso à
contrição e à circunspecção demandadas pela nova ordem em processo de construção)
em âmbito oficial, do século V ao XI, uma vez que não há documentação acerca daquilo
que fora produzido. Entretanto, a despeito dessa lacuna documental, inúmeras foram as
perseguições e condenações, tendo como parâmetro o fato de o teatro ser considerado
depravado e constituir-se em uma atividade: “Danosa à alma e deletéria ao corpo, posto
corromper o espírito”.
Além disso, alguns documentos condenavam e ameaçavam ‘de excomungação os
leigos e participantes7 das obscenidades’, chamadas de representações anticristãs. Em
própria administração romana e também a própria religião.
7
A despeito de todo tipo de condenação e práticas arbitrárias, os jograis existiram durante
todo o período compreendido pela Idade Média. Várias são as fontes que comentam esses
tipos de artistas populares – perseguidos avidamente pelos representantes da Igreja, por
suas práticas escatológicas – e abrigados pelos senhores feudais; entretanto, de acordo
com Dario FO. Jograis sórdidos, In: Op.cit., p. 135, dentre outras coisas afirma: “Os jograis
atuavam usualmente em primeira pessoa, um único ator sobre um palco – ou mesa –
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literatura, quando as tribos de bárbaros encontravam-se já de certo modo enraizadas na
Europa, ocorreu uma espécie de repetição dos processos de desenvolvimento àqueles
dos romanos em relação aos gregos. Assim, mais ou menos no ano 800 surgiram
narrativas épicas ricas no concernente aos aspectos mitológicos das diferentes tribos que
relatavam tanto fatos heróicos como historiavam as conquistas de guerra. São elas: as
sagas nórdicas de ‘Edda’; o ‘Blowulf’ na Inglaterra, a ‘Chanson de Roland’ na França e o
‘Nibelüngenlied’, no que seria posteriormente a Alemanha.
Para concluir, os vários editos condenatórios (desde a ascensão da Igreja como
maior e quase única força política durante bom período da Idade Média), fundamentavamse provavelmente no fato de o teatro ter aflorado em um período durante o qual o mimo
romano satirizava a Igreja e muitos dos costumes folclóricos pagãos conterem elementos
miméticos e dramáticos, ligados à cultura anterior.
A partir dos finais do século X inicia-se na Europa ocidental um processo
substancial de mudanças, sendo que este processo teve como ponto de partida o
encerramento ou o cessar das invasões de normandos e magiares. Estes últimos, depois
de um longo e extenso período de ataques e pilhagens contra as regiões centro-ocidental,
fixaram-se no território compreendido pela atual Hungria e os primeiros, do mesmo modo
que os magiares, cujos ataques aconteciam sobretudo nas costas do norte europeu,
fixaram-se no lugar hoje conhecido por Normandia.
Com a eliminação das invasões, a Europa entra em um processo de maior
‘tranqüilidade social’ sendo que uma das conseqüências mais imediatas desta situação foi
o aparecimento de ‘população excedente’, que não conseguia mais subsistir nos quadros
mesmo quando realizavam os contrastes ou os respetti, ou seja, diálogos de dois
personagens. Aliás, a virtude particular de um jogral era exibir-se diante do público
apresentando dezenas de personagens diferentes. Usavam o seu próprio e excêntrico traje,
mas também não desdenhavam as caracterizações. Durante a realização de uma feira, por
exemplo, subiam de improviso sobre um banco (origem provável da palavra ‘saltimbanco’),
vestidos de esbirro, médico, advogado, padre, mercador, e começavam sua exibição a partir
daí”. Com relação ao seu caráter de enfrentamento às normas consagradas pela tradição,
do mesmo Dario FO. Idem, ibidem, p.135: “[...] o nome de Ruzante, o maior de nossos
jograis, originava-se de ruzzare, que no dialeto de Pádua significa ‘ir com os animais,
copular com eles nos locais e nos tempos prediletos dos mesmos’. Não sabemos se os
mesmos são os animais ou os copuladores, os ruzzanti. Até mesmo a expressão giullare
(jogral) origina-se de ciullare, cujo significado é ‘foder’, tanto no sentido de zombar de
alguém, como no sentido de fazer amor. Portanto, o ciullo é o instrumento principal para a
realização do ato supracitado. Sendo assim, Ciullo d’Alcamo significa ‘O sexo masculino de
Alcamo’. Obviamente, na escola isso não é ensinado: preferem chamá-lo de cielo (céu) para
tudo ficar muito mais azul. Com isso tentam evitar que o jogral seja reconhecido como um
autêntico jogral de praça, pretendendo elevá-lo à condição de poeta, quem sabe da corte,
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estreitos da economia feudal. Tal situação – fundamentalmente a partir do século XII,
provocou determinadas transformações na estrutura religiosa, política e econômica 8 –
criou um processo de movimento de saída dos feudos e a formação de um enorme
contingente de pessoas que era obrigado a errar por várias cidades e países da Europa,
buscando formas de subsistência, sendo que sua atividade fundamental, por motivos
óbvios, foi o comércio.
No auge do Feudalismo do século XI, surgem na Europa novas e renascidas
cidades que serão chamadas e conhecidas pelo nome de burgos, o comércio renasce e
surge a então denominada ‘cavalaria galante’, que posteriormente dará origem
às
Grandes Cruzadas. De modo esquemático, esses verdadeiros exércitos (armados até os
dentes, tinham o propósito de tomar aos muçulmanos, na Palestina, os ‘lugares santos do
cristianismo’) foram formados com a justificativa de levar o nome do deus cristão aos –
por eles designados - povos bárbaros. Tais exércitos acabaram (já que era essa sua
função principal) por praticar todo tipo de atrocidades contra a humanidade e, no processo
de destruição, os participantes ‘galantes’ acabaram por tomar contato com obras
imemoriais.9
Segundo alguns historiadores, a Poética de Aristóteles e outros textos
dramatúrgicos escritos por autores na Antigüidade clássica grega (e outros em períodos
próximos àquele citado) acabaram por ser redescobertos nessas investidas. Fazendo
parte, portanto, dos ‘espólios’ dos conquistadores essa fonte documental (basicamente
destruída na Europa, pela ‘gana saneadora’ dos representantes da dita Santa Madre
Igreja), acabou sendo lida e analisada pelos estudantes dos monastérios e seus
superiores.
8
com o nome enlevador de Cielo”.
Foi em alguns dos grandes centros comerciais e, especificamente em torno de alguns dos
grandes portos, que começaram a ser relativizados os conceitos de que os lucros seriam
pecados. Desse modo, em Veneza e a chamada Liga Hanseática tornaram-se tão fortes
que conseguiam burlar os esquemas medievais. Com a evolução dos processos comerciais,
foram criados núcleos (que posteriormente dariam formação aos burgos) em que se
organizaram confrarias e guilds.
9
O movimento das cruzadas (ou cruzadismo) no Oriente Próximo desenvolveu-se entre os
anos de 1095 e 1207, sendo que neste período houve oito grandes cruzadas, apoiadas por
reis, imperadores e papas. Além da recuperação e perda de determinadas regiões
conquistadas (por exemplo, Jerusalém), uma das determinações mais importantes foi o fato de
o Mediterrâneo ter sido reaberto à navegação cristã. Do ponto de vista comercial, muitos
produtos orientais como sedas, tapetes, porcelanas, açúcar, armas etc difundiam o consumo
desses produtos, ampliando esse comércio cada vez de modo mais intenso.
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Vale destacar também que havia muitas e grandes cidades na Europa do período
(à guisa de informação, Paris, no século XIII, tinha uma população estimada em 240.000
habitantes), que se caracterizavam em grandes centros de vida intelectual e artística.
Assim, o crescimento dessas cidades, dentre outras coisas, acabaram por criar pequenas
mas significativas fissuras na hegemonia medieval; constitui outros agrupamentos sociais:
dos nobres, por exemplo, e de um outro que HAUSER denomina de burguesia (já no
século XIII); força a criação de novas instituições escolares para os filhos das classes
abastadas, que culmina com a criação da Universidade.
Ainda no século XII, e como decorrência dos aspectos citados anteriormente, vale
destacar que começou a se desenvolver também a literatura laica, mesclando a poesia
lírica (fenômeno do trovadorismo) e o ‘romance’, no qual os temas de cavalaria passaram
a ser mesclados àqueles do amor. Essa nova literatura oposta às tradições clássicas,
apresentou-se a partir de uma nova mescla étnica e cultural, decorrentes principalmente
dos processos de invasão pelas incursões das cruzadas.
Do mesmo modo, com o desenvolvimento ocorrido na literatura, as produções
populares
ressurgiram, ou talvez e mais corretamente, começaram a ser registradas
(uma vez que elas jamais deixaram de ser praticadas e de existir), sendo criadas
sobretudo em chave de paródia (àquelas dos similares aristocráticos). Desse modo, além
do desenvolvimento do primeiro vaudeville (de que se falará mais adiante) e à commedia
dell’arte (como síntese das tradições cômico-populares desde ‘priscas eras’), o
ressurgimento das tradições populares darão origem aos chamados ‘bestiários’ (em que
os animais – fundamentalmente a raposa – passaram a substituir os heróis dos romances
de cavalaria).
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Para refazer a unidade cristã abalada pelo Cisma do Oriente, o papado
investe em expedições militares — as cruzadas. Elas têm o objetivo de
propagar o cristianismo, combater os muçulmanos e cristianizar territórios da
Ásia Menor (atual Turquia) e da Palestina. Formadas por cavaleiros e
comandadas por nobres, príncipes ou reis, as cruzadas também possuem
motivações não religiosas, como a conquista de novos territórios e a abertura
de rotas comerciais marítimas e terrestres para o Oriente. Produtos como seda,
tapetes, armas e especiarias foram introduzidos no consumo da Europa pelos
cruzados.
Características do teatro medieval
Adão – Ai de mim, miserável! Para minha desgraça vi o dia em que meus
pecados caíram sobre mim, porque abandonei o senhor que devia ter
adorado. Quem aparecerá para me socorrer? (...) Oh, Paraíso, moradia
tão maravilhosa. Pomar religioso, como é belo contemplá-lo! Em verdade
fui expulso e por causa do meu pecado. Perdi todas as esperanças em
recuperá-lo. Já habitei dentro de seus muros e não soube aproveitar.
Acreditei na palavra que em breve me fez partir. Agora me arrependo,
tenho motivos para sofrer, mas é tarde demais e meus suspiros não me
adiantam nada. Onde estava meu bom-senso? Onde estava meu juízo
quando abandonei o Rei da Glória por Satã? De nada me serve agora
me atormentar como o faço. Meu pecado será escrito na história. (...) Ah,
maldita mulher! Cheia de traição! Você me lançou bem depressa na
perdição quando me fez perder o bom-senso e a razão. Arrependo-me,
mas não posso obter perdão! Desgraçada Eva, como você atendeu tão
depressa ao mal ao seguir os conselhos do dragão! Por sua culpa estou
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morto... sim, perdi a vida. Seu pecado será escrito no livro. Vê os sinais
de uma grande transformação? A terra também sofre a nossa maldição.
Semeamos trigo e eis que nos nascem cardos. Veja o começo do nosso
castigo: é uma grande dor para nós, mas um mal maior nos espera.
Seremos levados para o inferno: lá, saiba, não nos faltará nem pena nem
tormento. Pobre Eva, que lhe parece? Eis sua conquista, o que lhe foi
dado por dote! Jamais você saberá transmitir o bem ao homem, mas
será sempre inimiga da razão. Todos os que saírem de nossa linhagem
sofrerão as conseqüências de seu crime. Você pecou, será julgada por
todos. Aquele que a reabilitará ainda se fará esperar por muito tempo.
O jogo de Adão. Anônimo, fins do século XII.
Ao lado do drama sacro medieval, que nasce dentro das igrejas e se
celebra nas escadarias, vigora a festa-espetáculo nas suas matizadas
manifestações. O núcleo do qual ela se irradia é sempre o rito, no qual se
insinuam de forma disfarçada tradições e costumes de origem pagã,
saturnais e liberdade de dezembro, tripúdios para as calendas de janeiro,
ritos agrários de purificação e propriação para o fim do inverno (que) vieram
a confluir e amalgamar-se no Carnaval.
TOSCHI, apud Alessandro FERSEN. O teatro, em suma.
A Igreja organiza não só a atividade econômica e política como toma para si a
responsabilidade pela educação. Um dos primeiros e decisivos passos (e sempre
acontece dessa forma), que durará séculos, consiste em erradicar por completo os
valores das civilizações que a antecedeu principalmente pela educação: restrita
exclusivamente aos filhos dos senhores feudais e interessados na carreira religiosa (e
cuja ‘prestação desse serviço’ dar-se-ia com a fundação de monastérios) e da destruição
dos valores culturais do passado. Sociedade estamental e rigidamente controlada,
fundamentada no conceito teocentrista, ‘canalizou’ todo seu ‘poder de fogo’ inicialmente
na proibição aos ritos pagãos que acabaram por ser transformados em demonstração de
fé, apresentadas e desenvolvidas, depois de contundente processo de cooptação e
neutralização da produção original com novas protagonistas.
Os ritos de colheita antigos, por exemplo, atravessaram todo o período medieval;
assim, a Igreja (sem conseguir destruí-los completamente) assimilou-os, tentando
convertê-los aos dogmas católicos.10 As únicas manifestações próximas à linguagem
10
Apesar das tentativas e efetivo enquadramento de todos, e à guisa de ‘especulação
imaginativa’, não deixa de ser interessante imaginar como seriam os rituais de colheita da uva,
por exemplo, e sua posterior transformação em vinho. Os gregos e romanos, que teriam
percebido e se entregado à liberação dos instintos nessas ocasiões, trataram de consagrar,
oportunisticamente, tal prazer diretamente ligado ao poder de um deus. Os representantes da
Igreja, entretanto, parecem não ter conseguido o mesmo efeito, afetos que eram aos seus
mandamentos... até por conta de tais tradições ‘libertatórias’ terem permanecido até hoje!
Verdade que não existem documentos históricos que apontem a supressão do vinho do
cardápio das classes dominantes. Aliás, no culto da missa, o vinho, até hoje, expressa,
simbolicamente, o sangue de Jesus.
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teatral, segundo muitos historiadores, durante a chamada Alta Idade Média, foram as
festas de natal e as da páscoa. Afirma, entretanto, Anatol ROSENFELD. Prismas do
teatro. Op.cit., p.86:
Talvez bem antes do século XII era de praxe três diáconos cantarem a
Paixão; um representava Cristo, outro o narrador, um terceiro se
encarregava das respostas do povo e dos apóstolos. Mais tarde passou-se
a representar outras passagens da Bíblia e trechos da vida dos grandes
vultos da Igreja, com solos, coros e mesmo com orquestras. Na medida em
que a participação de leigos se tornava indispensável, o latim é substituído
pela língua nacional.
Apesar de quase não haver registros documentais acerca da produção teatral do
período, sabe-se que tais atividades foram desenvolvidas, fundamentalmente pelas cartas
(bulas) tiradas durante os conselhos de bispos que eram divulgadas de tempos-emtempos, condenando (da danação à morte), não só os atores bem como seus
descendentes, tanto daquela a que o artista fazia parte como das gerações seguintes.
Por maior que tenha sido o controle da Igreja e o depuramento de diferentes instrumentos
de tortura e de ‘convencimento’, é evidente que nos feudos – distantes da vigilância dos
representantes da Igreja – os senhores e suas famílias, ‘necessitados’ de diversão (uma
vez que só rezar, como se imagina, deveria ser algo meio maçante...), mantiveram sob
suas tutelas (e de modos normalmente velados) os chamados ‘bobos da corte’ e os
menestréis, basicamente durante todo o período medieval.11
11
Esses artistas, trazendo consigo as tradições cômico-populares desde a Antigüidade (e no
caso específico ‘promovendo’ uma junção dos gêneros: Fescenino, Satura, Atelana e Mimo),
caracterizavam-se em misto de cantor da corte primitiva da Idade Média e do antigo jogral dos
tempos clássicos. Eram, ao mesmo tempo, cantores, dançarinos, músicos, palhaços e/ou
histriões, prestidigitadores e acrobatas. Vários autores, dentre eles Sandra CHACRA, que
apresenta uma significativa reflexão acerca da improvisação teatral, - Natureza e sentido da
improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva, 1983 – afirma que os artistas populares, também
conhecidos como saltimbancos e charlatões de feira, apresentavam-se em praças, feiras e
lugares de peregrinação. Através de algumas ilustrações pode-se ter idéia de seu figurino, que
além dos instrumentos musicais eram compostos por roupas características de alguns dos
tipos fixos da comédia popular romana e de diversos tipos de máscaras: das mais clássicas às
mais bizarras, passando pelas femininas. Assim, somando-se à evidência já apresentada das
condenações das atividades teatrais pelos bispos, tais artistas representam uma evidência
segura da permanência do teatro popular durante todo o período medieval. Ainda com relação
ao assunto e aos ‘irmãos’ dos menestréis: os trovadores, Dario FO. Op.cit., p. 142, afirma: “Em
uma (...) balada, relaciona tudo o que um bom jogral deve saber fazer: cortejar, cantar, pegar
no ar, zombar dos elegantes, trapacear nas cartas e nos dados, jurar em falso, fazer serenata
ofensiva e para flerte, falar latim falso e grego verdadeiro, fazer o falso parecer verdadeiro e
quase falso o verdadeiro. Em suma: ambigüidade, com os valores estabelecidos
contraditados”.
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Vários autores, dentre os quais John GASSNER e Margot BERTHOLD 12, afirmam
que nos monastérios as peças teatrais (‘sobradas’ da gana destruidora da Igreja)
começaram a ser estudadas e lidas para diversão dos clérigos e de um restrito grupo de
refinados intelectuais. Nesse pequeno e seleto grupo, Terêncio foi eleito como paradigma
para uma retomada dramatúrgica (sendo oportuno relembrar que este autor –
comediógrafo da Antigüidade romana – destacou-se pela temática ‘adocicada’ de suas
peças e pela utilização do latim clássico): assim, sem ser necessário reinventar a roda – e
como sempre aconteceu – a
inteligência humana foi reativada para manutenção do
estado de dominação, contando com o teatro na condição de um modelo adequado às
necessidades dos detentores do poder. Dessa forma, enquanto Terêncio e outros autores
foram estudados, a Poética de Aristóteles foi redescoberta, assim como Virgílio e Cícero
(sendo que este último descreveu o teatro “[...] como uma cópia da vida, um espelho dos
costumes, um reflexo da verdade”).
O aparecimento do que, mesmo imprecisamente poderia ser chamado de ‘drama
cristão’ (arquiforma teatral), como já apontado anteriormente, surgiu no século XI, como
uma necessidade ‘prática’ (entenda-se doutrinatória) de levar a religião a um povo
iletrado: sem condições e, vale relembrar, proibido de ler a Bíblia ou entender as missas
que eram realizadas em latim. Nessa perspectiva, a [re]conquista dos designados pelos
representantes da Igreja como ‘desgarrados’ apontava para a necessidade de tornar a
missa mais atraente, tanto é que os sacerdotes começaram a montar, na missa, quadros
vivos (em francês tableaux13), precedidos e seguidos por grandes hinos14. Dessa forma, é
preciso ter consciência de que o teatro medieval, ao ser incorporado ao culto da missa,
12
John GASSNER. Op.cit. e Margot BERTHOLD. Historia social del teatro. Madrid: Ed.
Guadarrama, 1974, afirmam que durante o chamado início do processo de decadência do
período medieval (século XI – Baixa Idade Média), muitas das ‘ovelhas de deus’ começaram a
se desgarrar do grande ‘rebanho’, motivo pelo qual, a competição desigual entre oração nas
igrejas e riso nas praças levou ou induziu, os representantes da Igreja a incorporarem o teatro
no culto da missa, não sem antes, estudar os textos teatrais nos monastérios: com o objetivo
de ‘saneá-los’ sobretudo de ideologias estranhas à Igreja.
13
Tableau (no singular) é o nome com que até hoje se designa, em teatro, a cena congelada.
Trata-se, portanto, de um recurso imagético, carregado de sentidos e significados para reiterar
uma idéia, chamar atenção para um determinado aspecto da encenação ou da ação das
personagens.
14
J. GASSNER. Op.cit. p.160, afirma: “[...] por mais frágil que possa nos parecer, esta pecinha
(sic) possuía valores altamente dramáticos quando auxiliada pelas coloridas vestes dos
monges, pelas festivas roupas do povo, pelo imponente fundo da igreja ou catedral e pelo
estado emocional dos crentes”.
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fez uma opção (evidentemente não estética) pelo chamado teatro cortês e didático, para
‘instrução’ (naturalmente ideológica) do povo. Anatol ROSENFELD afirma que: ”A
dramatização crescente, porém, verificou-se no início ainda à base da ritual da missa,
interrompido por reflexões acerca do bíblico, comentários lírico-épicos, responsórios (...)
os personagens passam a ilustrar o texto cantado pelo evangelista”. 15
Com relação ao bufão é uma versão contrária do rei. Segundo a documentação,
ele foi introduzido nas cortes européias durante o período das Cruzadas, como uma
versão ocidental dos loucos das cortes orientais. Sob a licença da loucura se lhe facultava
o direito do descontrole, de dizer a verdade. Trânsito com o grotesco bakhtiniano: divertir
e dizer a verdade que as convenções sociais não permitiam aflorar. Oposição à hipocrisia
social, olhar de viés para as convenções morais.
Turbulento, o bufão cria e apresenta-se onde há liberdade, desnudando os mais
escusos e espúrios pensamentos, sua função, portanto: expor a nu e colocar às claras as
mais escuras e ocultas zonas da vida ordinária.
Associado ao disforme, ao utópico, ao onírico, tem por função também livrar o
mundo das idéias e comportamentos inoperantes e caducos para parir o novo.
15
Anatol ROSENFELD. O teatro épico. Op.cit., p.44.
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Referências Bibliográficas
ANÔNIMO. O jogo de Adão. s/d.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento.
São Paulo: Hucitec, 2010.
BERTHOLD, Margot. Historia social del teatro. Madrid: Ed. Guadarrama,
1974.
CHACRA, Sandra. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo:
Perspectiva, 1983.
FERSEN, Alessandro. O Teatro, em Suma. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
FO, Dario. Manual mínimo do ator. São Paulo: SENAC, 1999.
GASSNER, John. Mestres do teatro I. São Paulo: Perspectiva, 1998.
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um
moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
HAUSER, Arnol. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre
Jou, 1982.
JOYCE, James. Retratos de um artista quando jovem. São Paulo:
Civilização Brasileira, 1998.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. São Paulo: Record, 1998.
ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2008.
_______________. Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva, Edusp,
Editora da UNICAMP, 1993.
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