N.º 2 | Ano 2 | Maio de 2014 | Semestral
Revista oficial da Sociedade Portuguesa de Transplantação | Distribuição gratuita
Centro altamente produtivo
e empenhado na resposta
clínica integrada
Uma equipa multidisciplinar dedicada é o segredo para o sucesso do Centro Hepato-Bilio-Pancreático
e de Transplantação do Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital Curry Cabral. Com cerca de
1 530 transplantes hepáticos e 1 100 transplantes renais realizados, este Centro tem uma preocupação
acrescida com a formação diferenciada dos seus profissionais de saúde. PÁG.12
6
Antevisão deste encontro luso-brasileiro
e ibérico, que vai decorrer em Lisboa,
entre 9 e 11 de outubro, pelo seu
presidente, Domingos Machado
15
Perfil de António Morais Sarmento,
que trocou a Medicina Interna pela
Nefrologia e descobriu a paixão
pela transplantação renal
16
Soluções para aumentar o número
de transplantes foram debatidas no
simpósio «Da Doação e Colheita de
Órgãos à Transplantação»
2 | maio 2014
SPT no teatro da
transplantação
Sumário
- umas vezes chamada
ao palco, outras esquecida
nos bastidores
E
m 2009 e 2010, Portugal destacou-se por
uma elevada taxa de colheita de órgãos de
dador cadáver e de transplantação de rim
e fígado. Não se previa a queda acentuada
de 2011 e 2012. Soaram os alarmes e era necessário
apurar responsabilidades, que ficaram documentadas num relatório de um grupo de trabalho nomeado
pelo Ministério da Saúde que apontou caminhos para
resoluções.
Um louvável esforço de reorganização do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST)
parece começar a produzir alguns resultados, com
crescimento significativo das atividades de doação,
colheita e transplantação em 2013 e, ao que parece,
ainda mais nos primeiros meses de 2014. Mas o copo
meio cheio pode ainda estar meio vazio! Existe ainda
muito caminho a percorrer na transplantação. Várias
das determinações do Ministério da Saúde que se
seguiram ao relatório ainda não foram respondidas
por diversos «atores» desta «peça», apesar de os
prazos já terem terminado há muito.
A Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT),
umas vezes chamada ao «palco», outras esquecida
nos «bastidores», não deixará nenhum tema esmorecer. O recente Fórum Aberto sobre Transplantação
permitiu identificar feridas não cicatrizadas. A importante questão da descentralização do seguimento dos
doentes transplantados renais voltou à atualidade,
depois de já ter sido profundamente debatida, em
novembro de 2011, num Simpósio da SPT em que todos
tinham considerado que era um assunto prioritário.
As consultas de Vila Real, de Castelo Branco e das
Ilhas são exemplos de sucesso. O alargamento a Faro,
Évora, Viseu e, eventualmente, a Setúbal, e a determinação de que os doentes devem ser seguidos perto da
sua área de residência é o caminho lógico, mais económico e de maior comodidade para os doentes. A capacidade técnica, a logística e a vontade já existem. Outros
países já o fazem - alguns até se socorrem das redes
de unidades de diálise existentes com notável sucesso.
Às autoridades cabe legislar para não permitir que
pequenos poderes locais prejudiquem os doentes
e delapidem o erário público. Penso que o Senhor
Ministro da Saúde já percebeu e, mais uma vez, colocará os «pontos nos is» e pedirá ação neste
domínio. A SPT está disponível para colaborar com
o seu profundo conhecimento de «campo». Também
a distribuição dos medicamentos aos transplantados
precisa de uma profunda reformulação para minimizar custos e a não adesão à terapêutica. O transplante mais caro é aquele em que se perde o órgão!
A mesa-redonda organizada em conjunto com a
Sociedade Portuguesa de Nefrologia no Encontro
Renal 2014 permitiu discutir temas de atualidade
científica (doentes hiperimunizados e infeções) e um
de grande controvérsia (o turismo de transplantes).
Este é um assunto compreensivelmente mediático,
que constitui grande preocupação ética e legal. Apesar
de raro com cidadãos portugueses e sempre fora das
nossas fronteiras, o comércio de órgãos existe e não
pode ser ignorado. É uma grande preocupação e deixa
mais dúvidas que certezas aos profissionais de saúde.
A sua abordagem no Encontro Renal foi o mote para
se lançar uma discussão mais alargada.
A doação, a colheita de órgãos e a transplantação
são um sucesso em Portugal. Esse sucesso deve-se
a uma sociedade muito solidária, a profissionais de
saúde dedicados e deve ter eco na Tutela, que deve
promover uma estrutura organizada e com capacidade para manter a excelência desta atividade. Não
posso deixar de referir a distinção recentemente
atribuída ao transplante hepático pediátrico do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).
A SPT mantém bem viva a sua vontade de promover
a transplantação com uma atitude persistentemente
atenta e positiva. No próximo dia 20 de julho, vamos
comemorar de novo o Dia do Transplante, com atividades dirigidas aos doentes transplantados. Estão
todos convidados a participar. Em outubro, teremos
o Congresso Português de Transplantação, que será
também Luso-Brasileiro, como habitual, e, pela
primeira vez, Ibérico. A recente parceria entre a SPT
a Sociedade Espanhola de Transplantes terá neste
encontro o seu ponto alto de 2014.
Fernando Macário
Presidente da Sociedade
Portuguesa de Transplantação
APONTAMENTOS
4 Sociedade Portuguesa
de Transplantação e
Sociedad Española de
Transplantes estreitam
relações
VOZ ATIVA
6 O Dr. Domingos Machado
antecipa as novidades do
XII Congresso Português
de Transplantação/XIII
Congresso Luso-Brasileiro
de Transplantação/
/I Encontro Ibérico de
Transplantação
EM ANÁLISE
10 Dados mais recentes
do Registo de Transplante
Renal da SPT
IN VIVO
12 Visita ao Centro
Hepato-Bilio-Pancreático
e de Transplantação do
Centro Hospitalar de
Lisboa Central/Hospital
Curry Cabral
RETRATO
15 Perfil do Dr. António
Morais Sarmento, diretor
clínico da Unidade Renal
do Hospital da Prelada, no
Porto, e ex-presidente da
SPT
TransFORMAR
16 Principais tópicos do
Simpósio «Da Doação
e Colheita de Órgãos à
Transplantação», que
decorreu em dezembro de
2013
18 Fórum Aberto sobre
Transplantação debateu
desafios atuais entre
especialistas de diferentes
áreas
AGENDA
19 Principais eventos
nacionais e internacionais
entre maio e dezembro de
2014
|3
pontamentos
Desafios da transplantação debatidos
no congresso de nefrologia
Sociedades
portuguesa e
espanhola de
transplantação
estreitam relações
PARTICIPANTES NA SESSÃO (da esq. para a dta.): Prof. André Weigert, Dr.ª Susana Sampaio, Dr. Domingos
Machado, Dr. Fernando Macário e Prof. Fernando Nolasco
A
lém de participarem conjuntamente
em reuniões científicas, a Sociedade
Portuguesa de Transplantação (SPT)
e a Sociedad Española de Trasplantes (SET)
pretendem também estimular a investigação
científica e a realização de projetos educativos e cursos conjuntos. Aumentar a cooperação ibérica na área da transplantação é o
intuito principal deste estreitamento de relações entre as duas sociedades.
«A forte participação portuguesa no próximo congresso da SET [26 e 27 de junho], em
Valência, e a participação ativa da SET no próximo Congresso Português e Luso-Brasileiro
de Transplantação [9 e 10 de outubro], que
terá ainda a codenominação de I Encontro
Ibérico de Transplantação, são exemplo desta
aproximação e dão o mote para projetos mais
amplos», adianta o Dr. Fernando Macário, presidente da SPT. Por sua vez, o Prof. Manuel
Arias Rodriguez, presidente da SET, sublinha:
«É essencial estreitar as ligações entre estas
duas sociedades, fazendo com que perdurem
no futuro.»
D
iferentes problemas associados à prática de transplantes estiveram em discussão na reunião conjunta entre a Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN) e a
Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT), que decorreu no âmbito do Encontro Renal 2014, no passado dia 11 de abril.
Moderada pelo presidente da SPT, Dr. Fernando Macário, e pelo coordenador da Unidade de Transplantação Renal do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de Santa
Cruz (HSC), Dr. Domingos Machado, a sessão teve como primeiro orador o presidente da
SPN, Prof. Fernando Nolasco, que abordou as estratégias para o doente hipersensibilizado em lista de espera. «O número de doentes sensibilizados comparado com o de potenciais dadores tem aumentado nos últimos anos. Encontrar dadores compatíveis para
esses doentes vai tornar-se cada vez mais difícil», referiu o também diretor do Serviço de
Nefrologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital Curry Cabral.
Em seguida, a Dr.ª Susana Sampaio, nefrologista no Centro Hospitalar de São João,
no Porto, falou sobre o transplante e o retransplante em doentes com patologias
virais. A especialista focou-se essencialmente nas dificuldades colocadas pelo BK
poliomavírus (que «é ubíquo e permanece latente no trato urogenital depois de uma
infeção primária durante a infância») e nas estratégias para diminuir este problema.
Por fim, o Prof. André Weigert, nefrologista no HSC, falou sobre o «turismo de
transplantes», defendendo a existência de alguma penalização para dissuadir procedimentos ilícitos nesta área. «A melhor prevenção destes fenómenos consiste em
otimizar o transplante de dador falecido e de dador vivo nos países desenvolvidos,
apoiar a criação de programas de transplante em países emergentes ou facilitar a
realização em Portugal de transplantes de dador vivo legítimos oriundos de outros
países», sublinhou este orador.
Congresso mundial debate hot topics do transplante
A
segunda edição do World Transplant Congress (WTC), uma
reunião conjunta entre a American Society of Transplant
Surgeons (ASTS), a The Transplantation Society (TTS) e a
American Society of Transplantation (AST), vai decorrer entre 26
e 31 de julho próximo, em São Francisco, Estados Unidos, e reunirá
especialistas em transplante de todo o mundo.
O principal objetivo do WTC é promover a troca de informações científicas e clínicas relevantes destinadas a entidades
e profissionais ligados à área da transplantação, nomeadamente cirurgiões, cientistas, enfermeiros e farmacêuticos,
entre outros. Os dois primeiros dias do encontro vão ser dedi-
cados essencialmente à formação, com a realização de cursos
nos quais os participantes terão a oportunidade de aprender
as técnicas mais avançadas em transplante de órgãos sólidos
e de tecido.
A investigação e desenvolvimento da terapêutica imunossupressora para transplantes, as técnicas de cirurgia minimamente
invasiva e como ajudar os doentes a alcançar uma boa qualidade
de vida pós-transplante são alguns dos assuntos em discussão
nos diversos simpósios e conferências que decorrem ao longo
do congresso. Para mais informações, visite o website oficial em
www.wtc2014.org.
Órgãos Sociais da Sociedade Portuguesa de Transplantação (2013-2016)
Direção
Presidente: Fernando Macário (Coimbra)
Vice-presidente: Susana Sampaio (Porto)
Tesoureira: Cristina Jorge (Lisboa)
Vogais: André Weigert (Lisboa), Jorge Silva (Porto),
Pedro Nunes (Coimbra) e Rui Perdigoto (Lisboa)
Assembleia-Geral
Presidente: La Salete Martins (Porto)
Vogais: Rui Filipe (Castelo Branco) e Manuela Almeida (Porto)
Conselho Fiscal
Presidente: Alice Santana (Lisboa)
Vogais: Nuno Silva (Coimbra), Lídia Santos (Coimbra) e Domingos Machado (Lisboa)
|5
oz ativa
«As semelhanças com espanha
ao nível do sistema de captação de
órgãos justificam esta colaboração»
O XII Congresso Português de Transplantação/
/XIII Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação,
que vai decorrer de 9 a 11 de outubro próximo, no
SANA Lisboa Hotel, terá como novidade o facto de
integrar também o I Encontro Ibérico de Transplantação. Em entrevista, o Dr. Domingos Machado, presidente deste Congresso e coordenador da Unidade
de Transplantação Renal do Centro Hospitalar de
Lisboa Ocidental/Hospital de Santa Cruz, destaca
os principais pontos de interesse da reunião e
admite que Portugal tem algo a aprender com
Espanha, nomeadamente no que diz respeito à
estabilidade das estruturas organizativas e à
colaboração entre centros de transplante.
Luís Garcia
Como vai estar organizado o XII Congresso Português/XIII Congresso
Luso-Brasileiro de Transplantação?
Este Congresso vai durar três dias, tendo uma estrutura bastante semelhante à dos anteriores. Haverá sete ou oito sessões plenárias em que
serão abordados temas que interessam a todos os profissionais que se
dedicam à transplantação procurando que todos os congressistas possam nelas participar, independentemente da sua formação de base ou
das unidades ou hospitais onde trabalham. Atendendo a que se trata de
um Congresso de média dimensão (calcula-se que haja entre 300 a 400
participantes), vamos privilegiar bastante essas sessões plenárias, que
representam um incremento em relação às edições anteriores.
Por outro lado, o congresso será uma oportunidade para todos conhecerem melhor o que as diferentes equipas de transplantação vêm fazendo: todas as unidades poderão expor «cartazes» onde descrevem as suas
principais atividades, fazendo o seu «autorretrato».
O restante programa científico será dedicado a sessões paralelas?
Vamos ter quatro salas a funcionar em simultâneo para as sessões paralelas, que consistirão em palestras, comunicações orais, pósteres, vídeos.
Estamos também a organizar sessões de casos clínicos em que os assistentes serão convidados a intervir ativamente.
Também haverá simpósios-satélite?
Os simpósios são sempre muito bem-vindos, mas não devem ser vistos
apenas como espaços que o Congresso aluga à indústria farmacêutica.
As empresas são convidadas a fazê-lo, mas a organização terá de apro-
6 | maio 2014
var os programas dos simpósios, como tem acontecido até agora,
sem qualquer problema. Aliás, se um laboratório quiser trazer
ao Congresso um conferencista de outro país, poderemos, enquanto Sociedade Portuguesa de Transplantação [SPT], aproveitar
para convidá-lo a fazer outra palestra. Desta forma, todos beneficiaremos. E também estamos abertos a propostas da indústria para
organizar eventos sociais, como um jantar ou um espetáculo.
A conjuntura económica tem influenciado os apoios da indústria a este
Congresso?
Os patrocinadores tradicionais dos congressos de transplantação são
os laboratórios que concebem e comercializam imunossupressores. No
entanto, nos últimos dez anos, não surgiu nada de verdadeiramente
inovador no campo da farmacologia na transplantação, nem consta que
haja fármacos importantes em pipeline. Atualmente, não estamos a
introduzir novos imunossupressores, mas sim a «jogar» melhor com
os que já conhecemos, ao nível do doseamento, das associações, dos
timings de mudança de terapêutica, etc. Tenho a pretensão de achar
que hoje tratamos melhor os nossos doentes com os mesmos «ingredientes» que utilizávamos há cinco anos. No entanto, o facto de não surgirem novos imunossupressores leva a perdas de patente, diminuição
de lucros e redução da competição entre os laboratórios, que apostam
menos na promoção e no patrocínio a congressos. Apesar disso, estamos em negociações avançadas com várias companhias, algumas das
quais pretendendo organizar simpósios sobre temas específicos.
Quais as principais novidades relativamente às edições anteriores?
A grande novidade será a participação de colegas de Espanha, que fará
com que o Congresso não seja apenas português e brasileiro mas também o I Encontro Ibérico de Transplantação, em resultado de uma aproximação entre a SPT, que tem já muitos anos de existência, e a recentemente criada Sociedade Espanhola de Transplantação.
Esta será a primeira reunião científica mista entre as duas sociedades
ibéricas e representa a primeira formalização de uma aliança já antiga
e natural entre profissionais de ambos os países. Temos semelhanças
ao nível do sistema de captação de órgãos e das características da população que justificam esta colaboração, com proveito para ambas as
partes. Além disso, há ligações pessoais e de amizade entre especialistas portugueses e espanhóis. No âmbito deste I Encontro Ibérico de
Transplantação, serão aceites comunicações em castelhano, além do
português e do inglês, uma vez que todos os portugueses e brasileiros
entendem facilmente este idioma.
COLABORAÇÃO «FRUTÍFERA» COM O BRASIL
Este será também o XIII Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação. Em que têm beneficiado os portugueses com esta colaboração com os colegas brasileiros?
A ligação com o Brasil tem sido muito frutífera, não apenas por causa
da troca de experiências, mas também porque é mais estimulante
fazer um Congresso internacional do que uma reunião estritamente «caseira». Queremos sempre fazer boa figura junto dos colegas
de outros países, por muito próximos que sejam. Este modelo aumenta
a responsabilidade da organização e incrementa uma certa competição
positiva para ver quem organiza melhores congressos.
A edição anterior do Congresso Luso-Brasileiro, que decorreu entre
12 e 15 de outubro de 2013, no Rio de Janeiro, teve alguma particularidade que julgue interessante replicar este ano?
Na minha opinião, o aspeto mais positivo do Congresso do Rio de
Janeiro foi um esforço bem sucedido para levar pessoas que não estão
na primeira linha da transplantação a participarem na reunião e
a apresentarem trabalhos. Por exemplo, houve uma grande presença
de dietistas, que têm um papel importante, embora por vezes pouco
Detalhes do programa
científico
Embora ainda não esteja encerrado, o programa do
XII Congresso Português de Transplantação/
/XIII Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação/
/I Encontro Ibérico de Transplantação já tem as
suas linhas mestras definidas. Além de dois ou três
simpósios-satélite da indústria farmacêutica, vão
decorrer sessões plenárias e sessões científicas
paralelas, em quatro salas em simultâneo. Estes
serão alguns dos temas em debate:
Sessões plenárias
Registos da atividade
e da situação atual
em Portugal, Brasil
e Espanha
Terapêuticas celulares
e transplantação
Transplantação hepática
e hepatites
Problemas
cardiovasculares pré
e pós-transplantação
Infeções e transplantação
de órgãos e tecidos
Diabetes e transplantação
Histocompatibilidade
Sessões paralelas
Coordenação de colheitas
Histologia (com destaque
para a classificação Banff
Enfermagem e transplantação
2013)
Transplantação de órgãos
Assistência social e
(fígado, rim e rim/pâncreas,
avaliação psicológica
coração e pulmão)
Ciências da Nutrição
Transplantação de tecidos
(medula, osso, córnea, pele
Casos clínicos e discussões
e membrana amniótica)
anatomoclínicas
visível, na transplantação, que não é apenas uma intervenção cirúrgica,
mas um processo que se prolonga por vários anos. Quando tentamos
influenciar a vida do doente que espera por um órgão, não ambicionamos apenas sucesso a curto e a médio prazos, mas também a um prazo
o mais longo possível.
Que aspetos devem ser levados em conta no processo de transplantação?
É claro que a intervenção cirúrgica tem de ser bem feita, mas também
é necessário ter atenção a outras questões menos imediatas às quais
os profissionais que se dedicam ao transplante dão cada vez maior
importância, como os aspetos nutricionais e farmacêuticos ou o papel
dos profissionais dos meios complementares de diagnóstico. Estamos
a tentar atrair ao Congresso estes profissionais, procurando acentuar
um fator que julgo importante: marcar a diferença relativamente aos
grandes congressos internacionais, onde assistimos a palestras de
oradores de grande nível, mas que tendem a repetir-se de país para
país. Hoje em dia, temos a hipótese de assistir a estas conferências nos
congressos internacionais ou mesmo online, pelo que trazer os mesmos oradores a Portugal pode ser uma repetição inútil. E sabemos que
entre portugueses, brasileiros ou espanhóis é quase sempre possível
encontrar alguém, com grande categoria científica, capaz de tratar os
mais variados temas que importam aos congressistas. Sempre defendi
esta ideia, mas a redução das disponibilidades económicas é mais um
motivo para pensar desta forma.
Então os palestrantes estrangeiros virão apenas de Espanha
e do Brasil?
Não obrigatoriamente. É até provável que venhamos a recorrer a algum
|7
oz ativa
perito estrangeiro para abordar um tema específico. Mas, por outro
lado, estamos dependentes do orçamento final do Congresso, que ainda não está totalmente definido. No entanto, se tivermos restrições
financeiras importantes, como suspeitamos, esta será a primeira despesa a cortar.
INCREMENTAR A TRANSPLANTAÇÃO EM PORTUGAL
Tendo em conta que Espanha é um dos países na linha da frente na
área da transplantação, o que tem Portugal a aprender com o país
vizinho?
Espanha pode ser considerada como líder mundial nesta área,
sobretudo na transplantação de dador cadáver. O sistema espanhol de
captação de órgãos tem sido copiado com sucesso em vários países.
Em Portugal, temos uma organização de identificação de dadores e
de colheita de órgãos muito semelhante à espanhola, embora com
menor eficácia e com oscilação de resultados.
A que oscilações se refere?
A organização portuguesa que regulava estas questões [Autoridade
para os Serviços de Sangue e da Transplantação] foi extinta precisamente no melhor momento da sua produção, sendo substituída por
outra instituição [Instituto Português do Sangue e da Transplantação],
com grande perda de tempo e de órgãos. Esta foi uma página absolutamente negra na história da transplantação em Portugal, porque
significou a perda de muitas vidas. Felizmente já está em curso uma
melhoria da situação, sendo que o número de transplantações efetuadas vem aumentando significativamente.
Em Espanha, não só a organização é muito boa como permanece
imune aos sobressaltos políticos. O mundo da transplantação e da colheita é muito difícil de construir: um trabalho que demorou alguns
anos a desenvolver pode ser destruído por um disparate dito num discurso ou por uma modificação estrutural precipitada. Quem sofre com
isso são os profissionais, mas sobretudo os doentes, porque estamos
a falar de casos de vida ou de morte.
A estabilidade das instituições deve ser preservada para não prejudicar os resultados positivos na área da transplantação?
Sim, é necessário promover a estabilidade das equipas centrais e locais, mas também um sistema de avaliação eficaz, uma vez
que, em Portugal, ao contrário de Espanha, há poucos hábitos de fazer auditorias e avaliar o que as equipas técnicas vão fazendo. Tem-se
ocasionalmente assistido à manutenção em funções de pessoas ou
Trabalhos serão publicados
na Transplantation Proceedings
Os abstracts dos trabalhos candidatos a apresentação no Congresso,
sob a forma de comunicações orais, pósteres, casos clínicos ou vídeos, devem ser submetidos através do website da SPT (www.spt.pt) até
dia 15 de maio. Cada trabalho será avaliado por cinco especialistas da
área em causa de Portugal, Espanha e Brasil. Depois, os trabalhos
apresentados no Congresso terão acesso facilitado à publicação na
Transplantation Proceedings, a revista internacional que é o órgão
oficial de expressão científica da SPT. Sublinhando que publicar numa
revista internacional é um incentivo adicional para os investigadores
portugueses, Domingos Machado considera que este acordo entre a
SPT e a Transplantation Proceedings representa também um estímulo para a comissão científica do Congresso, que «coloca uma atenção
extra na avaliação dos trabalhos, porque não quer pôr a sua própria
reputação em causa».
8 | maio 2014
de equipas que já demonstram há demasiado tempo não estar à altura
das suas responsabilidades. E também tem havido pouco apoio
a outras com grande mérito... Por outro lado, deveríamos aprender
com os espanhóis a colaborar mais entre nós. Se juntássemos todos
os centros, poderíamos ter casuísticas muito mais interessantes, com
maior impacto ao nível da publicação de artigos – que também é mais
acarinhada pelos governos espanhóis do que pelos portugueses.
Espero que o Congresso deste ano ajude a fomentar esta colaboração
e a publicação de trabalhos científicos.
A que níveis se sente mais essa falta de apoio do Governo?
O Ministério da Saúde emite, às vezes, documentos com dados desatualizados e conclusões anacrónicas. As recomendações de ordem
técnica das equipas de transplantação têm pouco eco e não é raro
o Ministério nomear grupos de trabalho que produzem documentos
que, por razões que não se percebem, ficam esquecidos. Por vezes
há falta de coerência: no caso do rim, por exemplo, toda a gente sabe
que é mais económico transplantar do que manter doentes em diálise.
No entanto – e para citara penas um aspeto – o apoio aos transportes
dos doentes diminui ou cessa quando são transplantados, o que pode
comprometer seriamente o sucesso da transplantação.
A queda do número de transplantes realizados em Portugal a partir
de 2010 deve-se apenas às mudanças na coordenação?
Há múltiplas razões para essa diminuição. A alteração da estrutura, de
ordem política, foi profunda e demorada, com a transferência de competências para as novas estruturas que passaram a tutelar a transplantação. E, claro, não se pode exigir de uma nova estrutura central
que dê frutos automaticamente. Por outro lado, ocorreram grandes
alterações nos hospitais, como modificações no número de camas de
Cuidados Intensivos e na composição das equipas – e é nestas estruturas que morrem os possíveis dadores de órgãos.
Além disso, é necessária mais formação neste campo. Precisamos
de pessoas motivadas e que percebam de transplantação, o que não
se consegue de um dia para o outro. Quando um doente morre, a
missão dos Cuidados Intensivos não termina, pois podem ser salvas
outras vidas. Mas, para tal, é preciso que os profissionais e as equipas
estejam conscientes disso e tenham formação específica sobre esse
aspeto essencial. Só assim se pode combater o desperdício de órgãos.
Portugal tem possibilidades de atingir, e mesmo de ultrapassar, o
sucesso de Espanha neste campo, se houver consistência no acompanhamento da atividade de transplantação e se, em todas as unidades
de Cuidados Intensivos do País, públicas ou privadas, passar a haver
condições para a identificação de possíveis dadores de órgãos e tecidos.
E é exactamente isso que a lei estabelece em Portugal!
|9
m análise
Últimos dados do
Registo nacional
de Transplantação
Renal
O aumento da sobrevida dos enxertos
e dos doentes é um dos aspetos mais
significativos dos últimos dados do Registo
Nacional de Transplantação Renal da
Sociedade Portuguesa de Transplantação
(SPT). O aumento do número de
transplantes, após a queda iniciada em
2010, é outra das evidências em destaque.
Luís Garcia
A
nomeadamente o tempo médio em diálise antes da transplantação, que tem diminuído para valores tendencialmente idênticos
aos prévios à publicação da lei, embora se trate, ainda, de um
valor elevado», sublinha Rui Filipe.
nalisando os dados de 2012 e a informação ainda não consolidada de 2013, o coordenador do
Registo Nacional de Transplantação Renal,
Dr. Rui Filipe, sublinha o facto de a sobrevida do
enxerto e do doente estar a aumentar, década
após década, «o que demonstra
que a atividade de transplantação está a obter cada vez melhores resultados».
A sobrevida do doente a um ano, por exemplo,
1,0
subiu de 95,7% (nas décadas de 80 e 90 do século XX)
10 | maio 2014
Década de:1980
1990
2000
2010
0,8
Sobrevida cumulativa
para 96,6% (no período entre 2000 e 2009) e para
97,2% (entre 2010 e 2011). Já a sobrevida a dez
anos aumentou de 72,6% (na década de 1980)
para 87,1% (entre 2000 e 2009).
No que respeita à sobrevida do enxerto, o progresso é também evidente. De 83% de sobrevida
a um ano (na década de 80), passou-se para 91%
(entre 2000 e 2009); ao passo que a sobrevida a
dez anos subiu de 50% (na década de 80) para
70% (entre 2000 e 2009).
Na opinião de Rui Filipe, estes avanços são ainda mais relevantes tendo em conta a progressiva
perda de qualidade dos dadores, com idades cada
vez mais avançadas, e a redução de dadores por
traumatismo cranioencefálico. «Apesar de todos
os constrangimentos, sejam restrições económicas
ou de qualidade dos dadores, os indicadores têm
vindo sempre a melhorar», sublinha.
Outro aspeto importante é a melhoria de vários
parâmetros, como o tempo médio em diálise, a
rejeição aguda e o retransplante, que se tinham
agravado bastante em 2007, com a introdução de
nova legislação para a transplantação. «Paulatinamente, estes indicadores têm vindo a melhorar,
sobrevida do enxerto
evolução ao longo das décadas (n=9 287)
0,6
0,4
0,2
0,0
0,0
SOBREVIDA
5,0
1 ANO
10,0
15,0
20,0
Sobrevida
25,0
30,0
5 ANOS 10 ANOS 15 ANOS 20 ANOS 25 ANOS
Década de 1980
83%
66%
50%
38%
Década de 1990
89,7%
77,7%
62%
48,1%
2000 - 2009
91%
82,6%
70%
2010 - 2011
91,1%
---
---
28%
19%
36,7%
---
---
---
---
---
---
---
caracterização dos recetores
Base de dados única
marca nova fase do Registo
Terapêutica substitutiva prévia
Tempo de diálise antes do transplante
100
Os anos de 2012 e 2013 foram de mudança para o próprio
Registo Nacional de Transplantação Renal da SPT. «Nos
anos anteriores, cada centro de transplantação tinha a sua
base de dados e a SPT agregava essa informação. Nos últimos dois anos, verificou-se a transição para uma única base
de dados, na qual as unidades registam diretamente», refere
Rui Filipe.
De acordo com o coordenador deste Registo, as alterações
introduzidas neste processo permitem analisar, «ao momento, com maior número de parâmetros e de forma rigorosa», a
realidade da transplantação em Portugal.
Outra alteração importante a implementar a breve trecho
no Registo – que já abrange a totalidade dos centros que
transplantam em Portugal – consistirá na inclusão de todas
as unidades que seguem os doentes em Portugal, nomeadamente Vila Real, Castelo Branco, Açores e Madeira.
90
80
70
60
50
40
30
20
10
Apesar de os dados relativos a 2013 não estarem ainda consolidados,
Rui Filipe adianta que o número de transplantes já mostra uma
recuperação clara em relação ao «ano menos positivo de 2012».
«Com as alterações legislativas da doação e a criação de grupos
hospitalares para a doação, houve um grande aumento da colheita
em Portugal. Depois, durante dois ou três anos, assistiu-se a uma
queda. No último ano, verificou-se um retorno da atividade das
colheitas para valores positivos, o que demonstra que, provavelmente, a colheita em Portugal ganhou outra sustentabilidade»,
sublinha Rui Filipe.
Na opinião do coordenador do Registo Nacional de Transplantação,
a queda que se verificou ao nível da colheita teve causas diversas,
como a desmotivação de profissionais, a criação de vias verdes, as
modificações ao nível do sistema de incentivos e as alterações na
coordenação nacional da transplantação. «Da mesma forma que a
queda nas colheitas se deveu a vários fatores, a recuperação que
agora se verifica também terá diversas origens», conclui Rui Filipe.
2012
2011
2010
2009
2008
2.º semestre de 2007
Recuperação no número de transplantes
1.º semestre de 2007
1980-2007
0
N
Média (M)
6 131
45,8
1.º semestre
de 2007
194
47,5
2.º semestre
de 2007
188
89,2
2008
494
80,3
2009
535
74,3
2010
415
69,9
2011
315
65,5
2012
279
54,8
1980-2007
transplantação renal em portugal
evolução de 1980 a 2012
600
Número de transplantes
500
Dados da Lusotransplante
Dados da Sociedade Portuguesa de Transplantação
400
300
200
100
0
80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12
Anos
Lusotransplante (total de transplantes): 10 238 Sociedade Portuguesa de Transplantação (total de transplantes): 10 310
| 11
vivo
Multidisciplinaridade ao
serviço da excelência
Com cerca de 1 530 transplantes hepáticos, 1 100 transplantes renais e 30 transplantes pancreáticos
realizados, o Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação do Centro Hospitalar de Lisboa Central/
/Hospital Curry Cabral é hoje uma referência a nível nacional e internacional. Oferecer uma resposta clínica
integrada aos doentes com patologias complexas do fígado, vias biliares e pâncreas, sem descurar a vertente
formativa, é um dos principais desafios dos profissionais deste Centro.
O
Inês Melo
relógio marca 19h00. A luz começa agora a esmorecer, contagiando os corredores agitados do Hospital Curry Cabral (HCC). É uma calma aparente,
que se dissipa quando chegamos ao último piso
do edifício principal, onde ainda decorre a reunião
multidisciplinar de transplante. É assim todas
as semanas desde que o Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação (CHBPT) abriu as portas, em
fevereiro de 2005. «Em retrospetiva, foi uma aposta muito ambiciosa:
conseguir construir, em Portugal, um centro capaz de oferecer aos
doentes com patologias complexas do fígado, das vias biliares e do
pâncreas um tratamento com a mais alta qualidade e de nível
internacional», conta o Prof. Eduardo Barroso, diretor do Serviço de
Cirurgia da Unidade de Transplantação do HCC.
Com condições muito diferentes das atuais, o programa de transplantação do HCC arrancou em 1989, com a transplantação renal.
Três anos mais tarde, a equipa então liderada pelo Dr. João Rodrigues
Pena realizava o primeiro transplante hepático programado em
Portugal. «Tudo mudou desde essa altura, sobretudo com a necessidade de oferecer aos doentes uma resposta clínica integrada»,
observa Eduardo Barroso, responsável pelo Serviço de Cirurgia
desde 2003.
SABIA QUE...
12 | maio 2014
Numa área em que predominam patologias muito complexas,
não bastavam cirurgiões para dar resposta à ambição deste grupo.
Concentrado em assegurar as condições necessárias para o
sucesso, o CHBPT reuniu no mesmo serviço cirurgiões, hepatologistas, nefrologistas, oncologistas, imagiologistas, anestesistas,
enfermeiros, psiquiatras, fisiatras e outros técnicos com experiência diferenciada.
«Uma equipa multidisciplinar dedicada é o elemento determinante
para os nossos resultados e para a confiança dos doentes que nos
procuram. Para cada doente é preciso definir uma estratégia terapêutica global, que pode passar pelo transplante ou pela ressecção
», revela o diretor. Em pouco tempo, com um esforço de concentração e de rentabilização de recursos, o CHBPT conseguiu atrair um
volume de doentes que poucos centros na Europa possuem.
Entre 2011 e 2012, foram realizadas 830 intervenções ‒ um aumento de 30% relativamente aos números registados entre 2004
e 2005 (ver gráfico na página ao lado). Até ao momento, foram
também realizadas 1 200 ressecções hepáticas por metástases de
carcinoma das células renais e 650 ressecções pancreáticas por
diversos tumores.
De acordo com Eduardo Barroso, estes resultados tornaram necessária uma nova forma de organização, que não se coaduna com
…o Dr. João Rodrigues Pena, pioneiro no programa de transplantação do Hospital
Curry Cabral, participou no primeiro transplante hepático em seres humanos realizado
na Europa, no Hospital de Addenbrooks, em Cambridge?
…o Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação do Hospital Curry Cabral
deu apoio direto ao arranque do programa de transplante hepático do Uruguai, que já
realizou 70 transplantes?
todas as áreas da Cirurgia a que estes profissionais estavam obrigados a dar assistência. Atualmente, a equipa está apenas concentrada na cirurgia hepato-bilio-pancreática e nos transplantes.
Percorremos os corredores do Internamento do CHBPT, hoje com
28 camas apenas para transplante, no mesmo compasso descontraído
com que Eduardo Barroso cumprimenta os doentes. Na opinião do
diretor, é impossível garantir diagnósticos e tratamentos de qualidade
sem a criação de centros diferenciados. O tempo de todos fazerem um
pouco de tudo, sem volume de casuística que permita adquirir experiência, competência e capacidade formativa, terá chegado ao fim. «A
Cirurgia Geral, ou o que resta dela, vai sofrer importantes mudanças,
com a necessidade absoluta de ser organizada em centros de referência. Para já, a constituição de três áreas fundamentais parece óbvia
− cirurgia do esófago e do estômago, cirurgia hépato-bilio-pancreática
e cirurgia do reto.»
A par da subespecialização, Eduardo Barroso garante que é imprescindível a criação de centros de referência adaptados às necessidades do País − «é a grande reforma que falta fazer na Medicina
hospitalar», diz com convicção. Sobre os centros de referência para
o tratamento das patologias complexas do fígado, das vias biliares
e do pâncreas, o responsável frisa a necessidade de infraestruturas
mínimas, como um bloco operatório bem apetrechado, radiologia
de intervenção e o acesso a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) no próprio hospital. Casuística relevante, números
assistenciais mínimos, resultados publicados e resposta atempada
na referenciação externa são também aspetos realçados pelo
diretor.
Capacidade formativa
Aos impressionantes resultados do CHBPT também não será
alheia a capacidade de formação, responsável pela continuidade
dos programas de transplantação, mas não só. «Um Centro com a
nossa dimensão assistencial tem, obrigatoriamente, de desenvolver projetos de investigação consistentes, que permitam promover
a capacidade de inovação e a formação científica e técnica dos mais
novos», realça Eduardo Barroso. Nesse sentido, a capacidade para
receber jovens profissionais das diferentes áreas multidisciplinares
é uma das grandes preocupações do CHBPT. Esta disponibilidade
revela ainda uma responsabilidade acrescida: garantir a formação
diferenciada dos profissionais de saúde.
«Da qualidade da formação podem depender as novas gerações
de profissionais, mas também a capacidade estratégica de futuros
2004 a 2005
2011 a 2012
140
124
120
106
100
89
80
82
60
40
20
0
33
22
0
Hepatectomia Pancreatec- Transplante
major
tomia
hepático
5
Transplante
pancreático
Atividade cirúrgica do CHBPT de novembro de 2011 a novembro de
2012, comparada com igual período nos anos de 2004-2005. De acordo
Catarina Aguiar, interna deste Serviço de Cirurgia e uma das autoras
do trabalho, registaram-se 830 intervenções, comparativamente com
as 640 realizadas previamente. A cirurgia de ressecção hepática major
aumentou 275%, registou-se um incremento de 304% na cirurgia de
ressecção pancreática major, um aumento de 29% de transplantes
hepáticos e realizaram-se cinco transplantes pancreáticos. Entre 2013 e
2014, estes números continuaram a aumentar exponencialmente.
serviços e do próprio Serviço Nacional de Saúde [SNS]», considera
Eduardo Barroso. Graças a esta premissa, o CHBPT tem conseguido ser um pólo de atração de profissionais de alta qualidade e
diferenciação, colaborando com vários hospitais nacionais e internacionais. «Esta concentração de experiência não só favorece o
desenvolvimento e a qualidade dos serviços, como promove padrões
de qualidade mais elevados na generalidade do sistema da saúde.»
Depois de passarem pela consulta externa, todos os casos referenciados ao CHBPT são discutidos na reunião multidisciplinar de transplante, que decorre uma vez por
semana. A finalidade desta reunião passa pela confirmação do diagnóstico, definição de estratégias terapêuticas globais e discussão da técnica cirúrgica mais adequada
| 13
vivo
Testemunhos da enfermagem
«O papel do enfermeiro no bloco operatório é de grande complexidade e diferenciação, pelo conhecimento técnico e científico que
acarreta, sobretudo na área da instrumentação. Atualmente, a
equipa de enfermagem do CHBPT tem também uma importante
vertente formativa, colaborando com o programa internacional de
treino do Institut Hépatobiliaire Henri Bismuth, em França. A par
das infraestruturas de excelência, a experiência dos profissionais
e o volume das cirurgias hepáticas (a ponte para o transplante)
fazem do CHBPT um centro de referência na Europa e no mundo.
Temos 23 enfermeiros treinados para dar resposta ao transplante e uma equipa com uma faixa etária que ronda os 40 anos
‒ treinar jovens enfermeiros é uma premissa para dar continuidade. No bloco operatório, procuramos funcionar como
a tripulação de um voo: aterra um avião, a tripulação vai descansar e entra outra equipa. Tal como num voo, utilizamos uma
check list, por segurança, em cada ato cirúrgico. Sem a dimensão desta estrutura, seria impossível trabalhar desta forma e
com qualidade. De realçar também o entusiasmo e a liderança do Prof. Eduardo Barroso, que contribuem para o volume
de procedimentos que temos hoje.» Rui Leal, enfermeiro-chefe
do bloco operatório do HCC e coordenador de enfermagem da
área cirúrgica do CHLC
Aposta na diferenciação
Foi neste contexto que, em outubro de 2012, o Dr. João Machado,
internista diferenciado em Infeciologia, passou a tempo inteiro para o
CHBPT. A visão de infeciologista dentro da matriz da Medicina Interna
tem possibilitado o enriquecimento da intervenção multidisciplinar na
transplantação hepática. «Compete-me sensibilizar toda a equipa para
a suspeição célere das infeções, a par dos bons procedimentos diagnósticos e do uso adequado das terapêuticas antibióticas. É na transplantação hepática que se registam cada vez mais infeções nosocomiais
com microrganismos multirresistentes. Daí que a minha intervenção
também se concentre nas atitudes profiláticas que possam minimizar
o impacto destas infeções», explica João Machado.
Vocacionado desde a sua inauguração, em 1902, para o tratamento
de doenças infeciosas, o HCC foi também pioneiro no transplante
hepático em doentes com infeção pelo vírus da imunodeficiência
humana (VIH). Envolvido no acompanhamento destes doentes desde
o pré-transplante e responsável pelo seu seguimento no prós-transplante, João Machado recorda que, desde 2007, o CHBPT já
realizou 21 transplantes hepáticos em doentes com infeção VIH,
mostrando sempre recetividade em relação à referenciação destes
casos − particularmente com cirrose pelo vírus da hepatite C.
A força de uma equipa multidisciplinar, altamente especializada e
constituída por especialistas das mais diversas áreas, é então o se-
«Os enfermeiros desempenham um papel crucial na equipa multidisciplinar do CHBPT. No pré-transplante, existe um trabalho
de preparação que envolve, frequentemente, a necessidade de
alterar comportamentos individuais e sensibilizar o doente para
a importância da adesão terapêutica, aspetos fundamentais para
o sucesso de qualquer transplante. Um dos principais constrangimentos deste trabalho prende-se com o facto de, na fase de
pré-transplante, os doentes estarem pouco recetivos para integrar
esta informação, pois estão completamente focados na melhoria
substancial da sua qualidade de vida.
Outra etapa importante da atuação da equipa de enfermagem
centra-se no regresso a casa. O processo de edução é basilar, não
só no que respeita à complexidade da terapêutica, mas sobretudo
nos ensinos personalizados que visam a autonomia e a qualidade
de vida de cada doente transplantado ‒ este é o trabalho diário dos
enfermeiros, 365 dias por ano. Para facilitar esta adaptação, compilámos em livro vários folhetos informativos, com linguagem acessível, sobre os principais cuidados a ter. Embora complexo, o trabalho
da enfermagem é fascinante. O grande desafio, na conjuntura atual,
é garantir a qualidade dos cuidados prestados, com um número
cada vez mais reduzido de profissionais.» Fernanda Moreno,
enfermeira-chefe da Unidade de Transplantes do HCC
gredo para o sucesso do CHBPT. «Sobreviver com qualidade» é agora
o desafio que estes profissionais enfrentam. «Sem evoluirmos para
a criação de centros de referência dentro do SNS, não será possível
oferecer aos nossos doentes diagnósticos e tratamentos modernos
e competentes. É preciso informar, sobretudo a população que se
encontra fora dos grandes centros urbanos, de que as patologias
complexas do fígado, das vias biliares e do pâncreas só devem ser
discutidas, tratadas e operadas em centros especializados», conclui
Eduardo Barroso.
Reunião assinala
1 500 transplantes hepáticos
Nos dias 28 e 29 do próximo mês de novembro, o Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de Transplantação do Centro Hospitalar de
Lisboa Central/Hospital Curry Cabral organiza uma sessão científica para assinalar os 1 500 transplantes hepáticos e os 1100
transplantes renais realizados. À semelhança de edições anteriores, o evento terá lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em
Lisboa. «Valeu a pena?» é a pergunta que dará mote à discussão
em torno dos principais desenvolvimentos na área da transplantação e no tratamento cirúrgico multidisciplinar das patologias hepato-bilio-pancreáticas.
Sem evoluirmos para a criação
de centros de excelência dentro
do SNS, não será possível
oferecer aos nossos doentes
diagnósticos e tratamentos
modernos e competentes
Prof. Eduardo Barroso
14 | maio 2014
Retrato
De quase
internista a
apaixonado pelos
transplantes
Quando se deparou com a Nefrologia, não pensou duas
vezes e «deixou para trás» dois anos de internato em
Medicina Interna. Mais tarde, enveredou pela transplantação renal. Decisões de que o Dr. António Morais
Sarmento, atual diretor clínico da Unidade Renal do
Hospital da Prelada, no Porto, e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação e da Sociedade
Portuguesa de Nefrologia, não se arrepende e que se
refletem no entusiasmo com que olha para o passado.
Marisa Teixeira
E
mbora estivesse a gostar de frequentar o internato geral em Medicina Interna no Hospital de São João, no
Porto, quando ouviu falar de rins artificiais ficou fascinado. «Soube que havia um no Hospital de Santo António, com o qual começaram a fazer alguns tratamentos
e, ainda em Medicina Interna, juntei-me também a esse grupo pioneiro», recorda António Morais Sarmento.
Corria o ano de 1975 quando abriu o internato de Nefrologia no
Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António. Morais
Sarmento não hesitou e decidiu seguir esse caminho. Uma data
que nunca esquecerá é o dia 7 de julho de 1983, quando participou
no primeiro transplante de rim de cadáver realizado naquela unidade hospitalar.
Desde então, ficou praticamente sempre ligado à área do transplante. «Foram anos fabulosos e foi particularmente aliciante
também ver nascer, já no final dos anos de 1980, o programa de
transplante hepático», afirma o especialista. E acrescenta: «Depois, durante alguns anos, tivemos o único programa em Portugal
de transplante duplo de pâncreas e rim em doentes diabéticos.»
Contudo, Morais Sarmento recorda também alguns aspetos menos
positivos: «O Hospital de Santo António e o País tinham más condições, era tudo muito primitivo nessa época. Sou do tempo em que
muitos doentes emigravam para fazer diálise. Infelizmente, vimos
morrer muitas pessoas, porque não tinham possibilidades para ir
ao estrangeiro e nós não tínhamos meios para os tratar.»
O grande desafio da vida de António Morais Sarmento foi a transplantação, uma área que passou por evoluções significativas, mas
que continua a enfrentar alguns problemas na atualidade, como é o
caso do transporte dos doentes. «Se agora é complicado, antes era
dramático. Cheguei a oferecer-me para dar consulta em Braga. Na
altura, não quiseram devido ao custo dos fármacos», conta.
Um motivo que este médico considerou ilógico, «pois esses mesmos medicamentos eram dados em outros locais, os gastos do Estado
eram os mesmos e o bem-estar dos doentes não». O atual diretor
clínico da Unidade Renal do Hospital da Prelada lamenta que, «ao
fim de 30 anos, os doentes continuem a percorrer quilómetros para
chegarem aos centros que fazem transplante em Portugal».
Apesar de tudo, no geral, António Morais Sarmento guarda boas recordações dos seus 70 anos de vida, algumas de vivências além-fronteiras. Quando teve de cumprir o serviço militar obrigatório foi para Angola, em 1971. «A minha relação com a população das “terras do fim
do mundo”, no leste do país, foi fabulosa», lembra o médico, explicando
que «a sensibilidade que aquelas pessoas tinham aos medicamentos
era brutal». «Eu fiz autênticos milagres», refere entre sorrisos.
Este especialista em transplantação renal considera-se um «conservador de esquerda», devido aos princípios e valores que os pais lhe
transmitiram. Talvez por isso não consiga entender a desumanização
em que a Medicina está a cair. «Se não tivermos um bom grupo de trabalho, no seio do qual, a par da capacidade técnica, também existam
afetos, é muito difícil. Ninguém faz nada sozinho, tem de haver espírito
de equipa. Mas, hoje em dia, isso é posto em causa e parece que somos
um bando de mercenários», denuncia. Críticas à parte, António Morais
Sarmento sublinha o entusiasmo com que encara o seu percurso profissional e o sentimento de dever cumprido de cada vez que contribuiu
para salvar uma vida.
Escrita na «gaveta das memórias»
António Morais Sarmento, que também foi presidente da Sociedade
Portuguesa de Transplantação entre 2006 e 2009, não se considera um saudosista, mas guarda na sua «gaveta das memórias»
breves histórias – reais e ficcionadas – que foi escrevendo ao longo
dos tempos e, de vez em quando, gosta de relê-las. «São desabafos. Agora já não escrevo tanto, tal merece tempo e estados de
alma e, quando não estou aqui [Hospital da Prelada], tenho outras
actividades familiares e com amigos», desabafa. No entanto,
chegou a divertir a equipa que dirigiu no Serviço de Nefrologia do
Hospital de Santo António, principalmente no Natal, com os seus
contos caricaturais.
| 15
ransformar
Simpósio organizado pela SPT debateu
O número de transplantes realizados em Portugal tem
sofrido um decréscimo acentuado. As razões e a forma
de inverter esta realidade foram debatidas no Simpósio
«Da Doação e Colheita de Órgãos à Transplantação», que
decorreu em Lisboa, nos dias 6 e 7 de dezembro de 2013.
Vanessa Pais
D
urante dois dias, a Sociedade Portuguesa de Transplantação
(SPT), o Instituto Português do Sangue e da Transplantação
(IPST) e a Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos (SPCI)
promoveram o debate em torno da realidade da transplantação
nacional no simpósio «Da Doação e Colheita de Órgãos à Transplantação». «Trata-se de um tema da máxima importância, porque não há
transplantação sem doação e sem colheita de órgãos, portanto, é preciso discutir esta problemática e relançar a sua discussão», declarou, na sessão de
abertura, o Dr. Fernando Macário, presidente da SPT.
Por seu turno, o Dr. Ricardo Matos, presidente da SPCI, fez questão de reforçar que «este simpósio teve como objetivo claro apoiar e promover a doação
e a transplantação». Esta intenção, nesta e em outras reuniões, conta com o
apoio total do IPST, como afirmaram a sua coordenadora nacional, Dr.ª Ana
França, e o seu presidente, Prof. Hélder Trindade. «A troca de experiências
certamente contribuirá para melhorar a nossa realidade nesta área», refletiu
o presidente do IPST.
Novo rumo para a
transplantação
em Portugal
Os responsáveis pelas unidades de
transplantação com maior atividade em
Portugal, ao nível dos vários órgãos, foram
convidados para falar sobre os limites à sua
atividade, numa tentativa de delinear um
novo rumo para a realidade nacional. Eis um
resumo das questões levantadas:
Da colheita à transplantação – aspetos a melhorar
O Simpósio arrancou com a palestra do Prof. Julio Pascual, do Serviço de Nefrologia do Hospital Del Mar, em Barcelona, uma das duas presenças de Espanha nesta reunião (ver caixa «Participação espanhola»). Seguiu-se a discussão
em torno das questões éticas e legislativas ao nível da doação e colheita, que
foram abordadas pelo Dr. Domingos Machado (coordenador da Unidade de
Transplantação Renal do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental/Hospital de
Santa Cruz) e pela Dr.ª Ana Pires da Silva (da Direção de Serviços de Gestão e
Controlo Operacional da Autoridade para os Serviços de Sangue e da Transplantação).
A realidade portuguesa no que diz respeito aos critérios de distribuição de
órgãos foi elencada por Ana França, que começou por apresentar o ponto da
situação em números: «Neste momento, cerca de 2 500 doentes precisam de
órgãos, sendo que, em 2012, só foi possível transplantar 681.» O número insuficiente de dadores foi apresentado como a principal preocupação, sendo
que muitos dos especialistas presentes mostraram depositar esperanças no
início do programa do dador em paragem cardiocirculatória. No entanto, esta
questão não é linear, como foi reforçado na conferência do Prof. Rui Moreno,
investigador na Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar de
Lisboa Norte/Hospital de Santa Maria, intitulada «Diagnóstico de morte
(morte cerebral, morte circulatória)».
O segundo dia do Simpósio ficou marcado pelo debate em torno da deteção
do dador e da coordenação de doação. Foram apresentadas as experiências dos
Gabinetes Coordenadores de Colheita e Transplantação (GCCT) do Hospital Prof.
Doutor Fernando Fonseca, na Amadora; do Centro Hospitalar Tondela-Viseu; do
Centro Hospitalar de Lisboa Central e do Centro Hospitalar do Porto.
Na parte da tarde, Hélder Trindade fez o diagnóstico da situação da transplantação em Portugal através da análise do relatório do grupo de trabalho
para a diminuição do número de transplantes. Depois de analisar todos os fatores, o presidente do IPST afirmou que se esperam melhorias, «mas talvez
não a curto prazo». O Simpósio encerrou com as reflexões de vários especialistas sobre as limitações à atividade da transplantação para além da escassez
de dadores (ver caixa «Novo rumo para a transplantação em Portugal»).
16 | maio 2014
Dr. Fernando Martelo
Responsável pela Unidade de Transplantação
Pulmonar do Centro Hospitalar de Lisboa Central/
/Hospital de Santa Marta
«A necessidade calculada por milhão de habitantes é, em média, de 2,5 transplantes de pulmão, o que daria para Portugal um valor de 25
transplantes por ano. Temos progredido no que
toca aos resultados, esperando atingir essa meta
já no ano de 2014. A nível geral, a doação dos pulmões de dador cadáver deveria ser incentivada,
sabendo todos que a preservação do pulmão no
dador é uma atividade complexa, pela fragilidade do órgão em causa. A nível local, deveríamos
aumentar a capacidade da estrutura física do
hospital, para tratar mais doentes, e resolver
o problema da falta de enfermeiros. Também é
preocupante que a atividade da transplantação
colida e concorra com a atividade cirúrgica de rotina no nosso Serviço.»
realidade da transplantação nacional
Prof. António Castro Henriques
Responsável pela Unidade de
Transplantação Renal do Centro Hospitalar
do Porto/Hospital
de Santo António
«Registam-se, em média, 2,7 transplantes de pâncreas por milhão de habitantes, mas o ideal seria estarmos
entre os 3,5 e os 4. São necessários
cirurgiões treinados e dadores capacitados. Em alguns locais, ainda não se
aceita bem a colheita do rim e do pâncreas. É preciso boa vontade para dar
resposta aos doentes de todo o País.»
prof. Eduardo Barroso
Diretor do Centro Hepato-Bilio-Pancreático e de
Transplantação do Centro Hospitalar de Lisboa Central/
/Hospital Curry Cabral
Participação
espanhola
«A hipótese de abrir outro centro de transplantação de fígado no sul do País é catastrófica. Não faz
qualquer sentido. Até ao final de outubro de 2013,
fizemos 55 transplantes no Porto, 55 em Coimbra e
83 em Lisboa, portanto, estamos na ordem dos 200
transplantes. Está a haver mais doentes na nossa
lista de espera, que é grande, sobretudo por tumor.
Penso que deveríamos averiguar se as limitações
de hoje fazem sentido no futuro e a organização dos
serviços que fazem transplantes tem de melhorar.»
O Dr. Ricardo Matos, o Prof. António Castro Henriques, o Dr. Fernando Martelo, o Prof. Manuel Antunes, o Prof. Alfredo Mota,
o Prof. Eduardo Barroso, a Dr.ª Ana França, o Dr. Fernando Macário e o Prof. Hélder Trindade (da esq. para a dta.) foram os
convidados do painel «Atualidade da atividade da transplantação em Portugal»
Prof. Manuel Antunes
Prof. Alfredo Mota
Diretor do Centro de Cirurgia Cardiotorácica do
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)
Diretor do Serviço de Urologia e Transplantação
Renal do CHUC
«Classicamente, considerava-se que deveriam ser realizados dez transplantes de coração por milhão de habitantes, mas seis ou sete
estariam mais de acordo com as necessidades
atuais. Em Portugal, apesar de termos uma
média de 45 a 50 transplantes por ano, deparamo-nos com um grande problema – o facto de
os dadores serem cada vez mais velhos e menos adequados. Nos primeiros anos, a média
de idades andava próxima dos 25 anos e agora
está na casa dos 40. Por outro lado, começamos a ter dificuldade em atrair os especialistas mais novos para esta atividade que exige
muito sacrifício. Não acredito que haja alguém
que só se dedique à transplantação por dinheiro, mas ajuda.»
«No CHUC, como o transplante renal e o transplante hepático utilizam os mesmos recursos, há
alguma dificuldade de coordenação, o que motiva atrasos com repercussão na isquemia fria dos
enxertos renais. Por outro lado, é incompreensível que os hospitais que mais transplantam sejam penalizados pelos custos da imunossupressão. Porque não são as administrações regionais
de saúde a pagar a imunossupressão e os transportes dos doentes, visto que poupam na hemodiálise? Também considero que todos os centros
hospitalares com Serviço de Nefrologia deveriam
ter uma consulta pós-transplante. Para reduzir a
lista de espera, é necessário um esforço de todos
para conseguir um aumento do número de órgãos para transplante, sobretudo de dador vivo.»
O Prof. Julio Pascual, do Serviço de
Nefrologia do Hospital Del Mar, em
Barcelona, foi o primeiro orador do
Simpósio «Da Doação e Colheita de
Órgãos à Transplantação», passando em revista a evidência relativa à
imunossupressão. «As novidades
nesta área não passam propriamente pela existência de novos
fármacos, mas por novos conceitos,
como a possibilidade de reduzir o
risco de neoplasias e de proliferação cardiovascular indesejada com
os inibidores da mTor [mammalian
target of rapamycin]», notou este
especialista.
Já a Dr.ª Elisabeth Coll, da Organização de Transplantes de Espanha,
apresentou a realidade do país vizinho no painel dedicado aos critérios de distribuição de órgãos. Esta
convidada sublinhou que o decréscimo de transplantes associado à
diminuição do número de dadores
também se verifica em Espanha,
pelo que se torna necessário o estabelecimento de acordos bilaterais entre diferentes países, como
o existente entre Espanha, Itália,
França, Portugal e República Checa.
Além disso, Elisabeth Coll referiu
que, «em Espanha, os critérios clínicos, geográficos e o tempo de lista
de espera são os mais utilizados na
distribuição de órgãos».
| 17
ransformar
Números de 2013 contrariam
curva descendente
dos últimos anos
Debater os desafios que a transplantação enfrenta em Portugal foi o principal objetivo do Fórum Aberto sobre
Transplantação, destinado a todos os profissionais de saúde, independentemente da sua área de especialização. A
iniciativa decorreu no dia 21 de março passado, em Lisboa, e destacou o aumento do número de dadores e órgãos
colhidos em 2013 comparativamente a 2012, apesar de ainda persistirem alguns obstáculos à transplantação.
Marisa Teixeira
O
s dados de 2013 – com um aumento do número de dadores em morte cerebral (mais 16,7%) e de órgãos colhidos
(mais 15,5%), comparativamente a 2012 – são positivos,
contrariando a curva descendente dos últimos três anos.
Para que esta evolução prossiga, a Dr.ª Ana França, coordenadora nacional de transplantação e uma das intervenientes no
Fórum Aberto sobre Transplantação, considera necessário «continuar
a trabalhar de uma forma séria, consistente e não deixar que se repita
o que aconteceu nos últimos anos – um período de vazio, sem uma
estrutura organizativa reguladora e promotora de atividades».
«Neste momento, temos o Instituto Português do Sangue e da
Transplantação [IPST], que visa regular o que se passa em todos os
âmbitos da doação e da transplantação em Portugal», sublinhou Ana
França. O planeamento do futuro e a definição de estratégias com
base no conhecimento da realidade nacional, que deve ser aprofundado, é outra das questões que a especialista considera fundamental.
É de referir que, apesar da recuperação, o crescimento do número de
dadores e colheita de órgãos não é uniforme em todo o País e «continuam a verificar-se discrepâncias demasiado óbvias» entre regiões e
unidades hospitalares que têm características semelhantes.
Número de dadores efetivos em 2013 por Gabinete
Coordenador de Colheita e Transplantação (GCCT)
GCCT do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra:
105 (+ 17 do que em 2012)
GCCT do Centro Hospitalar de Lisboa Central/Hospital de
São José: 71 (+ 17)
GCCT do Centro Hospitalar de São João, no Porto: 45 (+ 3)
GCCT do Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo
António: 38 (=)
GCCT do Centro Hospitalar de Lisboa Norte/Hospital de
Santa Maria: 35 (+ 5)
18 | maio 2014
Principais desafios
Colheitas e
transplantes em 2013
294 dadores (mais 42
A Dr.ª Susana Sampaio, vice-predo que em 2012), com mais
sidente da Sociedade Portuguesa
116 órgãos colhidos;
de Transplantação (SPT) e uma das
moderadoras do Fórum, sublinhou
23% dos dadores com
causa de morte traumática
que «o problema mais óbvio nesta
(em 2012 eram 30%);
área é o número de transplantes,
que deveria ser maior». Além disso,
Mais 109 transplantes
realizados do que em 2012;
a também nefrologista no Centro
Hospitalar de São João, no Porto,
Maior número de
destaca a centralização como outro
transplantes cardíacos dos
últimos cinco anos (55);
dos obstáculos, pois muitos dos doentes que estão centralizados em
Aumento do transplante
unidades de transplante têm difihepático para níveis
culdade em financiar as deslocasuperiores aos de 2011;
ções. «Estas situações têm desenAumento dos
cadeado drop outs de terapêutica
transplantes pancreático
e até perdas de enxerto. No fundo,
e pulmonar para níveis
semelhantes a 2011;
o Estado poupa em transportes e
perde dinheiro de outra forma, com
Aumento do número de
todos os custos sociais inerentes»,
transplantes renais, tanto
com dador cadáver (382 em
lamentou Susana Sampaio.
2012 e 399 em 2013) como
Esta opinião foi partilhada pelo
com dador vivo (47 em 2012
Dr. Jorge Daniel, diretor do Proe 51 em 2013).
grama de Transplante de Fígado
e da Unidade de Transplantação
Hepática do Centro Hospitalar do Porto/Hospital de Santo António e
também moderador do Fórum Aberto de Transplantação. Este especialista salientou alguns fatores que podem contribuir para que os
resultados sejam mais satisfatórios. Entre eles, «é importante que a
população esteja esclarecida sobre o que é a doação e que os hospitais
estejam atentos para que não se percam dadores».
Além das questões referidas, este Fórum abordou outros assuntos, como a necessidade de atualização e a fiabilidade dos registos, a
problemática dos tempos de espera e a dificuldade em cativar novos
cirurgiões para a transplantação.
agenda
DATA
Evento
Local
+Info
12 a 17
1er Congreso Internacional de Donacion y Trasplante
Punta Cana, República
Dominicana
congresodontras.org
29 e 30
Jornadas Internacionais de Cirurgia
Auditórios do Centro
Hospitalar e Universitário de Coimbra
eruditus.pt
3rd International Conference on
Nephrology & Therapeutics
Valência, Espanha
nephrology2014.
conferenceseries.net
World Transplant Congress 2014
São Francisco, EUA
wtc2014.org
10 a 13
14th Congress of the Middle East Society for Organ
Transplantation
Istambul, Turquia
mesot2014istanbul.org
27 a 29
23rd Annual ITNS (International Transplant Nurses Society)
Symposium
Houston, EUA
itns.org
9 e 10
XXI Congresso Português de Transplantação,
Congresso Luso-Brasileiro de Transplantação,
I Encontro Ibérico de Transplantação
Sana Lisboa Hotel
spt.pt
17 a 19
3rd ESOT (European Society for Organ Transplantation)
and AST (American Society of Transplantation) Joint Meeting
- «Personalized transplantation - from new diagnostics to new
therapeutics»
Madrid, Espanha
esot.org
21
National Societies Symposia: Liver transplantation
– UEG (United European Gastroenterology) Week 2014
Viena, Áustria
ueg.eu
IV Fórum Internacional de Transplantes do Aparelho Digestivo
São Paulo, Brasil
fitx2014.com
MAIO
JUNHO
26 e 27
JULHO
26 a 31
SETEMBRO
OUTUBRO
NOVEMBRO
12 a 14
World Transplant Congress 2014
DR
26 a 31 de julho | Moscone West Convention
Center, São Francisco, EUA
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Gestor de projetos: Tiago Mota ([email protected])
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Fotografia: Luciano Reis Design: Filipe Chambel
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