O ALUNO-CALOURO-LEITOR E AS EXIGÊNCIAS DA FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA: COMO SE APRESENTA ESSA RELAÇÃO? Claudia Finger-Kratochvil, Universidade do Oeste de Santa Catarina, Unoesc [email protected] Resumo: Várias instituições têm se preocupado com a qualidade da formação do leitor e diversas pesquisas internacionais (PISA 2000, 2003) e nacionais (INAF 2001, 2003, 2005), somadas às avaliações do INEP têm apontado a construção lacunada do leitor. Finger-Kratochvil et al. (2005) apresentam dados que confirmam essa realidade, no contexto universitário. Considerando que, ao entrar na universidade, as dimensões das tarefas de leitura ampliam-se em volume e complexidade, para muitos alunos o ler torna-se atividade desgastante. As exigências vão além das capacidades e habilidades construídas. Situação que indica a necessidade de se conhecer melhor esse leitor diante das demandas impostas pelas leituras no contexto universitário. Este trabalho tem por objetivo conhecer o aluno calouro enquanto leitor por meio de a) sua própria avaliação a respeito do processo de leitura e de sua postura diante do mundo da informação escrita; e b) seu desempenho em tarefas de leitura. A pesquisa encontra-se em fase de análise dos dados da testagem piloto dos instrumentos – testes de compreensão em leitura e questionários socioeconômico, cultural e de hábitos de estudo e leitura –, realizada com os alunos calouros de um curso de graduação. Resultados parciais apontam para uma grande parcela de alunos que, apesar de reconhecerem que a leitura resulta em ganhos pessoais, pouco tempo investem na atividade. Além disso, a maioria dos sujeitos concebe a leitura como um processo ascendente. As implicações desse posicionamento refletem-se no desempenho nas tarefas de leitura, confirmando, por ora, dados de pesquisa anterior, que revelam que à medida que as tarefas aumentam em complexidade, decrescem os percentuais de sucesso. Palavras-chave: Letramento. Compreensão em leitura. Habilidades de leitura. Leitor universitário. INTRODUÇÃO Nosso interesse pelo tema da pesquisa originou-se a partir de leituras de um conjunto de referências sobre os temas letramento – do qual mencionamos apenas uma pequena parte (AGUIAR, 1983; STREET, 1984; OECD, 2002a, 2002b; SOARES, 1992; 2003; RIBEIRO, 2003) –; e os processos cognitivos e metacognitivos envolvidos na leitura (BAKER; BROWN, 1984; AFFLERBACH, 1990; CARRELL, 1992; GARNER, 1992; TRABASSO et al., 1995; PERFETTI et al., 1997; ANDERSON, 2004), somados aos resultados de outra pesquisa desenvolvida por Finger-Kratochvil, Baretta e Klein (2005; FINGER-KRATOCHVIL; KLEIN; BARETTA, 2004) com alunos calouros. Conforme apontam muitos desses estudos, o processo de letramento é multifacetado e complexo, além de ser necessário o ensino consciente e sistemático das habilidades que compõem os diferentes processos da lecto-escritura. Destarte, o processo ensino-aprendizagem da leitura, por exemplo, tem-se dado de forma lacuna e, por conseqüência, a formação do leitor tem sido ineficiente diante das atuais exigências socioeconômicas e culturais. Exemplo disso são os resultados dos alunos da educação básica no Prova Brasil. Os dados nos mostram que o desempenho dos alunos, ao final do segundo ciclo do ensino fundamental, era esperado para o final do primeiro ciclo, revelando uma grande defasagem no desenvolvimento de habilidades da lecto-escritura (BENCINI; MINAMI, 2006). Perante esse quadro, percebemos a) um problema, que compromete não só a formação acadêmica, mas também o desenvolvimento pessoal e profissional desses indivíduos, pois a leitura é condição sine qua non para a continuidade do desenvolvimento em suas diferentes esferas, e b) uma necessidade: a de conhecer o leitor e aluno-calouro e suas capacidades e habilidades de letramento que, por sua vez, permitirão o planejamento de estratégias (de ensino e de aprendizagem) para a superação dos limites. Nesse contexto, nosso trabalho tem por objetivo mostrar o que pensam os alunos calouros sobre a leitura, sobre o ser-um-bom-leitor e os reflexos dessa compreensão, em seu desempenho, diante de tarefas de leitura com texto de caráter informativo; e, dessa forma, contribuir para a construção do cenário a respeito da leitura no contexto acadêmico. A COMPREENSÃO EM LEITURA E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A tarefa de ler, por si só, é extremamente complexa. Vários são os fatores que influenciam e direcionam o nível de trabalho das informações oriundas do texto e daquelas trazidas pelo leitor (GERNSBACHER, 1997). Dessa forma, para que um indivíduo construa uma interpretação adequada de um texto, é necessário que ele seja capaz de ir além da recuperação das marcas da escrita sobre o papel e das informações explícitas apresentadas. O estabelecimento de relações entre as diferentes dimensões do enunciado e entre elas e seu conhecimento prévio, visando à construção do sentido, é condição básica para que se efetive o processo de compreensão e construção de conhecimento. O confronto do leitor com o texto não garante o estabelecimento dos processos que caracterizam o ato da leitura. A produção da compreensão só ocorre se houver afinidade entre o leitor e texto e se determinadas condições estiverem presentes. Entre as condições necessárias para que se possa chegar à compreensão, à apreensão e à retenção do texto, figuram os esquemas que são as representações mentais generalizadas de padrões complexos de comportamentos, lugares, textos, eventos construídos pelo próprio indivíduo, para representar o seu conhecimento organizado do mundo (ANDERSON, 2004). À medida que nossa experiência enquanto leitor se amplia é provável que analisemos os textos com que temos contato também a partir de um conjunto de características distintivas que nos possibilitarão classificar eventos e/ou objetos desses (e/ou o próprio texto enquanto um evento e/ou objeto) e de uma situação de interação como participantes de alguma categoria elaborada anteriormente. No contato como os textos, perceberemos elementos que os aproximam e/ou os distanciam entre si, a partir dos quais realizaremos abstrações que nos permitirão elaborar conhecimento sobre eles de forma a compor a(s) representação(ões) mental(is) que passa(m) a integrar nossa memória. A partir desse arcabouço, procede-se a leitura. A bagagem e as experiências anteriores, somadas ao momento real em que se encontram o leitor e o texto, configuram os elementos que se põem em cena e determinam os resultados desse complexo processo. METODOLOGIA Para o desenvolvimento da pesquisa em andamento, elaboramos três baterias de coleta de dados – aplicadas em momentos distintos com os sujeitos. Essas envolviam unidades de leitura, doravante ULs, com textos e tarefas de leitura, elaboradas a partir dos princípios e parâmetros estabelecidos pelo PISA (domínios e níveis de leitura) e questionários, com perguntas sobre o background socioecômico e cultural e/ou a respeito de questões envolvendo a leitura, e.g. “Na sua opinião, o que é ser um bom leitor?”. Diante da riqueza de dados coletados, selecionamos para este trabalho a apresentação daqueles que nos dão a conhecer quem são esses sujeitos – ao menos, parcialmente – e seus alguns de seus conceitos e hábitos em relação à leitura. NOSSOS SUJEITOS SEGUNDO ELES MESMOS Um dos instrumentos aplicados, conforme mencionamos, permitiu-nos conhecer, em partes, o universo dos 53 alunos. Desse universo, 64% dos sujeitos era do sexo feminino enquanto 36% do sexo masculino. A presença feminina representa quase que dois terços do número de participantes. Esses dados vêm ao encontro de uma tendência apontada por outros estudos como o Relatório da UNICEF, em 2003, que mostra, no Brasil, o predomínio feminino nas vagas escolares enquanto, mundialmente, a exclusão das meninas é dado marcante (UNICEF, 2003). As idades de nossos sujeitos variaram entre 30 e 18 anos, havendo predominância dos sujeitos entre 20 e 18 anos – 64,2% –, demonstrando que a maioria deixou o Ensino Médio há menos de 3 anos e, por isso, refletem, com alto grau de transparência, as condições do ensino. Outro aspecto a salientar é trabalho, condição que acompanha a maior parte dos alunos. A maioria, i.e. 87%, afirma trabalhar em tempo integral ou parcial; e, praticamente, três quartos deles necessitam conciliar o dia de trabalho com seus estudos no período noturno. HÁBITOS E CONCEITOS A RESPEITO DA LEITURA Entre as várias perguntas que fizemos aos nossos sujeitos, algumas tiveram o intuito de descobrir a relação deles com a leitura e o conceito que construíram sobre o tema. Quatro delas deveriam ser respondidas objetivamente e duas de forma descritiva. A seguir, apresentamos alguns dos dados resultantes da análise de parte desse conjunto. Questionamos nossos sujeitos sobre o tempo empregado na leitura por prazer. Surpreendentemente, 73,6% de nossos alunos afirmam investir algum tempo diário em leitura por prazer. Desses, 20,76% investem mais de 30 minutos em leituras de seu agrado. Percentual e tempo significativos diante da rotina com que a maioria deles se depara, dia a dia, ao conciliar trabalho e estudos; em especial, se considerarmos que os estudos acadêmicos exigem um cabedal de leituras as quais são feitas com outros objetivos. Um cruzamento dos dados, pormenorizado, deve buscar saber detalhes do perfil socioeconômico – horas de trabalho, por exemplo – desse conjunto de alunos que consegue dedicar tal tempo para ler com esse objetivo. Entretanto, encontramos também, com porcentagem semelhante – i.e. 26,4% –, um grupo de sujeitos que afirma não ler por prazer. Dado esse que parece estar em consonância com o de outra questão, em que 28,3% dos sujeitos revelam que só lêem se são obrigados (veja Tabela 1). Na Tabela 1, observamos o posicionamento dos alunos diante da leitura por meio de diversas afirmações em que eles devem posicionar-se de acordo com um modelo de escala Likert. Na questão ST20Q04, percebemos que 37,7% dos alunos concordam com a afirmação “Eu acho difícil terminar livros”. Dado esse que se torna preocupante ao considerarmos uma população de universitários, mesmo que ainda calouros. Além disso, 47,1% dos sujeitos revelam um pragmatismo acentuado em suas leituras, conforme observamos na questão ST20Q08, o que nos indica que há um percentual relativamente alto de alunos que não lê textos em sua íntegra. Tabela apresentada. 1: ST20, posicionamento dos sujeitos diante da afirmação A última asserção da questão 20, a ST20Q09, transparece a falta de concentração para a tarefa de leitura. Um contingente de 41,5% de alunos que revelam não ser capazes de dirigir sua atenção à leitura preocupa ao pensarmos na formação do leitor crítico, e aponta para uma fragilidade da escola de formação básica. O livro texto que acompanha a formação dos leitores, normalmente, compõese de textos curtos e, muitas vezes, de fragmentos de textos de maior extensão. A leitura de textos que ultrapassem três a quatro páginas foge a maioria dos livros no contexto ensino-aprendizagem e, não havendo incentivo para que ela se dê em outros espaços e momentos, a formação do leitor fica prejudicada. Se somarmos esse dado ao apresentado anteriormente que mostra que 52,8% lêem menos de 30 min. diariamente, talvez estejamos diante de uma das razões para a leitura por deleite não se efetivar. Abordaremos ainda, nesta seção, os resultados de uma questão aberta, ST25, em que os sujeitos expressam-se sobre a leitura. Embora com espaço de treze linhas para a resposta, a maioria dos alunos foi breve. Sendo abertas, as respostas dadas passaram por cotejo e análise para, por fim, depreendermos pontos em comum entre as asserções (quando possível). Encontramos oito categorias recorrentes (veja Gráfico 1). Algumas apresentam eventos que os alunos percebem no processo de leitura, outras os propósitos da atividade. No primeiro grupo de respostas, verificamos que os alunos percebem alguns dos processos envolvidos, mas as porcentagens são pequenas. Eles reconhecem que a leitura é uma atividade mental (7,8%) que requer prática (7,8%), ou seja, necessita de exercício para seu domínio e implica no conhecimento do código – i.e., decodificação – (9,8%). O reconhecimento do código aparece, essencialmente, ao mencionarem que leitura é o “ato de ler... (e...)”, muitas vezes incluindo outro processo como a compreensão (8,8%), a extração de informação (6,9%) e/ou a interpretação (5,9%). Compreensão e interpretação foram postas como categorias distintas diante das próprias respostas dos alunos. A interpretação é vista como um processo que antecede a compreensão. Essa, segundo as respostas, parece ser mais ampla e pressupõe a interpretação ou extração de informações, outra categoria estabelecida pelas respostas. Gráfico 1: ST25 – O que é leitura O segundo grupo de argumentos encontrados nas respostas, propósitos da atividade, abrange as razões da leitura e/ou a motivação para o ato de ler. De forma abrangente, duas foram as categorias encontradas: aprendizagem (42,2%) e prazer ou diversão (10,8%). A maioria dos sujeitos mencionou a aprendizagem ligada de maneira estreita com a leitura. Nessa categoria, 62,8% dos sujeitos relacionaram-na à ampliação do conhecimento em geral; outros 27,9% à atualização de informações e 9,3% mencionaram, especificamente, a ampliação de vocabulário como propósito ou resultado da leitura. Em princípio, parece-nos claro, aos sujeitos, que os textos são fonte de conhecimento para aqueles que os lêem, mesmo que 28,3% deles só leia quando obrigado a fazê-lo. O deleite também é contemplado nas respostas pelos sujeitos. Mas, comparativamente, a porcentagem de menções fica reduzida, conforme podemos observar no Gráfico 1 sobre a questão [ST25]. Subjacente a muitos aspectos das respostas de vários alunos, estão as concepções de leitura que permeiam e interferem na construção de habilidades. Pela análise inicial, podemos afirmar que há predomínio da abordagem bottom-up, ou ascendente, em que a chave para o sucesso da leitura é o domínio da técnica para poder proceder e extrair as informações. Ao entendermos as implicações dessa abordagem, podemos compreender por que o aprofundamento e o domínio de esferas do letramento que ultrapassem a recuperação da informação ficam prejudicadas pela própria compreensão do processo de leitura que foi desenvolvido com o aluno ao longo de sua trajetória de leitor. O bom leitor vai além da decodificação, mas seu objetivo é primordialmente a extração da informação, implicando que a informação está lá, no texto, e apenas precisa ser recuperada. LEITURA: DOMÍNIOS E NÍVEIS E DESEMPENHO DOS SUJEITOS Conforme mencionamos, três ULs foram elaboradas a partir dos princípios e parâmetros sobre leitura estabelecidos pelo PISA (OECD, 2002b) que caracterizam as capacidades e habilidades de leitura em três domínios – Identificação e Recuperação da Informação (RI); Interpretação de Informação (II); Reflexão e Avaliação (RA) –, cada um com cinco níveis de complexidade (veja OECD, 2002b para maior detalhamento do assunto). As questões foram elaboradas a fim de contemplar vários aspectos das tarefas de leitura de textos informativos, de caráter geral e de divulgação e/ou vulgarização científica. Essas foram, então, classificadas conforme a complexidade das demandas em cada tarefa e do texto, em questão. A UL01, que terá seus resultados analisados, compreende um texto informativo de periódico de circulação nacional, com seis tarefas nos três domínios e nos três primeiros níveis (veja Tabela 2). Tabela 2: Domínios e níveis da UL01 A análise geral das tarefas propostas nos revela três grupos distintos de desempenho na resolução dessas (veja Gráfico 2). O primeiro apresenta duas tarefas com excelente desenvolvimento: a questão um (UL01Q01) e a seis (UL01Q06), com um percentual de 92%; o segundo, mostra outras duas com aproveitamento por volta dos 80%: questão dois (UL01Q02) e quatro (UL01Q04); e, por fim um último grupo, também com duas questões, com índices de aproveitamento distintos: questão 3 (UL01Q03), 60,4% e questão 5 (UL01Q05), 24,5%. Gráfico 2: Desempenho geral dos sujeitos nas tarefas da UL01 Com intuito de entendermos melhor o que nos dizem os dados, analisaremos duas das questões propostas: a UL01Q06 e a UL01Q05. O primeiro aspecto a ser observado, junto com o desempenho dos alunos, são o domínio e os níveis de complexidade da questão. A UL01Q06 encontra-se nos níveis 1e 2 do domínio RI, e a UL01Q05 enquadra-se no nível 2 do domínio RA. Tais fatores influenciam decisivamente no desempenho dos alunos se observarmos o gráfico 2, pois a primeira questão foi de fácil resolução para a maior parte dos estudantes. Entretanto, a segunda foi a que obteve o maior índice de insucesso. A UL01Q06 espera que o aluno identifique e cite nomes de importantes defensores da abolição. Certamente, o nome da princesa Isabel seria o mais óbvio de ser arrolado e, na seqüência, esperavam-se os nomes de Joaquim Nabuco e André Rebouças, citados explicitamente no texto. A maioria dos alunos listou os dois últimos, mas o nome de Isabel nem sempre os acompanhou. Consideramos que essa era uma informação redundante e explícita demais, levando grande parte dos alunos a julgá-la desnecessária, assim, mencionando apenas os dois últimos nomes. Dessa forma, obtivemos um percentual de 77% de sucesso com o escore 2 na questão. Todavia, a carta de Isabel, enviada ao visconde de Santa Victoria, levou alguns a interpretar o visconde como um defensor do movimento. O artigo, no entanto, não dá subsídios para tal. Assim, quando o aluno mencionou os nomes de Joaquim Nabuco e André Rebouças, mesmo tendo considerado o visconde (distrator), atribuímos pontuação parcial ou escore 1. Enquadraram-se nessa situação 15% dos sujeitos e outros 8% apresentaram respostas consideradas inadequadas. A soma dos percentuais de acerto eleva o índice da questão ao patamar dos 90%. Todavia, essa tarefa é bastante elementar e esperaríamos um percentual integral de sucesso maior que apenas 77%. Esse percentual nos revela, na realidade, os problemas que nossos alunos enfrentam para selecionar informações que se tornam competitivas e para fazer inferências, mesmo que de baixo nível. A UL01Q05 exigia dos alunos o estabelecimento de comparações e conexões entre o ser mulher na época do Império – seus direitos e deveres – e as regras estabelecidas para a sucessão governamental em uma monarquia. A maioria dos alunos, i.e. 73%, teve dificuldades de elaborar uma justificativa para a questão e muitos apresentaram apenas a citação direta do trecho em que menciona as condições de Isabel em relação à sucessão, no texto, sem, todavia, elaborar qualquer comentário a respeito. Esse comportamento aponta para resultados de outra pesquisa com alunos calouros que revela o desenvolvimento da habilidade de identificar e recuperar a informação tal qual ela se encontra no texto (FINGERKRATOCHVIL; BARETTA; KLEIN, 2005), ignorando a necessidade de refletir e avaliar a informação em jogo. O trabalho de interpretação mais elaborada e reflexão e avaliação não fazem parte do entendimento dos alunos como algo necessário. Para a resolução da tarefa, basta devolver ipsis litteris o trecho do texto que trata do assunto da questão. A partir do estudo dos três grupos percebemos que o desempenho dos alunos é melhor nas tarefas menos complexas. Aquelas que se situam nos primeiros níveis dos domínios RI e II apresentam o melhor desempenho, seguidas das situadas no domínio II nos níveis 2 e 3 e as de maior complexidade e menor desempenho são as que se encontram no domínio RA. Os alunos, em grande medida, parecem revelar o desenvolvimento de habilidades de trabalho com a informação que não exijam muito além da sua busca no texto e de interpretação a partir de dados que sejam proeminentes e, muitas vezes, redundantes. Quando a tarefa requer a busca de informações competitivas e que necessitam inferências mais complexas, as dificuldades parecem apresentar-se, revelando a fragilidade das habilidades de leitura construídas anteriormente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados aqui apresentados descortinam apenas parte do cenário que compõe o letramento dos alunos calouros desta pesquisa. Por ora, as considerações que seguem revelam, ao menos, a necessidade de se olhar para o letramento e o ensino da leitura em todos os níveis de escolarização com maior atenção. A primeira questão que se evidencia é situação dos nossos sujeitos. Esses alunos refletem as condições da escola e do ensino fundamental e médio e as condições socioeconômicas do Brasil. A maioria, i.e. 85%, precisa trabalhar em tempo parcial ou integral para dar continuidade a seus estudos. A jornada dupla de trabalho e estudos não facilita a aprendizagem para ninguém. Todavia, esse quadro se agrava quando observamos que eles não desenvolveram nem a consciência e o amadurecimento, nem as habilidades necessários para a continuidade de seu desenvolvimento no ensino superior. Afirmamos isso diante dos posicionamentos por eles apresentados em relação ao processo da leitura e ao ser leitor. A pesquisa ainda precisa contemplar vários outros dados que poderão elucidar com maior clareza os dados até então analisados e confirmar, ou não, vários aspectos abordados e resultados obtidos em pesquisa anterior (FINGERKRATOCHVIL; BARETTA; KLEIN, 2005). O momento ainda é de muitos questionamentos, entre eles, o que se pode pensar quando os sujeitos em questão são partícipes do ensino universitário? Como se poderá dar prosseguimento a formação crítica de alunos que carecem de habilidades básicas de uma competência fundamental, a leitura? Evidencia-se também que a escola de formação básica tem compreendido apenas parcialmente as necessidades com que se depararão seus egressos e, basicamente, os tem instruído para lidar com textos que lhe são próprios. O desempenho dos sujeitos, nas duas primeiras questões da UL01, são exemplos do que se coloca. O texto lido poderia, perfeitamente, ser esperado em situação educacional, em especial, porque os gêneros da mídia impressa têm maior penetração na esfera escolar em detrimento de outros. Todavia, os resultados nos contam que, mesmo assim, isso não possibilita melhor desempenho. Esse dado indica que necessitamos reconsiderar, de fato, o trabalho com o texto. É necessário ir além da leitura que se estabelece no nível da recuperação da informação tal como é expressa. Localizar, identificar, localizar e combinar informações simples são habilidades que a escola tem desenvolvido com certa eficácia; todavia, tem, por alguma (ou várias) razão(ões), negligenciado o trabalho que exige a interpretação, ou seja, a construção de sentidos, e a reflexão que requerem habilidades de natureza mais abstrata e/ou hipotética. Dessa forma, restringe a formação e o desenvolvimento de muitos para quem o acesso ao texto se dá quase que exclusivamente por meio da escola. 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